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A CONSTITUIÇÃO DE EDUCADORES E EDUCANDOS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO POPULAR E DOS ESTUDOS HISTÓRICO-CULTURAIS: A EXPERIÊNCIA DO GENPEX/UNB Esta mesa discute três pesquisas desenvolvidas na área de Educação de Jovens e Adultos no contexto do Grupo de Ensino, Pesquisa e Extensão em educação Popular e Estudos Filosóficos e Histórico-culturais da UnB. Os trabalhos dialogam com as contribuições da educação popular, da teoria marxista e da perspectiva Histórico- Cultural com Vygotsky e seus representantes da segunda e terceira geração. O primeiro trabalho aborda o lugar da formação do educador de jovens e adultos no curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da UnB. Com base na análise dos espaços de formação disponíveis no curso, avalia as significações atribuídas pelos estudantes de Pedagogia ao processo formativo vivenciado na Educação de Jovens e Adultos, bem como a transformação pessoal e profissional decorrente do contato com educandos jovens em adultos. O segundo artigo busca contribuir com o ensino-aprendizagem na formação de pedagogas (os), a partir da experiência e significação desenvolvidas por meio das ações pedagógicas, de alfabetização/educação de adolescentes e adultos que cumprem medidas socioeducativas bem como para a constituição dos estudos deste campo pedagógico. O terceiro analisa a constituição do sujeito de aprendizagem, tendo em vista o alfabetizador(a) e alfabetizando(a), com enfoque nos aspectos dialógicos das relações estabelecidas no contexto histórico-cultural, e, situado do aprendiz no Centro de Cultura e Desenvolvimento do Paranoá CEDEP. Os trabalhos trazem de diferentes modos como o contato com os sujeitos jovens e adultos e a reflexão na e sobre essa prática educativa forja no estudante de Pedagogia e no educador Popular uma sensibilidade/compromisso em relação a essa realidade, por meio da pesquisa-ação existencial, da vivência e do desenvolvimento de uma prática pedagógica pautada na escuta sensível, no diálogo, na amorosidade e no respeito mútuo. Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Socioeducação. Formação de Educadores. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 10118 ISSN 2177-336X

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A CONSTITUIÇÃO DE EDUCADORES E EDUCANDOS NA EDUCAÇÃO DE

JOVENS E ADULTOS NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO POPULAR E DOS

ESTUDOS HISTÓRICO-CULTURAIS: A EXPERIÊNCIA DO GENPEX/UNB

Esta mesa discute três pesquisas desenvolvidas na área de Educação de Jovens e

Adultos no contexto do Grupo de Ensino, Pesquisa e Extensão em educação Popular e

Estudos Filosóficos e Histórico-culturais da UnB. Os trabalhos dialogam com as

contribuições da educação popular, da teoria marxista e da perspectiva Histórico-

Cultural com Vygotsky e seus representantes da segunda e terceira geração. O primeiro

trabalho aborda o lugar da formação do educador de jovens e adultos no curso de

Pedagogia da Faculdade de Educação da UnB. Com base na análise dos espaços de

formação disponíveis no curso, avalia as significações atribuídas pelos estudantes de

Pedagogia ao processo formativo vivenciado na Educação de Jovens e Adultos, bem

como a transformação pessoal e profissional decorrente do contato com educandos

jovens em adultos. O segundo artigo busca contribuir com o ensino-aprendizagem na

formação de pedagogas (os), a partir da experiência e significação desenvolvidas por

meio das ações pedagógicas, de alfabetização/educação de adolescentes e adultos que

cumprem medidas socioeducativas bem como para a constituição dos estudos deste

campo pedagógico. O terceiro analisa a constituição do sujeito de aprendizagem, tendo

em vista o alfabetizador(a) e alfabetizando(a), com enfoque nos aspectos dialógicos das

relações estabelecidas no contexto histórico-cultural, e, situado do aprendiz no Centro

de Cultura e Desenvolvimento do Paranoá – CEDEP. Os trabalhos trazem de diferentes

modos como o contato com os sujeitos jovens e adultos e a reflexão na e sobre essa

prática educativa forja no estudante de Pedagogia e no educador Popular uma

sensibilidade/compromisso em relação a essa realidade, por meio da pesquisa-ação

existencial, da vivência e do desenvolvimento de uma prática pedagógica pautada na

escuta sensível, no diálogo, na amorosidade e no respeito mútuo.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Socioeducação. Formação de

Educadores.

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A FORMAÇÃO INICIAL DE PEDAGOGOS NA PERSPECTIVA DA

EDUCAÇÃO POPULAR: A EXPERIÊNCIA DO GENPEX /UNB NA EJA

Maria Clarisse Vieira – Faculdade de Educação UNB

Resumo:

O artigo faz parte de uma pesquisa mais ampla que busca avaliar o lugar da

formação do educador de jovens e adultos no contexto do curso de Pedagogia da

Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (FE/UnB). O texto avalia a

experiência desenvolvida no Grupo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação

Popular e Estudos Filosóficos e Histórico-culturais (GENPEX). Para isso, analisa as

produções individuais e coletivas realizadas no período de 2013 a 2015, nas disciplinas

Projeto III e IV, componentes do currículo de Pedagogia vigente desde 2003. A análise

do material revela indícios de que o contato com os sujeitos jovens e adultos e a

reflexão na e sobre essa prática educativa forja no estudante de Pedagogia uma

sensibilidade/compromisso em relação a essa realidade. A intencionalidade é construir

uma formação inicial em EJA com base nos pressupostos da educação popular. Para

tanto, a pesquisa-ação existencial possibilita ao futuro professor a vivência e o

desenvolvimento de uma prática pedagógica pautada na escuta sensível, no diálogo, na

amorosidade e no respeito mútuo.

Palavras-chave: formação de educadores, Educação de Jovens e Adultos, Currículo.

Introdução:

A Educação de Jovens e Adultos é constituída por pessoas pertencentes às

camadas populares, segmento que não vivencia o atendimento a questões básicas de

sobrevivência (saúde, trabalho, alimentação, educação, etc). Nessa perspectiva, atende

pessoas jovens, adultas e idosas que, não tendo tido o acesso e/ou permanência na

escola, em idade que lhes era de direito, retornam á escola, buscando o resgate desse

direito. Esses sujeitos, ao mesmo tempo em que vivenciam processos de exclusão

social, materializados em processos de segregação cultural, espacial, étnica e

econômica, experimentam, cotidianamente, o abalo de seu sentimento de pertença social

e o bloqueio de perspectivas de futuro social.

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Considerando as especificidades do público da EJA seria ―natural‖ que seus

educadores tivessem uma formação consistente que, embasada no ideário da educação

popular, buscasse superar o quadro de desigualdade social, que se faz presente nos

processos escolares e não escolares. No entanto, essa não tem sido a realidade. Diversos

estudos indicam que a maior parte dos professores que exercem atividades junto a EJA

possui uma formação precária, desconhecendo as peculiaridades destes educandos.

Nesta perspectiva, tendem a reproduzir em suas práticas concepções infantilizadoras de

currículo que desconsideram os saberes e experiências discentes, o que contribui para

reforçar o fracasso das tentativas de reinserção escolar por parte desses sujeitos.

Não obstante este cenário, algumas universidades, por meio de atividades

ligadas à pesquisa e extensão tem desenvolvido ações que se dirigem à formação em

Educação de Jovens e Adultos. Este artigo busca contribuir com a reflexão sobre a

formação docente em EJA por meio da experiência desenvolvida no contexto do Curso

de Pedagogia da UNB, em especial as atividades desenvolvidas no âmbito do Grupo de

Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação Popular e Estudos Filosóficos e Histórico-

Culturais – GENPEX.

A pesquisa busca avaliar qual o lugar da formação do educador de jovens e

adultos no curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília

(FE/UnB). Neste artigo, trazemos um recorte dessa pesquisa mais ampla no qual

buscamos ouvir as vozes discentes por meio das produções individuais e coletivas

realizadas ao longo no período de 2013 a 2015, nas disciplinas Projeto III e IV,

componentes do currículo de Pedagogia vigente desde 2003. Nesta produção incluem-se

relatórios finais e diários de bordos, desenvolvidos no interior dos referidos projetos.

Por meio da análise deste conjunto de trabalhos buscamos refletir as significações

atribuídas pelos estudantes ao processo formativo vivenciado em jovens e adultos, bem

como o processo de transformação pessoal e profissional decorrente do contato com

educandos jovens em adultos. Em outras palavras, argüimos em que medida os espaços

de formação existentes no atual currículo contribuem para a decisão do estudante

assumir-se educador da EJA.

É importante destacar que embora o Genpex desenvolva um conjunto de

atividades abrangentes, para efeito de análise consideramos nesse artigo somente as

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atividades desenvolvidas no Projeto Paranoá de alfabetização e formação de

alfabetizadores (as) de Jovens e adultos. O artigo está organizado em 3 partes. Na

primeira, apresentamos de forma breve como o curso de Pedagogia se organiza. Na

segunda descrevemos, de forma breve, a origem do Genpex e seu espaço de atuação. Na

terceira, trazemos as vozes de estudantes de Pedagogia, por meio da análise de diários

de bordo produzidos nos anos de 2013, 2014 e 2015.

A educação de jovens e adultos no interior da reformulação curricular do curso de

Pedagogia da UNB.

O processo de reformulação do Projeto Acadêmico do curso de Pedagogia da

UnB teve início em abril de 1997, concomitante às discussões sobre as Diretrizes

Curriculares Nacionais de Pedagogia. O referencial teórico-metodológico do Projeto

sustenta-se na teoria da complexidade de Edgar Morin, que tem como pressuposto

―vislumbrar novos rumos para a [...] ação formadora e detectar os caminhos que se

apresentam para a compreensão do mundo onde ela se inscreve. ‖(UNB,FE, 2002, p.9).

A teoria da complexidade de Morin parte do princípio que o ser humano só pode

ser compreendido na sua totalidade e percebe o ser humano nas suas diferentes

dimensões – antropológica, sociológica, psicológica, ética dentre outras..

O projeto menciona o contexto da globalização e das rápidas mudanças

tecnológicas e justifica a necessidade de uma nova relação com o saber. Nessa nova

concepção de formação, apresenta o aprendizado personalizado e cooperativo em rede

no qual o docente passa a ser o mobilizador da inteligência coletiva. Percebe-se, na

construção do Projeto Acadêmico, uma preocupação na formação de um profissional

autônomo, capaz de dar continuidade à sua formação e que esteja apto a atuar em

ambientes escolares e não escolares. Segundo o Projeto,

À medida que vai avançando e penetrando no mundo do trabalho

educativo em toda a sua complexidade, o futuro educador é levado a

fazer opções quanto ao perfil profissional que ele pretende ter a partir

de experiências e reflexões, culminando na elaboração de um projeto

profissional próprio. (UnB, 2002, p.13).

