A Concepção de Psyché Em Jung e No Romantismo Alemão

18
A concepção de Psyché em Jung e no Romantismo Alemão Zilda Marengo Piacenti Gorresio Mesmo os seres aparentemente inanimados podem estar vivos; o mundo está cheio de deuses. Tales de Mileto (Kirk, Raven, Schofield. 1994, p.92) A psyché é um daqueles conceitos que envolve tamanha complexidade, que devemos ter muito cuidado ao tratar dela, a fim de não nos enredarmos na trama dos conceitos que usamos para descrever esse grande enigma. Por quanto sejam imprecisos, as palavras, as imagens e os conceitos são os nossos únicos recursos. Falamos de alma como algo que não exigisse maiores indagações. Esse conceito faz parte da nossa linguagem cotidiana, como algo muito natural e, na psicologia, alma é palavra recorrente, mas nela, toma vários significados. Alma ou psyché são conceitos que sofreram constantes transformações na história do pensamento e, apesar de estarmos familiarizados com a palavra alma ou psyché, seu conceito não é tão óbvio assim. O conceito de alma é um conceito extremamente complexo, que junto com os conceitos do Uno e do Ser, é um dos vértices absolutos da Filosofia Antiga, e que permanece sendo até hoje no pensamento filosófico e no pensamento psicológico. Portanto, de fato do que estamos falando quando dizemos psyché na psicologia em geral e mais especificamente na psicologia junguiana? A análise da noção de psyché na psicologia junguiana demanda uma rigorosa delimitação do objeto em exame, pois devemos partir da problemática central colocada por sua metapsicologia, a saber: quais são os pressupostos filosóficos adequados para argumentar conceitualmente os problemas da sua metapsicologia, e qual é seu pressuposto filosófico concernente à psyché, já que o mergulho de Jung num vasto oceano de erudição filosófica, coloca o risco de desviarmos da questão central. Segundo nossa leitura há dois momentos decisivos na história do pensamento ocidental que marcaram a visão de mundo no Ocidente. Ao nosso ver, esses dois momentos estão ligados ao início e ao fim da Metafísica e, portanto, à concepção de alma, de homem, do cosmos e do divino. Abordaremos rapidamente esses dois momentos, sem nos aprofundarmos neles, com o propósito de marcar a importância deles para o sentido da existência

Transcript of A Concepção de Psyché Em Jung e No Romantismo Alemão

A concepo de Psych em Jung e no Romantismo Alemo Zilda Marengo Piacenti Gorresio Mesmo os seres aparentemente inanimadospodem estar vivos; o mundo est cheio de deuses. Tales de Mileto(Kirk, Raven, Schofield. 1994, p.92) A psych um daqueles conceitos que envolve tamanha complexidade, que devemos ter muito cuidado ao tratar dela, a fim de no nos enredarmos na trama dos conceitos que usamos para descrever esse grande enigma. Por quanto sejam imprecisos, as palavras, as imagens e os conceitos so os nossos nicos recursos.Falamos de alma como algo que no exigisse maiores indagaes. Esse conceito faz parte da nossa linguagem cotidiana, como algo muito natural e, na psicologia, alma palavra recorrente, mas nela, toma vrios significados.Alma ou psych so conceitos que sofreram constantes transformaes na histria do pensamento e, apesar de estarmos familiarizados com a palavra alma ou psych, seu conceito no to bvio assim. O conceito de alma um conceito extremamente complexo, que junto com os conceitos do Uno e do Ser, um dos vrtices absolutos da Filosofia Antiga, e que permanece sendo at hoje no pensamento filosfico e no pensamento psicolgico. Portanto, de fato do que estamos falando quando dizemos psych na psicologia em geral e mais especificamente na psicologia junguiana?A anlise da noo de psych na psicologia junguiana demanda uma rigorosa delimitao do objeto em exame, pois devemos partir da problemtica central colocada por sua metapsicologia, a saber: quais so os pressupostos filosficos adequados para argumentar conceitualmente os problemas da sua metapsicologia, e qual seu pressuposto filosfico concernente psych, j que o mergulho de Jung num vasto oceano de erudio filosfica, coloca o risco de desviarmos da questo central.Segundo nossa leitura h dois momentos decisivos na histria do pensamento ocidental que marcaram a viso de mundo no Ocidente. Ao nosso ver, esses dois momentos esto ligados ao incio e ao fim da Metafsica e, portanto, concepo de alma, de homem, do cosmos e do divino. Abordaremos rapidamente esses dois momentos, sem nos aprofundarmos neles, com o propsito de marcar a importncia deles para o sentido da existncia humana, e para inserir a viso de alma de Jung num contexto histrico filosfico.Historicamente, no que diz respeito alma, foi Plato quem concebeu o conceito ontolgico de psych ou alma, no pensamento da Filosofia Ocidental. Nos meados do sc. IV aC. Plato funda, o que ser denominado por Aristteles, posteriormente, de Metafsica, que a cincia do ser enquanto ser.A alma foi pensada por Plato como substncia, como um ser em si, produto da ao mimtica do Demiurgo ou o Nos, assim como o entendemos, que contemplando as Idias as mistura formando, assim a Alma do Mundo. E ser pela intermediao da Alma do Mundo e pela ao do Nos que a matria ser ordenada, pois, a matria, como descreve Plato no Timeu, uma espcie de existncia desordenada, errtica e catica. Assim, pela ao demirgica, que unindo a Alma do Mundo essa existncia errtica, forma o corpo do mundo ou o Cosmos. Como podemos ler em Plato no Timeu em 30 a,b,c :Desejando a divindade que tudo fosse bom, estreme de defeitos, e, na medida em que isso estava em suas mos, tomou a massa das coisas visveis, desprovida de repouso e quietude, mas movimentando-se desordenadamente e sem medida, f-la passar da desordem para ordem [...] Depois de madura reflexo, concluiu que partindo de coisas visveis por natureza, jamais poderia surgir um todo privado de Nos (inteligncia) que fosse mais belo que um Todo inteligente. E, por outra parte, que o entendimento no pode produzir-se em nenhuma coisa, se a separa da alma. De acordo com essa reflexes, ps o (Nos) entendimento na alma, a alma no corpo, e modelou o Cosmos(...). Assim, pois, (...) h que dizer que o mundo realmente um ser vivo, provido de alma e de entendimento (Nos) e que foi feito pela Providencia divina. (Prnoia).