A Conveniência Da Morte

17
 A CONVENIÊNCIA DA MORTE: OS RITUAIS FÚNEBRES E O CONSUMO MORTUÁRIO EM LIMOEIRO DO NORTE – CE RAFAELA MOREIRA DE LIMA *  Os mistérios que cercam a morte sempre nos instigaram. Mesmo que ela se faça presente em diversos momentos da nossa vida cotidiana, muitas vezes a tratamos com indiferença e com medo. Embora esteja ligada ao nosso dia-a-dia, a morte gera sentimentos de pânico e de angústia principalmente porque, conforme a sabedoria popular afirma, a única certeza que temos na vida é que um dia iremos morrer. Mas antes de vermos a morte como o  fim, temos que perceber que ela faz parte da construção social humana e de significados que mudam de acordo com o tempo e com o espaço. Dessa forma, devemos compreender a morte, as práticas mortuárias, enfim, toda ação humana que a envolve numa perspectiva do processo histórico. De acordo com Philippe Ariès (2003) como muitos outros fatos de mentalidade que se situam em um longo período, a atitude diante da morte pode parecer quase imóvel através de períodos muito longos de tempo. Podemos compreender que, mesmo se referindo ao período medieval no ocidente, o autor faz reflexões que nos instigam no tempo presente e nos faz refletir sobre as permanências de determinados ritos fúnebres que, embora sofram alterações lentas, não acompanham por total as mudanças estruturais da sociedade. Contanto, percebemos que a historiografia nos ajuda a fazer o percurso pelas permanências e rupturas ocorridas em relação aos rituais fúnebres e o ato de morrer que vão criando acepção em torno da morte. Segundo João José Reis (1991) no século XIX as pessoas passaram a se preocupar em ter uma boa morte fazendo com que as atitudes diante da morte e dos mortos sofressem mudanças e tomassem novos formatos e novos significados. Havia uma grande preocupação com relação ao destino e à salvação da alma fazendo com que as pessoas se utilizassem de ritos e cerimônias que proporcionassem ao morto uma boa vida no outro mundo. O destino da alma, o lugar do sepultamento, a maneira como se esperava a morte eram relações entre vivos e mortos no cotidiano dos indivíduos no Brasil oitocentista.  Mestranda em História e Culturas pela Universidade Estadual do Ceará, integrando a linha de pesquisa, Memória, Oralidade e Cultura Escrita. Bolsista CAPES.

Transcript of A Conveniência Da Morte

Page 1: A Conveniência Da Morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 117

A CONVENIEcircNCIA DA MORTE OS RITUAIS FUacuteNEBRES E O CONSUMOMORTUAacuteRIO EM LIMOEIRO DO NORTE ndash CE

RAFAELA MOREIRA DE LIMA

Os misteacuterios que cercam a morte sempre nos instigaram Mesmo que ela se faccedila

presente em diversos momentos da nossa vida cotidiana muitas vezes a tratamos com

indiferenccedila e com medo Embora esteja ligada ao nosso dia-a-dia a morte gera sentimentos de

pacircnico e de anguacutestia principalmente porque conforme a sabedoria popular afirma a uacutenicacerteza que temos na vida eacute que um dia iremos morrer Mas antes de vermos a morte como o

fim temos que perceber que ela faz parte da construccedilatildeo social humana e de significados que

mudam de acordo com o tempo e com o espaccedilo Dessa forma devemos compreender a morte

as praacuteticas mortuaacuterias enfim toda accedilatildeo humana que a envolve numa perspectiva do processo

histoacuterico

De acordo com Philippe Ariegraves (2003) como muitos outros fatos de mentalidade que se

situam em um longo periacuteodo a atitude diante da morte pode parecer quase imoacutevel atraveacutes deperiacuteodos muito longos de tempo Podemos compreender que mesmo se referindo ao periacuteodo

medieval no ocidente o autor faz reflexotildees que nos instigam no tempo presente e nos faz

refletir sobre as permanecircncias de determinados ritos fuacutenebres que embora sofram alteraccedilotildees

lentas natildeo acompanham por total as mudanccedilas estruturais da sociedade

Contanto percebemos que a historiografia nos ajuda a fazer o percurso pelas

permanecircncias e rupturas ocorridas em relaccedilatildeo aos rituais fuacutenebres e o ato de morrer que vatildeo

criando acepccedilatildeo em torno da morte Segundo Joatildeo Joseacute Reis (1991) no seacuteculo XIX as pessoas

passaram a se preocupar em ter uma boa morte fazendo com que as atitudes diante da morte e

dos mortos sofressem mudanccedilas e tomassem novos formatos e novos significados Havia uma

grande preocupaccedilatildeo com relaccedilatildeo ao destino e agrave salvaccedilatildeo da alma fazendo com que as pessoas

se utilizassem de ritos e cerimocircnias que proporcionassem ao morto uma boa vida no outro

mundo O destino da alma o lugar do sepultamento a maneira como se esperava a morte

eram relaccedilotildees entre vivos e mortos no cotidiano dos indiviacuteduos no Brasil oitocentista

983082 Mestranda em Histoacuteria e Culturas pela Universidade Estadual do Cearaacute integrando a linha de pesquisa

Memoacuteria Oralidade e Cultura Escrita Bolsista CAPES

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 217

983090

No Brasil dos oitocentos a morte natildeo poderia acontecer de forma solitaacuteria e privada

era indispensaacutevel a participaccedilatildeo dos familiares amigos e vizinhos padre e ateacute desconhecidos

Quando o moribundo1 era avisado da sua morte atraveacutes dos signos naturais dava-se iniacutecio

aos preparativos para a cerimocircnia fuacutenebre garantindo ao morto uma boa passagem para o

desconhecido ldquoDepois de detectada a morte de um indiviacuteduo tinham iniacutecio as cerimocircnias

fuacutenebres que compreendiam sequecircncias formais no sentido de marcar simbolizar ou

dramatizar separaccedilotildees margens ou agregaccedilotildeesrdquo (MORAIS 2009 46) Os ritos de post

mortem eram exclusivamente domeacutesticos e de manifestaccedilatildeo religiosa eles iniciavam com apreparaccedilatildeo do corpo cortar o cabelo limpar e vestir Em seguida a vela acessa era posta na

matildeo do defunto como uma forma de guiar o espiacuterito do morto aos ceacuteus Os olhos do cadaacutever

eram fechados com o objetivo de fazer com que o morto os fechasse para o mundo dos vivos

e os abrisse quando chegasse ao mundo espiritual Tambeacutem existiam as celebraccedilotildees de missas

e o sepultamento dentro da igreja que exerciam a funccedilatildeo de conduzir o morto ao caminho dos

ceacuteus

Nesse periacuteodo a morte acidental era vista como grande desventura pois era muito

importante para o morto que seu corpo fosse preparado para o momento final da vida eram

indispensaacuteveis os rituais que lhes garantisse uma boa morte

Segundo Joatildeo Joseacute Reis a morte no seacuteculo XIX tinha que ser divulgada para que um

grande nuacutemero de pessoas participasse do funeral evitando que os maus espiacuteritos se

aproximassem do defunto Para isso eram distribuiacutedas comidas e cachaccedilas para que as

pessoas permanecessem no veloacuterio ateacute o momento do enterro A praacutetica de velar o defunto ouldquoguardar o mortordquo era o principal momento da cerimocircnia fuacutenebre Enquanto o corpo era

velado sua alma era encomendada aos ceacuteus atraveacutes de oraccedilotildees cantadas ou recitadas mais

conhecidas por ldquosentinelasrdquo

No entanto as pessoas sempre abominaram a morte ela sempre foi considerada um

acontecimento pavoroso O que percebemos que mudou foi contudo o modo de conviver e

1 Satildeo designados moribundos os pacientes terminais que na evoluccedilatildeo de uma doenccedila satildeo consideradosincuraacuteveis ou sem condiccedilotildees de prolongamento de vida Na atualidade esses indiviacuteduos satildeo retirados dos espaccedilosfamiliares preservando sua individualidade culminando com a solidatildeo dos moribundos

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 317

983091

lidar com a morte com o morrer e com os moribundos Para Isabela Andrade (MORAIS

2009 53)

O isolamento o evitamento e a dessocializaccedilatildeo dos moribundos faz com que

atitudes como acompanhar o agonizante banhaacute-lo e higienizaacute-lo passem a ser cada

vez mais repugnadas e esse fato contribuiu para a profissionalizaccedilatildeo da morte

Falando do Cearaacute na deacutecada de 1920 percebemos que nesse periacuteodo eramindispensaacuteveis em funerais orquestras e bandas de muacutesica evitando o silecircncio durante as

sentinelas esse era um momento de sociabilidade onde as lamuacuterias e os choros misturavam-se

aos jogos bebidas e paqueras entre os rapazes e moccedilas Podemos perceber mais claramente

no texto de Cacircndida Galeno (GALENO 1977 56) que observando os veloacuterios no interior

cearense na deacutecada de 1920 faz o seguinte comentaacuterio

Efetivamente o guardamento do defunto que entre noacutes toma o nome de

ldquosentinelardquo ldquoguardardquo ou ldquoquartordquo eacute ocasiatildeo de maacutegoa choro lamentaccedilatildeo para a famiacutelia do morto mas para o ajuntamento de pessoas que sempre se

forma no chamado ldquoserenordquo eacute lugar para encontro de namorados amigos que

se distraem contando anedotas e outras vezes lugar para desavenccedilas entre

pessoas que excedendo-se na bebida que comumente distribuem nessas

ocasiotildees perdem o controle

Os veloacuterios analisados por Galeno eram todos acompanhados por incelecircncias2 pois as

pessoas acreditavam que assim afastariam os democircnios de perto do defunto As praacuteticasmortuaacuterias enquanto um conjunto de accedilotildees e comportamentos que cercam a morte variou de

acordo com o tempo e com o espaccedilo Isso fica mais claro com as observaccedilotildees que Cacircndida

Galeno faz ao relatar um veloacuterio ocorrido em 1925 na cidade de Jardim na zona limiacutetrofe do

Cearaacute com Pernambuco onde as pessoas acompanhavam o funeral ao som de uma orquestra e

o morto era enterrado em uma rede Nesse periacuteodo as pessoas eram enterradas com mortalhas

que variavam de acordo com o santo de devoccedilatildeo do morto ou com as roupas mais novas

paletoacute e gravata dependendo da condiccedilatildeo social do falecido Muitos corpos eram velados em2 Versos catados repetidamente em diversas letras e muacutesicas puxadas por cantadeiras ou carpideiras tambeacutemresponsaacuteveis pelas rezas e benditos

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 417

983092

esteiras ou ateacute mesmo no chatildeo as famiacutelias natildeo tinham condiccedilotildees de mandar fabricar um

caixatildeo e muitas vezes era preciso contar com a ajuda de arrecadaccedilotildees de dinheiro para

organizar o veloacuterio

Podemos dizer que outro fator que possa ter influenciado no distanciamento das

pessoas com relaccedilatildeo agrave morte foram ldquoos discursos da literatura meacutedica da segunda metade do

seacuteculo XVIII que divulgavam que os enterros nas igrejas ofereciam riscos de infecccedilotildees e

doenccedilas contagiosasrdquo (MORAIS 2009 66) Fugir das epidemias e das doenccedilas significavaadiar o momento final de nossas vidas para isso criou-se uma noccedilatildeo de assepsia que natildeo nos

permite pensar em tocar no corpo do morto

Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquono Brasil oitocentista era muito comum os sepultamentos

realizados no interior das igrejas ou em seus arredores como uma forma de garantir ao morto

a salvaccedilatildeo eternardquo (REIS 1991) Para este autor os sepultamentos nos lugares santos

sugeriam a permanecircncia da necessidade de uma relaccedilatildeo de continuidade com o mundo dos

mortos

Para os meacutedicos higienistas do seacuteculo XIX essa era uma praacutetica que comprometia a

sauacutede dos vivos que tinham que respirar um ar poluiacutedo De acordo com Joatildeo Joseacute Reis (REIS

1991 247)

Os meacutedicos viam os enterros nas igrejas por uma oacutetica radicalmente diferente

Para eles a decomposiccedilatildeo de cadaacuteveres produzia gases que poluiacuteam o ar

contaminavam os vivos causavam doenccedilas e epidemias Os mortos

representavam um seacuterio problema de sauacutede puacuteblica Os veloacuterios os cortejos

fuacutenebres e outros usos funeraacuterios seriam focos de doenccedilas soacute mantidos pela

resistecircncia de uma mentalidade atrasada e supersticiosa que natildeo combinava

com os ideais civilizatoacuterios da naccedilatildeo que se formava Uma organizaccedilatildeo

civilizada no espaccedilo urbano requeria que a morte fosse higienizada sobretudo

que os mortos fossem expulsos de entre os vivos e segregados em cemiteacuterios

extra-muros

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 517

983093

Eacute nesse contexto de tentativas de evitar as doenccedilas e a morte que a teoria dos

miasmas3 se tornou popular no seacuteculo XVIII e iniacutecio do seacuteculo XIX como mais uma estrateacutegia

de higienizar os centros urbanos mas que frequentemente se esbarrava nos haacutebitos e condutas

da populaccedilatildeo O poder puacuteblico brasileiro estava sempre pensando em maneiras de controlar a

populaccedilatildeo e os espaccedilos urbanos a partir de construccedilotildees de muros e calccediladas do esgotamento

de aacuteguas servidas da eliminaccedilatildeo do lixo e outros dejetos aleacutem da implantaccedilatildeo de matadouros

e de cemiteacuterios puacuteblicos

ldquoAs descobertas cientiacuteficas do seacuteculo XIX influenciaram nas discussotildees sobre a

conveniente localizaccedilatildeo dos cemiteacuterios assim como a respeito da influecircncia desses

estabelecimentos no aparecimento de doenccedilasrdquo (ANIacuteBAL 2010 53) Com as normas ditadas

pela medicina o poder puacuteblico passou a proibir as sepulturas nos espaccedilos sagrados e

recomendaram a construccedilatildeo de cemiteacuterios afastados da cidade

A salubridade passa a ser vista como um caminho para que se consiga a sauacutede Os

odores e o cheiro expelidos pelos cadaacuteveres que antes eram facilmente suportados no interiordos templos ou nas suas imediaccedilotildees em meios agraves oraccedilotildees passaram a ser considerados

insalubres e perigosos agrave sauacutede puacuteblica devendo ser afastados das cidades Segundo Ana

Claacuteudia Aniacutebal (ANIacuteBAL 2010 53)

Para afastar epidemias eacute preciso afastar os cemiteacuterios e sepultar os mortos em

locais distantes e em covas de grandes profundidades para que os vapores

malignos e contagiosos natildeo se comuniquem agrave populaccedilatildeo Caso contraacuterio os

cemiteacuterios continuariam considerados como propagadores de doenccedilas

Diante de todas essas observaccedilotildees que fizemos percebemos que ao longo de

muitas praacuteticas deixaram de existir ou passaram por um processo longo de transformaccedilatildeo

assim como muitos rituais que faziam parte do cenaacuterio fuacutenebre dos veloacuterios Mesmo que

lentas as modificaccedilotildees luacutegubres ocorreram nos instigando e nos fazendo pensar de que

maneira isso acontece e o que contribui para todas essas transformaccedilotildees

