A contribuição dos estudos de percepção de riscos na avaliação e no gerenciamento de riscos

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1 / 14 A contribuição dos estudos de percepção de riscos na avaliação e no gerenciamento de riscos Pereira, A.F.de A.N. 1 Gonçalves, M.L. 2 "O cientista não estuda a natureza porque ela é útil: estuda-a porque se delicia com ela, e se delicia com ela porque é bela. Se a natureza não fosse bela, não valeria a pena conhecê-la e, se não valesse a pena conhecê-la, não valeria a pena viver." Henri Poincaré I. Resumo: O objetivo principal deste artigo prende-se à análise de alguns métodos empregados no processo de Gestão de Riscos e sua contribuição na percepção de riscos, na avaliação e no gerenciamento de riscos. II. Introdução: As questões éticas associadas aos processos de percepção e avaliação de riscos não podem ser postas de lado em nenhuma circunstância. Por essa razão, elas serão abordadas com destaque nessa primeira fase deste artigo. Segundo FREITAS & GOMEZ (1997), apud SISINNO (2000): na perspectiva utilitarista das análises técnicas de riscos - da engenharia, toxicologia, epidemiologia, atuária, economia, entre outras - os indivíduos são abstraídos de seus contextos sociais e considerados como não influenciados por família, círculo de amigos, grupos sociais e instituições a que pertencem, por seus valores socioculturais e emoções. São tratados como frios e calculistas, agindo ou devendo agir com o objetivo de ordenar o caos e maximizar os ganhos de cada ação, distinguindo estratégias e projetando as conseqüências de cada uma delas de modo a determinar a capacidade de escolhas de alternativas, avaliando permanentemente os riscos e os benefícios das possíveis ações. Na concepção elitista de democracia, a maior preocupação é manter a estabilidade de um determinado sistema ético, moral, social, cultural e político, em que são qualificados como racionais aqueles cujas ações se encontram em consonância com o mesmo. Nesta concepção, a limitação da participação dos cidadãos nas análises de riscos e nos processos decisórios é aceita e justificada. Pelizzoli (2003) comenta: "falar em ambiente é falar em pessoas e suas relações, ou seja, falar em ética, o que por sua vez não é apenas falar em normas morais e comportamentos, mas em formas de conhecimento (que são sempre relações), visões de mundo, daí a cosmologia, a ontologia e a antropologia envolvidas, a saber, visões de sentido do mundo/universo, do ser/essência e do humano/ético". Ainda segundo Pelizzoli (2003), "o planejamento e a administração hoje não podem mais suprimir a base ambiental e o modus civilizatório, assim como não poderão 1 Antonio Fernando de Araújo Navarro Pereira, Engenheiro Civil, Especialista em Gestão de Riscos, Mestre em Saúde e Meio Ambiente pela Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE 2 Mônica Lopes Gonçalves, Geóloga, Mestre em Geologia pela UFRJ, Doutora em Recursos Minerais e Hidrogeologia pela USP, Coordenadora do Programa de Mestrado em Saúde e Meio Ambiente da Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE, Orientadora

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A contribuição dos estudos de percepção de riscos na avaliação e no gerenciamento de riscos

Pereira, A.F.de A.N.1 Gonçalves, M.L.2

"O cientista não estuda a natureza porque ela é útil: estuda-a porque se delicia com ela, e se delicia com ela porque é bela. Se a natureza não fosse bela, não valeria a pena conhecê-la e, se não valesse a pena conhecê-la, não valeria a pena viver." Henri Poincaré

I. Resumo:

O objetivo principal deste artigo prende-se à análise de alguns métodos empregados no processo de Gestão de Riscos e sua contribuição na percepção de riscos, na avaliação e no gerenciamento de riscos.

II. Introdução:

As questões éticas associadas aos processos de percepção e avaliação de riscos não podem ser postas de lado em nenhuma circunstância. Por essa razão, elas serão abordadas com destaque nessa primeira fase deste artigo. Segundo FREITAS & GOMEZ (1997), apud SISINNO (2000): na perspectiva utilitarista das análises técnicas de riscos - da engenharia, toxicologia, epidemiologia, atuária, economia, entre outras - os indivíduos são abstraídos de seus contextos sociais e considerados como não influenciados por família, círculo de amigos, grupos sociais e instituições a que pertencem, por seus valores socioculturais e emoções. São tratados como frios e calculistas, agindo ou devendo agir com o objetivo de ordenar o caos e maximizar os ganhos de cada ação, distinguindo estratégias e projetando as conseqüências de cada uma delas de modo a determinar a capacidade de escolhas de alternativas, avaliando permanentemente os riscos e os benefícios das possíveis ações. Na concepção elitista de democracia, a maior preocupação é manter a estabilidade de um determinado sistema ético, moral, social, cultural e político, em que são qualificados como racionais aqueles cujas ações se encontram em consonância com o mesmo. Nesta concepção, a limitação da participação dos cidadãos nas análises de riscos e nos processos decisórios é aceita e justificada.

