A comunicação organizacional sob o olhar teórico

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    Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da ComunicaoXXVIII Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao Uerj 5 a 9 de setembro de 2005

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    A comunicao organizacional sob o olhar terico

    contribuies de Niklas Luhmann1

    Ana Thereza Nogueira Soares2

    Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais PUC-Minas

    Resumo

    Este trabalho tem como principal objetivo promover uma discusso acerca do tema dacomunicao organizacional, entendendo-o como um processo inerente configuraodas organizaes sociais, bem como necessrio ao seu funcionamento. Dado o estadoincipiente em que se encontram as reflexes tericas sobre o assunto, defende-se que aconstituio de um campo terico pode alavancar um melhor entendimento sobre a

    realidade das organizaes contemporneas. Para isso, prope-se um estudo einterpretao da Nova Teoria dos Sistemas, tal como delineada por Niklas Luhmann, nointuito de investigar a contribuio que este paradigma do campo da Sociologia tem aoferecer para a compreenso das interaes comunicacionais entre grupos, organizaese sociedade.

    Palavras-chave

    Comunicao Organizacional Relaes Pblicas Nova Teoria dos Sistemas

    Campo Cientfico

    Introduo

    Esse artigo apresenta algumas consideraes preliminares do trabalho de

    investigao As organizaes como sistemas sociais uma contribuio para o

    entendimento dos processos comunicativos organizacionais, o qual faz parte do escopo

    de trabalhos financiados pelo FIP Fundo de Incentivo a Pesquisa da PUC-Minas.Temos aqui o propsito de lanar bases para a anlise da comunicao organizacional

    sob uma perspectiva terica, contribuindo para a tarefa de mapear e constituir um corpo

    de conhecimento que ainda incipiente do ponto de vista de sua cientificidade e

    tomado, dessa forma, por reflexes assistemticas e pouco significativas para a

    1 Trabalho apresentado ao NP 05 Relaes Pblicas e Comunicao Organizacional, do V Encontro dos Ncleos dePesquisa Intercom.

    2 Mestre em Sociologia (UFMG), Especialista em Informao Internacional (Universidad Complutense de Madrid),Bacharel em Comunicao Social - Relaes Pblicas (PUC-Minas), Professora da PUC-Minas. E-mail:[email protected]

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    compreenso tanto dos fenmenos de interao comunicacional originados em

    organizaes sociais, como daqueles que as afetam.

    Procura-se desenvolver argumentos que justifiquem o esforo de pesquisa em

    direo interface do nascente campo da comunicao com o campo da sociologia, em

    especial com o paradigma terico da Nova Teoria dos Sistemas, como meio de

    fortalecer uma reflexo cientificamente fundamentada sobre os processos de

    comunicao organizacional.

    Afinal, entendemos que a produo de um olhar prprio da comunicao para os

    processos comunicacionais existentes entre as organizaes e a sociedade e no interior

    das organizaes s possvel a partir do momento em que se consiga dialogar com os

    paradigmas cientficos que j se preocupam, direta ou indiretamente, em oferecer um

    quadro terico explicativo para tais processos.

    Sobre por que e como constituir o novo campo

    O debate sobre a realizao do empreendimento de constituio e consolidao

    do campo cientfico da comunicao relativamente novo, se comparado ao de outros

    campos do conhecimento. Ultimamente, no entanto, discusses vm sendo realizadas

    com maior intensidade no Brasil, numa tentativa de definir direcionamentos

    epistemolgicos, metodolgicos e conceituais mais apropriados para o entendimento

    dos fenmenos comunicacionais3. Uma observao recorrente aquela de que a

    produo terico-conceitual no campo recai sempre numa espcie de deslocamento do

    objeto sob anlise, dando nfase estrutura, ao aspecto instrumental e fragmentado da

    comunicao, em lugar de considerar sua centralidade nos processos de produo e

    reproduo de smbolos e sentidos na sociedade contempornea. Uma avaliao crtica

    do estgio de constituio do campo da comunicao demonstra, assim, que a maiorparte das pesquisas tem um vis essencialmente emprico, focado sobretudo nas

    caractersticas e utilizaes dos suportes miditicos, o que marginaliza o carter

    processual das interaes comunicacionais que perpassam todas as instncias da

    sociedade.