De acordo com o Projeto Acadêmico (PA) da FE-UnB ―o egresso do curso será

um pedagogo com registro de professor/educador habilitado a trabalhar em espaços

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escolares e não escolares, admitindo perspectivas diferenciadas de inserção no mercado

de trabalho‖. O currículo da FE é organizado por disciplinas obrigatórias e optativas,

projetos, oficinas e seminários interdisciplinares. O curso de Pedagogia da FE-UnB não

se organiza em uma grade curricular fechada, mas por meio de uma proposta aberta,

apoiada na ideia de fluxo curricular. A base docente e a formação prático-teórica ocorre

por meio da inserção de projetos, ou seja ―atividades orientadas, de observação, de

regência, de investigação, de extensão, de busca bibliográfica [...] tendo como

referencial a vida concreta das organizações onde os fatos e as situações educativas

acontecem‖(UnB, 2002, p.15). O objetivo de se trabalhar por meio de projetos é a

inserção gradativa na vida universitária e na profissão docente, e a possibilidade de

vivência prática do fazer pedagógico. É uma busca de integração entre teoria e prática

ao longo de todo o curso. Na lógica dos projetos emerge a pesquisa, inserida na

articulação prático-teórica substituindo a perspectiva de que os estágios devam ocorrer

apenas ao final de curso, mas essa vivência deve ser ao longo de 8 semestres,

culminando com o Trabalho de Conclusão de Curso.

De acordo com o Projeto Acadêmico, o currículo do curso de Pedagogia

favorece a vivência de duas modalidades de atividade acadêmica: espaços disciplinares

cuja ênfase é posta na apropriação de teorias e conceitos e, de outro lado, os espaços

curriculares denominados projetos. O Projeto 1 tem por objetivo acolher os estudantes

e inseri-los no contexto da Faculdade e da Universidade e, mais especificamente, na

profissão de pedagogo. O Projeto 2 busca discutir o campo de atuação da Pedagogia,

com base no estudo e investigação epistemológica da Educação. O Projeto 3 busca

oferecer vivência prática do fazer pedagógico em diferentes contextos institucionais,

articulando, no processo formativo, as atividades de extensão, pesquisa e ensino. O

Projeto 4 visa à imersão do aluno de Pedagogia nas práticas educativas que ocorrem no

contexto escolar formal, seja este vinculado a instituições públicas, particulares ou a

organizações/movimentos sociais. Também chamado de TCC, o Projeto 5 constitui a

culminância desse itinerário acadêmico.

Com base nessa organização curricular, A FE/UNB forma professores no curso

de Pedagogia, mediante a oferta de disciplinas teóricas-práticas que compõem o eixo

pedagógico. A Educação de Jovens e Adultos é tratada nos espaços relativos aos

Projetos 3,4 e 5 e também em disciplina optativa no currículo do curso de Pedagogia.

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Nesse artigo, analisamos as significações atribuídas pelos estudantes de Pedagogia ao

processo formativo vivenciado nos Projetos 3, 4 e 5 com enfoque na educação de

Jovens e Adultos, no âmbito do GENPEX. Para tanto, apresentamos de forma breve,

as origens desse grupo, no tópico a seguir.

Origem do Genpex e principais frentes de trabalho

Até a década de 1980, a formação do Pedagogo na UNB tinha como foco a

formação do especialista, tal como prescrevia o parecer 251/62. A despeito da criação

da Habilitação Magistério para as séries iniciais, em 1988, a Educação de Jovens e

Adultos não gozava de importância no currículo do Curso. A partir desse período, a

Faculdade de Educação UNB passa a demarcar sua atuação na Alfabetização e

Formação de educadores de jovens e adultos, por meio de uma práxis político-

pedagógica fundamentada numa ação transformadora, em interação e parceria com

movimentos sociais e iniciativas da Educação Popular. (REIS, 2011). Em meados da

década de 1980, um grupo de mestrandos do Programa de Pós- graduação da FE inicia

um processo de alfabetização de jovens e adultos, baseado nos princípios da educação

libertadora de Paulo Freire, na cidade de Ceilândia (DF). Em decorrência dessa

experiência foram produzidas duas dissertações de mestrado e surgem várias iniciativas

inspiradas em Paulo Freire, em cidades tanto do Distrito Federal quanto de Goiás.

Nesse ínterim, é criado, também, o Núcleo Paulo Freire de Alfabetização de Jovens e

Adultos, uma das iniciativas que justificou o primeiro prédio da UnB-Decanato de

Extensão, em Ceilândia, em 1987.

Nesse mesmo período, na Vila Paranoá, em decorrência da luta pela fixação da

população naquele espaço, é gestada uma proposta de alfabetização que articulava a

contribuição da UnB. Reis (2011) nos informa que houve uma grande organização e

mobilização dos moradores do Paranoá para suprir os bens de serviços necessários à sua

existência e sobrevivência: água, energia elétrica, transporte, alimentação, educação,

entre outros. Esse processo de mobilização emergiu da ação de um grupo de jovens

católicos que, no desdobramento de sua ação-reflexão-ação religiosa, se engajaram num

movimento comunitário, também denominado Grupo Pró-Melhoria do Paranoá.

Organizado e mobilizado, esse grupo pressionou o Estado, alcançando várias melhorias

e, principalmente, o decreto de fixação definitiva do Paranoá. Nesse movimento de

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construção da história, a alfabetização de jovens e adultos se colocou como necessária

ao fortalecimento da luta coletiva. É quando esses grupos recorreram à Universidade de

Brasília e buscaram nessa instituição o apoio necessário aos seus objetivos: ler, escrever

e calcular e, simultaneamente, buscar soluções para os problemas do Paranoá e,

posteriormente, do Centro de Cultura e Desenvolvimento do Paranoá - CEDEP (idem,

2011).

O GENPEX é constituído em 2000, como desdobramento do Projeto Paranoá de

Alfabetização, com registro no Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e

Científico – CNPq. Em 2005, com o início do processo de ocupação da região

administrativa do Itapoã, moradores daquela comunidade que, em sua maioria, não

sabiam ler e escrever procuraram o CEDEP em busca de auxílio para a alfabetização de

seus moradores. Desde então, a denominação do Projeto passou a ser Projeto de

Alfabetização e Formação de Alfabetizadores Jovens e Adultos do Paranoá-Itapoã.

O GENPEX orienta-se pela perspectiva histórico-cultural marxista e pela

metodologia da pesquisa-ação, ancorada em Barbier (2004) e Thiollent (1985). De

acordo com o Thiollent

A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é

concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com

uma resolução de um problema coletivo, e no qual os pesquisadores e

os participantes representativos da situação ou problema estão

envolvidos de modo cooperativo ou participativo (1985, p. 14)

Barbier (2002), por sua vez, traz uma proposta de pesquisa-ação existencial,

pautada na ação de um pesquisador coletivo de escuta sensível, com uma dimensão

pessoal e comunitária, aberto a complexidade, numa perspectiva processual que visa à

mudança. Considerando essa metodologia, o GENPEX atua também em mais duas

frentes: a Unidade de Semiliberdade de Taguatinga (acompanhamento de adolescentes e

jovens em cumprimento de medidas socioeducativas) e em Ceilândia (integração da

Arte, Tecnologia, Educação de Jovens e Adultos e Educação Profissional nas Escolas

Públicas de Ceilândia, DF. Todas essas atividades estão vinculadas organicamente ao

Currículo Vigente no Curso de Pedagogia e contribuem para a formação de um

pedagogo diferenciada, pois desde o início de sua formação os estudantes são

desafiados a contribuir para a melhoria das condições de vida de educandos jovens,

adultos e idosos numa perspectiva de Educação Popular.

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Significações das vivências experienciadas no contexto da Educação de Jovens e

Adultos

Como já foi mencionado, os Projetos 3, 4 e 5 são componentes curriculares do

Curso de Pedagogia com formato diferenciado das disciplinas, pois visam articular

teoria e prática desde o início da formação docente. Para agregar uma proposta

formativa que contemple as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Pedagogia é

ofertado um leque variado de Projetos com temáticas que abarcam desde a educação

escolar à educação em contextos não escolares.

A Educação de Jovens e Adultos é contemplada nas três frentes de trabalho

atualmente desenvolvidas no GENPEX. Na frente do Projeto Paranoá, existente desde

1986, são desenvolvidas atividades que contemplam a alfabetização e a formação de

Educadores de Jovens e Adultos. A partir de 2011, com a implementação do Programa

Brasil Alfabetizado no Distrito Federal o CEDEP ampliou suas turmas de alfabetização

e aderiu ao Processo de formação de Educadores organizado pela Secretaria de

Educação que preconizava o uso do chamado Método Paulo Freire na alfabetização de

adultos. Em 2015, com a mudança de governo no Distrito Federal, o programa é

interrompido temporariamente. Em função da interrupção iniciou-se um trabalho de

inclusão digital na educação de jovens e adultos, desenvolvido pelo CEDEP e UNB, por

meio da articulação de estudantes do curso de Pedagogia e da Informática.

A prática formativa estimulada pelo Genpex inclui o acompanhamento pelo

estudante de Pedagogia em classes de alfabetização e a participação no planejamento

das aulas, que em geral acontece às sextas-feiras, no movimento popular. A orientação

dos estudantes pela equipe de professores da UNB ocorre às quintas-feiras, onde além

de se realizar a avaliação do andamento dos trabalhos, são tomadas os

encaminhamentos para o trabalho pedagógico realizado na semana posterior. É

estimulada a reflexão e ação na e sobre a prática, bem como o registro das vivências em

um diário de bordo, que é um dos instrumentos de avaliação da disciplina.

Ao analisar esse material produzido pelos estudantes percebem-se diferentes

formas de aproximação com o exercício docente na educação de jovens e adultos.

Uma das estudantes consegue captar na estrutura da proposta o vínculo forte

com a educação popular. Para ela,

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A proposta desde o início do projeto 4 fases 1e 2 foi a construção de

um trabalho pedagógico com os educandos dentro de uma perspectiva

de Educação Popular, baseada nos pressupostos metodológicos

específicos, onde as ações estão alicerçadas pelas práxis Freiriana.

Metodologias, conteúdos e intervenções pedagógicas foram centradas

e articuladas com os educandos, sua voz, experiências, anseios,

particularidades, relatos cotidianos e silenciamentos serviram de base

para construção de uma proposta pedagógica de aprendizagem

replicada na prática diária, que resultaram na produção de um saber

autônomo e crítico. O que se pretende evidenciar a partir dessa

aproximação é o eixo estruturante das diferentes experiências dentro

da educação popular, com uma proposta de educação que considere o

estudante da Educação de jovens e adultos, um estudante com um

percurso anterior a ser analisado e não rotulado.

A fala da estudante traz à tona a intencionalidade da proposta do Genpex:

trabalhar com pessoas excluídas, reconhecendo-as como sujeitos de poder, amor e saber

(REIS, 2011). Partir de uma concepção humanizadora de Pedagogia, tal como preconiza

Freire, no qual ao invés de me ―sobrepor aos oprimidos e continuar mantendo-os como

quase ―coisas‖, com eles estabeleço uma relação dialógica permanente. (2014, p. 77).

