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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO MARA LILIAN SANTIAGO A Consciência do Corpo Feminino como Prática de Autonomia Trilhando os Princípios da Educação Sociocomunitária Americana 2013

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO

MARA LILIAN SANTIAGO

A Consciência do Corpo Feminino como Prática de

Autonomia

Trilhando os Princípios da Educação Sociocomunitária

Americana

2013

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO

MARA LILIAN SANTIAGO

A Consciência do Corpo Feminino como Prática de

Autonomia

Trilhando os Princípios da Educação Sociocomunitária

Dissertação apresentada como requisito parcial à

obtenção do título de Mestre em Educação à

Comissão Julgadora do Centro Universitário

Salesiano de São Paulo – UNISAL – sob a

orientação do Profº. Drº Severino Antonio Moreira

Barbosa.

Americana

2013

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Ficha Catalográfica

Santiago, Mara Lilian.

S226c A Consciência do corpo feminino como prática de

autonomia: trilhando os princípios da educação

sociocomunitária / Mara Lilian Santigo – Americana: Centro

Universitário Salesiano de São Paulo, 2013.

84 f.

Dissertação (Mestrado em Educação). UNISAL/SP.

Orientador: Prof. Drº Severino Antonio Moreira Barbosa.

Inclui bibliografia.

1. Mulher. 2. Autonomia. 3. Educação sociocomunitária. 4. Consciência corporal. Título.

CDD – 37.193

Catalogação elaborada por Lissandra Pinhatelli de Britto CRB8/7539 Bibliotecária UNISAL – Campus Maria Auxiliadora

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Mara Lilian Santiago

A consciência do Corpo Feminino como Prática de Autonomia: Trilhando os

Princípios Educação Sociocomunitária.

Dissertação apresentada como exigência

parcial para obtenção do grau de Mestre em

Educação no Centro Universitário Salesiano de

São Paulo – UNISAL.

Dissertação defendida e aprovada em 20/11/2013, pela comissão julgadora:

Banca examinadora

Prof. Dr. Renato Kraide Soffner

Instituição: Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL

Assinatura: _____________________________________________________

Profª. Drª. Rúbia Cristina Cruz

Instituição: Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL

Assinatura: _____________________________________________________

Prof. Dr. Severino Antônio Moreira Barbosa (Orientador)

Instituição: Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL

Assinatura: _____________________________________________________

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Dedico este trabalho ao meu pai, Antoninho Santiago, por acreditar nos meus

sonhos e nas suas consequentes realizações.

Fraternalmente, à Rose Mary Santiago da Costa e Carlos Alberto Santiago,

pelo amor, compreensão e amizade eterna.

À alegria de nossas vidas, Dalila Evelyn Santiago, Marcelo Moura da Costa

Filho e Tathyane Cristina da Costa, exemplos de esperança e de

perseverança.

Aos amigos que, nesta jornada, contribuíram para o meu crescimento, tanto

pessoal quanto profissional, em especial Juliana Silva Bueno e Renata

Belarmino.

À amada e abençoada família Santiago, a qual desde sempre me impulsiona

a transgredir minhas verdades e a superar meus limites.

“In memorian” à minha mãe, Maria do Carmo Grahl Santiago, mulher que

ensinou que a determinação e a coragem na vida são as chaves de uma

vitória promissora de um ideal feliz.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela oportunidade de contemplar a vida, a saúde e o exercício de

amor a seus filhos e ao próximo. Por iluminar meus pensamentos e proporcionar a

realização desses sonhos.

Aos mestres, especialmente ao mestre Professor Drº Severino Antonio

Moreira Barbosa, meu orientador, que iluminou meus pensamentos e me orientou de

forma bela e completa. Quando cheguei a pensar em desistir, me injetou uma força

de ânimo e me dizia calmamente: “Calma, Mara, é assim mesmo”. E pela paixão que

possui em educar.

À Profª Drª Sueli Caro, pela cumplicidade e humildade ao compartilhar seu

conhecimento.

À Profª Drª Maria Luisa Amorim Costa Bissoto, por me fazer enxergar e

conhecer outros caminhos educacionais.

Ao Profº Dr. Antonio Carlos Miranda, pelos desafios e pelos enfrentamentos

na potencialidade dos saberes.

A todos da secretaria do Programa de Mestrado em Educação, em especial à

Vaníria, pela atenção e dedicação.

Aos amigos do Mestrado em Educação que, com muita energia e

companheirismo, colaboraram para que eu alcançasse meu objetivo, que sempre

me deram força e estiveram presentes comigo durante minha jornada.

Agradeço imensamente às amigas Rosely Rodrigues e Marines Campos,

coordenadoras do Caic, no início da minha realização de pesquisa de campo, pelo

consentimento de poder fazer meu estudo exploratório na escola.

Quero destacar e agradecer o papel exercido pelos membros da Banca de

Qualificação, Profº Drº Renato Kraide Soffner e Profª Drª Rúbia Cristina Cruz, pois

tanto suas observações quanto suas correções de rumo sugeridas contribuíram para

que este trabalho tivesse uma qualidade melhor do que a versão por eles

analisadas. Ao Profº Renato Kraide Soffner reitero agradecimentos por ter também

participado da Banca de Mestrado, o que considero uma deferência especial que

muito me envaidece. À Profª Rúbia Cristina Cruz, agradeço por ter gentilmente

aceito o convite para participar da Banca do Mestrado. Quero registrar que

considero uma honra sua presença.

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Mais uma vez quero registrar meu agradecimento especial ao professor,

orientador e amigo, Severino Antônio Moreira Barbosa, pela paciência por revisar as

diversas versões desta dissertação e, principalmente, pela orientação acadêmica

segura e criteriosa, sem a qual este trabalho não teria sido concluído de forma

satisfatória.

Aplausos para todos que contribuíram, direta ou indiretamente, para esta

realização!

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“Eu sou aquela Mulher que fez a escalada da montanha da vida, removendo

pedras”.

Cora Coralina

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RESUMO

O tema escolhido, a Consciência do Corpo Feminino como Prática de Autonomia, Trilhando os Princípios da Educação Sociocomunitária, é fruto do meu trabalho social e educativo, como educadora física, conhecido como “Oficina do Corpo”, desenvolvido em bairro de periferia da cidade de Mogi-Guaçu/SP, com uma população de mulheres em risco social, mulheres muitas vezes tratadas como indivíduos submissos, sem autonomia. Abordarei a violência doméstica, o alcoolismo, o uso das drogas, a depressão e a obesidade, fatores de grande relevância social e problemas abordados no diálogo do exercício da prática de atividade física. A presente pesquisa tem como objetivo principal analisar e refletir sobre a importância da atividade física para o desenvolvimento da consciência corporal, meio para que a pessoa amplie seu conhecimento de si, percebendo-se em sua unicidade e singularidade, favorecendo sua caminhada em relação à autonomia transformadora. Foi realizado um estudo de campo de abordagem qualitativa, sendo utilizada a técnica de entrevista semiestruturada. Como contribuição, espero que essa mulher, tendo maior consciência corporal e autonomia, consiga superar suas dependências, com melhora de sua capacidade física e mental, ou seja, que a tomada de consciência corporal seja um dos caminhos para a construção da subjetividade, essencial para que a mulher se ponha no mundo como “senhora” de sua circunstância. A consciência de si é o primeiro passo para a autonomia, não há consciência de si que não passe pela consciência do próprio corpo, neste caso, o feminino. Na fundamentação teórica, dialogo com autores como Paulo Freire, com Pedagogia da Autonomia e Pedagogia da Liberdade, e faço a interface com o trabalho de educação sociocomunitária ancorado nos conceitos de Paulo de Tarso Gomes. Palavras Chave: Educação Sociocomunitária - Mulher - Consciência Corporal – Autonomia.

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ABSTRACT

The chosen theme, about the Awareness of the Feminine Body as a Practice of Autonomy, the Sociocomunitarian Education and the Female Body Awareness, is a result of my social and educative work as a physical educator. It is known as “Oficina do Corpo” and developed in a neighborhood on the outskirts of Mogi Guaçu city, in Sao Paulo, with a social risk women population. These women are many times treated as submitted individuals, with no autonomy. I propose that the taking of body awareness could be one of the ways for the subjectivity building, which is essential for the woman to put herself in the world as “landlady” of her circunstances. The awareness of oneself is the first step for autonomy, because there is no awareness of oneself with no awareness of one’s own body, in this case, the female body. I am going to approach the domestic violence, the alcoholism, the addiction for drugs, the depression and the obesity, which are factors of great social relevance and problems approached on the dialogue of the exercise of physical activity practice. The main aim of this research is to analyse and reflect about the importance of physical activity to the development of body awareness, as a way for the person to increase her selfawareness, realizing herself in its uniqueness and singularity, benefitting her way in relation to the transformer autonomy. This work makes a qualitative field approach, with semistructured interviews. As a contribution, I hope this woman, when having a better body awareness and autonomy, can overcome her dependences, improving her mental and physical skills. Theoretically, this work brings the contributions of authors such as Paulo Freire, with his Pedagogia da Autonomia e Pedagogia da Liberdade, and it brings an interface with Paulo de Tarso Gomes’ works about sociocomunitarian education.

Keywords: Sociocomunitarian Education – Woman – Body Awareness – Autonomy.

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Sumário

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 12

CAPÍTULO 1 .............................................................................................................. 15

A EDUCAÇÃO COMO ARTE: MOTIVADORA DA LIBERDADE. ................................ 16

Sociedade: mudança e autonomia ......................................................................... 18

O Educador na Educação Sociocomunitária .......................................................... 19

Educação Sociocomunitária: uma lição social emancipadora e holística ................ 20

Educação crítica a serviço da transformação social ............................................... 21

A Educação para a construção da autonomia. ....................................................... 27

CAPÍTULO 2 .............................................................................................................. 30

A IDENTIDADE E O CORPO FEMININO ................................................................... 31

Cultura, corpo e subjetividade ................................................................................ 31

Desenvolvimento histórico da mulher na sociedade ............................................... 32

A igualdade constitucional de mulher ..................................................................... 33

A construção da subjetividade e do corpo da mulher ............................................. 35

A importância da atividade física ............................................................................ 38

Violência Doméstica X Autonomia .......................................................................... 39

CAPÍTULO 3 – ........................................................................................................... 42

O CORPO FEMININO: VOZES DA SUPERAÇÃO. .................................................... 43

Metodologia................................................................................................................43

Aspectos Éticos..........................................................................................................44

O instrumento da coleta de dados...............................................................................44

Caracterização do local da coleta de dados................................................................45

Sujeitos da Pesquisa...................................................................................................46

A vivência educacional das nuanças florais...............................................................46

VOZES DA SUPERAÇÃO.............................................................................................49

Amor Perfeito - Dependência de substâncias psicoativas (drogadição e

alcoolismo)......................................................................................................................50

Lírio - Violência e depressão.......................................................................................56

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Dama da Noite - Dependência de substâncias psicoativa (alcoolismo)........................60

Vitória Régia - Obesidade Mórbida.................................................................................64

Interpretações das vozes e vivências.............................................................................68

Considerações Finais...................................................................................................73

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................................77

Anexos

Memorial.........................................................................................................................81

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INTRODUÇÃO

Desde que ingressei no Programa de Mestrado em Educação, procuro

estabelecer caminhos que levem às raízes educacionais para a prática da

autonomia. Trabalho com atividades físicas para mulheres que vivem na periferia,

onde há uma desvalorização muito grande do próprio corpo.

Resolvi dedicar-me em especial às mulheres, uma categoria social que vive

em uma sociedade ainda machista. Muitas convivem com a violência doméstica, o

isolamento social e a segregação com a qual nossa sociedade contribui

imensamente, forçando e forjando caracteres relativos a uma identidade excluída do

convívio social e cultural.

Como referência para esse estudo, dialogo com o educador Paulo Freire que

durante toda sua existência dedicou-se à questão do educar para a vida, por meio

de uma educação preocupada com a formação do indivíduo crítico, criativo e

participante na sociedade, chamada de Pedagogia da Libertação.

A pedagogia da liberdade ou da libertação objetiva a transformação da vida,

por meio de uma educação libertadora, a partir dos espaços, vivências,

experiências, culturas, sociabilidades dos oprimidos de todo o gênero. Propõe-se

educar a partir das experiências que as pessoas acumulam ao longo da vida, a partir

do que elas têm a dizer, a fazer e a conviver.

Outra pedagogia utilizada como referência, igualmente de Paulo Freire, é a

Pedagogia da Autonomia, em que também apresenta propostas de

práticas pedagógicas necessárias à educação como forma de construir a

autonomia dos educandos, valorizando e respeitando sua cultura e seu acervo

de conhecimentos empíricos junto à sua individualidade, enfatizando que, para o

educador cuja perspectiva seja progressista, é necessário estar de acordo com a

premissa de que só é possível ensinar em processo obtido socialmente e de que

não se trata de um ato de transmissão de conhecimentos, mas sim de criação de

oportunidades para a construção dos saberes, representando um processo de

formação, no qual o educando se torna sujeito de seu conhecimento. Porém, ambas

as partes desse processo passam por um aprendizado, tanto o educando como o

educador.

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Metodologicamente realizei um estudo de campo, de abordagem qualitativa,

no qual foi utilizada a técnica de entrevista semiestruturada, ou seja, similar a uma

conversa/diálogo com o entrevistado.

Esta entrevista baseia-se em certos assuntos que se pretende focar; não é

tão rígida quanto uma entrevista formal.

Como contribuição, espero que essa mulher, tendo maior consciência

corporal e maior autonomia, consiga superar suas dependências, inclusive com

melhora de sua capacidade física e mental.

Em nossos dias a expectativa de vida do ser humano vem sofrendo um

acréscimo, e isto se dá devido à sua melhora da qualidade de vida. Para essa

qualidade de vida, o ser humano deve promover mudanças de padrão

comportamental. Necessita da aquisição de hábitos saudáveis, como alimentação

adequada e prática de atividades físicas.

A prática regular de exercícios físicos acompanha-se de benefícios para a

saúde física e mental do ser humano, podendo também exercer efeitos no convívio

social do indivíduo.

A atividade física consiste em exercícios bem planejados e bem estruturados,

realizados repetitivamente, representando um estímulo ambiental responsável pela

ausência de doenças, saúde mental e boa aptidão física. Afeta de maneira positiva o

desempenho intelectual, o raciocínio, a velocidade de reação, o convívio social. Isso

quer dizer, resumidamente, uma melhora significativa da qualidade de vida.

Portanto, hoje em dia sabemos que há uma supervalorização do corpo, do

chamado corpo ideal. Sabemos também que muitas pessoas praticam atividade

física pensando somente na estética. A partir disso, devemos ressaltar e alertar o

verdadeiro propósito do exercício físico, que é a saúde, entendida como o estado

geral de bem-estar físico-psíquico.

A presente pesquisa tem como objetivo propor que a tomada de consciência

corporal seja um dos caminhos para a construção da subjetividade, essencial para

que a mulher se ponha no mundo como “senhora” de sua circunstância. A

consciência de si é o primeiro passo para a autonomia, pois não há consciência de

si que não passe pela consciência do próprio corpo, neste caso, o feminino.

Ressalta-se a grande diversidade de benefícios advindos da prática da

atividade física por todos os indivíduos, sendo que o mais importante, no caso deste

estudo, é a mulher conquistar sua liberdade física, mental e espiritual, com prazer.

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Esta dissertação está organizada em três capítulos:

No primeiro capítulo falo sobre a importância da educação, algumas

definições e concepções de práticas de educação no campo social, a Educação

Sociocomunitária, bem como o papel do educador na formação do indivíduo.

No segundo capítulo, mostro a história da mulher na sociedade desde a

antiguidade, os direitos conquistados, a importância e valores dados ao corpo

feminino e as preocupações com a promoção da saúde através da atividade física.

Para finalizar, no terceiro capítulo, conto um breve relato sobre minhas

experiências profissionais, as quais me levaram a essa pesquisa e as histórias de

algumas alunas com as quais trabalhei durante esse projeto.

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CAPÍTULO 1

A EDUCAÇÃO COMO ARTE: MOTIVADORA DA LIBERDADE

“Errantes em nós mesmos e no mundo errante, precisamos de renascimentos. Precisamos de recriação poética”.