Pelizzoli (2003) comenta: "falar em ambiente é falar em pessoas e suas relações, ou seja, falar em ética, o que por sua vez não é apenas falar em normas morais e comportamentos, mas em formas de conhecimento (que são sempre relações), visões de mundo, daí a cosmologia, a ontologia e a antropologia envolvidas, a saber, visões de sentido do mundo/universo, do ser/essência e do humano/ético".

Ainda segundo Pelizzoli (2003), "o planejamento e a administração hoje não podem mais suprimir a base ambiental e o modus civilizatório, assim como não poderão 1 Antonio Fernando de Araújo Navarro Pereira, Engenheiro Civil, Especialista em Gestão de Riscos, Mestre em Saúde e Meio Ambiente pela Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE 2 Mônica Lopes Gonçalves, Geóloga, Mestre em Geologia pela UFRJ, Doutora em Recursos Minerais e Hidrogeologia pela USP, Coordenadora do Programa de Mestrado em Saúde e Meio Ambiente da Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE, Orientadora

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mais prescindir de uma ética de futuro". "Não é mais possível", como enfatizou José Lutzenberger, vivermos como se fôssemos a última geração. As éticas anteriores não contemplaram a dinâmica de mutação e a exclusão inerente à sociedade tecnoindustrial. Tem seus parâmetros inócuos e, muitas vezes, trazem em seu bojo as disposições profundas dos riscos da razão instrumental e egológica hegemônica. São por vezes éticas individualizadas e que não conseguem pensar os sujeitos e os objetos não-humanos, ou pensar em longo prazo, ou ainda pensar a globalização econômica como ela se impõe hoje".

Para as análises técnicas de riscos com base tanto na perspectiva utilitarista e no paradigma do ator racional, como na concepção elitista de democracia, a objetividade é alcançada por meio da ênfase em determinados resultados das avaliações quantitativas (óbitos, custos, benefícios, probabilidade de eventos, magnitude das conseqüências, entre outros). O processo social de escolhas, de poder, de relações, de interesses é ignorado de modo que, em uma abordagem unidimensional, são estabelecidos critérios e padrões de aceitabilidade de riscos descontextualizados. Ao final, é definido, por exemplo, que 10-6 para os casos de determinadas doenças resultantes de exposições químicas ambientais ou que a exposição a α partes por milhão da substância γ durante um período médio de vida são valores estritamente objetivos, racionais e aceitáveis. (FREITAS & GOMEZ, 1997)

A "ética" pressuposta nos defensores do mundo liberal e neoliberal parte do princípio de que todos os homens buscam a felicidade própria e então a da sociedade como um todo; aqueles que lutam mais, galgam melhores postos e bens , até porque "as pessoas são diferentes", e com capacidades diferentes, e isso é que prevalece. É neste contexto que vigora ainda a ética utilitarista, em sua face adaptativa e organicista-funcional para as chamadas "sociedades civilizadas e livres". Aqui, o valor supremo do indivíduo, e então de sua liberdade, só se realiza pela propriedade privada dos bens de produção e consumo; ela liga-se como que a uma certa identidade, algo por vezes referido à noção tradicional de família e auto-afirmação do sujeito e de seu grupo ou classe. (PELIZZOLI, 2003)

Partindo-se desta primeira abordagem de caráter filosófico-social, procurar-se-á estabelecer uma relação entre os métodos tradicionais de Gestão de Riscos fundamentados em pesquisas, coleta de dados, análises, associação com banco de dados, estudos de confiabilidade, e uma série de outras ferramentas e aplicativos computacionais, e a Percepção do que as pessoas pensam ou imaginam ser Riscos, baseada em seus próprios sentimentos, conhecimentos anteriores, medos e receios decorrentes de situações semelhantes por elas vivenciadas, seus comprometimentos, e nas questões decorrentes da Ética Ambiental.

Torna-se aqui relevante essa colocação, uma vez que, pretende-se relacionar a eficácia das duas formas de avaliação, e consolidá-las através da interpretação do quando se trata efetivamente de Riscos, principalmente os de natureza ambiental.

O que são "Riscos"? Riscos são todos os insucessos ocorridos em uma determinada fase ou época e não de todo esperados (NAVARRO 1996).

O insucesso tem aqui a conotação do fracasso. Daquilo que não foi um sucesso, ou seja, daquilo que não ocorreu bem. Outro aspecto a ser considerado é o de que, normalmente, não se espera a ocorrência de um Risco sem que se tenha feito alguma coisa para se prevenir dele. De modo geral, o Risco está associado ao inesperado.

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No tocante à questão ambiental associada ao Risco, não basta apenas informar as pessoas dos Riscos que existem ao seu redor, sejam esses inerentes ao meio e às atividades sócio-econômicas que ali se desenvolvam, ou não. Necessário também se faz, levar em consideração as sensações de segurança ou de insegurança percebidas por elas, assim como as questões Ético-Ambientais envolvidas no contexto.

Sabe-se hoje, que em muitas circunstâncias, o que mais vale é as pessoas se sentirem seguras frente aos Riscos que as envolvem, do que o seu convencimento por outro caminho que não o de sua própria percepção. A escolha dos Riscos aos quais se deva dar atenção, não se prende ao simples reflexo de preocupações com a proteção da saúde, da segurança e do Meio Ambiente. A escolha reflete também outros aspectos, como os das crenças da sociedade acerca dos valores, instituições sociais, natureza, justiça e moral, sendo esses os determinantes na superestimação ou subestimação de determinados Riscos (DOUGLAS&WILDAVSKY, 1982, apud PELIZZOLI, 2003).

