A Classe Dominante nunca será capaz de Resolver a Crise

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1 Rob Riemen: “A classe dominante nunca será capaz de resolver a crise. Ela é a crise!” Joana Azevedo Viana (ABR-2012) O filósofo holandês esteve em Lisboa a conversar com o i sobre o espírito de resistência e o “eterno retorno do fascismo” Thomas Mann e Franklin Roosevelt são os dois que mais inspiram Rob Riemen (nascido em 1962), que esteve em Lisboa na semana passada a convite de Mário Soares para falar sobre o direito à resistência e para apresentar o seu último livro, “O Eterno Retorno do Fascismo”. A chegada da fotojornalista ao lobby do Ritz acabou por dar o mote à conversa com o i. A Patrícia foi uma das fotojornalistas em trabalho agredida pela polícia na greve geral há um mês em Portugal. Pela polícia?! Sim. O episódio parece remeter para o “O Eterno Retorno do Fascismo”... Sim, falo disso neste livro. Estamos a lidar com o pânico da classe dominante, que se habitua ao poder para controlar a sociedade. Isso que me contas é um ato de pânico. E o interessante é que a classe dominante só entra em pânico quando perde a autoridade moral. Sem a autoridade moral, só lhe resta o poder que se transforma em violência. O fascismo continua latente? A minha geração cresceu convencida de que o que os nossos pais viveram nunca voltaria a acontecer na Europa. Quando vocês se livraram do fascismo nos anos 70, nos anos 90 devem ter pensado que não mais o viveriam. Mas uma geração depois, já estamos a assistir a uma espécie de regime fascista na Hungria, na Holanda o meu governo foi sequestrado pelos fascistas, pelo sr. [Geert] Wilders [do Partido da Liberdade]... Com uma nota comum a todos que é o ódio à Europa. Para Wilders, o grande inimigo era o Islão e agora são os países de alho. Países de alho? É como ele chama países como o vosso, Espanha, Polônia... A Europa tornou-se uma ameaça. Com a II Guerra Mundial aprendemos a lição de que a única saída, depois de séculos de sangue derramado, era ter uma Europa unida e agora as forças contra [essa união] estão a ganhar controle. É o primeiro ponto. E o segundo? A atual classe dominante nunca será capaz de resolver a crise, porque ela é a crise! E não falo apenas da classe política, mas da educacional, da que controla as mídias, da financeira, etc. Não vão resolver a crise porque a sua mentalidade é extremamente limitada e controlada por uma única coisa: os seus interesses! Os políticos existem para servir aos seus interesses, não ao país. Na educação, a mesma coisa: quem controla as universidades está ali para favorecer empresas e o Estado. Se algo não é bom para a economia, porque investir dinheiro? Nas mídias ocorre o mesmo? Sim. No geral, as mídias já não são o espelho da sociedade nem informam de fato as pessoas do que se passa, existem sim apenas para vender e vender e vender. E as consequências estão à vista? Pois sim, estamos assistindo a desintegração da sociedade. Tudo é baseado na premissa de que as pessoas devem ficar mais ricas e é daí que vem a crise financeira, daí e deste comportamento totalmente imoral e irresponsável de um pequeno grupo de pessoas que não podia importar-se menos [com a sociedade] e sem interesse em ser responsável. Quando uma sociedade está focada na economia, na economia, na economia e na economia, perde-se a noção do que nos dá qualidade de vida. E quando somos privados dessa noção, surge um vazio. A sociedade kitsch que refere no livro? Sim, em que a identidade das pessoas não depende do que elas são, mas do que têm. Quando

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A classe dominante nunca será capaz de resolver a crise, ela é a crise! Essa é a afirmação de Rob Riemen, filósofo holandês nessa entrevista dada ao i online.

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Rob Riemen: “A classe dominante nunca será

capaz de resolver a crise. Ela é a crise!” Joana Azevedo Viana (ABR-2012)

O filósofo holandês esteve em Lisboa a conversar com o i sobre o espírito de resistência e o “eterno retorno do fascismo”

Thomas Mann e Franklin Roosevelt são os dois que mais inspiram Rob Riemen (nascido em

1962), que esteve em Lisboa na semana passada a convite de Mário Soares para falar sobre o direito à resistência e para apresentar o seu último livro, “O Eterno Retorno do Fascismo”. A

chegada da fotojornalista ao lobby do Ritz acabou por dar o mote à conversa com o i.