Severino Antônio

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Este primeiro capítulo traz algumas definições e concepções sobre o que é

educação, o seu papel na formação do indivíduo e na transformação social do

mesmo. Tratarei também da Educação Sociocomunitária, algumas definições e sua

importância.

A EDUCAÇÃO COMO ARTE: MOTIVADORA DA LIBERDADE.

Consultando-se três dicionários, encontramos as seguintes definições acerca

da temática educação: “Ação e efeito de educar, de desenvolver as faculdades

físicas, intelectuais e morais da criança e, em geral, do ser humano; disciplinamento,

instrução, ensino (Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, Caldas Aulete,

1995, pág. 54)”. “Ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações jovens

para adaptá-las à vida social; trabalho sistematizado, seletivo, orientador, pelo qual

nos ajustamos à vida, de acordo com as necessidades ideais e propósitos

dominantes; ato ou efeito de educar; aperfeiçoamento integral de todas as

faculdades humanas, polidez, cortesia” (Pequeno Dicionário Brasileiro de Língua

Portuguesa, Aurélio Buarque de Holanda). E, segundo o dicionário Lição da Bíblia:1

“Educação é o ato ou processo de educar (-se)”. Educar é dar (a alguém) todos os

cuidados necessários ao pleno desenvolvimento de sua personalidade. Educar é

também transmitir, a saber: dar ensino a, instruir. Educação é a aplicação dos

métodos próprios para assegurar a formação e o desenvolvimento físico, intelectual

e moral de um ser humano; pedagogia, didática, ensino. O conjunto desses

métodos: pedagogia, instrução, ensino. O desenvolvimento metódico de uma

faculdade, de um sentido, de um órgão”.

A letra da lei não muda muito ao definir o que é educação e a que serve. De

acordo com o Art. 1º da Lei Federal nº4. 024/61 - Constituição Federal:

A educação nacional, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de

solidariedade humana, tem por fim:

1 Disponivel em: <http://jorgenilson.blogspot.com.br/2013/05/licao-biblica-8-dia-26-de-maio-de-2013.html>

Acessado em: 04 abr 2013

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a) a compreensão dos direitos e deveres da pessoa humana, do cidadão, do

Estado, da família e dos demais grupos que compõem a comunidade;

b) o respeito à dignidade e às liberdades fundamentais do homem;

c) o fortalecimento da unidade nacional e da solidariedade internacional;

d) o desenvolvimento integral da personalidade humana e a sua participação

na obra do bem comum;

e) o preparo do indivíduo e da sociedade para o domínio dos recursos

científicos e tecnológicos que permitam utilizar as possibilidades e vencer as

dificuldades do meio;

f) a preservação do patrimônio cultural;

g) a condenação a qualquer tratamento desigual por motivo de convicção

filosófica, política ou religiosa, bem como a quaisquer preconceitos de classe ou de

raça.

Reconheçamos a importância da educação formal ministrada nas escolas,

que podem ser emancipatórias, por outro lado sejamos honestos em não pretender

negar a relevância do processo educativo de fato, que é empírico, natural,

espontâneo, e que precede o processo formal, este sendo apenas a oficialização do

processo real.

A educação formal deve ser ministrada com a finalidade de preparar melhor a

pessoa para fazer uso de suas habilidades pessoais, recursos e conhecimentos, em

benefício da própria pessoa, aumentando seu protagonismo, sua autonomia, etc.,

mas também deve estar a serviço da sociedade, da cidadania.

A educação das pessoas deve servir para aumentar a qualidade de vida de

toda a sociedade. A educação deve preparar a pessoa para promover a harmonia, a

compreensão, a tolerância e a paz na sociedade. O sentido da verdadeira educação

é social; é coletivo; é público.

A educação é uma das maneiras de se transmitir o conhecimento, de tornar

comum o saber e a ideia. A educação pode existir como um recurso a mais de

dominação, mas também pode ser uma construção coletiva, com participação

corresponsável das pessoas envolvidas, que a usam como instrumento de

libertação.

Para Campos (2002), quando falamos de educação, logo nos chega a

imagem da escola. Porém, os antropólogos, ao se referirem ao assunto, pouco

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querem falar de processos formalizados de ensino, mas sim de processos sociais de

aprendizagem fora do contexto escolar.

O saber da comunidade, aquilo que todos conhecem de algum modo; o saber próprio dos homens e das mulheres, de crianças, adolescentes, jovens, adultos e velhos; o saber de guerreiros e esposas; o saber que faz o artesão, o sacerdote, o feiticeiro, o navegador e outros tantos especialistas, envolve, portanto, situações pedagógicas interpessoais, familiares e comunitárias, onde ainda não surgiram técnicas pedagógicas escolares, acompanhadas de seus profissionais de aplicação exclusiva (BRANDÃO, 2000, p.20-21).

A educação aparece sempre quando há relações entre pessoas e intenções

de ensinar-e-aprender. São como as intenções de “modelar” a criança para conduzi-

la a ser o “modelo” social de adolescente, e o adolescente, para torná-lo mais

adiante um jovem e depois um adulto.

Sociedade: mudança e autonomia

Este capítulo traz concepções de práticas de educação no campo social, em

especial a vertente conhecida como educação sociocomunitária.

A Educação Sociocomunitária tem como objetivo um estudo de práticas com

que a comunidade tenta mudar, por meio de processos educativos, algo na

sociedade, conquistando assim maior autonomia.

A Educação Sociocomunitária é, assim, numa primeira visão, o estudo de uma tática pela qual a comunidade intencionalmente busca mudar algo na sociedade por meio de processos educativos. Nessa primeira visão, ao buscar essa tática a comunidade concretiza sua autonomia. Buscar mudar a sociedade significa romper com a heteronímia, com ser comunidade perenemente determinada pela sociedade. (GOMES, 2009, p.7).

Segundo Gomes (2009), a Educação Sociocomunitária se diferencia, mas não

se opõe às demais áreas da educação.

Ainda para o autor supracitado, a Educação Sociocomunitária se propõe

como estudo de um segmento dentro da investigação em educação, não como

resolução final das grandes questões da educação, podendo ser entendida por dar

contribuições extragovernamentais e por emanar uma concepção a contribuir de

maneira sistemática para a autonomia dos sujeitos.

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Na educação que se pretenda social e comunitária, emancipar é necessário

para que haja o ato de libertar-se, sendo que esta concepção inclui os educandos e

também os educadores.

Para Gomes (2009), a Educação Sociocomunitária tem como objetivo dar

continuidade e complementar a educação ao longo da vida do indivíduo, mas não

necessariamente dentro de instituição escolar, desenvolvendo um processo de

conscientização da comunidade mediante processos socioeducativos.

O Educador na Educação Sociocomunitária

Ao resgatar a educação e suas primícias nos significados sociais, deparamo-

nos com uma coerência nos educadores como sujeitos responsáveis pela formação

de indivíduos capazes de produção social, econômica, intelectual, assim por diante.

Pois, muitas vezes, ignoramos que a sociedade realiza a mais importante lição de

aprendizagem mútua entre os seres, educando.

Sendo assim, pensar em práticas educativas nas comunidades locais

desperta no educador probabilidades de exaltar as suas culturas, seus costumes,

aprender com suas crenças, valores, promover identidades e singularidades.

Busco, então, definir certas confluências entre os termos educação e

sociedade, para que se possam produzir práticas educativas singulares, em prol do

crescimento emancipatório de indivíduos e comunidade.

Sociedade são redes de relações de interconhecimento, de reconhecimento

mútuo, que agregam um saber.

Groppo (2011) define que a sociedade são as relações societárias, grupos

secundários, relações estabelecidas voluntariamente por meio de contrato entre

indivíduos, dando a confluência de certos interesses individuais singulares, mesmo

quando há separação espacial, empresa, partido, clube, universidade, cidade.

Comunidade e sociedade são lógicas sociais relacionadas a aspectos fundantes e fundamentais da vida humana: segurança (garantia da vida) e liberdade (expressão da vontade). (GROPPO, 2011, p.4)

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Educação Sociocomunitária: uma lição social emancipadora e holística

Para a educação, emancipar significa o ato de libertar-se. Esta concepção

traz ressonâncias para os educadores e também para os educandos.

Na versão de Oliveira (2008), sobre pensamento de Boaventura, o fazer

pedagógico emancipatório é pensar na possibilidade de desenvolvimento da

autonomia intelectual e social dos sujeitos individuais e coletivos envolvidos no

processo educativo. É pensar nos processos de formação identitária.

O holístico compreende a capacidade de olhar a educação em um ângulo de

360 graus, sobre os aspectos sociais, políticos, biológicos, psicológicos, éticos e

morais.

Cotejando as vertentes educacionais, podemos compreender a importância

de se realizar algumas particularidades “dicotomizadas” da educação e compreender

que a Educação Sociocomunitária surge para completar lacunas sociais de

aprendizado, ou simplesmente unir a pedagogia em um caráter social.

Desse aspecto concreto podemos pensar processos educativos pela perspectiva dos sujeitos a que se destinam. Há aí a possibilidade de uma divisão da educação, como no caso da Educação Infantil, da Educação Especial, da Educação de Jovens e Adultos, da Educação do Oprimido. Simetricamente, é interessante estudar a educação sob a perspectiva do sujeito que a praticou ou dos valores desse sujeito, como é o caso da Educação Liberal, da Educação Cristã, da Educação Brasileira (GOMES, 2009, p.05).

Segundo Morais (2011), uma interferência educativa é uma ruptura com um

modo de ser da sociedade, mas também pode ser uma ruptura com o modo de

educar da sociedade. Porém, em toda proposta educativa há um momento de se

discutir e fazer, ou refazer, a proposta, e esse é, ao menos em sentido lato, o

momento da intervenção.

Para o resgate de uma cidadania e para obter uma sociedade igualitária e

justa, é necessário que as políticas educacionais apresentem caminhos

extraescolares e, dentro das comunidades, deixem de lado currículos ultrapassados

e cristalizados e sejam mais criativos e espontâneos nos processos educativos,

almejando relações mais horizontalizadas do sujeito educando e do sujeito

educador.

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Para Morais (2011), educação sociocomunitária consente ser a mediadora

dos métodos da educação formal e dos métodos da educação não formal. Esta

educação nasce com a finalidade de educar além das circunstâncias imaginárias

dos sujeitos. A afinidade em aprender e ensinar traz um dinamismo real ao que se

espera em educar, ou seja, construir conhecimento.

Segundo Rigo (2007), um educador com modo sociocomunitário tem uma

profunda confiança no educando, acredita nas experiências que ele fez para

entender seu mundo e nas capacidades que desenvolveu para sobreviver. Confia

que pode colaborar para que os entendimentos de seus educandos possam ser

expandidos.

Para Rigo (2007), uma das maiores forças do educador com postura

sociocomunitária é a consciência de seus limites, da certeza de que a educação se

concretiza apesar da escola e da persuasão de que suas chances de influenciar

positivamente no método educativo serão tanto maiores ainda quanto à sua inclusão

com as questões prementes de seus alunos.

Educação critica a serviço da transformação social

Para Freire (2003), a visão de educação é realizar-se como prática da

liberdade. Com esta prática, os educandos tornam-se sujeitos livres, prática esta que

só se realiza com uma pedagogia em que o oprimido tenha condições de descobrir-

se e conquistar-se como sujeito de sua própria destinação histórica.

A educação como prática de liberdade, ao contrário daquela que é prática de dominação, implica na negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado no mundo, assim também na negação do mundo como uma realidade ausente nos homens (FREIRE,2003, p.37).

De acordo com Pavan (2004), Freire sempre lutou por uma transformação da

sociedade e sempre questionou o poder dominante. Sempre lutou por uma

sociedade mais igualitária, tanto econômica como democraticamente, no ponto

político, racial, sexual e educacional. É por isso também que é possível, em qualquer

sociedade, fazer algo institucional e que contradiz a ideologia dominante (FREIRE,

2004, p. 38).

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Para Silva (2009), ao falarmos em Educação Popular, pensamos em Paulo

Freire, que se dedicou ao tema de educar para a vida, por meio de uma educação

preocupada com a formação de um sujeito crítico, criativo e participante na

sociedade. Nestes termos, é saliente notar que o ser humano, nesta educação, é um

sujeito que não deve somente "estar no mundo, mas com o mundo", ou seja, fazer

parte desse imenso globo giratório, não apenas vivendo, mas construindo sua

própria identidade e interferindo no melhoramento de suas condições como cidadão

e buscando o direito de construir uma cidadania igualitária e justa. (...) essa

dialogação do homem sobre o mundo e com o mundo, sobre os desafios e

problemas, que se faz histórico. (FREIRE, 2003, p. 68).

A melhor forma de ensinar é defender com seriedade, apaixonadamente, uma

posição, estimulando e respeitando, ao mesmo tempo, o direito ao discurso

contrário. O Educador estará ensinando, assim, o dever de brigar pelas ideias e, ao

mesmo tempo, o respeito mútuo.

“A educação, o ensinar é um ato de amor, por isso um ato de coragem. Não

pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora,

sob a pena de ser uma farsa”. (FREIRE, 2003, p. 104).

Gadotti (2000) reconhece que no Brasil havia alguns tipos de sociedades.

Uma "sociedade fechada2”, que pertencia à sociedade, a cultura e a educação que

se discute. Também havia uma "sociedade aberta" que propunha uma educação

participativa, em que toda pessoa podia "dizer sua palavra", uma sociedade à qual

pertencia uma cultura livre. O Brasil também tinha uma "sociedade em transição", à

qual pertencia uma "consciência transitiva", em processo de libertação. “Mudar é

difícil, mas é possível e urgente” (GADOTTI, 2000, p.231).

Silva (2009) cita que o dialogo entre educador e educando para se construir a

educação, tem que sempre ter partes de cada um no outro, processo que não

poderia começar com o educador trazendo pronto do seu mundo, do seu saber, o

seu modelo de ensino e o material para as suas aulas, baseado em sua cultura e

valores. Assim, com essa concepção, conclui-se que ninguém educa ninguém e

ninguém se educa sozinho.

2Gadotti (2000),Situamos a sociedade fechada brasileira colonial, escravocrata, sem povo, reflexiva,

antidemocrática, como o ponto de partida de nossa face de transição.

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Daí que não haja ignorância absoluta, nem sabedoria absoluta. Ninguém

ignora tudo. Ninguém tudo sabe. A absolutização da ignorância, ademais e do saber,

de ser a manifestação de uma consciência ingênua da ignorância é instrumento de

que se serve a consciência dominadora para a manipulação dos chamados

“incultos”. Dos “absolutamente ignorantes” que “incapazes de dirigir-se”, necessitam

da “orientação”, da “direção”, da “condução” dos que se consideram a si mesmos

“cultos e superiores” (FREIRE, 2003, p.113-114)

Para Gadotti (2000), o diálogo consiste em uma relação horizontal e não

vertical entre as pessoas implicadas, entre as pessoas em relação. Em seu

pensamento, a relação homem-homem, homem-mulher, mulher-mulher e homem-

mundo são indissociáveis. "Os homens se educam juntos, na transformação do

mundo". Nesse processo se valoriza o saber de todos. O saber dos alunos não é

negado. Todavia, o educador também não fica limitado ao saber do aluno. O

professor tem o dever de ultrapassá-lo. É por isso que ele é professor e sua função

não se confunde com a do aluno.

Para Freire (1994), educação tradicional é aquela que identifica a educação

como um depósito bancário, ou seja, o aluno nada sabe e o professor é o detentor

do saber.

A concepção tradicional de escola se apoia em práticas situadas na

autoridade do professor. Paulo Freire, em sua obra confirmou que as práticas em

que os alunos e professores aprendem juntos são mais eficientes. O educador deve

utilizar-se de uma política pedagógica progressista e renovadora.

Para Silva (2009), o diálogo em Paulo Freire tem como premissa o

conhecimento sobre o elemento em questão; não é possível, desta forma, conversar

sobre o que não se conhece, o que configura invasão cultural. “O diálogo que não

leva à ação transformadora é puro verbalismo”. (Gadotti, 2000 p.143).

