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Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(71): 125-150, dez. 2006. 125 A CLÍNICA PSICANALÍTICA A PARTIR DE MELANIE KLEIN. O QUE ISTO PODE SIGNIFICAR? 1 Luís Claudio Figueiredo * RESUMO No presente trabalho procura-se identificar alguns aspectos do legado kleiniano para a clínica psicanalítica contemporânea. Parte-se da hipótese de que a era das escolas se encerrou, mas que algumas descobertas e elaborações de Melanie Klein e seus seguidores passaram a se integrar ao pensamento e à prática da psicanálise, independentemente das diferenciações e divergências internas a esta disciplina. Dois temas merecerão um exame aprofundado: o conceito de phantasia inconsciente e a problemática edípica. Quanto ao primeiro, vai-se enfatizar o seu caráter de imaginação criativa, já presente no termo alemão Phantasie; quanto ao segundo, serão contempla- das as questões relativas às relações triangulares, suas elaborações e efeitos nos planos emocional, cognitivo e ético, bem como a questão das defesas contra a triangulação (rejeição, recusa e recalcamento). Palavras-chave: Clínica psicanalítica contemporânea. Phantasia inconsciente. Situ- ação edípica e Édipo precoce. Considerações preliminares Encerrada a era das escolas, os psicanalis- tas hoje em dia dispõem de um impressionante conjunto de experiências clínicas e elaborações teóricas diversificadas e, de certa forma, diver- gentes. Parece ter-se realizado plenamente a interpretação de Michel Foucault: Freud fundou um campo de diferenciações e a obra freudiana não se limita a seus escritos, mas estende-se às inúmeras decorrências destes trabalhos, fecun- dando e mobilizando as práticas e teorias psicana- líticas mais variadas. Alguns autores, no contexto desta aparente dispersão, procurarão o “terreno comum” — os “invariáveis” — seja no plano dos conceitos, seja nos temas centrais, seja no Méto- 1 Palestra na Formação Freudiana, Rio de Janeiro, em dezembro de 2006; uma parte destas idéias foi inicialmente apre- sentada em simpósio organizado pelo Departamento Formação em Psicanáli- se, no Instituto Sedes Sapientiae, São Paulo. * Psicanalista; professor da PUC-SP e da USP; agradeço a Pedro Henrique Bernardes Rondon e a Elisa Maria Ulhoa Cintra pelas revisões e correções; agra- deço ainda a Alfredo Naffah Neto, Ma- rion Minerbo, Nelson Coelho Junior, Mauro Meiches, Daniel Delouya , Ma- ria Elena Salles de Brito e a Elias Rocha Barros pelas leituras, críticas e suges- tões.

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A CLÍNICA PSICANALÍTICA A PARTIR DE MELANIEKLEIN. O QUE ISTO PODE SIGNIFICAR?1

Luís Claudio Figueiredo*

RESUMO

No presente trabalho procura-se identificar alguns aspectos do legado kleinianopara a clínica psicanalítica contemporânea. Parte-se da hipótese de que a era dasescolas se encerrou, mas que algumas descobertas e elaborações de Melanie Kleine seus seguidores passaram a se integrar ao pensamento e à prática da psicanálise,independentemente das diferenciações e divergências internas a esta disciplina. Doistemas merecerão um exame aprofundado: o conceito de phantasia inconsciente e aproblemática edípica. Quanto ao primeiro, vai-se enfatizar o seu caráter de imaginaçãocriativa, já presente no termo alemão Phantasie; quanto ao segundo, serão contempla-das as questões relativas às relações triangulares, suas elaborações e efeitos nosplanos emocional, cognitivo e ético, bem como a questão das defesas contra atriangulação (rejeição, recusa e recalcamento).

Palavras-chave: Clínica psicanalítica contemporânea. Phantasia inconsciente. Situ-ação edípica e Édipo precoce.

Considerações preliminares

Encerrada a era das escolas, os psicanalis-tas hoje em dia dispõem de um impressionanteconjunto de experiências clínicas e elaboraçõesteóricas diversificadas e, de certa forma, diver-gentes. Parece ter-se realizado plenamente ainterpretação de Michel Foucault: Freud fundouum campo de diferenciações e a obra freudiananão se limita a seus escritos, mas estende-se àsinúmeras decorrências destes trabalhos, fecun-dando e mobilizando as práticas e teorias psicana-líticas mais variadas. Alguns autores, no contextodesta aparente dispersão, procurarão o “terrenocomum” — os “invariáveis” — seja no plano dosconceitos, seja nos temas centrais, seja no Méto-

1 Palestra na Formação Freudiana, Rio deJaneiro, em dezembro de 2006; umaparte destas idéias foi inicialmente apre-sentada em simpósio organizado peloDepartamento Formação em Psicanáli-se, no Instituto Sedes Sapientiae, SãoPaulo.* Psicanalista; professor da PUC-SP e daUSP; agradeço a Pedro HenriqueBernardes Rondon e a Elisa Maria UlhoaCintra pelas revisões e correções; agra-deço ainda a Alfredo Naffah Neto, Ma-rion Minerbo, Nelson Coelho Junior,Mauro Meiches, Daniel Delouya , Ma-ria Elena Salles de Brito e a Elias RochaBarros pelas leituras, críticas e suges-tões.

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do. Pensamos, ao contrário, nas vanta-gens de respeitar este campo assimdiversificado, e atravessá-lo, fazendoligações, costurando e recortando con-forme as exigências do trabalho analí-tico em sua extraordinária singularida-de. Para a execução desta estratégia, aposição de M. Klein, diante de Freud ede outros pós-freudianos (e não nosreferimos apenas àqueles que maisobviamente lhe são devedores, comoBion e Winnicott), nos parece especial.

Não é preciso ser “kleiniano”,até porque acreditamos ser necessárioefetivamente encerrar a era das esco-las, para reconhecer na obra de Mela-nie Klein o alcance que lhe estamosatribuindo. Não será, portanto, comoporta-voz oficial de algum “kleinismo”que o presente trabalho está sendo es-crito, mantendo-se aqui a mesma posi-ção em que redigimos, com Elisa Mariade Ulhoa Cintra, o livro Melanie Klein:Estilo e pensamento (Cintra e Figuei-redo, 2003).

Na verdade, instados a falar so-bre Melanie Klein, achamos de melhoralvitre tratar da clínica psicanalítica apartir de Klein. Ou seja, não se preten-de falar sobre ou no lugar desta autora,mas falar a partir dela, tal como suasidéias e propostas teórico-clínicas po-dem comparecer em uma prática ana-lítica, independentemente de uma estri-ta observância escolástica; não haverá,também, a pretensão de oferecer desua obra uma visão sistemática e pano-

râmica, o que se procurou fazer no livroacima mencionado.

A realização da presente tarefanos obriga a selecionar, dentre inúme-ros aspectos igualmente relevantes, al-guns temas especialmente determinan-tes dos rumos que a clínica psicanalíti-ca tomou, ou pôde tomar, a partir deMelanie Klein. Escolhemos o da“phantasia inconsciente” e o da “situ-ação edípica”, o que inclui o “Édipoprecoce”.

A phantasia inconsciente e ocaráter da “metapsicologia

kleiniana”

O que é, que função tem, como sesitua e quais as vicissitudes daphantasia inconsciente?

Começaremos tentando respon-der a estas questões e para tal, alémdos trabalhos de Melanie Klein, conta-mos com o texto básico de Susan Isaacs(1952), bem como nos valeremos dealguns trabalhos mais recentes (Daniel,1992, Segal, 1964 e Spillius, 2001). Otrabalho de Isaacs é um modelo deescrita psicanalítica, de pesquisa e ela-boração de conceitos.

Phantasias inconscientes são,para início de conversa, os correlatossubjetivos das pulsões. Mais precisa-mente falando, são os representantespsíquicos das pulsões; mas são, igual-mente, os representantes psíquicos dos

A clínica psicanalítica a partir de Melanie Klein. O que isto pode significar?

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mecanismos do ego (não só os de defe-sa, mas também os constitutivos, comoa introjeção), embora não se confun-dam com eles. Elas compõem a dimen-são subjetiva de todos os processospsicofísicos e, nesta medida, se consti-tuem no conteúdo básico da vida men-tal, do chamado mundo interno. Hásempre uma camada de phantasiasinconscientes operando ao longo dequalquer atividade somática e psíquicados seres humanos.