Ela também percebe o vínculo do trabalho com a educação popular. Não obstante, a

educação popular ter vivido o seu apogeu na década de 60, sua influência ainda hoje se

faz presente no Brasil e no mundo, no ideário e na prática de diversas organizações

populares. Para Brandão (2008), a educação popular não é uma escola pedagógica, nem

uma proposta datada e situada em um tempo específico. Ela é uma vocação da

educação, um instrumento político e cultural de força pedagógica a serviço das classes

populares. Segundo esse autor, essa proposta educativa pode ser viabilizada a partir de

duas posturas distintas e não antagônicas: por um lado, com ênfase no seu viés político

para preparar as classes populares para algum tipo de transformação social, subordinada

a uma tomada de poder e à instauração de uma alternativa socialista à sociedade

capitalista e opressora; e de outro, com ênfase no seu viés cultural, como forma de

elevar, de uma maneira justa e não supletiva, a qualidade de vida dos excluídos, a

começar pela oferta de um tipo de educação que instaure a plenitude da pessoa cidadã.

Brandão também argumenta que, ao mesmo tempo em que é necessária a

ampliação de experiências autônomas de uma educação realizada a partir da iniciativa

dos movimentos populares, é também fundamental a redefinição da escola pública de

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modo a que ela venha a se transformar em uma educação oferecida pelo Estado, mas

que incorpora os anseios, interesses e necessidades das classes populares.

Esta mesma aluna afirma que ao ser matriculada em Projeto 4 ―o formato das

aulas, o contato, convivência, generosidade, amorosidade, cuidado, interação,

integração e compartilhamento em um primeiro momento causou estranhamento e

uma certa desconfiança de como seriam sistematizadas as atividades de Projeto 4‖. Essa

compreensão aos poucos foi reconstruída e após dois semestres consecutivos no Projeto

ela afirmou que o que ―que era uma disciplina, se tornou um aprendizado de vida‖. Ela

também argumenta que as atividades realizadas durante todo o primeiro semestre

agregaram sentido e significação aos 3 anos do curso de pedagogia. Segundo ela:

a base teórica fundamentada em diversos teóricos e teorias vistos no

decorrer do curso, foi se materializando nas idas e vindas do Paranoá,

nos encontros, trocas de conhecimentos, planejamentos coletivos,

escuta dos colegas, agregando a minha formação de pedagoga,

valores, aprendizados, conhecimentos que deram uma relevância e

qualidade que não esperava incorporar em mais um semestre de curso.

Em direção semelhante outro estudante relata que reencontrou ―sentido na

educação através de um dos seus segmentos mais frágeis e ricos: a educação de jovens

e adultos‖. Ele nos conta que, no grupo Genpex, aprendeu ―a dar voz a quem é

silenciado, a dar carinho a quem não conhece o sentido da palavra, a acolher e

conquistar através do coração as pessoas que desejam mudar suas vidas‖.

Um dos diferenciais do processo de alfabetização desenvolvido com o CEDEP é

o acolhimento, a ―amorosidade‖ com que as alfabetizandos (a) são tratados (REIS,

2011, FREIRE, 1996). Parte-se do pressuposto que quando se atua com pessoas as

quais foi negado algo tão essencial como o acesso à escola e a própria língua escrita,

trabalha-se com pessoas excluídas de várias formas e que não têm como habitual tal

acolhimento. Ser acolhido no processo de alfabetização garante o bem estar do

educando e conseqüentemente a permanência do mesmo no ambiente educativo.

Em direção semelhante, outra estudante de Pedagogia relata que se surpreendeu

ao presenciar o dessilenciamento dos educandos. ―È bonito demais ver aquelas pessoas

sabendo que têm voz‖. Ela nos conta que ―ficava admirada com questões de política,

direitos, história e muito mais. Aquelas pessoas possuem um conhecimento muito rico e

somente agora que elas estão se dando conta disso‖. Esta estudante reflete sobre os

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saberes que estes sujeitos constroem ao longo da sua vida, o que traz à baila a

necessidade dos alfabetizandos terem voz, vez e decisão. Para isso, é preciso que

percebam que não são sujeitos que nada sabem, condição na qual eles mesmos se

descrevem quando buscam ou são levados à alfabetização, mas que se vejam como

protagonistas de suas próprias histórias (REIS, 2011).

Uma vez que foram silenciados, ―a língua, a palavra são quase tudo na vida

humana‖ (BAKHTIN: 2003, p. 324) encontrar pessoas (alfabetizadoras) que estão

dispostas a ouvi-los com amorosidade e atenção facilita muito a apreensão da

alfabetização num sentido amplo, uma alfabetização transformadora e libertadora.

Além de perceber a importância do acolhimento e dessilenciamento, os estudantes de

Pedagogia tornam-se sensíveis às condições desumanas presentes na negação do direito

à educação.

Percebe-se que participar do trabalho de alfabetização de adultos numa

perspectiva de pesquisa-ação os torna mais sensíveis aos processos produtores de

desigualdades na sociedade brasileira, como revela a fala do estudante a seguir: ―Ser

velho, pobre e analfabeto no Brasil é algo terrível‖. Ao mesmo tempo, reconhecem que

a alfabetização e a escolarização de jovens e adultos é algo transformador para os

sujeitos, pois ao se apropriarem da leitura e da escrita o alfabetizando passa por um

processo de mudança pessoal que afeta vários aspectos de sua vida: ― Tudo muda... suas

posturas, de cabisbaixas e silenciosas, até mesmo envergonhadas, para pessoas mais

felizes e sorridentes‖ (estudante).

Uma estudante de Pedagogia e moradora da cidade do Paranoá teve a

oportunidade de ressignificar sua compreensão acerca dessa cidade, já que segundo ela,

morava nesta cidade, mas não pertencia ao local:

Moro no Paranoá há quase dez anos e nunca me havia passado pela

cabeça conhecer a história de sua fundação, não tinha idéia de que a

cidade do Paranoá era fruto da luta de um grupo de trabalhadores que

trabalharam na construção da barragem que deu origem ao Lago

Paranoá. Não conhecia sua gente, sua cultura, sua história, suas lutas,

não pertencia.

É importante reiterar que em 2015, devido à paralisação das atividades do Brasil

Alfabetizado, o CEDEP iniciou trabalho de acompanhamento na Escola Classe 03 do Paranoá,

utilizando a informática e a escuta dos estudantes como estratégia de intervenção

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pedagógica. Com base na partilha e em um trabalho interativo, buscou-se construir o

planejamento de metodologias que pudessem dialogar com a realidade percebida e

vivida por cada educando.

As experiências sem hierarquias, foram relatadas, complementadas e

mesmo as não ditas em determinado momento da aula foram

conteúdos preciosos para alimentarem as reuniões de planejamento

coletivo, espaço de reflexão na gestão de iniciativas e conflitos,onde a

interlocução com outros atores do processo, agregavam novas

percepções às ações a serem produzidas na organização da prática

docente (estudante de Pedagogia).

No início, foram encontradas algumas dificuldades no desenvolvimento das

atividades, pois alguns professores não queriam aceitar o trabalho por acreditarem que o

conteúdo seria prejudicado; a direção da escola também colocava empecilhos para

aceitar o projeto. Não obstante, os estudantes tentaram manter uma perspectiva

dialógica e propositiva. Ao avaliar esse processo, uma estudante assim se manifesta:

Nós da Pedagogia, ficamos responsáveis por essa turma do primeiro

horário de segunda-feira, e foi o dia que eu escolhi para estar

participando do projeto. Pude acompanhar a turma e ver o crescimento

de muitos, mas também a frustração de alguns por não conseguirem

achar as letras no teclado, ou clicar com o mouse, e vi e aprendi como

é importante nessas horas a figura do professor que motiva e acredita

no potencial do aluno. Muitos queriam desistir, mas quando nós

insistíamos e eles tentavam mais uma vez e conseguiam realizar o

exercício, o que para nós poderia ser pouca coisa, para eles era uma

grande vitória. Foi assim todos os dias, cada um a seu tempo

avançando.

Percebe-se que a prática pedagógica desenvolvida na Escola Classe 3 do Paranoá

foi marcada pela escuta sensível das histórias de vida dos educandos, pelo diálogo e

negociação com os gestores e professores acerca da importância do projeto para a

aprendizagem e desenvolvimento dos educandos jovens e adultos. Esse processo foi

salutar para o reconhecimento e ressignificação de suas concepções e preconceitos em

torno da EJA, processo que ultrapassa o âmbito das salas de aulas da universidade, e

que instaurou no educando/futuro professor convicções acerca das suas opções

profissionais.

o semestre mudou muito em mim e naqueles que estão ao meu redor

porque foi perceptível a minha alegria por estar no projeto e por ele

ser na EJA, e também a minha posição com relação a outros

assuntos.[...] consegui quebrar muitos preconceitos que tinha com

relação ao Paranoá e o seu povo, e isso só aconteceu por meio das

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10129ISSN 2177-336X

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nossas conversas, dos relatos das vertentes e pela experiência/prática

que tive na Escola 03 do Paranoá.

Considerações finais:

Nesse artigo, analisamos a experiência do curso de Pedagogia da Faculdade de

Educação no tocante à formação de educadores de EJA, com base no trabalho

desenvolvido nos projetos 3, 4 e 5. Nossa pretensão não foi a de esgotar as informações

acerca desse tema, mas constituir uma reflexão inicial acerca das possibilidades

formadoras dos diversos espaços disponíveis no âmbito da FE/UNB. Percebe-se no

desenvolvimento do trabalho do GENPEX a intencionalidade de construir uma

formação inicial em EJA com base nos pressupostos da educação popular. Para tanto, a

pesquisa-ação existencial possibilita ao futuro professor a vivência e o desenvolvimento

de uma prática pedagógica pautada na escuta sensível, no diálogo, na amorosidade e no

respeito mútuo. A análise das falas revela indícios de que o contato com os sujeitos

jovens e adultos e a reflexão na e sobre essa experiência forja no estudante de

Pedagogia uma sensibilidade/compromisso em relação a essa realidade.

Bibliografia citada

BAKHTIN, Mikhail. Estética Da Criação Verbal. 4ª Ed. São Paulo: Martins Fontes,

2003.

BARBIER, R. A pesquisa-ação. Trad. Lucie Didio. Brasília: Liber Livro, 2002.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São

Paulo: Paz e Terra, 1996.

_____________. Pedagogia do Oprimido. 52ª ed. Ver e atual. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 2014.

REIS, Renato Hilário dos. A Constituição do Ser Humano amor, poder, saber na

educação de jovens e adultos. 1ª ed. São Paulo. Autores Associados. 2011.

THIOLLENT, M. (1985) Metodologia da pesquisa-ação. SP: Cortez.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10130ISSN 2177-336X

14

BRANDÃO, Carlos R. A educação popular antes e agora. Formação de educadores de

jovens e adultos / organizado por Maria Margarida Machado. — Brasília: Secad/MEC,

UNESCO, 2008.