De acordo com Genova (2012), a pedagogia de Paulo Freire traz, como

ensino na base do diálogo, a liberdade que busca o conhecimento participativo e

transformador. Uma educação disposta a considerar o ser humano como sujeito de

sua própria aprendizagem e não como elemento sem respostas e sem saber. Sua

vivência, sua realidade e fundamentalmente sua forma de enxergar e ler o mundo

precisam ser considerados para que esta aprendizagem se realize. “Ninguém educa

ninguém. Ninguém se educa sozinho. Os homens se educam juntos na

transformação do mundo” (Freire, 1981 p.79).

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A proposta de Freire (2003) é antiautoritária apesar de pedagogia dirigente,

em que professores e alunos ensinam e aprendem juntos. Partindo-se do princípio

que educação é um ato de saber, professor-aluno e aluno-professor devem engajar-

se em um diálogo permanente, caracterizado por seu "relacionamento horizontal",

que não exclui desequilíbrios de poder ou diferenças de experiências e

conhecimentos. Esse é um processo que toma lugar não na sala de aula, mas em

um círculo cultural. Não existe um conhecimento "discursivo", mas um conhecimento

começando das experiências diárias e contraditórias de professores-alunos/alunos-

professores.

De acordo com Gadotti (2000), ensinar é algo intenso e ativo, em que a

questão de identidade cultural que atinge a dimensão individual e a classe dos

educandos é essencial à prática educativa progressista. Ainda o autor salienta que

para Freire, educar não é a mera transferência de conhecimentos, mas sim

conscientização e testemunho de vida, senão não terá eficácia.

Para Freire (2003), ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as

possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.

Os únicos seres capazes de aprender com alegria e esperança, na convicção

de que a mudança é possível, para Freire, são o homem e a mulher.

Aprender é uma descoberta criadora, com abertura ao risco e à aventura do

ser, pois ensinando se aprende e aprendendo se ensina.

Na visão de Freire (2003), o ensino é muito mais do que uma profissão, é

uma missão que exige comprovados saberes em sua ação dinâmica de promoção

da autonomia do ser de todos os educandos.

Gadotti (2000) enfatiza que a obra "Educação como Prática da liberdade", diz

que ensinar não é uma simples transferência de "conteúdo" ao aluno passivo, é

analisar e não subestimar os saberes de experiência, o saber de senso comum, o

saber popular. Partir, sim, desse saber, o que não significa "ficar nele". É um direito

de todos: descobrir a razão de ser das coisas não deve ser privilégio de elites.

Para Medeiros (2011) as ideias de Paulo Freire são adaptadas a partir das

diretrizes de mudanças no conhecimento de homens e mulheres, que conquistavam

o ato de leitura na escolaridade tardia e, com isso, puderam sentir as ressonâncias

dos sentidos de liberdade.

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O processo de aprender e o processo de ensinar são, antes de tudo,

processos de produção de saber, de produção de conhecimento, e não de

transferência de conhecimento (FREIRE, 2004, p.135).

Esta metodologia, segundo Gadotti (2008), entre ler e libertar-se, encontra no

diálogo a essência que dá forma aos encontros de troca de saberes.

Silva (2009), contextualizando a “Prática de Liberdade” de Paulo Freire,

denota que a escola comum e tradicional transforma-se em Círculos de Cultura, o

professor como coordenador de debates e o aluno participante do grupo que, por

sua vez, impõe e incentiva toda a sistemática dos encontros também dá vida ao

diálogo que ampara e atravessa o modelo freiriano da linguagem.

Para Freire (1981), na educação libertadora, há uma relação de troca

horizontal entre educador e educando, exigindo-se, nesta troca, atitude de

transformação da realidade conhecida. Por isso, a educação libertadora é, acima de

tudo, uma educação conscientizadora, em que ao conhecer a realidade, busca

transformá-la, ou seja, tanto o educador quanto o educando aprofundam seus

conhecimentos em torno do mesmo objeto cognoscível para poder intervir sobre ele.

Ainda para Silva (2009), a pedagogia da liberdade possibilita conquistar a

leitura da palavra, ao passo que o educando se politize para a ação consciente de

mudanças sociais. Encontra no princípio dialógico a potencialização de dimensão de

entendimento em que a comunicação horizontal converge com imposição

hierárquica em discussão nivelada.

Freire (2003) sugere uma nova concepção da relação pedagógica. Não se

trata de conceber a educação apenas como transmissão de conteúdos por parte do

educador. Pelo contrário, trata-se de estabelecer um diálogo, o que significa que

aquele que se educa está aprendendo também.

Acredito que há uma troca de aprendizagem entre educador e educando. A

seu modo, cada um pode aprender, junto com outros, novas dimensões e

possibilidades da realidade da vida, sendo que nunca podemos dizer que estamos

definitivamente educados e formados. Sendo assim, a educação torna-se um

processo de formação mútua e permanente.

Segundo Freire (2003), a educação tem como objetivo libertar o educando da

realidade opressiva e da injustiça.

Em sua obra, Paulo Freire sua visão sobre utopia e o sonho. No livro

Pedagogia da tolerância, Freire (2005) refere-se sobre o sonho dele que é uma

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“sociedade menos feia, uma sociedade em que seja possível amar e ser amado”.

Ele retoma o tema sempre acrescentando alguma ideia nova. No mesmo livro, nos

diz que “não é possível sonhar e realizar o sonho se não se comunga este sonho

com as outras pessoas”.

O sonho de um mundo melhor nasce das entranhas do seu contrário. Por isso corremos o risco de tanto idealizarmos o mundo melhor, desgarrando-nos do nosso concreto, quanto demasiado, “aderidos” ao mundo concreto, submergimo-nos no imobilismo fatalista” (GADOTTI, 2008, p.350).

Para Silva (2009), a "Educação como prática da liberdade" é um processo de

desenvolvimento econômico e o movimento de superação da cultura colonial nas

"sociedades em trânsito". Nessas sociedades, qual é o papel da educação, do ponto

de vista do oprimido, na construção de uma sociedade democrática, ou "sociedade

aberta".

“Liberdade é o fim de toda revolução cultural. É uma conquista e exige uma busca permanente existente apenas no ato responsável de quem a faz". É a condição indispensável ao movimento de encontro em que estão inscritas as pessoas como seres inacabados. Para Freire, "a libertação é um parto, doloroso". Não existe educação sem liberdade de criar, de propor o quê e como aprender, herdando a experiência adquirida, criando e recriando, integrando-se às condições de seu contexto, respondendo os seus desafios, objetivando-se a si próprio, discernindo, transcendendo, lançando-se no domínio da história e da cultura (MIRANDA; BARROSO, 2004, p.634).

O que muitas vezes impede a libertação é o medo da liberdade, medo de se

ter autonomia.

De acordo com Freire (1984, p. 36), oprimidos vivem um dilema entre querer

ser e temer ser. Ao descobrirem ser oprimidos, descobrem também que não são

livres. Começa-se uma luta internamente, a vontade de serem autênticos, de

eliminar o opressor, de sair da alienação, de serem atores de sua própria vida

(autônomos), entra então em conflito com o medo da liberdade. Por isso o autor diz

que a libertação é um "parto doloroso".

Para Freire (2003), essa sociedade não pode ser construída pelas elites,

porque elas são incapazes de oferecer as bases de uma política de reformas. Só

poderá se constituir uma nova sociedade com o resultado da luta das massas

populares, as únicas capazes de operar tal mudança.

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Ainda Freire (2003), abrange a possibilidade de engajar a educação no

processo de conscientização e de movimento de massas. Desenvolve-se o conceito

de "consciência transitiva crítica", entendendo-a como a consciência articulada com

a práxis.

Freire (2003), afirma que para se chegar a essa consciência, que é ao mesmo

tempo desafiadora e transformadora, são imprescindíveis o diálogo crítico, a fala e a

convivência.

Para Silva (2009), a pedagogia de Freire caracteriza-se como um projeto de

libertação dos oprimidos. Este projeto é apontado por tomadas de posição filosóficas

muito claras e por engajamentos bem definidos.

A Educação para a construção da autonomia.

Segundo Capestrano (2013), Pedagogia da autonomia é a última obra de

Paulo Freire publicada em vida, na qual mostra propostas de práticas pedagógicas

indispensáveis à educação como forma de construir a autonomia dos educandos,

apreciando e venerando sua cultura e seu acervo de conhecimentos baseado na

experiência junto à sua individualidade.

Para Capestrano (2013), Freire nos mantém com intensas apreciações das

possibilidades que detém o sistema educacional e, no interior dele, o seu professor,

no método de mudança da sociedade. Principia seu trabalho citando a

responsabilidade do profissional de educação perante a sociedade onde o assunto

desenvolve suas atividades e o seu compromisso em contribuir com o método de

transformação.

Freire (1997), explica suas razões para analisar a prática pedagógica do

professor em relação à autonomia de ser, de saber do educando. O autor destaca a

necessidade de respeitarmos o conhecimento que o aluno tem e traz para a escola,

vendo este como um sujeito social e histórico e da compreensão de que formar é

muito mais do que simplesmente educar o educando no desempenho de destrezas.

Essa postura é definida como ética e defende a ideia de que o educador deve

buscar essa ética, à qual chama de “ética universal do ser humano”, essencial para

o trabalho docente.

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... Pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela – saberes socialmente construídos na prática comunitária... Por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a disciplina cujo conteúdo se ensina a realidade... Por que não estabelecer uma “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos ? (FREIRE,2004 p.30).

Para Silva (2009), é fundamental que o professor seja portador de uma sólida

formação política. Torna-se indispensável o conhecimento da realidade, que é o que

permite compreender aquilo que é relevante para ser ensinado e como deve ser

feito, tendo em vista os fins educativos articulados com uma realidade social

concreta.

Para Gadotti (1989), devemos nos tornar seres capazes de observar,

comparar, avaliar, escolher, decidir, romper, optar por sermos seres éticos e assim

abrir a probabilidade de transgredir a ética. Jamais se poderia aceitar a transgressão

como um direito, mas como uma possibilidade ante a qual devemos lutar e não

diante da qual cruzar os braços. “Saber que ensinar não é transferir conhecimento,

mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”.

(FREIRE, 2004 p. 47).

O livro Pedagogia da Autonomia trata de questões que, no dia a dia do

professor, continuam a instigar o conflito e o debate entre os educadores e

educadoras, o cotidiano do professor na sala de aula e fora dela, um exemplo sobre

os diálogos sobre a exclusão social.

Silva (2009) faz uma síntese sobre os capítulos do livro Pedagogia da

Autonomia onde afirma que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar

possibilidades para a sua produção ou construção” e “ensinar necessita aprender e

vice-versa”. Sobre o educador, este deve reforçar a capacidade crítica do educando

“o pensar certo” respeita os saberes dos educandos. Freire nos faz conscientes do

inacabamento como docentes e também como seres humanos. Já o autor

supracitado aborda que no último capítulo Freire acercar-se a generosidade e

competência profissional para ensinar.

Freire (2004) reafirma a necessidade de os educadores criarem as condições

para a construção do conhecimento pelos educandos como parte de um processo

em que professor e aluno não se reduzam à condição de objeto um do outro, porque

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ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria

produção ou a sua construção. Essa linha de raciocínio só existirá se formos seres

humanos com consciência de que somos inacabados, o que nos estimula a

pesquisar, perceber criticamente e modificar o que está condicionado, mas não

determinado, passando então a serem sujeitos e não apenas objetos de nossa

história.

Ainda para Freire, ensinar não é transferir conhecimento. Ensinar é preparar o

caminho para ter-se a total autonomia de quem se aprende. É fazer um cidadão

consciente de seus deveres e direitos e não um cidadão que obedece a tudo.

Finalmente, Paulo Freire tem a sensibilidade que problematiza e toca o

educador apontando para a dimensão estética de sua prática, que pode ser vista

com alegria, discernimento e naturalidade.

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CAPÍTULO 2

A IDENTIDADE E O CORPO FEMININO

“Reconhecer a importância dos sentimentos, da criatividade, da imaginação, da cultura, é inseparável do reconhecimento dos sujeitos humanos e do seu papel”.

Severino Antônio

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Neste segundo capítulo irei abordar a figura feminina na sociedade desde a

antiguidade até os dias de hoje. Os direitos adquiridos, o papel da mulher na

sociedade e a cultura do corpo feminino, a importância da atividade física na saúde

feminina e a violência contra mulher.

A IDENTIDADE E O CORPO FEMININO

Cultura, corpo e subjetividade

A cultura, embora possa ser definida de várias formas, exprime os diferentes

modos de organização da vida social, referindo-se tanto à humanidade como um

todo quanto às nações, às sociedades e aos grupos sociais.

A cultura é o complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das

instituições e de outros valores espirituais e materiais transmitidos coletivamente e

característicos de uma sociedade (FERREIRA, 1986 p.508).

Portanto, é o modo como os indivíduos se comportam e expressam seus

valores, suas crenças e seus saberes, em um determinado período histórico.

De acordo com o dicionário Ferreira (1986), cultura é o resultado final das

atitudes, ideias e condutas compartilhadas e transmitidas pelos membros de uma

determinada sociedade, juntamente com os resultados materiais dessa cultura, isto

é, as invenções, os métodos de investigação do ambiente e o acúmulo de objetos

manufaturados.

Assim, a cultura se refere aos modos de vida de qualquer sociedade, cujos

costumes de conduta, comportamentos e formas de pensar são compartilhados e

transmitidos pelas pessoas que a compõem e passados de uma geração a outra.

Porém, nem toda característica de conduta particular de cada indivíduo deve ser

considerada como elemento da cultura, pois somente com o decorrer do tempo e de

sua incorporação é que tais peculiaridades passam a fazer parte da cultura de um

povo, isto é, quando se tornam mais pertinentes e são transmitidas para os seus

demais membros.

Segundo Ferreira (1986) o modo de vida das pessoas que constituem uma

sociedade representa a forma como é construída sua cultura, pois ela compreende

reações, características e maneiras de conduta de cada indivíduo em diversas

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situações. Ou seja, os detalhes de conduta que são comuns a todos os sujeitos

formam o modo de viver da cultura e das pessoas, mas tais características não são

suficientes para definir uma cultura, pois se deve, também, levar em conta o seu

período histórico.

Boris e Cesídio (2007) afirmam que, no século XVIII, cultura significava um

valor que se adotava, mas a que apenas alguns poderiam almejar, ou seja, era algo

que se confundia com a educação intelectualizada, adquirida por meio de leituras de

romances e de poesias, reservada excepcionalmente aos homens superiores, ou

seja, àqueles que tinham condições financeiras de adquirir livros e jornais. No século

XIX, à medida que as pessoas tinham mais acesso a este tipo de expressão

intelectual, a cultura passou a ser considerado um valor comum, pertencente às

diferentes sociedades, ideologias e classes sociais, referindo-se também à classe

trabalhadora e aos indivíduos que a ela pertenciam.

Ainda segundo os autores supracitados, uma das formas de compreender as

mudanças culturais subsequentes é entender que, na sociedade patriarcal, gerada

no período colonial, o homem tinha o direito de controlar a vida da mulher como se

ela fosse sua propriedade, determinando os papéis a serem desempenhados por

ela, com rígidas diferenças em relação ao gênero masculino. O homem tinha o dever

de trabalhar para dar sustento à sua família, enquanto a mulher tinha diversas

funções: de reprodutora, de dona-de-casa, de administradora das tarefas dos

escravos, de educadora dos filhos do casal e de prestadora de serviços sexuais ao

seu marido.

Desenvolvimento Histórico da Mulher na Sociedade

Nas sociedades patriarcais, as mulheres eram submissas aos seus maridos,

ou seja, o chefe da família sempre foi a figura masculina, sendo quem exercia o

poder sobre a mulher e seus bens. A mulher era considerada incapaz em todos os

sentidos.

Ainda na antiguidade, a lei era regida pelos costumes e, para que houvesse

uma igualdade entre classes sociais, foi necessária a luta entre as diversas

categorias dessas classes sociais.