Em uma definição abrangente,diríamos que as phantasias inconsci-entes são os representantes psíquicosde impulsos, necessidades e seus estí-mulos internos (como a fome), sensa-ções, sentimentos, afetos, tendências,desejos, processos corporais fisiológi-cos (como os de nutrição e excreção),mecanismos mentais, comportamentos,idéias, falas e intenções. Nada do queocorre no corpo e na mente deixa deestar, de alguma forma, associado aesta atividade inconsciente e criativade fantasiar, uma imaginação radical,no sentido de Castoriadis (1975)2, que

dá sentido e valor afetivo a tudo que sefaz e a tudo que nos acontece. A “cri-atividade original”, tal como concebidapor Winnicott, é uma herdeira direta dacriatividade própria da phantasia in-consciente3.

A noção de “continuidade gené-tica”, tal como proposta por SusanIsaacs no texto acima referido, nosautoriza a afirmar que as phantasiasinconscientes atestam o poder imagi-nativo do corpo (o termo é nosso) “nadireção de” e “em resposta a” ambien-tes e seus objetos, bem como a transi-ção desta produção fantasística, estrei-tamente associada aos acontecimentose processos somáticos, às operaçõesmentais mais desenvolvidas. Por exem-plo, há uma linha contínua que vai do“agarrar” do bebê (e até mesmo dofeto) até o “compreender” mais abstra-to do cientista ou filósofo (para ambosserve o termo inglês to grasp). Comoveremos adiante, uma interpretaçãopercorre nos dois sentidos a via que vaido soma à psique e da psique ao soma,e isto é possível porque as phantasias

2 Para Castoriadis, a psyché é essencialmente uma capacidade de phantasiar (phantasmatization), de criar,algo que Freud descobre e encobre. Quanto a Klein, Castoriadis tem as seguintes palavras: “Assim, mesmoMelanie Klein, que, no entanto, concedeu às formações fantasiosas (phantasmatiques) uma importânciadecisiva,... acaba fazendo das fantasias, como o assinalam J. Laplanche e J.-B. Pontalis, percepções falsas”.(grifos nossos). De fato, nem sempre ela foi clara em suas afirmações, mas é indiscutível que até entãoninguém estivera mais próxima à noção de “imaginação radical” do que ela com seu conceito de “phantasiainconsciente”. Vale lembrar que o termo alemão Phantasie, de onde vem o hábito de grafar em inglêsphantasy, entre os kleinianos, significa imaginação (cf. Britton, 2003).3 Apontar esta herança não significa ignorar as diferenças. Sobre esta questão retornaremos mais adiante.Podemos antecipar, contudo, dizendo que a noção de “imaginação radical”, contemplada na nota anterior,guarda grande proximidade com a idéia de uma “criatividade original”, tal como concebida por Winnicott.

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inconscientes fazem a mediação e a pas-sagem. A dimensão “metaforizante” deuma interpretação psicanalítica4 deve-se,justamente, ao fato de que nela ocorreuma trans-posição de sentido ao longo docontínuo coberto pela phantasia incons-ciente.

Ao contrário das fantasias taiscomo concebidas por Freud em sua prin-cipal linha de pensamento (cf. Spillius,2001)5, as phantasias inconscientes6 emMelanie Klein não dependem de repre-sentação, nem de recalcamento (como asfantasias de desejo), embora incorporeme possam incluir representações e recal-camentos. Ao ganhar caráter de repre-sentação, podem, por exemplo, receber ostatus de realidade e transformar-se emcrenças, inconscientes ou conscientes(Britton, 1995). Nesta condição, tambémpodem, sob o efeito do recalcamento,justamente quando este incide nas primei-ras representações das phantasias in-conscientes, com conseqüências inadmis-síveis pelo ego7, converter-se em sinto-

mas neuróticos, bem como em inúmerasoutras expressões físicas, comportamen-tais e psíquicas associadas ao caráterneurótico.

Para Freud, como observa E.Spillius (2001), embora pudesse haverfantasias que fossem sempre inconscien-tes, desde o início (“unconscious allalong”, como as “fantasias originais”supostas por ele em alguns momentos, deorigem filogenética), a posição central emais assumida é de que a maioria dasfantasias tenham sido representaçõesconscientes (idéias) e pré-conscientesantes de serem recalcadas (quando osdesejos e demais urgências pulsionais sãointerditados), e transformadas em ex-pressões disfarçadas do desejo, objetosde interpretação.

Já no terreno kleiniano, SusanIsaacs (1952, pp. 114-115) alinhava entreas encarnações de phantasias inconsci-entes as perturbações e fobias alimenta-res e excretórias em crianças pequenas,os “maus hábitos”, tiques e cacoetes,

4 Isto não quer dizer que interpretações psicanalíticas sejam metáforas; certamente, não são analogias ousinonímias; o que as caracteriza é a capacidade de fazer o sentido circular, o psiquismo trabalhar e alcançarnovas posições; ao falar em “dimensão metaforizante”, procuramos enfatizar os processos de trans-posição que levam, por exemplo, da escuta de um conflito cognitivo ou moral do paciente adulto àinterpretação em termos de processos corporais muito primitivos e infantis. Todas as interpretações datransferência comportam este caráter trans-positivo em que o “aqui e agora” é trans-posto para o passado,e vice-versa.5 E. Spillius mostra como, ao lado desta linha principal, já em Freud encontramos o embrião de uma outraconcepção de fantasia, mais próxima ao conceito kleiniano, a de uma fantasia originária proveniente de umaherança filogenética.6 A diferença na grafia tenta dar mais visibilidade a esta diferença conceitual; “fantasia” pode ser devaneio,ilusão e evasão, mas “phantasia”(Phantasie ou phantasy) diz respeito à imaginação como atividadepsíquica essencial, sendo a própria realidade psíquica (cf Britton, 2003).7 Como assinala Britton (1995), transformadas em crenças, as phantasias passam a ter conseqüências,algumas das quais intoleráveis e contra as quais o ego se defende.

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rabugices, explosões de mau humor, de-safios à autoridade etc., em criançasmaiores; e ainda os sintomas histéricos deconversão, dores de cabeça, susceti-bilidade a catarros, dismenorréia e outrasalterações psicossomáticas. Mas tam-bém as características de personalidadecorrentes como o estilo, o tom de voz, apostura corporal, o modo de andar, deapertar a mão, a expressão facial, a cali-grafia estão a elas associadas. Da mesmaforma, as atitudes da pessoa frente aotempo, à pontualidade, ao dinheiro e pos-ses de bens etc. se correlacionam a con-juntos de phantasias inconscientes. Emparte, elas emanam, em parte, evocam,mas sempre comparecem como os repre-sentantes psíquicos de tudo aquilo que,vindo do corpo, se projeta para o campodo sentido e, vindo da mente, seretroprojeta no corpo, seus processos emecanismos e seus comportamentos. Nasphantasias inconscientes encontram-sea origem de todas as ocorrências psicos-somáticas, com seus valores afetivos esignificados profundos. A ênfase kleinia-na, como diz Spillius, é em seu caráterimaginativo, e não defensivo (em res-posta à falta do objeto). Phantasias in-conscientes são o estofo dos conteúdosinconscientes primários e referem-se à“produtividade” da unidade somato-psíquico. Nesta medida, situam-se em umplano de abstração diferente e mais pro-fundo do que qualquer fantasia — incons-ciente ou consciente — que possa seracessada e ter uma existência fenomênicareconhecível.

Embora o recalcamento dasphantasias inconscientes (quando trans-formadas em crenças) produza adoeci-mentos neuróticos, os problemas maissérios com a phantasia inconsciente sãodevidos a defesas muito mais primitivasque o recalcamento e que atacam ouneutralizam, justamente, esta capacidadeimaginativa, vale dizer, atacam o psiquis-mo enquanto tal. Tais mecanismos po-dem ser identificados em suas operações.Eles:

(a) Produzem inibição e empobre-cimento das phantasias inconscientes,com prejuízos para a curiosidade e aaprendizagem, por exemplo, bem como oempobrecimento afetivo de todo o âmbitoda experiência, pois são as phantasiasque dão sentido e valor afetivo às experi-ências de que são correlatas. O corpobiológico e comportamental não éinviabilizado — embora isto possa ocor-rer, no extremo dos pacientes psicosso-máticos e seus adoecimentos —, mas aqualidade da vida psíquica é reduzida aquase nada, e daí decorrem, por exemplo,grandes dificuldades no “aprender”.“Aprender” supõe, entre outras coisas,uma antecipação de sentido que se tornaimpossível na ausência do phantasiarinconsciente. Sem ele, não restarão neminteresse nem capacidade para fazer no-vas ligações e o “impulso epistemofílico”fica esvaziado e enfraquecido. Mais adi-ante, retornaremos a esta questão, ten-tando sugerir as razões de ser deste ata-que ao phantasiar e identificando osmecanismos aí implicados. Desde já, cabe

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assinalar que se trata de um ataque àpulsionalidade — e às phantasias que lhesão correlatas — que não se confundecom o recalcamento e que parece sermuito mais nocivo: o resultado são osindivíduos incapazes de sonhar, como os“normopatas” e os pacientes do pensa-mento concreto.

