A Ciência Está p e r to Dos l Im It e s

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A CIÊNCIA ESTÁ P E R TO DOS L IM IT E S ? George Steiner É impossível datar e localizar com precisão as origens da ciência ocidental. Desde o início da vida em sociedade que se foram dando descobertas práticas na agricultura, na navegação, no uso dos metais, no estabelecimento do calendário. A ciência está relacionada com tudo isso, sendo porém diferente de tudo isso. A ciência é a procura especulativa, desinteressada, não utilitarista do conhecimento objectivo, de construções teóricas, que poderão ou não ter aplicações subsequentes. É a investigação obsessiva de secções cônicas à custa da própria sobrevivência, como no caso emblemático de Arquimedes. Será que nos detemos suficientemente para considerar a total estranheza, a enormidade (no sentido próprio da palavra) da busca ocidental da ciência pura? Esta, em conjunto com a música e a matemática pura, constitui ao mesmo tempo o absurdo e a glória, o sobrenatural e a dignitas da nossa condição. Perdemos tempo a reflectir sobre o que parece ser a singularidade desta aventura, que começou nos séculos vn e vi na Ásia Menor, Jónia, Grécia e Sicília, mas muito possivelmente com contribuições provenientes da Suméria e do Fgipto? Não é impressionante o contraste entre Atenas e Jerusalém, entre, por um lado, a evolução da ciência e da matemática gregas e, por outro, a quase total ausência dessa alternativa na ética e na sensibilidade judaicas?

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Discussão sobre o fim da ciência e dos seus limites

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A CINCIA EST P E R TO DOS L IM IT E S ?

George Steiner

impossvel datar e localizar com preciso as origens da cinciaocidental. Desde o incio da vida em sociedade que se foram dandodescobertas prticas na agricultura, na navegao, no uso dos metais,no estabelecimento do calendrio. A cincia est relacionada com tudoisso, sendo porm diferente de tudo isso. A cincia a procuraespeculativa, desinteressada, no utilitarista do conhecimento objectivo,de construes tericas, que podero ou no ter aplicaes subsequentes. a investigao obsessiva de seces cnicas custa da prpriasobrevivncia, como no caso emblemtico de Arquimedes. Serque nos detemos suficientemente para considerar a total estranheza, aenormidade (no sentido prprio da palavra) da busca ocidental da cinciapura? Esta, em conjunto com a msica e a matemtica pura, constituiao mesmo tempo o absurdo e a glria, o sobrenatural e a dignitasda nossa condio. Perdemos tempo a reflectir sobre o que parece sera singularidade desta aventura, que comeou nos sculos vn e vi na siaMenor, Jnia, Grcia e Siclia, mas muito possivelmente com contribuiesprovenientes da Sumria e do Fgipto? No impressionante ocontraste entre Atenas e Jerusalm, entre, por um lado, a evoluo dacincia e da matemtica gregas e, por outro, a quase total ausnciadessa alternativa na tica e na sensibilidade judaicas?Apenas podemos especular, com algum incomodo, sobre o mpetomotivador das maravilhas da vida do intelecto sistemtico, teorico,desde os pre-socraticos. Digo incmodo, porque os factores decisivospodem ter sido_os mais estranhos s ingenuidades do politicamentecorrecto corrente. A investigao especulativa desinteressada, a formulaaoae hipteses desinteressadas (no sentido dado por Kant a esteepteto essencial) dependem de um comunto complexo de circunstnciaslaturais e sociais. Estas incluem provavelmente uma dieta adequada,em particular no que diz respeito a protenas, um clima temperado, olazer necessrio a reflexo e ao debate intelectual. Por outro lado, estasdadivas, a infra-estrutura do discurso racional na agora ou na academia,podem muito bem ter precisado quer da escravatura quer da condenaodas mulheres ao estatuto domstico. O mundo de Pitgoras,Empedocles, Plato e Euclides era extremamente especial e privilegiado.O meio material e psicolgico de que esse mundo dependia no estavadisponvel, por exemplo, nem nos Camares nem na floresta asiatica.Mas qualquer que tenha sido a dinmica subjacente, o genio implosivoda cincia grega, sendo inseparavel do discurso da metafsica e dapotica, foi a alvorada da busca e dos critrios ocidentais da verdaderacional. Como nos recorda Lucrecio, esta busca permanece o que preeminente neste mamfero insaciavel e inacabado a que chamamosHomem.No entanto, algumas sombras e ambigidades aparecem associadasdesde o incio a esta instituio. A_ arvore do conhecimento cientficopode albergar frutos estranhos ou mesmo toxicos. Como se relacionaesse salto dramatico que o domnio cerebral sobre a natureza, a lgicacientfica rao frequentemente determimstica, com a nossa moralidade,com a moral e a sabedoria poltica em aco? Havera de facto algumarelao? Havera algo de monstruoso na coexistncia do progresso cientficocom a barbaridade individual e social? O mero facto de as teoriase descobertas cientficas, porque se ajustam as praticas sociais, poderemlevar ao bem e ao mal, torna-as fundamentalmente neutras e desprovidasde valores? Estas questes preocuparam o pensamento_grego. Temuma expresso arcaica no mito de Promtteu, na sugesto de squilo deque a dadiva da cincia pelo tit ao homem e inseparavel da fatalidadearrogante, que o Renascimento designara como a desmedida ambio faustiana. Na famosa passagem do coro Antgona de Sfoclessobre a natureza do homem, texto onde, de acordo com Heidegger, odestino ocidental tem um ponto de viragem, a presso demonica daconquista cientfica e tecnolgica deixa os seres humanos perigosamentedesabrigados e em conflito consigo proprios. A stira causticade Aristfanes sobre a especulao cientfica e a vangloria cosmologicacontinua inultrapassada. Em nenhuma outra obra os conflitoslatentes entre o conhecimento abstracto e a conduta etica, entre osjogos de pensamento especulativos da fsica e matematica e a aplicaoda racionalidade para fins polticos e cvicos so mais fortementesentidos do que em Platao. Aqui, mais uma vez, podera haver umafastamento de caminhos, como entre o sentido do homem frequentementetrgico de Plato e o empirismo robusto e orientado cientificamentede Aristteles. Uma coisa e certa: no foi preciso termos LosAlamos1 para a cincia perder a sua inocncia. Com o devido respeito,Dr. Oppenheimer, ela nunca a teve.

No entanto, quaisquer que sejam essas ambigidades, persistentesna linhagem augustiniano-pascaliana do cristianismo, um axioma temsido central: o do progresso ilimitado, o do avano inerente as cinciaspuraj_aplicadas. Pode haver contratempos, regresses impostas pelasuperstio ou pela censura. Pode haver erros, mesmo erros duradouros,como os modelos dos movimentos celestiais de Ptolomeu, ou ateoria flogstica dos gases e combusto. Pode haver problemas aparentementeresistentes a soluo e conjecturas em permanente procura deprova. Mas o estado prim. rio da cincia, como que o seu movimentoorgnico, e o progresso. Quase por definio, as teorias tornam-severificveis e o somatorio do conhecimento aumenta. Na semana quevem, as cincias tero descoberto, localizado e percebido qualquer coisaque esta semana ainda e incerta ou est por descobrir. At um cientistade rotina, se integrado numa equipa competente, da por si a subir numaescada rolante. Por seu turno, a tecnologia progride concomitantementecom a cincia em que assenta. Para o cientista, o amanh e sempre maisprodutivo, mais interessante do que o ontem. O humanista, no mundoocidental, olha para tras. A proposio pode ser indutivamenteindefensvel, mas quantos de nos acreditam realmente que surgira outroPlato, outro Dante, Shakespeare, Michelangelo, ou Mozart? As crianasda escola dos nossos dias manipulam conceitos algortmicos e instrumentosque teriam surpreendido Gauss ou Einstein. esta diferenaradical na seta do tempo que separa o que, se calhar precipitadamente,ja foi chamado as duas culturas.