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Em 1916 foi criado o Código Civil Brasileiro legitimando o casamento, o qual

era indispensável e mantinha-se sob a proteção do estado. Este Código defendia o

patriarcalismo autoritário, em que o marido era o chefe da sociedade conjugal. A

mulher era tida como uma auxiliar doméstica do homem, relativamente incapaz.

Segundo Apolinário e Arnoni (2007), pensadores que discursam sobre a Carta

Magna Brasileira (1988), em que o Estado passa a dar mais importância ao grupo

família e não mais ao casamento como elemento fundamental de legitimação da

família, mudando assim o conceito de Direito de família. Ainda no mesmo ano, a

Constituição Federal acoplou duas gerações de direitos: na primeira, os individuais

(liberdade) e na segunda geração, os direitos sociais (igualdade). Por algum tempo,

considerou-se que tais gerações eram incompatíveis, pois a liberdade não poderia

se coadunar com a igualdade e não comportaria, simultaneamente, esses direitos

fundamentais às mulheres.

Mais tarde surgiram mais duas gerações: a dos direitos de solidariedade e a

dos direitos Biomédicos.

Toda essa geração de direitos foi consolidada pela Lei 7.347/85, a qual trazia,

entre outros, os direitos das mulheres, levando em conta os prejuízos que a violação

desses direitos pode causar a todos os cidadãos conjuntamente.

A situação de desigualdade entre homens e mulheres, mesmo que

amenizada pela Constituição de 1988, foi bastante alterada com o surgimento do

Código Civil de 2002.

Com a nova Lei Civil, a mulher ficou mais equiparada legalmente ao homem.

A igualdade constitucional de mulher

Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações perante a

Constituição.

À mulher é assegurado o direito à igualdade de condições de trabalho, de

bem-estar físico e moral, de proteção à maternidade, à licença gestante, a salários

compatíveis, a direitos políticos e à livre concorrência a cargo em qualquer

seguimento da sociedade. Mas para todas essas conquistas foi travada uma luta

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social intensa que se estende até os dias de hoje, já que muitos desses direitos não

são respeitados, principalmente no que diz respeito à integridade física da mulher.

Por isso, atualmente, foi promulgada uma lei para coibir a violência contra a mulher,

a Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, que estabelece medidas de assistência e

proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Todas as mulheres gozam dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo lhe assegurada as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservando a saúde física e mental além de seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. Esta lei também eleva os prejuízos causados pela violência psicológica e à autodeterminação (BRASIL, 2006 – art. 2º).

Apesar de, ao longo dos anos, a sociedade tentar amenizar as desigualdades

entre homens e mulheres, ela contribui com divisões entre eles.

A desigualdade racial e sexual pode ter um efeito mais separatista do que outras formas de desigualdade, além de contribuir para desesperanças entre membros de grupos inferiores, uma vez que suas ações ou a sua raça não é produto de suas ações, nada havendo que possam fazer para mudar tal estado de coisas (SINGER, 2002 p. 54).

Direitos conquistados

Cabe à sociedade e aos legisladores impedir que situações de disputa

idênticas entre homens e mulheres sejam tratadas de forma diferenciada na

aplicação das leis e atos normativos, manter a igualdade, sem levar em

consideração os fatores ligados ao sexo, à religião, à classe social ou à etnia.

Dentre vários direitos conquistados pelas mulheres nesse último século estão:

Direito de votar e ser votada;

Direito de participar da formulação de políticas governamentais e de

organizações não governamentais voltadas para a vida pública e política;

Igualdade perante a lei;

Direito ao trabalho com igualdade de oportunidade e de salários em relação

aos homens;

Igualdade de planejamento familiar;

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Direitos e responsabilidades iguais no casamento;

Direito de decidir livremente o número de filhos e espaçamento entre eles, e

de ter acesso à informação, educação e meios para tanto;

Direito de controlar sua própria fertilidade;

Direito de que se respeite a sua vida;

Direito de que se respeite a sua integridade física, mental e moral;

Direito à liberdade e à segurança pessoal.

A construção da subjetividade e do corpo da mulher

A subjetividade, segundo Rolnik (1997), é o perfil de um modo de ser – de

pensar, de agir, de sonhar, de amar etc. – que delimita o interior e o exterior do ser

humano. A subjetividade é resultado da interação do indivíduo com as influências

socioculturais, sendo modelada de acordo com os comportamentos, com os valores

e com os sistemas econômicos e políticos de cada sociedade.

Para Rolnik (1997), o sujeito constrói a sua subjetividade na relação com o

mundo e com os outros indivíduos, todos inseridos em um mesmo contexto e em

determinado período sócio-histórico. No processo de construção da subjetividade,

são incorporados, a partir da influência da cultura, modos de linguagem, hábitos e

costumes e padrões de comportamento e de valores, inclusive modelos de

apreciação estética, isto é, do que é belo ou feio, principalmente com relação ao

corpo. Tal construção é fruto do que apreendemos na família, na escola, com os

amigos e por meio dos meios de comunicação.

A mídia impõe padrões estéticos, éticos e políticos, influenciando, cada vez

mais, especialmente hoje em dia, a existência do sujeito, e atingindo, assim, a sua

subjetividade, por meio de suas mensagens. Ela usa suas estratégias de "marketing"

para criar desejos, anseios e angústias, a fim de que os sujeitos consumam o que

lança no mercado.

Segundo Rolnik (1997), a subjetividade também é construída a partir do que é

transmitido pelos meios de comunicação de massa, fazendo com que, no caso das

mulheres, elas construam suas "verdades" por meio do que as toca e com o que se

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identificam na mídia. A mulher, assim, também assume um modo de existir

excessivamente flexível para se adaptar ao mercado globalizado, adquirindo novos

hábitos, novos valores, novos modelos, novas posturas etc.

Desta forma, podemos perceber a articulação entre a subjetividade da mulher,

seu corpo e a mídia, por meio do que Freire (1994) denominou de relação "opressor-

oprimido", na qual os oprimidos – no caso, as mulheres – num dado momento de

sua experiência existencial adotam uma atitude de "adesão" em relação ao opressor.

A mulher, na busca da beleza de seu corpo, está na condição de oprimida

com relação à mídia, que lhe impõe novas formas de existir e de se relacionar no

mundo. A mulher oprimida pela mídia consome produtos dos mais diversos tipos

para se sentir inserida no que impõe a mídia opressora. Isto não significa,

necessariamente, que ela não tenha consciência de que está sendo dominada e

seguindo modelos impostos pela mídia, mas de que somente ela pode se libertar de

tal relação ou amenizá-la.

Rolnik (1997) considera que a excessiva valorização da beleza da mulher

pode mesmo contribuir para provocar distúrbios alimentares por meio de dietas e de

exercícios físicos, podendo desenvolver sintomas psicopatológicos, como

depressão, ansiedade ou melancolia, dentre outros, estando o bem-estar de seu

corpo diretamente relacionado à sua forma de lidar com as exigências da sociedade.

Também pode vir a apresentar alterações de humor, isolamento social, retraimento

etc., como formas de sobreviver num contexto de inadequação, especialmente entre

mulheres e jovens, devido ao culto à beleza padrão, que está associada à imagem

de poder e de beleza.

O ideal de corpo imposto pela sociedade faz com que muitas mulheres fiquem

extremamente insatisfeitas com o próprio corpo, se sentindo feia por ter alguns

quilos a mais e acaba adotando medidas radicais para se enquadrar á esse ideal.

leva a mulher a uma insatisfação crônica com seu corpo, odiando-se por alguns

quilos a mais e adotando medidas radicais para corresponder ao modelo cultural. Se

uma mulher não se sente adequada a tal modelo que lhe impõe como regra ser

esbelta, elegante etc., podendo até mesmo vir a desenvolver anorexia e bulimia.

Desta forma, a construção do corpo feminino está ligada ao modo como a mulher

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organiza sua subjetividade, pois o fato de não conseguir sua adequação ao modelo

de corpo imposto pela cultura, seja por limites financeiros, genéticos ou pessoais,

interfere na sua saúde psicológica, desenvolvendo uma maneira alternativa de

enfrentar tal situação.

Rolnik (1997) aborda que, na contemporaneidade, a mulher parece estar

muito mais submetida do que homem ao consumo de roupas, de acessórios, de

cirurgias plásticas e de academias de ginástica, dentre outros produtos, adotados

com a finalidade de se adequar ao padrão de corpo estabelecido pela sociedade

capitalista, principalmente devido ao fato de ela ser o alvo principal de propagandas

publicitárias da moda, ocorrendo uma forte pressão da sociedade com relação aos

padrões corporais femininos. A "indústria do corpo" (academias, clínicas de estética,

salões de beleza, "spas", butiques, revistas, costureiros e estilistas etc.) está a

serviço da produção capitalista que a domina, fazendo uso da ilusão de que, ao

tornar seu corpo saudável, forte e belo, a mulher se sentirá melhor e mais feliz.

A beleza almejada pela mulher, muitas vezes, está relacionada à forma como

alguém seduz o olhar do outro e como a cultura a concebe, mas, ao padronizar o

corpo, negamos a singularidade do detalhe. Reproduzir modelos já estabelecidos

significa que o ser humano perde sua originalidade e as particularidades do seu

modo de existência. Vale ressaltar que satisfazer o olhar do outro expressa tanto o

desejo da mulher quanto o do homem, pois, mesmo ela tendo sua própria vontade a

ser satisfeita, precisa da atração do homem, o que contribui para a confirmação da

sua subjetividade, do seu modo de existência e da sua individualidade como

características peculiares de sua personalidade.

Assim, a beleza é um fator intrínseco à constituição da subjetividade da

mulher, fazendo parte de sua forma de ser no mundo. Mas a subjetividade também é

um processo construído tanto social quanto histórica e individualmente, que se

modela às leis do mercado, ou seja, a novos produtos, à lucratividade, às novas

tecnologias e à obtenção de hábitos etc.. Sua submissão a tais leis pode gerar uma

despersonalização da mulher, isto é, a perda da consciência da originalidade de

suas características peculiares, de seu estilo de vida e de seu modo de se

comportar, pois sua subjetividade é construída a partir da qualidade das relações

sociais e da maneira como elas são vivenciadas, particularizadas e organizadas.

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Então, podemos perceber que, se a mulher se adequa ao modelo de corpo

induzido pela cultura, pode vivenciar um vazio existencial, isto é, obter apenas aquilo

que lhe é imposto, perdendo o que lhe é original e particular.

A importância da atividade física

Ao longo da história a atividade física sempre esteve presente na rotina da

humanidade, sempre associada a um estilo de época: a caça dos homens das

cavernas para a sobrevivência, os gregos e suas práticas desportivas na busca de

um corpo perfeito ou de cunho militar, como o exemplo na formação das legiões

romanas com suas longas marchas e treinos. Mas essa relação entre a atividade

física e o homem em sua rotina diária parece ter diminuído gradativamente ao longo

de nossa evolução.

As preocupações com a promoção da saúde cada vez mais se configuram em

prioridades nos países desenvolvidos e nos que estão ainda em desenvolvimento. E,

dentre as diversas abordagens deste tema, destacam-se as implicações do

sedentarismo como fator de risco na gênese de um conjunto de doenças

denominadas de hipocinéticas.

A atividade física sistemática sempre esteve ligada à imagem de pessoas

saudáveis e vigorosas. Durante muito tempo coexistiram duas interpretações para a

associação de saúde com atividade física. Alguns imaginavam que pessoas

geneticamente privilegiadas seriam mais propensas à atividade física, por

apresentarem constitucionalmente boa saúde, vigor físico e disposição mental.

Outros acreditavam que a atividade física poderia ser o estímulo ambiental

responsável pela ausência de doenças, boa aptidão física e saúde mental.

Na medida em que as ciências e seus inventos facilitavam nossos afazeres, o

progresso trouxe uma situação um tanto dúbia: de um lado temos a redução da

mortalidade por doenças infecto contagiosas e o aumento da longevidade; do outro,

o aumento de doenças crônicas degenerativas e a perda da qualidade de vida,

porque o fato de viver mais não indica viver melhor, destacando a importância e a

necessidade de hábitos como o cuidado com a dieta, prática de atividade física

regular, e evitar substâncias e atividades que possam acelerar a degradação do

corpo humano.

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As evidências estão aumentando e são mais convincentes do que nunca!

Pessoas de todas as idades, que estão de um modo geral inativas fisicamente,

podem melhorar sua saúde e bem-estar ao praticar atividade física moderada

regularmente. Atividade física regular reduz substancialmente o risco de morrer

de doença arterial coronariana e diminui o risco de infarto, câncer de cólon,

diabetes e pressão alta.

Como a atividade física regular pode melhorar a saúde do indivíduo?

Reduzindo o risco de desenvolver doença cardíaca coronária e as chances de

morrer disso;

Reduzindo o risco de infarto;

Reduzindo o risco de haver um segundo ataque cardíaco em pessoas que já

tiveram um ataque;

Diminuindo tanto o colesterol total quanto os triglicerídeos, e elevando o bom

colesterol, HDL;

Diminuindo o risco de desenvolver pressão alta;

Ajudando a reduzir a pressão arterial em pessoas que já têm hipertensão;

Diminuindo o risco de desenvolver diabetes tipo 2 (não dependente de

insulina);

Reduzindo o risco de câncer de cólon;

Ajudando as pessoas a conseguirem e manter um peso ideal;

Reduzindo os sentimentos de depressão e ansiedade;

Promovendo o bem-estar psicológico e reduzindo sentimentos de estresse;

Ajudando a construir e manter articulações, músculos e ossos saudáveis;

Ajudando pessoas idosas a ficarem mais fortes e serem mais capazes de

moverem-se sem cair ou ficar excessivamente cansadas.

Violência Doméstica X Autonomia

Segundo Souza (2008), a violência doméstica contra as mulheres é um tema

bastante atual e que atinge milhares de mulheres no mundo, isso se deve a

desigualdade nas relações de poder entre homens e mulheres, assim como a

discriminação de gênero presentes tanto na sociedade como na família. Porém,

sabemos que esta questão não é recente, estando presente em todas as fases da

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história, mas, com a constitucionalização dos direitos humanos, a partir do século

XIX, a violência passou a ser estudada com maior profundidade e apontada por

diversos setores representativos da sociedade, tornando-se, assim, um problema

central para a humanidade, bem como um grande desafio discutido e estudado por

várias áreas do conhecimento enfrentado pela sociedade contemporânea.

No Brasil, em 07 de agosto de 2006, com a entrada em vigor da Lei nº 11.340,

conhecida como “Lei Maria da Penha” este tema ganhou maior relevância, pela

merecida homenagem à mulher que se tornou símbolo de resistência a sucessivas

agressões de seu ex- companheiro.

Para Ritt, Cagliari e Costa (2011), a violência é concebida como um fenômeno

socialmente construído, representada de forma diferente entre as sociedades e entre

os grupos de uma mesma sociedade. No contexto das mudanças culturais

provocadas pela sociedade pós-industrial, a família reconfigurou seus papéis com

uma distribuição desigual de autoridade e poder e uma maior fragilidade de diálogo.

Souza (2008) ressalta que, para chegar ao ponto principal (violência

doméstica), é necessário examinar a origem dessa violência suas características e

quais os possíveis fatores que causam essa “violência de gênero”.

Ainda para Souza (2008), as violências baseadas no gênero são decorrentes

das relações entre mulheres e homens, e geralmente é praticada pelo homem contra

a mulher, mas pode ser também da mulher contra mulher ou do homem contra

homem. Suas características fundamentais são culturalmente construídas nas

relações de gênero em que o masculino e o feminino determinam genericamente a

violência.

A violência doméstica não é marcada apenas pela violência física, mas

também pela violência psicológica, sexual, patrimonial, moral, dentre outras que em

nosso país atingem grande número de mulheres, as quais vivem estes tipos de

agressões no âmbito familiar, ou seja, a casa, espaço da família, onde deveria ser “o

porto seguro”, considerado como lugar de proteção, passa a ser um local de risco

para as mulheres.

