A construção democrática no Brasil

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  • 8/4/2019 A construo democrtica no Brasil

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    A CONSTRUO DEMOCRTICA NO BRASIL

    Diagnstico e perspectivas

    Fbio Wanderley Reis

    I -Introduo: o problema constitucional

    Algum tempo atrs, o jornalista Marcos S Corra chamava a ateno,noJornal do Brasil, para o significativo contraste de dois nmeros relativos atualidade brasileira. Enquanto os eleitores brasileiros somam presentementemais de 100 milhes (na verdade, Corra falava de 65 milhes, mas o nmerotem exigido atualizaes sucessivas), os brasileiros cujo nvel de renda suficientemente alto para inclu-los entre os que devem pagar imposto derenda so cerca de 7,5 milhes. O contraste, em sua dramaticidade, permiteapreender de golpe o problema fundamental subjacente s dificuldades do

    processo scio-poltico brasileiro: o de compatibilizar a lgica expansiva eincorporadora da democracia poltica com a dinmica de um capitalismocomparativamente agressivo e relativamente bem-sucedido, mas imaturo. Senosso capitalismo sacudiu a estrutura social brasileira tradicional e condenou-

    a de vez, ele est longe de permitir superar a grande desigualdade socialherdada de nosso passado escravista.

    Nas discusses recentes relacionadas com o processo polticobrasileiro e, de maneira mais geral, com o tema dos fluxos e refluxos deregimes autoritrios nos pases da Amrica Latina e da Europa meridional,notam-se duas perspectivas contrastantes que me parecem igualmenteinadequadas. Uma delas no enxerga seno mudanas, e resulta numa espciede perseguio mope aos eventos que tem sido caracterstica de 1certaliteratura: passa-se, ao sabor das conjunturas cambiantes, do estudo das"rupturas dos regimes democrticos" ao da dinmica dos autoritarismos, emseguida ao dos processos de "abertura" e eventualmente da "morte" dos

    Preparado em 1988 para nmero especial de Problmes dAmrique Latine.1

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    regimes autoritrios, posteriormente ao das "transies" democracia.2 Aoutra perspectiva no enxerga seno continuidade. o caso de certa linha deinterpretao da recente experincia autoritria brasileira (provavelmente ainterpretao mais festejada e difundida) que salienta a insero do pas numa

    peculiar "cultura poltica" ou tradio patrimonial e corporativista e pretendever nos eventos de 1964 e seu desdobramento a reiterao de certastendncias profundas sempre presentes em nossa vida poltica, que lheconformariam mesmo a feio peculiar ou a "essncia", embora s vezescontrariada por flutuaes superficiais.3

    Em contraposio a ambas as perspectivas, as dificuldades polticas daatualidade brasileira podem ser diagnosticadas em termos de que o pas viveumproblema constitucionalou uma crise constitucional. Como ressaltamdramaticamente os nmeros acima citados, o carter constitucional dessacrise diz respeito a um plano scio-poltico profundo (embora, naturalmente,com ramificaes jurdico-organizacionais): o que est em jogo a questode reacomodar politicamente o convvio de foras sociais importantes, quecorrespondem, em ltima anlise, s classes sociais. Tal crise planteia deforma aguda (em circunstncias em que se do de maneira "selvagem" a

    penetrao e a transformao capitalistas do pas) a clssica questo daconvivncia entre capitalismo e democracia poltica. E a vantagem decisiva

    do diagnstico nesses termos reside em que, se se pode assim apreender oprocesso poltico vivido pelo pas nas dcadas recentes como a consequnciada transformao sofrida pela estrutura social brasileira, e no da merareiterao de padres perenes de relacionamento "corporativo" ou"inerentemente" autoritrio entre estado e sociedade, pode-se tambm ter

    presente o fato de que as caractersticas do problema constitucionalcondicionam de maneira duradoura as vicissitudes do processo poltico e a

    2 Lembro-me de haver tomado conscincia mais clara do carter flutuante dos

    estudos sobre o tema geral ao assistir a uma conferncia de Philippe Schmitter sobo ttulo de The Demise of Authoritarian Regimes (Inter-University Centre,Dubrovnik, Yugoslavia, maro de 1983) apenas alguns anos aps o aparecimento dovolume intitulado The Breakdown of Democratic Regimes, editado por Juan Linz eAlfred Stepan (Baltimore, Johns Hopkins University Press, 1978).3

    Entre os analistas brasileiros, Simon Schwartzman pode ser citado como estandoprximo dessa perspectiva em alguns de seus trabalhos mais importantes. Veja-se,por exemplo, Simon Schwartzman, So Paulo e o Estado Nacional, So Paulo, DIFEL,l975.

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    fluidezmesma desse processo -- e condenam frustrao o empenho deexplicar cada mudana de curso, por si mesma, que resulta dessa fluidez e aexpressa.

    II -Dimenses de um diagnstico

    A tenso apontada entre a lgica poltico-eleitoral expansiva e odinamismo socialmente enviesado do processo de transformao econmicaencerra o desafio crucial posto pela crise constitucional: o de comoincorporar politicamente, e ao mesmo tempo conter, os "setores populares"transformados -- como consequncia da expanso capitalista, daindustrializao e da urbanizao -- em atores polticos de importncia

    potencialmente decisiva. Abrindo mo de examinar o agravamento dosproblemas acarretado pela prolongada crise econmica atual, um brevediagnstico orientado para as dimenses mais importantes da criseconstitucional geral assim entendida poderia ressaltar os seguintes aspectos.4

    1 -Pretorianismo e debilidade institucional

    Um primeiro aspecto a merecer destaque o descrito pela noo depretorianismo, elaborada e utilizada sobretudo por Samuel Huntington.5 Essa

    noo salienta a fragilidade da aparelhagem institucional e dos procedimentose regras destinados a enquadrar o processo poltico, donde resulta o carterde "vale-tudo" que tende a marcar aquele processo e que acarreta a

    proeminncia dos militares (aos quais alude a prpria expresso"pretorianismo") dada a peculiaridade dos recursos por eles controlados: osinstrumentos de coero fsica. O que a utilizao dessa noo traz de maisimportante a possibilidade de se caracterizar e ter em mente um contexto

    geralde debilidade institucional que extravasa e compreende -- emcorrespondncia com o carter duradouro da crise constitucional -- as idas e

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    Os pargrafos seguintes dessa seo so parcialmente tomados de Fbio W. Reis,"Consolidao Democrtica e Construo do Estado", em Fbio W. Reis e GuillermoO'Donnell (organizadores),A Democracia no Brasil: Dilemas e Perspectivas, SoPaulo, Editora Vrtice, 1988.5

    Samuel P. Huntington, Political Order in Changing Societies, New Haven, YaleUniversity Press, 1968, cap. 4.

