A Contemporaneidade
-
Upload
bruno-fontes -
Category
Documents
-
view
4 -
download
0
description
Transcript of A Contemporaneidade
12 – A contemporaneidade (séculos XX e XXI)
A partir do século XX a Literatura Portuguesa conhece muitas realidades diferentes. É
exaustivo e desnecessário detalhar completamente todo o percurso destes dois séculos.
Assim ficaremos pelos traços gerais.
12.1 – O Saudosismo (início do século XX)
Ainda antes do surgimento da geração da Orpheu aparece o grupo da Renascença
Portuguesa, em torno da revista A Águia, e ao redor do qual se integrava o movimento
conhecido como Saudosismo, cujo máximo representante era o poeta Teixeira de
Pascoaes.
O saudosismo consubstancia uma atitude humana perante o mundo que tem como base
a saudade, considerada por Pascoaes o grande traço espiritual definidor da alma
portuguesa, e que, segundo o poeta, é testemunhado pela literatura portuguesa ao longo
dos séculos. No entanto, mais do que sentimento individual, a saudade é elevada a um
plano místico (relação do Homem com Deus e com o mundo, ânsia nostálgica da
unidade do material e do espiritual) e corresponde a uma doutrina política e social.
Surgido no clima mental nacionalista, tradicionalista e neo-romântico de inícios do
século, o saudosismo pretendia, tomando a saudade como princípio dinâmico e
renovador (de forma algo obscura) levar a cabo, pela acção cultural, a regeneração do
país. Seria, de acordo com o seu teorizador, a primeira corrente autenticamente
portuguesa. Ligado a uma expectativa messiânica e profética, o saudosismo acabou por
dar azo ao afastamento de alguns dos seus adeptos — como António Sérgio, que não
reconhecia no seu passadismo capacidade de renovação, ou até Fernando Pessoa, que,
embora partilhando este elemento messiânico, acabou por preferir o projecto
cosmopolita e revolucionário da revista Orpheu.
O saudosismo, embora tenha desaparecido como corrente literária e espiritual, mantém
ainda hoje ecos na obra de alguns escritores e pensadores ligados à análise do carácter
nacional e dos seus traços definidores.
12.2 – O grupo da Presença (a partir de finais dos anos 20 do século XX)
A publicação Presença - Folha de Arte e Crítica foi uma das mais influentes revistas
literárias portuguesas do Século XX. Foi lançada em Coimbra, a 10 de março de 1927,
sendo publicados 54 números até à sua extinção em 1940.
Foi fundada por João Gaspar Simões e Branquinho da Fonseca, tendo sido dirigida
pelos dois e por José Régio. Branquinho da Fonseca abandonou a direção da revista na
edição nº 27, em 1930, por considerar haver imposição de limites à liberdade criativa,
um gesto geralmente entendido como uma reação ao ascendente de Régio. A partir do
n.º 33 e até novembro de 1938 a revista passou a contar com a presença na direção
tripartida de Adolfo Casais Monteiro. A revista acabaria por extinguir-se por
desavenças ideológicas entre Gaspar Simões e Casais Monteiro.
Colaboraram na Presença, para além dos homens do Primeiro Modernismo, Adolfo
Correia Rocha, mais tarde conhecido pelo seu pseudónimo Miguel Torga, Aquilino
Ribeiro, Edmundo de Bettencourt, Carlos Queiroz, Júlio / Saul Dias e uma toda
uma geração de poetas, prosadores, pensadores e artistas plásticos, justamente chamada
"a geração da presença", ou dos presencistas.
A Presença defendeu a criação de uma literatura mais viva, livre, oposta ao academismo
e jornalismo rotineiro, primando pela crítica, pela predominância do individual sobre o
colectivo, do psicológico sobre o social, da intuição sobre a razão. Elegendo como
"mestres" os artistas da Orpheu, muitos dos quais ainda colaboraram na Presença, a
revista foi importante na difusão de uma segunda fase do Modernismo, usualmente
designado por Segundo Modernismo, mais crítica e teorizadora do que criadora.
Na revista divulgaram-se também as principais obras de escritores europeus da primeira
metade do Século XX, tais como Marcel Proust, André Gide, Paul Valéry,Guillaume
Apollinaire e Pirandello.
12.3 – Neo-Realismo (a partir dos anos 40 do século XX)
Surgindo como reacção ao imobilismo estético e reaccionário da Presença, surge esta
corrente literária de influência italiana que anexa algumas componentes da literatura
brasileira, nomeadamente a da denúncia das injustiças sociais do romance nordestino.