983091 A teoria dos miasmas baseava-se na noccedilatildeo de que quando o ar fosse de ldquomaacute qualidaderdquo (um estado que natildeo

era precisamente definido mas supostamente devido a mateacuteria em decomposiccedilatildeo) as pessoas que respirassemeste ar ficariam doentes

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 617

983094

Hoje no municiacutepio de Limoeiro do Norte predomina o serviccedilo de funeraacuterias que

se insere na nossa cidade como uma instituiccedilatildeo que se responsabiliza por todos os cuidados

que antes eram funccedilotildees das famiacutelias do morto entre elas podemos citar o tratamento do corpo

(vestir limpar encomendar o caixatildeo) a organizaccedilatildeo do veloacuterio e o proacuteprio sepultamento do

defunto Portanto eacute inegaacutevel que de certa forma as atividades funeraacuterias vem se

relacionando com essas mudanccedilas com essas transformaccedilotildees e com os significados atribuiacutedos

agrave morte

Trabalhar as praacuteticas fuacutenebres nos leva a discutir por exemplo a associaccedilatildeo que

as pessoas faziam entre os veloacuterios e as festas para as moccedilas e rapazes que moravam no

interior do municiacutepio de Limoeiro do Norte ndash CE este era um momento propiacutecios agraves paqueras

Mais precisamente na zona rural deste municiacutepio eram raros os momentos

dedicados agraves festividades que alegravam os moradores destes locais Normalmente eles

podiam contar apenas com as festas religiosas organizadas pela Igreja Catoacutelica o que

aconteciam em um intervalo de tempo muito grande Portanto eacute nesse contexto que minhadepoente lamenta-se da vida pouco movimentada que levava e afirma que um dos seus

divertimentos era ir para os veloacuterios e passar as noites na vigiacutelia De acordo com dona Maria

de Lourdes Maia Pitombeira

Eu me lembro que eu morando no Sapeacute quando algueacutem morria eu gostava muito de

ir pro veloacuterio soacute pra paquerar com os rapazes Nem que fosse muito longe da minha

casa mais eu ia a peacute soacute porque eu via aquilo como um divertimento E tinha mais

quando minha matildee natildeo deixava eu ir eu chorava (Entrevista realizada em 15 05

2012)

Nesse periacuteodo era muito comum caracterizar o veloacuterio como o espaccedilo do becircbado onde

o consumo da cachaccedila e a praacutetica de contar piadas faziam deste lugar um ambiente festivo

enquanto outros velavam o corpo com oraccedilotildees e lamuacuterias O senhor Joseacute Lopes outro

depoente que contribuiu para a pesquisa relata que muitas vezes as pessoas que levavam o

caixatildeo ateacute o cemiteacuterio jaacute estavam tatildeo alcoolizados que ao retornar do sepultamento vinham

cambaleando pelas estradas Dona Maria Augusta lembra-se desse periacuteodo e faz o seguinte

comentaacuterio

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 717

983095

Era bem animado ali o pessoal fazia cafeacute fazia um chaacute natildeo tinha bolacha e

inventava o cuscuz as vezes tinha feijatildeo cozinhado que ficava da tarde aiacute noacutes

jogava o arroz dentro e fazia aquele bocado de baiatildeo de dois para aquele pessoal

que passava a noite Tinha deles que bebia natildeo era todos natildeo (Entrevista

realizada em 17072010)

Poreacutem o que percebemos eacute que associar a morte agrave festa eacute algo que vem desde os

seacuteculos passados e que Joatildeo Joseacute Reis (1991) discute muito bem em seu livro intitulado ldquoA

morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculo XIXrdquo Segundo JoatildeoJoseacute Reis (REIS 1991 137) Thomas Lindley confirma o interesse baiano pela morte quando

ele escreve o seguinte

entre os principais divertimentos dos cidadatildeos se contavam os ldquosuntuosos

funeraisrdquo e as festas de semana santa celebrados com grandes cerimocircnias

concerto completo e frequentes procissotildees para os baianos morte e festa natildeo se

excluiacuteam

Atualmente os veloacuterios se configuram de forma diferente tornando os funerais o

lugar do silecircncio e da tristeza deixando um clima de recolhimento entre os parentes e amigos

do morto O silecircncio mantido nos veloacuterio demonstra respeito agrave famiacutelia que acabara de perder

algueacutem muito querido e que por isso merece sofrer a sua dor de forma solitaacuteria e silenciosa

Outro haacutebito muito comum ainda nas deacutecadas de 1970 e 1980 em Limoeiro do

Norte ndash CE e nas cidades vizinhas era o uso de mortalhas muito comum entre os cristatildeos

catoacutelicos vestir o morto de acordo com o santo de sua devoccedilatildeo em vida era uma garantia deproteccedilatildeo e de boa morte No imaginaacuterio catoacutelico as mortalhas dos santos ajudavam o morto no

dia da sua passagem para o mundo celestial e o ajudavam no dia do julgamento no dia do

juiacutezo final

Preocupar-se com a vestimenta do morto fazia parte das tarefas atribuiacutedas agraves

famiacutelias e aos parentes mais proacuteximos Logo depois da confirmaccedilatildeo da morte do ente querido

encomendava-se a mortalha que normalmente era confeccionada por um parente do falecido

ou algueacutem da comunidade que jaacute tinha o haacutebito dessa praacutetica

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 817

983096

As pessoas eram vestidas com mortalhas de santo porque possuiacuteam uma grande

devoccedilatildeo por iacutecones catoacutelicos e acreditavam que desta forma estariam protegidas contra os

maus espiacuteritos e que fariam uma boa passagem para a outra vida Os trajes mais comuns

utilizados pelos mortos em Limoeiro do Norte ndash CE eram as vestes de Satildeo Francisco para os

homens e de Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo para as mulheres Segundo Joatildeo Joseacute Reis (REIS

1991 2)

Os trajes de santos sugerem um apelo agrave proteccedilatildeo dos mesmos e sublinha a

importacircncia do cuidado com o cadaacutever na passagem para o aleacutem Vestir-se de santorepresentava desejo de graccedila imaginar-se perto de Deus a roupa mortuaacuteria

protegia os mortos e promovia uma integraccedilatildeo bem aventurada

Tambeacutem fazia parte da crenccedila e das praacuteticas religiosas neste municiacutepio vestir

com os trajes de santos as crianccedilas De acordo com Ana Claacuteudia Aniacutebal Ribeiro ldquoao trajar as

criancinhas com as roupas dos santos os pais imaginavam garantir que seu rebento natildeo ficaria

desamparado no outro mundo estando guardados sob os cuidados dos seus santosrdquo

(ANIacuteBAL 2010 31)

Ainda falando dos veloacuterios desse periacuteodo e elementos que faziam parte do

cenaacuterio fuacutenebre podemos fazer referecircncia aos caixotildees em que eram enterrados os mortos

Depois da confirmaccedilatildeo da morte do moribundo a famiacutelia logo providenciava a confecccedilatildeo da

urna funeraacuteria que era confeccionada de forma artesanal Normalmente os moribundos

morriam na proacutepria residecircncia jaacute que o acesso ao hospital puacuteblico era muito difiacutecil

Enquanto isso o corpo ficava em uma esteira no chatildeo ou sobre uma cama ateacute que

estivesse pronto o caixatildeo Vestir o morto e preparaacute-lo para o sepultamento era de

responsabilidade das pessoas mais proacuteximas do defunto que tinham a preocupaccedilatildeo de

amortalhar e limpar o feacuteretro Isso fica mais evidente quando dona Maria de Lourdes faz o

seguinte relato

Eu mesmo ajudei muito a vestir os defuntos a minha matildee fui eu quem vestiu ela com

uma roupinha melhorzinha O tio de Daniacutelo eu tambeacutem ajudei as vezes quando a

roupa natildeo cabia a gente rasgava um pouquinho porque ia ficar atraacutes mesmosningueacutem ia ver Quando o corpo jaacute tava duro as pessoas levantavam o defunto pra

vestir ele (Entrevista realizada em 15052012)

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 917

983097

De acordo com os depoentes os caixotildees eram feitos de madeira com formato de

grades cobertos por um pano preto Devido a pouca resistecircncia do material as pessoas

colocavam uma escada de madeira ou uma esteira debaixo do caixatildeo para carregaacute-lo ateacute o

cemiteacuterio Como podemos observar na imagem abaixo

Conforme as pesquisas ouvimos relatos de pessoas que vivenciaram o periacuteodo em

que na sua cidade exista o caixatildeo comunitaacuterio4 doado pela prefeitura ou pela paroacutequia Na

entrevista realizada com dona Maria Joseacute natural do municiacutepio de Potiretama a depoente

relata que no tempo de menina as pessoas que natildeo podiam pagar por caixatildeo utilizavam-se

daquele que estava na igreja do cemiteacuterio fazendo parte do cenaacuterio deste ambiente De acordo

com Maria Joseacute

Cansei de ver aquele caixatildeozatildeo preto me lembro que quando a gente ia arrumar a

igreja aquele caixatildeo e ainda era guardado dentro da igreja Laacute natildeo tinha capela

no cemiteacuterio de laacute e era guardado dentro da igreja esse caixatildeo (Entrevistarealizada em 17072010)

Apreendemos que esse objeto permanecia nos espaccedilos sociais e no cotidiano das

pessoas como algo natural sem causar estranheza aqueles que frequentavam a igreja Poreacutem

na sua fala ficam claras as percepccedilotildees que dona Maria adquiriu no presente quando ela faz

referecircncia ao caixatildeo utilizando o termo ldquocaixatildeozatildeo pretordquo demonstrando o aspecto tenebroso

que aquele cenaacuterio representava

Continuando com a conversa dona Maria Joseacute nos relata suas lembranccedilas de

crianccedila onde os mortos ainda eram velados e enterrados em redes segundo a mesma

Eu lembro que quando no tempo de menina aiacute quando morria uma pessoa ia

costurar de noite aquela mortalha tinha que fazer de noite pra enterrar o

defunto Muitos cantos natildeo tinham cama pra botar o defunto botavam era no

983092 O caixatildeo comunitaacuterio funcionava da seguinte forma acontecendo o falecimento de um ente querido a famiacuteliado morto se dirigia a Igreja para levar o caixatildeo ateacute a casa do defunto Terminado o veloacuterio e o sepultamento ocadaacutever era colocado na sepultura e o caixatildeo retornava para poder ser utilizado por todos aqueles que natildeopodiam pagar por caixatildeo

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1017

983089983088

chatildeo no chatildeo limpo numa esteira eu me lembro eu menina me lembro Outros

levavam numa rede (Entrevista realizada em 17072010)

Nas deacutecadas de 50 e 60 ainda era muito comum na ausecircncia do caixatildeo o uso de

redes para sepultar o defunto Durante o veloacuterio o corpo do morto ficava em cima de uma

esteira ou de uma porta no proacuteprio chatildeo batido para que todos pudessem velar o corpo e fazer

as uacuteltimas oraccedilotildees ao morto A rede era amarrada a um pedaccedilo de madeira segurada por duas

pessoas que se encarregavam de levar o defunto ateacute o cemiteacuterio Para dona Maria Joseacute esta

cena era horriacutevel era uma assombraccedilatildeo ver os defuntos se balanccedilando na rede causando

espanto e medo

Outra preocupaccedilatildeo que fazia parte do imaginaacuterio catoacutelico era a realizaccedilatildeo do

sacramento da extrema-unccedilatildeo naqueles indiviacuteduos moribundos que estavam prestes a morrer

De acordo com o trabalho de pesquisa de Ana Claacuteudia Ribeiro (ANIacuteBAL 2010 19)

A extrema-unccedilatildeo eacute um sacramento que se fundamenta do Evangelho Mateus quediz ldquoA ordem do Senhor os apoacutestolos expeliam muitos democircnios e ungiam com

oacuteleo a muitos enfermos e os curavamrdquo (Mc 613) Para o catolicismo o

sacramento da Extrema-Unccedilatildeo eacute ministrado para aqueles cristatildeos que estatildeo em

perigo de morte o propoacutesito do sacramento eacute restaurar a sauacutede da pessoa e

absorver o indiviacuteduo de qualquer pecado remanescente

A primeira providecircncia tomada pela famiacutelia de uma pessoa que estava na

iminecircncia da morte era pedir que o padre da paroacutequia mais proacutexima se dirigisse ateacute a sua

residecircncia para preparar o moribundo para a morte Com a utilizaccedilatildeo do oacuteleo que

representava a alegria e o perfume do Espiacuterito Santo este era para os cristatildeos ldquoa imagem da

misericoacuterdia do amor e da compaixatildeo divina e eles satildeo os siacutembolos da benccedilatildeordquo (ANIacuteBAL

2010 20) Todo esse ritual faz parte dos sacramentos usados pela Liturgia da Igreja Catoacutelica

como uma forma de possibilitar a cura corporal e de restaurar a alma do indiviacuteduo de todo

pecado

Percebemos a memoacuteria como uma das fontes da produccedilatildeo do conhecimentohistoacuterico podendo assim conhecer a histoacuteria do cotidiano e conhecer os sentimentos do que

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1117

983089983089

muda e do que permanece Preocupar-se com a boa morte e com os rituais fuacutenebres que

garantiriam isso ao indiviacuteduo eram sentimentos que faziam parte do imaginaacuterio de uma

sociedade religiosa que via a morte como uma passagem para outra vida mesmo

desconhecida esta poderia ser um lugar de descanso Velar o corpo na proacutepria casa do

falecido fazer a vigiacutelia e oraccedilotildees para afastar os maus espiacuteritos eram praacuteticas que faziam parte

do cenaacuterio fuacutenebre e do luto das pessoas Isso fica mais claro quando Ana Claacuteudia Aniacutebal

(ANIacuteBAL 201 45) escreve que

O luto se apresenta portanto como trabalho de perda um mecanismo que busca

elaborar o choque daquilo que foi perdido retirado e possibilitando ao fim desse

processo eleger um outro objeto no lugar daquele que foi perdido O luto insere amorte na cultura ele ressignifica o morto o luto seria o ato de simbolizaccedilatildeo do

morto

Vestir-se de preto tambeacutem era um costume muito comum entre aqueles que

frequentavam os veloacuterios demonstrando seu luto e respeito ao falecido Deixar expliacutecito

publicamente o sofrimento sentido pela perda de um amigo ou parente fazia parte dos

significados do luto esta era uma manifestaccedilatildeo social que se caracterizava pelo o uso do

preto

Os cortejos a peacute tambeacutem eram muito marcantes nesse periacuteodo Eles eram

acompanhados por cacircnticos e oraccedilotildees ateacute a chegada do caixatildeo no cemiteacuterio chamando a

atenccedilatildeo daqueles presenciavam este ritual No Brasil do seacuteculo XIX era muito comum que

nessa tradiccedilatildeo fuacutenebres fossem contratadas mulheres conhecidas como carpideiras para chorare rezar pelo morto Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquo a multidatildeo em volta do caixatildeo do morto tinha

como objetivo afastar tanto os maus espiacuteritos do morto como a alma do morto de perto dos

vivosrdquo (REIS 1991 114)