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    vindas de perodos abertamente autoritrios. No caso especfico do Brasil,por contraste com a decantada estabilidade institucional do jogo polticooligrquico do perodo imperial, seria possvel falar de pretorianismo comreferncia a todo o perodo republicano, ainda que seja necessrio distinguir

    fases no processo deflagrado com a irrupo da crise constitucional, emcorrespondncia, por exemplo, com a distino proposta por Huntington entreo pretorianismo "radical" (emergncia poltica das classes mdias) e o

    pretorianismo "de massas" (emergncia dos setores populares). Como querque seja, essa perspectiva capaz de distanciamento e de horizontes temporaismais amplos parece claramente necessria a qualquer esforo de avaliaodos prospectos de criao institucional real e de eventual consolidaodemocrtica, se se quer evitar as distores que levaram, por exemplo, muitagente a ver no Chile da dcada de 60 no somente uma democraciaconsolidada, mas mesmo um caso exemplar de institucionalizao do jogodemocrtico.6

    2 - O "hiato social"

    Nas circunstncias em que se d a crise constitucional no casobrasileiro, ela condicionada pela experincia prvia da escravido, quecontinua tendo marcantes efeitos na estrutura social do pas. Tais efeitos se

    resumem em algo que se poderia designar como o "hiato social", ou adistncia singularmente grande que separa as massas populares dos setores declasse mdia e "alta", e no consequente autoritarismo no plano das relaesentre as classes (ainda que mitigado, sob certos aspectos, pelo paternalismo e

    pela operao de estruturas clientelsticas). Alm disso, o problema adquirematizes especiais por sua conexo com o aspecto especfico das relaes

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    Outra ilustrao pattica das armadilhas a que se expe a desateno para acomplicada dialtica da ao de construo institucional (a qual se exerce, como

    qualquer ao humana, em conjunturas fugazes, mas por definio no podeprescindir da maturao no longo prazo) fornecida pela avaliao que faz oprprio Huntington, na obra citada, do Paquisto de Ayub Khan. Este visto comoum "grande legislador" da estirpe de um Slon ou Licurgo, e as "DemocraciasBsicas" por ele implantadas no Paquisto so descritas como o exemplo porexcelncia de xito institucional -- pouco tempo antes da sangrenta explosopopular que sacudiu o pas e que terminou por comprometer at mesmo suaintegridade territorial. Cf. Political Order in Changing Societies, op. cit., pp. 250 ss.,especialmente p. 251.

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    raciais, que no tende a ser objeto de anlise nas discusses relacionadascom a democracia.

    Essa caracterstica geral situa o problema das relaes entre a

    democracia poltica e a assim chamada "democracia social", sendo possveldestacar alguns pontos a respeito. Uma referncia til a que se tem na

    perspectiva clssica de T. H. Marshall, onde os direitos sociais aparecemcomo direitos passveis de serem assegurados pela atuao do welfare stateuma vez garantidos os direitos civis e polticos: trata-se de coisas comoeducao, sade, previdncia social, etc.7 J no caso do trao em exame daestrutura social brasileira, as coisas so mais ambguas. Assim, se seencontramformalmente assegurados os direitos civis e polticos, o hiato emfoco redunda num disfranchisementsocial bsico que fica muito aqum dacarncia dos direitos sociais de Marshall e priva, a rigor, mesmo dos direitoscivis a parcelas substanciais da populao brasileira, dotadas apenas de umacidadania de segunda classe (basta atentar, por exemplo, para o cotidiano dasrelaes entre o aparato policial e repressivo do estado e as camadas maiscarentes da populao, nas quais direitos civis comezinhos so rotineiramentedesrespeitados). Pode-se conceber, naturalmente, que o acesso adequado aosdireitos sociais de Marshall contribusse para modificiar de maneira favorvela situao. De toda forma, o que est em jogo so tambm aspectos difusos

    que resultam em tornar impossvel, para talvez a maioria da populaobrasileira, aceder ao sentido profundo da dignidade pessoal, impossibilidadeesta que correlativa falta de um sentimento fundamental de igualdadesocial. Por outras palavras, a estrutura social brasileira apresenta claros traosde estratificao de castas, com a convivncia de universos sociaisrelativamente estanques, alm de cujas fronteiras no ocorre o sentimento decomparabilidade e de que os indivduos sejam equivalentes e"intercambiveis". Seria possvel dizer que, em muitos aspectos, no hmercados reais que operem igualmente para todos -- o substrato dessa

    proposio sendo o de que o processo de penetrao capitalista da sociedadeainda apresenta lacunas ou deficincias importantes.

    Tais caractersticas tm toda uma srie de consequncias de relevncia

    7 T. H. Marshall, "Citizenship and Social Class", em Class, Citizenship, and SocialDevelopment, Nova York, Doubleday, 1965.

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    poltica mais direta, que se traduzem em alguns temas insistentementetomados nas discusses sobre o processo poltico brasileiro: clientelismo e"coronelismo", "massas" versus "classes", "mquinas polticas", populismo,etc. Eles tm como elemento comum o que diz respeito aos obstculos

    realizao cabal do "modelo" de "poltica ideolgica", que exigiriaespecialmente a presena efetiva de organizaes polticas no apenasidentificadas com os setores populares, mas tambm capazes de encontrarrepaldo real nesses setores (traduzindo-se, por exemplo, em consistente emacio apoio eleitoral); isso, por sua vez, requereria a existncia dedisposies ideolgicas adequadas, as quais so impedidas pelos efeitos do"hiato social" no plano da psicologia social das massas, bem como pelasdeficincias de ordem cognitiva ou intelectual que a eles se ligam.

    3 -Eleitorado, populismo e partidos

    Quaisquer que sejam os equvocos tericos de que possa derivar aexpectativa de realizao plena da poltica ideolgica com base em agentes

    polticos "conscientes" e aguerridos,8 no h como negar que o "hiato social"resulta em formas de insero poltica do grosso das massas populares

    brasileiras que no podem ser vistas seno como deficientes. Sua feio maisbsica transparece com indiscutvel nitidez nas numerosas pesquisas de

    opinio que se tm realizado no pas a propsito das disputas eleitorais dasltimas dcadas: o enorme alheamento perante o mundo poltico em geral quecaracteriza os estratos populares, alheamento este que surpreende por suas

    propores ainda que se tenha em conta que pesquisas do mesmo tipoexecutadas em pases mais "avanados" esto longe de mostrar, em geral,

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    Tais equvocos dizem respeito em particular suposio, vigente em muito daliteratura brasileira pertinente, de que a condio "normal" no que se refere participao poltica, especialmente da classe trabalhadora, aquela protagonizada

    por um hipottico trabalhador (provavelmente europeu-ocidental) que no apenaspercebe de maneira ideologicamente sofisticada o universo scio-poltico em quevive e atua, como tambm se orienta por objetivos de mais longo prazo ditados porlealdades universalsticas, em detrimento de objetivos particularistas e imediatistas.A partir dessa suposio, as formas brasileiras de participao, que se distanciamdo padro "normal", surgem como "singularidades" a serem explicadas como tal.Naturalmente, tais concepes se afastam da perspectiva que j se vaiestabelecendo como nova ortodoxia na Cincia Poltica contempornea a partir detrabalhos como o de Mancur Olson, The Logic of Collective Action, Nova York,Shocken Books, 1965.