    No sub-campo da comunicao organizacional, essa anlise crtica se faz ainda

    mais urgente, uma vez que a maior parte da produo acadmica na rea trata do

    3Ver, para aprofundamento do tema, as coletneas Epistemologia da Comunicao, organizada por Lopes (2003) eTenses e objeto da pesquisa em comunicao, organizada por Weber, Bentz e Hohlfeldt (2002).

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    fenmeno comunicacional de forma simplista e ingnua, na medida em que conceitua os

    instrumentos comunicativos e demonstra suas aplicaes como razo suficiente para a

    eficcia dos processos de gesto da comunicao organizacional. Esquecem-se,

    porm, que a veiculao por si no indica um fenmeno comunicacional (Duarte,

    2003, p. 52). Esse fato, negligenciado por muitos autores, profissionais e pesquisadores

    da rea, acaba por reforar uma explicao tecnicista do processo de Relaes Pblicas.

    Como salienta Ferrara, referindo-se ao objeto da comunicao:

    dos meios e canais comunicativos como temas de investigao chega-se, nomximo, descrio, mais ou menos redundante, conforme a sagacidaderetrica da explicao. Estamos longe de uma epistemologia da comunicaoprodutora de conhecimento, porque resistimos a interrogar prticas e atores quepermitem a comunicao enquanto rea de conhecimento complexo (...). (2003,

    p. 62).

    Nos ltimos anos, a tomada do objeto da comunicao organizacional pelos

    administradores de empresas tem agravado ainda mais essa questo, j que se trata de

    uma rea de predominncia das chamadas teorias prescritivo-normativas, as quais

    propem solues indiferenciadas para contextos organizacionais conformados pelos

    mais diversos padres scio-culturais. Identificamos que essa tendncia de olhar o

    objeto da comunicao via cincias admistrativas desvirtua sua compreenso, pois

    acaba atribuindo ao fenmeno uma funo exclusivamente econmica, quando este, naverdade, possui um significado muito mais amplo, o qual se articula, como veremos,

    prpria complexidade da sociedade contempornea. Ao propagar a explicaes sobre as

    relaes pblicas que demonstram o que fazem (e o que podem fazer pela organizao),

    ao invs de estudar o que so e como se constituem, estamos incorrendo em erro, j que

    deixamos de considerar os aspectos sociolgicos intrnsecos a seus processos4, tratando-

    as como mero epifenmeno da vida organizacional.

    Dessa forma, queremos defender um objeto de anlise distinto daquelefragmentado e empobrecido, compreendendo a comunicao organizacional dentro da

    complexidade social da qual elemento fundador, como um processo dinmico e

    indissocivel da prpria existncia das organizaes. A fim de desenvolver esse novo

    referencial, propomos o seguinte ngulo de anlise, o seguinte olhar: a comunicao

    4 Esse comentrio se inspira, em grande medida, na diferenciao proposta por Grunig (2003) entre as RelaesPblicas e o Marketing. Segundo o autor, o Marketing uma funo que se ocupa de dar sentido s relaeseconmicas da organizao, enquanto que as Relaes Pblicas atuam no meio social das organizaes, o que confere

    atividade uma dimenso maior, e sobretudo mais fundamental existncia da organizao. Nesse sentido, parece-nos que tal proposio contraria a prpria base do materialismo histrico, na medida em que deixa transparecer que asuper-estrutura a base da infra-estrutura, e no o inverso.