O que percebemos eacute que a sociedade da assepsia e do individualismo vem se

constituindo e se consolidando ao mesmo tempo em que as pessoas se afastam da morte e

daquilo que ela representa Portanto eacute inegaacutevel que as atitudes diante da morte tenham

sofrido modificaccedilotildees e que os sentimentos que cercavam este evento ganham novas

configuraccedilotildees

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1217

983089983090

As pessoas constroem ao longo do tempo significados e sentidos para todos os

setores da vida social Com relaccedilatildeo a maneira de como vemos a morte e de como nos

relacionamos com ela tambeacutem eacute uma construccedilatildeo humana e que por este motivo deve ser

objeto de estudos acadecircmicos

Na nossa sociedade contemporacircnea inuacutemeras vatildeo ser as transformaccedilotildees ocorridas

nos rituais de passagem da vida para a morte praacuteticas que serviam para possibilitar uma boa

morte agora deixam de existir ou simplesmente se transformam

Percebemos que muitas foram as transformaccedilotildees ocorridas em torno dos rituais

fuacutenebres em Limoeiro do Norte ndash CE quando analisamos os processos sociais das praacuteticas

mortuaacuterias e as representaccedilotildees a respeito da morte principalmente a partir a atuaccedilatildeo da

empresa funeraacuteria Assistecircncia Familiar Anjo da Guarda a partir do ano de 1989 Analisar o

processo histoacuterico das praacuteticas mortuaacuterias nos leva a conhecer muitos haacutebitos e crenccedilas em

torno da morte e como as pessoas se relacionavam com a ideia de morrer

O uso de mortalhas agora passa a ser substituiacuteda por vestimentas padronizadas

oferecidas pelas funeraacuterias que natildeo mais oferecem em seus serviccedilos os trajes de santos Estar

protegido pelos santos natildeo fazem mais parte das preocupaccedilotildees que se tinham quando algueacutem

morria

Com a atuaccedilatildeo das casas funeraacuterias jaacute na deacutecada de 1990 o cenaacuterio fuacutenebre vai

ganhar novos apetrechos oferecidos por essas empresas como eacute o caso dos casticcedilais tapetes e

coroas de flores Agora natildeo vemos mais o caixatildeo preto feito em forma de grades os materiaisutilizados pelas funeraacuterias para a confecccedilatildeo desse produto satildeo mais reforccedilados e firmes

Percebemos o distanciamento da morte quando algumas pessoas optam por velar

seus mortos em centros de veloacuterios oferecidos nos serviccedilos das funeraacuterias Na cidade de

Limoeiro do Norte-CE vemos essa praacutetica cada vez mais frequente entre as famiacutelias do morto

como uma forma de evitar abrir as portas de suas casas para o puacuteblico O haacutebito de fazer a

vigiacutelia se restringe apenas a alguns familiares tornado o cenaacuterio ainda mais triste e silencioso

dona Augusta nos relata de forma queixosa as poucas pessoas que ficaram durante a

madrugada no veloacuterio do seu vizinho

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1317

983089983091

Sabe quantas pessoas passou a noite Eu minha cunhada meu irmatildeo que

chegou 2 horas da madrugada e quando chegou outro 3 horas Pronto foi esse

pessoal e a nora da finada e uma filha foram dormir e nois de fora passemos a

noite Mudou de mais antigamente era mais animado ( Entrevista realizada em

17072010)

Os veloacuterios repletos de cacircntico e oraccedilotildees agora datildeo lugar ao silecircncio Muitas

vezes as pessoas apenas fazem uma oraccedilatildeo ou rezam o terccedilo para abenccediloar o espiacuterito do

morto que agora deixa a vida terrena para viver no mundo espiritual segundo a crenccedila

popular

Nesse contexto de modificaccedilatildeo sofridas nos rituais fuacutenebres fica claro o papel

fundamental das funeraacuterias no que diz respeito as mudanccedilas ocorridas nas praacuteticas mortuaacuterias

As casas funeraacuterias passam a oferecer na sociedade do consumo natildeo mais apenas os materiais

que compunham o veloacuterio (caixatildeo velas casticcedilais flores etc) agora elas oferecem um

serviccedilo especializado que requer o trabalho de vaacuterios profissionais que a cada dia satildeocapacitados para melhor desempenhar tais serviccedilos

Percebemos que ao longo dos anos o mercado funeraacuterio vem se especializando e

ampliando sua cartela de serviccedilos como uma forma de manter-se na sociedade de consumo

em que vivemos Pensar estrateacutegias de mercado eacute umas das preocupaccedilotildees das grandes

empresas funeraacuterias que cada vez mais vecircm inserindo uma loacutegica comercial em torno das

cerimocircnias fuacutenebres tornando-as mais luxuosas e personalizadas

Atingir as cidades do interior eacute contudo criar estrateacutegias de mercado que jaacute estatildeo

consolidadas nos grandes centros urbanos Compreendemos que a cidade de Limoeiro do

Norte - CE estaacute passando por transformaccedilotildees poliacuteticas sociais e econocircmicas nas uacuteltimas

deacutecadas do seacuteculo XX Esta cidade comeccedila a perder seu caraacuteter rural a imagem da ldquocidade

pequenardquo vai perdendo espaccedilo para o desenvolvendo das atividades urbanas Conforme

Isabela Andrade no Brasil o empresariar da morte e do morrer ocorreu a partir da

modernizaccedilatildeo dos espaccedilos tanaacuteticos5 que possibilitaram o surgimento dos ldquoGruposrdquo no final

983093 O termo deriva de tanatologia que segundo a definiccedilatildeo do dicionaacuterio ldquoAureacuteliordquo refere-se agrave teoria sobre a

morte e na medicina legal eacute a parte que se ocupa da morte e dos problemas meacutedico-legais com ela relacionados

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1417

983089983092

da deacutecada de 1980 o que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado em

empresas Os ldquoGruposrdquo satildeo portanto empresas completas que agregam vaacuterios

empreendimentos fuacutenebres com o objetivo de dar conta de todo o processo do morrer ldquoo

antes (com o serviccedilo de prevenccedilatildeo do funeral) o durante (com serviccedilo funeral) e o depois

(com os serviccedilos de assistecircncia ao luto)rdquo (MORAIS 2009 96)

Na relaccedilatildeo comercial entre a empresa funeraacuteria com a venda de artefatos e

serviccedilos mortuaacuterios e seus consumidores a uma tentativa dessas agecircncias de sobressair nummercado competitivo Desta forma percebemos que haacute uma preocupaccedilatildeo dos empresaacuterios em

estaacute modernizando seus serviccedilos oferecendo aos clientes cerimocircnias personalizada que

refletem o aspecto da pessoa morta da sua personalidade e da sua individualidade enquanto

estava viva

Acompanhando as modificaccedilotildees ocorridas em uma sociedade capitalista as

empresas funeraacuterias criam estrateacutegias para combater a concorrecircncia garantindo um nuacutemero

ainda maior de clientes adeptos aos novos serviccedilos fuacutenebres Especializar-se modernizar-se eoferecer serviccedilos diferenciados eacute uma das formas que as funeraacuterias encontraram para se

manterem no mercado Toda a preocupaccedilatildeo em torno da modernizaccedilatildeo das empresas

funeraacuterias insere a morte em uma loacutegica comercial quando compreendemos que acoplado aos

seus aparelhos de atendimento estatildeo a publicidade vantagens e concorrecircncias em relaccedilatildeo aacute

oferta de serviccedilos funeraacuterios

Os meios de comunicaccedilatildeo de massa e o mundo do anuacutencio em que vivemos

transformam tais serviccedilos fuacutenebres necessaacuterios e indispensaacuteveis As pessoas acabam sentindo

o desejo de consumir os produtos a partir de um discurso disseminado pela publicidade e

criado pela proacutepria funeraacuteria de que para viver de forma tranquila com relaccedilatildeo a morte temos

que pagar planos funeraacuterios Para Isabela Andrade (MORAIS 2009 140)

Anuacutencios em jornais revistas e internet satildeo estrateacutegias de marketing que tem como

principal funccedilatildeo a transmissatildeo de informaccedilotildees para determinados puacuteblicos

comunicando a sociedade os coacutedigos culturais que estatildeo presentes nos bens de

consumo

Portanto em nossa pesquisa entendemos por espaccedilo tanaacutetico todo o ambiente e atos relativos aos serviccedilos ecuidados relativos agrave morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1517

983089983093

Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo

lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o

consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em

que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte

Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a

morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a

maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees

refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas

ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e

sobretudo com o consumo

Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e

transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que

muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las

possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1617

983089983094

REFEREcircNCIAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007

AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001

ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010

AgraveRIES Philippe Histoacuteria da morte no ocidente Rio de Janeiro Ed Ediouro 2003

BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994

______ Ritos da Vida Privada In NOVAIS Fernando A Souza MELLO Laura (Org)Histoacuteria da vida privada no Brasil cotidiano e vida privada na Ameacuterica Portuguesa SatildeoPaulo Ed Companhia das Letras 1997

ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001

FERREIRA Marieta de Morais Histoacuteria do tempo presente desafios Cultura VozesPetroacutepolis v 94 n 3 p 111- 124 maio 2000

GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1717

983089983095

______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997

MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19

jan 2011

MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco

PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997

REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991

Page 2: A Conveniência Da Morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 217

983090

No Brasil dos oitocentos a morte natildeo poderia acontecer de forma solitaacuteria e privada

era indispensaacutevel a participaccedilatildeo dos familiares amigos e vizinhos padre e ateacute desconhecidos

Quando o moribundo1 era avisado da sua morte atraveacutes dos signos naturais dava-se iniacutecio

aos preparativos para a cerimocircnia fuacutenebre garantindo ao morto uma boa passagem para o

desconhecido ldquoDepois de detectada a morte de um indiviacuteduo tinham iniacutecio as cerimocircnias

fuacutenebres que compreendiam sequecircncias formais no sentido de marcar simbolizar ou

dramatizar separaccedilotildees margens ou agregaccedilotildeesrdquo (MORAIS 2009 46) Os ritos de post

mortem eram exclusivamente domeacutesticos e de manifestaccedilatildeo religiosa eles iniciavam com apreparaccedilatildeo do corpo cortar o cabelo limpar e vestir Em seguida a vela acessa era posta na

matildeo do defunto como uma forma de guiar o espiacuterito do morto aos ceacuteus Os olhos do cadaacutever

eram fechados com o objetivo de fazer com que o morto os fechasse para o mundo dos vivos

e os abrisse quando chegasse ao mundo espiritual Tambeacutem existiam as celebraccedilotildees de missas

e o sepultamento dentro da igreja que exerciam a funccedilatildeo de conduzir o morto ao caminho dos

ceacuteus

Nesse periacuteodo a morte acidental era vista como grande desventura pois era muito

importante para o morto que seu corpo fosse preparado para o momento final da vida eram

indispensaacuteveis os rituais que lhes garantisse uma boa morte

Segundo Joatildeo Joseacute Reis a morte no seacuteculo XIX tinha que ser divulgada para que um

grande nuacutemero de pessoas participasse do funeral evitando que os maus espiacuteritos se

aproximassem do defunto Para isso eram distribuiacutedas comidas e cachaccedilas para que as

pessoas permanecessem no veloacuterio ateacute o momento do enterro A praacutetica de velar o defunto ouldquoguardar o mortordquo era o principal momento da cerimocircnia fuacutenebre Enquanto o corpo era

velado sua alma era encomendada aos ceacuteus atraveacutes de oraccedilotildees cantadas ou recitadas mais

conhecidas por ldquosentinelasrdquo

No entanto as pessoas sempre abominaram a morte ela sempre foi considerada um

acontecimento pavoroso O que percebemos que mudou foi contudo o modo de conviver e

1 Satildeo designados moribundos os pacientes terminais que na evoluccedilatildeo de uma doenccedila satildeo consideradosincuraacuteveis ou sem condiccedilotildees de prolongamento de vida Na atualidade esses indiviacuteduos satildeo retirados dos espaccedilosfamiliares preservando sua individualidade culminando com a solidatildeo dos moribundos

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 317

983091

lidar com a morte com o morrer e com os moribundos Para Isabela Andrade (MORAIS

2009 53)

O isolamento o evitamento e a dessocializaccedilatildeo dos moribundos faz com que

atitudes como acompanhar o agonizante banhaacute-lo e higienizaacute-lo passem a ser cada

vez mais repugnadas e esse fato contribuiu para a profissionalizaccedilatildeo da morte

Falando do Cearaacute na deacutecada de 1920 percebemos que nesse periacuteodo eramindispensaacuteveis em funerais orquestras e bandas de muacutesica evitando o silecircncio durante as

sentinelas esse era um momento de sociabilidade onde as lamuacuterias e os choros misturavam-se

aos jogos bebidas e paqueras entre os rapazes e moccedilas Podemos perceber mais claramente

no texto de Cacircndida Galeno (GALENO 1977 56) que observando os veloacuterios no interior

cearense na deacutecada de 1920 faz o seguinte comentaacuterio

Efetivamente o guardamento do defunto que entre noacutes toma o nome de

ldquosentinelardquo ldquoguardardquo ou ldquoquartordquo eacute ocasiatildeo de maacutegoa choro lamentaccedilatildeo para a famiacutelia do morto mas para o ajuntamento de pessoas que sempre se

forma no chamado ldquoserenordquo eacute lugar para encontro de namorados amigos que

se distraem contando anedotas e outras vezes lugar para desavenccedilas entre

pessoas que excedendo-se na bebida que comumente distribuem nessas

ocasiotildees perdem o controle

Os veloacuterios analisados por Galeno eram todos acompanhados por incelecircncias2 pois as

pessoas acreditavam que assim afastariam os democircnios de perto do defunto As praacuteticasmortuaacuterias enquanto um conjunto de accedilotildees e comportamentos que cercam a morte variou de

acordo com o tempo e com o espaccedilo Isso fica mais claro com as observaccedilotildees que Cacircndida

Galeno faz ao relatar um veloacuterio ocorrido em 1925 na cidade de Jardim na zona limiacutetrofe do

Cearaacute com Pernambuco onde as pessoas acompanhavam o funeral ao som de uma orquestra e

o morto era enterrado em uma rede Nesse periacuteodo as pessoas eram enterradas com mortalhas

que variavam de acordo com o santo de devoccedilatildeo do morto ou com as roupas mais novas

paletoacute e gravata dependendo da condiccedilatildeo social do falecido Muitos corpos eram velados em2 Versos catados repetidamente em diversas letras e muacutesicas puxadas por cantadeiras ou carpideiras tambeacutemresponsaacuteveis pelas rezas e benditos