Quer na poesia, quer na prosa, o neo-realismo assume, ao contrário do grupo da
Presença, uma dimensão de intervenção social, agudizada pelo pós-guerra e pela
sedução dos sistemas socialistas que o clima português de ditadura mitifica.
A sua matriz poética concentra-se no grupo do Novo Cancioneiro, colecção de poesia,
com Sidónio Muralha, João José Cochofel,Carlos de Oliveira, Manuel da
Fonseca, Mário Dionísio, Fernando Namora e outros.
No romance, Soeiro Pereira Gomes, com Esteiros, e Alves Redol, com Gaibéus, de
1940, inauguraram, na ficção, uma obra extensa e representativa, que também muitos
dos outros poetas mencionados (sobretudo os quatro primeiros) contribuíram para
enriquecer.
O romance neo-realista reactiva os mecanismos da representação narrativa, inspirando-
se das categorias marxistas de consciência de classe e de luta de classes, fundando-se
nos conflitos sociais que põem sobretudo em cena camponeses, operários, patrões e
senhores da terra, mas os melhores dos seus textos analisam de forma acutilante as
facetas diversas dessas diversas entidades, o que se pode verificar, nomeadamente,
em Uma Abelha na Chuva, de Carlos de Oliveira, Seara de Vento, de Manuel da
Fonseca, O Dia Cinzento, de Mário Dionísio e Domingo à Tarde, de Fernando
Namora.
12.4 - Surrealismo (a partir dos anos 40 do século XX)
tardio, na literatura portuguesa, é representado por grandes poetas (António
Pedro, Manuel de Lima, Mário-Henrique Leiria, Mário Cesariny) e tem grande
impacto na configuração do discurso poético da modernidade, de Herberto Helder ao
grupo de escritores da publicação Poesia-61 (Gastão Cruz, Fiama Hasse Pais
Brandão, Luiza Neto Jorge, Maria Teresa Horta), não esquecendo Ruy
Belo, Casimiro de Brito e João Rui de Sousa.
Na esteira do seu congénere e inspirador francês, este grupo favorece as associações
vocabulares livres, as relações semânticas insólitas, e estabelece o primado da
imaginação.
Surge como reacção à esterilidade do neo-realismo, à sua falta de imaginação e ao seu
sentido estético pauperizado.
12.5 - Existencialismo (a partir dos anos 50-60 do século XX)
Tal como o surrealismo, não determina pontualmente, de modo sensível, a literatura
portuguesa (a não ser na obra do seu introdutor romanesco e filosófico, Vergílio
Ferreira, que o teoriza e pratica de modo apologético e polémico, sobretudo contra a
estética neo-realista, quer na sua narrativa quer no seu ensaio), mas exerce uma
influência decisiva e prolongada mesmo em escritores que dos seus princípios estão
aparentemente distanciados, como José Cardoso Pires ou Urbano Tavares
Rodrigues, centrando-os na temática do absurdo e da necessidade da escolha activa
como afirmação da liberdade e da negação da morte.
A partir da década de 60 é complexo, e nalguns casos mesmo impossível, descortinar
grupos literários agregados. Aquilo que verificamos é uma existência de vários autores
isolados que congregam influências de ordem variada.
Vejamos alguns deles.
Podemos realçar nomeadamente Almeida Faria, que segue uma tendência nascida em
França – o nouveau roman – cujo princípio base é uma luta contra as normas do
romance. As noções de tempo, espaço e mesmo de enredo são postas em causa, e o
romance deve conseguir funcionar sem necessitar delas. A sua obra mais importante é
Rumor Branco (1962).
Agustina Bessa-Luís, que se notabiliza também no romance, preconiza um estilo
rebuscado com o qual narra histórias cuja influência cruza, por exemplo, Camilo
Castelo Branco e Bergson (na questão da apresentação do tempo). A sua obra-prima é A
sibila (1954).
António Lobo Antunes surge no seguimento da Almeida Faria mas segue antes o
exemplo de William Faulkner, autor americano que coloca em acção um grupo de
narradores a dar asas ao seu mundo interior através de uma narração de stream of
conscience que bebe das descobertas literárias de James Joyce. Os seus romances mais
conhecidos são Memória de elefante (1979) ou Manual dos inquisidores (1996).
E finalmente José Saramago, cujo estilo mais célebre (se bem que nem todas as suas
obras recaiam de forma confortável nesta categorização) pode ser designado de
realismo histórico. É um estilo que discute a História intercalando a realidade e a
fantasia, o poético, o empenho social e interventor e as preocupações regionais.
Memorial do convento (1982) e O ano da morte de Ricardo Reis (1987), talvez as suas
duas obras mais conseguidas, recaem completamente neste esquema mental.