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    organizacional engloba tanto aqueles processos interacionais espontneos (e ao mesmo

    que ajudam a conformar e manter as organizaes sociais, como um conjunto de

    padres, procedimentos e possibilidades de conduta que so realizados de forma

    deliberada e consciente no intuito de conduzir opinies e atitudes e de alterar um dado

    estado de interao entre organizaes e sociedade5. Nesse segundo sentido, nos

    aproximaramos mais das relaes pblicas, j que interferem ativamente nos referidos

    processos interacionais espontneos que permeiam as organizaes para atingir

    objetivos pr-estabelecidos. Mas como saber se esse, efetivamente, um olhar vlido?

    Como proceder ao teste de hipteses que trazem a comunicao para o cerne das

    discusses relativas a organizaes sociais?

    A autonomizao de um campo cientfico um caminho rduo, que se realiza no

    longo prazo e, de acordo com a conceituao de Bourdieu (1996) em contnua medida

    de foras com outros campos. H que se considerar, tambm, que um novo campo

    cientfico apenas se estabelece quando seu objeto se torna suficientemente importante

    para uma dada sociedade, que ento se articula em torno de estud-lo a partir de

    critrios e mtodos apropriados. Tal articulao vem sendo realizada ainda timidamente

    pela comunidade acadmica brasileira, mas trata-se de uma iniciativa urgente, segundo

    nossa perspectiva.

    Como afirmamos acima, dependemos, antes de qualquer coisa, de rever

    explicaes j oferecidas por outros campos do conhecimento que, com uma trajetria

    consolidada, olharam para nosso objeto com o rigor cientfico (ainda que sob outros

    ngulos). A reviso dessas teorias, a partir do ngulo prprio da comunicao, nos

    permitir, numa segunda etapa, construir nosso prprio aparato terico-conceitual, na

    medida em que sejamos capazes de promover um dilogo com e entre os primeiros

    resultados e descobertas empreendidas. Antes de qualquer coisa, trata-se, nesse

    momento, de expor os resultados de nossas pesquisas ao teste da verificao, deapresent-los aos pares, para, de acordo com Popper, tentar false-los. nessa tarefa

    que nos embrenhamos, quando nos empenhamos em verificar a aplicabilidade da Nova

    Teoria dos Sistemas para a compreenso dos fenmenos comunicacionais que permeiam

    as organizaes. certo que podemos chegar concluso, ao final da pesquisa, de que a

    hiptese em questo no tem validade, de que a abordagem sistmica proposta por

    5 Entendemos aqui a sociedade como a unidade de anlise mais complexa, que contm em seu interior todos osgrupos de interesse de uma organizao, ou seus pblicos, como so designados geralmente, ou seus agentes cominfluncia, conforme os denomina Simes (2001), talvez mais apropriadamente.

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    Niklas Luhmann no suficiente ou adequada para explicar o objeto em questo. Caso

    isso se confirme, no entanto, segundo a viso popperiana do progresso cientfico, o

    nascente campo da comunicao organizacional s tem a ganhar.

    Sobre Nova Teoria dos Sistemas e a comunicao organizacional

    A abordagem sistmica contribui, desde a fundao das cincias sociais, para

    tentar explicar os fenmenos e problemas humanos. Numa perspectiva instrumental,

    essa corrente terica demonstra, de maneira geral, que o atingimento da ordem pelas

    unidades sociais (sistemas) torna-se condio essencial para sua evoluo. Herana do

    campo das cincias naturais, mais do que todas as outras, a teoria sistmica tem sido

    aplicada como a mais abrangente das metateorias. (Ianni, 2003, p. 338). O que

    predomina a lgica que articula o organismo, compreendendo organismos vivos,

    vegetais, animais e humanos, assim como o prprio planeta, (...) tudo isso em equilbrio

    ou em busca de equilbrio. (Ianni, 2003, p. 339-340).