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 417

983092

esteiras ou ateacute mesmo no chatildeo as famiacutelias natildeo tinham condiccedilotildees de mandar fabricar um

caixatildeo e muitas vezes era preciso contar com a ajuda de arrecadaccedilotildees de dinheiro para

organizar o veloacuterio

Podemos dizer que outro fator que possa ter influenciado no distanciamento das

pessoas com relaccedilatildeo agrave morte foram ldquoos discursos da literatura meacutedica da segunda metade do

seacuteculo XVIII que divulgavam que os enterros nas igrejas ofereciam riscos de infecccedilotildees e

doenccedilas contagiosasrdquo (MORAIS 2009 66) Fugir das epidemias e das doenccedilas significavaadiar o momento final de nossas vidas para isso criou-se uma noccedilatildeo de assepsia que natildeo nos

permite pensar em tocar no corpo do morto

Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquono Brasil oitocentista era muito comum os sepultamentos

realizados no interior das igrejas ou em seus arredores como uma forma de garantir ao morto

a salvaccedilatildeo eternardquo (REIS 1991) Para este autor os sepultamentos nos lugares santos

sugeriam a permanecircncia da necessidade de uma relaccedilatildeo de continuidade com o mundo dos

mortos

Para os meacutedicos higienistas do seacuteculo XIX essa era uma praacutetica que comprometia a

sauacutede dos vivos que tinham que respirar um ar poluiacutedo De acordo com Joatildeo Joseacute Reis (REIS

1991 247)

Os meacutedicos viam os enterros nas igrejas por uma oacutetica radicalmente diferente

Para eles a decomposiccedilatildeo de cadaacuteveres produzia gases que poluiacuteam o ar

contaminavam os vivos causavam doenccedilas e epidemias Os mortos

representavam um seacuterio problema de sauacutede puacuteblica Os veloacuterios os cortejos

fuacutenebres e outros usos funeraacuterios seriam focos de doenccedilas soacute mantidos pela

resistecircncia de uma mentalidade atrasada e supersticiosa que natildeo combinava

com os ideais civilizatoacuterios da naccedilatildeo que se formava Uma organizaccedilatildeo

civilizada no espaccedilo urbano requeria que a morte fosse higienizada sobretudo

que os mortos fossem expulsos de entre os vivos e segregados em cemiteacuterios

extra-muros

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 517

983093

Eacute nesse contexto de tentativas de evitar as doenccedilas e a morte que a teoria dos

miasmas3 se tornou popular no seacuteculo XVIII e iniacutecio do seacuteculo XIX como mais uma estrateacutegia

de higienizar os centros urbanos mas que frequentemente se esbarrava nos haacutebitos e condutas

da populaccedilatildeo O poder puacuteblico brasileiro estava sempre pensando em maneiras de controlar a

populaccedilatildeo e os espaccedilos urbanos a partir de construccedilotildees de muros e calccediladas do esgotamento

de aacuteguas servidas da eliminaccedilatildeo do lixo e outros dejetos aleacutem da implantaccedilatildeo de matadouros

e de cemiteacuterios puacuteblicos

ldquoAs descobertas cientiacuteficas do seacuteculo XIX influenciaram nas discussotildees sobre a

conveniente localizaccedilatildeo dos cemiteacuterios assim como a respeito da influecircncia desses

estabelecimentos no aparecimento de doenccedilasrdquo (ANIacuteBAL 2010 53) Com as normas ditadas

pela medicina o poder puacuteblico passou a proibir as sepulturas nos espaccedilos sagrados e

recomendaram a construccedilatildeo de cemiteacuterios afastados da cidade

A salubridade passa a ser vista como um caminho para que se consiga a sauacutede Os

odores e o cheiro expelidos pelos cadaacuteveres que antes eram facilmente suportados no interiordos templos ou nas suas imediaccedilotildees em meios agraves oraccedilotildees passaram a ser considerados

insalubres e perigosos agrave sauacutede puacuteblica devendo ser afastados das cidades Segundo Ana

Claacuteudia Aniacutebal (ANIacuteBAL 2010 53)

Para afastar epidemias eacute preciso afastar os cemiteacuterios e sepultar os mortos em

locais distantes e em covas de grandes profundidades para que os vapores

malignos e contagiosos natildeo se comuniquem agrave populaccedilatildeo Caso contraacuterio os

cemiteacuterios continuariam considerados como propagadores de doenccedilas

Diante de todas essas observaccedilotildees que fizemos percebemos que ao longo de

muitas praacuteticas deixaram de existir ou passaram por um processo longo de transformaccedilatildeo

assim como muitos rituais que faziam parte do cenaacuterio fuacutenebre dos veloacuterios Mesmo que

lentas as modificaccedilotildees luacutegubres ocorreram nos instigando e nos fazendo pensar de que

maneira isso acontece e o que contribui para todas essas transformaccedilotildees

983091 A teoria dos miasmas baseava-se na noccedilatildeo de que quando o ar fosse de ldquomaacute qualidaderdquo (um estado que natildeo

era precisamente definido mas supostamente devido a mateacuteria em decomposiccedilatildeo) as pessoas que respirassemeste ar ficariam doentes

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 617

983094

Hoje no municiacutepio de Limoeiro do Norte predomina o serviccedilo de funeraacuterias que

se insere na nossa cidade como uma instituiccedilatildeo que se responsabiliza por todos os cuidados

que antes eram funccedilotildees das famiacutelias do morto entre elas podemos citar o tratamento do corpo

(vestir limpar encomendar o caixatildeo) a organizaccedilatildeo do veloacuterio e o proacuteprio sepultamento do

defunto Portanto eacute inegaacutevel que de certa forma as atividades funeraacuterias vem se

relacionando com essas mudanccedilas com essas transformaccedilotildees e com os significados atribuiacutedos

agrave morte

Trabalhar as praacuteticas fuacutenebres nos leva a discutir por exemplo a associaccedilatildeo que

as pessoas faziam entre os veloacuterios e as festas para as moccedilas e rapazes que moravam no

interior do municiacutepio de Limoeiro do Norte ndash CE este era um momento propiacutecios agraves paqueras

Mais precisamente na zona rural deste municiacutepio eram raros os momentos

dedicados agraves festividades que alegravam os moradores destes locais Normalmente eles

podiam contar apenas com as festas religiosas organizadas pela Igreja Catoacutelica o que

aconteciam em um intervalo de tempo muito grande Portanto eacute nesse contexto que minhadepoente lamenta-se da vida pouco movimentada que levava e afirma que um dos seus

divertimentos era ir para os veloacuterios e passar as noites na vigiacutelia De acordo com dona Maria

de Lourdes Maia Pitombeira

Eu me lembro que eu morando no Sapeacute quando algueacutem morria eu gostava muito de

ir pro veloacuterio soacute pra paquerar com os rapazes Nem que fosse muito longe da minha

casa mais eu ia a peacute soacute porque eu via aquilo como um divertimento E tinha mais

quando minha matildee natildeo deixava eu ir eu chorava (Entrevista realizada em 15 05

2012)

Nesse periacuteodo era muito comum caracterizar o veloacuterio como o espaccedilo do becircbado onde

o consumo da cachaccedila e a praacutetica de contar piadas faziam deste lugar um ambiente festivo

enquanto outros velavam o corpo com oraccedilotildees e lamuacuterias O senhor Joseacute Lopes outro

depoente que contribuiu para a pesquisa relata que muitas vezes as pessoas que levavam o

caixatildeo ateacute o cemiteacuterio jaacute estavam tatildeo alcoolizados que ao retornar do sepultamento vinham

cambaleando pelas estradas Dona Maria Augusta lembra-se desse periacuteodo e faz o seguinte

comentaacuterio

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 717

983095

Era bem animado ali o pessoal fazia cafeacute fazia um chaacute natildeo tinha bolacha e

inventava o cuscuz as vezes tinha feijatildeo cozinhado que ficava da tarde aiacute noacutes

jogava o arroz dentro e fazia aquele bocado de baiatildeo de dois para aquele pessoal

que passava a noite Tinha deles que bebia natildeo era todos natildeo (Entrevista

realizada em 17072010)

Poreacutem o que percebemos eacute que associar a morte agrave festa eacute algo que vem desde os

seacuteculos passados e que Joatildeo Joseacute Reis (1991) discute muito bem em seu livro intitulado ldquoA

morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculo XIXrdquo Segundo JoatildeoJoseacute Reis (REIS 1991 137) Thomas Lindley confirma o interesse baiano pela morte quando

ele escreve o seguinte

entre os principais divertimentos dos cidadatildeos se contavam os ldquosuntuosos

funeraisrdquo e as festas de semana santa celebrados com grandes cerimocircnias

concerto completo e frequentes procissotildees para os baianos morte e festa natildeo se

excluiacuteam

Atualmente os veloacuterios se configuram de forma diferente tornando os funerais o

lugar do silecircncio e da tristeza deixando um clima de recolhimento entre os parentes e amigos

do morto O silecircncio mantido nos veloacuterio demonstra respeito agrave famiacutelia que acabara de perder

algueacutem muito querido e que por isso merece sofrer a sua dor de forma solitaacuteria e silenciosa

Outro haacutebito muito comum ainda nas deacutecadas de 1970 e 1980 em Limoeiro do

Norte ndash CE e nas cidades vizinhas era o uso de mortalhas muito comum entre os cristatildeos

catoacutelicos vestir o morto de acordo com o santo de sua devoccedilatildeo em vida era uma garantia deproteccedilatildeo e de boa morte No imaginaacuterio catoacutelico as mortalhas dos santos ajudavam o morto no

dia da sua passagem para o mundo celestial e o ajudavam no dia do julgamento no dia do

juiacutezo final

Preocupar-se com a vestimenta do morto fazia parte das tarefas atribuiacutedas agraves

famiacutelias e aos parentes mais proacuteximos Logo depois da confirmaccedilatildeo da morte do ente querido

encomendava-se a mortalha que normalmente era confeccionada por um parente do falecido

ou algueacutem da comunidade que jaacute tinha o haacutebito dessa praacutetica

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 817

983096

As pessoas eram vestidas com mortalhas de santo porque possuiacuteam uma grande

devoccedilatildeo por iacutecones catoacutelicos e acreditavam que desta forma estariam protegidas contra os

maus espiacuteritos e que fariam uma boa passagem para a outra vida Os trajes mais comuns

utilizados pelos mortos em Limoeiro do Norte ndash CE eram as vestes de Satildeo Francisco para os

homens e de Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo para as mulheres Segundo Joatildeo Joseacute Reis (REIS

1991 2)

Os trajes de santos sugerem um apelo agrave proteccedilatildeo dos mesmos e sublinha a

importacircncia do cuidado com o cadaacutever na passagem para o aleacutem Vestir-se de santorepresentava desejo de graccedila imaginar-se perto de Deus a roupa mortuaacuteria

protegia os mortos e promovia uma integraccedilatildeo bem aventurada

Tambeacutem fazia parte da crenccedila e das praacuteticas religiosas neste municiacutepio vestir

com os trajes de santos as crianccedilas De acordo com Ana Claacuteudia Aniacutebal Ribeiro ldquoao trajar as

criancinhas com as roupas dos santos os pais imaginavam garantir que seu rebento natildeo ficaria

desamparado no outro mundo estando guardados sob os cuidados dos seus santosrdquo

(ANIacuteBAL 2010 31)

Ainda falando dos veloacuterios desse periacuteodo e elementos que faziam parte do

cenaacuterio fuacutenebre podemos fazer referecircncia aos caixotildees em que eram enterrados os mortos

Depois da confirmaccedilatildeo da morte do moribundo a famiacutelia logo providenciava a confecccedilatildeo da

urna funeraacuteria que era confeccionada de forma artesanal Normalmente os moribundos

morriam na proacutepria residecircncia jaacute que o acesso ao hospital puacuteblico era muito difiacutecil

Enquanto isso o corpo ficava em uma esteira no chatildeo ou sobre uma cama ateacute que

estivesse pronto o caixatildeo Vestir o morto e preparaacute-lo para o sepultamento era de

responsabilidade das pessoas mais proacuteximas do defunto que tinham a preocupaccedilatildeo de

amortalhar e limpar o feacuteretro Isso fica mais evidente quando dona Maria de Lourdes faz o

seguinte relato

Eu mesmo ajudei muito a vestir os defuntos a minha matildee fui eu quem vestiu ela com

uma roupinha melhorzinha O tio de Daniacutelo eu tambeacutem ajudei as vezes quando a

roupa natildeo cabia a gente rasgava um pouquinho porque ia ficar atraacutes mesmosningueacutem ia ver Quando o corpo jaacute tava duro as pessoas levantavam o defunto pra

vestir ele (Entrevista realizada em 15052012)

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 917

983097

De acordo com os depoentes os caixotildees eram feitos de madeira com formato de

grades cobertos por um pano preto Devido a pouca resistecircncia do material as pessoas

colocavam uma escada de madeira ou uma esteira debaixo do caixatildeo para carregaacute-lo ateacute o

cemiteacuterio Como podemos observar na imagem abaixo

Conforme as pesquisas ouvimos relatos de pessoas que vivenciaram o periacuteodo em

que na sua cidade exista o caixatildeo comunitaacuterio4 doado pela prefeitura ou pela paroacutequia Na

entrevista realizada com dona Maria Joseacute natural do municiacutepio de Potiretama a depoente

relata que no tempo de menina as pessoas que natildeo podiam pagar por caixatildeo utilizavam-se

daquele que estava na igreja do cemiteacuterio fazendo parte do cenaacuterio deste ambiente De acordo

com Maria Joseacute

Cansei de ver aquele caixatildeozatildeo preto me lembro que quando a gente ia arrumar a

igreja aquele caixatildeo e ainda era guardado dentro da igreja Laacute natildeo tinha capela

no cemiteacuterio de laacute e era guardado dentro da igreja esse caixatildeo (Entrevistarealizada em 17072010)

Apreendemos que esse objeto permanecia nos espaccedilos sociais e no cotidiano das

pessoas como algo natural sem causar estranheza aqueles que frequentavam a igreja Poreacutem

na sua fala ficam claras as percepccedilotildees que dona Maria adquiriu no presente quando ela faz

referecircncia ao caixatildeo utilizando o termo ldquocaixatildeozatildeo pretordquo demonstrando o aspecto tenebroso

que aquele cenaacuterio representava

Continuando com a conversa dona Maria Joseacute nos relata suas lembranccedilas de

crianccedila onde os mortos ainda eram velados e enterrados em redes segundo a mesma

Eu lembro que quando no tempo de menina aiacute quando morria uma pessoa ia

costurar de noite aquela mortalha tinha que fazer de noite pra enterrar o

defunto Muitos cantos natildeo tinham cama pra botar o defunto botavam era no

983092 O caixatildeo comunitaacuterio funcionava da seguinte forma acontecendo o falecimento de um ente querido a famiacuteliado morto se dirigia a Igreja para levar o caixatildeo ateacute a casa do defunto Terminado o veloacuterio e o sepultamento ocadaacutever era colocado na sepultura e o caixatildeo retornava para poder ser utilizado por todos aqueles que natildeopodiam pagar por caixatildeo