A Patrícia foi uma das fotojornalistas em trabalho agredida pela polícia na greve

geral há um mês em Portugal. Pela polícia?!

Sim. O episódio parece remeter para o “O Eterno Retorno do Fascismo”...

Sim, falo disso neste livro. Estamos a lidar com o pânico da classe dominante, que se habitua

ao poder para controlar a sociedade. Isso que me contas é um ato de pânico. E o interessante

é que a classe dominante só entra em pânico quando perde a autoridade moral. Sem a autoridade moral, só lhe resta o poder que se transforma em violência.

O fascismo continua latente?

A minha geração cresceu convencida de que o que os nossos pais viveram nunca voltaria a

acontecer na Europa. Quando vocês se livraram do fascismo nos anos 70, nos anos 90 devem ter pensado que não mais o viveriam. Mas uma geração depois, já estamos a assistir a uma

espécie de regime fascista na Hungria, na Holanda o meu governo foi sequestrado pelos

fascistas, pelo sr. [Geert] Wilders [do Partido da Liberdade]... Com uma nota comum a todos

que é o ódio à Europa. Para Wilders, o grande inimigo era o Islão e agora são os países de alho.

Países de alho?

É como ele chama países como o vosso, Espanha, Polônia... A Europa tornou-se uma ameaça.

Com a II Guerra Mundial aprendemos a lição de que a única saída, depois de séculos de sangue derramado, era ter uma Europa unida e agora as forças contra [essa união] estão a

ganhar controle. É o primeiro ponto.

E o segundo?

A atual classe dominante nunca será capaz de resolver a crise, porque ela é a crise! E não falo

apenas da classe política, mas da educacional, da que controla as mídias, da financeira, etc. Não vão resolver a crise porque a sua mentalidade é extremamente limitada e controlada por

uma única coisa: os seus interesses! Os políticos existem para servir aos seus interesses, não

ao país. Na educação, a mesma coisa: quem controla as universidades está ali para favorecer

empresas e o Estado. Se algo não é bom para a economia, porque investir dinheiro?

Nas mídias ocorre o mesmo?

Sim. No geral, as mídias já não são o espelho da sociedade nem informam de fato as pessoas

do que se passa, existem sim apenas para vender e vender e vender.

E as consequências estão à vista? Pois sim, estamos assistindo a desintegração da sociedade. Tudo é baseado na premissa de

que as pessoas devem ficar mais ricas e é daí que vem a crise financeira, daí e deste

comportamento totalmente imoral e irresponsável de um pequeno grupo de pessoas que não

podia importar-se menos [com a sociedade] e sem interesse em ser responsável. Quando uma

sociedade está focada na economia, na economia, na economia e na economia, perde-se a noção do que nos dá qualidade de vida. E quando somos privados dessa noção, surge um

vazio.

A sociedade kitsch que refere no livro?

Sim, em que a identidade das pessoas não depende do que elas são, mas do que têm. Quando

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se torna tão importante ter coisas, serves a um mundo comercial, porque pensas que a tua

identidade está relacionada a isso. Estamos criando seres humanos vazios que querem

consumir e ter coisas e que acabam por se vestir e falar todos da mesma forma e pensar as

mesmas coisas. E a classe dominante está muito mais interessada em que as pessoas se

liguem a isso do que àquilo que importa.

A classe dominante teme que as pessoas comecem a questionar tudo?

Claro que sim! Frederico Fellini, o realizador italiano, disse um dia: “Eu sei o que é o fascismo,

eu o vivi, e posso dizer-vos que a raiz do fascismo é a estupidez. Todos temos um lado

estúpido, frustrado, provinciano. Para alterar o rumo político, temos de encontrar a estupidez em nós mesmos”. Mas se as pessoas fossem um bocadinho mais espertas, não iriam para

universidades estúpidas, nem veriam programas estúpidos na TV. Existe uma elite comercial e

política interessada em manter as pessoas estúpidas. E isso é vendido como democracia,

porque as pessoas são livres para escolher e blá blá blá...