    Simes (1995, 2001), ao propor uma interface terica com a Cincia Poltica no

    intuito de contribuir com a formao do campo terico das Relaes Pblicas, utiliza a

    terminologia dos sistemas sociais, ao dizer que o exerccio da funo de relaes

    pblicas deve partir de um conhecimento prvio da sucesso de estados de mudanas

    no exerccio de poder no sistema organizao-pblicos (2001, p. 31) (grifo meu),

    justamente com o intuito de balizar aes que ajudem a equilibrar esse sistema.

    Contudo, se pretende aqui ampliar essa perspectiva, na medida em que se buscar

    analisar a teoria dos sistemas como paradigma vlido para a compreenso de todo e

    qualquer fenmeno comunicacional presente nas organizaes e entre estas e a

    sociedade, e no apenas aqueles promovidos conscientemente pelas organizaes a

    partir da iminncia de conflitos ou da necessidade de cont-los. Alm disso, necessrio salientar que na nova teoria dos sistemas, o conflito visto como inerente a

    todo e qualquer sistema social e nem por isso a sociedade se torna catica6.

    Paradoxalmente, esse paradigma sustenta que so a imprevisibilidade e incerteza,

    marcas de nossa sociedade, que possibilitam a estabilidade dos sistemas (entre eles, as

    6 Essa observao de fundamental importncia, inclusive, para diferenciar a nova teoria dos sistemas da teoria

    funcionalista parsoniana, na qual Niklas Luhmann se inspira, avanando, contudo numa nova perspectiva. Na teoriafuncionalista empreendida por Talcott Parsons, o conflito um fator de menor destaque, quase que ignorado, o que jno ocorre na abordagem que aqui tomamos como referncia.

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    organizaes). Enxerga, portanto, a desordem, e no a ordem, como fundamento da

    sociedade contempornea.7

    Conforme sugerido acima, a nova teoria dos sistemas possui o apelo

    metaterico. Parte da comunidade cientfica mundial outorga-lhe, inclusive, o

    reconhecimento de paradigma capaz de explicar todas as dimenses e toda a

    complexidade da sociedade. A despeito disso, a divulgao do trabalho de Niklas

    Luhmann fora da Alemanha est, ainda, muito aqum da real importncia do autor no

    quadro do pensamento europeu contemporneo. (Pisarra Esteves, 1993, p.1). Isso se

    d, entre outros fatores, pela prpria atualidade de sua vasta obra, mas tambm por sua

    densidade, aridez e grau de abstrao (a prpria terminologia que utiliza demonstra

    isso). No que os termos e conceitos aplicados sejam totalmente desconhecidos da

    academia, mas sim pelo fato de que trazem uma contribuio totalmente original para o

    estudo da sociedade. Alm disso, a teoria toma emprestados da biologia conceitos

    como o de autopoiese, para designar a capacidade de diferenciao autnoma dos

    sistemas sociais em relao a seus ambientes.

    Outra caracterstica marcante da nova teoria dos sistemas, e que pode gerar uma

    resistncia sua aceitao plena no campo das cincias sociais, a questo de que o ser

    humano, a, representado como um ser fungvel. Isto , a teoria contraria toda uma

    corrente de pensamento que pe o homem no centro dos fenmenos sociais. A

    sociedade, na perspectiva interacionista e culturalista, s possvel porque os homens

    compartilham determinados entendimentos e expectativas, nos quais se baseiam para

    tomar suas decises e realizar suas aes (Becker, 1986). A nova teoria dos sistemas, no

    entanto, substitui o papel central do homem pela centralidade da comunicao, e por

    isso mesmo tal abordagem parece ser pertinente para o desafio de delimitar uma teoria

    da comunicao organizacional. Sobre esse corte epistemolgico, diz Stockinger que

    ao absorver e desenvolver esta mudana paradigmtica, o pensador alemo[Luhmann] criticar a viso sociolgica tradicional, que v a sociedadecomposta por pessoas (...) confinadas em territrios e observvel de fora. Eleafirma que se trata de pressupostos simplistas que se pautam numa conceponaturalista e humanista ultrapassada. Ele chama esses pressupostos deobstculos epistemolgicos, que impedem imaginao sociolgica de ver osocial como realidade prpria, e no como algo composto por compreensesindividuais. (2001, p. 37).