III. Desenvolvimento:

A Gerência de Riscos surgiu como técnica, nos Estados Unidos, no ano de 1963, com a publicação do livro Risk Management in the Business Enterprise, de Robert Mehr e Bob Hedges. Uma das fontes de inspiração para o surgimento dessa técnica, foi um trabalho de Henry Fayol (1916.

Ao longo de todo esse período, até hoje, a Gestão de Riscos continua sendo entendida como um conjunto de técnicas de abordagem aplicadas à identificação, conhecimento e prevenção das perdas que possam estar associadas aos Riscos estudados, com vistas à análise qualitativa e quantitativa desses. Deve-se enfatizar que, em um processo de gestão, qualquer que seja esse, o importante não é atacar-se às conseqüências dos problemas e sim suas causas. Se o processo do gerenciamento for a causa, conseguir-se-á eliminá-las.

Procurando responder duas questões fundamentais, Douglas & Wildavsky (1982), uma antropóloga e um cientista político, publicaram no início dos anos 80 0 livro Risk and Culture: essay an selection of technological and environmental dangers. As questões que se pretendiam responder eram: por que as pessoas privilegiam alguns riscos enquanto ignoram outros? Por que os americanos haviam selecionado a poluição industrial como principal fonte de perigo? A pressuposição básica destes autores era a de que todas as sociedades selecionavam alguns poucos riscos aos quais deveriam das atenção e ignoravam uma enorme variedade de outros. Isto seria válido tanto para a sociedade americana, altamente industrializada, como para as tribos "primitivas". Assim, cada sociedade teria a que denomina o próprio portfolio de riscos, sublinhando alguns que considerassem dignos de atenção e institucionalizando meios para controlá-los, ao passo que negligenciava outros. Este processo de seleção dos riscos seria inerente a todas as sociedades, uma vez que dependia de uma combinação de confiança e medos. Alguns medos poderiam ser físicos e outros, sociais. Assim, talvez os cidadãos não se sentissem ameaçados por situações que envolvessem medos físicos se sentissem confiança na justiça e no suporte social. Para os autores, a escolha dos riscos aos quais se deveria das atenção não seria simplesmente o reflexo de preocupações com a proteção da saúde, da segurança e do ambiente. A escolha refletia também outros aspectos, como as crenças das sociedades acerca dos valores, instituições sociais, natureza, justiça e moral - sendo estes determinantes na superestimação ou subestimação de determinados riscos. O risco não seria, então, uma realidade objetiva, uma vez que a percepção é um processo social. Isto significava que as crescentes preocupações sobre os riscos industriais não poderiam ser explicadas tanto pela abordagem psicológica - que privilegiava o indivíduo e seus

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julgamentos - como pela realidade "objetiva", entendida esta como as evidências científicas que justificariam dizer que o risco x é mais perigoso que o risco y. O risco e sua percepção só poderiam, então, ser compreendidos através das análises sociais e culturais e suas interpretações. Os indivíduos selecionam riscos pela impossibilidade de estarem conscientes de todos.

Os conceitos de Riscos são muito amplos. Risco não é só aquilo que está para acontecer ou aquilo que se tem receio que aconteça em um determinado momento; observe-se os exemplos que se seguem abaixo:

• Hoje teremos o risco de um temporal; Levem os seus casacos; Não cheguem tarde da noite;

• Há risco de vocês serem assaltados, portanto, não cheguem tarde; Não andem por ruas escuras;

• Se vocês não estudarem correrão o risco de não tirarem boas notas; • Não empreste dinheiro para seu amigo pois ele está desempregado, haverá o risco de

você perder o amigo ao cobrá-lo; • Não tente consertar o chuveiro para não sofrer o Risco de levar um choque.

Em cada um dos exemplos a palavra “Risco” tem um significado diferente. Não chegar junto com o temporal apresenta o inconveniente, e não o "Risco" da pessoa molhar-se. Na hipótese de um assalto efetivamente há um Risco de perda monetária ou de danos à própria vida ou à saúde. Nas provas, as pessoas poderão ser reprovadas. O único Risco que não está sendo objeto da análise, é o da perda financeira de ter-se que repetir o ano letivo. Finalmente, no caso do chuveiro, o Risco envolve a vida da própria pessoa. Se essa estiver sobre um piso molhado poderá sofrer um choque fatal (NAVARRO 1996).

III.1 Técnicas de Gestão de Riscos:

Normalmente, o uso de técnicas de Gestão de Riscos dá-se mais na fase do estabelecimento das premissas básicas de projeto, do que na implantação do empreendimento. Trata-se de uma fase com pouca reverberação de opiniões, ou seja, a portas fechadas, quando se avaliam os prós e os contras da instalação do empreendimento.

Dentro do enfoque escolhido aqui estabelecido de relacionar os processos de avaliação metodológica com a avaliação empírica, torna-se importante apresentar algumas considerações sobre o que vem a ser um Risco, como ele se materializa e como pode ser avaliado, através de processos metodológicos.