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. Faculdade de Educação. Projeto Acadêmico do

Curso de Pedagogia. Brasília: Faculdade de Educação, 2002.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10131ISSN 2177-336X

15

A CONSTITUIÇÃO DO ALFABETIZADOR(A) E ALFABETIZANDO(A) COMO

SUJEITOS DE APRENDIZAGEM: UMA PERSPECTIVA DA APRENDIZAGEM

SITUADA

Betânia Oliveira Barroso- UFMA

Resumo:

O presente artigo é resultado da pesquisa de doutorado ―A Constituição do Sujeito de

Aprendizagem: uma perspectiva da Aprendizagem Situada na Alfabetização de Jovens e

Adultos no Centro de Cultura e Desenvolvimento do Paranoá – CEDEP – DF. Tem

como objetivo contribuir para a compreensão da constituição do sujeito de

aprendizagem, tendo em vista o alfabetizador(a) e alfabetizando(a), importando-nos

com aspectos dialógicos das relações estabelecidas no contexto histórico-cultural, e

situado, do aprendiz. Para tanto, a pesquisa se fundamenta na perspectiva Histórico-

Cultural com Vygotsky, seus representantes da segunda geração, com Leontiev e da

terceira geração, com Lave, Wenger e Engeström, com os quais foi possível desenvolver

o conceito de Zona de desenvolvimento proximal implicado ao conceito de

aprendizagem expansiva na relação dialógica entre a alfabetizador(a) e os

alfabetizandos. Para o desenvolvimento metodológico a pesquisa centrou-se no

paradigma qualitativo de investigação, com referência em Minayo, Reis e Rios e a

metodologia da situação problema – desafio, que se caracteriza pela discussão e escolha

de um problema entre os participantes do grupo e a construção de estratégias para

superação. Os dados foram construídos e analisados em quatro categorias temáticas.

Segundo as análises foi possível obter como resultado a consideração de que uma zona

de desenvolvimento proximal, para o alfabetizando ou a alfabetizanda jovem ou

adulto(a) no processo de ensino com a alfabetizadora, é o espaço compreendido entre as

atividades cotidianas, ou seja, os hábitos, as compreensões, as convivências, as

experiências de trabalho, o ato de ler, dentre outras, de cada sujeito, e a forma de

organização, histórica e culturalmente nova dos grupos sociais e da sociedade. Essa

nova forma, ou zona de desenvolvimento potencial, ou ciclo expansivo da

aprendizagem pode ser construída na relação com o outro, ou seja entre a

alfabetizador(a) e alfabetizando(a), mas também coletivamente como uma solução para

as situações-problemas-desafios do cotidiano.

Palavras-chaves: Aprendizagem; alfabetizador(a); alfabetizando(a).

Introdução:

O presente artigo concretizou-se a partir da pesquisa de doutorado ―A

constituição do sujeito de aprendizagem: uma perspectiva da aprendizagem situada na

alfabetização de jovens e adultos do Centro de Cultura e Desenvolvimento do Paranoá –

CEDEP – DF. Nesse sentido, a pesquisa visou contribuir para a compreensão da

constituição do sujeito de aprendizagem, tendo em vista o professor(a) alfabetizador(a)

e alfabetizando(a), dando importância aos aspectos dialógicos das relações estabelecidas

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10132ISSN 2177-336X

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no contexto histórico-cultural, e, situado do aprendiz no Centro de Cultura e

Desenvolvimento do Paranoá – CEDEP.

Para o desenvolvimento da pesquisa, busquei fundamentação teórica na

perspectiva histórico – cultural de Vygotsky (1995, 1996, 2007), Leontiev (1978,

1980a, 2006), também em Bakhtin (1992, 2002) e colaboradores contemporâneos que

desenvolveram a teoria da aprendizagem situada e aprendizagem periférica de J. Lave e

E. Wenger (1991), Wenger (1998, 2001, 2002), bem como, a da aprendizagem

expansiva de Engeström (1987, 1999, 2001/2005).

Para a construção e desenvolvimento metodológico busco a abordagem da

Pesquisa Qualitativa, com base em Minayo (2007), Denzin e Lincoln (2010) e nos

princípios metodológicos de pesquisadores da educação, como Demo (1998, 2012),

Reis & Rios (2010) e Reis (2000, 2011) com a metodologia da situação-problema-

desafio, a partir dos problemas do grupo apresentados nos fóruns de discussão, a fim de

nortear e alcançar o objetivo proposto na pesquisa.

Nessa perspectiva, aproximo-me da ideia de que a constituição do professor(a)

e do alfabetizando(a) como sujeitos de aprendizagem, é um processo

pessoal/social/coletivo e expansivo no contexto ou na comunidade em que desenvolvem

suas relações sociais. Em outras palavras, é possível expressar que o sujeito de

aprendizagem constitui-se no processo dialógico das práticas sociais nos espaços que

atua, sendo que em um desses espaços situa-se a escola, a qual exerce função instrutiva

e socialmente educativa.

2. Fundamentação teórica:

2.1 A constituição do sujeito histórico-cultural

A constituição do sujeito histórico-cultural foi compreendida a partir da

perspectiva de Vygotsky (1996), tendo em vista os conceitos de filogênese e ontogênese

com base na relação dialógica do ser humano.Essa relação é possível a partir da

compreensão da função dos signos e ferramentas, que para o autor têm a mesma função

– mediação,

Vygotsky (1995) teve como propósito na psicologia realizar uma investigação

empírica sobre o papel dos instrumentos e signos na atividade mediadora do

comportamento, tendo como base de análise três teses. A primeira é a que compreende a

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10133ISSN 2177-336X

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semelhança entre o signo e a ferramenta, que têm a mesma função - mediação. A

segunda é o esclarecimento dos pontos fundamentais de divergência entre a ferramenta

e o signo, em que estes têm distinta orientação, pois por meio da ferramenta o homem

influi sobre o objeto de sua atividade, ou seja, quando a atividade é dirigida para fora do

sujeito, provocando mudanças externas, na natureza, ou no objeto.

O signo não modifica nada no objeto da operação psicológica, mas é o meio

onde pode influenciar psicologicamente sua conduta e a do outro. É, pois, o meio pelo

qual sua atividade interior (subjetiva) pode ser dirigida a dominar o próprio ser humano.

O signo, portanto, tem sua atividade direcionada internamente. A terceira tese tem por

finalidade realizar o nexo real entre as duas atividades, a externa com a interna e

consequentemente o nexo real de seu desenvolvimento nafilo e na ontogênese

(VYGOTSKY, 1995, 2007).

De semelhante modo à Vygotsky (1995, 2007), Bakhtin (2002) considera o

papel do signo como responsável pela atividade mental, compreendendo que o material

semiótico pode ser encontrado em qualquer gesto ou processo do organismo, como por

exemplo, as formas de articulação, mímica, movimento corporal, reação a estímulos

externos. Estes podem se tornar material para expressão da atividade psíquica, como

também, ―a palavra (o discurso interior) que se revela como material semiótico

privilegiado do psiquismo‖ (Idem, p. 52).

Ainda na perspectiva anteriormente exposta por Bakhtin, também para

Vygotsky (2003, p.70) ―o signo age como um instrumento da atividade psicológica de

maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho‖, exercendo a função de

mediação, mas também compreendendo que ―os usos de instrumentos e signos estão

mutuamente ligados, ainda que separados, no desenvolvimento cultural da criança‖

(VYGOTSKY, 2007, p. 71). Partindo dessa compreensão, Pino (2005) interpreta que a

relação entre instrumentos e signos ocorre por meio de uma dinâmica de ruptura e

continuidade, explicando:

Ruptura pela ação transformadora que o signo (sistemas simbólicos)

exerce sobre as funções naturais que passam a operar sobre as leis da

história. Continuidade porque as funções superiores (culturais)

pressupõem, necessariamente, uma base natural, biológica, que as

torne possíveis e concretas (PINO, 2005, p. 89). Pois, ―a cultura – diz

Vygotsky – não cria nada, apenas modifica os dados naturais para

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10134ISSN 2177-336X

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adaptá-los aos objetivos do homem‖ (VYGOTSKY, 1994, p. 59, apud

PINO, 2005, p. 89).

Desse modo, o processo de desenvolvimento histórico e cultural das funções

psicológicas superiores explica sua origem social, tendo em vista os objetivos de

mudança, adaptação e transformação da própria natureza para a produção e

cumprimentos dos seus propósitos de vida. Assim, com o domínio da natureza pelo ser

humano fez nascer um homem, do qual se perguntava Vygotsky: o que seria este

homem? Ao que, responde Reis (2011, p. 98): ―Para Hegel, ele é um sujeito lógico.

Para Pávlov, é uma soma, é um organismo. Para Vygotsky, o homem é uma

pessoa social, um agregado de relações sociais, corporificadas no indivíduo (funções

psicológicas construídas segundo a estrutura social)‖. Para Reis o homem é o

acontecimento humano como um todo (drama), do qual o sujeito é e faz parte como

singularidade (Idem).

Portanto, para os autores citados, o homem é um sujeito que pode ser lógico,

pode ser um organismo, bem como uma pessoa social, mas, como bem disse Reis, o

homem é um acontecimento humano imerso num drama, isto é, no fato concreto da

vida. E por este ser um sujeito que se constitui no acontecimento do drama da vida,

compreendemos que também é um sujeito que se constitui com as relações humanas, de

modo ativo e aprendendo com a dinâmica dialógica de seu contexto.

2.2. A constituição da aprendizagem: A teoria social da aprendizagem e

aprendizagem situada:

Na perspectiva da teoria da aprendizagem situada, a aprendizagem é vista

como prática social, a qual consiste em que o sujeito participe de uma maneira ativa nas

práticas das comunidades, sustentando o compromisso mútuo na ação; compartilhando

de seus recursos históricos e sociais, que implicará na construção de identidades em

relação a essas comunidades (WENGER, 1998), ou seja, implica na constituição de uma

comunidade de prática, a qual―consistem na membresia e dependem dela, incluindo as

biografias /trajetórias, relações e práticas que as caracterizam‖ (LAVE & WENGER,

1991, p. 14).

Desse modo, uma comunidade pode ter como prática, por exemplo, o

engajamento coletivo e popular de alfabetizadores, da própria comunidade para

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alfabetizar e escolarizar crianças, jovens e adultos, bem como para desenvolver

estratégias de enfrentamentos para resolução de problemas pertinentes aos membros da

escola, ou seja, que fazem parte dessa comunidade de práticas.

A partir dessa ideia surge o conceito de aprendizagem como atividade situada,

que é o ―entendimento compreensivo que compromete a pessoa na totalidade, em lugar

da ‗recepção‘ de um corpo de conhecimento fatual sobre o mundo, e na proposta de que

a pessoa, a atividade, e o mundo se constituem mutuamente uns aos outros‖ (LAVE &

WENGER, 1991, p. 4).

