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A CONDIÇÃO DOS HERDEIROS NO CASO DE FALECIMENTO DE SÓCIO DE SOCIEDADE LIMITADA

Diego Richard Ronconi1

1. Resumo

O presente artigo tem como objeto o inventário das quotas de sócio participante de Sociedade empresária Limitada, e como objetivo analisar a situação dos herdeiros de sócio participante desta espécie societária diante do inventário das quotas deixadas pelo de cujus, procurando-se, com fundamento da doutrina, na lei e na jurisprudência, responder às seguintes perguntas: falecendo o sócio com participação societária em Sociedade limitada, impõe a lei que seus herdeiros devam ingressar, como sócios da sociedade em que o falecido era participante? Havendo permissão do contrato social no sentido de que os herdeiros possam nela ingressar, há obrigatoriedade de que assumam a condição de sócios? Quais as conseqüências de os herdeiros ingressarem, ou não, na qualidade de sócios? Não querendo ingressar como sócios, há obrigação de que o contrato social seja alterado, colocando-os como sócios, em substituição do sócio falecido? Como se observará, nem sempre o fato de ser receber como herança participação de quota societária acarreta o imediato ingresso do herdeiro na sociedade empresária em que integrava o falecido. Também nem sempre o fato de ingressar como sócio em sociedade empresária acarreta vantagens, pois, desconhecendo os herdeiros o real estado em que se encontra a empresa, podem ser surpreendidos com conseqüências em seu patrimônio particular, inerentes à qualidade de sócios, que ignoravam. A fim de que não haja surpresas, é necessário, antes de tudo, o conhecimento das situações em cada uma de suas nuances, especialmente direcionadas ao reflexo nas condições pessoais dos herdeiros, situações estas que se compromete este artigo a identificar.Será tratado sobre situações de dissolução total e parcial de sociedades empresárias, sobre a identificação, no contrato social, da possibilidade de ingresso, ou não, de herdeiros na condição de sócios e quais as conseqüências de seu ingresso, ou não, na sociedade. Além disso, o estudo fará referência ao significado da chamada Apuração de Haveres, bem como dos elementos que a integram. Também será retratado sobre a Sobrepartilha, identificando o seu significado, objetivo e forma diante da legislação civil e processual civil, especialmente direcionada ao assunto da Apuração de Haveres do sócio falecido que era participante de Sociedade Limitada.Estas situações são comuns na prática jurídica cotidiana, não se atentando muitos profissionais do Direito (aqui se referindo a Advogados, Professores Universitários dos cursos de Direito, Membros do Ministério Público e Magistrados) para as conseqüências mediatas e imediatas do ingresso de herdeiros na condição de sócios de sociedades empresárias, especialmente no que diz respeito à Sociedade Limitada.

2. IntroduçãoO inventário dos bens deixados por falecimento de alguém nem sempre se

processa de forma tranqüila. Muitas vezes, em razão da dificuldade de divisão de certos bens, a

resolução do processo resta demorada. Outras vezes, a dificuldade se encontra pelas

conseqüências que o recebimento de certos bens podem trazer ao herdeiro beneficiado. Um

exemplo desta situação se mostra quando se herdam quotas de sociedades empresárias. Para

melhor acompanhar o raciocínio pretendido com este estudo, veja-se a seguinte situação: João,

Mário e Cesar são sócios da empresa Bela Vida Indústria de Calçados Ltda. João tem 40% das

quotas do capital social, Mário 40% e César, 20%. João faleceu e deixou 3 filhos: Marta, Maria e

1 Advogado, Mestre e Doutor em Ciência Jurídica. Professor dos Cursos de Graduação em Direito da Univali e da Faculdade de Direito de Joinville e de cursos de Pós-Graduação em Direito. autor das obras Falência e Recuperação de Empresas: análise da utilidade social de ambos os institutos (Itajaí: Editora da UNIVALI, 2002), A Arte da Guerra para Advogados: A filosofia de Sun Tzu aplicada à prática jurídica (Florianópolis: Momento Atual, 2005); A responsabilidade civil nos contratos de alienação fiduciária em garantia (no prelo), bem como de vários artigos publicados em revistas e periódicos especializados do País.