O que e axiomatico na cincia ocidental no e apenas o conceito deprogresso: e o conceito de progresso constante, ilimitado. Aqui devemosparar por um momento. Tomamos por certa esta ausncia de limites.Na realidade, trata-se de uma suposio profundamente enigmtica,mesmo escandalosa, tendo em conta o sentido metafsico doskandalon grego. Os homens percorrem uma milha num intervalo detempo cada vez mais curto. Mas nunca a percorrero em, digamos, doisminutos. Imperativos fisiolgicos impoem limites. A vida biolgicapodera mesmo vir a ser prolongada, ate de forma marcada, mas amorte nunca sera evitada. Nas artes e humanidades, na literatura ou fiamusica, a categoria progresso tem apenas relevncia tcnica. Novosmateriais so disponibilizados para o arquitecto, o pintor ou o escultor.A musica pode tornar-se electrnica. Mas de nenhuma forma substantivahouve progresso em relaao a Homero ou Shakespeare, Platao ouBach. Arte e debate filosofico giram numa espiral de permanentecontemporaneidade. Solicitam reverses no tempo. Agora mesmo, aOdissia parece seguir-se ao Ulisses de Joyce. Apenas nas cincias etecnologias o progresso e uma verdade verificvel e, assumimos nos, aomesmo tempo ilimitado. O paradigma que o valida e o da matematica.Se os teoremas e demonstraes matematicos correspondem a realidadesempricas, actuais ou futuras, ou se so sistemas que se geramautonomamente, construes axiomaticas que nas suas prprias regrascontm a preparaao dos seus passos subsequentes, permanece umdebate epistemologico complicado. !Mas a acta da matematica parecede facto nao ter limites. No ha circunstncias neuropsicologicas, nemsociais ou histricas que estabeleam quaisquer fronteiras. A cincia, namedida em que cresce para alem da matematica, e analogamente infinita.O cerebro humano deparar-se-a indubitavelmente com questesinsolveis e indecidveis; debater-se-a com paradoxos profundos e comproblemas indeterminaveis. Mas no conjunto, e por gradual que seja aevoluo do cortex humano, as cincias prosseguem com confianaindiscutvel, de horizonte a horizonte. No se trata apenas de umasingularidade fantstica na experincia humana. Revela tambm umaestranheza demonaca, um abismo entre o entendimento cientfico eo entendimento comum e, talvez tragicamente, entre os instrumentoscientfico-tecnologicos e as foras da moralidade e dos meios polticosaparentemente deficientes e ate estticos. O impulso desimpedido dascincias troa do passo do caracol, da bestialidade recorrente da nossahumanitas.Ate aos nossos dias, o pressuposto da ausncia de lirmtes tem sido ~triunfantemente justificado. Lanou a mais grandiosa frota do Homemocidental, a sua mais orgulhosa viagem. Dos zigurates da Babilnia asnossas sondas espaciais, das conjecturas de Galeno ao genoma, doteorema de Pitagoras prova da intuio de Fermat. Travessias semfronteiras atravs de mares do pensamento2 e de experimentaao.Depois da ideia seminal de Galileu e Kepler de que a matematica e alngua da natureza, o accelerando na cadncia e alcance das cinciastornou-se exponencial. Da mesma forma que o fizeram as conquistastecnologicas, elas prprias, como disse Hegel, carregadas de implicaesmetafsicas. A mecaaica celeste de Newton e Laplace tornou-se aalegoria da prupria razo. Os ensinamentos electromagneticos deFaraday e a teoria da evoluo de Darwin afirmaram o positivismo, aconfiana terica e utilitaria subjacentes a cultura ocidental e suareivindicao de domnio planetrio. A cincia e a tecnologia estimulamos ideais educativos, as economias de mercado e, significativamente, osmtodos de guerra que caracterizam a modernidade. Observe-se a formacomo a dinmica das cincias exactas e aplicadas se estende a filosofia,a poltica___teoria social. Afirmaes de estrutura e validade cientficas, quer sejam legtimas quer no, so fundamentais no programapositivista de Auguste Comte, nas analises da Historia e da sociedadede Marx, no leninismo e na psicanalise. Levi-Strauss chama lahoratorio ao seu quarto algo poeirento no Colle^e de France. O cientficoservia de senha de acesso a maturidade e ao prestgio intelectuais.Os historiadores estimam que 90% do conjunto de homens e mulheresque podem autodenominar-se cientistas estavam vivos e activosem 1945. Pouco tempo depois, os custos de manuteno do sistema dearrefecimento nas instalaes de investigao nuclear de uma importanteuniversidade norte-americana excediam o oramento total da mesmainstituio alguns anos antes. De forma correspondente, o prestgiosocial, as recompensas economicas, o investimento publico e privado nainvestigao e desenvolvimento das cincias, quer puras quer aplicadas,tm-se multiplicado continuamente. As maravilhas e aplicaes (mesmose ambguas) da fsica at mica, da biologia molecular, da modelao eexplorao cosmologicas tem vindo a confirmar a soberania da cinciaem relao ao nosso entendimento e a explorao do mundo que habitamos.E fascinante que tenha p odido haver apenas duas circunstnciasem que um avano tecnologico brilhante foi suspenso por razesde contingncia e no totalmente transparentes: o Concorde e o veculoanfbio. Nos outros casos, o progresso teorico e cnico tem levado,literalmente, aos planetas e as galaxias, a mais primordial matria daqumica da vida, constelaes matematicas justamente chamadastransfinitas. No tem havido um fim a vista.Apesar de me faltarem as qualificaes necessarias a educaocientfica que tenha tido resultou em desapontamento tomei a liberdadede sugerir esta converzatione em Lisboa para perguntar: essaausncia de limites ainda permanece diante de nos? Ou havera sinais,mesmcT se difceis de interpretar, de uma possvel crise no ate agorapostulado axiomatico do progresso sem limites? Havera algumas pistasserias de que a teoria e praxis cientficas se deparam com muros, comfronteiras de ordem lundamental e possivelmente insupervel? Levantarsequer esta questo pode convidar ao ridculo, porque toca em tabus,em dogmas que tem servido de garantia e de fiana da nossa civilizaoe das suas melhores esperanas. Mas a inquietude intrnseca do espritoe o seu cancro necessrio: levantar questues mesmo quando a respostaparece improvvel ou ate danosa.As polaridades do macrocosmos e microcosmos, a posio do homemnum meridiano equidistante de ambos, so uma instituio antiga.Como o a suposio de que simetrias, mesmo que flcultas, se aplicamentre as esferas do imenso e do minusculo. suposio a que o modeloatomico de Bohr deu uma expresso racional. O desenvolvimento, comoque em contraponto, do telescopio e do microscopio no? sculos xvi exvii abriu as portas destas infinidades opostas e dialecticamente comtrastadas. O telescpio ptico tornou-se o radiotelescpio e o observatriodo espao. As lentes de Leeuwenhoek evoluram at que se tornaramo microscpio electrnico. Os espaos infinitos que assustaramPascal tiveram os seus recprocos, no menos ilimitados, nas formasminsculas infinitesimais da matria orgnica e inorgnica. As viagensde Gulliver alegorizaram ambas as dimenses. Hoje em dia, por outrolado, concebvel que as portas se estejam a fechar. Mesmo o maispoderoso dos radiotelescpios, j para no falar dos instrumentos pticos,esto a chegar aos confins do nosso universo observvel. Ondas deluz emitidas num perodo de tempo grosseiramente estimado paradurante o ps-Big Bang podem ainda ser detectadas. Mas inmerasgalxias esto a escapar para alm do horizonte de qualquer potencialobservao. Hipteses sobre a finitude do nosso cosmos local, propostasagora em voga sobre a ausncia de limites para o m im em He universosparalelos, viro a pertencer ao que Bertrand Russell e Wittgenstein cuidadosamentedefiniram como msticas. Da mesma forma, parece quea observao microscpica, por mais indirecta que seja, est a aproximar-se do seu limite. Os presumveis mundos para alm desta barreirapermanecero inacessveis.Se for este o caso, as conseqncias epistemolgicas e psicolgicaspodero ser incalculveis. A priso domiciliria para o homem continuariaa ser imensa: as fenomenologias intermdias justificariam o estudoterico e experimental, mas seria ainda assim uma priso domiciliria.Pertence a um plano correlato, ainda que bastante mais especulativo,a possibilidade de haver limitaes inerentes capacidade analtica einterpretativa do crebro humano, salvo por mutaes imprevisveis, dehaver ordens de complexidade, de estranheza, to longe do nossoentendimento como, por exemplo, a linguagem est para quase todas asespcies de animais. Mesmo se provas fenomenais viessem a estar disponveis,podemos no estar equipados, ou como se diz agora,conectados, quer para as registar quer para as interpretar. O quepoder fortalecer o postulado de que os recursos do crebro progridemconstantemente, j para no dizer que so ilimitados? A afirmaao deMarx de que o Homem apenas levanta problemas que pode resolver uma consolao com dois gumes. Suponhamos que estes no so osproblemas mais decisivos ou mais frutferos. Como poderamos sab-lo? Os efeitos de limitaes imutveis psicologia individual e socialso imprevisveis. H uma ponta de insanidade na mera possibilidadede uma passadeira rolante infinita. O nico texto adequado a estaconcluso talvez seja o da ltima e fatal viagem de Ulisses no InfernoXXVI: infin che il mar fu sopra noi richiuso (at que o mar se fechousobre ns).Uma das principais perplexidades para a qual esta Conferncia sevirar parece de facto incluir estes mltiplos assuntos.Permanece um ponto difcil a questo de saber se o Princpio daIncerteza de Heisenberg, se a interferncia inevitvel ao nvel das partculasfsicas entre o acto da observao e aquilo que est a ser observado ideias que Einstein reconhecidamente abominava , impelimitaes inerentes a qualquer levantamento emprico do subatmicoe da etiologia da criao. durante os anos 1970 que a Teoria dasCordas comea a sua conquista dominadora. Estima-se que tenha alimentadouns dez mil artigos cientficos, muita tagarelice de colquiose as polticas das posies permanentes na academia. Para os seusproponentes o Santo Graal, a teoria final que unifica a fora e amatria num modelo quntico da gravidade. Abraando quer a gravidadequer a mecnica quntica nessa construo coerente e unificadaque tinha escapado durante tanto tempo Relatividade Geral. A celebraotem sido clamorosa, as recompensas profissionais siderais. Noimporta se mais e mais dimenses tm de ser adicionadas ao paradigmainicial (alguns dos cordistas falam de vinte e nove, deixando osepiciclos de Ptolomeu a parecer abstmios). No importa que um hbridoconhecido como split supersymmetry tenha divergido da