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1017

983089983088

chatildeo no chatildeo limpo numa esteira eu me lembro eu menina me lembro Outros

levavam numa rede (Entrevista realizada em 17072010)

Nas deacutecadas de 50 e 60 ainda era muito comum na ausecircncia do caixatildeo o uso de

redes para sepultar o defunto Durante o veloacuterio o corpo do morto ficava em cima de uma

esteira ou de uma porta no proacuteprio chatildeo batido para que todos pudessem velar o corpo e fazer

as uacuteltimas oraccedilotildees ao morto A rede era amarrada a um pedaccedilo de madeira segurada por duas

pessoas que se encarregavam de levar o defunto ateacute o cemiteacuterio Para dona Maria Joseacute esta

cena era horriacutevel era uma assombraccedilatildeo ver os defuntos se balanccedilando na rede causando

espanto e medo

Outra preocupaccedilatildeo que fazia parte do imaginaacuterio catoacutelico era a realizaccedilatildeo do

sacramento da extrema-unccedilatildeo naqueles indiviacuteduos moribundos que estavam prestes a morrer

De acordo com o trabalho de pesquisa de Ana Claacuteudia Ribeiro (ANIacuteBAL 2010 19)

A extrema-unccedilatildeo eacute um sacramento que se fundamenta do Evangelho Mateus quediz ldquoA ordem do Senhor os apoacutestolos expeliam muitos democircnios e ungiam com

oacuteleo a muitos enfermos e os curavamrdquo (Mc 613) Para o catolicismo o

sacramento da Extrema-Unccedilatildeo eacute ministrado para aqueles cristatildeos que estatildeo em

perigo de morte o propoacutesito do sacramento eacute restaurar a sauacutede da pessoa e

absorver o indiviacuteduo de qualquer pecado remanescente

A primeira providecircncia tomada pela famiacutelia de uma pessoa que estava na

iminecircncia da morte era pedir que o padre da paroacutequia mais proacutexima se dirigisse ateacute a sua

residecircncia para preparar o moribundo para a morte Com a utilizaccedilatildeo do oacuteleo que

representava a alegria e o perfume do Espiacuterito Santo este era para os cristatildeos ldquoa imagem da

misericoacuterdia do amor e da compaixatildeo divina e eles satildeo os siacutembolos da benccedilatildeordquo (ANIacuteBAL

2010 20) Todo esse ritual faz parte dos sacramentos usados pela Liturgia da Igreja Catoacutelica

como uma forma de possibilitar a cura corporal e de restaurar a alma do indiviacuteduo de todo

pecado

Percebemos a memoacuteria como uma das fontes da produccedilatildeo do conhecimentohistoacuterico podendo assim conhecer a histoacuteria do cotidiano e conhecer os sentimentos do que

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1117

983089983089

muda e do que permanece Preocupar-se com a boa morte e com os rituais fuacutenebres que

garantiriam isso ao indiviacuteduo eram sentimentos que faziam parte do imaginaacuterio de uma

sociedade religiosa que via a morte como uma passagem para outra vida mesmo

desconhecida esta poderia ser um lugar de descanso Velar o corpo na proacutepria casa do

falecido fazer a vigiacutelia e oraccedilotildees para afastar os maus espiacuteritos eram praacuteticas que faziam parte

do cenaacuterio fuacutenebre e do luto das pessoas Isso fica mais claro quando Ana Claacuteudia Aniacutebal

(ANIacuteBAL 201 45) escreve que

O luto se apresenta portanto como trabalho de perda um mecanismo que busca

elaborar o choque daquilo que foi perdido retirado e possibilitando ao fim desse

processo eleger um outro objeto no lugar daquele que foi perdido O luto insere amorte na cultura ele ressignifica o morto o luto seria o ato de simbolizaccedilatildeo do

morto

Vestir-se de preto tambeacutem era um costume muito comum entre aqueles que

frequentavam os veloacuterios demonstrando seu luto e respeito ao falecido Deixar expliacutecito

publicamente o sofrimento sentido pela perda de um amigo ou parente fazia parte dos

significados do luto esta era uma manifestaccedilatildeo social que se caracterizava pelo o uso do

preto

Os cortejos a peacute tambeacutem eram muito marcantes nesse periacuteodo Eles eram

acompanhados por cacircnticos e oraccedilotildees ateacute a chegada do caixatildeo no cemiteacuterio chamando a

atenccedilatildeo daqueles presenciavam este ritual No Brasil do seacuteculo XIX era muito comum que

nessa tradiccedilatildeo fuacutenebres fossem contratadas mulheres conhecidas como carpideiras para chorare rezar pelo morto Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquo a multidatildeo em volta do caixatildeo do morto tinha

como objetivo afastar tanto os maus espiacuteritos do morto como a alma do morto de perto dos

vivosrdquo (REIS 1991 114)

O que percebemos eacute que a sociedade da assepsia e do individualismo vem se

constituindo e se consolidando ao mesmo tempo em que as pessoas se afastam da morte e

daquilo que ela representa Portanto eacute inegaacutevel que as atitudes diante da morte tenham

sofrido modificaccedilotildees e que os sentimentos que cercavam este evento ganham novas

configuraccedilotildees

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1217

983089983090

As pessoas constroem ao longo do tempo significados e sentidos para todos os

setores da vida social Com relaccedilatildeo a maneira de como vemos a morte e de como nos

relacionamos com ela tambeacutem eacute uma construccedilatildeo humana e que por este motivo deve ser

objeto de estudos acadecircmicos

Na nossa sociedade contemporacircnea inuacutemeras vatildeo ser as transformaccedilotildees ocorridas

nos rituais de passagem da vida para a morte praacuteticas que serviam para possibilitar uma boa

morte agora deixam de existir ou simplesmente se transformam

Percebemos que muitas foram as transformaccedilotildees ocorridas em torno dos rituais

fuacutenebres em Limoeiro do Norte ndash CE quando analisamos os processos sociais das praacuteticas

mortuaacuterias e as representaccedilotildees a respeito da morte principalmente a partir a atuaccedilatildeo da

empresa funeraacuteria Assistecircncia Familiar Anjo da Guarda a partir do ano de 1989 Analisar o

processo histoacuterico das praacuteticas mortuaacuterias nos leva a conhecer muitos haacutebitos e crenccedilas em

torno da morte e como as pessoas se relacionavam com a ideia de morrer

O uso de mortalhas agora passa a ser substituiacuteda por vestimentas padronizadas

oferecidas pelas funeraacuterias que natildeo mais oferecem em seus serviccedilos os trajes de santos Estar

protegido pelos santos natildeo fazem mais parte das preocupaccedilotildees que se tinham quando algueacutem

morria

Com a atuaccedilatildeo das casas funeraacuterias jaacute na deacutecada de 1990 o cenaacuterio fuacutenebre vai

ganhar novos apetrechos oferecidos por essas empresas como eacute o caso dos casticcedilais tapetes e

coroas de flores Agora natildeo vemos mais o caixatildeo preto feito em forma de grades os materiaisutilizados pelas funeraacuterias para a confecccedilatildeo desse produto satildeo mais reforccedilados e firmes

Percebemos o distanciamento da morte quando algumas pessoas optam por velar

seus mortos em centros de veloacuterios oferecidos nos serviccedilos das funeraacuterias Na cidade de

Limoeiro do Norte-CE vemos essa praacutetica cada vez mais frequente entre as famiacutelias do morto

como uma forma de evitar abrir as portas de suas casas para o puacuteblico O haacutebito de fazer a

vigiacutelia se restringe apenas a alguns familiares tornado o cenaacuterio ainda mais triste e silencioso

dona Augusta nos relata de forma queixosa as poucas pessoas que ficaram durante a

madrugada no veloacuterio do seu vizinho

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1317

983089983091

Sabe quantas pessoas passou a noite Eu minha cunhada meu irmatildeo que

chegou 2 horas da madrugada e quando chegou outro 3 horas Pronto foi esse

pessoal e a nora da finada e uma filha foram dormir e nois de fora passemos a

noite Mudou de mais antigamente era mais animado ( Entrevista realizada em

17072010)

Os veloacuterios repletos de cacircntico e oraccedilotildees agora datildeo lugar ao silecircncio Muitas

vezes as pessoas apenas fazem uma oraccedilatildeo ou rezam o terccedilo para abenccediloar o espiacuterito do

morto que agora deixa a vida terrena para viver no mundo espiritual segundo a crenccedila

popular

Nesse contexto de modificaccedilatildeo sofridas nos rituais fuacutenebres fica claro o papel

fundamental das funeraacuterias no que diz respeito as mudanccedilas ocorridas nas praacuteticas mortuaacuterias

As casas funeraacuterias passam a oferecer na sociedade do consumo natildeo mais apenas os materiais

que compunham o veloacuterio (caixatildeo velas casticcedilais flores etc) agora elas oferecem um

serviccedilo especializado que requer o trabalho de vaacuterios profissionais que a cada dia satildeocapacitados para melhor desempenhar tais serviccedilos

Percebemos que ao longo dos anos o mercado funeraacuterio vem se especializando e

ampliando sua cartela de serviccedilos como uma forma de manter-se na sociedade de consumo

em que vivemos Pensar estrateacutegias de mercado eacute umas das preocupaccedilotildees das grandes

empresas funeraacuterias que cada vez mais vecircm inserindo uma loacutegica comercial em torno das

cerimocircnias fuacutenebres tornando-as mais luxuosas e personalizadas

Atingir as cidades do interior eacute contudo criar estrateacutegias de mercado que jaacute estatildeo

consolidadas nos grandes centros urbanos Compreendemos que a cidade de Limoeiro do

Norte - CE estaacute passando por transformaccedilotildees poliacuteticas sociais e econocircmicas nas uacuteltimas

deacutecadas do seacuteculo XX Esta cidade comeccedila a perder seu caraacuteter rural a imagem da ldquocidade

pequenardquo vai perdendo espaccedilo para o desenvolvendo das atividades urbanas Conforme

Isabela Andrade no Brasil o empresariar da morte e do morrer ocorreu a partir da

modernizaccedilatildeo dos espaccedilos tanaacuteticos5 que possibilitaram o surgimento dos ldquoGruposrdquo no final

983093 O termo deriva de tanatologia que segundo a definiccedilatildeo do dicionaacuterio ldquoAureacuteliordquo refere-se agrave teoria sobre a

morte e na medicina legal eacute a parte que se ocupa da morte e dos problemas meacutedico-legais com ela relacionados

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1417

983089983092

da deacutecada de 1980 o que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado em

empresas Os ldquoGruposrdquo satildeo portanto empresas completas que agregam vaacuterios

empreendimentos fuacutenebres com o objetivo de dar conta de todo o processo do morrer ldquoo

antes (com o serviccedilo de prevenccedilatildeo do funeral) o durante (com serviccedilo funeral) e o depois

(com os serviccedilos de assistecircncia ao luto)rdquo (MORAIS 2009 96)

Na relaccedilatildeo comercial entre a empresa funeraacuteria com a venda de artefatos e

serviccedilos mortuaacuterios e seus consumidores a uma tentativa dessas agecircncias de sobressair nummercado competitivo Desta forma percebemos que haacute uma preocupaccedilatildeo dos empresaacuterios em

estaacute modernizando seus serviccedilos oferecendo aos clientes cerimocircnias personalizada que

refletem o aspecto da pessoa morta da sua personalidade e da sua individualidade enquanto

estava viva

Acompanhando as modificaccedilotildees ocorridas em uma sociedade capitalista as

empresas funeraacuterias criam estrateacutegias para combater a concorrecircncia garantindo um nuacutemero

ainda maior de clientes adeptos aos novos serviccedilos fuacutenebres Especializar-se modernizar-se eoferecer serviccedilos diferenciados eacute uma das formas que as funeraacuterias encontraram para se

manterem no mercado Toda a preocupaccedilatildeo em torno da modernizaccedilatildeo das empresas

funeraacuterias insere a morte em uma loacutegica comercial quando compreendemos que acoplado aos

seus aparelhos de atendimento estatildeo a publicidade vantagens e concorrecircncias em relaccedilatildeo aacute

oferta de serviccedilos funeraacuterios

Os meios de comunicaccedilatildeo de massa e o mundo do anuacutencio em que vivemos

transformam tais serviccedilos fuacutenebres necessaacuterios e indispensaacuteveis As pessoas acabam sentindo

o desejo de consumir os produtos a partir de um discurso disseminado pela publicidade e

criado pela proacutepria funeraacuteria de que para viver de forma tranquila com relaccedilatildeo a morte temos

que pagar planos funeraacuterios Para Isabela Andrade (MORAIS 2009 140)

Anuacutencios em jornais revistas e internet satildeo estrateacutegias de marketing que tem como

principal funccedilatildeo a transmissatildeo de informaccedilotildees para determinados puacuteblicos

comunicando a sociedade os coacutedigos culturais que estatildeo presentes nos bens de

consumo

Portanto em nossa pesquisa entendemos por espaccedilo tanaacutetico todo o ambiente e atos relativos aos serviccedilos ecuidados relativos agrave morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1517

983089983093

Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo

lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o

consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em

que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte

Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a

morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a

maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees

refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas

ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e

sobretudo com o consumo

Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e

transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que

muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las

possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1617

983089983094

REFEREcircNCIAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007

AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001

ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010

AgraveRIES Philippe Histoacuteria da morte no ocidente Rio de Janeiro Ed Ediouro 2003

BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994

______ Ritos da Vida Privada In NOVAIS Fernando A Souza MELLO Laura (Org)Histoacuteria da vida privada no Brasil cotidiano e vida privada na Ameacuterica Portuguesa SatildeoPaulo Ed Companhia das Letras 1997

ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001

FERREIRA Marieta de Morais Histoacuteria do tempo presente desafios Cultura VozesPetroacutepolis v 94 n 3 p 111- 124 maio 2000

GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1717

983089983095

______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997

MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19

jan 2011

MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco

PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997

REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991

Page 3: A Conveniência Da Morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 317

983091

lidar com a morte com o morrer e com os moribundos Para Isabela Andrade (MORAIS

2009 53)

O isolamento o evitamento e a dessocializaccedilatildeo dos moribundos faz com que

atitudes como acompanhar o agonizante banhaacute-lo e higienizaacute-lo passem a ser cada

vez mais repugnadas e esse fato contribuiu para a profissionalizaccedilatildeo da morte