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Carla, todas maiores e capazes civilmente. Dentre os diversos bens deixados pelo falecido, há

necessidade de que sejam inventariadas, também, as quotas que João tinha na empresa.

Com o falecimento do sócio, os herdeiros entram, obrigatoriamente, como sócios

da sociedade em que seu genitor (a) era participante? Se há permissão do contrato social da

sociedade para que os herdeiros nela ingressem, há obrigatoriedade de que assumam a condição

de sócios? Quais as conseqüências de os herdeiros ingressarem, ou não, na qualidade de sócios?

Não querendo ingressar como sócios, há obrigação de que o contrato social seja alterado,

colocando-os como sócios, em substituição do sócio falecido? Tais são os questionamentos que

este estudo pretende responder.

Utilizar-se-á, no desenvolvimento do artigo, o método indutivo e a técnica da

pesquisa bibliográfica. A linha de pesquisa será Direito e Organizações Públicas e Privadas,

tratando-se de tema relacionado ao Direito Civil e Empresárial (societário e sucessório).

3. A dissolução da sociedade empresária

No direito brasileiro, há várias formas de dissolução da sociedade empresária, a

qual pode ser total, ou parcial. Será total quando nenhum sócio mais desejar continuar a

sociedade, ou pelas demais circunstâncias delineadas no artigo 1.033, do Código Civil2, devendo

ser devidamente dissolvida e encerrada. Já a dissolução parcial ocorre quando haja a saída de um

ou alguns sócios, desejando os demais continuar a atividade.

Nem sempre a dissolução da sociedade se dá por ato entre vivos, ou seja, todos

os sócios estão vivos e um deles deseja sair, ou porque os demais determinem pela exclusão de

um ou mais integrantes do quadro societário, continuando os demais. A dissolução pode ocorrer

também por morte de um dos sócios, mais conhecida como liquidação de quota do sócio falecido,

que é a hipótese tratada neste estudo.

4. A liquidação da quota de sociedade empresária por morte e a situação dos herdeiros

O estudo pretende se concentrar na liquidação de quota por morte de sócio que

faça parte do quadro societário de uma Sociedade Limitada, ou seja, na espécie de sociedade

2 “Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer:I- o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado;II- o consenso unânime dos sócios;III- a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado;IV- a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de 180 (cento e oitenta) dias;V- a extinção, n forma da lei, de autorização para funcionar.”

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empresária na qual “a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas

todos respondem solidariamente pela integralização do capital social” (art. 1.052, do Código Civil).

Conforme ensinam alguns juristas, a morte de sócio é uma das possibilidades de

dissolução da sociedade. Nesta situação, conforme o artigo 1.028, III, do Código Civil:

“Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:I- se o contrato dispuser diferentemente;II- se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;III- se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido.”

Ricardo Negrão3 retrata, de forma mais específica, as possibilidades que se têm,

no caso de morte de sócio, ensinando que:

“Falecido um dos sócios, e no silêncio do contrato social, podem os demais optar por: a) dissolver a sociedade (art. 1.028, II); b) acordar, com os herdeiros, sua substituição no quadro social (art. 1.028, III); ou c) pagar o valor da quota aos herdeiros, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, que coincide com a do evento morte, verificada em balanço especialmente levantado (art. 1.031)” .

Quando um dos sócios da sociedade empresária falece, suas quotas na sociedade

devem ser inventariadas, obrigatoriamente, por determinação do artigo 993, II, do Código de

Processo Civil, que assim determina:

“Art. 993. (...)Parágrafo único. O juiz determinará que se proceda:I – (...)II – a apuração de haveres, se o autor da herança era sócio de sociedade que não anônima.”.

Caso se trate de Sociedades Limitadas (portanto, não é o caso de Sociedades

Anônimas), a apuração de haveres é medida que se impõe. À frente será melhor explicitado o

significado de Apuração de Haveres e seus elementos.