Os atos de violência ocorrem quando os homens não utilizam recursos como a palavra, o diálogo e a argumentação. Quando as pessoas se utilizam desses instrumentos, observa-se que o mundo continua seguro e tranquilo, mas, se elas os abandonam, ocorre uma transformação na realidade. O

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violento é aquele que age de forma direta, sem intermediários, dispensando qualquer consideração com outras pessoas. Na violência os fins e os meios não possuem qualquer legitimação, pois não são aprovados nem pela moralidade nem pelas leis (RITT, CAGLIARI, COSTA, 2011, p. 04).

Para Guedes e Fonseca (2011), a autonomia é entendida como a capacidade

de ter as condições concretas que permitem às mulheres tomar livremente as

decisões que afetam as suas vidas e o poder de agir segundo tais decisões, sendo

condição para uma vida saudável, social e política.

Segundo diretrizes da ONU – 2005, autonomia é entendida:

O grau de liberdade que uma mulher tem para poder agir de acordo com a sua escolha e não com a de outros. Nesse sentido, existe uma estreita relação entre o ganho de autonomia das mulheres e os espaços de poder que possam instituir, tanto individual como coletivamente (ONU, 2005).

Segundo Guedes e Fonseca (2011), a conquista da autonomia do corpo

feminino, é percebida como o controle sobre a sua própria vida e o corpo com o

direito a uma identidade independente e ao autorrespeito, é precedida de duas

condições: uma delas é a consideração das necessidades e interesses de homens e

mulheres pelas políticas sociais para atingir a equidade de gênero; a outra é apoiar

estratégias que tenham como objetivo o fortalecimento e empoderamento feminino.

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CAPÍTULO 3

O CORPO FEMININO: VOZES DA SUPERAÇÃO

“Sem poesia, muitos continentes de vida e de linguagem permanecem apenas latentes, não se tornam vir-a-ser. Sem a dimensão poética, muito do que realmente somos e podemos ser não se transforma em história vivida, em atos de criação do texto da própria existência”.

Severino Antônio

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Este capítulo disserta sobre aspectos metodológicos da pesquisa. Também

irei realizar uma narrativa sobre minha experiência profissional como professora da

rede municipal, vinculada à Secretaria de Cultura de Mogi Guaçu/SP, trabalhando

com oficinas voltadas para trabalhos com o corpo feminino, sendo estas voltadas

para um público em situação de risco social. Falarei da experiência e vivência com

essas alunas e suas histórias de vida.

O CORPO FEMININO: VOZES DA SUPERAÇÃO.

Sou Professora da Rede Municipal, de Oficina do Corpo (Expressão Corporal

e Ginástica), onde trabalho com 80 mulheres. Nesta oficina podem participar

mulheres acima de 15 anos. Meu público alvo sempre foi uma população mais

elitizada. Hoje, trabalho com dois públicos bastante opostos. Centro Cultural, centro

da cidade, onde a população que frequenta é de classe média alta; e CAIC (Centro

de Atendimento Integral a Criança e ao Adolescente), um bairro periférico, de

“extrema pobreza”, da cidade de Mogi Guaçu/SP.

O tema escolhido é fruto do meu trabalho social e educativo. Desde 2004,

saio da minha zona de conforto e vou para uma população de mulheres que vivem

em risco social, mulheres estas muitas vezes tratadas como indivíduos submissos,

sem autonomia.

Abordarei alguns riscos sociais, como violência doméstica, o alcoolismo, o

uso das drogas, a depressão e a obesidade, fatores de grande relevância social e

problemas abordados no diálogo do exercício da prática de atividade física, do

despertar da consciência feminina e da autonomia.

Metodologia

Este trabalho trata-se de um estudo de cunho qualitativo e pesquisa

participante. Primeiramente, foi realizado um levantamento da literatura sobre o

assunto, nos últimos 10 anos. A principal referência teórica em educação foi o

pensamento pedagógico de Paulo Freire. Foram utilizadas também referências nas

bases de dados eletrônicos utilizando-se como descritores as palavras: “Educação

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Sociocomunitária”, “Mulher”, “Consciência Corporal”, “Autonomia”. Além disso,

utilizei fontes literárias, textos obtidos online, arquivos eletrônicos, artigos de

periódicos não indexados da área da educação, além de revistas eletrônicas

indexadas.

Aspectos Éticos

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê Acadêmico do Curso de Mestrado em

Educação do Centro Universitário Salesiano de São Paulo – Campus Maria

Auxiliadora, Americana/SP.

A participação na pesquisa foi de caráter voluntário. Todas as alunas

manifestaram o desejo de participarem do estudo. Sendo assim foram respeitadas

suas vontades, porém, para que as alunas não fossem rotuladas, dentro da oficina

de corpo feminino, utilizei pseudônimos, conforme a casuística de cada

problematização social elencada para compor a análise do estudo.

Foram, então, sujeitos da pesquisa mulheres que concordaram em participar

do estudo após assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).

O Instrumento da coleta de dados

O instrumento de coleta de dados foi composto por entrevista

semiestruturada, com perguntas abertas e com roteiro de observação contendo

questionamentos sobre a consciência de ser mulher, a busca da autonomia do corpo

feminino e a superação das problematizações sociais em que vivem relacionando a

consciência retomada destes imperativos nos seus respectivos lares. Assim elaborei

as seguintes indagações:

1- Por que e como chegou até as aulas de Oficina Corporal?

2- O que é ser Mulher?

3- Em que nossos encontros contribuem em sua vida?

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Caracterização do local da Coleta de Dados:

Trata-se de um bairro originalmente chamado de Vila Miranda. Atualmente

Santa Terezinha I e Santa Terezinha II, foi uma das regiões que mais cresceu nos

últimos anos.

Ele foi formado por pessoas vindas do Paraná, principalmente, após o término

dos anos dourados do estado como produtor de café.

Com a política de casas populares em crescimento nesta cidade, os dois

núcleos habitacionais - Santa Terezinha I e Santa Terezinha II - trouxeram esses

trabalhadores braçais, sem formação profissional ou acadêmica a se instalarem na

cidade e buscarem a roça como seu sustento.

Isso fez com que a cidade sofresse, a princípio, com a violência, pois muitas

pessoas sem ocupação se instalaram também no bairro.

Aos poucos, escolas foram se instalando na região, como o CAIC (Centro de

Atendimento Integral à Criança e ao Adolescente), por exemplo, e as coisas foram

acomodando, transformando a região.

Ainda é um lugar rico em migrantes. Está situado na zona norte, que ainda é

a que mais cresce demográficamente e em população na cidade.

O perfil da população ainda é o mesmo: carente de cultura, de formação, e

famílias com muitos filhos, principlamente sem a figura masculina na casa.

A Administração Municipal tem que estar sempre atenta para a região, pois

socialmente foi e é a mais carente.

Segundo pesquisa do IBGE (2013), Mogi Guaçu, São Paulo:

População estimada em 2013: 144.963

População residente homens: 68.094

População residente mulheres: 69.151

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Valor do rendimento nominal mediano mensal per capita dos domicílios particulares

permanentes – Urbana: R$ 625,00.

Valor do rendimento nominal médio mensal dos domicílios particulares permanentes

com rendimento domiciliar, por situação do domicílio – Rural: R$ 2.017, 76.

Valor do rendimento nominal médio mensal dos domicílios particulares permanentes

com rendimento domiciliar, por situação do domicílio – Urbana: R$ 2.670, 04.

Sustento da cidade: Comércio e Indústria

O comércio de Mogi Guaçu é independente e um polo comercial e fluente da região

da Baixada Mogiana. São mais de sete mil lojas de comércio e serviços, contando

com diversas redes de franquias nacionais e internacionais e várias redes de

varejistas concentrada na região central da cidade.

Número de empresas atuantes em 2011: 4.307

Sujeitos da Pesquisa

Os sujeitos da pesquisa são da cidade de Mogi Guaçu e do bairro Santa

Terezinha I onde se localiza o CAIC (Centro de Atendimento Integral a Criança e ao

Adolescente), onde as aulas de Oficina do Corpo se realizam. Foram escolhidas

quatro mulheres, com idade entre 34 e 52 anos, moradoras nos bairros periféricos

da cidade de Mogi Guaçu/SP.

A Vivência Educacional das Nuanças Florais

Durante as aulas, a relação de professora e alunas era mais do que uma

simples aula. Eu queria mais, pois, por várias vezes pude perceber que algumas

mulheres chegavam às aulas com hematomas, chorando, acuadas, caladas.

Sempre que havia duas faltas consecutivas, eu ia até a casa da aluna para saber o

motivo das faltas. Nem sempre conseguia a resposta verdadeira. Então resolvi

executar algumas atividades para aos poucos conquistar a confianças das mesmas.

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A cada quarenta e cinco dias fazíamos um café da manhã reunindo todas as

alunas do CAIC (Centro de Atendimento Integral a Criança e ao Adolescente), para

que houvesse mais integração e que o convívio social se ampliasse com novas

amizades.

Além do café da manhã, duas vezes ao ano eu as levo para um passeio,

sendo um no primeiro semestre e outro no segundo semestre. Nestas viagens levo

todas as alunas e seus filhos, ou seja, as alunas do Centro Cultural e as alunas do

CAIC (Centro de Atendimento Integral a Criança e ao Adolescente), para que

possam ter trocas de experiência e de cultura. Como algumas não têm condições

financeiras para levar ou comprar seus lanches, peço à Secretaria de Educação

(Divisão de Alimentação Escolar), ingredientes para tortas de frango e bolos gelados

(bolo com cobertura de leite condensado e côco ralado), que as merendeiras do

CAIC (Centro de Atendimento Integral a Criança e ao Adolescente), fazem com

muita alegria, pois as mesmas conhecem meu trabalho.

As alunas do Centro Cultural que têm uma condição financeira melhor levam

seus próprios lanches, com isso fazem a troca com os lanches que as merendeiras

fazem para as alunas do CAIC. Assim, mais uma vez é feita a troca de suas

vivências, realidades e conhecimento dos diversos tipos de alimentos.

Nestas viagens, já fomos para o Zoológico de São Paulo; Zoológico de

Americana; Bosque, Zoológico, Aquário e Museu de Campinas; Aquário de São

Paulo e Museu do Ipiranga, em São Paulo; Shopping Center Dom Pedro, em

Campinas; Shopping Center Plaza Sul, em São Paulo. Dentro destes

estabelecimentos, era intrigante o olhar das mesmas ao conhecerem uma escada

rolante, os medos que sentiam e a segurança que eu passava para que as mesmas

descessem ou subissem comigo; ao andar em elevadores, como foi curiosa as

expressões fisionômicas. Também foi engraçado quando uma aluna entrou no

sanitário e passou sabonete líquido nos cabelos achando que era gel para cabelos.

Enfim, não são de conhecimentos de seu dia a dia.

Para as alunas do CAIC (Centro de Atendimento Integral a Criança e ao

Adolescente), a cada dois meses ou conforme a necessidade levava e ainda levo

profissionais de várias áreas, como Psicóloga, Nutricionista, Delegada da Mulher

(que abordou o assunto da Lei Maria da Penha), Médicos, Dentistas e Assistente

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Social, para uma palestra. Após a mesma é servido um café da tarde com bolos,

bolachas, patês, chás e sucos.

Todos os anos, no mês de setembro, minhas alunas do CAIC, vão à minha

casa e comemoramos, juntamente com seus filhos, meu aniversário. Neste dia

fazemos almoços, elas brincam na piscina, contam suas histórias. O aniversário é

comemorado com muita alegria e muito carinho entre elas, seus filhos e mim.

Através destes momentos, posso conhecê-las melhor, me dedicando,

conquistando-as, adquirindo confiança das mesmas, disponibilizando-me de tempo e

dedicação de muito carinho para que pudesse ajudá-las. Após estas ocasiões, elas

começaram a me ver com outros olhos e começaram a confidenciar suas

ocorrências em seus lares.

Como são vários os problemas desta comunidade, me dediquei

especificamente às que correm riscos sociais. Todo meu estudo e trabalho são feitos

com todas as 80 alunas, porém para esta pesquisa, escolhi quatro mulheres que

vivem esses riscos.

Aos poucos fui encaminhando cada uma, conforme sua necessidade a

profissionais específicos, como CAPS (Centro de Atenção Psicossocial). Para

alcoolismo e drogadição; psicóloga e endocrinologista, para as depressivas e

obesidade, Assistente Social e Advogado (da OAB) para a aluna alcoólatra que ficou

sem um teto, sem um lar para morar.

Um fato bastante interessante foi quando adoeci em 2011. A minha maior

alegria foi um dia ser surpreendida com todas as minhas alunas do CAIC para um

café da tarde em minha casa, pois estavam preocupadas com minha saúde. Esta

situação só deixa a prova do que Freire diz, que sempre há uma troca entre

educador e educando, somos mais, somos uma família, somos amigas.

Após estes acontecimentos, cheguei um dia na aula e comentei que estaria

concorrendo a uma vaga para o curso de Mestrado e que gostaria que elas fossem

minha pesquisa, ou seja, relataria alguns de suas vivências no decorrer de meu

estudo. E todas aceitaram e me deram muita força para que eu conseguisse a vaga.

Algumas chegaram a fazer novena. E quando levei ao conhecimento delas que eu

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cursaria o Mestrado e que elas seriam contribuintes para minha pesquisa, fizeram a

maior festa. Todas ficaram felizes.

Com o passar dos dias, fui colocando-as em meu estudo de pesquisa e todas

cientes do que eu registrava. Para fechar meu estudo, coloquei três questões para

que respondessem, mas para minha surpresa quiseram escrever antes de

responder, para ficarem seguras do que responderiam. Após escreverem, fiz a

gravação em meu celular. As mesmas responderam olhando o que escreveram

sobre as questões.

Sobre a concepção de Walter Benjamin, os autores Clandinin e Connelly

(1995) defendem que a narrativa serve para compreender a experiência e, ao contar

para o outro, verifica-se a apropriação de saberes:

As narrativas representam um modo bastante fecundo e apropriado de os professores produzirem comunicarem significados e saberes ligados à experiência. As narrativas fazem menção a um determinado tempo (trama) e lugar (cenário), onde o professor é o autor, narrador e protagonista principal. São histórias humanas que atribuem sentido importância e propósito às práticas e resultam da interpretação de quem está falando ou escrevendo. Essas interpretações e significações estão estreitamente ligadas as suas experiências passadas, atuais e futuras. (CLANDININ e CONNELLY apud FIORENTINI, 2006, p.29).

VOZES DA SUPERAÇÃO

“A consciência do mundo e a consciência de si como ser inacabado

necessariamente inscrevem o ser consciente de sua inconclusão num permanente

movimento de busca (...)”.

(Pedagogia da Autonomia, 1997).

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Trabalho com mulheres com vários tipos de situações e condições financeiras

diferentes. Para minha pesquisa, utilizei apenas quatro mulheres que vivem em

riscos sociais, como violência doméstica, o alcoolismo, o uso das drogas, a

depressão e a obesidade.

Os nomes das alunas participantes da pesquisa foram modificados,

utilizando-se de nomenclatura de flores, tal escolha garantiu o anonimato dessas

mulheres, conforme previsto no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

(TCLE).

Amor Perfeito – Dependência de substâncias psicoativas (drogadição e

alcoolismo).

A aluna Amor Perfeito, 39 anos, casada. Moradora do bairro Santa Terezinha

I, do município de Mogi Guaçu/SP, e apresenta a composição familiar de quatro

filhos (sendo três meninas e um menino). Através das vivências percebi a situação

problema: dependência de substâncias psicoativas (drogadição e alcoolismo).

Deu início as aulas na Oficina de Corpo no ano 2006, com uma condição

Sócio-cultural familiar aparentemente muito humilde. Mora em um sobrado não

acabado e todos dormem no mesmo ambiente. Os colchões ficam no chão como

cama. Sempre estão com as contas da SAMAE (água) e ELEKTRO vencidas, muitas

vezes roubavam energia de seus vizinhos. Quando os mesmos descobrem,

desfazem o chamado “gato” e com isso sua energia é cortada, por falta de

pagamento.

Seu marido, além de trabalhar com consertos de caminhões, é considerado

traficante e receptador de carros roubados, pois segundo seus vizinhos cada dia

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aparece com um carro novo e logo o mesmo some. Apesar disso, vivem em pobreza

extrema.