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    populaes politicamente atentas. No Brasil, como quer que seja, encontram-se no somente nveis avassaladores de desinformao com respeito aostemas polticos de qualquer natureza, mas tambm com frequncia a totalfalta de percepo, no eleitorado popular, de qualquer relevncia da poltica

    mesmo para os mais prementes problemas da vida cotidiana.

    Contudo, um matiz de grande importncia se introduz aqui, o qual teminteresse sobretudo na tica do tema do populismo na poltica brasileira daatualidade e da relevncia desse tema para os prospectos de consolidaodemocrtica. Trata-se de que o aparente amorfismo poltico expresso nadesinformao e no desinteresse populares perante a poltica na verdade setraduz em comportamento eleitoral dotado de inegvel consistncia denatureza "populista". Por outras palavras: ainda que desinformado e incapazde articular sua viso do universo scio-poltico em termos de problemasespecficos de qualquer tipo (no apenas questes poltico-institucionais maiscomplexas, mas mesmo problemas mais cotidianos e "prximos" como, porexemplo, o do custo de vida, que tampouco tendem a exibir relaes ntidas,na conscincia popular, com os eventos polticos), o eleitor popular no deixade perceber, no processo poltico-eleitoral, "lados" que so captados edefinidos de maneira tosca, mas reiterada e consistente, em termos queredundam em contrapor o "popular" e o "elitista" e optar pelo popular --

    independentemente da forma particular em que este se encarne nasvicissitudes da vida poltico-partidria do pas.9 Isso explica, por um lado, ocrescente xito eleitoral de um PTB de pr-1964 ou a afirmao eleitoral deum MDB a partir de 1974, bem como os prospectos favorveis que agora seabrem para o Partido dos Trabalhadores. Mas, por outro lado, as mesmasobservaes se encontram tambm -- dada a precariedade da definio do"popular" sem referncia a issues ou questes estruturadamente apreendidas-- por trs da renovada atrao eleitoral personalista exercida por figurascomo Adhemar de Barros ou Jnio Quadros. Assim, a "consistncia"

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    No que diz respeito especificamente ao comportamento eleitoral, j que o voto doeleitor popular no tende a estar correlacionado com issues ou questes especficasde qualquer natureza, tudo se passa como se ele simplesmente "torcesse", tal comono futebol, pela equipe com que simpatiza ou se identifica. Donde a designao de"sndrome do Flamengo" que tenho usado para designar a configurao de traosdescrita, aludindo mais popular equipe brasileira de futebol, o Flamengo do Rio de

    Janeiro.

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    populista encontrada no voto popular, se parece suficiente para inviabilizar alegitimao eleitoral estvel de um regime dotado de caractersticasantipopulares como o regime autoritrio at h pouco em vigor no pas, deoutro ngulo pode representar um fator de grande fluidez, abrindo, em

    princpio, perspectivas de xito para mensagens e lideranas de perfil polticovariado e mesmo contrastante e justificando indagaes quanto forma quevir a assumir a possvel estabilizao do quadro partidrio brasileiro.

    Naturalmente, o papel que caberia esperar dos partidos uma questoimportante para a eventual institucionalizao democrtica estvel no pas. Adimenso central do debate brasileiro a respeito gira em torno do confrontoentre "autenticidade" ideolgica e pragmatismo eleitoral, e a posiodominante nesse debate certamente a que cobra autenticidade dos partidos-- envolvendo uma especificao do modelo de "poltica ideolgica" na qualos partidos so vistos como devendo distribuir-se com clareza em suas

    propostas ao longo de um eixo esquerda-direita e representar parcelascorrespondentes de um eleitorado tambm orientado ideologicamente (ouseja, de acordo com "valores" ou com interesses compartilhadosuniversalisticamente e definidos em perspectiva de longo prazo). Essa visoencerra uma idealizao do processo poltico-partidrio que no encontracorrespondncia mais estreita com a realidade poltica de qualquer pas, e

    mesmo os pases que em certo momento se caracterizaram pela presenamarcante dos partidos ideolgicos de massas que melhor se ajustam sexigncias do modelo presenciaram posteriormente sua "eleitoralizao" egradativa transformao naquilo que Otto Kirchheimer chamou de catch-all

    parties, de mensagem diversificada e pragmtica.10 De qualquer forma,dificilmente se poderia pretender que, nas condies que caracterizam oeleitorado brasileiro, a estabilizao do jogo democrtico viesse a ocorrer emtorno de partidos ideolgicos revestidos das caractersticas descritas, e o

    processo de agregao partidria de interesses continuar provavelmente a

    dar-se no pas atravs de partidos que combinem o clientelismo tradicionalcom um apelo eleitoral de tonalidades populistas.

    10

    Otto Kirchheimer, "The Transformation of the Western European Party Systems",em Joseph LaPalombara e Myron Weiner (eds.), Political Parties and PoliticalDevelopment, Princeton, Princeton University Press, 1966.

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    A dinmica partidria recente do pas expressa os dilemas contidosnessa breve avaliao. Seu trao mais notrio o papel cumprido peloMovimento Democrtico Brasileiro (MDB, posteriormente transformado,como consequncia das manobras legais do regime autoritrio em busca de

    vitria eleitoral, no atual Partido do Movimento Democrtico Brasileiro,PMDB) como partido que serviu de foco institucional por excelncia daoposio ao autoritarismo. Embora tenha nascido das entranhas do prprioregime autoritrio, que esperava ter numa estrutura bipartidria manipuladaum fator de legitimao interna e externamente ao pas, o MDB terminou porganhar o apoio popular e por transformar-se, j como PMDB, na grande fora

    partidria no momento da transio democracia. Contudo, o carteressencialmente agregador da luta antiautoritria, bem como as circunstnciasnegociadas em que se deu a transio, acarretaram que o PMDB viesse aapresentar em grau extremo os traos de heterogeneidade na composio e demaleabilidade e pragmatismo no comportamento que so convencionalmentevistos (e criticados) como tradicionais caractersticas dos partidos brasileiros.Com a abertura democrtica e a possibilidade legal da criao de novos

    partidos, vrias foras polticas, algumas das quais se haviam antes abrigadono MDB/PMDB, trataram de organizar-se como partidos autnomos. Merecedestaque entre eles o recm-mencionado Partido dos Trabalhadores (PT), queem princpio representa importante novidade tanto por sua origem (achando-

    se diretamente ligado a um sindicalismo novo e autnomo que se afirmou emSo Paulo no final da dcada de 70 concomitantemente com os passosincipientes da abertura poltica) quanto pelo apego mais intransigente a certas

    posies vistas como envolvendo princpios no negociveis. Maisrecentemente, a repulsa s caractersticas manifestadas pelo PMDB j no

    perodo ps-autoritrio da Nova Repblica resultou em importantedissidncia, na qual vrias e antigas lideranas "peemedebistas" deixaramaquele partido para constituir o novssimo Partido da Social DemocraciaBrasileira (PSDB), at o momento caracterizado sobretudo pela busca de uma

    mensagem "tica" e de contedo ideolgico supostamente mais ntido, opostaao que se denuncia como o clientelismo e o excessivo pragmatismo do

    partido-me.