Passemos adiante, descrevendobrevemente outras formas primitivas delidar com as phantasias inconscientes.Outros mecanismos de defesa muito com-prometedores:

(b) Produzem “enquistamento”, istoé, um isolamento das phantasias, pela viadas cisões e dissociações, mantendo-asnas formas mais primitivas e onipotentes,que se conservam intactas, ao invés deentrarem em interação com os objetosexternos e as experiências, podendo serpor estas moduladas e transformadas.Temos, então, um mundo interno e ummundo externo separados e não maismediados pelas phantasias inconscien-tes e elas produzirão efeitos muito pertur-badores. Por exemplo, podem manter-seindestrutíveis em uma atividade autôno-ma e impermeável, em um universoesquizóide. Um mundo de devaneios cor-rendo em paralelo ao que se mantém emum mínimo contato com a experiência e,muito provavelmente, prejudicando-a.

Mas, associados especularmenteaos enquistamentos, outros mecanismosde defesa primitivos:

(c) Expelem as phantasias incons-cientes, fazendo-as invadir e inundar, semcontrole, o campo das experiências cons-cientes, produzindo alucinações e delírios,em um universo paranóide. Dizem alguns(Green, 2003) que se trataria de um trans-bordamento afetivo ou pulsional (débor-dements), mas seria certamente maiscorreto falar em extravasamento dasphantasias inconscientes, o que incluitodos os seus elementos (impulsos, ne-cessidades, sensações, afetos, represen-tações, palavras etc). É este conjuntoheterogêneo (e não apenas os afetos) oque invade a consciência, o comporta-mento (nas atuações) e o próprio corpo,em certos casos de adoecimentos psicos-somáticos8.

Mais adiante, veremos as razõesde ser destas operações e os mecanismospor elas responsáveis.

O hibridismo epistemológico

O conceito de “phantasia incons-ciente” rompe com a distinção freudianaentre a metapsicologia e a fenomenologiada clínica. No pensamento de MelanieKlein, estes dois planos estão conjugados,o que pode levar um purista a torcer onariz, mas que, bem ao contrário de umequívoco, corresponde a uma das maisrevolucionárias contribuições da autorapara a teoria e para a clínica. Não é quenão exista uma metapsicologia em Mela-

8 Há somatizações também devidas à inibição das fantasias, como parece ser o caso nos pacientes estudadospela escola de Paris; este é o caso tratado no item (a) logo acima.

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nie Klein, como às vezes se afirma, masela se enraíza na observação clínica muitomais fortemente que a freudiana e, aomesmo tempo, oferece à clínica um maioralcance teórico. Trata-se, no nosso en-tender, de um conceito que encarna o quede mais próprio existe em uma epistemo-logia psicanalítica, o seu caráter híbrido.Na verdade, este conceito de “phantasiainconsciente” apenas desenvolve a pro-blemática epistemológica já presente noconceito de “pulsão”, em Freud, mas o fazcom a vantagem de estabelecer as medi-ações entre planos — como “soma” e“psique”, por exemplo, “inconsciente” e“consciência”, e assim por diante — enão apenas indicar o lugar das passagens.O conceito, desta forma, engloba umaheterogeneidade de elementos que po-dem existir ou ser pensados em níveismuito distintos, desde os mais sensoriaisaté os mais abstratos.

Uma das possibilidades que se des-cortinam a partir deste conceito é a defazermos a ligação entre as duas tópicasfreudianas sob a dominância da segunda.Poderíamos dizer que as phantasias in-conscientes mantêm uma estreita vincu-lação com as instâncias da segunda tópi-ca: haveria phantasias inconscientes doid e suas pulsões; phantasias inconscien-tes do ego e seus mecanismos; ephantasias inconscientes do superego, esuas ameaças, interdições e prescrições.

No entanto, mais importante do que distri-buir as phantasias entre as instâncias,interessa-nos mostrar como elas as arti-culam de uma forma inovadora, tornan-do-se, assim, a principal unidade da vidasomatopsíquica, uma unidade em quepulsões e afetos, sensações e representa-ções, mecanismos e tendências etc. en-contram-se reunidos. Além disso, umadas instâncias, o superego, adquire umoutro estatuto: ele mesmo se torna clara-mente um objeto interno da phantasia,como, aliás, todos os outros objetos inter-nos. Na verdade, todas as phantasiasinconscientes ligam-se aos chamadosobjetos internos duplamente: estes são“objetos” da e na phantasia e a própriaphantasia pode ser concebida como umaespécie de “objeto”9. A “desobjetaliza-ção”, processo de desinvestimento pro-movido pela pulsão de morte, segundo A.Green (2003), ataca os objetos internosda e na phantasia inconsciente, valedizer, ataca as phantasias inconscientes,inibindo-as e destruindo-as em sua capa-cidade criativa e objetalizante.

Por outro lado, as phantasias in-conscientes fazem contato com a primei-ra tópica e com a distinção entre osprocessos primários e os secundários,entre o inconsciente e o sistema pré-consciente-consciência. De certa forma,corresponderia a uma revalorização dolugar e das funções do “pré-consciente”.

9 O mesmo é verdadeiro da phantasia quando transformada em crença, como observa Britton (1995). Ador da perda por este objeto pode ser tão difícil quanto a de qualquer outra perda, sendo mais fácil recusá-la ou recalcá-la do que fazer efetivamente o luto por ela.

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Elas podem ocorrer simultaneamente edesconhecer o tempo e a contradição,operando de forma caótica, tumultuada,avassaladora. Mas, como já se projetampara o campo do sentido e são aptas àpassagem para a palavra e outras formasde expressão e simbolização, acabamestando sujeitas igualmente às leis e con-dições de funcionamento dos processossecundários. Nunca serão apenas sub-metidas a uma das lógicas, mesmo queuma delas possa prevalecer em um dadomomento. As descrições freudianas dosdois campos e suas lógicas não se per-dem, mas enfatiza-se a passagem, a mis-tura, a instabilidade. Complica-se, portan-to, o panorama concebido por Freud, ex-cessivamente racionalista para o gosto deMelanie Klein.

Outra mediação proporcionada peloconceito de phantasia inconsciente se dáentre o “mundo interno” e o “mundoexterno” (o “dentro” e o “fora”), estejameles funcionando em paralelo ou em inte-ração. Embora as phantasias inconsci-entes sejam os próprios conteúdos bási-cos do mundo interno, como vimos, não hácontato, não há percepção, não há apren-dizagem, não há experiência com os obje-tos externos que não sejam antecipados eenquadrados pelo fantasiar. O pensa-mento “objetivo” não se desenvolve con-tra a phantasia inconsciente, mas a partirdela e das antecipações de sentido que elaproporciona (Segal, 1964). As phantasiasinconscientes são pensamentos em esta-do embrionário e sem elas nenhum pensa-mento pode ser desenvolvido.

Por outro lado, as experiências comos objetos externos são decisivas para amodulação e transformação das phanta-sias inconscientes, como veremos mais àfrente. O mundo de “fora” nos chega poresta via que, por sua vez, se modifica deacordo com o que é experimentado. Pelaênfase na relação do mundo interno eseus objetos com as phantasias incons-cientes, perde-se freqüentemente a ca-pacidade de reconhecer nelas uma fun-ção mediadora entre o “dentro” e o “fora”.Seria necessário dizer que elas estão“dentro”, mas ao mesmo tempo, estão“entre” estas duas esferas. Coube a Winni-cott (1951,1960, 1971), com sua concep-ção dos fenômenos e objetos transicio-nais, estabelecer mais claramente estaposição entre o objeto subjetivo (um obje-to interno) e os objetos objetivos. O que,contudo, nem sempre é percebido é queos elementos transicionais encarnam erealizam precisamente uma das funçõesdas phantasias inconscientes, estas enti-dades híbridas entre tantas esferas e, nocaso, entre as do sujeito e as do objeto.Mas, como sabemos pelo mesmo Winni-cott, a força dos elementos transicionaisdeve-se, em primeira instância, à forçados objetos subjetivos, vale dizer, de umobjeto criado pelo bebê a partir de suasexperiências com o ambiente. Na teseque estamos desenvolvendo, a capacida-de criativa postulada por Winnicott é umaherdeira direta, posto que modificada, dasphantasias inconscientes de MelanieKlein em seu caráter primordialmenteimaginativo. Cremos que, além da dívida

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mais óbvia e assumida em relação àposição depressiva e à fase do concern,nem a criatividade primária nem os fenô-menos transicionais postulados por Winni-cott seriam possíveis sem a tradição klei-niana e, em particular seu conceito dephantasia inconsciente.