    7 No se pretende aqui estender a discusso, ou o debate com a proposta terica da micropoltica, importante

    contribuio de Simes (1995,2001) para o campo. Contudo, num trabalho futuro, o confronto entre a nova teoria dossistemas e a micropoltica ser oportuno, na medida em que possa contribuir para o fortalecimento das reflexestericas relativas comunicao organizacional.

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    A teoria dos sistemas, nessa perspectiva, identifica cada uma das partes que

    compem a sociedade como um sistema autnomo e que evolui a partir da

    interpenetrao com outros sistemas.8 Nesse sentido, temos a possibilidade de visualizar

    como sistema desde o prprio homem, como unidade mnima de anlise, at o sistema

    social mundial, como aquele que contm dentro de si todos os outros sistemas

    conhecidos por ns, os estados-naes, as organizaes inter-governamentais, as

    organizaes empresariais, as organizaes da sociedade civil, etc.

    Segundo Luhmann, o que permite que todos esses sistemas sobrevivam e

    aumentem seu nvel de complexidade, promovendo uma ordem social mnima a partir

    da desordem inerente ao sistema, a comunicao. a comunicao, pois, que faz com

    que a novidade, com que todas essas mudanas que vivenciamos na sociedade moderna

    sejam efetivamente absorvidas pelos sistemas e processadas por estes com uma relativa

    estabilidade, estabilidade que, na nova teoria dos sistemas, sempre dinmica.

    Sintetizando a idia,

    a sociedade o sistema abrangente de todas as comunicaes, que se reproduzautopoieticamente, na medida em que produz, na rede de conexo recursiva decomunicaes, sempre novas (e sempre outras) comunicaes. A emergncia deum tal sistema inclui comunicaes, pois elas s so passveis de conexointernamente, excluindo todo o resto. Comunicaes podem reconhecer

    comunicaes e diferenci-las de outras coisas que pertencem ao ambiente, nosentido de que se pode comunicar sobre elas, mas no com elas. (Luhmann,1997a, p. 83).

    Como se v, o sistema social parece ter vida prpria, a qual concedida pela

    comunicao. A comunicao irrita os sistemas e, na medida em que se generaliza no

    interior destes, promove sua movimentao no interior do sistema mundial. Nesse

    sentido, a linguagem ganha tambm uma dimenso importante na anlise, visto que no

    apenas um meio, um canal para a comunicao, mas um mediador ativo entre a

    socializao e a individuao (Stockinger, 2001, p. 46). Para Luhmann, os sistemas

    constrem, continuamente, no uso da linguagem, o sentido. Decisivo que a

    linguagem consiga acoplar os sistemas, apesar de e exatamente nos seus diferentes

    modos de operar (Luhmann, 1997 a, p. 85). a partir de e nos acoplamentos

    (encontros) entre sistemas que ocorrem, portanto, as diferenciaes funcionais, as

    desfuncionalizaes e, em uma viso macro, a prpria evoluo da sociedade.

    8 O empreendimento sociolgico, nesse sentido, facilitado e metodologicamente mais criterioso, na medida em queexige a separao fsica e mental do indivduo que observa (sistema psquico) e de seu objeto a sociedade (que um outro sistema, diferenciado, mas no desvinculado, dos outros sistemas).