Na hipótese de morte de sócio de uma Sociedade Limitada, ensina Fábio Ulhoa

Coelho4:

“c) Morte de sócio. Se falece o sócio da sociedade limitada, isto pode implicar a dissolução parcial desta. De fato, a participação societária, como os demais elementos do patrimônio do falecido, será atribuída, por sucessão causa mortis, a um herdeiro ou legatário, que nunca estão obrigados a fazer parte da sociedade limitada, seja ela de pessoas ou de capital. Têm eles direito, portanto, à apuração dos haveres de que decorre a dissolução parcial. Claro, se o sucessor do sócio morto quiser fazer parte da sociedade, e os sobreviventes concordarem, nada obriga a liquidação da quota. (...)

3 NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e da empresa, p. 326.4 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 5. ed. São Paulo: Savaira, 2002. p. 465-466. v. 2.

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Em suma, a morte de sócio só dissolve a limitada quando o sucessor não deseja entrar para a sociedade, ou, sendo ela de pessoas, os sobreviventes querem impedir o ingresso dele. Se o sucessor do sócio morto concorda em manter o investimento na empresa, e os sobreviventes concordam em tê-lo como sócio, a sociedade não se dissolve, nem sequer parcialmente. (...)” (grifado).

Assim, nada impõe a lei aos herdeiros, no sentido de que sejam,

obrigatoriamente, sócios na sociedade cujas quotas sociais passam a herdar. Assim, caso não

desejam os herdeiros “substituir” o sócio falecido, ocorrerá, simplesmente, a devolução do

investimento realizado com a Apuração dos Haveres do sócio falecido, na forma definida no

contrato social. Caso nada trate o contrato social a respeito da forma como ocorrerá a apuração da

quota do sócio falecido, aplica-se a regra do artigo 1.031, do Código Civil:

“Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.§ 1o. O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota.§ 2o. A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de 90 (noventa) dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário.”.

Reforçando o entendimento anteriormente retratado, no sentido das hipóteses de

dissolução parcial da sociedade empresária, em especial em razão de morte de sócio, ensina

Ricardo Negrão5:

“São três os casos de dissolução parcial de pleno direito, (...): a falência, a execução de credor particular do sócio e a morte deste sem ingresso de herdeiros ou previsão contratual para a circunstância ou não ocorrendo acordo com os herdeirosNesses três episódios, há em comum a aplicação da regra prevista no art. 1.031, § 2o: a quota será liquidada e paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, contados a partir da liquidação, salvo acordo ou estipulação contratual em contrário” (grifado).

Adiante será tratado de forma mais detalhada como fica a situação dos herdeiros

de sócio falecido, caso não ingressem na sociedade na qualidade de sócios. Passa-se, agora, à

análise de duas situações completamente distintas e que acarretam conseqüências diversas:

a) se os herdeiros ingressam como sócios em substituição do sócio falecido;

b) se os herdeiros não ingressam como sócios, ao receberem as quotas do sócio falecido,

preferindo a apuração de seus haveres na empresa.

5. A análise do Contrato Social sobre o ingresso dos herdeiros na qualidade de sócios

5 NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e da empresa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 1. p. 369.

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Antes de se identificar a opção dos herdeiros por seu ingresso na sociedade

empresária na qualidade de sócios, em substituição ao sócio falecido, deve-se atentar,

inicialmente, o contrato social da empresa. É neste instrumento que se observa se os demais

sócios que continuam na atividade da empresa permitem que, com o falecimento do sócio, os seus

herdeiros ingressem na qualidade também de sócios (identificando uma sociedade de capitais, não

importando a condição pessoal dos sócios que nela ingressem), ou se, caso não permitam o

ingresso dos herdeiros como sócios (sociedade de pessoas, onde a condição pessoal do sócio é

fundamental), de que forma serão apurados os haveres do sócio falecido. Importa salientar que,

neste último caso, como adiante se verá, os herdeiros sequer ingressarão como sócios na

sociedade, apenas retirando as importâncias investidas pelo sócio falecido.