Sem este conceito, igualmente, osprocessos de identificação projetiva eidentificação introjetiva e as “comunica-ções entre inconscientes” ficariaminexplicados. Tal mecanismo, inicialmen-te concebido como defesa (Klein, 1946),desde Bion (1962) alcançou o estatuto deforma primordial de comunicação. Nãohá mágica nenhuma: experiências corpo-rais ou psíquicas “produzem” em um su-jeito phantasias inconscientes e são elasque, pela via de uma outra phantasiainconsciente — associada ao mecanismode ex-cisão — evocam em outros sujeitossuas próprias phantasias inconscientes,mescladas às do primeiro sujeito e intro-jetadas pelo segundo. O que se verifica,em uma rêverie, por exemplo, é justa-mente este amálgama de phantasias in-conscientes que, expressas e simboliza-das pelo segundo sujeito — a mãe ou oanalista —, podem ser interpretadas edevolvidas ao indivíduo — o bebê ou opaciente. Intuição e empatia adquirem,desde então, uma possibilidade de exis-tência natural, sem relação a qualquer

exoterismo: trata-se de trabalho feito apartir de, pelo menos, dois complexossomatopsíquicos em um nível profundo defuncionamento10.

As incidências e desdobramentosteóricos do conceito de phantasia in-consciente são inúmeros: o protomental,os elementos β e os processos α (como ossonhos e as rêveries), bem como oselementos α em Bion, dependem, parafazer sentido, do conceito de phantasiainconsciente com o seu notável hibridismoe heterogeneidade, e que reúne o maissomático e sensorial a uma possibilidadeembrionária de sentido. Segal (1964) tam-bém mostra que a noção bioniana de pré-concepção deriva do conceito dephantasia inconsciente, no caso, em suaforma mais primitiva. Da mesma forma, o“irrepresentável” dos Botella (2002), e aschamadas “memórias corporais” dosferenczianos referem-se aos elementosde uma das pontas do contínuo cobertopelo conceito. Assim, o irrepresentável,embora possa resistir à representação,tende para ela e pode, em última instância,alcançá-la pela via, por exemplo, do tra-balho em duplo, da atividade alucinatóriado analista, da sua capacidade de darfigurabilidade aos elementos “irrepre-sentáveis” do e pelo paciente11. Tudo quediz respeito às passagens do corpo à

10 Do entrejogo de phantasias inconscientes, provavelmente, é que se irão constituir e ser introjetadas asmatrizes que organizarão a vida mental do sujeito. Dificilmente se poderá saber o peso da imaginação radicaldos dois envolvidos nos resultados do processo.11 Ou seja, a imaginação radical do analista (Castoriadis) está preservada e é posta a serviço da análise.Nos nossos termos, dizemos que as phantasias inconscientes do analista estão em plena operação.

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mente e da mente ao corpo depende doconceito de phantasia inconsciente.Mesmo quando a base sensorial predomi-na, quando predominam tendências e pro-cessos fisiológicos, necessidades nuas ecruas, há sempre uma possibilidade deexpressão e simbolização, embora estaspossam estar bloqueadas. Os sonhos, osjogos e brincadeiras, as encenações dra-máticas, os objetos transicionais, as nar-rativas etc. fazem parte da cadeia detransformação, e cada uma destas for-mas e modalidades simbolizantes tem asua eficácia subjetivante e terapêutica: aopermitir que as phantasias inconscientesse expressem, se articulem e sejam sim-bolizadas, confere-se ao sujeito uma am-pliação na capacidade de fazer contato,processar e comunicar-se em um nívelprofundo. Mais que isto, é a partir destasexpressões simbólicas que as phantasiasinconscientes podem ser moduladas, su-blimadas e postas em mais estreita intera-ção com as experiências do sujeito comseus objetos externos, o que inclui, princi-palmente, outros sujeitos.

Neste particular, avulta a impor-tância das palavras, mesmo que nemsempre precisem ser usadas palavraspara os processos de expressão e simbo-lização. Edna O’Shaughnessy (1983) cha-ma a atenção para o tema. Colocar empalavras é uma atividade do ego, que seenriquece e adquire maiores poderes dereflexão, favorece a ampliação da redeassociativa e do poder sintético do sujeito,dando relevo ao que é falado e narrado, e,principalmente, impõe-lhe uma quebra de

onipotência. Uma phantasia inconscien-te posta em palavras, sob o império dasemântica e da sintaxe, já foi submetida auma transformação decisiva e não per-manece intata e intratável. Por outro lado,qualquer phantasia inconsciente ao serposta em palavras — ou mesmo ao serrepresentada e simbolizada por qualqueroutro meio — já não é “a mesma deantes”. Só podemos acessá-las por meiode palavras, mas devemos estar cientesde que, ao fazê-lo, já procedemos a umatransformação e que jamais teremos comofazer contato com elas em si mesmas.Entretanto, é preciso que as palavrassejam justas e precisas. A isso voltare-mos logo adiante. Ainda neste item, éimportante que se observe que, mesmoquando uma phantasia inconsciente é dealgum modo posta em palavras, nem porisso ela se dissolve e perde sua natureza.Ou seja, mesmo falada e interpretada, aphantasia inconsciente continua operan-do e produzindo efeitos. Assim, ao falar eescutar, nem se fala nem se escuta “tudo”o que há para ser considerado no planodas phantasias inconscientes. Por exem-plo, identificações projetivas continuarãoproduzindo seus efeitos entrelaçados àspalavras e demais simbolizações, às ve-zes confirmando-as, às vezes suplemen-tando-as e às vezes contradizendo-as. Aspalavras que escuto, além da semântica eda sintaxe, têm estilo, ritmo, timbre, inten-sidades etc. e é mediante todas estasdimensões que as phantasias inconsci-entes estarão sendo postas em circula-ção.

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Antes de encerrarmos este tópico,vale a pena ressaltar que o caráter híbridodo conceito de phantasia inconscientenão apenas lhe garante a posição deunidade somatopsíquica capaz de estabe-lecer pontes e mediações, como liberta opensamento psicanalítico do império dasdicotomias e dualidades sem prejuízo dadiscriminação entre elementos. Ao invésde pensarmos que os representantes daspulsões são, por exemplo, de um lado, osafetos e, de outro, as representações, apartir de Melanie Klein a função de repre-sentar, tanto as pulsões, quanto todos oselementos somatopsíquicos, é desempe-nhada pela phantasia inconsciente, quereúne uma variedade de dimensões ecomponentes: afetos, representações,sensações, necessidades, sentimentos,tendências etc., tudo amalgamado ementidades heterogêneas12.Como dissemosno início, o purismo epistemológico torceo nariz, mas cremos que esta natureza dametapsicologia kleiniana faz justiça à com-plexidade ontológica do que interessa àpsicanálise pensar.

Vicissitudes

Como sabemos, a possibilidade depassagem à representação e à simboliza-ção inscrita nas phantasias inconscien-tes não garante muita coisa, pois elas são

muito vulneráveis às operações defensi-vas. Algumas vicissitudes nestas passa-gens já foram estudadas quando falamosde inibição e empobrecimento, de disso-ciação e enquistamento e de transborda-mento e evacuação. Podemos pensarestas vicissitudes a partir de uma noçãode contínuo que vai do mais somático esilencioso ao mais mental, expressivo esublimado. Em diferentes pontos destecontínuo podem ocorrer interrupções eproblemas.

Uma impossibilidade bastante ra-dical nas passagens ao símbolo é a quecria buracos negros no psiquismo, áreasde não-simbolização e de elementos não-representáveis (como na psicose brancadescrita por Donnet e Green [1973], e ospsiquismos traumatizados descritos porBotella e Botella [2002]) em que aphantasia inconsciente está silenciada esilenciosa. A este silêncio se associa umaexperiência traumática, seja como causa(o trauma que emudece), seja como con-seqüência, pois o enfraquecimento de suapotência imaginativa torna o sujeito me-nos apto a lidar com o que o afeta vindo defora ou de dentro do corpo.