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    4 - O "complexo de sublevao"

    Independentemente dos desenvolvimentos recentes na esfera partidria,a fluidez caracterstica do populismo que tem distinguido a vida poltica

    brasileira surge como carregada de ameaas do ponto de vista doestablishmenteconmico e social. Pois se, de certo ngulo, o populismo podeser visto como facilitando o controle das massas populares por parte delideranas que lhes so heterogneas, por outro lado sua dinmica geralenvolve incertezas e pode redundar (com a "dialtica do populismo" de quefalava Celso Furtado anos atrs)11 na ativao poltica das massas em direocontestatria. A ilustrao mais clara dessa possibilidade se tem com osesforos de mobilizao poltica radical e mesmo revolucionria ocorridosdurante o perodo anterior ao golpe de 1964, quaisquer que tenham sido oserros de avaliao de parte a parte quanto s chances reais de xito de umeventualputsch propriamente revolucionrio e quanto ao respaldo efetivo que

    poderia obter junto aos setores populares.

    Seja como for, na atualidade cumpre ter em conta, no obstante as"deficincias" ideolgicas e o alheamento poltico dos setores populares quetransparecem do quadro acima descrito, a capacidade de mobilizao eagitao, e particularmente de movimentao grevista, que corresponde

    "vanguarda" sindical e de movimentos scio-polticos que se articulam emtorno de entidades como o Partido dos Trabalhadores e a Igreja. Certamenteh muito de idealizao indevida dessa "vanguarda" e do lastro social realcom que conta. No caso do PT, por exemplo, as pesquisas tm mostrado que,mesmo em So Paulo (onde se encontra, sem dvida, seu mais forte ncleo),muito do apoio de que desfruta o partido junto ao eleitorado ocorre entreeleitores igualmente desinformados e pouco "ideolgicos", para os quais aatrao exercida pelo partido do mesmo tipo da de qualquer liderana

    popular ou populista.12 Alm disso, como se ilustra com alguns resultados das

    11

    Celso Furtado, Dialtica do Desenvolvimento, Rio de Janeiro, Editora Fundo deCultura, 1964.12

    Para alguns dados e observaes a respeito, veja-se Fbio W. Reis e Mnica M. M.de Castro, "Regies, Classe e Ideologia no Processo Eleitoral Brasileiro", em Amauryde Souza e Plnio Dentzien (organizadores),As Eleies Brasileiras de 1982, SoPaulo, IDESP, a aparecer.

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    eleies de 1985, as presses do xito eleitoral provavelmente terminaro porimpor ao partido o imperativo da busca de apoio mais difuso e ocorrespondente amortecimento da agressividade de sua postura. Mas no hcomo negar, no que se refere em geral vanguarda em questo, a alta

    visibilidade e efetividade de sua ao em diversosfronts e as ameaas quepodem representar aos olhos dos titulares do poder social e poltico dosistema em vigor.

    Assim, em simetria com a sndrome de alheamento e "consistnciapopulista" prpria dos setores populares, cabe apontar uma espcie de"complexo de sublevao" por parte do establishment. Isso se aplica antes demais nada s foras armadas, claramente imbudas de uma ideologia explcitade guerra anti-revolucionria. Mas se aplica tambm s lideranasempresariais. Se se tomam os setores empresariais agrrios, sua atuao

    poltica assume formas de clara confrontao social e mesmo de abertabeligerncia, com numerosos episdios violentos relacionados com disputasem torno da ocupao e posse de terras, sobretudo nas reas de fronteiraagrcola. Por seu lado, tambm os setores empresariais urbano-industriais semostram com frequncia propensos a verem objetivos e ameaas de maioralcance subversivo em greves e movimentos reivindicatrios, apesar dasrestries legais comparativamente grandes que cercam tais movimentos no

    pas. Alm disso, o empresariado se mostra tambm pronto a trazer seu apoioinequvoco (como tcita ou expressamente ocorreu no perodo ps-64) nosmomentos em que o decisivo ator militar intervm diretamente no processo

    poltico e assume pela fora o seu controle. Surgem aqui problemas que tminteressado Sociologia do empresariado brasileiro, girando especialmenteem torno das relaes (dependncia ou controle, ou uma e outro emdiferentes momentos) mantidas pelo empresariado com a aparelhagem doestado. Apesar da possibilidade de nfases diversas a respeito, incontestvel a ntima afinidade, no fundamental, entre a atuao da mquina

    do estado, mesmo e talvez sobretudo quando controlada pelos militares, e osinteresses empresariais -- no obstante os inconvenientes tpicos dointervencionismo estatal, por um lado, e, por outro, a retrica politica liberaloportunisticamente adotada pelas lideranas empresariais no momento emque, no regime autoritrio recente, as iniciativas "distensionistas" nascidasdas contradies e tenses do prprio sistema militar de poder comeavam a

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    se concretizar (como mostram com clareza as pesquisas recentes deSebastio Velasco e Cruz).13 Uma dimenso saliente da afinidade entre oempresariado e o estado autoritrio consiste no especial acesso aos crculosgovernamentais de deciso de que gozam os setores empresariais, atravs dos

    "anis burocrticos" do diagnstico de Fernando Henrique Cardoso,configurando-se um tipo de representao corporativa que no faz senoacentuar a vantagem desfrutada por aqueles setores no acesso ao estado em

    perodos "normais". Como quer que seja, no parece haver razes para sepretender ver no empresariado e em seus interesses um obstculo continuidade do padro de alternncia ou interdependncia entre populismo emilitarismo que marca o contexto pretoriano geral.

    No que diz respeito prpria corporao militar, por seu turno,assinale-se apenas que, apesar de sua aparente desmoralizao enquanto ator

    poltico autnomo neste momento de refluxo da presena militar direta nacena poltica, os militares voltam aos quartis intactos em sua estruturaorganizacional, garantindo ampla penetrao da mquina do estado (atravs,

    por exemplo, da aparelhagem do Servio Nacional de Informaes e dosservios secretos do Exrcito, da Marinha e da Aeronutica) e firmes naadeso ao iderio que motivou a interveno de 196414 -- e que a experinciade 21 anos de controle autoritrio da vida poltica do pas poderia vir a

    representar rapidamente, diante de "cenrios" facilmente imaginveis, antesum incentivo do que um desestmulo a novas intervenes. De maneira maisgeral, seria preciso atentar para a forma "enquistada" em que se d a inserodas foras armadas na sociedade, na qual o rgido sistema hierrquico internose combina com tnues mecanismos de comunicao com os diversossegmentos da sociedade, e para as consequncias que da decorrem nosentido de preservar o "complexo de sublevao" e a tendncia a avaliar demaneira suspicaz e negativa muito do que caracterstico do jogo polticodemocrtico.