Riscos são todos os fatos, situações, bens ou atividades sujeitas a perdas ou danos. Para fins de estudos podem ser classificados em:

• voluntários; • acidentais; • aleatórios.

Riscos voluntários são todos aqueles nos quais há um ato voluntário presente, ato esse que não implica na participação humana no evento. A empresa que não faz uma avaliação correta do lançamento de seus efluentes está consciente que de esses podem atingir o Meio Ambiente. A voluntariedade pode estar vinculada a algum propósito, como a

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economia, a postergação de problemas ou a conveniência de aproveitar-se de determinada situação momentânea.

Riscos Acidentais são os que ocorrem sem que tenha havido contribuição voluntária para tal. O desabamento de um prédio e o alagamento de um pátio de estocagem constituem-se Riscos Acidentais; podem ser enquadrados dentro das características daqueles decorrentes das atividades normais de uma empresa, gerados acidentalmente.

Riscos Aleatórios são aqueles ocorridos sem a participação humana, tais como: terremotos, tremores de terra naturais, vendavais, furacões, enchentes, inundações. São os eventos de causa externa, e não dependem de nenhuma influência do empreendimento para que ocorram. São também conhecidos como Riscos da Natureza.

O conceito de Risco, para ser aqui enquadrado como tal, deve atender a algumas particularidades, quais sejam:: ser futuro; incerto; possível; independente da vontade das partes, conduzir a perdas mensuráveis. A função da Gestão de Riscos é a de reduzir perdas e minimizar os seus efeitos. Isso quer dizer que, assume-se a existência de perdas em todos os processos industriais, como um fato perfeitamente natural, procurando-se evitar que essas perdas venham a ocorrer com certa freqüência, limitando-as a valores aceitáveis, ou dentro do perfil estipulado pela empresa em seus orçamentos anuais.

Grandes projetos de engenharia sempre alteraram fundamentalmente o Meio Ambiente, por uma série de razões tais como: remoção da cobertura vegetal, grandes movimentações das camadas do solo, desvio de rios e canais, represamento de águas em áreas onde só corriam pequenos riachos, escavações que põem a nu o subsolo, como por exemplo: usinas hidrelétricas, portos, túneis, pontes, indústrias químicas e petroquímicas, mineradoras, só para citar algumas delas. Em alguns momentos os empreendimentos instalam-se na região em primeiro lugar e as populações depois, essas quase sempre motivadas pela oferta farta de empregos, pelas facilidades geradas pelo poder púbico, pela proximidade de rodovias, aeroportos e portos. Em outros momentos, os empreendimentos instalaram-se depois, justamente atrás de facilidades geradas pelos governos. O que se verifica de comum entre esses projetos é que muitos foram implantados sem que a primeira preocupação fosse com as pessoas ou com o Meio Ambiente. Mais recentemente, uma indústria de papel em Minas Gerais teve rompida uma barreira da lagoa de rejeitos, atingindo dezenas de municípios, principalmente os do Estado do Rio de Janeiro, provocando grandes danos ecológicos e comprometendo seriamente o abastecimento de água de cidades dos Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro. A questão polêmica que se instalou foi a de que a população já havia se manifestado sobre o assunto, sem sucesso. A Percepção das pessoas frente ao Risco já havia suplantado a previsão dos quanto a não possibilidade de rompimentos.

A eficácia dos métodos de Gerenciamento de Riscos é tida como inconteste porque, na prática têm se comprovado adequados a análises voltadas para as empresas, enquanto vistas de modo isolado. Esses métodos trabalham com um conjunto de técnicas, que podem variar de acordo com os objetivos inicialmente propostos para a análise das situações. Simplificadamente, as técnicas e suas abordagens apresentam-se classificadas da seguinte forma: a) Check-list

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Método de caráter geral, qualitativo, através do diagnostico de situações de Riscos a partir de cenários, com o emprego de questionários previamente estabelecidos. Seu sucesso depende muito das análises posteriores que se seguirão, bem como dos resultados pretendidos. bI) What if

Método qualitativo, que permite inferir o tipo e o tamanho de Risco, muito importante no emprego em discussões de caráter geral acerca de um sistema. Deve-se sempre separar, na aplicação da técnica, as causas das conseqüências. As causas são os fatos geradores, e as conseqüências os resultados. c) Técnica de Incidentes Críticos

Técnica operacional qualitativa, que busca obter informações relevantes acerca de incidentes ocorridos durante determinada fase ou período relatados por testemunhas que os vivenciaram. Os incidentes são os quase acidentes, ou os acidentes não geradores de perdas. A metodologia emprega, principalmente, entrevistas com os operadores ou mantenedores dos sistemas sujeitos a estudos. d) Análise Preliminar de Riscos (APR)

Técnica de inspeção desenvolvida com o objetivo de obter-se análise superficial dos possíveis Riscos, suas causas, conseqüências advindas com a materialização desses e medidas corretivas ou preditivas adotadas. Através de uma APR identificam-se elementos perigosos do sistema, situações de Risco e falhas potenciais. e) Análise de Modos de Falha e Efeitos (AMFE)

Método de análise detalhada, gerando resultados qualitativos e quantitativos, ou seja, identifica o Risco ao mesmo tempo em que o mensura, possibilitando a análise das falhas dos equipamentos, componentes e sistemas com estimativas de freqüência de ocorrências e a determinação dos efeitos ou conseqüências dessas mesmas falhas. f) Análise de Árvore de Falha (AAF)

Método desenvolvido nos Estados Unidos na década de 60, para estudar o comportamento de mísseis balísticos intercontinentais. Assim sendo, partindo-se de um raciocínio lógico da ocorrência de um evento indesejável, ou evento de topo, desenvolveu-se uma metodologia interativa, a fim de se descobrir qual ou quais as falhas que, atuando em conjunto ou isoladamente poderiam gerar o evento não desejado.