Indo um passo além no contínuo,encontramos a “equação simbólica”conceituada por Hanna Segal (1957). Maisadiante, deparamo-nos com a transfor-mação de objetos transicionais em feti-

12 Cremos que, se perdêssemos a discriminação entre tais elementos, também perderíamos o caráterheterogêneo da phantasia inconsciente. Assim, tanto é importante aceitar estas associações quantoassinalar as distintas naturezas de seus componentes. Alguns deles, por exemplo, são mais facilmenteexpressos e simbolizados, enquanto outros parecem muito mais primitivos e resistentes.

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ches, tal como descrito por Winnicott(1960). Estes fenômenos mostram comoa onipotência da phantasia inconscientepode levar a melhor. Na equação simbó-lica, o pareamento entre uma phantasiaauto-erótica e tocar um violino, sob adominância da phantasia inconscienteonipotente (é o exemplo clássico), impedeque o tocar violino ocorra em público: aoinvés de ele simbolizar a phantasia, é elaque invade o campo da consciência e docomportamento, perturbando-a e inibin-do-o. O sujeito não pode tocar violino,exatamente como não pode tocar em seupênis e masturbar-se diante de uma pla-téia. O violino é o pênis, ao invés derepresentá-lo. Já no caso relatado porWinnicott (1960), uma corda que serviacomo objeto transicional, permitindo aseparação entre o garoto e sua mãe, e, aomesmo tempo, mantendo a união simbó-lica entre eles, converte-se em fetichequando começa a servir para impedir deforma onipotente a separação e paramanter uma “união real” imaginária, ocu-pando, na realidade, o espaço vazio, ointervalo. É o que Winnicott denomina“denial of separation”13 (1960, p. 156).O objeto transicional — no caso umacorda — transforma-se em uma coisa emsi, um fetiche, e dá lugar a uma perversão.Nos dois casos, o psicótico de H. Segal eo jovem perverso de D. Winnicott, o quepoderia ser símbolo transforma-se em

coisa sob a dominância de uma phantasiainconsciente onipotente.

Implicações clínicas

Um efeito clínico importante doconceito que estamos examinando é oquestionamento de uma separação muitonítida entre interpretação e construção.Interpretar e construir — no sentido freu-diano dos termos — encontram-se aquiconjugados. Há sempre uma phantasiainconsciente a ser interpretada, mas hásempre um trabalho de transformação econstrução a ser efetivado. Descoberta ecriação estão combinadas e talvez todaintervenção analítica tenha o caráter deuma “invenção”, o que nela reúne estesdois aspectos. Como foi dito acima, em-bora não tenhamos contato com asphantasias senão a partir de suas repre-sentações e simbolizações, é preciso queas palavras sejam justas e precisas, valedizer, interpretem com propriedade asphantasias inconscientes subjacentes, asdesvelem. E é necessário que elas sejambem interpretadas, embora neste proces-so haja simultaneamente construção etransformação.

Em geral, deveríamos evitar osextremos: a “tradução simultânea” e os“enxertos”, como dizia Lacan da técnicakleiniana de análise de crianças peque-nas, em que palavras são colocadas na

13 A Verleugnung freudiana ora foi traduzida como denial, ora como disavowal: o garoto sabia e não sabiada separação.

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boca da criança para que se faça contatocom suas phantasias e angústias. Noentanto, é inegável que em alguns mo-mentos cabem intervenções que pare-cem se aproximar de um dos extremos. Arealidade, porém, é que, mesmo nestescasos, haverá sempre uma mistura deinterpretação e construção nas interven-ções analíticas, o que coloca um problemaético: o quanto do paciente pode emergirdestas intervenções analíticas? Mas nãose trata de favorecer esta mescla, mas dereconhecer seu caráter inevitável. Seriadesejável, certamente, que em uma inter-venção interpretativa pudéssemos estarabsolutamente seguros de estamos traba-lhando “per via de levare”, deixando asconstruções para situações especiais, oudeixando-as apenas a cargo do paciente.A clínica a partir de Klein não assumeesta visão ingênua e dispõe-se a correr osriscos de conjugar a “via de levare” coma “via de porre”, até porque não há outraforma de trabalhar14.

Consideremos agora a implicaçãodo conceito em termos dos objetivos daanálise. De um ponto de vista kleiniano, adiferença entre “normalidade” e patolo-gia reside nas formas dominantes de lidarcom as phantasias inconscientes, a “nor-malidade” consistindo em admitir, ex-pressar, simbolizar e transformar esteselementos em contato com a experiência,

e as patologias caracterizando-se pelaoperação de mecanismos de defesa con-tra elas. Não se coloca jamais a idéia deaboli-las. Assim, o “teste de realidade”não poderia ser concebido como um con-fronto entre fantasia e percepção, dadoque não haveria percepção alguma semque estejam operando phantasias in-conscientes. O que se espera é que elaspossam ir sendo processadas e o termo“processamento da realidade” parecemuito mais cabível, desde que se entendaque se trata de um processamento da e naphantasia15.

Assim sendo, alguns dos objetivosmais centrais da atividade clínico-analíti-ca podem ser expressos da seguinte for-ma: desinibição, expressão e simboliza-ção das phantasias inconscientes de for-ma a garantir o enriquecimento da expe-riência e da interação entre “mundo inter-no” e “mundo externo” (instalando ouampliando a capacidade de “aprendercom a experiência” [Bion, 1962]). Espe-ra-se que as phantasias transformadaspercam seu caráter onipotente e possamentrelaçar-se às experiência de vida dosujeito. Trata-se, enfim, da criação e daampliação da capacidade para pensar(containing), para admitir e processar asphantasias inconscientes, sem que ne-nhuma noção médica de cura e saúde seimponha.

14 A solução do problema ético deve ser procurada na dialética da implicação e da reserva, conforme sugeridoem outra parte (Figueiredo, 2000).15 A distinção entre teste e processamento de realidade nos parece importante e foi adotada em um outrotrabalho (Figueiredo, 2006).

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Passemos agora ao segundo temaselecionado. Como se verá, porém, elenos permitirá retornar às phantasias in-conscientes, trazendo novas elaboraçõesa respeito delas.

A noção de “Édipo precoce”e a “situação edípica”a partir de M. Klein

Para início de conversa, perceba-mos que, segundo Melanie Klein, a rela-ção narcísico-dual que o bebê estabelececom seu objeto primário — a mãe e, maisparticularmente, o “seio” da mãe, repre-sentando a principal fonte de gratificação— está longe de ser uma relação idílicapura. Se, de um lado, as experiências desatisfação estão associadas a phantasiasinconscientes de plenitude, há, ao mesmotempo, phantasias de outra ordem asso-ciadas a outros momentos. Melanie Kleinnão alimenta ilusões e é, na esteira deFreud, uma pensadora do mal-estar. Asrelações narcísico-duais comportam frus-trações e conhecem limites. O “não-mãe”(a mãe má, o pai, o mundo) é permanen-temente o horizonte inevitável do objetoprimário, e a indiferenciação característi-ca das relações narcísico-duais não énunca absoluta: uma diferenciação estádesde sempre se insinuando, mesmo quereduzida pelos mais eficientes cuidados eadaptações do ambiente. Seja porque éimpossível atender perfeitamente a vora-cidade infantil, seja porque as pulsõeshostis dirigidas para fora colorem os obje-tos e são em seguida introjetadas junto

com o leite, os carinhos e cuidados mater-nos, seja porque entre o homem e seumundo e seus objetos há sempreinadequação — em qualquer idade e emtodas as circunstâncias —, os primórdiosphantasiosos da “cena primária” estãoinscritos no psiquismo desde o início. Aisto chamaremos de “situação edípica”,aproveitando o termo usado por MelanieKlein em 1926 e desde o início associadoàs experiências de impedimentos a umagratificação plena, às privações (depriva-tions). No começo, ela é apenas umaphantasia inconsciente nebulosa: há ou-tras fontes e alvos de prazer para a mãe,correlatas às suas ausências, às faltas einsuficiências do objeto (sentidas ou ima-ginadas) e aos incômodos, pavores e do-res daí decorrentes. Ou seja, o “outro dooutro”, como diz Green (2003), o não-mãe, como objeto e como fonte libidinalda mãe, phantasiado e “percebido” —mas sempre é phantasiado antes e maisdo que percebido — faz parte da realida-de psíquica em formação.