Quando não é assim?

Não, não, não, não! [Bento de] Espinoza – muito obrigado a Portugal por o terem mandado

para a Holanda – explicou que a essência da democracia é a liberdade, mas que a essência da

liberdade não é ter o que se quer; é usar o cérebro para te tornares um ser humano bem

pensante. Se não for assim, se não fores crítico perante a sociedade e também perante ti próprio, nunca serás livre, serás sempre escravo. Daí que o que estamos a viver não tenha

nada a ver com democracia.

Tem a ver com quê?

Vivemos numa democracia de massa, uma mentira que abre os portões a mentirosos, demagogos, charlatães e pessoas más, como vimos no século XX e como vemos agora.

O retorno do fascismo é inevitável?

Vamos fazer uma pausa (risos). Acho que não podemos entregar-nos ao pessimismo. Se

acharmos que estamos condenados, que não há saída, que é inevitável, mais vale bebermos champanhe (risos). A razão pela qual publiquei esta dissertação e o meu outro livro, “Nobreza

de Espírito”, e pela qual dou estas palestras e entrevistas é porque a primeira coisa de que

precisamos é de pôr a verdade em cima da mesa.

E como podemos fazer isso? Primeiro, admitindo que as coisas vão mal, e não apenas no nível econômico. Relembremos

uma grande verdade do poeta Octávio Paz: “Uma crise política é sempre uma crise moral.”

Quando reconhecemos esta verdade, percebemos que a crise financeira é também uma crise

moral. E aí devemos questionar de que tipo de valores universais estamos necessitando, e o

que é que devemos ter na sociedade para enfrentar isso. Aí percebemos que há coisas erradas no sistema de educação.

Por causa de quem o controla?

Porque não está interessado na pessoa humana que tu és, mas no tipo de profissões de que a

economia precisa. Se o preço é a falta de qualidade, se o preço é a falta de dignidade humana, é haver tanta gente jovem sem instrumentos para lidar com a vida e para descobrir por si

própria o sentido da vida ou que significado pode dar à sua vida, então criamos o “Admirável

Mundo Novo” de Aldous Huxley. Aqui surge a sociedade kitsch. E a dada altura já é segunda-

feira, a festa acabou, chegou a crise financeira e as pessoas já não conseguem pagar esta sociedade e surgem políticas de ressentimento, que é o que fazem os fascistas e é o que o Sr.

Wilders está a fazer de forma brilhante.

Que políticas são essas?

Em vez de tentar fazer algo positivo com as preocupações das pessoas e com os problemas

que existem, explora-os.

De que forma?

Usando a velha técnica do bode expiatório. “Isto acontece por causa do Islamismo, por causa

dos países de alho, por causa dos polacos. Nós somos as vítimas, e vocês são o inimigo.” Ou

“Isto é por causa da esquerda e das artes e da cultura, os hobbies da esquerda.” Este fulano [Wilders] é contra tudo o que pode alertar as pessoas para o fato de ele ser um dos maiores

mentirosos de sempre.

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Como as artes e a cultura que referiu?

Sim. O que temos de enfrentar é: se toda gente vai à escola, se toda gente sabe ler, se tanta

gente tem educação superior, como é que continuam a acreditar nestas porcarias sem as

questionar? E porque é que tanta gente continua a achar que quando X ou Y está na televisão

é importante, ou quando X ou Y é uma estrela de cinema é importante, ou quando X ou Y é banqueiro e tem dinheiro é importante? A insanidade disso... [suspiro] Se tirarmos as posições

e o dinheiro destas pessoas, o que resta? Só pessoas tacanhas e mesquinhas, totalmente

desinteressantes. Mas mesmo assim vivemos encantados com a ideia de que X ou Y é

importante porque tem poder. É a mesma lenga-lenga de sempre: é pelo que se têm e não pelo que se é, porque eles não são nada. E a educação também está sempre sobre o que se

pode vir a ter e não sobre quem se pode vir a ser.