III.2 Percepção de Riscos:

Pelizzoli (2003), quando aborda as perspectivas gerais de uma ótica holística, assim coloca: O ponto de partida comum é a crítica ao modelo civilizatório baseado na noção de progresso material e desenvolvimento econômico nos moldes da modernidade científica e industrial, e o que ocorre com o ser humano e com os seres naturais em termos de desequilíbrio e perda de harmonia/interligação com aspectos fundamentais da vida.

Torna-se interessante apresentar a consideração de Heemann (2001) à esse respeito: Há um comportamento humano qualificável sob o ponto de vista do certo e errado, ou ainda, sob o aspecto do bem e do mal. Embora implique uma interioridade e um agir individual, sempre se concretiza em determinada sociedade.

Mais uma vez entram em choque as ações dos seres humanos originadas de sua busca incessante pela modernidade a qualquer custo, quando se observam as implantações de empreendimentos industriais, e os gravames abandonados nos colos

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dos indivíduos que co-habitam os mesmos espaços, que podem gerar reflexões sobre o futuro ou o amanhã. Projetos de hoje têm que levar em consideração o amanhã, mas não como um cenário inatingível ou muito distante. O exercício de co-habitação em um mesmo ambiente, das indústrias e seus Riscos, com as pessoas e seus anseios tem que ser de modo pacífico.

As questões relacionadas à preservação do Meio Ambiente ou a adoção de mecanismos seguros de prevenção de Riscos são ou foram relegadas em favor ou preferência pela pressa do inicio às atividades ou aos aspectos financeiros, principalmente quando estão vinculados à obtenção de financiamentos de bancos públicos a juros fortemente subsidiados. Muitos problemas foram considerados sem solução porque era melhor ter como vizinho uma indústria poluente geradora de mão-de-obra para a família toda do que um Meio Ambiente limpo ocupado por pessoas desempregadas, ou terem essas que se deslocar dezenas de quilômetros na busca de oportunidades de emprego. De outra feita, tornava-se muito mais lucrativo ter um grande empreendimento próximo à sua residência, proporcionando mais segurança e melhor infraestrutura urbana do que tê-lo por longe.

No que concerne à esta avaliação situacional, a primeira questão que sobressai é a da importância da percepção das pessoas frente a Riscos, muitas vezes não tão palpáveis e o emprego de técnicas de avaliação baseadas em estatísticas, confiabilidade, estudos de situações assemelhadas, pesquisas baseadas em bancos de dados, tudo com o objetivo de definir-se medidas preventivas e/ou mitigadoras.

Algumas vezes, como dito no parágrafo anterior, a percepção surge como fruto de uma conivência entre uma população à mercê das incertezas da vida ou de uma população sem muitas opções. As pessoas sabem que aquilo não é bom para elas mas aceitam o fato pacificamente. Nesses casos, apresentar elementos convincentes, mesmo baseados em formulações matemáticas de que o Risco não é bom, decreta a sentença de morte do gestor do Risco.

Para Wynne (1987), suprimir a dimensão da experiência social envolvida em uma dada tecnologia ou risco seria encobrir a legitimidade de valores sociais e ansiedades que surgem desta experiência. A supressão da experiência social pelo Gerenciamento de Riscos ou regulamentação colocaria em perigo a própria credibilidade ao dizer para os indivíduos expostos que suas experiências sociais e busca de significados não contariam. Esta perspectiva de Gerenciamento e regulamentação, quando considera a experiência social, o faz de um modo freqüentemente classificado como uma neurose ou patologia que necessitaria de uma terapia. Esta perspectiva conduziria a um ciclo de destruição de sua própria credibilidade.

II. Objetivos:

Feitas as colocações iniciais, surge como objetivo principal a avaliação, dentro de condições normais, da eficácia de alguns métodos empregados no processo de Gerenciamento ou Administração de Riscos, notadamente daqueles relativos a Meio Ambiente e à sua degradação.

O enfoque prioritário das técnicas de avaliação, sempre foi o de avaliar-se projetos e processos com vistas à identificação dos Riscos para o seu tratamento, posteriormente, contudo, sempre voltado para o universo da própria empresa. A ampliação do campo de ação desses procedimentos ampliava à identificação dos Riscos capazes de causar danos a terceiros. Os danos eram sempre objeto de avaliação de

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seguradoras que passavam a assegurar os Riscos daí oriundos. Mais recentemente passou-se a incluir nesse rol de técnicas a avaliação do consumidor quanto à sua percepção de Risco. Deve-se esclarecer que nos Estados Unidos, onde o valor da percepção passou a ser mais enfatizado, surgiram jurisprudências legais que apontavam para indenizações reparadoras e indenizações punitivas. Em linhas gerais, as punitivas, aplicadas para sensibilizar as empresas a não mais degradarem o Meio Ambiente, correspondiam de 7 a 10 vezes o valor da ação reparadora.