( Plato, 1993.)A fabricao da Alma do Mundo pelo Nos (Demiurgo), semelhana das Idias, ou do mundo inteligvel, segundo nossa interpretao, quer mostrar que alma nela mesma, possui uma intencionalidade, inteligncia e movimento prprios e, portanto, ela que imprime a ordem do mundo. Para Plato, portanto, o cosmos um organismo vivo, inteligente, dotado intencionalidade e movimento prprios.Desde ento, a alma compreendida como uma substncia de origem divina, feita imagem das Idias pelo Demiurgo. A alma a oculta e misteriosa realidade subjacente ao todo existente. Essa conotao fez dela o pilar de sustentao da Metafsica ocidental, sendo o conceito grego de psich o eixo em torno do qual se construiu todo o discurso da Filosofia, at a crtica do conhecimento efetuada por Kant, e o conseqente fim da Metafsica, acompanhada do empirismo e do materialismo psicofsico. O desenvolvimento das civilizaes antigas at o florescimento do classicismo helenstico marcou a grande odissia do desenvolvimento da conscincia do homem, decisivo para o futuro da cultura ocidental. A Filosofia greco-romana instalou, ao longo das idades, a imagem do homem ideal fundada na concepo de alma enquanto participante do divino.No entanto, essa viso de mundo e de homem sofreu uma mudana radical no sculo XVIII. Como nos diz Gusdorf:O sculo VXIII europeu caracterizado pelo enfraquecimento da ontologia, e pela eutansia da teologia[...] .O homem das Luzes perdeu sua segurana transcendente, aquela consistncia substancial que dava equilbrio ao tipo humano da idade precedente. (Gusdorf, 1993, p.9)Como pronunciou o empirista ingls David Hume, contemporneo de Kant, no seu Tratado da Natureza humana de 1734: Ns no temos alguma idia de uma substncia, (Hume, in Gusdorf, 1993, p.9) referindo-se alma como substncia como pensara a metafsica clssica. J antes dele, Locke, outro empirista ingls, tambm havia comparado a alma humana uma pgina em branco, no seu Ensaio filosfico concernente ao entendimento humano (1690).E. Kant, ele mesmo chamou de revoluo copernicana, a revoluo que ele empreendeu no pensamento filosfico. Na Crtica da Razo Pura (1781), Kant ir averiguar se a metafsica possvel, e, evidentemente, dir que no, j que segundo ele, a metafsica ilude as condies indispensveis de todo conhecimento possvel. Conforme Kant, a metafsica pretendia que a Razo tivesse a possibilidade de conhecer no os fenmenos, mas as coisas em si mesmas. O que para ele impossvel, porque o nico nvel de realidade possvel de conhecimento, o sensvel, ou seja, aquilo que se d a conhecer ao sujeito, e que captado pelos rgos dos sentidos, ou, ento, os objetos que se do a conhecer s categorias a priori da Razo, como a essencialidade, a causalidade, a unidade, a pluralidade, a ao recproca, a totalidade. Portanto, a Alma, o Cosmos e Deus, so impossveis de ser conhecidos, j que no so objetos sensveis, e se so pensados, no passam de iluses.Kant teve como tarefa mostrar, como na relao do conhecimento, aquilo que chamamos de ser em si, um ser objeto, um ser para ser conhecido, ou melhor, um ser posto logicamente pelo sujeito pensante ou cognoscente, mas no em si, nem por si, como uma realidade transcendente. Assim, pois, Kant marca um novo perodo da Filosofia, um perodo que comeara com Descartes, e fora concludo com Kant: o perodo do idealismo transcendental, e o fim da Metafsica.Kant refutou a doutrina Metafsica clssica da alma como substncia simples e imortal, e a possibilidade dela ser conhecida racionalmente, pois, para ele, a alma um numeno, um puro pensvel, um incognocvel. Sobre a alma no podemos predicar nada, j que a alma no pode ser objeto de conhecimento, pois no fenmeno dado na experincia, isto , no tempo e no espao, que onde se d a apreenso dos fenmenos anmicos. Portanto, a nica coisa que obtemos so os fenmenos que so inerentes apenas ao sujeito, que de um lado vivncia de um eu, e do outro lado, vivncia de uma coisa.No entanto, com Kant a alma como tabula rasa, pensada pelos empiristas, ganhou um X dentro dela, uma capacidade de sntese e de apreenso daquilo que captamos pela sensibilidade. Esse X interior, o sujeito transcendental, no entanto, para Kant no se trata da alma compreendida pela Metafsica como substncia. Para Kant, substncia no passa de um predicado, de um juzo, que como tal, compete ao uso transcendental da Razo. O eu penso de Kant, tambm no se identifica com o res cogitans cartesiano, pois longe est de ser substncia. Para Kant o eu penso em sua individualidade universal, um X que s pode ser conhecido atravs dos pensamentos que so seus predicados e dos quais, parte esses, no podemos ter o menor conceito. O Eu penso kantiano no funo da alma, mas funo da mente: suprema funo unificadora da Razo, a condio ltima da possibilidade do conhecimento, a unidade da autoconscincia que no uma substncia, mas um transcendental, ou seja, pura espontaneidade da unificao do mltiplo. A identidade do Eu penso como unidade transcendental do sujeito cognoscente exclui, por conseqncia, a possibilidade que a Metafsica seja cincia. Portanto, a alma substncia-substrato de toda receptividade, um incognocvel.O eu transcendental de Kant, suporte do conhecimento terico dentro do limite do paradigma fsico-matemtico, sujeito do saber, centro dos julgamentos vlidos aos limites do entendimento, no nada mais que um X. Nas palavras de Kant:Por esse eu, por esse ele ou por esse aquilo (a coisa) que pensa, nada mais se representa alm de um sujeito transcendental dos pensamentos = X, que apenas se conhece pelos seus pensamentos, que so seus predicados e do qual no podemos ter, isoladamente, o menor conceito. (Kant,1997, p.330)Kant introduz na caixa craniana, compreendida pelos empiristas com tabula rasa um eu a priori, contudo, esse eu transcendental um X. Esse X a priori , que funda a possibilidade do conhecer, uma forma lingstica, da qual nada se tem a declarar.Kant, portanto, substitui o problema metafsico da arch da realidade, da misteriosa e oculta estrutura da realidade vivente, a alma, reenviando