matrizoriginal. Mas talvez o problema seja mais profundo (estou a citar dissidenteseminentes). At agora, no foi feita uma nica previso quepossa ser testada; no foi resolvido um nico enigma terico genuno., como previu Feynman, um disparate. Na melhor das hipteses,uma nova verso da teologia medieval (Sheldon Glashow). Para alguns,as suas conjecturas nem sequer esto erradas. Os crticos falaramde um truque de confiana, com nfase posta pelos media emconfiana. Quando se adicionaram membranas vibrantes s cordas,o sacerdote do novo culto concedeu que o M na Teoria-M significavamagia, mistrio, ou membrana, conforme o gosto.Seria de flagrante impertinncia um leigo permitir-se opinar. Masuma questo maior se levanta. Os tericos das Cordas concederam,frequentemente numa aura de satisfao, que as suas propostas no sonem nunca sero susceptveis de comprovao ou refutao provadasexperimental. Alguns foram mesmo mais longe, sugerindo que no hthought-experiment adequada nem para verificao nem para falsificaodo que essencialmente uma explicao matemtica do nossouniverso. No preciso ser-se um seguidor dogmtico da definio deKarl Popper da cincia aberta experimentao e refutao para seperceber que o que est em causa o prprio conceito de cincia, comotem sido entendido no Ocidente durante milnios. Se a Teoria dasCordas imune tanto prova como refutao, se no passa de umjogo matemtico de grande beleza e licena arbitrria (pode entender-se como querendo dizer seja o que for, comentou um cosmlogo derenome), ser ento cincia? Trata-se de muito mais do que uma questode semntica, porque toca no centro nevrlgico da racionalidadeocidental como tem sido entendida e ordenada desde Aristteles eBacon. Ser que uma concepo particular da beleza formal, uma estticaps-Kant, vir substituir o estatuto dos dados experimentais e dasprevises controladas empiricamente? Ser que a classificao da cinciaenquanto cincia se tornou obsoleta? Como disse um astrnomofrancs orientado para a filosofia, hoje, a astronomia depara-se comquestes metafsicas para as quais no h resposta. Tem de passar otestemunho filosofia. Ou, como defendeu Steven Weinberg, no soas descobertas sobre a natureza que mais nos atraem hoje, so as descobertassobre a prpria cincia.A segunda grande crise uma crise de coeso interna e comunicao.Tradicionalmente, as cincias, tericas e aplicadas, podiam serordenadas e inter-relacionadas sistematicamente. As cincias da vida, afsica, o orgnico e o inorgnico podiam distinguir-se e localizar-se aolongo de eixos conceptuais e metodolgicos principais. O atlas barroco,mas tambm o de Comte, da procura do conhecimento encantou emtaxonomias e concordncias elaboradas. Enciclopdia e ordem funcional,como os philosophes e Hegel as estabeleceram. Esta exposiodiagramtica j no praticvel. A fsico-qumica, a neurofisiologia, abioqumica, a geofsica, a astrofsica e agoia a astrobiologia, a biologiamolecular so exemplos de novas conjecturas. Os seus delineamentosso constantemente fluidos. Para alm disso, dentro de cada rea asramificaes, as subseces so agora de tal forma mltiplas que subvertemqualquer totalidade consistente. velocidade da fragmentaoe multiplicao que pode ser projectada estatisticamente, cada especializaodivide-se em subespecializaes que por sua vez se ramificam.Ramificando-se a partir dos troncos clssicos, as cincias dentro dascincias tornam-se cada vez mais segmentadas, circunstancial e tecnicamente.Uma nova disciplina acadmica, uma nova revista cientfica ouassociao profissional ir, num intervalo previsvel e em acelerao,gerar mais revistas cientficas, cada uma dedicada a uma subdivisoparticular. S na rea da radiao oncolgica, diz-se que h agora umasquarenta revistas cientficas ou boletins (entre as quais, parece-me, umaeditada em Hiroxima).A conseqncia uma crescente quebra da comunicao interna.Especialistas em reas cada vez mais circunscritas tm dificuldade emcomunicar com os seus vizinhos cientficos imediatos. Taxonomias,tcnicas experimentais, instrumentao matemtica dividem e subdividemgerando uma linguagem especfica, estranha mesmo para os colegasduma rea prxima. Os radioastrnomos hesitam em expressar assuas ideias sobre a fsica do sistema solar ou a qumica e mineralogiados meteoritos. Os especialistas em cancro intestinal recusam comentaras patologias pulmonares. Com demasiada frequncia, o bioqumicono fala com nenhum dos anteriores. A proliferao tentacular dasrevistas cientficas, que se contam nas dezenas de milhar, dos prcisdisseminados electronicamente, das bases de dados, das mensagens naInternet, dos mecanismos de busca computadorizados, veio agravaresta crise. A disponibilizao diria de informao especializada talque h agora um claro risco de colapso interno. Frequentemente, osignificativo e o trivial no podem ser separados nem com celeridadenem com certeza. A reduplicao prolifera. Est a tornar-se praticamenteimpossvel ter uma impresso geral e global num sentido que noseja simplesmente plagiador e fortuito. Diz-se que depois de Leibniz, sJ. Robert Oppenheimer foi capaz de visualizar a cincia como um todo,de saber como uma nova descoberta ou um problema por resolver seenquadravam no resto (a esta distino eu gostaria de juntar o nomedo gnio desalinhado e polimrfico que foi George Gamow).Num plano algo diferente mas relacionado, a cincia tem cada vezmaior dificuldade em comunicar seriamente com a comunidade emgeral. Este dilema vem desde a matematizao das cincias naturais eaplicadas depois de Galileu e Newton. A procura de uma linguagemcomum foi essencialmente abandonada. Os leigos educados aprendemsobre o progresso cientfico e os mtodos de entendimento com umjornalismo frequentemente irresponsvel e banalizante. Aqueles capazesde estabelecer uma ponte um Medawar, um Freeman Dyson so excessivamente raros. Este incommunicado cresce com a escandalosafragilidade da matemticas na educao e do que passa por culturaadequada. Nada obriga a sociedade, mesmo no chamado mundo desenvolvido,a explorar os conceitos e mtodos matemticos mais rudimentares(olhem volta da vossa mesa e peam aos vossos convidados, oua vs prprios, que definam uma mdia aritmtica ou uma elipse). Noentanto, as implicaes so pouco menos que desastrosas. Avanos nabiologia molecular, na biogentica, no entendimento dos processosgeolgicos afectam, vo afectar, a existncia pessoal e colectiva emcada ponto crucial. Vo moldar as opes morais e legais, a economia,o controlo poltico, a terapia e psicologia. Quem pode prever comconfiana quais sero as implicaes sociais dos projectos do genoma,da manipulao gentica, das intervenes neuroqumicas na hereditariedadee memria? O debate informado, do qual o nosso futuro podemuito bem depender, requer que o leigo faa trabalhos de casa. Tambmrequer da parte dos cientistas uma vontade de comunicar de formalcida e com conscincia do contexto social. As perspectivas de ambosos lados no so promissoras.O terceiro ponto importante ser o mais radical, mas tambm omais difcil de contextualizar. Alguns paradoxos insolveis e contradiespotenciais da lgica formal na teoria dos grupos, tinham sido identificadosnos finais do sculo xix, incios do sculo xx. Eram, no entanto,pequenas nuvens num horizonte fora disso sereno. O maior passo nopensamento humano desde Aristteles e Descartes, lia-se na citao deHarvard para o grau de honoris causa de Kurt Gdel. Praticamentedesconhecido, Gdel tinha anunciado os seus teoremas na Knigsbergde Kant, em 1931, durante um obscuro congresso de lgica matemtica.O choque ainda hoje est longe de ter sido absorvido. Gdel mostrouque nenhum sistema matemtico pode ser reduzido a autoconsistnciaaxiomtica. Em todos haver proposies que no podem ser provadasnem refutadas, nem poder haver prova de consistncia interna dosaxiomas dos quais esse ou qualquer outro sistema deriva. Seja comofor, ter sempre de haver, por assim dizer, uma importao. As consequncias para todas as cincias exactas e puras so, se me permitem ojogo de palavras, incalculveis. O orgulhoso edifcio da decidibilidadesistemtica, que se mantinha de p desde Euclides, foi minado. RogerPenrose demonstrou recentemente que o teorema de Godel torna ilusriaqualquer analogia entre a computao mecnica e as operaes docrtex humano. No menos ilusria qualquer Teoria de Tudo comoprometeu Hawking. Tudo um hbrido cujas fundaes lgicas tmde permanecer, em aspectos cruciais, arbitrrias e contingentes. Inadvertidamente,o filsofo da cultura Adorno traduziu lapidarmente Gdelquando defendeu que qualquer totalidade uma mentira.A. matemtica e as cincias sabem hoje que h na lgica, nas leis dopensamento como estas parecem estar gravadas no crebro humano,constrangimentos, limitaes quer totalidade quer prova. At naforma mais soberana, como na evoluo darwiniana, a teoria permaneceteoria. O incomparvel, o indecidvel, o indeterminado no soacidentes histricos a ser ultrapassados. Esto no corao do empreendimentocientfico, so a matria negra da razo. H, portanto, problemasque permanecero sem soluo ou, na melhor das hipteses,sujeitos a hipteses inconstantes quaisquer que sejam os avanosmetodolgicos ou pragmticos no conhecimento humano. Contrariamenteaos pressupostos confiantes de Bacon e Laplace, a nossa imagemdo universo permanecer sempre, em grande parte, conjectural, talvezespelhando, como acreditava Kant, a estrutura particular local donosso intelecto. A barreira parece passar por Knigsberg! A Teoriadas Cordas, a modelao da conscincia como neuroqumica e electromagnticapodem sinalizar a at agora no reconhecida coliso como indecidvel. Faz lembrar a boutade impaciente de Heidegger: ascincias so triviais. S nos do as respostas possveis. So as perguntasque importam.Isto no significa, claro, que o progresso cientfico significativo nocontinue, que o trabalho de primeira ordem no evolua, mesmo emdomnios at agora desconhecidos. A biogentica, a teoria da informao,a fsica de partculas podem juntar-se em pontos seminais na exploraoadicional do crebro. O entendimento do neutrino, da matrianegra, ainda preliminar. O boso de Higgs ainda espera que o apanhem.Sabemos menos sobre as profundezas dos nossos oceanos do quesobre a superfcie da Lua. A investigao mdica, em particular, estnuma fase formidvel que poder permitir melhoramentos significativosem epidemiologia, na correco de defeitos congnitos, na prpriadurao normal da vida. A tecnologia tem o seu mpeto autnomo eestimulado economicamente. Tambm no h nenhuma razo parasupor que as altas matemticas, quaisquer que sejam os abalos nas suasfundaes lgicas, vo