Para os autores a atividade situada e aprendizagem situada não podem ser

confundidas com a noção de localismo, obrigatoriedade e limitações de um tempo com

tarefas determinadas. Pois, reafirmam que a aprendizagem situada, ―(...) é parte integral

da prática social geradora no mundo em que se vive‖ (Idem).

Desse modo, por meio dessa construção teórica os autores ampliaram e

superaram as abordagens tradicionais de aprendizagem, bem como a conotação de

relação professor-aluno, de mestre e aprendiz, pois com a compreensão de que a relação

de participação é mutável e transformadora das identidades nas comunidades de

práticas, deram outro significado e direcionamento ao conceito de aprendizagem,

legitimando-a como uma prática social em comunidade.

Para Leontiev (1989; 2006) a aprendizagem é uma atividade que prenuncia a

noção de um processo sociocultural do trabalho do homem. O autor também considera

que, a apropriação da aprendizagem é o processo de aquisição, por parte do homem, da

experiência da espécie, mas não só da experiência filogenética de seus antepassados

animais, e sim a experiência humana, ou seja, a experiência histórico-cultural das

gerações precedentes, dos produtos da atividade social objetivados na cultura. A

aprendizagem é, pois, o processo de apropriação da experiência humana, culturalmente

acumulada e desenvolvida pela atividade coletivado ser humano, a qual Engeström

(1990) compreende como sistema de atividade.

O Sistema de atividade, é definido como um grupo de pessoas que

compartilham um objetivo e motivo em comum ao longo do tempo, bem como a ampla

gama de ferramentas que usam em conjunto para agir sobre o objeto em que se

desenvolve uma atividade de estudo ou de trabalho (ENGESTRÖM, 1990).

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10136ISSN 2177-336X

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Partindo desse pressuposto o autor citado a cima, também, desenvolve o

conceito de Aprendizagem expansiva, queocorre com o processo de confrontação

consciente das contradições ou das ambivalências que, ao serem postas como dilemas

socialmente essenciais, geram ações que fazem emergir formas historicamente novas de

atividade (ENGESTRÖM, 1987).

Essa perspectiva teórica considera o conceito de Zona de Desenvolvimento

proximal como ―coletivista‖ ou ―societário‖, na medida em que ―Engeström define a

zona de desenvolvimento proximal como a ―distância entre as atividades diárias dos

indivíduos e a forma, historicamente nova, da atividade da sociedade que pode ser

gerada coletivamente como uma solução para o duplo vínculo potencialmente

materializado nas atividades cotidianas‖ (ENGESTRÖM, 1987, p. 174, apud LAVE &

WENGER, 1991, p.11).

A atividade de aprendizagem do sujeito é, portanto, uma atividade que se

processa pelo caráter relacional da experiência no cotidiano e do conhecimento, e pelo

caráter negociado do significado comprometido com a natureza social da atividade de

aprendizagem do sujeito envolvido. É, pois, o entendimento compreensivo que

compromete a pessoa em sua totalidade, em lugar da recepção de um corpo de

conhecimento fatual sobre o mundo, ou seja, é a proposta de que o sujeito, a atividade e

o mundo se constituam mutuamente uns aos outros.

3.Metodologia e procedimento metodológico

Como processo metodológico a pesquisa foi fundamentada na perspectiva da

pesquisa qualitativa, com autores como Denzin e Lincoln (2010), Demo (1998, 2012),

Reis (2000, 2011) e Rios (2007, 2010). Estes, desenvolvem estudos e pesquisas em

educação, dando relevância aos processos qualitativos de investigação.

Demo, ao refletir sobre pesquisa qualitativa, considera a questão da qualidade

humana uma dimensão histórico-dialética, compreendendo que ―a dialética humana é da

unidade de contrários, encontrando aí sua dinâmica histórica própria. Faz parte desta

lógica polarizada, entre outras coisas‖ (DEMO, 1998, p. 08). Desse modo, para o autor,

―pesquisa qualitativa significa, na esteira de nossa argumentação, o esforço jeitoso de

formalização perante uma realidade também jeitosa. Trata-se de uma consciência

crítica da propensão formalizante da ciência, sabendo indigitar suas virtudes e vazios‖

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10137ISSN 2177-336X

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(Idem, p. 13). Ou seja, é importante mostrar como se processa o desenvolvimento

qualitativo da pesquisa qualitativa.

Desse modo, a pesquisa foi desenvolvida no Centro de Cultura e

Desenvolvimento do Paranoá (CEDEP), com uma turma mista(aquela que tem alunos

iniciantes, intermediários e concluintes) da Alfabetização de Jovens e Adultos, tendo

como sujeitos participantes 2 alfabetizandos, 2 alfabetizandas, 1 professora e a Diretora,

segundo a conveniência de cada sujeito participante e a situação problema desafio

escolhida nos fóruns de discussão, conforme Reis (2000, 2011) e Rios (2007, 2011).

Para a coleta de dados utilizei como instrumentos de investigação a entrevista

aberta ou em profundidade, a observação participante e o diário de campo, com base em

Minayo (2007). Esses instrumentos funcionaram como instrumentos que possibilitaram

a construção das informações pretendidas, bem como a viabilidade para interpretações

pertinentes à construção do diálogo entre sujeitos e objetos da pesquisa.

O procedimento metodológicoadotado para análise dos dados, ocorreu com a

exemplificação dos dados empíricos, que foram explorados por meio da triangulação

metodológica, que envolve a combinação de diversos métodos, geralmente a observação

e a entrevista, de modo a compreender melhor os diferentes aspectos de uma realidade e

a evitar os enviesamentos de uma metodologia única (DEZIN; LINCOLN, 2000).

Nesse sentido, por meio do procedimento da triangulação das informações,

pude verificar quais as categorias temáticas de maior recorrência, destacando-se nesse

artigo as seguintes: 1. Aprendizagem mediada; 2. Aprendizagem como situação-

problema-desafio; 3. Aprendizagem como atividade/vontade/enfrentamento; 4.

Aprendizagem coletiva. Essas categorias foram construídas a partir do cruzamento entre

os dados fornecido pelos instrumentos, ou seja, pelas observações, anotações do diário

de campo e pelas falas dos seis sujeitos participantes da pesquisa, o Carlos, o Francisco,

a Dona Édina, a Dona Tereza, a professora Silvana e Lourdes, a Diretora do CEDEP.

4. Discussão e resultados

4.1 A Aprendizagem mediada: “Que eu não enxergava nada, só batia na testa e

voltava, né?”

Foi possível verificar o processo de mediação por meio de signos

culturais/significação. Também a relação dialógica entre alfabetizando(a) e

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alfabetizador(a), como ferramenta do processo de aprendizagem. Como nos diz Dona

Tereza:

Dona Tereza: ―Tive muita dificuldade, mas quem confia..., Um dia eu

tava assim que eu disse meu Deus do céu, o que eu vou fazer? Que eu

não enxergava nada, só batia na testa e voltava, né? Aí eu me senti tão

aperreada aí eu me debrucei em cima da carteira assim, e clamei,

clamei mesmo e não tenho vergonha de falar. Clamei ao Senhor e

disse assim: Senhor, eu preciso conhecer ao menos seu nome escrito.

Aquele momento ali parece que eu tava dentro de uma redoma de

vidro que eu não ouvia nada que tivesse fora. Aí a professora foi e fez

uma pergunta lá, o que significava TCB? Aí eu levantei a cabeça e

disse assim: Transporte Coletivo de Brasília. Aí eu disse, meu Deus

do céu, isso não fui eu. Aí um menino que me conhecia disse, Dona

Teresa, que aconteceu? Aí eu disse, meu filho, não sei, só sei que eu

me apeguei com Deus e saiu a resposta. Aí eu disse, por que eu não

vou fazer essa tentativa e tô aí confiante, confiando no Senhor e nessa

moreninha (professora) que tá aí que é uma pessoa maravilhosa (...)‖.

O diálogo intrapsicológico e o interpsicológico que dona Tereza desenvolve no

momento conflituoso sobre a ―incompreensão‖ da aula, possivelmente fez ativar um

processo de pensamento que desencadeou em um caminho de rodeio que

correspondesse ao significado das siglas TCB (Transporte Coletivo de Brasília), uma

vez que essas siglas estão presentes, enquanto signos linguísticos no cotidiano dos

brasilienses.

Nesse momento pergunto à professora Silvana:

P:em que momento você percebe que eles aprenderam?

Profa. Silvana: ―Geralmente eles começam a sorrir... ‗nossa eu nunca

saberia que isso era desse jeito, que assim que se escreve‘. Tem uns

que já conhecem as letras pelo nome deles... ‗ah, essa aqui é a letra do

meu nome‘. A partir daí eles começam a conhecer as palavras, fazer

semelhanças, a associar‖.

Como aponta Vygotsky (apud VAN DER VEER & VALSINER, 2009), a

gênese dos processos psicológicos superiores do homem não pode ter sua raiz na mente

ou cérebro de uma pessoa individualmente, ―mas deve ser procurada nos sistemas de

signos sociais ‗extra cerebrais‘ que uma cultura proporciona (p. 243-244).

4.3 Aprendizagem como situação-problema-desafio: ―Fiquei encantada com o

trabalho desenvolvido pelas professoras sobre o trânsito, pois os alunos sabiam o que

era o semáforo, mas não conheciam o significado e função das cores”.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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Foi possível constatar que a aprendizagem como situação-problema-desafio

encontra-se na interdependência relacional entre o sujeito, a comunidade que pertence e

suas demandas (pessoais e coletivas) são realidades da constituição do sujeito de

aprendizagem situada, no CEDEP.

Foi possível verificar, também, que a aprendizagem situada na comunidade de

prática do CEDEP, ocorre também por meio da organização e dos encaminhamentos da

atividade de aprendizagem, de acordo com as discussões dos fóruns de Alfabetização de

Jovens e Adultos e com base na situação-problema-desafio, que mobiliza a organização

do trabalho pedagógico. Como nos diz Lourdes:

Lourdes: “Fiquei encantada com o trabalho desenvolvido pelas

professoras sobre o trânsito, pois os alunos sabiam o que era o

semáforo, mas não conheciam o significado e função das cores.

Também, é possível que tenha alunos daltônicos, pois as vezes

confundem as cores. O material didático produzido pelas professoras,

não serve apenas para aprender suas funções, mas também para

trabalhar as formas geométricas‖.

A partir da fala de Lourdes, é possível verificar que, o que define a prática

social de uma comunidade são as articulações e o envolvimento dos sujeitos na

atividade. Desse modo, uma comunidade pode ter como prática, por exemplo, o

engajamento coletivo e popular de educadores/alfabetizadores da própria comunidade

para alfabetizar e escolarizar crianças, jovens e adultos, bem como para desenvolver

estratégias de enfrentamentos para resolução de situações-problemas-desafios

pertinentes aos membros da comunidade de prática, e que tem compromisso com a

constituição dos sujeitos de aprendizagem, como é o caso do Centro de Cultura e

Desenvolvimento do Paranoá.