Reformar o ensino seria uma solução?

Eu não sou pedagogo e quero mesmo acreditar que existe uma variedade de formas de chegar ao que penso que é essencial: que as pessoas possam viver com dignidade, que aceitem

responsabilidade pelas suas vidas e que reconheçam que o que têm em comum – quer sejam

da China, Índia, África ou esquimós – é que somos todos seres humanos. Sim, há homens e

mulheres, homossexuais e heterossexuais, pessoas de várias cores, mas somos todos seres

humanos. Não podemos aceitar fundamentalismos e ideologias e sistemas econômicos como o capitalismo, mais interessados em dividir as pessoas, mais do que em uni-las.

E de onde pode vir a união?

Só pode ser baseada na aceitação de que existem valores universais. A Europa é um exemplo

maravilhoso disso: há esta enorme riqueza de tradições e línguas e histórias, mas continuamos conseguindo estar abertos a novas culturas, quando pessoas vindas de qualquer parte podem

se tornar europeias. Mas isto só acontece se valorizarmos e protegermos o espírito

democrático. A democracia é o único modelo aberto e o seu espírito exige que percebamos que

Espinoza estava certo, que o difícil é mais interessante que o fácil, que não devemos temer coisas difíceis porque só podemos evoluir se estivermos abertos ao difícil, porque a vida é

difícil [exige esforço e energia]. Que para lá das habilidades de que precisamos para a

profissão em que somos bons, todos precisamos de filosofia, todos precisamos da arte e da

literatura para nos tornarmos seres humanos maduros, para perceber o que as nossas experiências internas encerram. É para isto que existem as artes, é por isso que vais ver um

bom filme e ouves boa música e lês um poema.

É por isso que a cultura está sob ataque? Aqui em Portugal o atual governo eliminou

o Ministério da Cultura.

É isso que o partido fascista está fazendo na Holanda e é o que outros estão fazendo em todo lugar. Óbvio! Quem quer matar a cultura são as pessoas mais estúpidas e vazias do mundo.

Claro que é horrível para eles olharem-se ao espelho e verem “Sou apenas um anão estúpido”.

Por isso querem livrar-se da cultura?

Por isso e porque ela ajuda as pessoas a entender o que realmente importa. O medo da elite comercial é que as pessoas comecem a pensar. Porque é que os regimes fascistas querem

controlar o mundo da cultura ou livrar-se dele por completo? Porque o poeta é a pessoa mais

perigosa que existe para eles. Provavelmente mais perigoso que o filósofo. Quando usam o

argumento de que a cultura não é importante e de que a economia não precisa da cultura, é mentira! Essa é a tal política de ressentimento, um grande instrumento precisamente porque

eles nos querem estúpidos.

E alimentam essa estupidez?

Claro. A geração mais jovem tem de questionar as elites de poder. Sim, vocês precisam de

emprego, mas, acima de tudo, precisam de qualidade de vida. E essa qualidade está relacionada com várias coisas: com a qualidade da pessoa que amas e com a qualidade dos

teus amigos, com o que podes fazer que é importante e significativo para ti. Quando vês que

te estão a tirar isso, percebes que não estão no poder para te servir, querem é que a

sociedade os sirva.

A democracia parece estar limitada a ir às urnas de x em x anos. O que é afinal uma

verdadeira democracia?

Quando Sócrates foi levado a julgamento disse “Vocês já não estão interessados na verdade” e

isso continua a ser assim. É por isso que chamei ao meu primeiro livro “Nobreza de Espírito”,

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porque para a teres não precisas de dinheiro, nem de graus acadêmicos. Nobreza de espírito é

a dignidade de vida a que todos podem ter acesso e é a essência da democracia. O espírito

democrático é mais do que ir às urnas e se eles [políticos eleitos] não se baseiam nessa

nobreza, os sistemas colapsam, como estão a colapsar. Foi Platão que disse que “a democracia

pode cometer suicídio” e é assim que começo o “Eterno Retorno do Fascismo”. A grande surpresa para Ortega y Gasset foi que, livres do poder da Igreja e da tirania e da aristocracia,

finalmente havia democracia, e o que fazemos? Estamos a matá-la! Isso aconteceu na

Espanha, em Portugal, na Itália, na Alemanha, esteve perto de acontecer na França... Há um

livro lindíssimo que Sinclair Lewis escreveu, “Não pode acontecer aqui”, mas a verdade é que pode facilmente acontecer nos EUA. O livro de Philip Roth, “A Conspiração contra a América”,

prova isso.