desacelerar nas suas jogadas metericas. Mesmoa Hiptese de Riemann poder ceder os seus segredos obstinados.Apesar de tudo, poder ser legtimo dar um passo atrs por ummomento na esperana de uma viso mais alargada. Para melhor conseguiro que a Universidade Rockefeller pretendia quando recebeu umaconferncia chamada A cincia est debaixo de fogo?Os sintomas so complexos e difceis de avaliar. As inscries deestudantes universitrios nos cursos de cincias duras como a fsicae matemtica baixaram, no raro de forma abrupta. O financiamentogovernamental para investigao fundamental foi reduzido ou tornadosujeito a legislao restritiva e interferente (a investigao sobre clulasestaminais um caso ilustrativo). As facilidades, financeiras e prticas espao de laboratrio, equipamento , para a formao de jovenscientistas tornaram-se limitadas. A taxa de sucesso de financiamento deprojectos de investigao, dos quais a progresso na carreira dos jovenscientistas depende inteiramente, estima-se agora em valores to baixoscomo 10% ou 15%. Faculdades e universidades respeitveis esto afechar ou a amalgamar departamentos cientficos, nomeadamente emdisciplinas clssicas como a qumica, a geologia ou a botnica. Umauniversidade britnica ilustre chega ao ponto de ter sete posies permanentesem qumica e uma dzia de estudantes de doutoramento.O ensino das cincias nas escolas secundrias, totalmente fundamental,est num estado precrio. Dada a estrutura dos salrios e o reduzidoprestgio, o professor com excessiva frequncia representa o elementomais desapontado e medocre do espectro. O matemtico capaz seguepara as finanas e mercados monetrios. O derrotado entra para oensino espalhando assim, de forma consciente ou no, o miasma doaborrecimento.Mas a subverso est enterrada ainda mais fundo. A filosofiadesapaixonou-se da cincia. A concordncia receptiva entre cincia efilosofia em Poincar, Bergson ou Bertrand Russell ficou longe no passado.O existencialismo de Sartre ignora a cincia. As duas vozes decomando no pensamento filosfico do sculo xx tomam as cinciascomo fundamentalmente triviais. Ao afirmar que a cincia no pensa, Heidegger expressou a convico de que a cincia no tem nadaa dizer-nos nem sobre o estatuto ontolgico e metafsico do homem,nem sobre o significado fundamental, o estatuto epistemolgico dasrealidades que, inocentemente, investiga e manipula. Treinado comoengenheiro aeronutico, vontade em matemtica e profundamenteenvolvido com as suas fundaes lgicas, Wiitgenstein nunca se cansoude dizer que a cincia no podia resolver, nunca iria resolver, os problemasverdadeiramente importantes da existncia humana, que sode natureza tica. A cincia to-pouco poderia iluminar-nos sobre aesttica que, tal como Kant, Wittgenstein considerava prxima damoralidade. Estas crticas convidam a ponderao e resposta ao maisalto nvel. Bastante mais comum, mas talvez mais conseqente, odesencantamento da cincia com a cultura ocidental em geral, que notem origem apenas no papel trgico que a fsica nuclear assumiu durantee depois da Segunda Guerra Mundial, ou no seu papel inevitvel nastecnologias de armamento. Este desapontamento difuso mas essencialvem do sentimento, justificado ou no, de que a cincia nao cumpriuas suas promessas: que a doena, a fome, a injustia social e os conflitosbarbaros continuam a amaldioar a humanidade numa altura em quea cincia e a tecnologia, em que a investigao e o desenvolvimentoengoliram enormes recursos econmicos com fins incompreensveis (asactividades do Conseil Europen pour la Recherche Nuclaire so dissoexemplo). As aterragens na Lua no inspiraram um nico texto literrioou obra de arte de qualidade. As alteraes climticas e os desastresque esto j a causar parecem alm de uma soluo cientfico-tecnolgica;ao contrrio, a cincia e tecnologia podem ser factores que paraelas contribuem. O medo da programao gentica para fins polticos,ou mesmo militares, agora generalizado. Um nmero reduzido masno negligencivel de homens e mulheres abdicam de carreiras cientficascom um sentimento azedo de vazio.O que est em jogo demasiado elevado, porque o ataque no tanto contra a cincia como contra a prpria razo. Estamos submersosem irracionalidade, em superstio, nas formas mais primitivas de credulidade.Cerca de vinte milhes de americanos esto convencidos deque Elvis Presley ressuscitou. Os financeiros de Wall Street e da City deLondres dispem o mobilirio de acordo com regras de um animismopseudo-oriental. A esposa de um primeiro-ministro britnico usaamuletos contra raios csmicos. Nos Estados Unidos h trs vezesmais astrlogos registados do que fsicos. A f curadora e qualquerforma de terapia mstica conseguem lucros de centenas de milhes.Autodenominando-se de administradores da vida, gurus sem escrpulosalimentam-se das neuroses abjectas dos privilegiados. Observe-sea manha enganosa de designaes como Cincia Crist e Cientologia.O fundamentalismo, no ncleo histrico do qual assenta o dio aopensamento racional, discordncia adulta, est em marcha global.O Islo repudiou a cincia durante sculos. O fundamentalismo cristo agora um factor preponderante na vida pblica e poltica americanas.As suas tentativas de censurar o darwinismo e a investigao biogenticaso manifestas. Onde quer que as dinmicas de f estejam atrofiadas emoribundas, a religio organizada gera o obscurantismo intolerante.Quando os anjos deixaram de voar, os ovnis tomaram-lhes o lugar.Quando o pessoal de Moiss deixou de conseguir extrair guas correntesde rocha, o vedor pratica os seus truques fraudulentos. A cosmologiainfantil e os ritos da Nova Era so, de facto, to velhos quanto o soas curandeiras e os xams intoxicados. Porqu dar-se ao trabalho depensar, de estudar lnguas difceis, para exercer pensamento crticoquando se pode ler o Cdigo Da Vinci, invocar os feiticeiros do HarryPotter, ou procurar a revelao narctica nos bairros degradados doNepal inundados de criminalidade? Em resumo: o pico do questionamentogrego clssico, o orgulho e o escrpulo do inqurito analticocomo em Descartes, em Hume ou em Kant esto em retirada abjecta.Em muitos aspectos, o clima actual de conscincia, mesmo se saturadode sofisticao tecnolgica, mais propcio demonologia do que o daIdade Mdia.Como Lenine notoriamente perguntou: que fazer?, sabendo queno h respostas simples, quanto mais garantidas.As cincias e os seus porta-estandartes tm alguma culpa. Em alturasbvias, a arrogncia foi gritante. simplesmente palerma apregoar quea identificao dos boses ir fornecer a chave do universo. E intelectualmentee, talvez, moralmente desonesto determinar, por decretomagistral, que qualquer questo relativa ao tempo antes do Big Bang uma palermice ilegtima. Promessas estrondosas em relao a curaspara a doena de Alzheimer e para muitos tipos de cancro tm-serevelado repetidamente prematuras. No somente as cincias tmde explicar-se de forma mais transparente (o que que justifica exactamenteo enorme investimento em aceleradores gigantes como oCERN?), as cincias tm de estar preparadas para cativar, de modointeligvel para homens e mulheres educados, em debate moral, polticoe social, o que as suas descobertas e subsequentes aplicaes implicam.A biologia molecular, a gentica, a investigao neurolgica do crtexlevantam questes de conflito directamente pertinentes para a vida doindivduo e da comunidade. Os cientistas e isto ir gerar hostilize __ tm de aprender a perder algum do seu tempo em debatedidctico, forense e cvico com as suas sociedades, frequentemente ignorantes,preconceituosas e traumatizadas. O auto-isolamento de instituiese dependncias de investigao vitais das comunidades que assustm, a facilidade com que os cientistas aceitam censura e ocultaoem nome da segurana nacional tem sido alarmante. As charadas querodeiam o possvel impacto da clonagem so disso exemplo. Uma linguagemcomum, a aceitao partilhada da responsabilidade para almda manipulao condescendente dos media, deve ser encontrada. Porseu lado, como tentei mostrar noutra ocasio, o nosso conceito deliteracia indispensvel tem de ser profundamente revisto. Sem um graude numeracia adequado, ningum pode considerar-se educado, no sentidode estar equipado para participar em processos de deciso, nascrises e recompensas da vida moderna. A inumeracia, a absteno maisou menos auto-satisfeita da larga maioria do pblico e seus porta-vozespolticos de qualquer entendimento ou mesmo rudimento de conceitosmatemticos, que o mesmo que dizer cientficos, roa o escandaloso.Aqueles que so capazes de ensinar matemtica aos nossos filhos, deacordar em ns um sentido imediato da grande aventura que aconjectura matemtica, deviam ser compensados financeiramente erespeitados socialmente. Mesmo conceitos e provas matemticas difceispodem ser ensinados historicamente. Que saga pode ser mais estimulantedo que, por exemplo, a descoberta da geometria no-euclidiana,da geometria algbrica ou do chamado ltimo teorema de Fermat?O que que mais instrutivo da criatividade e limitaes da nossa vidamental do que a noo do indecidvel, daquilo que no pode ser provado, agora ou nunca? Quo surdo no o ouvido humano que noconsegue ouvir a msica dos nmeros primos; quo mope no oolho humano que, como disse uma poetisa americana famosa em relaoaos Elementos de Euclides, nunca olhou para a beleza nua?Porque, se h validade para o axioma de Keats de que verdade beleza,e beleza verdade, na matemtica e nas cincias exactas que havemosde encontr-la. Num nvel mais humilde mas vital, apenas a numeraciaeleva muita da economia moderna, da sociologia, da demografia, e daresposta informada arquitectura acima da trivialidade e das agendasdos media. Nada disto novo. Plato gravou sobre as portas da suaacademia a mxima de que ningum ignorante de geometria deviaentrar. Uma terrvel preguia infecta os nossos caminhos. Abraar estasmedidas o tpico central da razo, da sua fragilidade. Estaremosconscientes dos estragos, possivelmente irreparveis, que o triunfo dapornografia e narcticos, que o brutal despotismo do barulho, do incessantefornecimento de lixo, est a infligir ao crebro, nomeadamente aocrebro dos jovens durante fases cruciais da sua educao e desenvolvimento?Quaisquer que sejam os seus dilemas ou limitaes potenciais,a cincia tem sido, a cincia permanecer a iluminadora filha da razo.A ameaa da loucura poltica e do fanatismo infantil raramente foramto insistentes. Nem a terapia da cincia, da tolerncia racional que acincia contm, mais necessria.Se este colquio fizer uma contribuio modesta para este argumento,ter sido justificado.