Nesta medida, há uma situaçãotriangular precoce e incipiente, pouco ní-tida, como “limite da bem-aventurança”;mas ela é, também, uma condição depossibilidade: é uma condição da relaçãodiádica (contra a atração fusional), e umasustentação e viabilização da onipotêncianarcísica primordial da unidade mãe-bebê.Esta função do “terceiro”, o pai, comocondição do “segundo” e do “primeiro”em sua união primordial foi bem aprecia-da por Winnicott. O “pai” dá sustentaçãoà mãe e à dupla para que a mãe dê

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sustentação ao bebê. Mas é claro queeste mesmo terceiro elemento mal perce-bido, mal delimitado, já figura como umaameaça a esta relação: é o ingredientedecisivo da cena primária originalphantasiada, derivada das privações(desde as mais precoces “dores de barri-ga”, até o desmame, o treinamento dehábitos higiênicos, etc.). A isso retornare-mos mais adiante.

Nas próximas páginas acompanha-remos, em grandes linhas, as evoluçõespossíveis desta situação edípica primordi-al e para tanto contamos com trabalhos deMelanie Klein (1926, 1945), e tambémcom os de Boswell (2001), Britton (1985,1988), Hinshelwood (1994) e O’Shaugh-nessy (1988). Nestas companhias, trata-remos das formas da “situação edípica”.

Formas da “situação edípica”

Não podemos confundir a situaçãoedípica, tal como a estamos definindo,com uma de suas formas, como, porexemplo, a sua manifestação cabal nascondições consideradas por Freud nocomplexo de Édipo. Comecemos assina-lando que há formas constitutivas e estru-turantes (como a phantasia inconscientedo “outro do outro”) e formas defensivas,como as fantasias neuróticas edipianas,por exemplo, em que são idealizadas asrelações privilegiadas do filho (ou filha)com um dos membros do casal parental,

em detrimento do terceiro elemento dotriângulo16.

Convém, igualmente, levar em con-ta que há formas manifestas (a situaçãoedípica como phantasia inconscienteexpressa, representada e transformável)e formas invisíveis, em que a situaçãoedípica é recusada ou rejeitada.

Dito isto, passemos então a acom-panhar em traços largos as transforma-ções da situação edípica desde umaphantasia inconsciente primária até assuas formas no complexo de Édipo preco-ce, e mais além.

O que pode ser caracterizado comouma “boa evolução” da situação edípi-ca, quais seus elementos e qual sua dinâ-mica?

Como sair da onipotência narcísicae das figuras combinadas e confundidasonipotentes, tais como dispostas naphantasia inconsciente? Segundo estaphantasia inconsciente, constitui-se acena primária em que mãe e não-mãe (o“outro” e o “outro do outro”) unem-se emum intercurso contínuo e violento. A vio-lência é aí projetada a partir da força davoracidade do bebê e da resposta emoci-onal à privação. Na cena primária primor-dial fantasiada cria-se o objeto todo-poderoso, protetor absoluto e terrorífico,detentor de todos os atributos e capacida-des, o interior da mãe com um pênisinterno. Não é preciso, absolutamente,que haja uma percepção do coito entre a

16 Neste caso, a triangulação não é totalmente ignorada ou recusada, mas o terceiro elemento é depreciadoe reduzido em sua potencial rivalidade.

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mãe e um homem. O objeto combinado naphantasia inconsciente é um objeto com-pleto e auto-suficiente. Uma mãe narci-sista e auto-erótica, por exemplo, ofereceuma base experiencial perfeita para ali-mentar tal phantasia; mas, em qualquercircunstância, a dependência absoluta dobebê e as falhas inevitáveis do objetoprimário poderão gerar esta quimera.Diga-se de passagem, a internalizaçãodeste objeto fantasiado/experimentadoestá na origem do “superego primitivo”,uma instância de poder, proteção, contro-le e submetimento inigualável. Mais adi-ante voltaremos ao assunto.

A primeira organização viável dasrelações objetais envolve as cisões cons-titutivas da posição esquizoparanóide.Quando bom e mau, próximo e distante,etc., tornam-se modos primitivos de sepa-rar e organizar a experiência com osobjetos, é possível separar a mãe boa damãe má, ou a mãe boa do “pai” mau, ou,inversamente, o “pai” bom da mãe má.Criam-se, assim duas relações duais(Green), uma com o outro e a outra como “outro do outro”; estamos na ante-salada triangulação, uma primeira estrutura-ção da situação edípica em que o comple-xo de Édipo precoce ainda não se confi-gurou. Nela, o desenho triangular nãoaparece e a situação edípica se mantéminvisível, posto que anunciada. Pacientesborderline tendem a permanecer nestacondição (Figueiredo, 2006) pela recusaem aceitar esta triangulação incipiente.

As integrações da posição depres-siva (que ocorrem depois de alguns me-

ses de idade e antes de um ano) permitemuma experiência de triangulação (R.Britton, 1985, pp. 89 e seguintes), dandolugar ao “complexo de Édipo precoce”. Ooutro (a mãe) e o “outro do outro” (o pai)se diferenciam, e se unificam e integram,cada um vindo a se constituir em umapessoa total, com aspectos bons e maus.Além disso, podem ser phantasiados epercebidos como não mais combinados efundidos, mas reunidos um ao outro, sejaem termos de uma aliança, seja em ter-mos eróticos. Por sua vez, o self sesepara e se reúne ao outro (mãe) e aooutro do outro (pai) em suas relativasseparação e reunião.

Na situação edípica madura, e aquijá nos aproximamos do complexo de Édi-po freudiano, o que requer um longoperíodo de elaboração da posição depres-siva, constitui-se o casal parental fecundo(aliança e erotismo), e benigno, capaz deacolher e sustentar seu filho, funcionandocomo o bom objeto a ser introjetado.Esta introjeção tem importantes efeitossubjetivos: (a) proporciona uma comple-xa experiência de exclusão-inclusão, poiso filho está incluído na aliança e excluídoda relação erótica; (b) nesta posição,pode experimentar as diferenças de gê-nero e de gerações, identificando-se comum dos pais e desejando o outro, maspercebendo também que o amor entre oscônjuges é de natureza distinta do que háentre pais e filhos; (c) dá-se, assim, apossibilidade de uma experiência de de-pendência não-simbiótica e de interde-pendência com o casal em conjunto e com

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cada um de seus elementos, o que cria ohorizonte da individuação e de uma rela-tiva liberdade; (d) angústias de castraçãoe de culpa emergem claramente, maspodem assumir uma feição muito maismoderada que as angústias de separaçãoe engolfamento da posição esquizopara-nóide (veremos isso mais adiante); (e)abrem-se as possibilidades de reparação,dado que as ansiedades e culpas mitiga-das podem ser enfrentadas com atosreparatórios — se elas crescerem, contu-do, darão ensejo às reparações maníacas;(f) do lugar de terceiro em uma relação,cria-se a possibilidade de observação,simbolização do objeto ausente e de pen-samento; o filho aceita o terceiro e acei-ta-se como sendo ele mesmo o terceiro eesta é a posição determinante para odesenvolvimento das suas capacidadescognitivas e auto-reflexivas, sujeito e ob-jeto de conhecimento; torna-se possívelconhecer a realidade — liberar o impulsoepistemofílico e as phantasias inconsci-entes correspondentes — fortalecendo oelo K e modulando os elos L e H (parafalarmos a linguagem de Bion, 1962).

Na ausência da triangulação, oconhecimento e o pensamento ficam ini-bidos e as relações de amor e ódio preva-lecem imoderadas, mas isso já é parte doque trataremos mais adiante.

Toda essa evolução bem-sucedidaideal depende, é claro, dos objetos primá-rios, ou seja, da mãe e do “pai”, as aspasservindo para lembrar que as funções dopai, a serem recenseadas mais adiante,dizem respeito à boa ocupação do lugar

de terceiro (o que vai depender, também,do psiquismo, do comportamento e dasfalas da mãe). “Pai” será tudo aquilo etodo aquele que puder bem ocupar umlugar de terceiro que já está aberto desdea instauração da situação edípica, muitoantes de um complexo de Édipo se mani-festar plenamente.

O que pode ser agora caracteriza-do como uma “má evolução” da situaçãoedípica, quais seus elementos e qual suadinâmica? Trataremos esquematicamen-te da questão contemplando duas possibi-lidades, uma mais grave, outra mais leve.