Falando do Cearaacute na deacutecada de 1920 percebemos que nesse periacuteodo eramindispensaacuteveis em funerais orquestras e bandas de muacutesica evitando o silecircncio durante as

sentinelas esse era um momento de sociabilidade onde as lamuacuterias e os choros misturavam-se

aos jogos bebidas e paqueras entre os rapazes e moccedilas Podemos perceber mais claramente

no texto de Cacircndida Galeno (GALENO 1977 56) que observando os veloacuterios no interior

cearense na deacutecada de 1920 faz o seguinte comentaacuterio

Efetivamente o guardamento do defunto que entre noacutes toma o nome de

ldquosentinelardquo ldquoguardardquo ou ldquoquartordquo eacute ocasiatildeo de maacutegoa choro lamentaccedilatildeo para a famiacutelia do morto mas para o ajuntamento de pessoas que sempre se

forma no chamado ldquoserenordquo eacute lugar para encontro de namorados amigos que

se distraem contando anedotas e outras vezes lugar para desavenccedilas entre

pessoas que excedendo-se na bebida que comumente distribuem nessas

ocasiotildees perdem o controle

Os veloacuterios analisados por Galeno eram todos acompanhados por incelecircncias2 pois as

pessoas acreditavam que assim afastariam os democircnios de perto do defunto As praacuteticasmortuaacuterias enquanto um conjunto de accedilotildees e comportamentos que cercam a morte variou de

acordo com o tempo e com o espaccedilo Isso fica mais claro com as observaccedilotildees que Cacircndida

Galeno faz ao relatar um veloacuterio ocorrido em 1925 na cidade de Jardim na zona limiacutetrofe do

Cearaacute com Pernambuco onde as pessoas acompanhavam o funeral ao som de uma orquestra e

o morto era enterrado em uma rede Nesse periacuteodo as pessoas eram enterradas com mortalhas

que variavam de acordo com o santo de devoccedilatildeo do morto ou com as roupas mais novas

paletoacute e gravata dependendo da condiccedilatildeo social do falecido Muitos corpos eram velados em2 Versos catados repetidamente em diversas letras e muacutesicas puxadas por cantadeiras ou carpideiras tambeacutemresponsaacuteveis pelas rezas e benditos

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 417

983092

esteiras ou ateacute mesmo no chatildeo as famiacutelias natildeo tinham condiccedilotildees de mandar fabricar um

caixatildeo e muitas vezes era preciso contar com a ajuda de arrecadaccedilotildees de dinheiro para

organizar o veloacuterio

Podemos dizer que outro fator que possa ter influenciado no distanciamento das

pessoas com relaccedilatildeo agrave morte foram ldquoos discursos da literatura meacutedica da segunda metade do

seacuteculo XVIII que divulgavam que os enterros nas igrejas ofereciam riscos de infecccedilotildees e

doenccedilas contagiosasrdquo (MORAIS 2009 66) Fugir das epidemias e das doenccedilas significavaadiar o momento final de nossas vidas para isso criou-se uma noccedilatildeo de assepsia que natildeo nos

permite pensar em tocar no corpo do morto

Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquono Brasil oitocentista era muito comum os sepultamentos

realizados no interior das igrejas ou em seus arredores como uma forma de garantir ao morto

a salvaccedilatildeo eternardquo (REIS 1991) Para este autor os sepultamentos nos lugares santos

sugeriam a permanecircncia da necessidade de uma relaccedilatildeo de continuidade com o mundo dos

mortos

Para os meacutedicos higienistas do seacuteculo XIX essa era uma praacutetica que comprometia a

sauacutede dos vivos que tinham que respirar um ar poluiacutedo De acordo com Joatildeo Joseacute Reis (REIS

1991 247)

Os meacutedicos viam os enterros nas igrejas por uma oacutetica radicalmente diferente

Para eles a decomposiccedilatildeo de cadaacuteveres produzia gases que poluiacuteam o ar

contaminavam os vivos causavam doenccedilas e epidemias Os mortos

representavam um seacuterio problema de sauacutede puacuteblica Os veloacuterios os cortejos

fuacutenebres e outros usos funeraacuterios seriam focos de doenccedilas soacute mantidos pela

resistecircncia de uma mentalidade atrasada e supersticiosa que natildeo combinava

com os ideais civilizatoacuterios da naccedilatildeo que se formava Uma organizaccedilatildeo

civilizada no espaccedilo urbano requeria que a morte fosse higienizada sobretudo

que os mortos fossem expulsos de entre os vivos e segregados em cemiteacuterios

extra-muros

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 517

983093

Eacute nesse contexto de tentativas de evitar as doenccedilas e a morte que a teoria dos

miasmas3 se tornou popular no seacuteculo XVIII e iniacutecio do seacuteculo XIX como mais uma estrateacutegia

de higienizar os centros urbanos mas que frequentemente se esbarrava nos haacutebitos e condutas

da populaccedilatildeo O poder puacuteblico brasileiro estava sempre pensando em maneiras de controlar a

populaccedilatildeo e os espaccedilos urbanos a partir de construccedilotildees de muros e calccediladas do esgotamento

de aacuteguas servidas da eliminaccedilatildeo do lixo e outros dejetos aleacutem da implantaccedilatildeo de matadouros

e de cemiteacuterios puacuteblicos

ldquoAs descobertas cientiacuteficas do seacuteculo XIX influenciaram nas discussotildees sobre a

conveniente localizaccedilatildeo dos cemiteacuterios assim como a respeito da influecircncia desses

estabelecimentos no aparecimento de doenccedilasrdquo (ANIacuteBAL 2010 53) Com as normas ditadas

pela medicina o poder puacuteblico passou a proibir as sepulturas nos espaccedilos sagrados e

recomendaram a construccedilatildeo de cemiteacuterios afastados da cidade

A salubridade passa a ser vista como um caminho para que se consiga a sauacutede Os

odores e o cheiro expelidos pelos cadaacuteveres que antes eram facilmente suportados no interiordos templos ou nas suas imediaccedilotildees em meios agraves oraccedilotildees passaram a ser considerados

insalubres e perigosos agrave sauacutede puacuteblica devendo ser afastados das cidades Segundo Ana

Claacuteudia Aniacutebal (ANIacuteBAL 2010 53)

Para afastar epidemias eacute preciso afastar os cemiteacuterios e sepultar os mortos em

locais distantes e em covas de grandes profundidades para que os vapores

malignos e contagiosos natildeo se comuniquem agrave populaccedilatildeo Caso contraacuterio os

cemiteacuterios continuariam considerados como propagadores de doenccedilas

Diante de todas essas observaccedilotildees que fizemos percebemos que ao longo de

muitas praacuteticas deixaram de existir ou passaram por um processo longo de transformaccedilatildeo

assim como muitos rituais que faziam parte do cenaacuterio fuacutenebre dos veloacuterios Mesmo que

lentas as modificaccedilotildees luacutegubres ocorreram nos instigando e nos fazendo pensar de que

maneira isso acontece e o que contribui para todas essas transformaccedilotildees

983091 A teoria dos miasmas baseava-se na noccedilatildeo de que quando o ar fosse de ldquomaacute qualidaderdquo (um estado que natildeo

era precisamente definido mas supostamente devido a mateacuteria em decomposiccedilatildeo) as pessoas que respirassemeste ar ficariam doentes

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 617

983094

Hoje no municiacutepio de Limoeiro do Norte predomina o serviccedilo de funeraacuterias que

se insere na nossa cidade como uma instituiccedilatildeo que se responsabiliza por todos os cuidados

que antes eram funccedilotildees das famiacutelias do morto entre elas podemos citar o tratamento do corpo

(vestir limpar encomendar o caixatildeo) a organizaccedilatildeo do veloacuterio e o proacuteprio sepultamento do

defunto Portanto eacute inegaacutevel que de certa forma as atividades funeraacuterias vem se

relacionando com essas mudanccedilas com essas transformaccedilotildees e com os significados atribuiacutedos

agrave morte

Trabalhar as praacuteticas fuacutenebres nos leva a discutir por exemplo a associaccedilatildeo que

as pessoas faziam entre os veloacuterios e as festas para as moccedilas e rapazes que moravam no

interior do municiacutepio de Limoeiro do Norte ndash CE este era um momento propiacutecios agraves paqueras

Mais precisamente na zona rural deste municiacutepio eram raros os momentos

dedicados agraves festividades que alegravam os moradores destes locais Normalmente eles

podiam contar apenas com as festas religiosas organizadas pela Igreja Catoacutelica o que

aconteciam em um intervalo de tempo muito grande Portanto eacute nesse contexto que minhadepoente lamenta-se da vida pouco movimentada que levava e afirma que um dos seus

divertimentos era ir para os veloacuterios e passar as noites na vigiacutelia De acordo com dona Maria

de Lourdes Maia Pitombeira

Eu me lembro que eu morando no Sapeacute quando algueacutem morria eu gostava muito de

ir pro veloacuterio soacute pra paquerar com os rapazes Nem que fosse muito longe da minha

casa mais eu ia a peacute soacute porque eu via aquilo como um divertimento E tinha mais

quando minha matildee natildeo deixava eu ir eu chorava (Entrevista realizada em 15 05

2012)

Nesse periacuteodo era muito comum caracterizar o veloacuterio como o espaccedilo do becircbado onde

o consumo da cachaccedila e a praacutetica de contar piadas faziam deste lugar um ambiente festivo

enquanto outros velavam o corpo com oraccedilotildees e lamuacuterias O senhor Joseacute Lopes outro

depoente que contribuiu para a pesquisa relata que muitas vezes as pessoas que levavam o

caixatildeo ateacute o cemiteacuterio jaacute estavam tatildeo alcoolizados que ao retornar do sepultamento vinham

cambaleando pelas estradas Dona Maria Augusta lembra-se desse periacuteodo e faz o seguinte

comentaacuterio

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 717

983095

Era bem animado ali o pessoal fazia cafeacute fazia um chaacute natildeo tinha bolacha e

inventava o cuscuz as vezes tinha feijatildeo cozinhado que ficava da tarde aiacute noacutes

jogava o arroz dentro e fazia aquele bocado de baiatildeo de dois para aquele pessoal

que passava a noite Tinha deles que bebia natildeo era todos natildeo (Entrevista

realizada em 17072010)

Poreacutem o que percebemos eacute que associar a morte agrave festa eacute algo que vem desde os

seacuteculos passados e que Joatildeo Joseacute Reis (1991) discute muito bem em seu livro intitulado ldquoA

morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculo XIXrdquo Segundo JoatildeoJoseacute Reis (REIS 1991 137) Thomas Lindley confirma o interesse baiano pela morte quando

ele escreve o seguinte

entre os principais divertimentos dos cidadatildeos se contavam os ldquosuntuosos

funeraisrdquo e as festas de semana santa celebrados com grandes cerimocircnias

concerto completo e frequentes procissotildees para os baianos morte e festa natildeo se

excluiacuteam

Atualmente os veloacuterios se configuram de forma diferente tornando os funerais o

lugar do silecircncio e da tristeza deixando um clima de recolhimento entre os parentes e amigos

do morto O silecircncio mantido nos veloacuterio demonstra respeito agrave famiacutelia que acabara de perder

algueacutem muito querido e que por isso merece sofrer a sua dor de forma solitaacuteria e silenciosa

Outro haacutebito muito comum ainda nas deacutecadas de 1970 e 1980 em Limoeiro do

Norte ndash CE e nas cidades vizinhas era o uso de mortalhas muito comum entre os cristatildeos

catoacutelicos vestir o morto de acordo com o santo de sua devoccedilatildeo em vida era uma garantia deproteccedilatildeo e de boa morte No imaginaacuterio catoacutelico as mortalhas dos santos ajudavam o morto no

dia da sua passagem para o mundo celestial e o ajudavam no dia do julgamento no dia do

juiacutezo final

Preocupar-se com a vestimenta do morto fazia parte das tarefas atribuiacutedas agraves

famiacutelias e aos parentes mais proacuteximos Logo depois da confirmaccedilatildeo da morte do ente querido

encomendava-se a mortalha que normalmente era confeccionada por um parente do falecido

ou algueacutem da comunidade que jaacute tinha o haacutebito dessa praacutetica

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 817

983096

As pessoas eram vestidas com mortalhas de santo porque possuiacuteam uma grande

devoccedilatildeo por iacutecones catoacutelicos e acreditavam que desta forma estariam protegidas contra os

maus espiacuteritos e que fariam uma boa passagem para a outra vida Os trajes mais comuns

utilizados pelos mortos em Limoeiro do Norte ndash CE eram as vestes de Satildeo Francisco para os

homens e de Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo para as mulheres Segundo Joatildeo Joseacute Reis (REIS

1991 2)

Os trajes de santos sugerem um apelo agrave proteccedilatildeo dos mesmos e sublinha a

importacircncia do cuidado com o cadaacutever na passagem para o aleacutem Vestir-se de santorepresentava desejo de graccedila imaginar-se perto de Deus a roupa mortuaacuteria

protegia os mortos e promovia uma integraccedilatildeo bem aventurada

Tambeacutem fazia parte da crenccedila e das praacuteticas religiosas neste municiacutepio vestir

com os trajes de santos as crianccedilas De acordo com Ana Claacuteudia Aniacutebal Ribeiro ldquoao trajar as

criancinhas com as roupas dos santos os pais imaginavam garantir que seu rebento natildeo ficaria

desamparado no outro mundo estando guardados sob os cuidados dos seus santosrdquo

(ANIacuteBAL 2010 31)

Ainda falando dos veloacuterios desse periacuteodo e elementos que faziam parte do

cenaacuterio fuacutenebre podemos fazer referecircncia aos caixotildees em que eram enterrados os mortos

Depois da confirmaccedilatildeo da morte do moribundo a famiacutelia logo providenciava a confecccedilatildeo da

urna funeraacuteria que era confeccionada de forma artesanal Normalmente os moribundos

morriam na proacutepria residecircncia jaacute que o acesso ao hospital puacuteblico era muito difiacutecil

Enquanto isso o corpo ficava em uma esteira no chatildeo ou sobre uma cama ateacute que

estivesse pronto o caixatildeo Vestir o morto e preparaacute-lo para o sepultamento era de

responsabilidade das pessoas mais proacuteximas do defunto que tinham a preocupaccedilatildeo de

amortalhar e limpar o feacuteretro Isso fica mais evidente quando dona Maria de Lourdes faz o

seguinte relato

Eu mesmo ajudei muito a vestir os defuntos a minha matildee fui eu quem vestiu ela com

uma roupinha melhorzinha O tio de Daniacutelo eu tambeacutem ajudei as vezes quando a

roupa natildeo cabia a gente rasgava um pouquinho porque ia ficar atraacutes mesmosningueacutem ia ver Quando o corpo jaacute tava duro as pessoas levantavam o defunto pra

vestir ele (Entrevista realizada em 15052012)