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    Importante ressaltar que por linguagem se entende qualquer conveno social

    promotora de entendimento e de articulao de pessoas em torno de interesses

    individuais e coletivos, e no exclusivamente a lngua em que se dialoga. Para explicar a

    possibilidade da sociedade, Luhmann utiliza uma definio complementar de

    linguagem que nos parece muito til: a de meios de comunicao simbolicamente

    generalizados. Dentro dessa concepo, as prprias aes dos sistemas psquicos (seres

    humanos) carregam consigo smbolos que permitem sua compreenso dentro de

    determinados contextos sistmicos. Da depreende-se que o sentido da ao independe

    da inteno, da vontade ou do sistema psquico que a realiza, ficando a cargo de outros

    sistemas psquicos ou sistemas sociais incorpor-las e process-las como aes

    inteligveis dentro de seus cdigos institudos e autopoieticamente reproduzidos.

    Cada sistema social tem seu prprio meio de comunicao simbolicamentegeneralizado, com o qual orienta as possibilidades de comunicao e com oqual faz possvel essa particular combinao de variedade e multiplicidade quedeve se constituir na comunicao. (...) Cada um deles [meios simbolicamentegeneralizados] ordena o a acumulao de comunicaes diferentes que se dono sistema social que os possui e serve, ao mesmo tempo, de particular cdigode comunicao para o mesmo. (Izusquiza, 1990, p. 223).

    Analisando a funo de relaes pblicas luz desse raciocnio, podemos

    sugerir que esta configura-se como o subsistema do sistema organizacional responsvel

    pela construo dos referidos meios de comunicao simbolicamente generalizados, ao

    conceber e emitir comunicaes que pretendem generalizar-se por todo o sistema,

    integrando-o e diferenciando-o de seu ambiente e de outros sistemas.

    Uma outra derivao dessa construo terica a de que todas as

    movimentaes realizadas pelos sistemas sociais, todas as suas decises e aes,

    acontecem a partir da relao que estabelecem com seu entorno, quando encontram uma

    interpretao no entorno adequada para ambos sistema social (organizao) e

    ambiente (Luhmann, 1997 b, p. 55). Afinal, isso o que se faz necessrio compreender

    no mbito da complexidade dos processos de comunicao organizacional: como

    operam essas interpretaes, e em que nvel elas influenciam as mudanas nas

    organizaes sociais.

    necessrio dizer, contudo, que a relao sistema-ambiente no vista na

    perspectiva da Nova Teoria dos Sistemas da mesma forma que as teorias sistmicas

    clssicas. Enquanto nas ltimas, por exemplo, os sistemas so vistos como abertos e

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    totalmente vulnerveis interao com o ambiente9, na Nova Teoria dos Sistemas os

    sistemas se fecham, operacionalmente, para conseguir manter uma estabilidade interna

    mnima frente s incertezas do ambiente. Alm disso, na teoria luhmanniana no existe

    a viso linear de uma suposta relao de dependncia do sistema em relao ao

    ambiente, ou do ambiente em relao ao sistema, visto que ambos co-evoluem

    continuamente (no mnimo se pode falar, nesse sentido, em interdependncia).

    Excluem-se da anlise, assim, termos como adaptao e seleo, simplesmente porque

    no h fronteiras rgidas entre o sistema e o ambiente, porque todos os sistemas

    encontram-se imersos em seus ambientes e conectados entre si por sistemas de

    comunicao. Como sintetiza Morgan,

    o padro do sistema deve ser entendido como um todo, alm de possuir umalgica prpria. No pode ser entendido como uma rede de partes separadas.Esta , em ltima anlise, a razo pela qual no faz sentido dizer que umsistema interage com seu ambiente externo. As transaes de um sistema comseu ambiente so, na verdade, transaes dentro de si mesmo (1996, p. 244).

    Assim, uma organizao (sistema) que ignora a presena ostensiva de seu

    ambiente sobre sua composio autopoitica corre o risco de desorganizar-se e, em

    ltima instncia, deixar de existir, na medida em que gradativamente engolida por

    outros sistemas dotados de aparatos mais amplos de observao dos ambientes.