Especificamente na avaliação de impactos ambientais espera-se que os moradores da circunvizinhança do empreendimento também possam opinar sobre as questões que dizem respeito à contaminação ambiental, antes mesmo de virem a ser afetados por ela.

Slovic et al (1991) realizaram um estudo bastante interessante, envolvendo a percepção do público leigo em relação à transformação de uma área de Yucca Montain, Nevada (Estados Unidos), em depósito para grandes quantidades de resíduos nucleares de alto nível. Este estudo apontou que, além dos "efeitos padrão" geralmente resultantes de grandes projetos de engenharia - sobre o nível de emprego local, moradias e transportes, por exemplo - haveria os "efeitos especiais" relacionados a processos sociais, que seriam a percepção dos riscos e o estigma. A percepção de riscos e a amplificação social das reações aos possíveis "eventos indesejáveis" estariam associadas aos riscos de acidentes (grandes e pequenos), a descobertas de vazamentos radioativos, às evidências de má gestão de segurança do depósito, a possíveis sabotagens ou mesmo a rupturas na instalação. A estigmatização do local estaria associada aos possíveis impactos econômicos que poderia gerar. São exemplos a redução das atividades turísticas, de trabalho e comerciais, bem como da capacidade local de atrair novos investimentos, e o aumento, a longo prazo, da migração de residentes locais.

Um exemplo clássico da Percepção de Riscos, qualificado como intuitivo, é o decorrente da análise situacional de um martelo. Isoladamente essa ferramenta não apresenta qualquer tipo de Risco e nem é motivo de preocupações, como por exemplo, o martelo em uma caixa de ferramentas, ou sobre uma bancada de trabalho. Todavia, na mão de uma criança pode vir a representar um Risco para sua própria vida. Uma mãe, ao ver seu filho com menos de dois anos andar pela casa com um martelo na mão tem a reação imediata de tirá-lo desse, por ter razões de sobra para perceber que pode ocorrer algo de ruim. O mesmo pensamento pode não ocorrer com um pai, que pode até querer entregar um prego para que o filho possa pregá-lo sobre uma tábua e depois mostrar para toda a família apregoando as qualidades artesanais da criança. Se forem tios ou avós, certamente acharão graça dele andar pela casa com o martelo, ao invés de andar com um brinquedo. Dirão: como essa criança é precoce!...

A percepção dos Riscos pode variar de acordo com o momento econômico pelo qual as pessoas estão passando, com o seu nível cultural e de informações, interesses envolvidos, aspectos familiares, dentre outros. Se houver necessidade de se construir um depósito de lixo em determinada localidade, e se houver tratamento adequado, esse projeto poderá será uma fonte de emprego para famílias de desempregados, ou fonte de Riscos para famílias estruturadas financeiramente que não dependam para sua subsistência. Outro fato interessante é o que diz respeito à estrutura de família. Um rapaz solteiro que viva sozinho poderá ter uma reação frente aos Riscos diferentemente do que for casado, e mais diferentemente ainda do que tiver filhos pequenos.

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Se o empreendimento precisa saber quais são seus pontos vulneráveis para desenvolver medidas preventivas ou mitigadoras deve aplicar as técnicas de gerenciamento de Riscos ainda durante o projeto. Se o empreendimento que passar para a população uma imagem de segurança e tranqüilidade, deve fazer com que as pessoas se sitam bem residindo nas suas proximidades. Para tal, não deverá impor situações ou induzí-las a um erro de julgamento, que será muito negativo futuramente.

III. Metodologia:

É importante salientar que um evento, quando materializado, nunca traz consigo somente um tipo de perda, podendo existir outras do tipo:

• perda material ou de insumos para a produção; • perda de produção; • perda financeira; • perda pessoal; • perda de imagem; • perda de mercado; • responsabilidades civis; • danos ambientais, etc.

O contraponto da aplicação dessas técnicas, informadas anteriormente, é o da percepção da perda ou do Risco. Para Douglas & Wildavsky (1982), os indivíduos selecionam alguns Riscos pela impossibilidade de estarem conscientes de todos. Entre decidir dentre os milhares que os cercam, a opção é a de pensar naqueles que deveriam ser relevados e os ignorados. Os indivíduos podem não se preocupar, em um primeiro momento, com o lançamento de resíduos poluentes em um rio, mas sim na fumaça que sai pela chaminé da fábrica, porque ainda não estão preocupados com a contaminação das águas e porque o rio não passa junto à sua cidade. Quase sempre nos preocupamos com aquilo que vemos ou sentimos.