Todo mês a família recebe cesta básica de sua cunhada. Mesmo assim

sempre pedem produtos alimentícios para seus vizinhos, pois sempre estão sem

dinheiro para fazer compras do mês.

Em 2006, quando iniciou as aulas, era muito comunicativa, alegre, vaidosa,

porém insegura. Sempre com uma latinha de cerveja e cigarro na mão.

Por várias vezes chegava às aulas com hematomas, mas sempre dava uma

desculpa, não contava que apanhava de seu marido. Vizinhas que também são

alunas contavam sobre as brigas e gritos durante as várias madrugadas.

Com muita paciência e dedicação fui conquistando-a, a ponto de um dia me

contar, após a aula, que seu marido a obrigava a usar drogas e ter relações sexuais

perto das crianças (pois todos dormem no mesmo ambiente com colchões no chão).

O seu medo era que as crianças acordassem e vissem. Também me disse que tem

muito medo de que a polícia saiba o que acontece em sua casa. Confirmou o que as

vizinhas já haviam me dito, referente a seu marido. O mesmo sempre a ameaça de

que, se ela comentar algo, ele acaba com a vida dela.

Ofereci-me em ajudá-la e a mesma aceitou com isso a levei para frequentar o

CAPS. Por várias vezes eu fui como sua acompanhante, mas ela não seguia as

orientações dos Profissionais, não usava a medicação exigida por eles, não

frequentava as oficinas e grupos de terapia. Dizia, sempre sorrindo, que não

precisava, pois sua preferência era a cervejinha.

Durante a pesquisa de campo, por várias vezes a aluna foi internada em

Hospital Psiquiátrico na Cidade de Itapira/SP. Sempre que possível eu e algumas

alunas visitávamos no Hospital. Neste momento ela nos recebia com alegria.

Encontrávamos uma mulher arrumada, com sobrancelhas delineadas, mãos e pés

feitos, perfumada e bem receptiva. Ela sempre fica feliz em nos ver.

Quando teve alta (na semana do dia 13 de maio de 2013), com a autorização

de seu marido, fui vê-la em sua residência, a mesma permitiu que eu entrasse. As

amigas do curso de Oficina do Corpo, ela preferiu que não entrassem, devido sua

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situação. Ficaram num ambiente que eles chamam de sala, mas não há sofás, TV

ou outros elementos de uma sala. Apenas algumas cadeiras e colchões jogados

pelo chão.

A imagem que tive foi de grande espanto e tristeza.

Ela estava no canto da cama como se fosse um bicho acuado, envolta a

vários cobertores e edredons, com forte odor.

Assim que falei com ela, abriu um leve sorriso, seus dentes todos amarelados

e com cáries... (ela não era assim), dizendo:

- Professora Mara!

Pedi para que ela se levantasse para conversarmos um pouquinho, mas seu

olhar era de pânico, desconfiança, pois tem medo de receber visitas, pois seu

marido não aceita e chega a agredi-la fisicamente. Tranquilizei-a dizendo que seu

marido havia me autorizado a vê-la.

Comentei que sentíamos sua falta, que todas estão com saudades, que todas

nós gostamos dela. Fiz com que relembrasse dos momentos bons que passamos

em aulas e pós aulas (cafés da manhã, almoços, viagens, palestras...). Neste

momento ela se soltou, e levantou-se, estava vestida com trapos no lugar de um

pijama.

Quando perguntei se ela se lembrava da pesquisa que iniciei em 2011, que

faria com algumas alunas e ela era uma delas, ela disse sorrindo e acendendo um

cigarro atrás do outro, que sim, se lembrava. Questionei se ela poderia então

responder algumas perguntas, ela pensou e começou a chorar e dizer que iriam

matá-la, a polícia iria encontrá-la e a prenderiam. Começou a ter crise nervosa,

então a tranquilizei de que nada aconteceria e se não pudesse responder eu

entenderia. Ela me abraçou (o cheiro forte de falta de banho exalou) e me pediu:

- Me ajuda! Não deixe eles me matarem! Eu vou morrer! Cuida dos meus

filhos!

Sua filha mais nova (10 anos) abraçou-a, deu um copo de água e disse para

ela se acalmar.

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Esperei que se acalmasse, coloquei-a na cama (colchão no chão) novamente

e me despedi.

Infelizmente, o comentário dos vizinhos é verdadeiro pelo que pude constatar.

Quando ela está em sua residência não dão a medicação necessária. A família não

contribui para sua melhora, pois sua geladeira tem poucos alimentos e hortaliças,

mas de cerveja está lotada. Vimos, pois sua filha pegou água na geladeira, que fica

no mesmo ambiente que a cama e o fogão. Não dão a medicação, pois enquanto

estiver com assistência médica psiquiátrica, eles usam o benefício do INSS.

Lembrar-me de como era uma aluna participativa, bonita, vaidosa, alegre, me

entristece, pois pouco pude fazer para que melhorasse e tivesse sua autonomia.

Não irei abandoná-la, não desistirei dela. Continuarei tentando de todas as

formas, ajudá-la.

Deixei passar alguns dias. Mas me incomodava a situação de que eu não

teria conseguido progressos. Então, pensei em como poderia mudar este quadro, de

que quando está em sua casa à medicação não é administrada, por tanto, não há

melhora. Resolvi ir mais uma vez até ao CAPS do bairro. Pedi para falar com a

responsável daquele núcleo e relatei o que havia acontecido e presenciado. Pedi

que se possível uma visita de uma Assistente Social, mas que não comentasse que

eu havia feito o pedido. Que agissem como se fosse prática comum dos serviços.

Esperei alguns dias e retornei a sua casa para uma nova visita. Foi onde sua

filha mais nova me relatou a visita de uma senhora do CAPS.

Pedi para que chamassem minha aluna. E ela veio até ao portão.

Para mim, esta pequena atitude onde ela sai de dentro de sua casa e vem me

receber ao portão, é um grande sucesso!!!

Contou-me da visita de uma Assistente Social, que a mesma exigiu de seu

esposo a administração da medicação, e que passaria uma vez por semana para

conferir se realmente estariam dando a medicação.

Sua aparência está melhor. Uma mulher mais segura e mais contente. Sorriu

por várias situações que comentamos ao relembrar das nossas aulas. Ela comentou

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que voltará a frequentar as aulas. Foi quando aproveitei e indaguei sobre o

questionário. Disse que ficaria feliz em saber que ela estaria contribuindo para minha

pesquisa. Ela me abraçou e disse que responderia. Perguntei se poderia ser

naquele momento e ela disse que sim. Então peguei uma folha de caderno e pedi

para que ela escrevesse da mesma forma como as outras alunas quiseram fazer.

É com grande alegria que deixo abaixo o seu registro.

QUESTIONAMENTOS:

1- Por que e como chegou até as aulas de Oficina Corporal?

2- O que é ser Mulher?

3- Em que os nossos encontros contribuem em sua vida?

RESPOSTAS

1- Vim até as aulas para cuidar do corpo, da mente. É muito bom. Foi

indicação da amiga.

2- Ser mulher é maravilhoso, poder se maquiar. Gerar um filho, ter

cabelos longos.

3- Os encontros contribuem com as amizades que a gente faz, a gente ri

das coisas bobas. Conhece o problema das outra e sempre dá um apoio. E a

professora sempre tem que ser legal, para que a aula seja produtiva.

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Lírio – Violência doméstica e depressão

A aluna Lírio, 52 anos, casada. Moradora do bairro Santa Cecília no município

de Mogi Guaçu/SP, com a composição familiar de dois filhos (sendo uma menina e

um menino). Situação Problema: Violência Doméstica e Depressão.

Iniciou-se nas aulas de Oficina do Corpo no ano 2006, com uma condição

Sócio-cultural familiar aparentemente muito humilde. Sua casa era financiada e hoje

falta menos de um ano para ser quitada. Ainda há algumas coisas para serem feitas

como, por exemplo, a pintura e o muro que ainda não está na altura adequada

(alguns lugares mais altos e outros mais baixos).

A aluna era tímida, mas aos poucos foi se ambientando e fazendo novas

amizades. Além das aulas ela começou a frequentar nossos cafés da manhã,

viagens e palestras.

Por muitas vezes chegou com marcas em seus braços e olhos roxos. Com

muito cuidado e dedicação comecei me aproximar para conquistar sua confiança.

Com o decorrer das aulas e o passar do tempo ela me relatou que era casada e

passava muitas humilhações. Seu marido a tratava pior do que uma empregada, não

a respeitava como esposa, sempre desmerecia seus serviços, comidas, cuidados

com suas roupas, com a casa, etc. Mas, na frente de pessoas conhecidas, ele a

chamava de meu amor, dava carinho, ou seja, ele camuflava o relacionamento.

Muitas vezes chegava às aulas chorando ou com ar de insônia, e os motivos

sempre os mesmos; seu marido. Um dia, sentiu-se mais confiante e pediu para

conversar comigo após as aulas. Contou-me que sempre que pedia dinheiro para

comprar comida para o almoço ou jantar, ele dava o dinheiro para sua filha guardar

no cofrinho e saía sem deixar o dinheiro, e dizia para que ela se virasse.

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Quando chegava a noite ele trazia carnes, porém para que ela preparasse a

sua marmita para o dia seguinte, para levar como almoço para seu trabalho. Para

sua filha, ele também mandava dar, mas para a esposa e seu filho mais velho, que

dessem um jeito, que fossem trabalhar.

Hoje, está com separação de corpos, porém não oficial, pois há poucos

meses descobriu que seu marido tem outra família. Com isso, ela pediu que o

deixasse a casa.

O marido ajuda financeiramente, conforme pode. Sua profissão é pedreiro e

nem sempre tem serviço, ou diz que não tem, por isso não tem um valor fixo mensal.

O filho mais velho é amasiado e ambos moram com a mãe e sua irmã. O mesmo

também ajuda nas despesas da casa.

Ela conta muito com a ajuda de um dos seus irmãos que a apoia.

Instruí que o mesmo a levasse ou procurasse ajuda de um advogado para

saber quais os direitos que ela tem. Como eles não têm condições de obter um

advogado particular indiquei a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Ela foi e

conseguiu um advogado que está cuidando de seu caso.

QUESTIONAMENTOS:

1- Por que e como chegou até as aulas de Oficina Corporal?

2- O que é ser Mulher?

3- Em que os nossos encontros contribuem em sua vida?

RESPOSTAS

1- Por indicação médica, estava depressiva.

Fui ao CAIC, tinha vários cursos, então escolhi a ginástica e não me arrependo.

2- É ser múltipla pensar e fazer tudo pra todos em pouco tempo. Estar

presente em todos os momentos com a família, filhos e amigos e ainda

encontrar um tempinho para se cuidar (marido).

Estar sempre com um sorriso no rosto quando nos procuram.

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Enfim ser mulher é padecer no paraíso.

3- No meu caso contribuíram muito, as aulas são muito boas, volto pra casa

muito bem. Conquistei novas amizades, com o tempo fomo-nos

conhecendo melhor e trocando experiências isso me fez muito bem.

Hoje não tomo medicamento melhorei muito mesmo.

Sem contar que temos uma professora “10” se tornou também nossa amiga.

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Obs.: No segundo questionamento a aluna ao responder escreveu a palavra marido

e logo após rabiscou.

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Dama da Noite – Dependência de substância psicoativa (alcoolismo).

A aluna Dama da Noite, 49 anos, estado civil divorciada. Moradora do bairro

Vila Leila, no município de Mogi Guaçu/SP, com a composição familiar de dois filhos

(sendo uma menina e um menino). Situação problema: dependência de substância

psicoativa (alcoolismo).

Iniciou-se nas aulas de Oficina do Corpo no ano 2004, com uma condição

sócio-cultural familiar aparentemente muito humilde. Hoje sua situação sócio-cultural

é paupérrima.

Quando começou a frequentar minhas aulas ela era casada. Sempre chegava

para as aulas cheirando pinga. Ninguém gostava de ficar próxima a ela.

Quando chegava sem o álcool ela não tinha equilíbrio, nem controle dos

movimentos e ficava muito chata, importunava as colegas. Logo ela saia da aula, ia

até a padaria próxima à escola e voltava cheirando novamente a pinga. Pronto, fazia

as aulas normalmente, ou seja, como uma pessoa que não utiliza deste artifício.

Por várias brigas verbais e algumas chegando à agressão, os vizinhos por

várias vezes acionavam a Polícia (por parte dela devido à bebida). Seu marido pediu

a separação, pois várias vezes ela ameaçou a matá-lo, com a faca na mão. Ele saiu

de casa. Depois de alguns meses ela descobriu que há anos seu marido não pagava

as prestações de financiamento de sua casa; estava em débito com a Caixa

Econômica, com isso após um ano sua casa foi a leilão.

Devido a sua condição de saúde e dependência, perdeu a guarda do filho,

que era menor de idade, assim que se separaram.

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Após me relatar o fato das discussões e brigas em seu lar, ficava nervosa e

muitas vezes tinha crises em sala de aula. Então eu a colocava em meu carro e

levava-a ao CAPS, ela passava por atendimento médico e era medicada, então a

levava para sua residência.

Depois da separação, começou a receber pensão alimentícia. Recebeu até o

ano de 2012, pois na época em que separaram o Juiz deu um prazo para que a

mesma começasse a trabalhar. Mas não é possível, pois está bastante debilitada.

Hoje, mora com uma pessoa do sexo masculino (não como casal, apenas um

favor) que conheceu durante o tratamento no CAPS. É uma casa de fundos. Ela não

tem condições de trabalhar, pois o álcool a debilitou tanto na coordenação, quanto

psíquico. Depende da ajuda de pessoas com alimentos. Na maioria das vezes são

as próprias alunas da Oficina do Corpo que a ajudam.

Levei-a para a Assistente Social do bairro para que desse um auxílio, com

uma cesta básica ou algo que pudessem fazer para ajudá-la, mas a mesma indicou

morar em um albergue.

Auxiliei e levei-a até a OAB, pois a aluna não tem condições de ter um

advogado particular. Estamos tentando que volte a receber a pensão alimentícia,

mas seu ex-marido contesta, por ela estar morando com um homem.

Estamos também tentando aposentá-la, assim terá como pagar um aluguel,

mesmo que pequeno, mas que tenha condições humanas. Também estamos

tentando que continue com o direito ao plano de saúde de seu ex-marido, por não

ter condições de trabalhar. Ela tem uma carta de um Neurocirurgião que comprova

sua incapacidade de trabalhar e se auto sustentar.

Muitas vezes fazemos uma arrecadação entre as alunas para que ela possa

pagar o carnê do INSS. Além de minhas aulas (Oficina do Corpo) ela voltou a

frequentar o CAPS (onde a levei por várias vezes, após crises em sala de aulas).

Frequenta quatro dias da semana. Neste local faz acompanhamento com Psicólogo

e Psiquiatra. Faz atividades como trabalhos manuais, teatro, cinemas culturais, entre

outras. Nestes dias, é onde faz sua única refeição.

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Sua filha é casada, trabalha registrada em uma loja do Shopping da Cidade,

não ajuda sua mãe financeiramente e tão pouco permite que a mesma more com

ela.

Seu filho hoje é maior de idade, começou a trabalhar registrado há seis

meses e também não a ajuda.

Ela se sente rejeitada, principalmente porque seu filho chama de mãe a atual

esposa do seu ex-marido, que era sua melhor amiga.

Na semana de 05 de agosto de 2013, eu a levei para uma entrevista com uma

Assistente Social de uma Casa Abrigo, ou casa de recuperação, onde internam

pacientes usuários de drogas, seja ela qual for. Esta Instituição é da Igreja Católica e

estão dispostos em ajudá-la com a moradia, pois continuará em tratamento no

CAPS, não tendo assim que ir morar no Albergue.

QUESTIONAMENTOS:

1- Por que e como chegou até as aulas de Oficina Corporal?

2- O que é ser Mulher?

3- Em que os nossos encontros contribuem em sua vida?

RESPOSTAS

1- Através da EMIA (Escola Municipal de Iniciação Artística) e para ser feliz

através da Ginástica. Por ordem médica, por ter colesterol e triglicérides alterados,

depressão crônica, e por ser alcoólatra.

2- Ser mulher é ser tudo de bom, pena que às vezes as pessoas nos

confundam com coisas más.