6. Conseqüências do ingresso dos herdeiros como sócios (em substituição ao sócio falecido)

Como se tratou no item anterior, antes de pretenderem os herdeiros do sócio

falecido ingressarem na sociedade, substituindo-o, devem observar se o contrato social assim o

permite. Esta cláusula geralmente é identificada nos contratos sociais das empresas com a

seguinte redação:

“Cláusula X. – Em caso de falecimento de um dos sócios, a sociedade continuará com os sócios remanescentes, passando as quotas do ‘de cujus’ para os herdeiros legais;§ 1o. – Até que se ultime no processo de inventário a partilha dos bens deixados pelo de cujus, incumbirá a(o) inventariante, para todos os efeitos legais a representação ativa e passiva dos interessados perante a sociedade;§ 2o. – Os herdeiros, através de seu (a) inventariante ou representante legal, poderão retirar-se da sociedade.”

A exemplo da cláusula acima citada, importante esclarecer que, caso o contrato

social admita os herdeiros do sócio falecido como “novos sócios”, isto não se trata de obrigação,

mas de faculdade. Caso não queiram permanecer como sócios, apenas retiram os valores

deixados pelo sócio falecido, sem, no entanto, lhes poder ser atribuída a qualidade de sócios (esta

situação será tratada no item a seguir).

Assumindo os herdeiros a condição de “novos sócios”, em substituição do sócio

falecido, aos mesmos se atribui todos os direitos e deveres da qualidade de sócio. Disto decorre a

conseqüência determinada pelo artigo 1.025, do Código Civil, ou seja, “O sócio, admitido em

sociedade já constituída, não se exime das dívidas anteriores à admissão”. Portanto, não

ingressam os herdeiros somente no ativo da empresa (bens e direitos), anterior e posterior ao seu

ingresso, mas também no passivo da empresa, ou seja, nas suas dívidas e demais obrigações,

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anteriores e posteriores. Deve-se, por isso, antes de se optar pelo ingresso dos herdeiros na

qualidade de sócio, conhecer a situação da empresa, a fim de que os herdeiros não sejam

surpreendidos por dívidas que haviam sido contraídas pela empresa antes de sua admissão.

Aliás, em se tratando de Sociedade Limitada, importa dizer que, se o capital social

da empresa foi devidamente integralizado, e se, porventura, ocorrer a falência da empresa, o

patrimônio particular dos sócios não podem ser atingidos por débitos da sociedade empresária,

exceto por situações que decorram da falta de integralização do capital social, de responsabilidade

tributária, previdenciária ou de desconsideração da personalidade jurídica da sociedade

empresária (art. 50, do Código Civil). Deve-se atentar para a situação da autonomia, não só

patrimonial da empresa, mas da separação de personalidade jurídica da sociedade empresária

(pessoa jurídica), e da personalidade jurídica dos sócios que a compõe (pessoas físicas, ou

naturais). Portanto, ser sócio de Sociedade Limitada não significa que, em faltando patrimônio da

sociedade para cobrir seus débitos, imediatamente se ingressará no patrimônio particular dos

sócios.

7. Conseqüências do não ingresso dos herdeiros na qualidade de sócios, preferindo a Apuração de Haveres do sócio falecido

Como observado, se os herdeiros não querem continuar a participação societária

como sócios, mas retirar as importâncias relativas às quotas que lhes passa a pertencer, com o

inventário dos bens deixados pelo falecido, impõe-se o cálculo do valor das quotas pela forma

chamada de “Apuração de Haveres”.

Trata-se a Apuração de Haveres aqui identificada, da verificação judicial dos

investimentos realizados pelo sócio falecido na empresa que tinha participação. Os sócios, ao

integralizarem o capital social da empresa, ou seja, ao retirarem de seu patrimônio particular bens

móveis ou imóveis para investimento nela, observam, geralmente, um crescimento ao longo do

tempo, no sentido de que este seu investimento gere riquezas maiores do que aquelas inicialmente

investidas. Desta forma, ao se retirar da empresa, seja na dissolução da sociedade empresária

enquanto os sócios são vivos, ou em razão da morte de um dos sócios, surge a necessidade de se

apurar qual a importância que o sócio retirante, ou seus herdeiros tem a retirar da sociedade

(neste último caso, se os herdeiros não ingressarem como sócios da empresa).