Orway & Thomas (1982) consideravam que apesar de podermos conhecer, pelo menos em princípio, cada aspecto acerca da Percepção de Riscos, devemos considerar que esta percepção dependerá das informações que as pessoas têm recebido, bem como a escolha dos tipos nos quais têm acreditado, dos valores e experiências sociais aos quais têm sido expostas e da sua visão de mundo. Por sua vez, esses fatores dependeriam da dinâmica dos interesses dos grupos, da legitimidade das instituições, das características do processo político e do momento histórico que vivem.

Wynne (1982 e 1983) fez algumas considerações sobre qual deveria ser o papel da pesquisa sociológica sobre a Percepção de Riscos. Para o autor, a tecnologia deveria ser conceitualizada primariamente como uma organização social, e não como uma entidade física. Esse conceito esclareceria que o Risco, em si mesmo, pode ser freqüentemente uma categoria de pensamento inserida artificialmente na mente das pessoas, direcionando de algum modo à questão de como deveria ver os sistemas de processos decisórios sobre o desenvolvimento e controle da tecnologia.

Ainda segundo Wynne (1987), suprimir a dimensão da experiência social envolvida em uma dada tecnologia ou Risco seria encobrir a legitimidade de valores sociais e ansiedades que surgem desta experiência. A supressão da experiência social pelo gerenciamento de Riscos ou regulamentação colocaria em perigo a própria credibilidade ao dizer para os indivíduos expostos que suas experiências sociais e busca de significado não contariam.

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A Percepção de Riscos não deve ser tomada como isolada ou dissociada das questões concretas relacionadas às situações e eventos de Riscos, já que interage com inúmeros aspectos sociais.

De modo geral, os estudos demonstram que, se queremos estabelecer estratégias de gerenciamento de Riscos mais eficazes, devemos considerar os aspectos psicológicos, sociais, culturais e os valores morais que conformam as percepções do público. Como argumentam Flynn et al. (1993), a racionalidade científica por si não irá substituir, nem tampouco ser uma resposta final as preocupações do público, de modo que, sozinha, não deverá guiar as políticas públicas e o gerenciamento de tecnologias perigosas.

Há espaço e necessidade para a aplicação de abordagens distintas. A empresa ou o empreendimento não pode só se valer da percepção das pessoas a respeito dos Riscos que poderá causar. Os organismos de licenciamento, principalmente os ambientais, não podem somente basear-se no que as pessoas dizem ou pensam. Devem se preocupar com a análise técnica, com as avaliações estatísticas, com as verificações de projeto e, com a aplicação de tecnologias que qualifiquem e quantifiquem os Riscos. Sabe-se que muitos Riscos somente são percebidos depois que se manifestam, ou seja, a percepção das pessoas não foi suficiente para afastá-las dos Riscos.

A Norma NBR ISO 14.001 - Sistemas de gestão ambiental comenta, em subitem 4.3.3 - Objetivos e Metas - "Ao estabelecer e revisar seus objetivos, a organização deve considerar os requisitos legais e outros requisitos, seus aspectos ambientais significativos, suas opções tecnológicas, seus requisitos financeiros, operacionais e comerciais, bem como a visão das partes interessadas". Dentro desse enfoque, não só os problemas da organização estão em cheque, como também a visão das partes interessadas. A vizinhança é parte interessada. As organizações não governamentais também podem ser enquadradas como partes interessadas, na medida em que representem legitimamente os interesses das comunidades afetadas.

No anexo "A" da mesma norma citada no parágrafo acima, no que diz respeito a planejamento (subitem A.3) é informado: è recomendado que o processo para a identificação dos aspectos ambientais significativos associados às atividades das unidades operacionais considere, quando pertinente. Há outras citações relativas à participação da comunidade expressando a preocupação dos legisladores com o atendimento, também, às necessidades das comunidades locais. A norma não faz referências explícitas à percepção da comunidade frente a Riscos, mas menciona os interesses das comunidades afetadas.

As técnicas de avaliação devem ser claras o suficiente para não permitir interpretações errôneas ou conduzidas. Esse talvez seja um dos mais sérios problemas, o da condução dos resultados para beneficiar "A", "b" ou "c". O que fazer então? A solução é de se desenvolver procedimentos específicos para o empreendimento, e buscar as correlações ou mesmo as relações em bancos de dados específicos.

Trabalhar-se somente com o resultado da avaliação das pessoas, normalmente envolvidas emocionalmente, ou respaldados em relatórios que não costumam ser definitivos ou decisivos, já que dependem da qualidade da avaliação dos resultados, costuma ser elemento facilmente contestável, principalmente em Juízo.

IV. Conclusão:

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O próprio Wynne (1987) conclui pela necessidade se considerar as experiência e vivências de cada um, especialmente daqueles que serão envolvidos direta ou indiretamente pelos projetos, opinião que também concordamos, haja vista que, para se ter sucesso na análise dos resultados das avaliações técnicas deve-se aplicar também parte do conhecimento adquirido pelo avaliador, mesmo que aplique inúmeras técnicas.

Assim, para a opinião pública envolvida em um projeto ambiental vale mais os seus conceitos de Risco e a sua percepção desses mesmos Riscos do que a leitura de extensos relatórios tentando lhes provar o contrário. Hoje em dia, quando se realizam audiências públicas para a avaliação de um Risco Ambiental, reuni-se a população local, apresentam-se os resultados do EIA/RIMA e discute-se a questão.