    13

    Veja-se especialmente Sebastio Velasco e Cruz, Os Empresrios e o Regime: ACampanha contra a Estatizao, tese de doutorado, Universidade de So Paulo,1984.14

    . Veja-se a respeito Walder de Ges, "Militares e Poltica: Uma Estratgia para aDemocracia", em Reis e O'Donnell (orgs.),A Democracia no Brasil, op. cit.

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    5 -A aparelhagem governamental

    Combinando-se com a forma semiclandestina de dar-se a articulaodos interesses empresariais no interior dos "anis burocrticos" e com a

    precariedade da estrutura partidria enquanto correia de transmisso eagregao de intersses nas condies do eleitorado popular e "populista",cabe destacar rapidamente a rala presena dos partidos como tal no que dizrespeito ao processo de tomada de decises por parte do governo, bem comoa carncia de qualquer outro elo mais consistente de vinculao desse

    processo com a "sociedade civil". A aparelhagem governamental do PoderExecutivo -- sem maiores vnculos com um Congresso ele prprio, no perodorecente, partidariamente amorfo, desacreditado e incapacitado para funesde superviso -- mantm ampla capacidade de decidir tecnocrtica eautoritariamente, no obstante o fim do regime militar, por um lado, e, poroutro, o cartorialismo, o empreguismo e a ineficincia que caracterizamgrande parte dela. Associados marcante presena econmica do estado

    brasileiro, tais traos situam uma rea especial de problemas de grandeimportncia do ponto de vista das perspectivas de consolidao democrtica.

    III -A democracia como meta e a dupla autonomia das instituiespolticas

    Se considerados na tica da consolidao da democracia como meta,as dificuldades destacadas no breve diagnstico formulado podem ser postasem perspectiva por referncia a alguns dos matizes e confuses associadoscom a questo da autonomia do estado ou, mais amplamente, das instituies

    polticas.15 Uma forma ortodoxa de conceber a democracia em conexo comtal questo a que prescreve que o estado no deve ser autnomo, pois aautonomia do estado pode ser vista como oposta "soberania popular".16 Mas inegvel que parte das caractersticas definidoras da democracia expressam

    15

    . Para uma discusso de tais confuses, veja-se Fbio W. Reis, "Strategy,Institutions, and the Autonomy of the Political", Kellogg Institute, Working Paper no.3, dezembro de 1983.16

    Um exemplo recente da colocao do problema nesses termos se encontra emAdam Przeworski e Michael Wallerstein, "Popular Sovereignty, State Autonomy, andPrivate Property",Archives Europennes de Sociologie, XXIII, 2, 1986, 215-259.

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    antes a idia de que o estado deve ser autnomo, de maneira a no setransformar no mero instrumento deste ou daquele foco particular deinteresses -- ou pelo menos de maneira que, ainda que caiba v-lo em geralcomo o instrumento de certas categorias sociais, ele no se mostre

    demasiado sensvel, no cumprimento de tal papel, s vicissitudes do jogocotidiano de interesses e possa assegurar o processamento ordenado de algumgrau de incerteza. Isso o que Huntington chama de "autonomia do sistema

    poltico" e v como um resultado crucial de qualquer processo bem-sucedidode institucionalizao poltica.17

    Obviamente, diferentes concepes do estado se encontram em jogoaqui (o estado como ele prprio um foco ou sujeito de poder desptico, oucomo instrumento de certos agentes "sociais" para exercer poder sobreoutros, ou como instrumento de todos), as quais se ligam com diferentesconcepes dapolity ou da sociedade como tal (por exemplo, a sociedadecomo um "pblico" homogneo por contraste com a sociedade como umaestrutura de relaes de poder privado, especialmente de relaes de classes).E o desafio crucial relativamente democracia tem a ver com asinterconexes das questes postas por essas diferentes concepes. Dequalquer forma, uma questo que certamente decisiva se refere s relaesentre a idia de autonomia do estado, por um lado, e, por outro, a distino

    entre o nvel "operacional" do jogo cotidiano de interesses e o nvel"constitucional" das prprias regras do jogo.18 Tanto a noo de "autonomiado sistema poltico", de Huntington, quanto a "incerteza" democrtica, dePrzeworski, se referem a um requisito de autonomia relativamente ao jogo deinteresses no nvel operacional. Mas que dizer quanto autonomiarelativamente ao nvel constitucional?

    Claramente, a resposta a de que no deve haver tal autonomia se se

    17

    Veja-se, por exemplo, Huntington, Political Order in Changing Societies, op. cit., pp.20-21. A incerteza como caracterstica essencial da democracia destacada numcontexto anlogo por Adam Przeworski em "Ama a Incerteza e Sers Democrtico",Novos Estudos CEBRAP, no. 9, julho de 1984, pp. 36-46.18

    A distino entre esses nveis se encontra em James Buchanan e Gordon Tullock,The Calculus of Consent: Logical Foundations of Constitutional Democracy, AnnArbor, The University of Michigan Press, 1967.

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    decisivamente condicionada pelo reconhecimento de que as opesefetivamente abertas para uma eventual "soluo" do fundamental problemade interao estratgica que assim se coloca no incluem a supresso docapitalismo. A discusso apropriada do problema, portanto, requer que as

    questes sejam ponderadas com especial sensibilidade para as severasconstries do presente -- ou, se me atrevo a diz-lo, de um ponto de vistaque cabe caracterizar antes como conservador. Em outras palavras, outeremos capitalismo com democracia ou capitalismo sem democracia -- e a"soluo" para o problema da democracia parece requerer antes de tudo queos problemas do capitalismo sejam resolvidos, e que este possa florescer eamadurecer.

    IV - Que fazer e incrementalismo

    A perspectiva assim esboada fornece certa orientao com respeitoaos problemas da atualidade brasileira que mescla de maneira provavelmente

    proveitosa ingredientes analticos e prescritivos. O ponto fundamental de talorientao corresponde idia de que o pas enfrenta uma tarefa deconstruo institucional que s comporta alguma esperana de xito se foracompanhada da sensibilidade recm-mencionada -- o que significa que aquesto do que possvelfazernas condies adversas prevalecentes

    absolutamente central e tem de ser mantida diante dos olhos. Considerada doponto de vista da discusso clssica sobre as "condies sociais dademocracia", essa orientao leva a duas ou trs idias bsicas que podemtalvez formular-se como segue. Em primeiro lugar, no h razo para suporque a perspectiva das "condies sociais da democracia poltica" propicieuma forma de lidar com a questo de "que fazer?" que seja superior da

    perspectiva alternativa das "condies polticas da democracia social"-- ou das condies polticas da prpria democracia poltica. Pois o que se faznecessrio , em qualquer caso, aopoltica, e a alternativa da ao poltica

    revolucionria se encontra bloqueada. Em segundo lugar, essa orientaoimplica o reconhecimento de que, se h condies a serem tidas em conta

    para a construo de uma democracia brasileira autntica, tais condies soantes de mais nada aquelas que conformam a realidade brasileira atual --tanto social quanto politicamente. Isso acarreta, acredito, o reconhecimentode que a tarefa de construo institucional democrtica teria de guiar-se por

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    uma perspectiva incrementalista, marcada pela preocupao de agir sobreaqueles aspectos do contexto geral que se mostrem passveis de manipulaoefetiva sem riscos excessivos de se precipitarem reaes autoritrias e com

    prospectos razoveis de gradualmente ajudar a mudartal contexto em direo

    favorvel democracia.