    Enfatiza-se a idia, portanto, de um fechamento que apenas operacional, mas que de

    forma alguma deixa de considerar ou incorporar (caso necessrio) comunicaes

    provenientes de seu ambiente ou de outros sistemas.

    Mais uma vez temos ento a possibilidade de realizar uma analogia entre essa

    proposta e o subsistema relaes pblicas, que teria, nesse mbito, a tarefa fundamental

    de criar e fazer funcionar os aparatos de observao do sistema, operando com

    mecanismos de seleo das comunicaes que parecem ser relevantes para a

    manuteno do sistema. Um exemplo emprico dessa proposio terica, que parece ter

    grandes implicaes para os processos de relaes pblicas e comunicao

    organizacional, aquele das organizaes que no conseguem acompanhar as inovaes

    de seu ambiente e por isso se tornam defasadas. Morgan (1996, p. 250) comenta a esse

    respeito sobre as empresas de mquinas de escrever, que continuaram com a fabricao

    de produtos tradicionais, usando tecnologias tradicionais, falhando em compreender que

    9 Para uma reviso das teorias sistmicas clssicas, ver Morgan (1996), especialmente o captulo 3.

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    estas identidades no eram mais realistas nem relevantes em relao ao seu ambiente,

    ou aos demais sistemas sociais co-existentes.

    Essa discusso se torna cada vez mais relevante se observarmos alguns temas

    pungentes da realidade contempornea, como o meio ambiente, a sade, a qualidade de

    vida e os direitos humanos. Algumas organizaes vm alterando significativamente

    seus padres de auto-regulao em funo novos padres e tendncias, e s podem faz-

    lo a partir da produo efetiva de comunicaes, o que, de acordo com a Nova Teoria

    dos Sistemas, implica na reproduo, por uma organizao, de cdigos e contedos

    adequados s expectativas dos sistemas partcipes de determinado ambiente, bem como

    na compreenso e correta assimilao de cdigos e contedos relevantes pela

    organizao, provenientes desses mesmos sistemas e ambiente (Izuzquiza, 1990, pp

    203-227).10 a efetiva realizao desses processos comunicacionais, pois, que funda o

    equilbrio necessrio existncia do sistema social, o que mais uma vez refora a

    vitalidade e importncia dos subsistemas de relaes pblicas para a constituio e

    reproduo do sistema social global.

    Consideraes Finais

    Ao apontarmos alguns dos principais elementos conceituais da Nova Teoria dos

    Sistemas de Niklas Luhmann e enfatizar a possibilidade de que os mesmos auxiliem na

    anlise e compreenso dos processos de relaes pblicas e comunicao

    organizacional, buscamos lanar uma nova base para a construo do campo cientfico

    da comunicao organizacional. Faz-se necessrio pontuar, entretanto, que este artigo

    contm observaes preliminares de uma pesquisa que est em desenvolvimento e,

    portanto, no nos apresenta, por hora, quaisquer concluses definitivas. Dada a prpria

    riqueza e fertilidade da Nova Teoria dos Sistemas, no temos, inclusive, nenhumapretenso de encerrar a discusso sobre suas possveis implicaes para a compreenso

    dos fundamentos das organizaes e sociedade contemporneas. Porm, at agora,

    parece possuir tal paradigma grande potencial interpretativo e explicativo para os

    fenmenos de interao social possibilitados pela comunicao, os quais nos tanto nos

    interessam enquanto pesquisadores.

    10 Pensemos, a esse respeito, nas readequaes de poltica e ao de organizaes cujo negcio ou fim mantm

    ligao estreita com a natureza. Elas precisam rever seus processos e cdigos de comunicao internos em funo deirritaes que recebem de outros sistemas sociais, como as ONGs ambientalistas, e a prpria sociedade (na medidaem que se torna mais consciente de sua interdependncia com outros sistemas vivos) para continuar existindo.

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    Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da ComunicaoXXVIII Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao Uerj 5 a 9 de setembro de 2005

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