5.4. Aprendizagem como atividade/vontade/enfrentamento: ―...eu acho que aquela

época um livro tinha um valor de um celular, desses caros. Então quando eu recebi

aquele material eu fiquei assim... É impressionante, eu nunca tive acesso a isso‖.

Foi possível verificar que as condições históricas concretas do sujeito de

aprendizagem exercem influência tanto sobre o conteúdo concreto de um processo

individual do desenvolvimento, como sobre o curso total do processo de

desenvolvimento psíquico como um todo. Ou seja, a aprendizagem como

atividade/vontade/enfrentamento na constituição do sujeito se processa por seu

envolvimento na vida social, de trabalho, familiar, experiências pessoais e em grupos,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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pois o engajamento nessas atividades significa a preparação, a constituição de uma

pessoa em sua totalidade.

Dona Édina: ―...Naquela época não tinha livro. Era um livro por

família e ia passando de filho pra filho, até chegar ao mais novo.

Quando chegava, aí passava pra outra pessoa da família, um primo,

tio... Então assim, os livros não saíam da família. Eu lembro que a

minha avó, ela pra conseguir os livros da minha irmã, ela batia de

porta em porta pedindo. Eu acho que aquela época um livro tinha um

valor de um celular, desses caros. Então quando eu recebi aquele

material eu fiquei assim... É impressionante, eu nunca tive acesso a

isso. Tudo que eu aprendi com meus pais eu passei pros meus filhos e

hoje eu tô tendo oportunidade de estudar.

Os processos de aprendizagem e de desenvolvimento possuem um conteúdo

preciso (apropriado) e sequência temporal, os quais estão em movimento e mudanças,

pois o desenvolvimento é um processo contínuo implicado com a história e a cultura,

com o contexto social e de vida de Dona Édina. Assim, sua constituição como sujeito de

aprendizagem na dimensão da vontade e do enfrentamento se processa por suas escolhas

e por ser protagonista de sua própria história.

5.5 A aprendizagem coletiva: “Porque vimos paisagens e partes do nosso país. A

gente vive aqui e não conhece os rios, a mata, os índios”.

É possível perceber que se processa uma organização das situações em que as

atividades de aprendizagem ocorrem, pois para cada um, foram realizadas de forma

única. As situações de atividade para cada sujeito de aprendizagem são experiências

particulares, singulares de cada sujeito, embora imersa em fatores sociais comuns de um

mesmo sistema de atividade. Nesse sentido, na sala de aula da professora Silvana

ocorre um diálogo sobre a visitação da exposição das fotografias de Sebastião Salgado,

como podemos conferir abaixo:

Profa. Silvana: o que mais chamou atenção na exposição?

Dona Édina: ―Prestei atenção nos animais, no leão e na manada de

elefantes. Entendo que a elefanta é a líder‖.

Dona Tereza: ―O olhar das pessoas e dos bichos parecia que estavam

falando com a gente professora‖.

Dona Édina: ―O mais interessante que eu achei foi que as fotos são

em preto e branco‖.

Interagindo com a conversa seu José Ayrton diz:

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Seu José Ayrton: ―Mas esse passeio foi melhor que o outro não é

mesmo?‖

Dona Tereza: ―Pois é, a gente fica só trancafiado em casa, só perto do

fogão e lá (na exposição) a gente se sente diferente, outra pessoa‖.

Seu José Ayrton: ―Quando eu tô nesse lugar eu não penso mais em

nada‖.

O movimento dialógico sobre os variados países, sobre diferentes povos e as

diversas culturas representadas e apresentadas na obra ―Gênesis‖ de Sebastião Salgado,

interviu significativamente no processo de aprendizagem e desenvolvimento expansivo

dos sujeitos participantes. Podemos verificar isso quando a professora Silvana pergunta:

Profa. Silvana: Qual a maior aprendizagem de vocês com a

exposição?

Dona Edna: ―A maneira, a cultura deles. A simplicidade. Acho que

eles têm tão pouco... já imaginou...hoje a gente vê que as pessoas têm

tanto recurso, mas lá entre eles tem tanto amor, carinho, alegria e a

gente não vê isso aqui hoje. Eles são felizes com tão pouco‖.

Dona Tereza: ―Eles são felizes como vivem, mesmo sendo

diferentes‖.

Posso considerar queuma zona de desenvolvimento proximal, para o

alfabetizando ou a alfabetizanda jovem ou adulto(a), na relação dialógica com a

alfabetizadora, é o espaço compreendido entre as atividades cotidianas. Ou seja, os

hábitos, as compreensões, as convivências, as experiências de trabalho, o ato de ler,

dentre outras, de cada sujeito, e a forma de organização, histórica e culturalmente nova

dos grupos sociais e da sociedade. Essa nova forma, ou zona de desenvolvimento

potencial, ou ciclo expansivo da aprendizagem, pode ser construída coletivamente como

uma solução para as situações-problemas-desafios do cotidiano.

5. Considerações finais

Percebi, que os alfabetizandos(as) mostram-se, verdadeiramente, atentos em

relação ao que o outro falava, ao que a professora alfabetizadora ensina. Compartilham

das ideias dos outros, interferem, complementam, dialogam, conforme suas percepções,

seus interesses, seus objetivos, seus entendimentos e compreensões. Tudo isso, desvela-

se de maneira instigadora e conexa.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10142ISSN 2177-336X

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Também é evidente que os alfabetizandos(as) falam, interpretam a partir

daquilo que sabem, com base nas experiências de vida, com base no que compreendem

como leitura de mundo. São sujeitos que hipotetizam, conforme suas curiosidades e

criatividades, percebendo com dignidade o valor de suas sabedorias, mas também o

valor do ―desconhecido‖ e o da descoberta, tendo em vista a dimensão social e coletiva,

o que implica diretamente a professora alfabetizadora no processo de constituição como

sujeitos de aprendizagem.

Considero que a constituição do alfabetizador(a) e alfabetizando(o) como

sujeitos de aprendizagem: uma perspectiva da aprendizagem situada, ocorre na

dimensão de um processo ativo, coletivizado e favorecedor de novas áreas do

desenvolvimento e expansão humanizada dos sujeitos envolvidos e do coletivo.

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28

UMA CONTRIBUIÇÃO Á FORMAÇÃO ACADÊMICA E CONSTITUIÇÃO

PRÁXICA DE PEDAGOGAS (OS), COM ADOLESCENTES QUE CUMPREM

MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS, NO SISTEMA DE SEMILIBERDADE

Nirce Barbosa Castro Ferreira- Faculdade de Educação da UNB

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo central compartilhar o conhecimento apreendido

na pesquisa em andamento, cuja base é a dimensão da práxis para a constituição e

formação do profissional pedagogo (a) na/da educação de adultos socioeducativas em

regime de semiliberdade. A pesquisa contempla a ação de ensino-pesquisa-extensão de

professores e graduandos da Faculdade de Educação do Curso de Pedagogia e outras

licenciaturas da Universidade de Brasília. Os mesmos atuam desde o ano de 2008 com

sujeitos pré-adolescentes, adolescentes, jovens e adultos que cumprem medidas no

Sistema Socioeducativo em uma Unidade de Semiliberdade do Distrito Federal. O

trabalho tem apresentado resultados positivos, sobretudo, no aspecto da constituição e

transformação da realidade vista/vivida por todos os envolvidos no processo. Esse

trabalho de pesquisa privilegia a práxis pregada por Karl Marx e outros marxistas. A

metodologia adotada para o desenvolvimento da pesquisa fundamenta-se na concepção

materialista histórico-dialética de Marx (2007) Kosik (1996) e tem base fundante na

Pesquisa-Ação, onde autores como Barbier (2007) e Thiollent (2008) são consultados à

pesquisa. O trabalho baseia-se na abordagem qualitativa de pesquisa, com Ludke e

André (1986). Esses autores, entre outros, trazem suas contribuições, tendo em vista a

busca da pesquisadora para compreender a significação que a práxis pedagógica pode

ter na constituição e formação do (a) pedagogo (a) na/da Educação de adultos regulari e

nas instituições socioeducativas.

Palavras-chave: Socioeducação, Formação de Pedagogos, Educaç.

1 – INTRODUÇÃO

Em geral, a pessoa em formação almeja colher frutos em futuro próximoii. Os

alunos (as) do Curso de Pedagogia e outras licenciaturas, que estudam conosco também

demonstram preocupação ao pensar na abertura de novos campos de trabalho. Sendo

assim, os graduandos (as) demandaram o cumprimento do tripé ensino-pesquisa-

extensão, proposto pela Faculdade de Educação na Universidade de Brasília – UnB.

Essa necessidade levou-os a procurar o Grupo de Ensino, Pesquisa e Extensão em

Educação Popular e Estudos Filosóficos e Históricos-Culturais, GENPEX-FE-UnB para

uma proposta de atuação dentro da socioeducação que fosse contemplada dentro do

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10145ISSN 2177-336X

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currículo do curso e pudesse atendê-los. A atuação extensionista dentro do curso de

pedagogia, a nosso ver, deve ser orgânica-processual. Devendo ser mantida a

permanência da relação acadêmica concomitantemente à intervenção para a

transformação, prevalecendo a democratização da ciência.

2- O GENPEX

2-1 A origem do grupo GENPEX – Grupo de Pesquisa e Extensão e Estudos

Filosóficos Históricos - Culturais

O GENPEX/ FE-UnB completará, em 2016, 30 anos de fundação, e sempre

trabalhou na perspectiva marxista, alinhado com a teoria histórico/cultural que entende a

práxis educativa como um fator fundamental para a construção do processo educativo

real concreto e significante. Sobre a práxis, Vigotski nos diz:

As mais complexas contradições da metodologia psicológica recaem

sobre o terreno da prática, porque somente aí podem encontrar

solução. Nesse terreno as discussões deixam de ser estéreis e chega-se

a resultados. O método, ou seja, o caminho seguido é visto como um

meio de cognição: mas o método é determinado em todos seus pontos

pelo objetivo a que conduz. Por isso, a prática reestrutura toda a

metodologia. (VIGOTSKI, 2004, p. 346)

O trabalho do GENPEX inicia-se em 1986, com a parceria do Movimento

Popular na Região Administrativa do Paranoá-Distrito Federal e permanece até os dias

de hoje, com outras frentes de trabalho extensionistas dentro da Faculdade de Educação

na Universidade de Brasília. Em 2008, o Grupo GENPEX aceita o desafio proposto

pelos alunos e abre uma frente de trabalho na Socioeducação. O trabalho é feito

coletivamente por graduandas (os) em Pedagogia e outras licenciaturas junto a

adolescentesiii que cumprem medidas socioeducativas em uma Unidade de

Semiliberdade, no DF. Após cumprimento dos trâmites legais dessa nova futura

parceria, inicia-se, então, o processo fundamentado na práxis.