Segundo Porto & Freitas (1996), para as Ciências Sociais, a completa dimensão dos Riscos Tecnológicos Ambientais não pode ser capturada somente pelas análises realizadas pela Engenharia, Toxicologia e Epidemiologia, já que qualquer ideal de objetividade científica seguramente deverá reconhecer a inevitabilidade dos processos e relações sociais que envolvem a geração e as conseqüências das situações e eventos de riscos, bem como a sistemática subjetividade dos experts como parte objetiva do processo científico. Essa interação, que é por vezes bastante sutil e complexa, é freqüentemente assumida pelos analistas de riscos como inexistente, ou no mínimo separada por uma quase intransponível barreira entre mundos físicos e sociais. A Tecnologia, o Meio Ambiente e os Riscos enquanto construções sociais evidenciam que o Gerenciamento de Riscos, o qual não pode ser separado de suas análises, não depende somente da promulgação de estratégias formuladas pelos experts. Como observa Rappaport (1998), apud Porto & Freitas (1996), a Análise de Risco pós-moderna deve tornar o sistema sócio-ecológico como um todo em seu domínio, incorporando a natureza das percepções em suas análises, não somente como fonte externa de má compreensão das informações probabilísticas construídas pelos Analistas de Riscos, mas como parte integrante das mesmas. Otway (1992), apud Porto & Freitas (1996), em uma severa crítica aos analistas que não consideram a dimensão social e a questão da subjetividade, embora estejam permanentemente embrenhados nas mesmas, considera importante são somente incorporar as percepções e atitudes daqueles que se encontram expostos aos riscos, mas também desenvolver estratégias de análise e decisão que possibilitem uma efetiva participação desses atores sociais, como trabalhadores e comunidades vizinhas às indústrias.

Os estudos sobre percepção demonstram que as questões relacionadas aos Riscos não podem ficar restritas somente aos processos físicos, químicos e biológicos. O mundo em que se situam - seres humanos em suas relações sociais - é constituído por outros aspectos, como os estilos de vida e as relações interpessoais, as interações simbólicas e os movimentos sociais, as questões de poder e de distribuição de Riscos, controle social e instituições sociais. Esses aspectos conformatarão não somente o modo como os indivíduos e especialistas percebem os Riscos, mas também o próprio modo como este Risco ocorre (Freitas & Gomez, 1997)

As tecnologias empregadas para a detecção dos Riscos estão em contínua evolução. Sabe-se que apuram informações e dados que precisam ser interpretados e que essa interpretação é feita por profissionais com conhecimento específico. A Percepção do Risco é importante e deve ser relevante na avaliação final da análise. Também se deve reforçar a tese de que os laços de afetividade entre a comunidade vizinha e o empreendimento devem ser sempre fortes. Para reforça-los é importante ouvir a opinião de seus representantes. Aqui entre em cena o aspecto da Responsabilidade Social.

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Finalmente, conclui-se que Percepção de Riscos deve ser uma ferramenta a mais, além das técnicas, utilizadas no Gerenciamento de Riscos, face à sua importância dentro de um contexto social. Também se conclui que a Percepção não deve ser um elemento único ou isolado na Avaliação dos Riscos, porque há possibilidade de não ser completamente verdadeira, face ao fato de que contribui para o seu insucesso a falta de informação ou o comprometimento das pessoas com o empreendimento.

De 1978 até 1987, avaliando-se os Riscos de mais de 100 indústrias em processo de implantação e início de atividades, notadamente nas regiões centro-oeste e nordeste, observamos o seguinte quadro, depois de ouvirmos mais de 600 pessoas que moravam em um raio de até 500 metros dos empreendimentos:

% de Informantes

Nível de preocupação apresentada

10% problemas de poluição do Meio Ambiente 10% falta de segurança que poderia ocorrer, principalmente devido a assaltos 15% possíveis riscos de incêndio e de explosão 25% quantidade de empregos gerados para si e seus filhos 40% melhoria da qualidade de vida que surgiria, com a pavimentação de ruas,

melhoria da iluminação pública, implantação de linhas de ônibus, creche e escolas

Tabela I: Avaliação dos níveis de Percepção de Riscos de populações vizinhas a empreendimentos

industriais em implantação (NAVARRO, 1996)

A maior preocupação dos moradores era com a melhoria da qualidade de vida que passariam a ter. A menor com aspectos de poluição e de falta de segurança.

Diante desse quadro vivenciado a mais de quinze anos atrás, o melhor investimento para os empreendimentos era aplicar em melhorias para o aumento da produtividade. Foi aí que surgiram com mais ímpetos os passivos ambientais. Hoje, depois que um investimento consideravam por parte do poder público e das Organizações não Governamentais, a população já prioriza mais aspectos como o Meio Ambiente, mas não o suficiente para bloquear a construção de empreendimentos, como já ocorre na Europa e nos Estados Unidos.

A Sociedade como um todo não pode deixar de lado a premissa básica de que a semente de hoje será a arvore de amanhã. O empreendimento de hoje poderá ser o algoz da população amanhã. Deve-se ter o máximo cuidado nas avaliações técnicas bem como no respeito à opinião das pessoas envolvidas.

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