Comecemos com as figuras oni-potentes combinadas, confundidas eesquartejadas (pois são objetos parciais)que se cronificam em uma “cena primá-ria” determinante de ansiedades psicóti-cas e da introjeção de um superego cruel.Em tais casos, os psiquismos funcionamcomo os pacientes que Ferenczi caracte-rizou como sendo apenas id e superego,com um ego inexistente ou muito fraco.As decorrências são: (a) prevalecem asrelações diádicas e narcisistas (simbió-ticas) e monádicas (esquizóides) com arecusa ou a rejeição da relação triangularinscrita na situação edípica incipiente; (b)neste campo, dão-se as experiências ra-dicais de exclusão e de inclusão não-mediadas e intoleráveis; na relação com oaspecto tudo-bom e na relação com oaspecto tudo-mau do objeto combinado etodo-poderoso, ou bem se vive uma inclu-são engolfante, ou bem uma exclusãoaniquilante, o que incrementa (c) proces-sos de idealização defensiva e de

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persecutoriedade intensa; (d) nesta con-dição precária desenvolve-se o que foichamado de “ódio à realidade”, o ataqueà curiosidade genuína e ao conhecimento,e instala-se a arrogância defensiva, já queo maior dos sofrimentos parece ser justa-mente levar em conta as phantasiasinconscientes que criam e sustentam umacena primária intolerável.

Nesta condição, observa-se o quejá foi designado como o “Édipo invisível”(E. O’Shaughnessy, 1988). Trata-se darecusa e/ou da rejeição da cena primáriaintolerável, que é a manifestação em es-tado bruto da situação edípica, umaphantasia inconsciente primária. Aliás,cabe assinalar que não se trata de fato de“ódio à realidade”, recusa ou rejeição, ounegação da realidade ela mesma. Atéporque não há como fazer contato diretocom ela. Dizer que se trataria de umanegação da “realidade tal como interpre-tada” já é um avanço, mas não vai aoponto, pois não especifica a qualidade e anatureza desta interpretação. O que sepassa é uma intolerância às phantasiasinconscientes que constroem uma cenaprimária da qual se está completamenteexcluído ou na qual se é incluído como umdos participantes — identificação com opai ou com a mãe — e na qual se experi-mentam as intensidades elevadas de umainteração violenta, confusa. Uma formade alcançar alguma estabilidade sem terde enfrentar as agruras da travessia e doenfrentamento pode ser a da construçãodos “refúgios psíquicos” (Steiner, 1993),uma organização narcísica da personali-

dade que protege o sujeito da exclusão eda inclusão devastadoras, livrando-o dasgrandes oscilações borderline, mas dei-xando-o aprisionado.

Uma outra possibilidade, bem me-nos grave, diz respeito às fantasias deincesto, isto é, as fantasias edipianas pro-priamente ditas (prenhes de rivalidades,inveja e ciúmes ou, no extremo, de indife-rença diante de um terceiro elementoamesquinhado e ridículo). Tais fantasias(“minha mãe gosta muito mais de mimque de meu pai”, por exemplo) perpetu-am-se como defesas (neuróticas) contraas ansiedades psicóticas diante das figu-ras onipotentes combinadas e produzemtanto phantasias inconscientes homici-das e culposas (em geral, recalcadas),quanto phantasias de reparações maní-acas (em geral, atuadas). Nestes casos, oÉdipo torna-se “excessivamente visível”em sua forma defensiva (Britton, 1989).

Funções do pai, funções do mundo,funções do “terceiro”

Tentemos recensear agora, breve-mente, o que poderia ser uma boa ocupa-ção do lugar de terceiro (instalado naphantasia inconsciente), em oposição àmá ocupação da posição de terceiro, umaausência da “função paterna”.

Na ante-sala do Édipo, mas já nocontexto de uma situação edípica, o “pai”limita, permite e protege a relação diádicae o narcisismo de origem. Pode não serum pai, mas um conjunto familiar, umainstituição, que desempenha a função de

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dar holding à mãe e, mais precisamente,à unidade mãe-bebê. Não fazer isto seria,ao contrário, aparecer como um terceiroinvasor e inimigo e em conluio com a mãena tarefa de excluir e matar o bebê. Aquise manifestam as formas mais cruentasda inveja.

Em seguida, o “pai” serve comoobjeto de investimento libidinal da mãe. Émelhor que seja de fato um homem, maspode ser o trabalho da mãe ou qualqueroutro interesse dela apaixonante. É preci-so que haja investimento erótico dela enela para que a mãe seja vitalizada e oterceiro seja legitimado. Surgem ciúmes,o que já é uma evolução positiva da invejaanterior, mas estes ciúmes podem ser, emprincípio, contidos, transformados e repa-rados. A ausência do “pai”, neste mo-mento, deixa intatas as phantasias in-conscientes de uma relação dual-narci-sista exclusiva e excludente; os ciúmesque então podem emergir diante da merapossibilidade do rompimento desta rela-ção são, aí sim, insuportáveis.

Mais adiante, o “pai” — um com-panheiro da mãe — funciona como par-ceiro de um casal parental fecundo ebenigno. Nesta condição, instala-se efeti-vamente a dialética de exclusão e inclu-são simultâneas, com as conquistas emo-cionais e psíquicas já mencionadas. Se amãe carecer — no plano da phantasiainconsciente — de uma inserção em algu-

ma aliança fecunda, as fantasias edipia-nas tenderão a se manifestar e a serrecalcadas neuroticamente.

Vale assinalar que, na condição deparceiro, o pai também comparece comomodelo identificatório de “terceiridade”liberando as relações objetais para for-mas de desenvolvimento salutares noseixos do amor, do ódio e do conhecimen-to. Esta função de modelo identificatório,embora seja mais evidente em meninos,não é desprezível para a constituiçãopsíquica da mulher. Será, igualmente, nestacondição que a superação do Édipo dei-xará como herança uma internalização deideais, valores, interdições etc., vale dizer,os elementos do superego.

Finalmente, deve-se observar queapenas nesta triangulação bem instituídaas relações de confiança podem emergire se firmar. A confiança na mãe e aconfiança no pai, mais que isso, a confian-ça no “casal”, como protótipo da confian-ça nas instituições, dependem da elabora-ção da situação edípica. Por outro lado,será a introjeção do casal como objetobom e criativo que cria as condições paraa confiança em si, como primeiro, segun-do ou terceiro em uma relação amorosa ecognitiva17.

As formas evolutivas da situaçãoedípica em Melanie Klein, como se vê,incidem nos desenvolvimentos emocio-nais, cognitivos e éticos. O respeito à

17 Embora Melanie Klein não tenha dedicado à confiança a mesma atenção de Balint e Winnicott (cf.Figueiredo, no prelo), há menções a esta noção em seus escritos. Mas o que aqui está sendo acentuado éque seu pensamento oferece excelentes bases para uma compreensão psicanalítica bastante integrada emtorno deste tema.

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alteridade e a confiança nos outros e emsi são os principais ganhos destes proces-sos e da boa resolução do complexo deÉdipo, vale dizer, dependem fundamen-talmente da boa ocupação do lugar deterceiro.

A clínica psicanalítica a partir deMelanie Klein

Muitas observações já foram sen-do feitas ao longo do texto sobre asimplicações e derivações clínicas dasnoções de phantasia inconsciente e situ-ação edípica. A seguir, retomaremos coma maior brevidade a elas, dando-lhes umafeição um pouco mais organizada.

No que concerne ao primeiro con-ceito, acreditamos que a complexa clínicade W. R. Bion é a que mais tira partido dascontribuições kleinianas. Podemos identifi-car em Bion (1962, 1965, 1970) três mode-los clínicos em interação, embora ele mes-mo não se expresse nestes termos: umaclínica da continência, uma clínica do con-fronto e uma clínica do vazio.

A primeira está comprometida comuma função de receber, conter e transfor-mar phantasias inconscientes, o que exi-ge a mobilização das phantasias do pró-prio analista, e, em decorrência, de suasrêveries; todas as suas idéias sobre con-tinente e contido, elementos β e funçãoα,sobre as transformações etc. cami-nham nesta direção.

A segunda destina-se a estabele-cer um limite firme para as phantasias,estabelecendo-se o analista no terreno

das experiências compartilhadas para daliimpor à produção fantasística (ou fantás-tica) uma exigência de trabalho. É impor-tante que se perceba que o confronto nãose dá entre a phantasia inconsciente dopaciente e a realidade, representada su-postamente pelo analista. O analista nãoé o guardião da realidade e o suporte daverdade. O confronto deve ocorrer entreas formas de expressão e simbolização daphantasia e os mecanismos de defesa dopaciente, refratários a admiti-las, expressá-las e simbolizá-las. A função analítica nãoé confrontar, mas constituir o campo doconfronto intrapsíquico, vale dizer, situar-se no terreno das próprias phantasias eseus conflitos com o ego do paciente.