    Naturalmente, no h razo para que a lgica dessa perspectiva realistae incrementalista se detenha no reconhecimento da necessidade de convivercom o capitalismo se se pretende ter democracia. Tomarei em seguida alguns

    pontos que ilustram a ramificao da mesma lgica para o campo de certostemas relacionados que tenho discutido em trabalhos recentes.

    1.De uma constituio a outra melhor

    O sentimento geral que distingue a perspectiva aqui proposta, com suacombinao da referncia necessidade de ao dirigida construoinstitucional inovadora e da conscincia aguda da viscosidade e resistncia docontexto a ser transformado, pode talvez melhor ser captado na avaliao aser feita, em minha opinio, da atuao de um "ator" como a assembliaconstituinte cujos trabalhos se encerraram h pouco. De certo ponto de vista,uma assemblia nacional constituinte deveria obviamente ser vista como um

    foco privilegiado de esforos dirigidos, de maneira intencional e em princpiolcida, construo institucional duradoura. De outro ngulo, contudo, o fatode que os brasileiros tenham recentemente necessitado reunir uma assembliaconstituinte pode ser visto como antes um sintoma de embaraosfundamentais do que uma razo para grandes esperanas de que os problemascorrespondentes sejam efetivamente resolvidos. Em outros termos: o Brasilno vive presentemente o "momento fundacional" que o fim de 21 anos deautoritarismo poltico levou alguns a presumir e que a convocao de umaassemblia constituinte teria supostamente coroado. Do ponto de vista da

    estrutura social de relaes de poder, as condies que levaram crise de1964 e seu desfecho autoritrio permanecem em ampla medida. Com efeito,se alguma mudana ocorreu quanto a este aspecto, ela ter sido antes nosentido de que o "problema constitucional", entendido como a confrontaolatente de vastas categorias sociais que resulta da penetrao capitalista

    parcial e dos processos de industrializao e urbanizao, viu-se agravado

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    devido operao do prprio regime autoritrio e a seu sucesso emintensificar a transformao da estrutura econmica e ocupacional brasileira-- como consequncia do qual o pas conta presentemente, por exemplo, comum movimento sindical com pretenses de autonomia e mais difcil de

    manipular do que anteriormente a 1964. Por seu turno, a corporao militar,como vimos, voltou aos quartis ao cabo do regime autoritrio (cujo trmino,em minha opinio, foi em medida decisiva uma concesso da prpriacorporao, determinada sobretudo pelas ameaas a sua coeso interna

    produzida pelo prolongado controle sobre a vida poltica do pas e pelasambies pessoais entre os chefes militares da decorrentes) sem qualqueralterao significativa em seu iderio e em sua insero institucional. Assim,no de admirar que o funcionamento da assemblia constituinte tenha vindologo a constituir-se ele prprio numa fonte de tenso. De qualquer forma,certamente no h boas razes em favor da expectativa de que a constituioh pouco promulgada venha a "lanar razes" e a perdurar: esta, com toda

    probabilidade, no uma constituio para os prximos sculos, mas, comsorte, para os prximos vinte ou trinta anos.

    Nessas condies, qual seria a postura apropriada a adotar do ponto devista da consolidao democrtica? Creio que ela seria a postura queenvolvesse a desmitificao do trabalho de elaborao constitucional e que

    levasse a procurar dar a tal trabalho um carter deliberadamente instrumentale experimentalbaseado no diagnstico realista da situao existente. Aoinvs de uma projeo ideal para o milnio, o objetivo seria o de fazer danova constituio um instrumento legal capaz de justificar a esperana de queo pas no tivesse que partir do mesmo ponto na assemblia constituinte areunir-se daqui a vinte anos. E a coisa curiosa que as relaes entre asdiferentes perspectivas que assim se exemplificam, por um lado, e anecessidade ou mesmo a possibilidade de se recorrer a ousadia ecriatividade, por outro, esto longe de ser o que pareceriam primeira vista:

    se algum um deputado a uma assemblia constituinte e tem de manter osolhos postos no milnio, esse algum se encontrar em grande medida nasituao de uma verso de tipo fim-do-mundo do jogo do "dilema do

    prisioneiro", e no ter alternativa seno afirmar com vigor os interesses querepresenta ou os ideais que o orientam. Por contraste, a tarefa de prepararuma constituio para algo como os prximos vinte anos ou que, de qualquer

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    maneira, ser provavelmente logo substituda por outra, de alguma formaredunda em "estruturar" o futuro e em situar nosso constituinte hipotticodiante de uma cadeia mais complexa de fins e meios -- perante a qual lhe serno apenas permitido, mas exigido que atue mais flexivelmente a fim de fazer

    do resultado de seus esforos imediatos um possvel instrumento paraobjetivos de mais longo prazo.

    Esta ltima certamente no era a perspectiva dos membros da recenteassemblia constituinte, em cuja atitude houve o claro predomnio daafirmao "auto-centrada" e algo cega de interesses e ideais sobre a"descentrao" cognitiva requerida e tornada possvel pela orientaogradualista. No obstante, esta orientao gradualista e mais descentrada sem dvida possvel em princpio -- e as pessoas podem aprender. Comefeito, ns brasileiros e hispano-americanos certamente aprendemos bastante,sob os regimes autoritrios recentes ou ainda em vigor, quanto importnciada democracia poltica. Talvez os deputados prxima assembliaconstituinte brasileira, juntamente com muitos dos que eles estarorepresentando, venham a ter uma perspectiva diferente...

    2. Os militares: regras para o jogo real?

    O problema do papel poltico dos militares pode ser tomadorapidamente como uma segunda ilustrao da lgica geral que proponho, coma vantagem de propiciar igualmente uma ilustrao direta e dramtica deelaborao constitucional realista e passo a passo. Durante todo o perodorepublicano brasileiro desde o final do sculo XIX, quando tivemos diversasconstituies, o papel dos militares tem sido constitucionalmente definidocom base na presuno de que se trata de guardies neutros e profissionaisdas leis do pas e de sua soberania nacional. Naturalmente, esta

    patentemente uma fico legal sem qualquer correspondncia com a

    importncia real que os militares tm tido, e continuam a ter, como atorpoltico. No obstante, a recente assemblia constituinte colocou o problemaem boa medida nos mesmos termos, e os debates nela ocorridos sobre osmilitares podem ser apropriadamente resumidos como girando em torno daquesto de proibir ou no os golpes militares... Se se trata de decidir sobreesta questo especfica, minha posio pessoal a de que os golpes militares

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    sejam proibidos da maneira mais severa possvel -- e chego mesmo a admitirque isso pode teralgum efeito sobre a disposio militar de recorrer agolpes...