3- Pela nossa saúde, pela nossa mente que através de nossos amigos temos:

carinho da Professora e todas que ficamos juntas nos divertimos muito através da

ginástica.

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Obs.: A aluna, ao responder o primeiro questionamento, escreve e depois rabisca

a resposta.

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Vitória Régia – Obesidade Mórbida.

A aluna Vitória Régia, 34 anos, solteira. Moradora do bairro Santa Helena no

município de Mogi Guaçu/SP, com a composição familiar de quatro filhos, sendo três

meninas, sendo duas adotivas e um menino. Situação Problema: Obesidade

mórbida.

Iniciou-se nas aulas de Oficina do Corpo no ano de 2010, com uma condição

sócio-cultural familiar aparentemente muito humilde, porém demonstra não aceitar

sua condição financeira.

Sempre faz comentários que seu pai tinha muitas terras, alqueires, que ele

tinha problemas psiquiátricos e que, dois dias antes de ser internado, ele bateu em

sua mãe e os vizinhos chamaram a polícia. Quando a mesma chegou, seu pai

pegou uma arma que estava sem munição, mas os policiais atiraram e o mesmo

veio a óbito.

Questionei-a sobre as terras e ela me disse que já fazia mais de 30 anos e

seu pai tinha muitos filhos. O Juiz colocou à venda as terras, mas ela não sabe, pois

era pequena e não se lembra. Sua mãe, quando viva, nunca comentou nada.

Relatou-me que após a morte de seu pai, sua mãe foi morar com um moço

que tinha apenas dezoito anos, e o mesmo a estuprou quando ela tinha oito anos.

Ele a tratou como sua mulher até seus dezoito anos, ou seja, ela foi abusada por

dez anos e calou-se por medo da reação de sua mãe, pois o mesmo dizia que a

mataria se ela contasse a alguém.

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Sempre faz comentários fora de sua realidade, como comprar aparelhos de

ginástica que custam por volta de R$ 2.500,00, ou que fará academia particular, uma

das mais caras da cidade.

Trabalhava como ajudadora de uma senhora, que veio a falecer, portanto está

desempregada, com isso está recolhendo nas ruas materiais para reciclagem, que

vende para poder comprar alimentos. Todos os dias que vai às aulas de Oficina do

Corpo, o pai de seu filho mais novo e as outras filhas a leva de carro e fica

esperando por ela.

Quando começou a fazer as aulas, sentia muitas dificuldades ao realizar

alguns exercícios. Não acompanhava o ritmo das aulas e das alunas. Sua obesidade

não é empecilho para frequentar as aulas, pelo contrário ela está sempre animada, é

presente nas aulas e ainda motiva as colegas.

Lê e comenta sobre os informativos que levo às aulas, sobre diversos

assuntos, tais como alimentação adequada, a importância de caminhadas,

importância de atividades físicas, exercícios novos, reportagens que são impressas

de revistas que falam do corpo feminino, etc.

Seus exercícios eram bastante limitados, por isso, na maioria deles eu tinha

que adequar os exercícios, para que ela pudesse realizar, passava um exercício

similar ao que estava sendo proposto.

Desde que começou a fazer aulas não perdeu muito peso, ou seja, sua meta

proposta pelo médico ainda não foi alcançada, porém os exercícios propostos estão

sendo realizado com mais habilidade e disposição. Sua qualidade de vida melhorou

muito. Seus exames médicos estão ótimos, porém continua na luta pelo

emagrecimento.

QUESTIONAMENTOS:

1- Por que e como chegou até as aulas de Oficina Corporal?

2- O que é ser Mulher?

3- Em que os nossos encontros contribuem em sua vida?

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RESPOSTAS

1- Em primeiro lugar foi por indicação médica, por ter colesterol e depressão e

também porque sempre tive vontade de praticar algumas atividades físicas.

2- Ser mulher é uma dádiva de Deus. É ser delicada, mas ao mesmo tempo é

ser forte e guerreira, é ser mãe, companheira e amiga, é superar a nossa chamada

“fragilidade” e ir à luta pela sua independência, vencendo a dor e o desânimo e

sendo apenas um motivo de alegria.

3- Os nossos encontros contribuem tanto para a saúde física, quanto para a

saúde mental.

Depois que comecei a frequentar as aulas, conheci pessoas especiais, onde fui

muito bem recebida, o ambiente é bem descontraído e a professora, além de ser

atenciosa com todas, também é uma excelente profissional. Não emagreci, mas

meus exames (colesterol) estão todos controlados. Tenho mais disposição e

agilidade. Hoje não tenho dores pelo corpo como tinha antes da ginástica.

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Obs.: Ao responder o terceiro questionamento, ela se emociona, começa a chorar e

pede para uma colega continuar escrevendo, que ela ditaria. Então me ofereci para

fazer a escrita.

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Interpretações das Vozes e Vivências

A primeira temática pesquisada pelo roteiro do questionário averiguou sobre a

consciência do corpo feminino, indaguei sobre como e quando chegou à Oficina

de Corpo.

Dos dados coletados, três mulheres identificaram que sua indicação ocorrera

por ordem médica e teve relação com o cuidado da saúde:

Por indicação médica estava depressiva. Fui ao CAIC, tinha vários cursos então escolhi a ginástica e não me arrependo (Lírio).

Através da EMIA (Escola Municipal de Iniciação Artística) e para ser feliz através da Ginástica. Por ordem médica, por ter colesterol e triglicérides alterados, depressão crônica, e por ser alcoólatra (Dama da Noite).

Em primeiro lugar foi por indicação médica, por ter colesterol e depressão e também porque sempre tive vontade de praticar algumas atividades físicas (Vitória Régia).

Uma das mulheres teve como resposta que a procura foi espontânea obtendo

consciência do corpo feminino e foi motivada por uma amiga:

Vim até as aulas para cuidar do corpo, da mente. É muito bom. Foi indicação da amiga (Amor Prefeito).

Desta análise observei que a consciência do corpo feminino ocorreu em

apenas uma das mulheres pesquisadas, desta forma a consciência do corpo

feminino é demonstrado com particularidades de vaidade em gestos como arrumar o

cabelo, utilizando uma maquiagem como um baton, usando vestimentas que

acentue as curvas do corpo, deixando-as mais sensuais. Nos primeiros encontros

estes comportamentos de vaidade não eram demonstrados.

A essência feminina encontrada nas entrevistas corrobora autores como

Rolnik (1997) e Kellner (2001) que na prática da consciência do corpo feminino a

mulher é incentivada à execução do exercício físico, porem na realização dos

mesmos ela não venha perder os atributos femininos, como a graciosidade, a

delicadeza, a beleza, sorriso acolhedor, toque sutil, a educação verbal e gestual.

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Conforme Kellner (2001), a construção da subjetividade da beleza feminina é

estabelecida através dos aspectos que a mídia vincula.

Para as mulheres entrevistadas, a subjetividade sobre o corpo feminino está

intimamente ligada à questão do tratamento do físico, desta forma promovendo

saúde.

A imagem corporal que elas desenvolvem num primeiro instante não é a

beleza feminina. Esta percepção se desenvolve com o decorrer das atividades

físicas, em que percebem o resultado de uma nova beleza corporal.

A segunda questão explorou a categoria identidade feminina, em que as

alunas explicitam o que é ser mulher.

Nas respostas sistematizadas, foram identificadas três variáveis: a identidade

com a figura materna, com a beleza física e com a imagem de mulher forte, com

superação e oposição à fragilidade do gênero.

Ser mulher é maravilhoso, pode se maquiar. Gerar um filho, ter cabelos longos (Amor Perfeito).

É ser múltipla pensar e fazer tudo pra todos em pouco tempo. Estar presente em todos os momentos com a família, filhos e amigos e ainda encontrar um tempinho para se cuidar (marido). Estar sempre com um sorriso no rosto quando nos procuram. Enfim ser mulher é padecer no paraíso (Lírio).

Ser mulher é uma dádiva de Deus. É ser delicada, mas ao mesmo tempo é ser forte e guerreira, é ser mãe, companheira e amiga, é superar a nossa chamada “fragilidade” e ir à luta pela sua independência, vencendo a dor e o desânimo e sendo apenas um motivo de alegria (Vitoria Regia).

Apenas uma das entrevistadas trouxe um aspecto negativo sobre a identidade

feminina:

Ser mulher é ser tudo de bom pena que às vezes as pessoas nos confundam com coisas más (Dama da Noite).

Nas respostas objetivadas, notei que cada mulher entrevistada denotou um

aspecto positivo do que é ser mulher. Também elas demonstraram a importância da

figura feminina no meio social, como a interação do núcleo familiar, das

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responsabilidades cotidianas no lar e a percepção da conquista de independência no

aspecto pecuniário.

Historicamente a identidade feminina na sociedade era de uma classe

discriminada que compunha uma imagem da fragilidade física, da condição de

maternagem, o que a tornaria inferior ao gênero masculino, que tinha uma

identidade de ser superior, pelo papel social de sustentabilidade familiar, a figura da

força bruta e o ser de direitos civis, em função de a sociedade ser dirigida por

homens. Ex.; padres, médicos, juízes, delegados, esportistas

Fica subentendido que o progresso de subjetivar a identidade feminina e

conquistar seus direitos de igualdade social ocorreu lentamente mediante destas

características sócio culturais, apontada nas discussões legislativas encontrada na

Carta Magna Brasileira (1988), na Constituição (1988), no Código Civil (2002) e na

Lei Maria da Penha (11.340/06).

Segundo Groppo (2011), os desejos de liberdade, autonomia e emancipação

em tempos de ilusão são caracterizados como:

...ilusão de ser realmente livre quando o máximo pode ser, tantas vezes, é apenas consumidor e produtor naquele mercado, este sim “livre”. Ilusão de ser cidadão, com vontade reprimida e opinião nunca realmente ouvida, diante do monopólio da ação politica reconhecida nas mãos do Estado e suas instituições (inclusive, os partidos de oposição). Ilusão de que a posse de dinheiro, o acumulo de poder politico e aquisição de status social realmente trazem mais autonomia ao seu portador – enquanto ele vai sendo mais um joguete nas mãos das coisas que pensa possuir (GROPPO, 2011, p. 109).

A percepção da entrevista da Dama da Noite reflete sobre sua condição

patológica e sua visão distorcida no campo biopsicossocial, pois esta aluna enfrenta

um processo de rompimento familiar, não tem moradia e sua perspectiva de

identidade feminina está focada nos acontecimentos dos fatos vivenciados,

espelhando uma imagem de “ser mulher” a responsável por todo o desarranjo

familiar e consequentemente pelo desajuste social.

Da última temática, foi questionado sobre a autonomia do corpo feminino,

indagando sobre em que os nossos encontros contribuem em sua vida.

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Do conteúdo analisado observei que foram criados pontos motivadores que

levaram essas mulheres a cultivarem a amizade e, desse encontro com outras

realidades diferentes da sua problematização, encontraram um motivo de superar os

seu maior problema de que certa forma as levou a frequentar a oficina.

Os encontros contribuem com as amizades que a gente faz, a

gente ri das coisas bobas. Conhece o problema das outra e

sempre da um apoio (Amor Perfeito).

No meu caso contribuíram muito, as aulas são muito boas, volto pra casa muito bem. Conquistei novas amizades, com o tempo fomo-nos conhecendo melhor e trocando experiências isso me fez muito bem. Hoje não tomo medicamento melhorei muito mesmo. Sem contar que temos uma professora “10” se tornou também nossa amiga (Lírio).

Pela nossa saúde, pela nossa mente que através de nossos amigos temos: carinho da Professora e todas que ficamos juntas nos divertimos muito através da ginástica.

Os nossos encontros contribuem tanto para a saúde física, quanto para a saúde mental. Depois que comecei a frequentar as aulas, conheci pessoas especiais, onde fui muito bem recebida, o ambiente é bem descontraído e a professora, além de ser atenciosa com todas, também é uma excelente profissional (neste momento ela se emociona, começa a chorar e pede para uma colega continuar escrevendo que ela ditaria então me ofereci para escrever). Não emagreci, mas meus exames (colesterol) estão todos controlados. Tenho mais disposição e agilidade. Hoje não tenho dores pelo corpo como tinha antes da ginástica (Vitória Régia).

Dos motivadores mencionados pelas mulheres foi categorizada a variável

amizade como vinculo afetivo e de socialização, a variável de alteridade em

compartilhar e vivenciar experiências múltiplas de outras mulheres com realidades

sociais diferentes, a questão da redução da medicalização por melhor

condicionamento físico resultando num hábito saudável, a caracterização do sujeito

educador-emancipador, demonstrado nas alunas pela professora. Também foi

evidenciada a prática do exercício físico como melhora de saúde, verbalizada por

através de exames laboratoriais, disposição e agilidade com aprimoramento do

condicionamento físico e principalmente, a importância da relação humana que fez

com elas se sentissem pessoas.

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A contextualização do processo de construção de autonomia do corpo

feminino é entendida nas falas das mulheres como um saber sobre o corpo que cria

possibilidades de experiências de outras realidades sociais.

Segundo Freire, na Pedagogia da Autonomia (1996) ensinar não é transferir

conhecimento, mas criar possibilidades para sua produção ou a sua construção.

Para o autor “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”

(1996, p.12).

Desta forma as alunas se em identificam com a educadora, pois a mesma

também vivenciou experiências semelhantes quando passou por uma decomposição

familiar. Ocorrendo uma identificação dessas mulheres por mim, educadora, em que

as alunas me veem como um processo de superação.

A participação das mulheres na comunidade é vivida de forma em que impera

a discriminação do seu papel social, mas também a comunidade reitera modos de

singularização para essas mulheres marginalizadas, sendo assim, Gomes3 (2009),

afirma que:

Para dizer de forma sucinta, a comunidade, como local e prática do cotidiano, é também o local onde se reiteram as tradições, onde se fixam os preconceitos, onde se praticam de forma transparente as exclusões menos perceptíveis, sob a égide serena dos hábitos e costumes. Pode ainda ser o refúgio e o lugar da resistência a mudanças, a ruptura possível e concreta em relação à sociedade, a comunidade alternativa, que se propõe sempre como melhor do que está aí, numa sentença que tanto pode inspirar um projeto utópico como um profundo sentimento sectário e isolacionista, a construção concreta do projeto do medo (GOMES, 2009).

Alguns itens considerados positivos durante a prática de atividades físicas

podem ser notados como: ajuda a controlar o peso corporal; contribui para ossos,

3 Disponível em:

<http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000092008000100013&lng=en

&nrm=iso> . Acessado em: 10 mai 2013.

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articulações e músculos sadios; reduz o índice de quedas em idosos; ajuda a aliviar

a dor da artrite, artrose; diminui os sintomas de ansiedade e depressão e estão

associadas à menor número de hospitalizações, visitas médicas e medicação;

proporciona maior independência e autonomia.

A atividade física ajuda também a reduzir a pressão arterial em pessoas que

já têm hipertensão; diminuindo o risco de desenvolver diabetes tipo dois (não

dependente de insulina); reduzindo o risco de câncer de cólon; ajudas as pessoas a

conseguirem e manter um peso ideal; reduzindo os sentimentos de depressão e

ansiedade; promovendo o bem-estar psicológico e reduzindo sentimentos de

estresse; ajudando a construir e manter articulações, músculos e ossos saudáveis;

ajudando pessoas idosas a ficarem mais fortes e serem mais capazes de moverem-

se sem cair o ficar excessivamente cansadas.

Sendo assim, torna-se de grande valia a prática de qualquer atividade física,

pois ela somente trará benefícios.

Considerações Finais

A Oficina do Corpo, descrita neste trabalho, tem a proposta de formação e

conscientização da mulher em relação ao seu próprio corpo, oferecendo para as

alunas uma oportunidade de conhecimento de como trabalhar o corpo, melhorar a

postura, ter consciência de sua autonomia e identidade feminina e como objetivo

também de se manter saudável.