A TEORIA DAS CORDAS E O PARADOXODA NO-VERIFICABILIDADE

OS C O N S T R A N G IM EN TO S DA PRO D U OD0 C O N H E C IM EN TO C IEN T F IC O :CON S ID ERA E S E P ISTM ICA S E SOCIAIS

Helga Nowotny

Pondo em contexto os limites da cincia

As questes instigantes levantadas pelo Professor George Steinerpermitiram, graas Fundao Gulbenkian, que nos reunssemos parareflectir sobre os limites da cincia. O tema dos limites no novo. Naviragem do sculo xx, as figuras proeminentes tanto na matemticacomo na fsica comearam a mostrar preocupao com a possibilidadede os mais importantes problemas terem sido resolvidos, o que implicariaque nada com real significado cientfico restaria para fazer.O sentimento prevalecente era que se esgotara o stock conhecido dequestes em aberto. Talvez sem surpresa, o sentimento de melancoliaperante a perspectiva de j no haver desafios excitantes coincidiu comuma tendncia cultural mais ampla de exausto e mal-estar generalizado.Um enrgico alerta, a lembrar-nos de que a cincia no se desenvolveisolada da sociedade. De tempos a tempos, podem ocorrer fascinantesparalelos entre fenmenos culturais generalizados e certosdesenvolvimentos no interior da cincia. As questes levantadas nocampo cientfico podem ter uma profunda ressonncia na sociedade,Podem at ser influenciadas por tendncias sociais, como j foi defendidoa respeito da fsica na Repblica de Weimar (Foreman, 1971).A retrospectiva histrica mostra-nos o que aconteceu a seguir Asqueixas de que tinham sido atingidos os limites da cincia foram pouco'depois seguidas por alguns dos mais espectaculares desenvolvimentosna fsica e na matemtica. A resposta cientfica ansiedade do esgotamentoconsistiu numa mudana de paradigma que no deixou pedrasobre pedra na fsica clssica. Trouxe a teoria quantica, que aumentougrandemente o nosso conhecimento do mundo, assim como conduziudcadas mais tarde, a algumas das mais extraordinrias inovaestecnolgicas que povoam hoje as nossas vidas. A histria ensina-nos aencarar com cautela a ideia de que estamos perto dos limites da cinciaFrequentemente, um novo conjunto de questes ou novas tecnologiasde investigao bastam para desviar a curiosa mente cientfica paranova e produtiva direco. No dever pois constituir surpresa que aresposta dada s questes do Professor George Steiner durante a Confernciatenha sido um retumbante no. Muito pelo contrrio, emvez dos limites, fomos expostos a novas e estimulantes questes,surgidas de trabalhos recentes e que levaram ao estudo mais avanadodos fenmenos e descoberta das suas inter-relaes. claro que o diagnstico do Professor Steiner sobre a crenaininterrupta no infindvel progresso cientfico e os argumentos que, doseu ponto de vista, minam esta f foram muito mais profundos. Seguirama tradio da cultura europeia da crtica da cincia, que atingiu umdos seus momentos culminantes nos anos 1930 do passado sculocurto28, como lhe chamou Eric Hobsbawn. Aqui, refiro em especial aCrise das Cincias Europias de Edmund Husserl, publicado em 1936,na poca em que as foras negras do nacional-socialismo na Alemanhae outras formas de totalitarismo noutros locais j no podiam ser igno-radas Para Husserl, a crise da cincia europeia residia no facto de aracionalidade embebida na cincia no ter nada com que se opor ao fascismoe a outras formas de represso brutal (Husserl, 1936). uma crticacultural que no perdeu nenhuma da sua pertinncia, uma vez querevela de forma chocante os limites do pensamento racional e do seu__ supostamente civilizador e humanizante impacto na sociedade.Em vez de seguir por aqui e de qualquer modo seria impossveligualar a erudio e eloqncia do Professor Steiner , quero exploraralguns dos problemas mais mundanos que a cincia enfrenta hoje: umpblico que parece frequentemente frustrado e desconfiado da cincia,que faz frente cincia e questiona os prprios benefcios que oscientistas e os engenheiros esto convencidos que proporcionaram sociedade. O pblico alargado claramente no partilha a f num progressocientfico mais ou menos ilimitado, uma vez que a maior partedas incertezas que traz permanece sem resposta. Concordo com LewisWolpert e o ttulo do seu livro, A natureza no natural da cincia, e emcomo o pblico leigo poder pensar que h algo de no naturalnaquilo que os cientistas fazem; mas tambm acho que o fosso cognitivode que fala Wolpert est enormemente sobrestimado. Alargar a compreensopblica da cincia, como chamado o movimento criadopara ultrapassar esse fosso, no trouxe os resultados esperados. Proporcionarmais informao e conferir mais conhecimento cientfico noresultou em maior aceitao da cincia. Enquanto as pessoas aprendeme apreciam a cincia que lhes diz directamente respeito, noutros aspectosno mostram o mesmo entusiasmo que os cientistas. O fosso no tanto cognitivo como de experincia humana, no confronto com as expectativas,esperanas e medos levantados pela cincia em construo.Para ilustrar o meu argumento, vamos recuar at ao incio da cinciamoderna no sculo x v i i , a chamada revoluo cientfica. Digo chamada porque hoje comummente aceite que ocorreu uma tal revoluocientfica, que teve as suas figuras hericas e instituies como a RoyalSociety e um punhado de outras mais. No entanto, os historiadores dacincia que trabalham neste perodo comearam a questionar se algumavez ter existido um tal evento, uma revoluo cientfica (o termo eleprprio data apenas dos anos 1930), ou uma nica instituio que otenha feito acontecer. Em vez disso, a nova imagem que surge a deuma paisagem muito mais variada e dispersa, em que vrios gruposde modernizadores, instituies e associaes acreditaram e se interessarampela prossecuo de novas ideias e projectos, espalhados de formairregular no tempo e no espao atravs de grandes zonas da Europa.O historiador da cincia John Heilbron distingue entre, por um lado,ideias revolucionrias, que podem acontecer em qualquer altura e emqualquer lugar, e, por outro, situaes revolucionrias. Tal como napoltica, as situaes revolucionrias acontecem, tambm na cincia,quando a legitimidade previamente aceite da ordem e modo de fazerdas coisas so questionados e eventualmente derrubados. Foi isto queaconteceu no sculo xvn, quando os modernizadores comearam a afastar-se de Aristteles e outros textos antigos. Comearam a interessar-se pelo programa de inquirio de Descartes, seguindo o mtodo queele tinha proposto. Outros, foram atrados pela viso pragmatista deFrancis Bacon de que a cincia podia ser utilizada para melhorar a vidadas pessoas, ou tinham ainda outras ideias de como utilizar uma aproximaoexperimentalista no conhecimento da filosofia mecnicapara uso prtico. Os modernizadores estavam dispersos pela Europa eencontravam-se em provncias da Alemanha, Frana, Npoles e outroslocais. Incluam advogados e mdicos e aqueles que queriam estabeleceras suas prprias academias. Formaram novas alianas. Mas uma situaorevolucionria no corresponde a uma verdadeira revoluo. A suaformao foi um processo muito mais longo e tortuoso. No final dosculo xvn, sbios srios comearam a questionar a autoria inspirada daBblia e converteram o Antigo Testamento no trabalho de vrias mosannimas. A contemplao da existncia do homem antes de Adolcausou confrontos em todo o lado (Heilbron, 2007). Embora vejamoso resultado desta revoluo como glorioso, talvez o processo estejaainda inacabado.Unidos pelo seu entusiasmo para com um novo programa eadoptando uma aproximao emprica para com a sondagem da realidade,acreditavam firmemente que o novo conhecimento gerado permitiria cincia realizar as expectativas utpicas que acalentavam. Estaf partilhada no era ainda sustentada por qualquer prova de que acincia seria de facto capaz de proporcionar aquilo que hoje em dia noshabitumos a esperar dela. Os objectivos de Lisboa e Barcelona sobreinvestir 3% do PIB em I&D estavam a anos-luz de distncia, assimcomo a afirmao confiante que podemos fazer hoje de que sem investimentona investigao bsica no haver crescimento econmico.O que aconteceu no sculo xvn com a institucionalizao da cincia foimuito mais profundo do que o abraar de uma perspectiva utilitaristade meios e fins. A liberdade de investigao e o acesso no proibido produo de novo conhecimento, desimpedido pela Igreja, a Monarquiae o Estado, tornaram-se um valor social de direito prprio. Quandohoje nos envolvemos na controversa discusso dos valores, tendemosa esquecer que a livre investigao cientfica um valor socialbsico, promulgado pelos modernizadores de um amplo movimentocientfico no sculo xvn, um valor que deve manter o seu lugar firmeentre os outros valores que tentamos preservar hoje em dia.