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Tal apuração leva em consideração TODOS os elementos que fazem parte do

estabelecimento empresarial6. Ricardo Negrão7 organiza um quadro sobre tais bens, o qual aqui se

repete:

ELEMENTOS DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIALBENS INCORPÓREOS BENS CORPÓREOS

Exemplos:- sinais distintivos: nome comercial objetivo, título e insígnia do estabelecimento, marcas de produto ou serviço, marcas de certificação, marcas coletivas;- privilégios industriais: patentes de invenção e de modelos de utilidade, registro de desenhos industriais;- obras literárias, artísticas ou científicas;- ponto ou local da empresa;- direitos decorrentes dos contratos em geral;- créditos

Exemplos:- nos estabelecimentos industriais: terrenos, edifícios, construções, usinas, armazéns, máquinas, equipamentos, produtos abacados, matéria-prima etc.;- nas chamadas atividades intermediárias: mercadorias, instalações, mobiliário e utensílios;- nas empresas de transporte: veículos etc.;- nas atividades bancárias: dinheiros, títulos.

Conforme ensinamento de Ulderico Pires dos Santos, a Apuração de Haveres

deve atender aos valores reais, e não aqueles contabilizados, pois este entendimento se apóia na

teoria que condena o enriquecimento injusto ou sem causa, que se aplica à doutrina mercantil

(RTJ, 72/645 e 57/472)8. Para tanto, além dos demais elementos constantes no balanço

patrimonial, balanço de resultado econômico da empresa e no balanço especialmente levantado9,

deve-se atentar, para a avaliação, ainda10:

a) os lucros pendentes que não constam do último balanço feito ao tempo em que o de cujus ainda

era vivo (RT 493/97-98);

b) o processamento da Apuração de Haveres na forma de liquidação que aproxime da liquidação

total, a fim de assegurar aos retirantes situação de igualdade na apuração de haveres (RE n º

89.464-SP). A liquidação das sociedades, diante do Código Civil de 2002, se opera conforme os

artigos 1.102 a 1.112, enquanto o Código de Processo Civil, no art. 1.218, VII, determina que tal

liquidação se realiza em conformidade com os artigos 655 a 674, do Código de Processo Civil de

1939 (Decreto-lei n º 1.608, de 18 de setembro de 1939).

6 Conforme o artigo 1.142, do Código Civil: “Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”.7 NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e da empresa, p. 73.8 SANTOS, Ulderico Pires dos. Sucessão hereditária: doutrina, jurisprudência e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 35.9 “art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.” (grifado).10 SANTOS, Ulderico Pires dos. Sucessão hereditária: doutrina, jurisprudência e prática, p. 35.

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Observe-se, ainda, que, se os balanços (com base na situação patrimonial da

sociedade, à data da resolução – art. 1.031 –, resolução esta que coincide com o evento morte do

sócio11), não foram aprovados pelo sócio falecido, não devem prevalecer para efeitos de Apuração

de Haveres, conforme a súmula 265, do Supremo Tribunal Federal.

É importante salientar que, na hipótese de os herdeiros não ingressarem na

qualidade de sócios da empresa, em substituição ao sócio falecido, optando somente pela retirada

dos haveres deste, não ingressam os herdeiros na qualidade de sócios. Portanto,

diversamente do que foi tratado anteriormente, não têm a condição de sócios da empresa, mas de

condôminos em bem que se pretende a divisão, na proporção das quotas deixadas pelo de cujus,

apuradas em conformidade com a situação patrimonial da sociedade na época de seu falecimento.