A vivência/convivência do grupoiv na Unidade de Semiliberdade no DF- Casa

v, a

relação social/afetiva observada, entre graduandos (as) de diversas licenciaturas e

adolescentes/gestores da Casa, sugerem o início de um trabalho pautado na

amorosidade, confiança e lealdade entre todos. Chamo de amorosidade o

desenvolvimento dessa capacidade de escutar/ouvir/pensando no falar do outro.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10146ISSN 2177-336X

30

Levando em conta o outro que fala/ ouve/escuta. Talvez também a motivação, os

desejos, necessidades, interesses e emoções que estão por trás das palavras e dos

pensamentos. Esse contato inicial de construção de vínculo afetivo e de confiança entre

sujeitos humanos torna, a cada um de nós, sujeitos convictos de uma transformação.

Reis afirma: ―[...] Transformações que desnudam/desvelam origens e posições de

classes do sujeito: suas oscilações, ambiguidades, certezas, incertezas, dúvidas no

transcorrer da própria transformação. [...]‖ (REIS, p. 116,2011)

Na reflexão-ação-reflexão coletiva surge a ideia de se tornar real um projeto de

trabalho envolvendo os adolescentes com a tecnologia. A tecnologia pareceu um ―prato

cheiovi‖ nesse momento, que saciaria tanto aos adolescentes, quanto os futuros

pedagogos (as). Nesse momento ainda estávamos buscando entender o que era a

socioeducação e qual seria o seu campo de estudo.

Para compreender melhor a Socioeducação na Semiliberdade, pode-se consultar

seu marco legal onde se destacam as diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente

(ECA), Lei Nº 8.069/1990 e do Sistema Nacional de Socioeducação (SINASE), Lei Nº

12.94/2012. Esses textos preveem a garantia de direitos aos adolescentes,

independentemente de sua condição social, cultural ou étnico-racial. O SINASE veio

regulamentar o ECA e afirma as seguintes necessidades específicas para entidades e/ou

programas que executam a medida socioeducativa de semiliberdade:

A ênfase do programa de semiliberdade é a participação do

adolescente em atividades externas à Unidade (família e comunidade).

A sua execução deve prever programas e espaços diferenciados para

adolescentes com progressão de medida e adolescentes oriundos de

primeira medida. Para atender até vinte adolescentes na medida

socioeducativa de semiliberdade a equipe mínima deve ser composta

por: um coordenador técnico, um assistente social, um psicólogo, um

pedagogo, um advogado (defesa técnica), dois socioeducadores em

cada jornada, um coordenador administrativo e demais cargos nesta

área, conforme a demanda do atendimento. Deve-se considerar, nos

casos de haver mais de uma residência de atendimento em pequenos

grupos de até quinze adolescentes, poderá ser instituída uma

coordenação administrativa, uma coordenação técnica e um advogado

para duas ou três casas simultaneamente. (SINASE, p. 44, 2006)

Somente a observação do marco legal, a sua institucionalização e

regulamentação não ―ressocializa‖ os adolescentes. Nem tampouco os fazem serem

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10147ISSN 2177-336X

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reconhecidos pela sociedade como sujeitos de direitos. Apesar de ser um avanço, não é

o marco legal que fará com que sujeitos, na maior parte das vezes mantidos à margem e

estigmatizados como ―marginais‖, se tornem membros da ―sociedade‖.

O grupo atuante na Casa logo percebe que a exclusão e a baixa autoestima são as

marcas presentes em todos os adolescentes, e que realizar projetos de médio e longo

prazo com adolescentes dentro da Semiliberdade será complexo. Além disso, mesmo

sabendo que um dia terão que pagar a medida socioeducativa, os adolescentes ―podem‖

deixar de cumprir essa medida quando desejarem. Eles ―pinam‖vii

como eles dizem. Isso

invalida qualquer planejamento ―a priori”, sendo necessário pensar sempre em projetos

de curta duração. O grupo começou a se envolver com o fator pedagógico dos

adolescentes. Foi possível perceber que o analfabetismo ainda impera na Casa (até hoje,

2016), apesar de todos estarem matriculados na escola pública mais próxima da Casa

naquele ano, 2008. Os graduandos (as) que acompanhavam os encontros semanais com

os adolescentes pressentiam que eles não gostavam da escola, mas o que os graduandos

ainda não sabiam era que a ―escolaviii

‖ também não gostava deles.

A atividade escolar é base fundante no Sistema Socioeducativo e isso pode ser

confirmado no art. 1°, O parágrafo 2° do SINASE, que conceitua: ―[...] II - a integração

social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais.‖ (SINASE,

2012). Como estar na escola é direito garantido ao adolescente que passa pelo sistema

socioeducativo, observamos a necessidade de investigar o porquê da maioria desses

adolescentes não avançarem na aprendizagem, permanecendo em estado de semi

analfabetismo. Essa investigação começou considerando a práxis aplicada no processo.

A pesquisa apresenta uma tese inicial de se tentar compreender a dimensão da

contribuição da práxis como pré-requisito básico para a formação do profissional na

educação de adultos com a devida especificidade para trabalhar junto ao sistema

socioeducativo, bem como para a constituição dos estudos deste campo pedagógico.

Para se chegar a uma análise real sobre o assunto, a pesquisadora pretende identificar as

trajetórias de vida dos adolescentes em formação na educação de adultos, desvendando

os motivos que fazem com que estes sujeitos não aceitem permanecer na escola. Com

isso, pretende contribuir com o ensino-aprendizagem na formação de pedagogas (os), a

partir da experiência e significação desenvolvidas por meio das ações pedagógicas, de

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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alfabetização/educação de adolescentes e adultos que cumprem medidas

socioeducativas.

3 - PRINCÍPIOS NORTEADORES E METODOLÓGICOS.

O trabalho dos graduandos (as) na Casa é norteado pela práxis educativa, ou

seja, teoria e prática imbricadas na esperança de se alcançar alguma superação de

desafio que venha a ser transformador. É preciso transformar realidades, conceitos e

consciências já cristalizados, nas várias equipes multidisciplinares que trabalham na

Casa. O tcheco Kosic assevera que:

[...] O homem [...] na práxis se descobriu o fundamento do real centro

de atividade, da real mediação histórica de espírito e matéria, de

cultura e natureza, de homem e cosmos, de teoria e ação, de ente e

existente, de epistemologia e ontologia. [...] A totalidade do mundo

pertence também ao homem com a sua relação de ser finito com o

infinito e com a sua abertura diante do ser, sobre as quais se baseia a

possibilidade da linguagem e da poesia, da pesquisa e do saber‖. (

KOSIK, pp. 206 e 207, 1976).

Além do trabalho com os adolescentes, é intenção dos estudantes pesquisadores

colaborar com a vida cotidiana vivida pelas pessoas que trabalham na Casa, pois é

necessário que se vejam enquanto sujeitos de transformação de si mesmos e dos outros.

―O educador é forjado na práxis‖ (FERREIRA. 2009.p. 24)

3.1 - Escola: um espaço de inclusão ou de exclusão?

Nas primeiras observações (2008) foi possível notar que uma das primeiras

ações dos gestores da Casa ao receber o adolescente era sempre a de efetivar a matrícula

do mesmo na escola pública mais próxima da Casa. Um aspecto importante para se

compreender essa atitude dos gestores é o seguinte: esse ―estar na escola‖ faz parte do

Sistema de Garantia de Direitos, e isso está estabelecido nas disposições finais e

transitórias da Lei do SINASE, onde se estabelece:

[...] entidades de atendimento deverão garantir a inserção de

adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa na rede

pública de educação, em qualquer fase do período letivo,

contemplando as diversas faixas etárias e níveis de instrução (3)

garantir o acesso a todos os níveis de educação formal aos

adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de

internação, podendo, para tanto, haver unidade escolar localizada no

interior do programa; unidade vinculada à escola existente na

comunidade ou inclusão na rede pública externa; [...] SINASE, 2012,

p. 59).

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10149ISSN 2177-336X

33

No decorrer dos anos, percebemos que, mesmo tendo a educação garantida e

regulamentada por lei, isso não significa que todos os adolescentes serão matriculados

na escola, e nem que essa escola cumprirá o papel a ela destinado, ou seja, o de

contribuir na ressocialização dos adolescentes.

A modalidade de educação que atende aos adolescentes da Semiliberdade é

sempre a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Não entendíamos bem naquela época

(2008), mas o grupo de graduandos (as) e professores coordenadores do projeto vem

percebendo, a cada semestre, que há algo ―não convencional‖ na relação dos

adolescentes com a escola e vice-versa. Percebeu-se que não há interesse no avanço de

aprendizagem dos adolescentes, nem pela escola e nem pelos gestores da Casa. Os

adolescentes continuam em sua maioria semi, ou completamente analfabetos. Pela fala

de alguns adolescentes, a escola é um lugar ruim. Não os acolhe. É fato que eles

também não têm quase nenhum interesse pela escola. Para o corpo docente da escola e

seus servidores em geral, eles são ―bandidos‖, com raras exceções de acolhimento

dentro do professorado. Em geral, não há avanço que se possa considerar na educação

desses adolescentes. É possível afirmar que, pela experiência vivida por nós, professores

e estudantes da Faculdade de Educação, não há formação pedagógica adequada para os

professores que trabalham com sujeitos privados de liberdade. O corpo docente que hoje

se apresenta no sistema socioeducativo e nas escolas públicas, que recebem sujeitos

privados de liberdade, sofre da falta de uma formação contínua no campo da Pedagogia,

ou quem sabe, de uma disciplina especifica que possa tratar da formação pedagógica

para a Socioeducação. Relatos de alguns professores da rede pública de ensino que

recebem os adolescentes, inflamados pela ira, nos alertam que os mesmos não foram

preparados para o exercício da profissão na área prisional em todos os segmentosix.

A equipe multidisciplinarx também não tem formação continuada constante, a

não ser dentro do próprio sistema prisional, onde nas palavras de uma servidora ―a

formação do sistema só ensina a autodefesa‖ e a práxis exercitada na Casa pelos

graduadas (os) ao longo desses anos, está dizendo que: o caminho é pelo afeto, pelo

vínculo, pela amorosidade, pelo acolhimento. Aparentemente, para nós, parece ser a

escola, até esse momento, o único espaço de liberdade cotidiana desse adolescente

ansioso por estar na rua. Afirmamos isso porque, desde o primeiro dia quando

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10150ISSN 2177-336X

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chegamos para o nosso trabalho na Casa, até hoje, a pergunta que não cala é essa:

―Vamos sair para passear quando ―tia‖xi

Podemos sentir que a Semiliberdade ―aprisiona‖. Semiliberdade aprisionante?

Parece paradoxal, mas é verdadeiro. A realidade dentro do sistema continua sendo

vigiar e punir, como já disse Foucault (1977). Todas as portas da instituição têm

vigilantes com imensos cadernos de anotações. Foucault assinala: ―Ser olhado,

observado, contado detalhadamente, seguido dia por dia por uma escrita ininterrupta

[...]‖. Os procedimentos disciplinares reviraram essa relação, abaixando o limite da

individualidade descritível e fazem dessa descrição um meio de controle e método de

dominação [...]‖ (FOUCAULT, 1977, p. 170). O poder da vigilância é exercido

continuamente. Como compreender isso? Eles não são semilibertos? Talvez, daqui a

mais alguns anos de trabalho poderemos dar essa resposta. Nesse momento, em uma

análise mais geral, pensamos que a reinserção social deveria ser o objetivo tanto da

instituição quanto da escola. Mas, o que tem importância vital aos nossos olhos, na

Casa e na escola são os mecanismos de controle dos adolescentes.