esse princpio a outro fundamento, Razo ela mesma. Com isso Kant marca o fim da Metafsica clssica, da compreenso da alma como substncia, e consagra o Eu penso como funo transcendental.Portanto, a partir dessa colocao de Kant, a psicologia que no quiser se ver destituda de seu objeto metafsico ltimo, ou seja, a alma, dever desconfiar dessa crena racionalista, e admitir que o homem um ser imerso numa natureza carregada de smbolos, de linguagem cifrada, de afees e paixes, com finalidade, inteligncia e movimento prprios, como pensou a tradio filosfica, e como fizeram os pensadores romnticos, e como o caso da psicologia analtica, como pretendemos demonstrar.Quanto ao Cosmo ou o mundo, para Kant deixa de ser um organismo inteligente ou um Zon notikon (animal inteligente) , como disse Plato, j que para Kant, como podemos ler:Qualquer matria animada move-se apenas pelo fato de que ela move algo de outro em uma direo oposta e vice-versa. Todos as movimentos no mundo so explicados pelas foras da natureza. Eles no nascem portanto nem sobrenaturalmente, nem por um esprito. (Rx40, Rx43, p. 262). (Kant, in Lebrum, 2002, p.330)Segundo a interpretao de Grard Lebrum em, Kant e o Fim da Metafsica, esse trecho assim compreendido:Compreendamos: ( o movimento) apenas enquanto obedece lei da ao e da reao e tambm lei da inrcia . ( Lebrum, 2002, p.330)Ainda citando Adickes, Lebrum acrescenta o comentrio desse:A matria animada no merece nenhum lugar especial em relao matria inanimada, no que concerne aos primeiros princpios do movimento. Essas afirmaes proclamam a impossibilidade de qualquer causalidade exercida por um princpio imaterial, e tornam absurdo o fato orgnico tal como Kant sempre o definiu.( Lebrum,2002, p.330)Para Kant aceitar o ponto de vista da Metafsica sobre um Cosmos orgnico, inteligente e dotado de finalidade prpria, um desses conceitos ilusrios que se faz para a descrio da realidade, mas do qual no podemos tirar nenhuma concluso. A metafsica, aqui novamente comete a falha essencial de querer conhecer o incognocvel. Como nos diz Kant:Somos levados pelo menos fundada suspeita de que as idias cosmolgicas e com elas todas as afirmaes sofsticas em conflito umas com as outras tero, possivelmente, por fundamento um conceito vazio e puramente imaginrio da maneira como o objeto dessas idias nos dado, e tal suspeita pode j conduzir-nos ao caminho certo que nos far descobrir a iluso que durante tanto tempo nos extraviou. (A 490 B518) . (Kant, 1997, p.436). importante ressaltar, segundo nossa viso, que apesar do fato da metafsica da alma ter sido substituda, pela prestidigitao do intelecto ao longo do sculo XVIII e XIX, por uma metafsica da Razo, pois, s se inverteu astuciosamente o fundamento anmico pela Razo, as conseqncias, dessa inverso, foram revolucionrias para a viso de mundo. Pois, a verdade passou a ser somente a verdade epistemolgica (Kant), ou empiricamente comprovada (Empirismo), a realidade passou a ser somente a pretensa realidade dos fatos e, portanto, qualquer interioridade invisvel at hoje, no passa de fantasmagoria. Sendo assim, o homem se viu e se v desligado do seu fundamento ontolgico. Portanto, sua individualidade se apresentou e se apresenta a ele mesmo como problemtica, j que seu ntimo no lhe prope nada mais do que iluso, por isso ter que se ater somente a exterioridade e ordem dos fatos, devendo esquecer as utopias metafsicas e as suas vs consolaes.At nos dias de hoje, para as psicologias racionalistas, blasfemo pensar que a alma quem ordena o corpo, atribuindo a ela uma substancialidade, ao invs de pensar que o quimismo glandular que engendra a alma, sendo essa ltima um epifenmeno da matria, dos instintos e das pulses. Pensar, ainda hoje, como a tradio metafsica pensou o homem, como possuidor de uma alma substancial de natureza divina e, portanto, imortal, uma heresia ou uma presuno intelectual, pois, ultrapassar os limites da razo e do empiricamente verificvel.Por isso, o que temos hoje so as psicologias sem alma, so as psicologias da conscincia, porque, apesar da alma ser, para essas psicologias, a expresso dos processos do substrato material e fsico, esses processos tm a qualidade de conscincia. Como? No sabemos. Mas, se assim no fosse, no poderamos falar, ao menos, em alma ou psych Portanto, para elas alma igual conscincia, no melhor dos casos, porque sobre o rtulo de Psicologia, que seria o estudo da alma, tambm se compreende: apenas comportamentos mensurveis, percepes empiricamente comprovadas , e etc. A Psicologia, portanto, para se tornar cientfica, teve que amputar a alma.No entanto, a descoberta do lado noturno da natureza da alma, pelo Romantismo alemo, aceita pela histria das idias como a verdadeira descoberta do inconsciente, reafirmada e altamente elaborada, posteriormente, por Jung, com a noo de inconsciente coletivo ou psique objetiva, afetou a tendncia dominante da Filosofia Iluminista, isto , reergueu a soberania da alma humana, devolvendo-lhe seu lugar privilegiado, seu estatuto ontolgico. O movimento romntico do final do sculo XVIII e incio do sculo XIX assinalou um momento decisivo na filosofia europia e, como dizem alguns autores, foi um movimento contra-iluminista. Os romnticos contestaram as correntes racionalistas e empiristas do pensamento ps- Renascena. Para eles, o ser humano no se reduz apenas clara razo, ao contrrio, o ser humano, na sua unidade encarnada, um complexo de luz e sombra e de matria e esprito.Como nos diz Schelling, filsofo romntico que sintetizou as idias do Romantismo:Sem escurido antecedente no existiria qualquer realidade da criatura. As trevas so a sua herana necessria. Somente Deus __ Ele mesmo existente__ habita a pura luz, pois somente ele por si mesmo.(Schelling,1991, p.40) Ou ainda: O nascimento nascimento da escurido para a luz.