    Contudo, creio tambm ser claramente impossvel, nas presentescircunstncias, quebrar de fato o poder poltico autnomo da corporaomilitar. Da me parece decorrer que a fico legal de sua irrelevncia polticadeveria ser abandonada, e que seria necessrio procurar agir no plano legal demaneira que se pudesse pretender viesse a ser mais consequente e efetiva.Ora, alm dos fatores de natureza "estrutural" que se acham ligados sintervenes militares na vida poltica brasileira, h tambm em jogo fatoresscio-psicolgicos que so provavelmente suscetveis de mudana atravs demedidas institucionais. Tendo isso em mente, o problema dos militares

    poderia ser considerado por referncia aos seguintes objetivos: (1) o deeliminar o presente isolamento da corporao militar perante a sociedadecomo um todo, criando oportunidades para o seu convvio poltico-institucional regular com os representantes de variados focos de interesses eopinies; (2) o de ajudar a criar, assim, uma tradio de convivncia cvica, ede talvez eliminar gradualmente a parania e o "complexo de sublevao" quetem caracterizado a perspectiva poltica dos militares; e (3) o deeventualmente neutralizar, ao fim desse esforo de ressocializao, a prpria

    disposio de agir como poder poltico autnomo por parte dos militares. Talconcepo redunda, em ltima anlise, em buscar alguma forma mitigada deincorporar institucionalmente o poder poltico efetivo dos militares que

    pudesse talvez representar a explicitao de regras para o jogo realno qualse encontram envolvidos -- e faz-lo tanto quanto possvel em termos capazesde reclamar a aquiescncia consequente deles. Naturalmente, como no setrata de assegurar suporte institucional para uma tutela militar permanente,

    poderiam prever-se limites de tempo para a vigncia dos dispositivoscorrespondentes e mecanismos de reviso. De qualquer forma, creio que tal

    proposta resultaria concretamente em experimentar com algum tipo derepresentao corporativa dos militares junto ao ramo executivo do governo etalvez mesmo ao legislativo -- e algum apoio para a aposta nela contida setem com a experincia anterior de ver com alguma frequncia, no ps-64,chefes militares "duros" atuarem com moderao e equilbrio ao assumirem o

    papel de juzes nos tribunais militares.

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    3. Corporativismo e o estado

    Finalmente, um terceiro ponto diz respeito ao problema geral de

    construo ou reconstruo do estado em conexo com o objetivo deconsolidao democrtica, remetendo a discusses correntes sobre o tema docorporativismo. No Brasil, o corporativismo tem sido vinculado com umatradio "estatista" eportanto autoritria, e denunciado invariavelmente comoalgo a ser suprimido em benefcio da democracia. Alm de ser visto como aexpresso do carter autoritrio que marcaria a vida poltica brasileira desdetempos remotos, em seus traos atuais o corporativismo brasileiro descritocomo a consequncia direta dos desgnios ditatoriais de Vargas durante oEstado Novo. Certamente por tais razes, mesmo a voga que tem

    presentemente no pas a idia de um "pacto social" no se formula em termosque pudessem sugerir qualquer parentesco com a noo de corporativismo.

    Ora, se se admite que a expectativa de eventualmente se chegar soluo do "problema constitucional" necessariamente envolve algum tipo de

    pacto social, certas perguntas emergem naturalmente. Quais so as relaesentre, de um lado, a busca de pactos sociais no interesse da consolidaodemocrtica e, de outro lado, o fato de que o pas conta com uma tradio de

    presena ou iniciativa por parte do estado ou com uma tradio de"corporativismo", em certo sentido da palavra? So tais relaesnecessariamente negativas, mesmo se admitimos a conexo entre ocorporativismo e o autoritarismo poltico no passado? Ou existir a

    possibilidade de que o prprio corporativismo, bem como o estado brasileirode grandes dimenses, se torne instrumental para o estabelecimento de pactossociais efetivos e eventualmente para a democracia?

    O que sustento, em correspondncia com a perspectiva incrementalista

    acima esboada, que certamente temos de explorar a possibilidade contidana ltima indagao formulada. Com efeito, o estado brasileiro scio-economicamente ativo est aqui para ficar -- e provavelmente para expandir-se, como se expandiu enormemente mesmo durante o regime autoritrio de1964, no obstante sua retrica de liberalismo econmico. Ademais, esseestado penetrante e amplo naturalmente propenso a articular-se em termos

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    corporativos com os interesses empresariais nos "anis burocrticos"informais, o que uma clara expresso de sua afinidade e, em ltima anlise,de sua dependncia perante o capital, bem comoum fator adicional de seuvis conservador a ser compensado, se isso for de todo possvel. Alm disso,

    nas condies sociais gerais que prevalecem no Brasil, so realmentelimitadas as chances de que venha a ter lugar a organizao autnoma dossetores populares, na qual se tornasse possvel que amplos segmentos de taissetores fossem capazes de agir com eficcia na promoo de seus interesses-- uma ao que, acrescente-se, mesmo se bem-sucedida ao nvelmobilizacional, no poderia permitir-se ignorar o estado, dado o peso e aimportncia deste. Se, para culminar tudo isso, se considera a ironia contidana trajetria seguida por vrias das mais estveis democracias capitalistas,nas quais a mobilizao inicial dos trabalhadores, empreendida em termossupostamente autnomos e pluralistas, termina nas estruturas corporativistas(ou "neocorporativistas") de nossos dias -- como ento sustentar que ocaminho a ser seguido no Brasil para se tratar de assegurar presena e vozaos interesses populares deve passar pelo distanciamento dos interesses

    populares relativamente ao estado e pela via dura e improvvel daorganizao popular autnoma?20

    20

    Creio que a famosa distino reintroduzida por Philippe Schmitter entre ocorporativismo "estatal" e o corporativismo "social" ("Still the Century ofCorporatism?", in Fredrick B. Pike e Thomas Stritch, eds., The New Corporatism,Notre Dame, University of Notre Dame Press, 1974) amplamente irrelevante paraa substncia de meu argumento. Na verdade, apesar de sua importncia em darorigem a vasta literatura recente sobre o corporativismo, o artigo de Schmitter meparece inconsistente no que diz respeito quela distino, que no fez senoaumentar as confuses existentes sobre o tema do corporativismo. Assim, enquantoa definio geral de corporativismo fornecida por Schmitter se refere a um sistemade representao de interesses em que o estado se articula com unidades derepresentao vistas como limitadas em nmero, compulsrias, no-competitivas,hierarquicamente ordenadas e monopolizadoras (ibid., pp. 93-2), a distino entre

    corporativismo social e estatal no se refere aos elementos estruturais dessadefinio, mas antes (1) s origens de cada tipo ou ao processo pelo qual ele seestabelece (pp. 103 e 106, por exemplo) ou (2) ao carter mais ou menos autoritriodo sistema poltico como um todo no qual cada tipo se acha "embebido" ou com oqual se acha "associado" (p. 105) -- apesar do fato de que o prprio Schmitterdenuncie na literatura sobre o corporativismo a tendncia a "submergi-lo emalguma configurao poltica mais ampla tal como 'o estado orgnico' ou 'o regimeautoritrio'" (p. 91). Naturalmente, essa fuso entre "corporativismo" e"autoritarismo", que Schmitter critica mas inadvertidamente compartilha, prejulga aresposta a algumas questes importantes, como as que suscito no texto.