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 917

983097

De acordo com os depoentes os caixotildees eram feitos de madeira com formato de

grades cobertos por um pano preto Devido a pouca resistecircncia do material as pessoas

colocavam uma escada de madeira ou uma esteira debaixo do caixatildeo para carregaacute-lo ateacute o

cemiteacuterio Como podemos observar na imagem abaixo

Conforme as pesquisas ouvimos relatos de pessoas que vivenciaram o periacuteodo em

que na sua cidade exista o caixatildeo comunitaacuterio4 doado pela prefeitura ou pela paroacutequia Na

entrevista realizada com dona Maria Joseacute natural do municiacutepio de Potiretama a depoente

relata que no tempo de menina as pessoas que natildeo podiam pagar por caixatildeo utilizavam-se

daquele que estava na igreja do cemiteacuterio fazendo parte do cenaacuterio deste ambiente De acordo

com Maria Joseacute

Cansei de ver aquele caixatildeozatildeo preto me lembro que quando a gente ia arrumar a

igreja aquele caixatildeo e ainda era guardado dentro da igreja Laacute natildeo tinha capela

no cemiteacuterio de laacute e era guardado dentro da igreja esse caixatildeo (Entrevistarealizada em 17072010)

Apreendemos que esse objeto permanecia nos espaccedilos sociais e no cotidiano das

pessoas como algo natural sem causar estranheza aqueles que frequentavam a igreja Poreacutem

na sua fala ficam claras as percepccedilotildees que dona Maria adquiriu no presente quando ela faz

referecircncia ao caixatildeo utilizando o termo ldquocaixatildeozatildeo pretordquo demonstrando o aspecto tenebroso

que aquele cenaacuterio representava

Continuando com a conversa dona Maria Joseacute nos relata suas lembranccedilas de

crianccedila onde os mortos ainda eram velados e enterrados em redes segundo a mesma

Eu lembro que quando no tempo de menina aiacute quando morria uma pessoa ia

costurar de noite aquela mortalha tinha que fazer de noite pra enterrar o

defunto Muitos cantos natildeo tinham cama pra botar o defunto botavam era no

983092 O caixatildeo comunitaacuterio funcionava da seguinte forma acontecendo o falecimento de um ente querido a famiacuteliado morto se dirigia a Igreja para levar o caixatildeo ateacute a casa do defunto Terminado o veloacuterio e o sepultamento ocadaacutever era colocado na sepultura e o caixatildeo retornava para poder ser utilizado por todos aqueles que natildeopodiam pagar por caixatildeo

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1017

983089983088

chatildeo no chatildeo limpo numa esteira eu me lembro eu menina me lembro Outros

levavam numa rede (Entrevista realizada em 17072010)

Nas deacutecadas de 50 e 60 ainda era muito comum na ausecircncia do caixatildeo o uso de

redes para sepultar o defunto Durante o veloacuterio o corpo do morto ficava em cima de uma

esteira ou de uma porta no proacuteprio chatildeo batido para que todos pudessem velar o corpo e fazer

as uacuteltimas oraccedilotildees ao morto A rede era amarrada a um pedaccedilo de madeira segurada por duas

pessoas que se encarregavam de levar o defunto ateacute o cemiteacuterio Para dona Maria Joseacute esta

cena era horriacutevel era uma assombraccedilatildeo ver os defuntos se balanccedilando na rede causando

espanto e medo

Outra preocupaccedilatildeo que fazia parte do imaginaacuterio catoacutelico era a realizaccedilatildeo do

sacramento da extrema-unccedilatildeo naqueles indiviacuteduos moribundos que estavam prestes a morrer

De acordo com o trabalho de pesquisa de Ana Claacuteudia Ribeiro (ANIacuteBAL 2010 19)

A extrema-unccedilatildeo eacute um sacramento que se fundamenta do Evangelho Mateus quediz ldquoA ordem do Senhor os apoacutestolos expeliam muitos democircnios e ungiam com

oacuteleo a muitos enfermos e os curavamrdquo (Mc 613) Para o catolicismo o

sacramento da Extrema-Unccedilatildeo eacute ministrado para aqueles cristatildeos que estatildeo em

perigo de morte o propoacutesito do sacramento eacute restaurar a sauacutede da pessoa e

absorver o indiviacuteduo de qualquer pecado remanescente

A primeira providecircncia tomada pela famiacutelia de uma pessoa que estava na

iminecircncia da morte era pedir que o padre da paroacutequia mais proacutexima se dirigisse ateacute a sua

residecircncia para preparar o moribundo para a morte Com a utilizaccedilatildeo do oacuteleo que

representava a alegria e o perfume do Espiacuterito Santo este era para os cristatildeos ldquoa imagem da

misericoacuterdia do amor e da compaixatildeo divina e eles satildeo os siacutembolos da benccedilatildeordquo (ANIacuteBAL

2010 20) Todo esse ritual faz parte dos sacramentos usados pela Liturgia da Igreja Catoacutelica

como uma forma de possibilitar a cura corporal e de restaurar a alma do indiviacuteduo de todo

pecado

Percebemos a memoacuteria como uma das fontes da produccedilatildeo do conhecimentohistoacuterico podendo assim conhecer a histoacuteria do cotidiano e conhecer os sentimentos do que

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1117

983089983089

muda e do que permanece Preocupar-se com a boa morte e com os rituais fuacutenebres que

garantiriam isso ao indiviacuteduo eram sentimentos que faziam parte do imaginaacuterio de uma

sociedade religiosa que via a morte como uma passagem para outra vida mesmo

desconhecida esta poderia ser um lugar de descanso Velar o corpo na proacutepria casa do

falecido fazer a vigiacutelia e oraccedilotildees para afastar os maus espiacuteritos eram praacuteticas que faziam parte

do cenaacuterio fuacutenebre e do luto das pessoas Isso fica mais claro quando Ana Claacuteudia Aniacutebal

(ANIacuteBAL 201 45) escreve que

O luto se apresenta portanto como trabalho de perda um mecanismo que busca

elaborar o choque daquilo que foi perdido retirado e possibilitando ao fim desse

processo eleger um outro objeto no lugar daquele que foi perdido O luto insere amorte na cultura ele ressignifica o morto o luto seria o ato de simbolizaccedilatildeo do

morto

Vestir-se de preto tambeacutem era um costume muito comum entre aqueles que

frequentavam os veloacuterios demonstrando seu luto e respeito ao falecido Deixar expliacutecito

publicamente o sofrimento sentido pela perda de um amigo ou parente fazia parte dos

significados do luto esta era uma manifestaccedilatildeo social que se caracterizava pelo o uso do

preto

Os cortejos a peacute tambeacutem eram muito marcantes nesse periacuteodo Eles eram

acompanhados por cacircnticos e oraccedilotildees ateacute a chegada do caixatildeo no cemiteacuterio chamando a

atenccedilatildeo daqueles presenciavam este ritual No Brasil do seacuteculo XIX era muito comum que

nessa tradiccedilatildeo fuacutenebres fossem contratadas mulheres conhecidas como carpideiras para chorare rezar pelo morto Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquo a multidatildeo em volta do caixatildeo do morto tinha

como objetivo afastar tanto os maus espiacuteritos do morto como a alma do morto de perto dos

vivosrdquo (REIS 1991 114)

O que percebemos eacute que a sociedade da assepsia e do individualismo vem se

constituindo e se consolidando ao mesmo tempo em que as pessoas se afastam da morte e

daquilo que ela representa Portanto eacute inegaacutevel que as atitudes diante da morte tenham

sofrido modificaccedilotildees e que os sentimentos que cercavam este evento ganham novas

configuraccedilotildees

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1217

983089983090

As pessoas constroem ao longo do tempo significados e sentidos para todos os

setores da vida social Com relaccedilatildeo a maneira de como vemos a morte e de como nos

relacionamos com ela tambeacutem eacute uma construccedilatildeo humana e que por este motivo deve ser

objeto de estudos acadecircmicos

Na nossa sociedade contemporacircnea inuacutemeras vatildeo ser as transformaccedilotildees ocorridas

nos rituais de passagem da vida para a morte praacuteticas que serviam para possibilitar uma boa

morte agora deixam de existir ou simplesmente se transformam

Percebemos que muitas foram as transformaccedilotildees ocorridas em torno dos rituais

fuacutenebres em Limoeiro do Norte ndash CE quando analisamos os processos sociais das praacuteticas

mortuaacuterias e as representaccedilotildees a respeito da morte principalmente a partir a atuaccedilatildeo da

empresa funeraacuteria Assistecircncia Familiar Anjo da Guarda a partir do ano de 1989 Analisar o

processo histoacuterico das praacuteticas mortuaacuterias nos leva a conhecer muitos haacutebitos e crenccedilas em

torno da morte e como as pessoas se relacionavam com a ideia de morrer

O uso de mortalhas agora passa a ser substituiacuteda por vestimentas padronizadas

oferecidas pelas funeraacuterias que natildeo mais oferecem em seus serviccedilos os trajes de santos Estar

protegido pelos santos natildeo fazem mais parte das preocupaccedilotildees que se tinham quando algueacutem

morria

Com a atuaccedilatildeo das casas funeraacuterias jaacute na deacutecada de 1990 o cenaacuterio fuacutenebre vai

ganhar novos apetrechos oferecidos por essas empresas como eacute o caso dos casticcedilais tapetes e

coroas de flores Agora natildeo vemos mais o caixatildeo preto feito em forma de grades os materiaisutilizados pelas funeraacuterias para a confecccedilatildeo desse produto satildeo mais reforccedilados e firmes

Percebemos o distanciamento da morte quando algumas pessoas optam por velar

seus mortos em centros de veloacuterios oferecidos nos serviccedilos das funeraacuterias Na cidade de

Limoeiro do Norte-CE vemos essa praacutetica cada vez mais frequente entre as famiacutelias do morto

como uma forma de evitar abrir as portas de suas casas para o puacuteblico O haacutebito de fazer a

vigiacutelia se restringe apenas a alguns familiares tornado o cenaacuterio ainda mais triste e silencioso

dona Augusta nos relata de forma queixosa as poucas pessoas que ficaram durante a

madrugada no veloacuterio do seu vizinho

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1317

983089983091

Sabe quantas pessoas passou a noite Eu minha cunhada meu irmatildeo que

chegou 2 horas da madrugada e quando chegou outro 3 horas Pronto foi esse

pessoal e a nora da finada e uma filha foram dormir e nois de fora passemos a

noite Mudou de mais antigamente era mais animado ( Entrevista realizada em

17072010)

Os veloacuterios repletos de cacircntico e oraccedilotildees agora datildeo lugar ao silecircncio Muitas

vezes as pessoas apenas fazem uma oraccedilatildeo ou rezam o terccedilo para abenccediloar o espiacuterito do

morto que agora deixa a vida terrena para viver no mundo espiritual segundo a crenccedila

popular

Nesse contexto de modificaccedilatildeo sofridas nos rituais fuacutenebres fica claro o papel

fundamental das funeraacuterias no que diz respeito as mudanccedilas ocorridas nas praacuteticas mortuaacuterias

As casas funeraacuterias passam a oferecer na sociedade do consumo natildeo mais apenas os materiais

que compunham o veloacuterio (caixatildeo velas casticcedilais flores etc) agora elas oferecem um

serviccedilo especializado que requer o trabalho de vaacuterios profissionais que a cada dia satildeocapacitados para melhor desempenhar tais serviccedilos

Percebemos que ao longo dos anos o mercado funeraacuterio vem se especializando e

ampliando sua cartela de serviccedilos como uma forma de manter-se na sociedade de consumo

em que vivemos Pensar estrateacutegias de mercado eacute umas das preocupaccedilotildees das grandes

empresas funeraacuterias que cada vez mais vecircm inserindo uma loacutegica comercial em torno das

cerimocircnias fuacutenebres tornando-as mais luxuosas e personalizadas

Atingir as cidades do interior eacute contudo criar estrateacutegias de mercado que jaacute estatildeo

consolidadas nos grandes centros urbanos Compreendemos que a cidade de Limoeiro do

Norte - CE estaacute passando por transformaccedilotildees poliacuteticas sociais e econocircmicas nas uacuteltimas

deacutecadas do seacuteculo XX Esta cidade comeccedila a perder seu caraacuteter rural a imagem da ldquocidade

pequenardquo vai perdendo espaccedilo para o desenvolvendo das atividades urbanas Conforme

Isabela Andrade no Brasil o empresariar da morte e do morrer ocorreu a partir da

modernizaccedilatildeo dos espaccedilos tanaacuteticos5 que possibilitaram o surgimento dos ldquoGruposrdquo no final

983093 O termo deriva de tanatologia que segundo a definiccedilatildeo do dicionaacuterio ldquoAureacuteliordquo refere-se agrave teoria sobre a

morte e na medicina legal eacute a parte que se ocupa da morte e dos problemas meacutedico-legais com ela relacionados

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1417

983089983092

da deacutecada de 1980 o que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado em

empresas Os ldquoGruposrdquo satildeo portanto empresas completas que agregam vaacuterios

empreendimentos fuacutenebres com o objetivo de dar conta de todo o processo do morrer ldquoo

antes (com o serviccedilo de prevenccedilatildeo do funeral) o durante (com serviccedilo funeral) e o depois

(com os serviccedilos de assistecircncia ao luto)rdquo (MORAIS 2009 96)

Na relaccedilatildeo comercial entre a empresa funeraacuteria com a venda de artefatos e

serviccedilos mortuaacuterios e seus consumidores a uma tentativa dessas agecircncias de sobressair nummercado competitivo Desta forma percebemos que haacute uma preocupaccedilatildeo dos empresaacuterios em

estaacute modernizando seus serviccedilos oferecendo aos clientes cerimocircnias personalizada que

refletem o aspecto da pessoa morta da sua personalidade e da sua individualidade enquanto

estava viva

Acompanhando as modificaccedilotildees ocorridas em uma sociedade capitalista as

empresas funeraacuterias criam estrateacutegias para combater a concorrecircncia garantindo um nuacutemero

ainda maior de clientes adeptos aos novos serviccedilos fuacutenebres Especializar-se modernizar-se eoferecer serviccedilos diferenciados eacute uma das formas que as funeraacuterias encontraram para se

manterem no mercado Toda a preocupaccedilatildeo em torno da modernizaccedilatildeo das empresas

funeraacuterias insere a morte em uma loacutegica comercial quando compreendemos que acoplado aos

seus aparelhos de atendimento estatildeo a publicidade vantagens e concorrecircncias em relaccedilatildeo aacute

oferta de serviccedilos funeraacuterios

Os meios de comunicaccedilatildeo de massa e o mundo do anuacutencio em que vivemos

transformam tais serviccedilos fuacutenebres necessaacuterios e indispensaacuteveis As pessoas acabam sentindo

o desejo de consumir os produtos a partir de um discurso disseminado pela publicidade e

criado pela proacutepria funeraacuteria de que para viver de forma tranquila com relaccedilatildeo a morte temos

que pagar planos funeraacuterios Para Isabela Andrade (MORAIS 2009 140)

Anuacutencios em jornais revistas e internet satildeo estrateacutegias de marketing que tem como

principal funccedilatildeo a transmissatildeo de informaccedilotildees para determinados puacuteblicos

comunicando a sociedade os coacutedigos culturais que estatildeo presentes nos bens de

consumo

Portanto em nossa pesquisa entendemos por espaccedilo tanaacutetico todo o ambiente e atos relativos aos serviccedilos ecuidados relativos agrave morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1517