(Schelling,1991, p.41)Essa escurido antecedente, chamada por Schelling de Ungrund, cuja traduo literal dessa palavra grega abismo ou sem fundo, exprime a unidade de uma diferenciao incessante, exprime o mundo em perptuo devir, sendo por isso, seu conceito vivo.O objetivo do movimento romntico foi pr em evidncia o Organismo total da Natureza, no seio do qual se desenvolvem o homem e todos os organismos particulares, como revelao do Uno, em sua multiplicidade. O real pensado como Organismo compreendido como um Todo preexistente s suas partes, dotado de sentido e movimento prprios.Para os romnticos o mundo retoma a sua antiga concepo, isto , passa a ser compreendido como uma totalidade viva e orgnica. Essa a sua tnica diferencial, pois, at mesmo a compreenso mecanicista do mundo pensou a relao entre a parte e o todo, embora de maneira formal, isto , como produto do pensamento ou da Razo. Ao contrrio, para os romnticos a Totalidade, esse grande organismo ou sistema vivo que Cosmos, e sua viso, um princpio vital ou ontolgico, e no um produto lgico do pensamento. Ele abrange o sentido grego de thes ...isto , uma projeo, uma idia, uma viso pela mente (Nos)... (Murachco, H.G.,1996, p.75). Ou seja: o verdadeiro sistema no pode ser inventado, pode apenas ser encontrado enquanto um sistema em si; a saber, no entendimento divino, j existente.(Schelling, in Schuback, 1997, p.130). Do seu modo, o Romantismo retomou a antiga concepo da Alma do Mundo tentando restaurar a tradio milenar do Cosmos esttico-religioso. O Romantismo:... rompe com a concepo restritiva do paradigma fsico-matemtico e remete o homem no centro do universo humano.[...] Uma viso csmica se situa na origem de cada uma de nossas intenes prticas, intelectuais ou espirituais, que pressupe o campo total do mundo.[...] O consciente banha-se no inconsciente, do qual ele s pode ser suprimido por manipulaes arbitrrias. (Gusdorf,1993, p.321)O mundo retomou, para os romnticos, a antiga imagem de uma realidade vital infinita em perptuo devir. O Romantismo restaurou assim, a primitiva aliana do homem com o universo e com o divino, o que Schelling chamou, de estado de natureza da filosofia.( Schelling, in Gusdorf, 1993, p.460) Para Schelling, a hiptese de uma harmonia preestabelecida do mundo, da natureza e do esprito, recobrou aquela imagem to antiga do divino como ordem da natureza, j pensada nos primrdios da Filosofia pelos presocrticos e depois por Plato.Essa intuio se afirmou, parece-nos, em todos os tempos e lugares e segundo Schelling:... Essa idia to antiga e se manteve sob formas as mais variadas at nossos dias de uma forma to constante[...] que se obrigado a supor que h no prprio esprito humano uma razo para essa crena de vida da natureza. E realmente assim; [...] por essa razo que o esprito humano concebeu a idia de uma matria organizando-se ela mesma e, como a organizao s pode ser representada pelo relacionamento com um esprito, temos que admitir que o esprito e a matria foram desde sempre indissoluvelmente unidos nas coisas. (Schelling, in Gusdorf,1993, p.471)Criticando o racionalismo, os romnticos viram que o grande pecado deste, foi ter pretendido distanciar-se da vida e da natureza e fundar uma ordem de racionalidade independente, criando com isso uma iluso de autonomia, que falsificou a compreenso da condio humana. Portanto, o homem romntico, recolocando-se novamente como parte de um Todo maior, recusou ser prisioneiro da ordem mental limitadora do homem das Luzes. Compreendendo que foi exatamente isso que lhe restringiu o sentido da vida, tornando-o prisioneiro da clausura dos axiomas.O homem racionalista, tomado pela hbris da Razo e do subjetivismo, pretendeu dominar a si mesmo, assim como, o universo e a natureza. Com isso, na verdade, o que conseguiu foi a perda de sua verdadeira identidade humana, tornou-se um homem sem destino e sem espessura, sem zona de sombra.Tambm Jung criticou o homem das Luzes. Sua tese central, a respeito do homem contemporneo, que nossa civilizao ocidental contempornea neurtica. Essa neurose fruto de um desenvolvimento, excessivamente unilateral da Razo. A caracterstica de nosso tempo histrico considerada neurtica, pois os valores coletivos atuais aplaudem e aprovam o homem que se identifica com o pensamento esclarecido, que se mostra perfeitamente racional, lgico e que acredita ter decifrado o enigma da Esfinge, enigma da prpria vida e dos poderes do inconsciente. Essa caracterstica de nosso tempo histrico afastou o homem das suas mais profundas razes e, por conseguinte, de seu verdadeiro ser.Esse desenvolvimento unilateral da conscincia um fato, mas necessrio corrigir a dissociabilidade da alma causada pela hbris da razo, a fim de restituir a sade mental do homem moderno. Para tanto, o homem dever abrir-se ao inconsciente, ao numinoso e ao sagrado, como tentou o homem romntico.O homem romntico deixou-se guiar e agir em conformidade com a ordem da Natureza, providncia imanente, pressentindo seus ritmos e suas pulses, sem pretender domin-los. A submisso s suas prescries, mesmo dentro das incertezas, como o sentido da vida encontra sua fonte e seus recursos para se orientar atravs de seus obscuros traados, por meio da inteligibilidade dos sinais do espao de dentro, os quais intervm como um guia interior e escapam s conceituaes do entendimento racional. Os pensadores romnticos, pois, tratavam de resolver as antinomias do sistema filosfico que o mestre de Kenigsberg, Kant, havia deixado: as antinomias entre sensibilidade e entendimento, e, sobretudo, entre realidade fenomenal e noumenal, e a irredutvel oposio entre o mundo da natureza e o mundo da espiritualidade. Sendo assim, para resolverem essa ciso, buscaram um nico princpio ontolgico ou metafsico.Um novo centro ontolgico e antropolgico retomado pelo Romantismo e pela Psicologia junguiana , o qual chamado de Selbst. Selbst um substantivo alemo neutro que revela a concepo do homem que se funda sobre tudo que se denominou de substncia ou sobre tudo que se denominou de espiritualmente essencial. O Selbst para os romnticos, seria o centro que se situa no corao espiritual de cada ser humano. Centro de convergncia do de fora e do de dentro, espao da imaginao ativa, expresso da unidade dos opostos, e onde o microcosmo que o homem, une-se ao macrocosmo que o divino ou a Natureza , o que define a eternidade da nossa existncia e de nossa conscincia.Jung, tambm, utiliza : o substantivo neutro alemo Selbst, de difcil traduo para outras lnguas.