Finalmente, a “terceira clínica” —a mais nitidamente bioniana — tenta lan-çar o paciente e seu analista em umsilêncio e um vazio de imagens — parafora, portanto, dos espaços mentais satu-rados — e na direção do inesperado edesconhecido. Esta terceira clínica, cer-tamente, contrapõe-se à escola kleinia-na dos inícios e às suas técnicas deinterpretação excessivas e muito impreg-nadas de imagens. No entanto, esta críti-ca ativa ao kleinismo não dispensa oconceito de “phantasia inconsciente” e asua redefinição bioniana, em termos de“pré-concepção”. Ao contrário, deixa-alivre das idéias prévias, das imagens fei-tas, da exuberância imagética, fazendodela uma espécie de imaginação semimagens, pura capacidade receptiva,antecipadora, poiética e poética de cria-ção e espera do inesperado. Cabe à

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negative capability do analista (1970) atarefa de deixá-lo “sem memória, semdesejo e sem compreensão”, confiante nocaráter produtivo da imaginação sem ima-gens, aquela capacidade que em alemãose diz justamente Phantasie. Novamenteaqui, cabe-nos recordar a noção de “ima-ginação radical” de Castoriadis, condiçãode emergência de toda representação,mas ela mesma aquém do campo repre-sentacional18. Esta terceira clínica de Biontorna-se, assim, o melhor antídoto contraas “traduções simultâneas” e os “enxer-tos” e contra os desvios éticos que emer-gem da mescla inevitável entre interpre-tação e construção. Transformar asphantasias inconscientes em puras “es-truturas enquadrantes” — nas palavrasde A. Green — é o máximo a que podechegar a clínica psicanalítica em suasfunções terapêuticas, embora as duasoutras vertentes da clínica de W. Bioncontinuem indispensáveis.

Já as implicações clínicas da situa-ção edípica, do “Édipo precoce” e dasfunções do terceiro concentram-se nasdiversas funções do terceiro na situaçãoanalítica. O terceiro, além de desempe-nhar todas as “funções paternas” aponta-das no item anterior, mostra-se em suasvárias figuras: o enquadramento, o mane-jo e as interpretações (em geral) sãoterceiros elementos nas relações entrepaciente e analista. Qualquer interpreta-ção, aliás, independentemente de seu con-

teúdo específico, atesta a independência,a autonomia e a capacidade de pensa-mento do analista, que, ao mesmo tempoque é objeto da transferência, mantém-secomo observador do que se passa nasituação. Qualquer interpretação estabe-lece um ângulo novo na relação, um vér-tice da triangulação. Por isso, alguns pa-cientes recusam qualquer interpretaçãoexatamente como recusam, ou rejeitam, atriangulação, enquanto outros a dissol-vem no já-sabido, tentando reconstituirdeste modo a ilusão de dualidade e narci-sismo. Assim sendo, como tão bem assi-nalou R. Caper, a partir de Klein, Bion eBritton, cabe ao analista preservar uma“mente própria”, proteger e manter-sefiel aos seus objetos internos, entre osquais a própria teoria psicanalítica. É aafirmação do papel crucial do terceiro emanálise. Algumas vezes, o analista deveráestar disponível para uma relação próxi-ma e quase fusional, mas para isso vir aser terapêutico o lugar do terceiro ele-mento deverá ser ocupado, seja pelosetting, seja pelos objetos internos doanalista, seja por um supervisor. Outrasvezes, caberá ao próprio analista ocupar,simultaneamente, este lugar e o lugar desegundo na relação. De uma forma ou deoutra, a boa ocupação do lugar de tercei-ro, escute-se o que se escutar, diga-se oque se disser, é certamente a base e acondição da ação terapêutica do psicana-lista.

18 A “criatividade originária”, segundo Winnicott, também corresponde a uma potência imaginativadestituída de formas prévias, puro vazio e virtualidade (Naffah Neto, comunicação pessoal).

Luís Claudio Figueiredo

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Melanie Klein no panorama dapsicanálise contemporânea

Chegamos ao fim deste percurso,sem falar em nome de Melanie Klein, masa partir dela, e sem qualquer pretensão derepresentar uma escola kleiniana. Mas éjustamente deste lugar que podemos apre-sentar seu pensamento clínico e o que elenos oferece e propicia. É a partir dele quese torna possível um resgate da autora,para além de escolas e modismos.

O primeiro aspecto a destacar é apossibilidade de síntese criativa entre aprimeira e a segunda tópicas elaboradaspor Freud. Esta síntese torna-se capaz deenfrentar os impasses e limitações dastrês clínicas freudianas, quando vistas emseparado: a “clínica da representação”, a“clínica das pulsões” (o que inclui a ênfa-se no irrepresentável) e a “clínica dosmecanismos de defesa”. A clínica psica-nalítica a partir de Melanie Klein articulaestas três vertentes de forma integrada.

Com ela, ou a partir dela, podemostambém empreender a superação de al-guns mitos da origem: o mito da origemplena, da indiferenciação e do idílio — talcomo pode ser entendido de algumasposições de Winnicott — e o mito daorigem como falta e pura diferença — talcomo se depreende do pensamento deLacan. Não é de estranhar que, no silên-cio que se criou em torno de MelanieKlein, Winnicott e Lacan tendam a cres-cer, mas também a revelar seus limites eunilateralidades e, ainda, a ensejar pers-

pectivas de aproximações e combina-ções. Resgatar Melanie Klein pode aindaser a melhor maneira de nos mantermosfreudianos, sem abrir mão de tudo queveio depois dela no complexo universopsicanalítico. De certa forma, ela podenos ser de grande auxílio justamente nasuperação da era das escolas, cujas so-brevivências anacrônicas ainda existemem um certo lacanismo e winnicottismorenitentes, com suas profissões de féantikleinianas. E isso não é pouco.

Mas talvez o aspecto mais deci-sivo para a clínica contemporânea te-nha sido o redimensionamento da no-ção de fantasia, gerando o conceito dephantasia inconsciente com sua incrí-vel capacidade de mediações. O alcan-ce da escuta se amplia, bem como seincrementa o alcance das interpreta-ções e demais dispositivos analíticosquando dispomos de um conceito queatravessa a unidade somatopsíquica emsuas diversas formas de articulação, eem seus diferentes níveis de desenvol-vimento. Os cuidados a neuróticos, psi-cóticos, perversos, borderline, com-pulsivos, psicossomáticos etc. podemencontrar em Melanie Klein e no seuconceito de phantasia inconsciente umabase consistente. Sem que precisemosdescartar todas as extraordinárias ela-borações teórico-clínicas — inclusiveas não-kleinianas e antikleinianas —que povoam nossa história de poucomais de cem anos. E isso é bastante,mesmo que não seja suficiente.

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Luís Claudio Figueiredo

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SUMMARY

The psychoanalytic practice after Melanie Klein.What this means?

In the present paper two aspects of the kleinian thought are identified as possiblebasis to the contemporary psychoanalytic practice. The concept of unconsciousphantasy and the questions around the oedipal situation, along their transformations,evolutions and aspects, are examined, including the early Oedipus complex. Both ofthese themes can be conceived as a solid and useful ground for psychoanalysts of non-kleinian orientations.

Key words: Contemporary psychoanalytic practice. Unconscious phantasy. Oedipalsituation and early Oedipus complex.

RESUMEN

La clínica psicoanalítica con base en Melanie Klein.Qué puede eso significar?

En el presente trabajo, se hace un esfuerzo para identificar algunos razgos dellegado kleiniano para la clínica psicoanalítica contemporánea, aunque el psicoanalistano estea filiado a la escuela de Melanie Klein. Dos temas serán objetos de un detenidoexamen: el concepto de phantasia inconsciente y las cuestiones relativas a la situaciónedípica, lo que incluye el Édipo precoce.

Palabras-clave: Clínica psicoanalítica contemporánea. Phantasia inconsciente. Situaciónedípica y Édipo precoce.

Luís Claudio FigueiredoR. Alcides Pertiga, 65 — C. César

05413-100 São Paulo, SPFones: 3083-3731 / 3086-4016

E-mail: [email protected]

Recebido em: 10/11/06Aceito em: 14/12/06