Compreendo que, através das aulas, das reuniões, dos passeios e das

convivências que temos, posso subsidiar contribuições para que cada uma das

mulheres (minhas alunas) tenha condições de construir seus próprios argumentos e

desta forma tenha iniciativas para confrontar ou sobressair da posição vitimada,

exposta nas casuísticas estudadas desse trabalho, e que as pessoas do seu entorno

possam ser beneficiadas ou também modificadas por novas ações saudáveis, tanto

no individual, familiar e no coletivo. Assim, considero esta prática como pertencente

ao campo e ao ideário ao Sociocomunitário.

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Com contribuição da Oficina do Corpo, espero que essas mulheres tenham

maior consciência corporal e de autonomia, e consigam superar suas dependências,

com melhora de sua capacidade física e mental.

Dentro das casuísticas estudadas, observei e analisei que essas mulheres

tinham em comum, casos que faziam encontrar soluções de seus problemas nos

falsos prazeres sociais, como nos vícios, na gula, no silêncio, aceitando a rejeição, a

violência, a ignorância e o medo.

Groppo (2011) faz uma reflexão sobre:

[...] desejos de comunidade em tempos de medo. Medo de vir e estar no mundo desprotegido dos laços de afeto. Medo de não ter alguém para chamar pelo prenome com carinho familiar. Medo de sempre estar solitário, ainda que nunca esteja só – em meio a multidões nas ruas, nos ambientes de trabalho, na escola e até mesmo na sala, com a TV ligada e a Internet despejando informações. Medo de não ter ninguém para cuidar e ninguém que cuide de você. Desejos de comunidade em tempos de medo. Desejo de ser protegido e acalantado quando se vem ao mundo e se passa por ele. Desejo de ter sempre alguém para chamar de tu e dele ouvir seu próprio nome dito com afetividade. Desejo de sempre estar realmente com alguém, mesmo que seja para compartilhar as lamentações sobre as agruras do trabalho, do estudo e das ruas. Desejo de ter alguém para cuidar e alguém que cuide de você (GROPPO, 2011 p. 108 – 109).

Sendo assim, considero que o trabalho com estas e muitas outras mulheres

não para aqui. As mesmas estão com possibilidades de mobilizarem-se, pelo fim da

violência doméstica, terem autonomia e consciência da importância de estar sempre

em contato o CAPS ou com o órgão cabível.

Hoje, estas mulheres têm a ideia de que seus parceiros também adotem

outras maneiras de resolver seus conflitos, substituindo a violência pelo diálogo.

Perceberam que não devem se calar diante de seu companheiro ou de outro

homem que esteja cometendo a violência, pois o silêncio é cúmplice. Estão em

condições de oferecerem ajuda, seja por escuta, acolhimento, sem julgamentos,

acusações ou qualquer outro tipo de crítica a qualquer pessoa envolvida nestes tipos

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de agressão, que seja agredida ou que tenha presenciado uma agressão. Mesmo

que tenham sobrevivido às situações, é bom não nos esquecermos de que neste

contexto todos sofrem e ficam marcas, porém que podem ser superadas.

Cada uma destas mulheres hoje tem a possibilidade de expressar seus

pontos de vista e seus sentimentos, tem condições de buscar ajudas especializadas.

Conseguem prevenir o ato ou a repetição das mesmas situações. Criam alternativas

dentro de uma relação para que não haja violências, abusos, agressões, dentro da

relação. Todas têm consciência da importância de se praticar uma atividade física.

São conscientes de que, se necessário, procurarão por ajuda ao CAPS, OAB ou

outro órgão que lhes compete.

Essas mulheres que sofreram todos os tipos de agressões citadas, por

diversas vezes tiveram o sentimento de vergonha, medo, humilhação, tristeza, raiva

e preocupações, mas estas marcas foram superadas. Estão confiantes e prontas

para auxiliar a quem enfrentar os mesmos problemas emocionais.

Hoje, conseguem ter um tempo para se divertir e relaxar de uma forma

saudável. Sabem da importância do convívio social, sabem que é fundamental

estarem sempre ativas, sentindo-se acolhidas, entendidas, protegidas, pertencentes

a este grupo. Assim, se sentirão valorizadas e importantes dentro da comunidade e

da sociedade.

Muitas vezes observam situações e pensam na forma em que é possível

enfrentar e informar os cuidados necessários e adequados para que seus filhos ou

pessoas próximas busquem ajudas especializadas assim que necessário.

Sabem da importância de procurar orientação e planejar a melhor forma de se

aproximar das pessoas que estão passando pelas mesmas situações que já

passaram.

Acreditam que a violência, a drogadição, o uso de álcool e a obesidade

acontecem em qualquer tipo de classe social, porém nas classes sociais mais

pobres os casos acabam sendo mais visíveis, chegando mais vezes à polícia e aos

centros de atenção.

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Entendem que qualquer tipo de violência é um comportamento aprendido, não

é natural, e sabem da importância em aprender e ensinar outras maneiras de

resolver estes conflitos.

Conseguem enfrentar situações e preconceitos que ainda existem em nossa

sociedade em relação a mulheres separadas, que vivem sem um homem, ou que

necessita viver com um homem, pois o mesmo irá mudar suas condutas,

comportamentos agressivos e será um homem bom e carinhoso como na época em

que a conquistou.

Chegam à conclusão de que não basta ser um bom pai, trabalhador e

honesto se faz uso violências.

Hoje, lutam para que incluam em suas vidas a igualdade dos seus direitos

para todas as pessoas, mas especialmente para as mulheres oprimidas (abusadas,

exploradas) por seus agressores, que vivem a maior parte do tempo assustadas,

ameaçadas e preocupadas com o bem estar de seus filhos, para denunciarem e

tomarem qualquer atitude em favor de si mesma.

Certamente seria excelente esperar o sucesso do dia para a noite no

combate à violência doméstica, mas será uma longa e difícil batalha, porém, as

medidas que elas estão adotando a partir desta data não podem ser minimizadas.

Desejo que este trabalho se abra à discussão relevante da construção de

outras relações para encontrarmos juntos os caminhos da emancipação humana,

autonomia.

Groppo (2011), penso que desejos de liberdade, autonomia e emancipação

em tempos de ilusão e medo são:

Desejo de ser livre para poder superar os estreitos e limites da comunidade, sem romper com a segurança que promove, mas combatendo as excessivas privações da vontade que costuma gerar. Desejos de ser autônomo em tempos de manipulação pelas instituições de mercado e poder, vontade de escapar das cordas que prendem nossos braços e pulsões para gritar e poetizar. Desejo de se emancipar, utopia quase tresloucada de indivíduos e grupos que se vêm a acossados pelas ditaduras das coisas, as quais de nós exigem atenção, produtividade, controle, perfeição e conformação (GROPPO, 2011 p.109).

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MEMORIAL

Meu nome é Mara Lílian Santiago. Nasci em 24 de setembro de 1967, na

cidade de Campinas. Apenas nasci, pois fui criada entre São Paulo e Mogi Guaçu.

Desde minha infância fui estimulada ao Esporte e à Música. Fiz piano clássico por 5

anos. Nas brincadeiras com as amiguinhas, eu sempre queria ser a professora.

Meus pais, sempre que podiam, levavam-nos para acampar, nadar em lagos, praias,

enfim, ter contato com a natureza. Dos sete aos dez anos, sempre que chegava da

escola, brincava com uma pequena lousa, de professora, repetindo o que havia

aprendido naquele dia. Também participava de várias modalidades esportivas,

como: natação, futebol, atletismo, mas o que eu amava era o vôlei, neste esporte me

realizava.

Minha falecida mãe sempre me incentivou a ajudar ao próximo. Participei do

Clube dos Desbravadores, bem parecido com Escoteiros. Ajudava nas campanhas

de agasalhos, arrecadação de alimentos para instituições como APAE, Orfanatos,

entre outros. Visitávamos asilos (casa de idosos), hospitais, levando sempre uma

palavra de conforto aos enfermos. Durante o ano, minha família arrecadava

brinquedos e guloseimas, pois ao chegar o final de ano, no Natal, meu pai se vestia

de Papai Noel e lá íamos para os bairros mais carentes, um deles era o Bairro da

Vila Miranda, hoje atual Santa Terezinha, onde localiza o CAIC, fazer a distribuição.

A felicidade daquelas crianças era contagiante.

Ao terminar a 8ª série fui morar no colégio internato - IASP (Instituto

Adventista São Paulo), (hoje UNASP – Universidade Adventista São Paulo -

Campus 2). É um internato, na época pertencia à cidade de Campinas, hoje, à atual

Hortolândia. Por três anos, cursei Magistério, pois sempre tive um sonho, ser

professora. Enquanto cursava, me ofereci como voluntária para ser auxiliar das

professoras. Tive a ideia de formar um coral infantil e as professoras gostaram e me

apoiaram. Por três anos fizemos várias apresentações, a maioria em datas

comemorativas.

Ao terminar o curso de Magistério, fui cursar Pedagogia na cidade de Mogi

Guaçu/SP. Várias oportunidades me apareceram para dar aulas. Minha primeira

experiência como professora, e não mais como auxiliar, foi na Escola Estadual

Padre Longino Vastbinder, onde ministrei aulas de Educação Física. Sempre me

dediquei à profissão, e meu sonho estava se tornando realidade!

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Quando terminei Pedagogia cursei Pós-Graduação em Administração Escolar

e Supervisão Escolar. Enquanto cursava, pude perceber que havia poucos

profissionais na área de Educação Artística, então, como sempre tive o apoio de

minha mãe para trabalhos manuais, pensei: “É uma grande oportunidade”. E lá fui

cursar Educação Artística na PUCCAMP (Pontifícia Universidade Católica de

Campinas). Durante o dia trabalhava em duas escolas, sendo uma particular e a

outra estadual. Nas duas eu já lecionava Educação Artística (em caráter

excepcional, pois ainda era estudante, porém já tinha Pedagogia, então a Delegacia

de Ensino, assim chamada na época, autorizava). Saía das escolas e ia direto para

o ponto onde o ônibus dos estudantes da PUCC passava para nos levar até o

campus da faculdade, em Campinas. Chegava em casa todas as noites após a

meia-noite. No outro dia, me levantava bem cedo para iniciar novamente minha

jornada.

No início do segundo ano fui dar aulas em uma escola rural, era mais próxima

à cidade de Pinhal do que à de Mogi Guaçu, onde moro. Levantava-me às cinco

horas da manhã para ir com o transporte que a Prefeitura cedia aos alunos. Para

retornar, ia até a rodovia para esperar o ônibus que vinha da cidade de Poços de

Caldas. Se não fizesse isso, não daria tempo de iniciar as aulas no período da tarde.

De 1988 até hoje, muitas disciplinas lecionei, muitas vivências, muitas trocas

de experiências. Porém, minha paixão por dar aulas continua a mesma, se não

maior.

Em 1992, houve um concurso na Prefeitura de Mogi Guaçu, para dar aulas de

Expressão Corporal. Concorri com mais ou menos duzentos candidatos. Entre as

provas teóricas e práticas, passei em terceiro lugar. Logo fui chamada para assumir

o cargo. Lá estava eu dando aulas de Expressão Corporal, Teatro (fui a primeira

Professora desta modalidade), Dança e Ginástica. Nesta época, tive uma separação

conturbada. Meu ex-marido é mulçumano, e não aceitava minha profissão. Então,

um dia, esperei que ele saísse de casa, tirei minhas roupas e fui para a casa de

minha mãe. À noite fui espancada, porque ele dizia que os muçulmanos não

nasceram para separar-se. Tive que pedir exoneração de meus dois empregos, na

rede Municipal as aulas de Expressão Corporal e na rede Estadual aulas da

Educação Artística, por que ele pediu a seu advogado que eu pagasse pensão

alimentícia, visto que eu tinha nível superior e era registrada nos dois empregos.

Essa é nossa lei!

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Saí dos meus empregos e fui morar em São Paulo. Oito anos se passaram e

novamente houve concurso público, para duas vagas de Expressão Corporal junto a

EMIA (Escola Municipal de Iniciação Artística), onde eu já havia trabalhado. Prestei

novamente com vários candidatos e passei em segundo lugar. A minha felicidade

era radiante!

Em 2004, quando retomei as minhas aulas no Centro Cultural (onde há um

público elitizado), tive vontade de ter uma nova experiência, dar aulas na periferia,

achava que lá poderia ser mais do que apenas uma professora, queria algo mais,

pois já conhecia a realidade do bairro e suas necessidades. Minhas lembranças do

ensinamento que tive na infância em poder auxiliar uma pessoa ainda são bastante

fortes em mim.

Iniciei fazendo propagandas pelo bairro com cartazes nos comércios,

bilhetinhos para as mães dos alunos das escolas do bairro. Pronto! Minha Paixão

estava completa.

Comecei a trabalhar com dois públicos extremamente diferentes, tanto na

realidade de vida, quanto no convívio social. No Centro Cultural, centro da cidade, a

população que frequenta é de classe médio-alta e CAIC um bairro periférico, de

“extrema pobreza”, da cidade de Mogi Guaçu/SP.

Com o passar do tempo, pude perceber que algumas alunas passavam por

dificuldades e problemas em seus lares.

Para fazer a diferença, sabia que teria que dispor de tempo, sensibilidade,

alegria e envolvimento, mas não desisti e aos poucos fui conquistando-as e

adquirindo sua confiança, pois minha intenção era de ajudá-las. Mas, para isso,

tinha que saber quais eram suas necessidades.

Em algumas alunas eram visíveis os problemas: alcoolismo, drogadição,

obesidade, violência doméstica e depressão.

Comecei então fazer atividades extra-aula, comecei com um Café da Manhã,

no qual reuni todas as alunas do CAIC para que houvesse uma integração social,

que ampliassem suas amizades e conhecimentos. Foi um sucesso!

O próximo passo foi marcar a nossa primeira viagem, com todas as minhas

alunas, assim tendo uma troca de experiência ainda maior, tanto no convívio social

quanto na diferença de classe social.

Nesta viagem foi muito importante, pois as alunas trocavam informações,

experiências e até mesmo o alimento. Foi gratificante ver a atitude entre elas.

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Queria mais, levar informações para as minhas alunas, então, sempre que

possível, levava e ainda hoje faço o mesmo, levo profissionais como Ginecologista,

Psicóloga, Delegada da Delegacia de Defesa da Mulher (quando foi explanado

sobre a lei Maria da Penha), dentista, nutricionista, entre outros, para uma palestra.

Sempre terminamos nossos encontros com um café da tarde, no período contrário

das aulas, com bolos, bolachas, patês, sucos e cafés. Todas participavam com

vontade de saber mais, de aprender algo mais.

Para ter melhor convivência comecei a marcar almoços em minha casa após

as aulas, com todas as alunas e seus filhos.

Durante as aulas comecei a notar que muitas de minhas alunas chegavam

com hematomas, olheiras, acuadas, assustadas e chorosas.

Com muita dedicação, carisma, simpatia e humildade, consegui conquistar a

confiança delas para poder ajudá-las. Foi onde me constataram sobre agressões e

violências domésticas que estavam sofrendo em seus lares.

Pensei, como pode uma mulher vir às minhas aulas cuidar de seus corpos e

mentes e permitirem ou consentirem que sejam violentadas?

Convivendo com estas situações, resolvi ajudar não somente minhas atuais

alunas, mas toda mulher que tem o desejo de ser dona de seu próprio corpo.

Resolvi tomar as dores de minhas alunas para torná-las autônomas de seus

corpos e desejos.

Ainda hoje vejo, no bairro periférico, a desvalorização da mulher com seu

próprio corpo, quando chegam às aulas com hematomas e sempre dão qualquer

motivo, menos a verdade.

Hoje, sou mais uma amiga do que uma simples professora. Continuo levando

vários profissionais de várias áreas e também as levando aos eventos culturais que

acontecem na cidade.

Estes acontecimentos fizeram com que eu saísse da minha zona de conforto

e fizesse algo mais para que estas e outras mulheres tenham autonomia sobre seu

próprio corpo. Porém, é preciso, primeiro, que elas se valorizem e se respeitem, para

exigirem ou conquistarem o respeito de seus parceiros.

Ao vivenciar uma dura e cruel realidade é que tomei como tema de pesquisa

“A consciência do Corpo Feminino como Prática de Autonomia: Trilhando os

Princípios da Educação Sociocomunitária”.