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    De minha parte, sugiro que a maneira mais proveitosa de lidar com asquestes que normalmente se ligam com a noo de corporativismo aderirde modo consequente definio deste como tendo a ver, em geral, com aarticulao entre estado e sociedade -- particularmente os grupos de interesse

    funcionais na sociedade. Em si mesma, tal articulao no tem por que servista como implicando seja autoritarismo ou democracia: ela pode serconcebida quer como levando ao controle dos grupos de interesse peloestado, quer como levando a maior sensibilidade do estado perante os gruposde interesse (e, no limite, ao controle do estado por tais grupos). Um passo frente nos leva a perceber que sempre que tenhamos corporativismo (oumesmo, talvez, em qualquer sociedade em que existam tanto o estado quantoos grupos de interesse) provavelmente teremos, em graus variveis, ambos oscomponentes desse fluxo de mo dupla. O prximo passo o de nos darmosconta de que h um outro fluxo de mo dupla, desta vez entre"corporativismo" assim entendido e "democracia": se, por um lado, a medidaem que o estado prevalece sobre a sociedade (grupos de interesse) ou vice-versa depende da medida em que mecanismos democrticos se encontremconsagrados no sistema poltico como um todo, por outro lado a articulaoentre o estado e a "sociedade" parte, ela prpria, da definio dademocracia. Estamos de novo, como parece claro, diante das demandasaparentemente contraditrias de que o estado seja autnomo e no seja

    autnomo -- e nada importante parece ser acrescentado ou retirado pelaconsiderao do corporativismo como tal.

    Contudo, se o contexto em que se tem de agir e tratar de construir ademocracia j inclui como trao saliente um estado comparativamente

    poderoso, scio-economicamente ativo e dotado de acentuado vis em suasrelaes com os grupos de interesse (alm de firmemente implantado e nosuscetvel de ser revolucionariamente subvertido), a tarefa de construir ademocracia passa ento inevitavelmente pela tarefa de construir

    adequadamente o prprio corporativismo -- ou seja, de procurar articularestado e sociedade de maneira mais rica e mais complexa. Proponho que noBrasil no somente nosfalta corporativismo, nesse sentido, mas tambm queestamos forados a recorrer ao "atalho" de procurar construir conjuntamentecorporativismo e democracia (ou algo do tipo do "pluralismo corporativo"que Robert Dahl julga corresponder, mesmo para os pases de tradio

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    democrtica, ao futuro inevitvel como alternativa ao autoritarismopoltico)21 com os materiais provenientes da tradio estatista e autoritria ecom recurso ao prprio estado. Entre outras coisas, o desafio o de assegurarrepresentao funcional adequada para os interesses trabalhistas e populares

    e tornar mais transparente todo o processo de representao corporativa.

    Duas breves observaes para concluir. Em primeiro lugar, a idia deuma estrutura corporativa onde vrios interesses funcionais importantesrecebem representao adequada ajusta-se bem necessidade de lidar comoutro dado desagradvel da realidade brasileira, isto , os partidos "amorfos"e catch-allde que se falou antes, rechaados pelos que se apegam ao modeloidealizado de "poltica ideolgica". Desejo somente ponderar que talvezcoubesse ver em luz mais positiva a possvel contribuio de partidos no-ideolgicos de tipo catch-allpara a democracia (ou a consolidaodemocrtica) se tais partidos viessem a operar lado a lado com uma estruturacorporativa onde os interesses especficos dos trabalhadores organizadosestivessem representados. Desde que tenham uma orientao geral de cunho

    popular (e as caractersticas da maioria do eleitorado brasileiro so de moldea exigir isso de qualquer partido que pretenda hegemonia ou mesmoviabilidade eleitoral, da mesma forma queprobem posturas ideolgicasrgidas se se pretende alcanar tais objetivos), a flexibilidade de partidos

    daquele tipo pode mesmo ser vista como representando uma correooportuna s distores a que a representao funcional de interesses estarprovavelmente exposta como consequncia da heterogeneidade dos setorespopulares brasileiros no que diz respeito capacidade mobilizacional eorganizacional.22

    A segunda observao se refere contribuio que a adequada"corporativizao" das relaes estado-sociedade no Brasil poderia trazer

    para a adoo de polticas efetivas de welfare, em substituio caricatura

    trgica do welfare state que o pas exibe presentemente. Naturalmente, 21

    Robert A. Dahl, Dilemmas of Pluralist Democracy, New Haven, Yale University Press,1982, p. 80.22

    Tais problemas so discutidos mais extensamente em Fbio W. Reis, "Partidos,Ideologia e Consolidao Democrtica", em Reis e O'Donnell (orgs.),A Democraciano Brasil, op. cit.

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    difcil imaginar que as dimenses civil e poltica da cidadania democrticapossam lanar razes num pas como o Brasil se os elementossociais dacidadania no forem introduzidos em medida significativa, de maneira aneutralizar a chocante privao em que vive a maioria da populao. E

    igualmente difcil imaginar como se poderia avanar nessa direo se nocom a participao decisiva do estado.

    V - Uma palavra de concluso

    Uma idia crucial subjacente perspectiva aqui formulada a de que aluta pela democracia no envolve pura e simplesmente o empenho de contero estado, mas sim o de construiro estado de maneira adequada, e de que oxito do processo de construo institucional do estado condio mesmo

    para sua conteno eficaz naqueles aspectos em que tal conteno se faznecessria. No se nutrem aqui iluses quanto s chances de que propostasdo tipo das acima apresentadas sejam consideradas com seriedade na prpriaarena poltica na conjuntura brasileira do momento, pois elas no parecemajustar-se viso dos atores decisivos. Contudo, a opo pela formaafirmativa em termos de uma linha geral ao longo da qual caberia buscar areestruturao poltico-institucional do pas decorre da convico de que oesforo de pensar instrumentalmente acaba propiciando o melhor teste da

    acuidade analtica na abordagem dos problemas. Ademais, provavelmente asrazes que levam ao ceticismo quanto aceitabilidade da linha geral propostaaos olhos dos atores relevantes acabam por confundir-se com as razes dedesnimo quanto s perspectivas de efetiva estabilizao democrtica nofuturo visvel.