[...] das Selbst, (com letra maiscula, como todos os substantivos em lngua alem) [...] menos emprico e experiencial do que o correspondente em ingls (self minsculo) e, entretanto, mais substancial e espiritualmente essencial [...] revela uma concepo do homem que se funda sobre tudo que se denominou de esprito (Geist) na filosofia, na psicologia e na teoria da cultura. (Balenci, 1997, p.208)Herdeiro do Romantismo, como podemos perceber, Jung props tambm uma nova subjetividade em que o macrocosmo e o microcosmo se unem no corao espiritual de cada homem, conferindo identidade humana a excentricidade da sua individualidade, como ser nico que , enquanto participante e pertencente unidade csmica na qual se insere, o que lhe restituiu o sentimento de unidade com o divino que o funda. O Selbst ou Self, assim denominado por Jung, como a personalidade verdadeira, deve ser buscado fora do espao-tempo fenomenal. Instncia trans-emprica, intrnseca a cada ser humano, o Self, fundamento da individualidade, um dado ontolgico e ao mesmo tempo antropolgico, manifestado no comeo do comeo, isto , uma existncia qual os fenmenos de uma vida se subordinam e da qual derivam. Ele se pronuncia na histria individual, desde o instante em que o ser pessoal vem ao mundo, revelando-se e se afirmando a cada instante de sua existncia. Para Schelling, ser pertencer ao Todo, por isso a existncia no nega o fundamento mas o realiza, pois a ele pertence. Na compreenso de que ser pertencer, pertencer um modo de ser cuja especificidade revelar em si mesmo o outro sobre o qual se assenta, revelar o fundo e fundamento de si mesmo. Tambm para Jung essa a grande tarefa humana, que em sua psicologia, recebe o nome de individuao. Para Jung, individuar-se revelar o outro de si mesmo, na compreenso dos smbolos, linguagem do fundamento, em busca da totalidade.A tnica do movimento romntico, bem como da Psicologia Analtica, como podemos ver, foi a busca da totalidade. O romntico aspirava superao de todo dualismo e integrao dos opostos, ele era nostlgico do todo, nostlgico do fundamento, nostlgico de Deus. Como nos coloca Mrcia de S Schuback, em O Comeo de Deus:Nostalgia aqui a palavra escolhida para traduzir a expresso alem Sehnsucht que rene, em si mesma, dois termos: die Sucht que no significa, como se costuma referir; buscar; mas vcio, a doena, que se define como mpeto de espalhar-se sempre mais; e das Sehnen que diz o querer voltar e retornar. A Nostalgia diz, em grego, a dor que se sente por buscar o retorno e no encontr-lo. ( Schuback, 1997, p.188.)Ainda nas palavras de Schelling com relao nostalgia, lemos:Em correspondncia nostalgia, tomada no sentido do primeiro fundamento obscuro e da primeira pulso da existncia de deus, gerar-se, no prprio deus, uma representao reflexiva e interior. Por ela deus vislumbra a si mesmo numa imagem semelhante, medida que esta representao no pode possuir nenhum outro objeto a no ser deus.[...] Esta representao , ao mesmo tempo, o entendimento a palavra desta nostalgia. (Schelling,1991, p.41)O fundamento da existncia nostalgia originria, e, enquanto nostalgia originria, pulso de existncia, e, assim pulso de palavra, busca do nome.( Schuback, 1991, p.190) Isto foi tambm o que Jung chamou de funo religiosa ou instinto de individuao. Cito Jung: ... demonstro que a alma possui uma funo religiosa natural, [...] reafirmo que a tarefa mais nobre de toda a educao (do adulto) a de transpor para a conscincia o arqutipo da imagem de Deus... (Jung,1993, CW 12, prg.14). Ou ainda: ... a auto-realizao (a individuao) no outra coisa em linguagem metafsica e religiosa, do que encarnao divina (no homem).(Jung,1993, CW11, prg.233)Essa nova compreenso ontolgica do homem, que incluiu o Ungrund (abismo), assim denominado pelos romnticos, como fundamento do ser, e, o que em linguagem psicolgica chamamos de inconsciente ou psique objetiva, fez com que o homem romntico se compreendesse de maneira mais total, ou seja, como sombra e luz, e, por isso, no pretendeu dominar totalmente sua vida, j que percebeu que essa, em parte, escapava-lhe ao controle.Desse fundo misterioso dessa realidade substancial, Jung fornecer provas da sua presena e de sua ao significativa e factvel, atravs numerosssimas descries e exaustivos estudos comparados de mitologia, de motivos religiosos, de sonhos e delrios. Atravs desses estudos comparados, Jung pode demonstrar a existncia de um fundamento anmico universal de todo ser humano, ao qual deu o nome de inconsciente coletivo. Recolhemos algumas passagens, na obra de Jung, onde a dimenso ontolgica do inconsciente fica evidenciada.Citando Jung, podemos ler que o inconsciente coletivo :... de maneira inesperada, um espao sem limite, pleno de uma indeterminao espantosa, que parece no ter nem interior nem exterior, nem alto nem baixo, nem aqui nem l, nem meu nem teu, nem bem nem mal. o mundo da gua onde paira, suspenso, tudo o que vivente, onde comea o reino do simptico, alma de tudo o que vive, onde eu sou inseparvel disso ou daquilo, onde eu sinto o outro em mim e onde o outro me sente enquanto sendo eu. (grifo nosso)O inconsciente coletivo tudo salvo um sistema pessoal fechado, uma objetividade vasta como o mundo e aberta ao mundo inteiro.(grifo nosso) [...] L, no inconsciente coletivo, eu estou ligado ao mundo numa ligao to mais imediata... ( Jung, 1993, CW 9, Part I, prg.45-46)Esse trecho mostra a viva idia que o inconsciente coletivo muito mais que um legado histrico, como nos primeiros escritos Jung havia salientado, ou apenas a somatria da experincia da humanidade, seu legado filogentico. O inconsciente coletivo de que Jung trata aqui o de um organismo vivente, atual e vibrante, que o fundamento de toda existncia. Jung nos transmite aqui que o diferenciado ou o individual se d conjuntamente totalidade do mundo. Esse dar-se conjuntamente, em grego syntithemi __ sistema, da totalidade do mundo. Portanto, ser pertencer, tambm, para Jung, pois, ao dizer que o inconsciente coletivo um objetividade vasta aberta ao mundo inteiro, concebe-o como uma vida objetiva, isto , uma realidade substancial em si mesma, onde todos os seres se fundam. Assim compreendido, o inconsciente coletivo o fundamento de toda forma de existncia, a alma de tudo o que vive. Ele a Alma do Mundo, como pensou a tradio filosfica e como retomou o Romantismo, mais precisamente Schelling.Em outro trecho, em que aparece a metfora do oceano e dos peixes nele contidos, Jung expressa a idia de Alma do Mundo com mais clareza. Diz ele : Enquanto o no- ego (inconsciente) parece ser oposto a ns, naturalmente o sentimos como um oposto, mas depois entenderemos que o inconsciente coletivo como um vasto oceano, com o ego flutuando sobre ele como um pequeno barco. Ento, quando vemos isto, surge a questo se estamos contidos no oceano.