Para tanto, é necessário também esclarecer que, enquanto não se dissolver parcialmente a

sociedade, entregando-se aos herdeiros o valor que têm direito, aos mesmos se dá o direito de

proteção deste seu patrimônio por todas as formas, a fim de evitar a dilapidação do patrimônio ou

de prejuízo à sociedade, inviabilizando o recebimento dos valores a que têm direito. Desta forma,

diferentemente do disposto no artigo 1.025, que determina que não se exime o sócio, admitido em

sociedade já constituída, das dívidas sociais anteriores à sua admissão, estes herdeiros não

respondem pelas dívidas da empresa, haja vista não ingressarem na qualidade de sócios.

Simplesmente pleiteiam a retirada dos valores pertencentes ao falecido na sociedade, se houver.

Optando os herdeiros por não ingressarem na qualidade de sócios, parece não

haver possibilidade de alteração do contrato social da Sociedade Limitada no sentido de admiti-los

na empresa para, depois, pagar-lhes os haveres. Ora, caso ingressem no contrato social da

empresa, em substituição ao falecido, estarão ingressando na qualidade de “novos sócios”, com os

direitos e obrigações a ela inerentes, podendo-se refletir tais efeitos, inclusive, na condição de

pessoa natural (pessoa física) dos sócios (como ocorre, comumente, com restrições pessoais de

crédito, caso a empresa também seja devedora).

Portanto, os herdeiros de sócio que tenha participação em Sociedade Limitada, os

quais optam pela Apuração de Haveres das quotas, não ingressam na qualidade de sócios,

nem mesmo podendo-se realizar a alteração do contrato social da sociedade no sentido de admiti-

los.

7. A Sobrepartilha das quotas deixadas pelo de cujus em Sociedade Limitada

11 “c) pagar o valor da quota aos herdeiros, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, que coincide com a do evento morte, verificada em balanço especialmente levantado (art. 1.031)”, in NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e da empresa, p. 326.

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Quando num inventário restar devidamente acordado sobre a divisão de bens

entre os herdeiros, não havendo controvérsias entre os mesmos e, caso esta divisão não

contravenha disposição legal, há possibilidade de homologação judicial. No entanto, se houver

quotas de Sociedade Limitada a serem inventariadas, não desejando os herdeiros ingressarem na

qualidade de sócios da empresa, é cabível a chamada “sobrepartilha de bens”. A sobrepartilha

consiste na distribuição dos bens restantes no inventário aos herdeiros. Embora a partilha já esteja

feita conforme o plano realizado pelos herdeiros, onde se dispõe a titularidade dos bens do

inventário, haverá necessidade de se retirar da empresa os valores correspondentes à participação

societária do de cujus na mesma. Caso não se realizada a sobrepartilha, a partilha referente aos

bens que já estão certos quanto aos herdeiros poderia sofrer grande atraso, especialmente na

expedição dos devidos formais aos devidos titulares. Por tal razão, ou seja, para evitar este atraso

é que deve ser realizada a sobrepartilha das quotas do falecido.

A Apuração de Haveres, na hipótese do caso presente, conforme o Código de

Processo Civil, trata-se de Procedimento Especial de Jurisdição Contenciosa (Livro IV, Título I).

Havendo outros sócios na Sociedade Empresária em que o falecido era sócio, deve-se respeitar o

artigo 993, parágrafo único, II, do Código de Processo Civil12. Desta forma, observa-se que, além

de a Apuração de Haveres envolver litígio, trata-se, ainda, de um processo de liquidação morosa

ou difícil. Aliás, conforme o artigo 2.021, do Código Civil, determina:

“art. 2.021. Quando parte da herança consistir em bens remotos do lugar do inventário, litigiosos, ou de liquidação morosa ou difícil, poderá proceder-se, no prazo legal, à partilha dos outros, reservando-se aqueles para uma ou mais sobrepartilhas, sob a guarda e a administração do mesmo ou diverso inventariante, e consentimento da maioria dos herdeiros.” (grifado).