Em 2009 o senhor escreveu uma carta a Obama, então presidente eleito. Quatro anos

depois, que avaliação faz do mandato? Na altura eu era a favor de Hillary Clinton.

Por quê?

Porque acho que ela tem instintos políticos melhores e mais experiência política que Obama.

Estava na América no dia em que ele foi eleito, em 4 de Novembro de 2008, e foi um

momento histórico, mas teria sido igualmente histórico se a América tivesse escolhido uma mulher. O problema com Obama é que ele não é um grande presidente. [risos]

Em que sentido?

Tornou-se demasiado vulnerável aos interesses infestados. Montou uma equipe econômica

com pessoas que vieram todas de Wall Street, como Larry Summers e Timothy Geithner. O poder do dinheiro no sistema político americano é assustador! E ele não conseguiu escapar

disso. E depois a política é uma arte, e demasiados intelectuais pensam que, por terem lido

sobre política, sabem de política. Não é verdade. A política tem a ver com pequenos passos,

grandes passos são impossíveis numa democracia. Mas vamos esperar e rezar para que o Obama seja reeleito. Senão vamos ter um problema, todos nós. E já agora, e que no segundo

mandato ele consiga fazer mais, ele tem esse dever.

Obama legalizou em Janeiro a detenção por tempo indeterminado e sem julgamento

de qualquer suspeito de ligação a redes terroristas. O que o senhor pensa disso? Se lhe perguntasse sobre isso, ele dir-te-ia: “Aqui que ninguém nos ouça, não tive outra

alternativa”. O problema sério com que temos de lidar tem a ver com o poder das mídias. Eles

querem vender e só podem vender se tiverem notícias [e escândalos] de última hora,

constantes. Têm de alimentar este monstro chamado público. Tudo tem de ser a curto prazo.

Na política é o mesmo, é sobre o dia seguinte. Onde está a elite política que quer pensar à frente, a um ou dois ou dez anos? Onde estão as mídias que expliquem às pessoas a

importância do longo prazo? Na economia é o mesmo. Tudo tem de ser agora. Perdemos a

noção de tempo. No mundo político, as pessoas deviam poder dizer: “Não sei a resposta a

essa questão. Dê-me uma semana e falarei contigo.” Mas se um político disser “Não sei”, está morto. Vivemos a política do instante, onde as questões estruturais são esquecidas. Veja,

estou cá [em Lisboa] a convite de Mário Soares. O que quer que se pense sobre ele ou sobre

Mitterrand, etc, essa geração viveu a guerra, experienciou a vida, leu livros. Cometeram erros?

Claro que sim, mas é uma classe completamente diferente de tantos políticos atuais, jovens, sem experiência, que não sabem nada. Nada! Se lhes perguntarmos que livros leram, eles

quase têm orgulho do fato de não ler!

O que pensa dos movimentos como os Occupy ou o 15M de Espanha?

É extremamente esperançoso que estejamos a nos livrar da passividade. Finalmente temos

uma nesga de ar, mas precisamos de um próximo passo, só protestar não basta. A História mostra-nos que as mudanças vêm sempre de um dos três grupos: mulheres, jovens ou

minorias. Acho que agora vai ter de vir dos jovens. Se isto continuar por mais três ou cinco

anos, o futuro deles estará arruinado, não haverá emprego, casas, segurança social, nada. É

tempo de reconhecer isto, de se dizer publicamente, de parar e depois avançar. Se os jovens pararem os jornais, os jornais acabam. Se os jovens decidirem que não vão às universidades,

elas fecham.

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Mas parece não haver união para isso.