[...]os peixes so unidades vivas no oceano; eles no so absolutamente como ele, mas esto contidos nele; seus corpos, suas funes, esto maravilhosamente adaptados natureza da gua, a gua e o peixe formam um continuum vivente.[...] Quando aceitamos este ponto de vista temos que supor que a vida realmente um continuum e destinado a ser como , isto , toda uma tessitura na qual as coisas vivem com ou por meio uma da outra. Assim, rvores no podem existir sem animais, ou animais sem plantas, e talvez animais no possam ser sem o homem, ou o homem sem animais e plantas, e assim por diante. E sendo a coisa inteira uma tessitura, no de admirar que todas suas partes funcionem juntas [...] porque so parte de um continuum vivo. (Jung, 1976, p.180)Aqui est implicada a idia de um todo orgnico, do mundo como um grande Organismo, como pensaram os romnticos, ou como um grande sistema, em que cada ser individual est mergulhado, onde nos movemos, vivemos e temos nosso ser. Traz a idia de que entre a vida do grande todo e a vida humana existe uma relao de pertena. Jung rene, assim, o indivduo e o mundo. Mundo e indivduo so partes de um s e mesmo Todo, isto , todos o seres e a vida humana fazem parte de uma grande tessitura toda interligada. Essa idia exprime que as coisas so em conjunto, o que evidencia a qualidade do inconsciente coletivo como Alma do Mundo. Ns estamos na psique e no ela em ns. Quando nos referimos ao inconsciente coletivo, dessa perspectiva, estamos falando de uma grandeza que no pode ser confundida com o mero pensvel, mas deve ser apreendida como uma realidade nela mesma. Essa grandeza, esse continuum vivente, essa Alma do Mundo da qual somos apenas uma parte, abarca todas as espcies de vida. O inconsciente coletivo nos aparece como uma rede em que todas as formas de vida esto inter-relacionadas e, em que, os opostos se anulam. A compreenso do inconsciente coletivo como continuum vivente, portanto, rene o subjetivo com o objetivo, o indivduo com o mundo, o fato exterior com a imagem interna, o corpo com a alma, matria com esprito. Por isso, somos parte de um grande Cosmos, portanto, o inconsciente, deste ponto de vista, ainda nas palavras de Jung :... quase uma conexo; ele um meio que, num modo peculiar, tambm ele mesmo. Porque como o peixe pode dizer eu sou o mar, assim o mar pode tambm dizer eu sou o peixe. (Jung, 1976, p.180) O inconsciente coletivo pois, uma unidade, contudo capaz de se diferenciar em infinita multiplicidade. Por isso que o ser individual s pode ser pensado em relao ao Uno que o constitui. Assim, lemos em Jung, a respeito da individualidade:Pode-se definir o indivduo como sendo aquela Mnada, aquela unidade ou concreo, que aparentemente destacada da tessitura do inconsciente coletivo. (grifo nosso) (Jung, 1976, p.180)Jung vai ainda mais longe na sua descrio do inconsciente coletivo e concebe-o como arch de toda manifestao de vida, como a prima matria de toda vida individual. Cito a passagem em que essa perspectiva aparece: E talvez seja apenas o modo pelo qual ele destacado, (o indivduo) apenas o tamanho ou a forma como talhado, que indica o indivduo particular, um tendo mais desta substncia e menos da outra, esta forma ou aquela forma. Mas todos so sempre feitos da matria do inconsciente coletivo... (Jung, 1976, p.180)Aqui, a acepo dos termos matria e substncia a mesma, porque, segundo Jung, a alma e a matria so, de fato, expresses do ser em si . O inconsciente coletivo a matria ou a substncia que est em tudo. um todo orgnico, em que as partes esto unificadas por serem constitudas pela mesma substncia. Em suas palavras:... o conflito entre natureza e esprito no seno o reflexo da natureza paradoxal da alma: ela possui um aspecto fsico e um aspecto espiritual que parecem se contradizer mutuamente, porque, em ltima anlise, no compreendemos a natureza da vida psquica como tal. Todas s vezes que o intelecto humano procura expressar alguma coisa que , em ltima anlise, ele no compreendeu [...] ele deve, se sincero, estar pronto para contradizer-se, e devemos nos mover em direo a algo em suas partes antitticas de maneira a ser capaz de lidar com ela em todo caso.(Jung,1993, CW 8, prg.680) Como vemos, como herdeiro do romantismo, formular uma viso unificada de mundo tambm foi a preocupao de Jung, sendo grande sua contribuio para a Psicologia nesse sentido, ao formular uma psicologia no cindida entre natureza e esprito, tal como a intuio primeira da Naturphilosophie havia concebido a Natureza.Como professou Schelling, ... uma filosofia da natureza deve ter por tarefa deduzir dos princpios a possibilidade de uma natureza, quer dizer, da totalidade do mundo fundada sobre a experincia.(Schelling, in Gusdorf, 1993, p.460) E isso foi o que Jung fez, pois atravs da observao de fatos psquicos, Jung deduziu e demonstrou uma realidade oculta subjacente a todo fenmeno, uma realidade ordenadora ou formas estruturais ocultas denominadas arqutipos. A hiptese de um inconsciente subjacente toda realidade caracteriza a pesquisa psicolgica de Jung.Para Schelling, o pensamento do real pressupe uma aliana entre o esprito e o real. Portanto, para ele no h um fio misterioso que liga nosso esprito natureza, ou um rgo intermedirio atravs do qual a natureza fala ao esprito e o esprito natureza, mas antes: A Natureza deve ser o Esprito visvel, e o Esprito a Natureza invisvel.