A imagem em mudana da natureza: sis desvelada

Hoje, a natureza est em alta na agenda poltica, mesmo que novenha sob este nome. A discusso sobre as alteraes climticas, as suascausas e conseqncias, ubqua nos fruns polticos nacionais e internacionais.Emergindo timidamente de uma corrente de controvrsiassobre os organismos geneticamente modificados, j esto a gerar-se asprximas controvrsias sobre os riscos associados s nanotecnologias.A investigao nas clulas estaminais humanas continua a encontraruma oposio feroz em termos religiosos e polticos. Tanto os decisorescomo os cidados lidam continuamente com certos aspectos de comointervir, manipular e alterar a natureza. A imagem da natureza esttambm alterada. A natureza surge na forma do nosso planeta Terraameaado, o famoso cone da fotografia tirada do espao. Mas a imagemda natureza tambm modificada pelo fluxo de imagens que invademo espao pblico e a nossa percepo. Permitem-nos ver o interiordos nossos corpos e das nossas clulas ou seguir os estdios dedesenvolvimento de um organismo. A natureza j no apenas o queest l fora, estamos a intervir e a manipular a natureza no nossointerior as nossas clulas e seqncias de genes, o nosso sistemaimunitrio e talvez mesmo a nossa linha germinativa de um modosem precedentes. Tornou-se bvio que conhecer a vida refazer avida, uma vez que, j ao nvel molecular, nenhuma interveno possvel sem alterar processos naturais.A nossa relao com a natureza sempre foi contraditria. A naturezatem sido percebida, quer como ameaadora e aterrorizadora, quer comodoce e consoladora. Teve de ser conquistada, mas tambm protegida doimpacto da conquista humana. vista como frgil e, portanto, crescentementecarente da vigilncia humana, ao mesmo tempo que convidaa intervenes cada vez mais inteligentes. Acima de tudo, a naturezaj no vista como imutvel. Deixou de ser a ordem antesconsiderada acima e alm do alcance da ordem poltica e social, j queas leis da natureza estavam isentas de qualquer tentativa de sujeio vontade poltica, criando assim o espao de autonomia necessrio emque a criatividade cientfica podia desabrochar. Mesmo as leis da naturezaesto sujeitas s leis da evoluo, e a interveno humana operana evoluo em escalas de tempo muito mais curtas. Aquilo em quecivilizaes inteiras acreditaram durante milhares de anos, a ordemimutvel da natureza, enquadrada de forma diferente por diferentesreligies, desapareceu em apenas algumas dcadas.Isto provoca resistncia e cria um vcuo. H tentativas pararemoralizar a natureza e investi-la de uma autoridade moral segundo aqual o que natural tambm considerado bom. Temos testemunhadoa ascenso e disperso do criacionismo e do intelligent design, nodespertar daquilo que tem sido chamado o regresso da religio. Trata-se certamente de um fenmeno muito mais amplo, mas cresce novcuo criado pelo desaparecimento da ordem natural como ponto dereferncia e orientao para a conduta humana. O intelligent designpode ser interpretado como resposta evoluo sem um telos, no contextomais vasto da imagem em mudana da natureza, despida da suaautoridade moral. Um dos livros mais impressionantes no debate quedecorre entre a cincia e a religio de Philip Kitcher, um filsofo dacincia. Kitcher leva a srio os argumentos dos defensores do desenhointeligente e sujeita-os a meticuloso escrutnio, apenas para mostrar quej foram antes amplamente debatidos na histria da cincia econsequentemente abandonados com base em argumentos muito fortese evidncia emprica. A acusao de Kitcher ao intelligent design quedeliberadamente ignora a histria deste questionamento cptico, noaceitando o seu resultado (Kitcher, 2006).Um outro pequeno livro que mergulha nas nossas relaes com anatureza o de Pierre Hadot, um classicista, escrito a partir de umfragmento que nos foi deixado por Heraclito, uma frase um tantoobscura, apenas trs palavras em grego, phusis kruptesthai philei, normalmentetraduzidas como: A natureza gosta de se esconder (emboraHadot proponha outras tradues fascinantes). Comeando com estefragmento, traa uma representao iconogrfica da natureza desde aAntiguidade. A natureza geralmente descrita como uma mulher, frequentementeuma deusa da o ttulo do livro O Vu de Isis , como Homem tentando desvel-la de modo a alcanar o que est por trsdo vu e a apropriar-se dos seus segredos. Hadot conclui que, nosnossos tempos, esta imagem da natureza j no tem poder sobre aimaginao. Hoje, j s os filsofos falam dos segredos da naturezaquando debatem as questes essenciais da humanidade (Hadot, 2004)Eu concordo com Hadot.As tentativas dos cientistas para desvelar a natureza utilizando oardil em vez da fora, montando experincias inteligentes e empregandotcnicas astuciosas na sua manipulao, correspondem ao modocomo se exerce a cincia. Temos numerosos testemunhos de cientistasafirmando a alegria causada pela vitria sobre a relutncia da naturezaem desvendar os seus segredos. Hoje, a representao emblemtica danatureza como uma deusa velada desapareceu, mas por outro ladoparece que tambm j no guarda nenhum segredo. As razes esto emparte na capacidade da cincia para criar um fluxo infinito de novosobjectos epistmicos (e vimos bastantes bons exemplos durante estaConferncia), emergentes das prticas cientficas e da utilizao denovas tcnicas de investigao e tecnologias. Nas cincias da vida, porexemplo, novas entidades esto a ser criadas com tcnicas como aquelasque nos permitem remover o ncleo e ench-lo com um genomatirado da mesma espcie ou at de outra. Estas novas entidades, hbridosou quimeras, so objectos epistmicos que adquirem visibilidade.Tornam-se parte de um fluxo de imagens que as cada vez mais poderosastcnicas de visualizao cientfica colocam nossa disposio.Estas imagens circulam livremente na esfera pblica, e a se associamlivremente com outras imagens da imaginao privada ou colectiva.Ningum, nem os cientistas nem mesmo os media, cujo papel indispensvelna distribuio destas imagens, controla os efeitos que produzem.Ao tornarem-se visveis, as novas entidades criadas j no estoescondidas pelo vu de sis. A natureza, assim parece, revelou finalmenteos seus segredos.Mas h um preo a pagar pela nova visibilidade da natureza. Osobjectos cientficos assim criados so retirados do seu contexto original.So abstrados, isolados e reconfigurados, tornados mveis de modo apermitir a sua insero noutro contexto. Libertados do seu contextooriginal, podem viajar. Podem ser marcados e etiquetados e armazenadosem biobancos para uso futuro. Em alguns casos, a propriedadeabate-se sobre eles sob a forma de patentes ou outros direitos de propriedadeintelectual. O preo a pagar pela nova visibilidade e abstracodo contexto separarem-se da experincia humana. Tomemos o exemplodas tcnicas de reproduo mdica assistida, hoje uma prtica derotina e amplamente aceite. Houve sempre, em todas as sociedades, umcerto conhecimento das relaes de parentesco e da reproduo humana,mesmo que por vezes errado. Mas as pessoas viviam num mundo emque para fazer uma criana era preciso mais do que uma me e um pai,um mundo onde os deuses podiam intervir e os partos virgens erampossveis, ou onde o homem visto por uma mulher em sonhos poderiatornar-se pai do seu filho.Compare-se isto com o protocolo rgido com que tem de ser meticulosamenteseguido e documentado cada passo da fertilizao in vitro,em nome da transparncia, outro princpio de domnio para tornarvisvel o que antes estava escondido. E necessrio saber quantas mese quantos pais esto envolvidos no processo, especificar os respectivosdireitos e obrigaes e definido o seu estatuto e relacionamento, unscom os outros e com a criana. O conhecimento que durante milharesde anos esteve embebido na experincia humana, com todas as suastonalidades de ambigidade e com fronteiras tremidas entre o biolgicoe o social, tornado em algo cientificamente correcto, publicamentevisvel e identificvel a cada passo. Necessita de ser regulado de modoa tornar-se transparente. Ou tomemos o exemplo da Ritalina, umadroga agora amplamente prescrita nos Estados Unidos contra os maldefinidos sintomas de dfice de ateno (ADD, attention d ficitdisorder). A Ritalina adquiriu certo estatuto de marco do controloparental sobre crianas difceis porque os seus efeitos sobre as redesneurais da criana se tornam visveis e portanto tambm evidente asua eficcia. No entanto, a visibilidade dos efeitos da droga eclipsououtros efeitos do controlo parental que podem exercer-se ou mesmo termaiores efeitos a longo prazo: a escola que a criana freqenta, oscolegas com que se associa, a exposio televiso, a influncia dosirmos e uma srie de outros factores cujos efeitos na rede neuronal nopodem ser facilmente demonstrados e so por isso rapidamente descartados.Depois de se revelarem os presumidos segredos da natureza,tornando-os completamente visveis com a ajuda de poderosas tcnicasde visualizao, a experincia humana diria em que anteriormenteassentava o conhecimento tornada invisvel e irrelevante.A separao entre o conhecimento cientfico e a experincia quotidiana,entre a cincia, que torna visveis os processos e procedimentos atravsdos quais se criam novas entidades epistmicas abstradas do seu contextooriginal, e o mundo social, confuso e ambguo, com o qual agora se intersectam,no essencialmente cognitiva. a separao entre, por umlado, a experincia humana e a sempre confusa acumulao de conhecimentoe prtica que a acontece, e, por outro lado, a impecvel e incontestvelvisibilidade cientfica a que os segredos previamente escondidosda natureza foram expostos. A visibilidade tem conseqncias ao mesmotempo epistmicas a iluso do controlo total e sociais.Limites da cincia ou constrangimentos sociais da cincia?Como talvez tenham adivinhado dos meus comentrios, os nicoslimites que vejo cincia so os impostos pela nossa evoluo biolgicae pela cultura em que nascemos e vivemos. Historicamente, os limitesna cincia foram frequentemente ultrapassados pelo desvio para umconjunto diferente de perguntas ou pela adopo de nova perspectiva,frequentemente desencadeados por novas ferramentas da investigao.Em vez de limites, prefiro falar dos vrios constrangimentos que acincia enfrenta. Vo da incompletude do conhecimento que possumoshoje s incertezas inerentes a qualquer processo de investigao em queo resultado permanece imprevisvel.Crescem, no entanto, os constrangimentos decorrentes das cadavez mais contraditrias exigncias e expectativas que vrios grupossociais e cidados, a indstria, os negcios e o Estado articulam peranteo enorme potencial que a cincia e a tecnologia hoje oferecem. Talcomo com qualquer outro potencial, a eventual concretizao processa-se atravs da eliminao selectiva de certo nmero de opes. Esteprocesso altamente contingente, mas as novas formas sociais emergentespodem provar ser suficientemente robustas nas suas vrias dimensescientficas, tecnolgicas, sociais, culturais e econmicas einteraces mtuas. A robustez um dos princpios de concepo tocruciais no desenvolvimento de um organismo como na emergncia deum sistema tcnico ou social. J que nunca possvel concretizar opotencial na sua totalidade, a eliminao de opes uma pr-condioda sua realizao. Os constrangimentos servem para modelar as formasemergentes de novas ideias e as reconfiguraes de solues tcnicas,sociais e organizacionais.Num acto de bvia simplificao, deixem-me mencionar apenas trsdos constrangimentos que julgo importantes no processo actual de alojamentosocial e integrao do potencial da cincia e tecnologia. Umadas principais foras motrizes da cincia a curiosidade. uma emoo,ou mesmo uma paixo, com que todos os seres humanos nasceme que nos equipa para explorar o mundo nossa volta. Como qualquerpai sabe, algo acontece a esta curiosidade inata quando as crianas soenviadas para a escola. Ainda assim a curiosidade consegue sobrevivere medrar de outras maneiras. Tornou-se institucionalizada em duasreas da vida social: na cincia e na arte. A institucionalizao signifiCaque foi concedido um espao de (relativa) autonomia a um grupo deprofissionais e s suas instituies.Permitir-lhes seguir a curiosidade significa que podem explorar osreinos at aqui desconhecidos do conhecimento (ou modos de conhecerver ou agir). Surgiro com factos inesperados e com descobertas einvenes antes desconhecidas. Ao seguir os seus prprios impulsosa curiosidade pede um certo tipo de imunidade do controlo socialA curiosidade como paixo amoral no imoral porque no sabeonde vai parar e ainda assim segue o seu caminho. Assim sendo, todasas sociedades fizeram tentativas para limitar a curiosidade. Estas, noentanto, variam enormemente na medida em que conseguem ou noatingir o equilbrio necessrio: limitar demasiado a curiosidade reprimea criatividade cientfica (ou artstica), enquanto deix-la correr soltano aceitvel para a sociedade (Nowotny, 2008).Uma das correntes de esforos sociais para domesticar a curiosidade econmica, e consiste nas tentativas de canalizar a curiosidade paraaqueles campos de investigao criativa que prometem retorno econmico.Observamos uma tendncia marcada do financiamento privadopara se mover para essas reas que parecem economicamente rentveis.Muitos destes esforos esto reflectidos num discurso social a quechamo o discurso da inovao. No aqui o lugar para avanar maisdo que isto. Um outro esforo de limitao surge a partir do elevadonvel de democratizao que as sociedades liberais democratas alcanaramnas dcadas passadas. Comeando com o movimento ambientalista,surgiram novas procuras para uma democracia mais participativa edeliberativa e est a ser pedida uma maior prestao de contas a todasas instituies, incluindo a cincia. Um dos argumentos o de que nemtudo o que os cientistas propem deve ser realizado. Em especial, osriscos reais ou percepcionados associados a novas tecnologias necessitamde um escrutnio cuidadoso, monitorizao e gesto. O discursopblico que capta estes esforos de vigilncia o discurso d o risco.Actua como um constrangimento para muitos desenvolvimentostecnolgicos e solues propostas, desafiando a capacidade de umatecnologia que poderia esculpir a sociedade. Tambm no posso desenvolvermais agora este tema.O terceiro constrangimento surge camuflado com um discurso pblicoque conduziu criao de grupos de reviso tica e numerososcomits que lidam com os aspectos morais e ticos que a investigaocriativa traz para os fruns. o discurso dos valores. Pode dizer-se que o mais recente e talvez tambm o mais desafiante constrangimentoque a cincia enfrenta. A dificuldade est ligada ao facto de a naturezaj no ser vista como uma fonte de autoridade moral. Ao mesmo tempo,tornou-se claro que a cincia no consegue responder a muitas dasquestes mais pertinentes que surgiram no contexto dos feitos maisrecentes das cincias da vida. Questes como quando comea a vida?ou o que um embrio? figuram de forma proeminente no discursotico e moral. Referem-se a valores sobre os quais a cincia no temnada a dizer. As respostas s podem vir de uma sociedade civil que setornou inerentemente pluralista, e portanto dever procurar um consensovivel sobre os aspectos propcios diviso. Mais ainda, os valoresso muitas vezes moldados pela cultura e experincia histrica eesto fadados para mudar medida que a sociedade continua a evoluir.Deixem-me concluir enfatizando que a cincia far bem em levar asrio estes constrangimentos e em envolver-se de forma aberta e honestaem todos os trs discursos pblicos em que aparece de forma toproeminente. A cincia no enfrenta limites presumidos, enfrenta constrangimentosmuito reais. Enquanto os limites impedem, os constrangimentosdesafiam a criatividade e a imaginao da cincia e da tecnologiapara que surjam com solues e resultados que se apropriados eintegrados na vida quotidiana se tornaro uma poderosa fora motrizno seu processo coevolutivo com a sociedade.