É preciso solidariedade! Será que precisamos assistir o Batman outra vez? Qual é o papel do

Joker? É dividir as pessoas!

Os atuais políticos são Jokers?

No mínimo não estão fazendo o que deviam. Não estão dizendo a verdade. O disparate de que todas as nações europeias não podem ter um déficit maior que 3% é pura estupidez

econômica. Temos de investir no futuro. Como? Investindo numa educação como deve ser,

que garanta seres humanos bem pensantes e não sirva apenas aos interesses da economia.

Investindo na qualidade das mídias... O dinheiro que damos aos bancos é milhões de vezes superior ao que é preciso para as artes, a cultura, a educação...

A WikiLeaks revelou que a CIA espiou o 15M e que divulgou um documento onde diz

ser preciso evitar que destes movimentos “surjam novas ideologias e líderes”.

Uau! Isso prova o que defendo! Não sabia disso mas é muito interessante. Veja, porque é que temos democracias? Porque percebemos que o poder é um animal estranho para todos os que

o detêm e que ninguém é imune a ele. Se dermos poder às pessoas elas começam a

comportar-se como pessoas poderosas. Philip Zimbardo levou a cabo esta experiência, o Efeito

Lucifer, na qual uns fingiam ser prisioneiros e outros guardas. A experiência teve de ser

parada, porque os “prisioneiros” começaram a perder a sua individualidade e a portar-se como escravos e os “guardas” tornaram-se violentos e sádicos. De repente percebemos: “Uau, é isto

a natureza humana, é disto que somos capazes.” Lição aprendida: há que se controlar o poder,

venha ele de onde vier.

A sociedade é que pode controlá-lo? Sim, todos têm de aceitar uma certa responsabilidade. Os intelectuais têm de se manter

afastados do poder, porque só assim podem dizer a verdade. As mídias também, porque sem

sabermos os fatos a democracia não sobrevive. Se esses mundos do poder não tiverem total

controle, as pessoas têm tentações. Quem tem dinheiro quer mais dinheiro, quem tem poder quer mais poder. E há que se garantir a distribuição equilibrada destas coisas na sociedade.

Só quando soube que vinha entrevistá-lo é que li sobre o Instituto Nexus.

Está perdoada, não somos famosos. (risos)

Porque é que decidiu criá-lo? Quando estava na universidade percebi que lá já não é mais o lugar onde podemos adquirir

conhecimento e onde há conversas intelectuais, essenciais à evolução. Na altura conheci um

judeu que dedicou tudo – tempo, energia, dinheiro – a resgatar o que Hitler queria destruir: a

cultura europeia. Abriu uma editora, uma biblioteca, uma livraria. Tornou-se meu professor e

começamos um jornal, o Nexus, e depois da primeira edição percebemos que tínhamos de levar a ideia a outro nível e criar uma infraestrutura aberta onde intelectuais de todo o mundo

pudessem discordar uns dos outros e falar de tópicos importantes.

Qual será a próxima conferência?

Em 2 de Dezembro, sobre “Como mudar o mundo”. O Slavoj Zizek vai lá estar, um deputado britânico conservador também, [o escritor] Alessandro Baricco. E no próximo ano vamos abrir

um café com uma livraria europeia e um salão cultural, num antigo teatro de Amsterdam. Se

tivesse dinheiro gastava-o a abrir um assim em cada cidade, arranjava orquestras... Temos de

reconstruir as infraestruturas culturais, precisamos disso com urgência. E nós é que temos de fazer isso, porque as elites no poder não o vão fazer.

Fonte: http://www.ionline.pt/mundo/rob-riemen-classe-dominante-nunca-sera-capaz-resolver-crise-ela-crise-1

Livros

NOBREZA DE ESPÍRITO: um ideal esquecido – Rob Riemen – Editora Vozes, 2011

O ETERNO RETORNO DO FACISMO – Rob Riemen – Editora Bisâncio, 2012 (Portugal)

https://www.nexus-instituut.nl/en/speakers-authors/1-rob-riemen

Vídeos

https://www.youtube.com/user/TheNexusInstitute