(Schelling, in Gusdorf,1993, p.461) Da que o Esprito conhece a Natureza, pois Natureza. E foi a partir da redescoberta da linguagem simblica, a que se d atravs da imaginao criativa e da intuio pura, que se percebeu que a natureza nos fala de uma maneira muito mais inteligente que o nosso pensamento reflexivo.Para efeito de comparao entre Schelling e Jung, Jung expe claramente sua viso unitria da realidade matria e esprito, na idia de Unus Mundus, onde esprito e matria so talvez formas de apreenso do mundo, ao passo que essa suposta e aparente diviso de duas realidades, lado a lado, apoiam-se numa unidade subjacente. Cito Jung:Como a psique e a matria esto encerradas em um s e mesmo mundo e, alm disso, se acham permanentemente em contato entre si, e em ltima anlise, assentam-se em fatores transcendentes e irrepresentveis, h no s a possibilidade, mas at mesmo uma certa probabilidade, de que a matria e a psique sejam aspectos diferentes de uma s e mesma coisa. Os fenmenos da sincronicidade,[...] apontam nesta direo...(Jung, 1993,CW 8, prg.418)Ainda em seu estudo sobre a Sincronicidade um Princpio de Conexes Acausais, de 1952, refere-se qualidade atemporal do inconsciente coletivo e d ao inconsciente a qualidade de conhecimento absoluto. Conforme as palavras do sbio de Zurique, lemos:O conhecimento absoluto, que caracterstico dos fenmenos sincronsticos [...]serve de base hiptese do significado subsistente em si mesmo, ou exprime sua existncia. Esta forma de existncia s pode ser transcendental porque, como no-lo mostra o conhecimento de acontecimentos futuros ou espacialmente distantes, se situa em um espao psiquicamente relativo e num tempo correspondente, isto , em um contnuo espao-tempo irrepresentvel. (Jung,, 1993, CW 8, prg.938)Esses so alguns dos trechos mais metafsicos da obra de Jung, pois considerando as afirmaes acima, devemos admitir que o inconsciente um ser em si, dotado de conhecimento absoluto, carregado de significado, independente qualquer conhecimento que o homem possa construir.Jung recobra, assim, a unidade perdida entre o homem e Cosmos, e natureza e esprito. O inconsciente coletivo pensado como um continuum vivente, ou como um contnuo espao-tempo, ou seja, um contnuo onipresente e um presente sem extenso, coloca as partes componentes do todo em necessria simpatia umas com as outras. Tal simpatia universal do mundo, bem como a hiptese da existncia de um continuum espao-tempo , nos faz pensar na imortalidade da alma humana. O conhecimento absoluto do inconsciente de que fala Jung, como um contnuo espao-tempo, faz com que o Ego (que vive na ordem seqencial do tempo) perceba como coincidncias significativas, os assim chamados acontecimentos sincronsticos, que exprimem a existncia de uma outra espcie de tempo, um tempo qualitativo, um tempo eterno. Se consideramos o inconsciente como conhecimento absoluto, disso resulta uma existncia psquica que escapa ao arbtrio da inveno e da manipulao da conscincia, portanto, estamos inseridos no conhecimento absoluto, consequentemente, nossa capacidade de conhecer dada por sua solidariedade com o conhecimento absoluto. Assim, o inconsciente pensado como conhecimento absoluto, como ordem natural e necessria de todas as coisas, a indissolvel tessitura que liga todos o seres.Ainda, em seu estudo sobre a Smblica do Esprito que veio a pblico em 1947, Jung aborda mais um aspecto do inconsciente coletivo; o dinamismo prprio, o inconsciente tem o poder de movimentar-se espontaneamente, ao que denominou esse aspecto do inconsciente, de espiritual, no por atribuir ao inconsciente uma qualidade espiritual em oposio matria, mas por uma analogia a palavra Geist, que em alemo carrega a idia de movimento. O inconsciente, portanto, na qualidade de ser espiritual, contm, nas palavras do mestre :...um princpio de atividade e de movimento espontneos, capaz de poder produzir livremente imagens sem depender de estmulos sensoriais exteriores e, de organizar as imagens de maneira autnoma e soberana. (grifo nosso) (Jung, 1993, CW 9, prg.393)Diante da leitura desses textos, vemos que Jung atribui ao inconsciente coletivo a qualidade de um ser em si. Ele a substncia ou matria, a arch ou a realidade oculta subjacente toda existncia. O inconsciente, da mesma forma que organiza e d forma a toda exterioridade existencial, ao nvel das imagens internas, tem tambm o poder de organizar e orden-las significativamente. O inconsciente coletivo, portanto, a misteriosa ordem do mundo, compreendida como Alma do Mundo pela tradio filosfica.Em 1931, num artigo cujo ttulo original Die Entscheierung der Seele (Tirando os Vus da Alma), traduzido para o portugus como O problema fundamental da psicologia contempornea, Jung introduz o termo psique objetiva que o equivalente a inconsciente coletivo e, a partir de 1944, Jung usar o termo psique objetiva, que segundo nossa interpretao, esse novo nome, marca a realidade ontolgica do inconsciente. Diz Jung, nesse texto, a respeito da psique:O psiquismo aparece como uma fonte de vida, um primum movens(primeiro motor), uma presena espiritual que tem objetiva realidade [...] o psquico no , [...] o resumo de tudo o que subjetivo e do arbitrrio; ao contrrio, algo objetivo, subsistente em si mesmo e possuidor de vida prpria.(Jung, 1993, CW 8, prg.666)Podemos, portanto, compreender o inconsciente coletivo como sendo, em ltima instncia, o Self, ou aquela mesma substncia nica, dotado de inteno e finalidade, que transcende capacidade da nossa parcial conscincia de apreend-lo totalmente. Os romnticos, bem como Jung, compreenderam a conscincia como a expresso da relao unitria entre o homem e o Todo. Bem longe de ser separado do mundo exterior, o mundo interior s existe para ele e nele. O que chamamos de imaginao criativa designa essa zona do meio onde se unem as pulses e as impresses do esprito, ou as percepes do mundo de dentro e do mundo de fora. Assim, nossa conscincia no est desenraizada de seu fundamento, e no se define por um comeo radical, ela a florao e fruto de um momento especfico dessa prodigiosa evoluo criadora, a expresso da grande ordem que determina misteriosamente, a apario dos seres e das formas no seio do organismo do universo. A conscincia, portanto, a revelao somente de aspectos parciais dessa vida psquica em obra, nas profundezas do ser.Assim , Jung compreendeu a conscincia, como podemos ler:A alma (no sentido de conscincia) no de hoje; sua idade conta muitos milhes de anos. A conscincia individual apenas a flor e a fruta prpria da estao, que se desenvolveu a partir do perene rizoma subterrneo e se encontra em melhor harmonia com a verdade, quando inclui a existncia do rizoma em seus clculos, pois a trama das razes me de todas as coisas.