O FIM DA C IN CIA : UMA R EC O N S ID E RA OJo h n H o rg a nGostaria de agradecer Fundao Gulbenkian o convite paraparticipar nesta Conferncia. uma honra participar ao lado destegrupo de grandes acadmicos. Estou especialmente entusiasmado porconhecer George Steiner. Na Universidade, era admirador dos seusensaios na revista New Yorker, de tal forma que considerei tornar-mecrtico literrio, antes de me dedicar ao jornalismo cientfico. Algunscientistas provavelmente teriam preferido que eu me tivesse ficado pelaliteratura.Quando comecei a escrever sobre cincia, h vinte e cinco anos,acreditava no mito do progresso cientfico sem limites. Comecei a questionaresse mito no final dos anos 1980. Foi nessa altura que StephenHawking e outros fsicos disseram que estavam perto de chegar a umateoria final que responderia a todas as principais questes da fsica.Esta espantosa afirmao fez com que me interrogasse sobre a possibilidadede no s a fsica mas a totalidade da cincia poderem acabar.Quando digo cincia, refiro-me cincia pura, a procura da compreensoda natureza e do nosso lugar nela. Durante anos, falei comdezenas de cientistas e filsofos de renome sobre os limites da cinciae li tudo o que pude encontrar sobre o assunto.Conclu que a era das grandes descobertas cientficas poderia, dealguma forma, j ter terminado. Os cientistas no voltaro a conseguirrevelaes to profundas sobre a natureza como a teoria atmica damatria, a mecnica quntica, a relatividade, o Big Bang, ou a evoluopor seleco natural e a gentica baseada no ADN. No futuro, oscientistas vo estender, aperfeioar e aplicar este conhecimento, masno haver mais grandes revolues ou revelaesE este o tema do meu livro The End o f Science. A comunidade cientficano o recebeu exactamente de braos abertos. Foi atacado peloconsultor cientfico da Casa Branca, pelo director do Projecto do GenomaHumano, pelo ministro da Cincia britnico e pelos editores dasrevistas cientficas Nature, Science e Scientific American, onde eu trabalhavana altura. As crticas intensificaram-se a tal ponto, que tive desair da Scientific American. Senti-me como se tivesse sido excomungado.Algumas reaces ao meu livro foram patetas, meras declaraes def piedosas no progresso cientfico. Mas tambm houve objeces razoveis tese exposta no meu livro. Nesta palestra tentarei responder aalgumas das objeces mais freqentes. Mas vou acabar com uma notapositiva, falando-vos de duas reas de investigao que me tm interessadoultimamente e que julgo poderem ter conseqncias profundaspara a humanidade.O b je c o n . 1: Isso era o que se pensava h um sculo!Esta de longe a reaco mais freqente ao meu argumento.A lgica a seguinte: nos finais do sculo xix, os fsicos julgavam quej sabiam tudo; mas depois, Einstein e outros gnios descobriram arelatividade e a mecnica quntica e voltaram a abrir a fsica. A moralda histria que algum que profetize o fim da cincia parecer seguramenteto palerma como os tais fsicos do sculo xix.Outra histria conhecida a do funcionrio do registo de patentesamericano que se demitiu por achar que j no havia nada para inventar.Em primeiro lugar, estas histrias so apcrifas. Nunca um funcionriode patentes americano se demitiu por achar que j estava tudoinventado. E os fsicos do fim do sculo xix debatiam-se com questesprofundas, como seja a de saber se os tomos realmente existem.Mas eis o que se sugere quando se diz Isso o que os cientistasachavam h um sculo: uma vez que a cincia avanou to rapidamentenas ltimas centenas de anos, pode continuar e vai continuar afaz-lo, possivelmente para sempre.A prpria cincia nos diz que o conhecimento tem limites. A teoriada relatividade probe viagens ou comunicaes mais rpidas do que aluz. A mecnica quntica e a teoria do caos limitam a preciso com quepodemos fazer previses. A biologia evolutiva lembra-nos que somosanimais, moldados pela seleco natural no para descobrirmos verdadesprofundas sobre a natureza mas para nos reproduzirmos.A maior barreira ao progresso da cincia o sucesso no passado. Osfilsofos ps-modernos detestam esta comparao, mas a descobertacientfica lembra a explorao da Terra. Quanto mais sabemos sobre onosso planeta, menos h a explorar. J cartografmos todos os continentes,oceanos, cordilheiras e rios. De vez em quando l tropeamosnuma nova espcie de lmure numa selva obscura, ou numa bactriaextica nas fontes hidrotermais das profundezas dos oceanos. Mas pouco provvel que nesta altura se descubra algo realmente surpreendente,como o continente desaparecido da Atlntida ou dinossauros aviver numa ilha escondida. Da mesma forma, no provvel que oscientistas venham a descobrir alguma coisa que ultrapasse a mecnicaquntica, a relatividade, a seleco natural ou o ADN.H um sculo, o historiador Henry Adams advertiu que a cinciaacelera atravs de um processo de feed b a ck positivo. O conhecimentogera mais conhecimento, e o poder gera mais poder. Este princpio deacelerao tem um corolrio intrigante. Se a cincia tem limites, entopoder estar a mover-se velocidade mxima no momento imediatamenteanterior quele em que choca com o muro.O b je c o n . 2: As respostas geram sempre novas perguntas bem verdade que as respostas geram sempre novas perguntas. Masa maioria das perguntas sem resposta geradas pelas teorias vigentestendem a preocupar-se com o que chamo detalhes. Por exemplo: qual a massa do top quark29? Como que a transduo de sinal30 funcionaexactamente? As respostas as estas perguntas podem ser fascinantes, outer um enorme valor prtico, mas simplesmente prolongam os paradigmasvigentes, em vez de resultarem em novas e profundas revelaessobre a natureza.Outras questes so profundas mas no passveis de resposta. A teoriado Big Bang levanta uma srie de questes bvias e profundas.Porque que o Big Bang aconteceu e o que que o antecedeu, sealguma coisa o antecedeu? A resposta que no sabemos e nuncahavemos de saber porque a origem do universo est demasiado longede ns, no espao e no tempo. um limite absoluto da cincia, impostopelas nossas limitaes fsicas.H muitas outras questes a que no se pode responder. H outrasdimenses no espao e no tempo para alm das nossas? Outros universos?E depois h o que eu chamo questes de probabilidade. Quo provvel era o universo, as leis da fsica, a vida, ou a vida suficientementeinteligente para se questionar sobre a sua probabilidade?Nenhuma destas perguntas poder ter resposta. No se pode determinara probabilidade do universo ou da vida na Terra quando apenasse tem um universo e uma histria da vida para analisar. A estatsticarequer mais do que dados individuais.As tentativas dos cientistas para resolver estes mistrios assumemfrequentemente a forma do que chamo cincia irnica. Trata-se de especulaoque no se pode confirmar e que lembra mais a filosofia outeologia do que a cincia genuna. Um exemplo de excelncia o princpioantrpico, que estabelece que o universo deve ter a forma que lheobservamos porque, de outro modo, no estaramos aqui para observ--lo. O princpio antrpico a verso cosmolgica do criacionismo.Um outro exemplo de cincia irnica a teoria das cordas, quedurante mais de 20 anos tem competido para a posio de teoriaunificadora da fsica. Infelizmente, as cordas so demasiado pequenaspara serem detectadas por qualquer experincia concebvel. Alm disso,a teoria das cordas tem tantas verses que pode virtualmente acolherquaisquer dados experimentais. Os crticos chamam a isto o problemado Restaurante da Alice, numa referncia a uma cano de ArloGuthrie, Alices Restaurant, cuja letra diz No Restaurante da Aliceencontra-se tudo o que se quiser. Mas claro que uma teoria quepreveja tudo no prev coisa nenhuma.Foram estes problemas que levaram Peter Woit a chamar NemSequer Errada teoria das cordas. Peter Woit tem esperana de quenovas tcnicas matemticas possam rejuvenescer a fsica. Eu tenho asminhas dvidas. A fsica precisa, desesperadamente, no de novas matemticas,mas de novas descobertas empricas como a descoberta,no fim dos anos 1990, da acelerao da expanso do universo. Foi odesenvolvimento mais estimulante da cosmologia da ltima dcada,mas no levou a uma revoluo terica correspondente.Sem mais dados empricos que a guiem, a fsica torna-se filosofiacom equaes. O Grande Colisor de Hadres, o acelerador de partculasmais poderoso do mundo, tem 27 km de permetro. Para testar asdistncias onde a unificao supostamente ocorre, precisaramos de umacelerador com um permetro de 1000 anos-luz.O b je c o n . 3 : Ento e a vida extraterrestre?No Vero de 1996, pouco depois da publicao do meu livro, cientistasanunciaram a descoberta de micrbios fossilizados num meteoritovindo de Marte. Quando nessa manh cheguei Scientific Americanpara trabalhar, os meus colegas perguntaram-me: Ento o que dizagora o Sr. No Mais Grandes Descobertas?Respondi que as provas cientficas eram fracas e provavelmente noresistiriam ao exame. Foi isso exactamente que aconteceu. Agora, esperoque antes de morrer os cientistas descubram vida extraterrestre, eespecialmente vida inteligente. Isso representaria um dos acontecimentosmais significativos da Histria. Freeman Dyson sugeriu queprocurssemos sinais de vida no s em Marte, o suspeito habitual, mastambm na lua de Jpiter, Europa, e em asterides. Mas at agora, notemos provas de que exista vida fora da Terra.Um dia, a organizao SETI (Search fo r Extraterrestrial Intelligence),que procura inteligncia extraterrestre, poder detectar telenovelas extraterrestresa serem transmitidas de uma outra estrela. Mas importanterealar que muitos dos proponentes da SETI so fsicos com uma visoda realidade extremamente determinstica. Os fsicos acham que a existnciade uma civilizao de tecnologia avanada aqui na Terra tornamuito provvel a existncia de civilizaes semelhantes noutros locais.Muitos bilogos consideram este raciocnio risvel, porque sabemquo dependente de contingncias de puro acaso a evoluo.Stephen Jay Gould costumava dizer que, se a grande experincia que a vida fosse repetida um milho de vezes, provavelmente no voltariama surgir mamferos e ainda menos mamferos capazes de inventarreality TV.O b je c o n . 4: A caosplexidade est apenas a comear!Muitos cientistas tm esperana de que avanos nos computadorese na matemtica os venham ajudar a compreender fenmenos complexosemergentes que tm escapado anlise cientfica. nesta f queassentam os domnios do caos e da complexidade. Pessoalmente, gostode agrupar caos e complexidade num termo nico, caosplexidade, porquea complexidade no mais do que o caos num novo e atraentepacote. O livro de Steven Wolfram, A New Kirid o f Science, exemplificaa arrogncia da caosplexidade.Wolfram e outros caoplexilogistas defendem que, com autmatoscelulares e outras tcnicas, podero vir a responder a velhas questessobre a probabilidade da vida ou mesmo do universo inteiro. Poderodescobrir novas leis naturais anlogas lei da gravidade ou segundalei da termodinmica. Podero tornar reas como a economia, aecologia e a climatologia to rigorosas e preditivas como a fsicanuclear.Os caoplexilogistas no cumpriram nenhuma das suas promessas.Uma razo o conhecido efeito borboleta. Para prever a dinmica deum sistema complexo, como o clima, a ecologia ou a economia, tmde se conhecer as condies iniciais com nfima preciso, o que obviamenteimpossvel. O efeito borboleta limita no s a previso como aexplicao. Eis algo que sempre me intrigou nos caoplexilogistas: deacordo com um dos seus princpios fundamentais, o efeito borboleta, osseus prprios objectivos so impossveis.O b je c o n . 5: A cincia aplicada est apenas a comear!Alguns optimistas concordam comigo quando defendo que j temosum bom conhecimento das leis bsicas da natureza. Mas insistem quepodemos manipular essas leis para criar um suplemento infindvel denovas tecnologias, medicamentos e outras aplicaes. Por outras palavras,a cincia fundamental poder ter acabado, mas a cincia aplicadaest apenas a comear. Os proponentes desta ideia costumam comparara cincia ao xadrez: ainda s aprendemos as regras, agora que vamostornar-nos grandes mestres.Esta ideia a fora motriz da rea da nanotecnologia. A maioria dosnanotecnologistas tm objectivos razoveis, mas outros h que se entregama uma espcie de retrica que parece mais apropriada a um cultoreligioso do que a cincia. Os gurus da nanotecnologia Ray Kurzweile Eric Drexler fizeram a previso de que em breve atingiremos umpoder infinito, semelhante ao de Deus sobre a natureza, incluindo sobreos nossos prprios corpos.Obviamente, a cincia aplicada tem ainda um longo caminho apercorrer, e difcil saber exactamente onde vai acabar. a razo pelaqual o meu livro The End o f Science se concentrou na cincia pura.Mas traduzir conhecimento fundamental em aplicaes nem sempre fcil. Deixem-me dar-vos dois exemplos, um da fsica e outro dabiologia.H mais de meio sculo, os fsicos entendiam a fuso nuclear suficientementebem para terem construdo a bomba atmica. Prometeram-nos que a fuso nuclear rapidamente nos daria uma fonte de energiabarata, limpa e inesgotvel. Durante os ltimos 50 anos, s os EstadosUnidos da Amrica gastaram mais de 20 bilies de dlares em investigaosobre a fuso nuclear e no tm grande coisa a mostrar.O aquecimento global deveria ter aumentado o valor das aces relacionadascom a fuso, mas hoje em dia s uns poucos resistentes se mantm agarrados ao sonho da energia de fuso. Os obstculos tcnicostm sido simplesmente demasiado difceis de ultrapassar.Voltando a ateno para a biologia aplicada, o cenrio mais dramticopossvel seria a imortalidade. Muitos cientistas esto a tentar identificaras causas exactas do envelhecimento. Alguns esperam que estainvestigao venha a produzir grandes aumentos na longevidade emesmo a imortalidade. O guru da imortalidade, Aubrey de Grey, insisteque muitas das pessoas hoje vivas vivero pelo menos at aos milanos.Infelizmente, os bilogos evolutivos sugerem que a imortalidadepoder ser impossvel de atingir. A seleco natural moldou-nos paravivermos o tempo suficiente para nos reproduzirmos e criarmos osnossos filhos. O resultado deste processo que o envelhecimento notem uma causa nica ou sequer uma srie de causas, est entranadona matria dos nossos corpos.Eu estaria mais esperanado de que os cientistas poderiam resolvero problema do envelhecimento se eles tivessem mais sucesso como cancro. Desde que Richard Nixon declarou guerra ao cancro em1971, os gastos dos Estados Unidos em investigao sobre cancroaumentaram dez vezes at cerca de cinco bilies por ano. Mas a taxade mortalidade relacionada com o cancro de facto aumentou duranteduas dcadas antes de baixar ligeiramente durante os ltimos15 anos, maioritariamente devido diminuio do nmero de fumadores.Os tratamentos tambm continuam terrivelmente duros. Os mdicosainda removem cancros cortando-os em cirurgia, envenenam-nos comquimioterapia e queimam-nos com radiao. Talvez um dia os investigadoresencontrem uma cura que torne o cancro to obsoleto como avarola. Espero sinceramente que sim; o cancro tambm atingiu a minhafamlia em fora. Mas dadas as conquistas da investigao sobreo cancro at agora, no ser prematuro falar de imortalidade?O b je c o n . 