A esperança de ver a escola como um espaço de inclusão, desde o ano de 2008

até os dias de hoje, ainda não logrou êxito. O medo e o preconceito têm facilitado para

que a escola se torne, nesse caso, mais um espaço excludente na vida dos adolescentes.

Para explicar esse fenômeno estamos na busca de um referencial teórico.

4 – EM BUSCA DO REFERÊNCIAL PRÁXICO MÉTODOLOGICO.

Na busca de um caminho metodológico que possa auxiliar a superação e a

transformação da realidade hoje (2016) vivida pelos adolescentes que cumprem medidas

socioeducativas na Casa, foi feito um estudo inicial de duas teorias bem conhecidas e

próximas: a Teoria Histórico-Cultural, de Lev S. Vigostski e o Materialismo Histórico

Dialético, de Karl Marx. Na produção das ciências humanas e sociais o confronto entre

os métodos e teorias de pesquisa às vezes é percebido. Isto poderá ser parte importante

na produção de conhecimento. Porém, nesse trabalho, é possível perceber não o

confronto e sim as contribuições entre os autores escolhidos.

Uma das maiores contribuições da teoria de Marx está na descoberta do papel

histórico mundial da classe operária. ―[...] De todas as classes que hoje em dia

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10151ISSN 2177-336X

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defrontam a burguesia só o proletariado é uma classe realmente revolucionária [...]‖

(LENINE 1979, p. 13). É por ser essa opção de classe, ou seja, o proletariado, que Marx

se debruça e constrói a sua teoria denominada Materialismo Histórico Dialético, onde a

realidade objetiva das relações sociais tem função basilar, qual seja, a relação do ser

humano com a natureza e com os outros seres humanos. O ser humano não tem a sua

vida determinada pela natureza, é ele quem produz os meios de satisfazer as suas

necessidades. ―[...] O ponto de vista do novo materialismo é a sociedade humana, ou a

humanidade social‖ ( MARX, 2007, p. 103). O Materialismo Histórico Dialético nos

parece teoricamente plausível para a fundamentação desse trabalho.

A atividade práxica dentro da Casa nos faz perceber que a gênese desse

problema de pesquisa, ou seja, a exclusão social e, portanto escolar, de adolescentes e

jovens socioeducandos da Semiliberdade do DF está diretamente ligada a duas questões

: a deficiente formação inicial e continuada de pedagogas (os) e das outras equipes

multidisciplinares que atuam no sistema; e, na mesma dimensão, o modo de produção

capitalista, onde o trabalho de ―caráter artesanal‖, que é uma produção de vida foi,

como afirma Lombardi, ―[...] gradativamente substituído por uma nova organização de

produção, assentado num sistema de máquinas que impôs à produção um ritmo e

regularidade de produção independente do trabalhador [...]‖ (LOMBARDI, 2011,

p.164). É possível afirmar que, em muitos casos, esse fator contribui muito para o

afastamento das famílias dos seus filhos, que acabam ficando sem atenção e orientação

familiar.

É possível pensar que, a necessidade de existência e sobrevivência do

trabalhador pai de família ou do adolescente da Casa em Semiliberdade, ambos no

mesmo contexto histórico, faz com que busquem trabalho. Isso tem feito com que a

grande maioria desses adolescentes com formação deficiente sejam contratados com

baixos salários, tornando-se presas fáceis para o tráfico de drogas - um inimigo sempre

disponível nas comunidades carentes que habitam os subúrbios urbanos no Distrito

Federal. A ausência dos pais pode estar sendo decisiva na condução da educação e

orientação de conduta dos filhos. Pais ausentes são uma realidade constatada na

vivência dos pesquisadores que fazem parte desse trabalho com os adolescentes na

Casa. Em resumo, como nos afirma Marx: ―[...] a simplificação da maquinaria e do

trabalho utiliza-se, para transformar em trabalhador, o homem que ainda está a crescer,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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totalmente imaturo – a criança – da mesma maneira que o trabalhador se tornou uma

criança desprovida de todos os cuidados [...]‖ ( MARX, 1963, p, 208).

Essa afirmação de Marx é histórica e aparece na historicidade dos adolescentes

da Semiliberdade hoje (2016) com muita clareza. Por essas e outras semelhanças entre a

teoria de Marx e a realidade vivida na Casa este trabalho fez a escolha do Materialismo

Histórico Dialético para sua fundamentação teórico práxica.

Concluo a busca de alternativa para fundamentação metodológica desta pesquisa

em andamento com a afirmação de Lenine: ―[ ...] O modo de produção da vida material

condiciona o processo da vida social, política e intelectual, em geral. Não é a

consciência dos homens que determina o ser, mas, pelo contrário, é seu ser social que

determina a sua consciência [...]‖ (LENINE. 1979,p.11).

4.1 Ainda dentro do Referencial Teórico Práxico Metodológico.

Conhecer a historicidade desses adolescentes é fundamental no processo de

conhecimento mútuo. A nossa esperança, no tocante a um futuro digno com a inclusão

dos adolescentes em todos os níveis da sociedade, são as relações sociais construídas a

partir da historicidade de cada sujeito, vivida e compartilhada pelos graduandos (as) e

seus professores-coordenadores nas instituições UnB - FE/ Escola / Casa. Acerca disso,

buscamos em Angel Pino o entendimento dado por ele ao pensamento de Vigotski:

―[...] História é entendida por Vigotski de duas maneiras: em termos

genéricos, significa uma abordagem dialética geral das coisas; em

sentido restrito, significa a história humana‖. Distinção que ele

completa com uma afirmação lapidar: a primeira história é dialética; a

segunda é materialismo histórico [...]‖. (PINO, 2000, p. 48)

A questão da historicidade dos estudantes graduados por vezes se mistura com a

dos adolescentes. Por isso, torna-se prazeroso para os estudantes e seus professores

coordenadores observarem as pequenas transformações no grupo em virtude da atuação

dentro da Casa de Semiliberdade, onde se desenvolve uma relação teórico-prática, em

encontros semanais com os adolescentes e servidores presentes. Cada encontro tem

como tema de discussão um assunto proposto, em geral, pelos adolescentes.

Filmes, composição de músicas, vídeos e vários passeios culturais extra Casa

são realizados, gerando uma reflexão da ação, posteriormente. A inserção dos

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10153ISSN 2177-336X

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adolescentes no ambiente cultural, tão importante para o sujeito em constituição, vem a

se fundamentar em Vigotski e seus pressupostos sobre a inserção do sujeito na cultura:

[...] Vygotsky tem como um de seus pressupostos básicos a ideia de

que o ser humano constitui-se enquanto tal na relação com o outro

social. A cultura torna-se parte da natureza humana num processo

histórico que, ao longo do desenvolvimento da espécie e do indivíduo,

molda o funcionamento psicológico do homem. [...](VIGOTSKI,

Apud, La Taille, Oliveira e Dantas 1992, p. 24)

Esse projeto faz parte do currículo que compõe o tripé ensino – pesquisa e

extensão dentro da Faculdade de Educação, desde 2008, e tem sido uma alavanca para o

desenvolvimento da pesquisa no campo da educação. Em geral, os Trabalhos de

Conclusão de Curso (TCC) dos estudantes que fazem parte deste projeto abordam temas

recortados e construídos, a partir das experiências vividas da teoria e prática na Casa e

tem se mostrado material fundamental de construção de conhecimento. Esta atuação real

e concreta dentro da Casa, por meio dos relatos escritos dos estudantes, dos relatos

falados dos adolescentes e de todos os envolvidos no processo nos tem feito observar

que, ao longo dos anos, o projeto socioeducativo dentro da Casa da Semiliberdade vem

apresentando resultados transformadores.

Considerações finais:

Levando-se em consideração a proposta feita pelos graduandos (as) das

licenciaturas, em especial os (as) da Pedagogia da FE UnB no sentido de serem

inseridos em atividades extra classe dentro da comunidade, é possível afirmar que esse

trabalho vem obtendo êxito. Durante os anos de 2008 a 2016 é possível perceber que os

graduandos (as) que passaram pelo projeto Casa desenvolveram aptidões e

compreensões imensuráveis para a sua formação. Somos sabedores agora de que a

reinserção dos adolescentes em uma sociedade que historicamente os colocou à margem

é necessária. Porém, não é isso que a lógica de uma sociedade preconceituosa e

excludente deseja. Mas essa é a luta na qual estamos firmados, se de fato desejamos de

alguma maneira caminhar rumo à igualdade de direitos, ao cumprimento das leis e da

oportunidade real para todas as crianças e adolescentes. Concluímos com o texto de

Marx: ―A classe dominante numa determinada sociedade [...] que dispõe também dos

meios da produção intelectual, de tal modo que o pensamento daqueles aos quais são

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10154ISSN 2177-336X

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negados os meios de produção intelectual está submetido também a classe dominante‖

(MARX E ENGELS, 2007,p, 48)

Este trabalho de pesquisa, ainda em andamento, está longe de finalizar as

discussões acerca do tema proposto. Apenas pretende mostrar que a práxis aqui exposta,

à luz das teorias do Materialismo Histórico Dialético proposto por Karl Marx, e da

teoria Histórico-Cultural, de Lev S. Vigotski, a Socioeducação dentro do Sistema de

Semiliberdade no DF, vai encontrando superações e transformações possíveis que

permitam a transformação da realidade hoje estabelecida.

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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10155ISSN 2177-336X

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i Educação de jovens e adultos oferecida regularmente pela rede pública de ensino no Distrito Federal

ii Trabalhar na sua área de formação.

iii Jovens do sexo masculino de idade entre 14 a 21 anos.

iv Grupo – GENPEX representado pelos graduandas (os) dos Cursos de Pedagogia e outras Licenciaturas

da Universidade de Brasília. v Instituição de Semiliberdade onde o grupo de trabalho denominou chamar de: CASA.

vi Prato cheio: Excelente oportunidade de atração para os adolescentes.

vii Pinam – Evadem.

viii Escola: aqui representada por todos os sujeitos que a compõem. Gestores, professores, vigilantes,

serviços gerais, coordenadores etc.. ix

Alguns seguimentos prisionais: prisão, cárcere, liberdade assistida, semiliberdade, semiaberto. x Equipe multidisciplinar: pedagogos (as), psicólogos (as), assistentes sociais, especialistas

socioeducativo. ATRS-Atendente de Reintegração Socioeducativo, gerentes, supervisores, vigilantes.

serviços gerais etc... xi

Tia – tratamento dado pelos adolescentes à pesquisadora

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10156ISSN 2177-336X