Sobre tal situação, ensina Humberto Theodoro Junior13:

“Bens de liquidação difícil ou morosa são aqueles que se encontram em zonas remotas, longe da sede do inventário, e que, por isso, dependem de diligências e precatória de cumprimento demorado. São, ainda, aqueles que, por sua própria natureza, reclamam operações complexas, como, por exemplo, a liquidação de sociedade ou a apuração de haveres do morto em pessoa jurídica de que era sócio.” (grifado).

12 “art. 993. (...)Parágrafo único. O juiz determinará que se proceda:I- ao balanço do estabelecimento, se o autor da herança era comerciante em nome individual;II- a apuração de haveres, se o autor da herança era sócio de sociedade que não anônima.” (grifado). 13 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 106-107. v. 3.

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Tal situação é também referenciada com fundamento nos artigos 1.04014 e 1.04115,

do Código de Processo Civil, lembrando-se que a guarda e administração dos bens

sobrepartilhados ficarão sob a guarda e administração do mesmo inventariante ou diverso,

consentindo também a maioria dos herdeiros.

8. Conclusão

Assim, são estabelecidas as seguintes respostas aos questionamentos iniciais:

a) falecendo o sócio com participação de quotas em Sociedade Limitada, não há obrigatoriedade

pela legislação em vigor no sentido de que os herdeiros do sócio ingressem na qualidade de

sócios. Isto se dá, ainda que o contrato social imponha que a sociedade deverá continuar com os

herdeiros. Caso, no entanto, desejem os herdeiros ingressar em substituição ao sócio falecido na

mesma sociedade, deverão analisar a possibilidade à luz do próprio contrato social, observando-se

a sua permissão;

b) se os herdeiros optarem por ingressar na sociedade em substituição ao sócio falecido, na

qualidade de sócios, aos mesmos se atribui todos os direitos e deveres da qualidade de sócio, não

se lhes atribuindo somente no ativo da empresa, mas também o passivo, inclusive relativo a

dívidas anteriores. Podem, dependendo da situação deficitária da empresa, ainda ter alguns

reflexos na sua condição pessoal, exemplificando-se, além da situação tratada anteriormente, com

a impossibilidade de concessão de aval ou fiança, caso o contrato social vede tal situação aos

sócios. Deve-se, por isso, antes de se optar pelo ingresso dos herdeiros na qualidade de sócio,

conhecer a situação da empresa, a fim de que os herdeiros não sejam surpreendidos por dívidas

que haviam sido contraídas pela empresa antes de sua admissão.

c) optando os herdeiros por não ingressarem na qualidade de sócios, não se observa possível a

alteração do contrato social da Sociedade Limitada, no sentido de admiti-los na empresa para,

depois, pagar-lhes os haveres. Isto porque, caso ingressem no contrato social da empresa, estarão

ingressando na qualidade de “sócios”, com os direitos e obrigações inerentes a esta qualidade,

podendo-se refletir tais efeitos, inclusive, na condição de pessoa natural (pessoa física) dos sócios

(como ocorre, comumente, com restrições pessoais de crédito, caso a empresa também seja

14 “art. 1.040. Ficam sujeitos à sobrepartilha os bens:(...);III- litigiosos, assim como os de liquidação difícil ou morosa;Parágrafo único. Os bens mencionados nos ns. III e IV deste artigo serão reservados à sobrepartilha sob a guarda e administração do mesmo ou de diverso inventariante, a aprazimento da maioria dos herdeiros.”.15 “art. 1.041. Observar-se-á na sobrepartilha dos bens o processo de inventário e partilha.

Parágrafo único. A sobrepartilha correrá nos autos do inventário do autor da herança.”.

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Page 11: A CONDIÇÃO DOS HERDEIROS NO CASO DE …sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/caso.pdf · Em suma, a morte de sócio só dissolve a limitada quando o sucessor não deseja

devedora). Assim, os herdeiros de sócio que tenha participação em Sociedade Limitada, que

tenham optado pela Apuração de Haveres das quotas, não ingressam na qualidade de sócios,

nem mesmo podendo-se realizar a alteração do contrato social da sociedade no sentido de admiti-

los.

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