6: A cincia do crebro est apenas a comear!Alguns crticos de The End o f Science defendem que, mesmo quedomnios cientficos como a fsica de partculas e a biologia evolutivaj tenham passado o seu auge, os estudos sobre o crebro e mentehumanos tm ainda um enorme potencial para vir a revolucionar acincia. Esta investigao merece um tratamento mais srio e detalhadodo que aquele que eu lhe dei em The End o f Science. Lewis Wolpertinsistiu bastante neste aspecto quando o conheci em Londres h cercade uma dcada.Eu levei esta ideia to a srio que escrevi um livro para contrari-la, Undiscovered Mind, que examina estudos em neurocincia, psiquiatria,gentica comportamental, psicologia evolutiva, inteligncia artificiale conscincia. Conclu que estas reas no conseguiram produzir oque tinham anunciado. A verdade que tem havido muito pouco progressono entendimento da mente.A crtica cientfica ps-moderna aplica-se demasiado bem s reascientficas que tentam explicar-nos a ns prprios. As teorias da mentenunca morrem realmente, apenas deixam de estar na moda. Uma teoriasurpreendentemente persistente a psicanlise, que Freud inventou hum sculo. Alguns neurocientistas de renome como os Prmios NobelGerald Edelman e Eric Kandel ainda admiram a psicanlise.As ideias de Freud persistiram, no porque tenham sido confirmadascientificamente, mas porque a investigao de todo um sculo no foicapaz de produzir um novo paradigma suficientemente poderoso paratornar a psicanlise obsoleta de uma vez por todas. Os seguidores deFreud no so capazes de mostrar provas no ambguas da superioridadeda sua teoria, mas os proponentes de teorias mais modernas tambmno.Uma rea agora na moda a psicologia evolutiva, que tenta explicara natureza humana em termos darwinianos. A psicologia evolutivaO FIM DA CINCIA: UMA RECONSIDERAOproduziu algumas ideias interessantes. Uma das minhas preferidas anoo de que a capacidade do homem de se enganar a si prprio podeser uma caracterstica adaptativa, uma vez que os mentirosos maiscapazes so aqueles que acreditam nas suas prprias mentiras.Talvez este princpio explique o sucesso dos psiclogos evolutivos.Eles acreditam fervorosamente que podem explicar quase tudo o que ohomem faz, o bom e o mau. Defendem que a violao um comportamentomasculino instintivo, da mesma forma que o amor. Uma meque mime o seu beb f-lo por instinto, e o mesmo se passa com umame que mate o seu beb. Por outras palavras, qualquer comportamento e o seu oposto! podem ser explicados pela teoria evolutiva.Mas como j disse anteriormente, uma teoria que explique tudo narealidade no explica coisa nenhuma.Uma outra rea que tem atrado muita ateno a genticacomportamental. Nas ltimas duas dcadas, os cientistas tm anunciadoa descoberta de genes para as seguintes doenas e caractersticascomplexas: esquizofrenia, depresso manaca, alcoolismo, agressoviolenta, perturbao obsessivo-compulsiva, homossexualidade, compulsopara a novidade, neurose, QI elevado. At agora, nenhumadestas descobertas foi confirmada e por uma boa razo. Estas caractersticase sndromas so quase certamente causadas por muitos genesdiferentes que interagem com muitos factores ambientais diferentes.A rea melhor posicionada para explicar a mente a neurocincia.Os neurocientistas adquiriram uma capacidade surpreendente para testaro crebro com microelctrodos, ressonncia magntica e outrasferramentas. As neurocincias esto sem dvida a avanar. Esto achegar a algum lado. A questo : onde?At agora, as neurocincias no contriburam com praticamente nadapara o diagnstico e tratamento de doenas mentais. O Prozac e outrosmedicamentos semelhantes no so mais eficazes do que outras drogasanteriores no tratamento da depresso e ansiedade, e nenhumas destasdrogas mais eficaz em termos estatsticos do que a psicanliseou outras terapias que assentam na conversao. A terapia com choqueselctricos voltou a ser usada no tratamento da depresso profundaSer isto um sinal de progresso?As neurocincias tambm no foram capazes de produzir uma teoriada mente. A descoberta mais importante das neurocincias ser talvezque diferentes regies do crebro so responsveis por diferentes funes.A questo : como que o crebro integra a informao produzidapelas suas partes altamente especializadas para criar uma identidadenica? Os neurocientistas no fazem ideia. Ou antes, tmdemasiadas ideias, mas nenhuma que gere concordncia. Como umacriana precoce a desmontar um rdio, os neurocientistas so excelentesa dividir o crebro em bocados, mas no so nada bons a voltar amont-lo. Chamo a isto o dilema do Humpty Dumpty.Alguns crticos queixam-se de que qualquer discusso sobre os limitesda neurocincia ser prematura, porque esta rea est apenas acomear. Mas na realidade a neurocincia tem razes profundas. Hdois sculos, Galvani mostrou que os nervos emitem e respondem acorrente elctrica e, mais ou menos na mesma altura, Gall propsa primeira teoria da mente modular, a frenologia. Golgi, Cajal e outroscomearam a desvendar a estrutura e funo dos neurnios h umsculo.O argumento de que a neurocincia est apenas a comear reflecteno a idade real desta rea mas a da sua produo. Assim, quo longechegaro a neurocincia e outras reas relacionadas com a mente dadoo pouco progresso at agora? Os optimistas tm esperana de que issosignifique que grandes descobertas nos aguardam. Por outras palavras,o fracasso passado a prever o sucesso futuro. No um argumento, uma expresso de f.Portanto, em concluso, a minha resposta pergunta levantada nestaconferncia : SIM! A cincia est prxima dos seus limites.Agora deixem-me qualificar esta afirmao. Mesmo que eu tenharazo e no volte a haver um Darwin ou um Einstein, h obviamentemuito trabalho valioso a fazer, especialmente na cincia aplicada. Oscientistas podem desenvolver melhores tratamentos para a sida, o cancroou a esquizofrenia. Podem criar bactrias que se alimentem de lixotxico, ou computadores que explorem efeitos qunticos. Podem inventarfontes de energia mais limpas e baratas, ou construir modelos decomputador capazes de prever alteraes climticas de forma maisprecisa.R e s sa lv a n . 1: O cdigo neuronalComo referi anteriormente, suavizei a minha posio quanto a nohayer novos avanos revolucionrios em cincia. H dois problemascientficos em particular cuja resoluo poder ter conseqncias profundaspara a humanidade. Um o cdigo neuronal, que numa perspectivafilosfica e prtica poder ser o problema cientfico mais importanteque resta resolver. O cdigo neuronal um conjunto de regras, ousintaxe, que transforma os impulsos electroqumicos emitidos pelosneurnios em percepes, memrias, decises, ideias. Se o crebro umcomputador, o cdigo neuronal o seu software.O cdigo neuronal poder ser o princpio unificador de que osneurocientistas to desesperadamente precisam. Poder ser a chave pararesolver o dilema do Humpty Dumpty, ou mistrios to antigos comoo livre-arbtrio e o problema corpo-mente. Mas tambm poder seruma revoluo anloga mecnica quntica. A mecnica quntica nonos ajudou realmente a perceber o mundo. Longe disso. Tornou a realidadeainda mais misteriosa. Por outro lado, a mecnica quntica deu-nos enorme poder sobre a natureza, na forma de computadores, laserse bombas nucleares.Da mesma forma, o cdigo neuronal pode dar-nos poder em vez denos ajudar a compreender a mente humana. Em princpio, poderamosseguir e manipular as clulas do crebro com uma preciso extraordinriase lhes falssemos na sua prpria lngua.At h pouco tempo, a descodificao completa do crebro pareciadistante, porque os investigadores estavam limitados nas formas quetinham ao seu dispor para manipular os microcircuitos dos crebrosvivos. Mtodos externos de exame como a ressonncia magntica soainda demasiado grosseiros para estudar o cdigo neuronal. Seria comotentar aprender portugus ficando do lado de fora de um estdio defutebol a ouvir os uivos da multido.Mas durante a ltima dcada, investigadores como Wolf Singercomearam a desenvolver sistemas de microelctrodos capazes de escutarsimultaneamente centenas e mesmo milhares de neurnios individuais.Estes sistemas tm sido implementados em animais e tambm empacientes humanos com paralisia, epilepsia, tremores e outras sndromas.Os investigadores esto tambm a desenvolver tcnicas de detecoptica ainda mais sensveis do que os elctrodos.Os neurocientistas esto ainda longe de convergir numa soluopara o cdigo neuronal. No esto de acordo sobre se a informao representada principalmente por sinais de neurnios individuais, pormuitos neurnios a disparar em seqncia prxima, por um nmeroainda maior de ondas de actividade elctrica catica percorrendo ocrebro, ou por todos estes e ainda outros processos.Estas disputas levaram alguns tericos a advertir que o cdigoneuronal poder nunca ser totalmente decifrado. Mas h 60 anos, algunsbilogos temiam que o cdigo gentico pudesse ser demasiadocomplexo para ser decifrado. Depois, em 1953, Francis Crick e JamesWatson descobriram a estrutura do ADN, e os investigadores rapidamenteestabeleceram que a dupla-hlice o mediador de um cdigogentico surpreendentemente simples que governa a hereditariedade detodos os organismos.O sucesso da cincia na decifrao do cdigo gentico, e que culminouno Projecto do Genoma Humano, tem sido amplamente aclamado e com boas razes, j que o conhecimento da nossa constituiogentica poder permitir-nos moldar a essencia da nossa natureza.A resoluo do cdigo neuronal poderia, em princpio, dar-nos sobrens mesmos um maior e mais directo controlo do que a mera manipulaogentica.O objectivo imediato de muitos investigadores produzir prtesesneuronais para deficientes. A prtese neuronal de longe mais bem-sucedida a cclea artificial, que restaura a audio atravs de sinaisfornecidos por um microfone externo a um implante que estimula onervo auditivo.O trabalho em prteses capazes de restaurar a viso em cegos eoutras que permitam a pacientes com paralisia controlar computadorese outros aparelhos avana lentamente, mas com determinao. O Departamentode Defesa americano, que financia investigao em prtesesneuronais, anunciou abertamente a possibilidade de implantes que inseridosnos crebros de soldados saudveis aumentariam as suas percepese memrias. Os trans-humanistas como Ray Kurzweil esperamque estes avanos venham ajudar a transformar-nos em super-homensbinicos.Este cenrio permanece rebuscado. Mas nunca demasiado cedopara comearmos a ponderar as potenciais conseqncias de uma resoluodo cdigo neuronal, especialmente dado o interesse militar nesteassunto. Conforme venha a ser usado, a resoluo do cdigo neuronalpoder libertar-nos ou escravizar-nos. Mesmo se o cdigo neuronalnunca for decifrado, este tipo de investigao requer vigilncia. Custa-me diz-lo, mas talvez Lewis Wolpert tivesse razo.R e s sa l v a n . 2: O fim da guerraO outro problema cientfico com que tenho andado obcecado ultimamente o da guerra. Por razes bvias, muitas pessoas tornaram-sefatalistas no que diz respeito guerra, vendo-a como manifestaoinevitvel da natureza humana. Por outras palavras, a guerra est nosnossos genes. A minha esperana que os cientistas rejeitem este fatalismoe nos ajudem a ver na guerra um problema complexo mas solvel,como a sida ou o aquecimento global.H razes para ser optimista. No sculo xx, cerca de 100 milhesde pessoas morreram por causas relacionadas com a guerra, incluindofome e doena. O total teria sido dois bilies se as taxas de violnciafossem to altas como na sociedade tribal primitiva mdia. Por outraspalavras, as coisas esto a melhorar.Estas estatsticas sugerem que a guerra no uma doena das civilizaesmodernas, como defendeu Rousseau. Na realidade, precisamosde mais civilizao, no de menos. A civilizao deu-nos instituieslegais que resolvem disputas atravs do estabelecimento de leis, danegociao de acordos e da sua aplicao. Estas instituies, que vodesde tribunais locais Unio Europia e Naes Unidas, reduziramgrandemente o risco de violncia entre e dentro de naes.As nossas instituies esto obviamente longe de ser perfeitas. Naespor todo o mundo mantm ainda enormes arsenais blicos, incluindoarmas de destruio em massa, e a guerra continua a ser feita.O que que podemos ento fazer? Os cientistas podem tentar respondera esta questo fazendo uso de disciplinas to diversas como abiologia, a psicologia, a antropologia, a histria, as cincias polticas,a economia e at a caosplexidade. O objectivo a curto prazo seriaencontrar formas de evitar o conflito no mundo actual. O objectivo alongo prazo seria explorar a maneira de a humanidade poder fazer atransio para o desarmamento global permanente. o desarmamento global parece agora uma ideia rebuscada Masmesmo at ao fim dos anos 1980 ainda soframos a ameaa de umholocausto nuclear global. Depo.s, incrivelmente, a Unio Soviticadissolveu-se e a Guerra Fria terminou pacificamente. O apartheid tambmterminou na frica do Sul sem violncia significativa, e os DireitosHumanos avanaram por outras partes do mundo. Tenho f de quehavemos de pr fim guerra. A nica questo como, e quao rapidamente.Seria um fim digno de celebrao.ESTAR A CINCIA A APROXIMAR-SE