(Jung, 1993, CW5, pg. XXIV) parnteses nossoAinda em outro trecho de sua obra, Jung saliente que a conscincia de nosso eu apenas parte de uma conscincia maior, ou seja, nossa conscincia se funda sobre conscincia absoluta. Cito o autor:... nossa conscincia no exprime a totalidade da natureza humana; e permanece apenas uma parcela da mesma [...] mencionei a possibilidade de que a conscincia de nosso eu no necessariamente a nica forma de conscincia de nosso sistema, mas talvez esteja subordinada inconscientemente a uma conscincia mais ampla...(Jung, 1993, CW 8, prg. 637)A conscincia a expresso de um momento da histria da humanidade, um fato contingente modelado pelo tempo e relacionado com suas condies histricas, que por sua vez, segundo Jung, as condies histricas so determinadas por constelaes arquetpicas que marcam os perodos histricos, de maneira que, cada momento histrico da cultura possui uma estrutura arquetpica nica. Vale dizer que o momento histrico revelao do fundamento, que se constela segundo a Vontade do fundamento. Por que se constela dessa forma ou de outra, um mistrio.Quanto aos arqutipos, importante salientar, que so estruturas a prior, elementos constitutivos do inconsciente coletivo, que para Jung, no se restringem s categorias da Razo, como o prprio Jung coloca , lemos:... a teoria do conhecimento reduz os arqutipos a um nmero relativamente pequeno de categorias, logicamente limitadas, do entendimento. Plato confere um valor extraordinariamente elevado aos arqutipos como idias metafsicas, como paradegmata, [...]. Como bem se sabe, a filosofia medieval desde -- Agostinho do qual tomei emprestado a idia de arqutipo at Malebranche e Bacon ainda se encontra dentro do terreno platnico...(Jung,1993,CW8, prg.275).Portanto, como ele mesmo diz, sua concepo de arqutipo ontolgica e no correspondem s categorias kantiana. Sendo assim, psique em Jung deixou de ser um mero pensavel, um mero adjetivo, ou um incongnocvel , como pensou Kant. Se os arqutipos correspondem s idias metafsicas, ento o inconsciente coletivo uma realidade ontolgica. A alma humana, assim compreendida como realidade ontolgica, configura uma nova identidade ao homem, propem ao homem o mistrio de sua presena, dada pelo relacionamento intrnseco com a realidade histrica e csmica da qual parte. No uma pgina em branco que se constitui a partir das impresses sensveis vindas de fora. No esse lugar vazio, onde se inscrevem as informaes exteriores captadas pelos rgos dos sentidos, e, tampouco, se reduz ao sujeito do conhecimento, o Eu transcendental, como denominou Kant. Ao contrrio para Jung, a alma humana:...possui a dignidade de um ser que tem o dom da relao com a divindade. [...] Assim como o olho est para o sol, a alma est para Deus. [...] Ora, a intimidade da relao entre Deus e a alma exclui de antemo toda e qualquer depreciao desta ltima. [...] deve haver na alma uma possibilidade de relao, isto , forosamente ela deve ter em si algo que corresponda ao ser de Deus, pois de outra forma jamais se estabeleceria uma conexo entre ambos. Esta correspondncia, formulada psicologicamente, o arqutipo da imagem de Deus. (Jung,1993,CW12, prg.11) Ela contm [...] aquilo que torna a alma capaz de ser um olho destinado a contemplar a luz. Isto requer de sua parte, uma extenso ilimitada e uma profundidade insondvel. (Jung,1993, CW12, prg.14) Sendo assim, a alma no um msero vapor, um nada mais do que, um puro pensvel, ou apenas natureza, ao menos que se compreenda que a natureza seja tambm, o divino.Em nossa opinio, portanto, uma das mais importantes contribuies de Jung ao pensamento contemporneo o de ter reconhecido a realidade da alma, redescobrindo atravs de sua prtica analtica, a idia muito antiga da alma como realidade substancial e como Alma do Mundo, na qual o homem est inserido e da qual sua alma individual uma combinao original da Totalidade divina.

REFERNCIASBIBLIOGRFICASBalenci, Marco.(1997). Trattato de Psicologia Analtica. Diretto da Aldo Carotenuto. Turino: Ed. Torinese.Gusdorf, Georg.(1993). Le Romantisme I e II. Paris, d. Payot & Rivages.Jung, C.G. (1976). The Visions Seminars. Zrich-Switzerland: Spring Publication.Jung, C.G. (1993). Symbols of Transformation. CW 5. Princenton: Pricenton Univerty Press.Jung, C.G. (1993). The Struture and Dynamics of the Psyche. CW 8 Princenton: Pricenton Univerty Press.Jung, C.G. (1993). The Archetypes and the Collective Unconscious. CW 9- I. Pricenton: Princenton Univerty Press.Jung, C.G. (1993). Psychology and Religion: West and East. CW 11. Princenton: Pricenton Univerty Press.Jung, C.G. (1993). Psychology and Alchemy. CW 12.Princenton: Pricenton Univerty Press.Kant, Immanuel.(1997). Crtica da Razo Pura. Trad. J. Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujo. Lisboa: Ed. Fund. Calouste Gulbenkian.Kirk, G.S., Raven, J.E., Schofield, M. (1994). Os Filsofos Pr-Socrticos. Trad. Carlos Alberto Louro Fonseca. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian.Lebrun, Grard. (2002) Kant e o Fim da Metafsica. Trad. Carlos Alberto Ribeiro de Moura. So Paulo: Ed. Martins Fontes.Murachco, H.G.(1996) A noo de Thos. Revista HYPNOS, Vol. 1. So Paulo: EDUC Palas Athena.Plato. (1997) Timeu. Dilogos de Plato. Trad. Carlos Alberto Nunes. Ed Universidade Federal do ParPlatn. (1993). Timeu. Obras Completas. Trad. Maria Araujo. Ed. Aguilar.Schelling, F.W. (1991). A Essncia da Liberdade Humana. Trad. Mrcia C. de S Cavalcante. Petrpolis, Vozes.Schuback, Marcia de S Cavalcante. (1997). O Comeo de Deus. Petrpolis, RJ: Vozes.

www.rubedo.psc