983089983093

Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo

lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o

consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em

que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte

Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a

morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a

maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees

refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas

ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e

sobretudo com o consumo

Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e

transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que

muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las

possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1617

983089983094

REFEREcircNCIAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007

AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001

ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010

AgraveRIES Philippe Histoacuteria da morte no ocidente Rio de Janeiro Ed Ediouro 2003

BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994

______ Ritos da Vida Privada In NOVAIS Fernando A Souza MELLO Laura (Org)Histoacuteria da vida privada no Brasil cotidiano e vida privada na Ameacuterica Portuguesa SatildeoPaulo Ed Companhia das Letras 1997

ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001

FERREIRA Marieta de Morais Histoacuteria do tempo presente desafios Cultura VozesPetroacutepolis v 94 n 3 p 111- 124 maio 2000

GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1717

983089983095

______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997

MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19

jan 2011

MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco

PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997

REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991

Page 4: A Conveniência Da Morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 417

983092

esteiras ou ateacute mesmo no chatildeo as famiacutelias natildeo tinham condiccedilotildees de mandar fabricar um

caixatildeo e muitas vezes era preciso contar com a ajuda de arrecadaccedilotildees de dinheiro para

organizar o veloacuterio

Podemos dizer que outro fator que possa ter influenciado no distanciamento das

pessoas com relaccedilatildeo agrave morte foram ldquoos discursos da literatura meacutedica da segunda metade do

seacuteculo XVIII que divulgavam que os enterros nas igrejas ofereciam riscos de infecccedilotildees e

doenccedilas contagiosasrdquo (MORAIS 2009 66) Fugir das epidemias e das doenccedilas significavaadiar o momento final de nossas vidas para isso criou-se uma noccedilatildeo de assepsia que natildeo nos

permite pensar em tocar no corpo do morto

Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquono Brasil oitocentista era muito comum os sepultamentos

realizados no interior das igrejas ou em seus arredores como uma forma de garantir ao morto

a salvaccedilatildeo eternardquo (REIS 1991) Para este autor os sepultamentos nos lugares santos

sugeriam a permanecircncia da necessidade de uma relaccedilatildeo de continuidade com o mundo dos

mortos

Para os meacutedicos higienistas do seacuteculo XIX essa era uma praacutetica que comprometia a

sauacutede dos vivos que tinham que respirar um ar poluiacutedo De acordo com Joatildeo Joseacute Reis (REIS

1991 247)

Os meacutedicos viam os enterros nas igrejas por uma oacutetica radicalmente diferente

Para eles a decomposiccedilatildeo de cadaacuteveres produzia gases que poluiacuteam o ar

contaminavam os vivos causavam doenccedilas e epidemias Os mortos

representavam um seacuterio problema de sauacutede puacuteblica Os veloacuterios os cortejos

fuacutenebres e outros usos funeraacuterios seriam focos de doenccedilas soacute mantidos pela

resistecircncia de uma mentalidade atrasada e supersticiosa que natildeo combinava

com os ideais civilizatoacuterios da naccedilatildeo que se formava Uma organizaccedilatildeo

civilizada no espaccedilo urbano requeria que a morte fosse higienizada sobretudo

que os mortos fossem expulsos de entre os vivos e segregados em cemiteacuterios

extra-muros

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 517

983093

Eacute nesse contexto de tentativas de evitar as doenccedilas e a morte que a teoria dos

miasmas3 se tornou popular no seacuteculo XVIII e iniacutecio do seacuteculo XIX como mais uma estrateacutegia

de higienizar os centros urbanos mas que frequentemente se esbarrava nos haacutebitos e condutas

da populaccedilatildeo O poder puacuteblico brasileiro estava sempre pensando em maneiras de controlar a

populaccedilatildeo e os espaccedilos urbanos a partir de construccedilotildees de muros e calccediladas do esgotamento

de aacuteguas servidas da eliminaccedilatildeo do lixo e outros dejetos aleacutem da implantaccedilatildeo de matadouros

e de cemiteacuterios puacuteblicos

ldquoAs descobertas cientiacuteficas do seacuteculo XIX influenciaram nas discussotildees sobre a

conveniente localizaccedilatildeo dos cemiteacuterios assim como a respeito da influecircncia desses

estabelecimentos no aparecimento de doenccedilasrdquo (ANIacuteBAL 2010 53) Com as normas ditadas

pela medicina o poder puacuteblico passou a proibir as sepulturas nos espaccedilos sagrados e

recomendaram a construccedilatildeo de cemiteacuterios afastados da cidade

A salubridade passa a ser vista como um caminho para que se consiga a sauacutede Os

odores e o cheiro expelidos pelos cadaacuteveres que antes eram facilmente suportados no interiordos templos ou nas suas imediaccedilotildees em meios agraves oraccedilotildees passaram a ser considerados

insalubres e perigosos agrave sauacutede puacuteblica devendo ser afastados das cidades Segundo Ana

Claacuteudia Aniacutebal (ANIacuteBAL 2010 53)

Para afastar epidemias eacute preciso afastar os cemiteacuterios e sepultar os mortos em

locais distantes e em covas de grandes profundidades para que os vapores

malignos e contagiosos natildeo se comuniquem agrave populaccedilatildeo Caso contraacuterio os

cemiteacuterios continuariam considerados como propagadores de doenccedilas

Diante de todas essas observaccedilotildees que fizemos percebemos que ao longo de

muitas praacuteticas deixaram de existir ou passaram por um processo longo de transformaccedilatildeo

assim como muitos rituais que faziam parte do cenaacuterio fuacutenebre dos veloacuterios Mesmo que

lentas as modificaccedilotildees luacutegubres ocorreram nos instigando e nos fazendo pensar de que

maneira isso acontece e o que contribui para todas essas transformaccedilotildees

983091 A teoria dos miasmas baseava-se na noccedilatildeo de que quando o ar fosse de ldquomaacute qualidaderdquo (um estado que natildeo

era precisamente definido mas supostamente devido a mateacuteria em decomposiccedilatildeo) as pessoas que respirassemeste ar ficariam doentes

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 617

983094

Hoje no municiacutepio de Limoeiro do Norte predomina o serviccedilo de funeraacuterias que

se insere na nossa cidade como uma instituiccedilatildeo que se responsabiliza por todos os cuidados

que antes eram funccedilotildees das famiacutelias do morto entre elas podemos citar o tratamento do corpo

(vestir limpar encomendar o caixatildeo) a organizaccedilatildeo do veloacuterio e o proacuteprio sepultamento do

defunto Portanto eacute inegaacutevel que de certa forma as atividades funeraacuterias vem se

relacionando com essas mudanccedilas com essas transformaccedilotildees e com os significados atribuiacutedos

agrave morte

Trabalhar as praacuteticas fuacutenebres nos leva a discutir por exemplo a associaccedilatildeo que

as pessoas faziam entre os veloacuterios e as festas para as moccedilas e rapazes que moravam no

interior do municiacutepio de Limoeiro do Norte ndash CE este era um momento propiacutecios agraves paqueras

Mais precisamente na zona rural deste municiacutepio eram raros os momentos

dedicados agraves festividades que alegravam os moradores destes locais Normalmente eles

podiam contar apenas com as festas religiosas organizadas pela Igreja Catoacutelica o que

aconteciam em um intervalo de tempo muito grande Portanto eacute nesse contexto que minhadepoente lamenta-se da vida pouco movimentada que levava e afirma que um dos seus

divertimentos era ir para os veloacuterios e passar as noites na vigiacutelia De acordo com dona Maria

de Lourdes Maia Pitombeira

Eu me lembro que eu morando no Sapeacute quando algueacutem morria eu gostava muito de

ir pro veloacuterio soacute pra paquerar com os rapazes Nem que fosse muito longe da minha

casa mais eu ia a peacute soacute porque eu via aquilo como um divertimento E tinha mais

quando minha matildee natildeo deixava eu ir eu chorava (Entrevista realizada em 15 05

2012)

Nesse periacuteodo era muito comum caracterizar o veloacuterio como o espaccedilo do becircbado onde

o consumo da cachaccedila e a praacutetica de contar piadas faziam deste lugar um ambiente festivo

enquanto outros velavam o corpo com oraccedilotildees e lamuacuterias O senhor Joseacute Lopes outro

depoente que contribuiu para a pesquisa relata que muitas vezes as pessoas que levavam o

caixatildeo ateacute o cemiteacuterio jaacute estavam tatildeo alcoolizados que ao retornar do sepultamento vinham

cambaleando pelas estradas Dona Maria Augusta lembra-se desse periacuteodo e faz o seguinte

comentaacuterio

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 717

983095

Era bem animado ali o pessoal fazia cafeacute fazia um chaacute natildeo tinha bolacha e

inventava o cuscuz as vezes tinha feijatildeo cozinhado que ficava da tarde aiacute noacutes

jogava o arroz dentro e fazia aquele bocado de baiatildeo de dois para aquele pessoal

que passava a noite Tinha deles que bebia natildeo era todos natildeo (Entrevista

realizada em 17072010)

Poreacutem o que percebemos eacute que associar a morte agrave festa eacute algo que vem desde os

seacuteculos passados e que Joatildeo Joseacute Reis (1991) discute muito bem em seu livro intitulado ldquoA

morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculo XIXrdquo Segundo JoatildeoJoseacute Reis (REIS 1991 137) Thomas Lindley confirma o interesse baiano pela morte quando

ele escreve o seguinte

entre os principais divertimentos dos cidadatildeos se contavam os ldquosuntuosos

funeraisrdquo e as festas de semana santa celebrados com grandes cerimocircnias

concerto completo e frequentes procissotildees para os baianos morte e festa natildeo se

excluiacuteam

Atualmente os veloacuterios se configuram de forma diferente tornando os funerais o

lugar do silecircncio e da tristeza deixando um clima de recolhimento entre os parentes e amigos

do morto O silecircncio mantido nos veloacuterio demonstra respeito agrave famiacutelia que acabara de perder

algueacutem muito querido e que por isso merece sofrer a sua dor de forma solitaacuteria e silenciosa

Outro haacutebito muito comum ainda nas deacutecadas de 1970 e 1980 em Limoeiro do

Norte ndash CE e nas cidades vizinhas era o uso de mortalhas muito comum entre os cristatildeos

catoacutelicos vestir o morto de acordo com o santo de sua devoccedilatildeo em vida era uma garantia deproteccedilatildeo e de boa morte No imaginaacuterio catoacutelico as mortalhas dos santos ajudavam o morto no

dia da sua passagem para o mundo celestial e o ajudavam no dia do julgamento no dia do

juiacutezo final

Preocupar-se com a vestimenta do morto fazia parte das tarefas atribuiacutedas agraves

famiacutelias e aos parentes mais proacuteximos Logo depois da confirmaccedilatildeo da morte do ente querido

encomendava-se a mortalha que normalmente era confeccionada por um parente do falecido

ou algueacutem da comunidade que jaacute tinha o haacutebito dessa praacutetica

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 817

983096

As pessoas eram vestidas com mortalhas de santo porque possuiacuteam uma grande

devoccedilatildeo por iacutecones catoacutelicos e acreditavam que desta forma estariam protegidas contra os

maus espiacuteritos e que fariam uma boa passagem para a outra vida Os trajes mais comuns

utilizados pelos mortos em Limoeiro do Norte ndash CE eram as vestes de Satildeo Francisco para os

homens e de Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo para as mulheres Segundo Joatildeo Joseacute Reis (REIS

1991 2)

Os trajes de santos sugerem um apelo agrave proteccedilatildeo dos mesmos e sublinha a

importacircncia do cuidado com o cadaacutever na passagem para o aleacutem Vestir-se de santorepresentava desejo de graccedila imaginar-se perto de Deus a roupa mortuaacuteria

protegia os mortos e promovia uma integraccedilatildeo bem aventurada

Tambeacutem fazia parte da crenccedila e das praacuteticas religiosas neste municiacutepio vestir

com os trajes de santos as crianccedilas De acordo com Ana Claacuteudia Aniacutebal Ribeiro ldquoao trajar as

criancinhas com as roupas dos santos os pais imaginavam garantir que seu rebento natildeo ficaria

desamparado no outro mundo estando guardados sob os cuidados dos seus santosrdquo

(ANIacuteBAL 2010 31)

Ainda falando dos veloacuterios desse periacuteodo e elementos que faziam parte do

cenaacuterio fuacutenebre podemos fazer referecircncia aos caixotildees em que eram enterrados os mortos

Depois da confirmaccedilatildeo da morte do moribundo a famiacutelia logo providenciava a confecccedilatildeo da

urna funeraacuteria que era confeccionada de forma artesanal Normalmente os moribundos

morriam na proacutepria residecircncia jaacute que o acesso ao hospital puacuteblico era muito difiacutecil

Enquanto isso o corpo ficava em uma esteira no chatildeo ou sobre uma cama ateacute que

estivesse pronto o caixatildeo Vestir o morto e preparaacute-lo para o sepultamento era de

responsabilidade das pessoas mais proacuteximas do defunto que tinham a preocupaccedilatildeo de

amortalhar e limpar o feacuteretro Isso fica mais evidente quando dona Maria de Lourdes faz o

seguinte relato

Eu mesmo ajudei muito a vestir os defuntos a minha matildee fui eu quem vestiu ela com

uma roupinha melhorzinha O tio de Daniacutelo eu tambeacutem ajudei as vezes quando a

roupa natildeo cabia a gente rasgava um pouquinho porque ia ficar atraacutes mesmosningueacutem ia ver Quando o corpo jaacute tava duro as pessoas levantavam o defunto pra

vestir ele (Entrevista realizada em 15052012)

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 917

983097

De acordo com os depoentes os caixotildees eram feitos de madeira com formato de

grades cobertos por um pano preto Devido a pouca resistecircncia do material as pessoas

colocavam uma escada de madeira ou uma esteira debaixo do caixatildeo para carregaacute-lo ateacute o

cemiteacuterio Como podemos observar na imagem abaixo

Conforme as pesquisas ouvimos relatos de pessoas que vivenciaram o periacuteodo em

que na sua cidade exista o caixatildeo comunitaacuterio4 doado pela prefeitura ou pela paroacutequia Na

entrevista realizada com dona Maria Joseacute natural do municiacutepio de Potiretama a depoente

relata que no tempo de menina as pessoas que natildeo podiam pagar por caixatildeo utilizavam-se

daquele que estava na igreja do cemiteacuterio fazendo parte do cenaacuterio deste ambiente De acordo

com Maria Joseacute

Cansei de ver aquele caixatildeozatildeo preto me lembro que quando a gente ia arrumar a

igreja aquele caixatildeo e ainda era guardado dentro da igreja Laacute natildeo tinha capela

no cemiteacuterio de laacute e era guardado dentro da igreja esse caixatildeo (Entrevistarealizada em 17072010)

Apreendemos que esse objeto permanecia nos espaccedilos sociais e no cotidiano das

pessoas como algo natural sem causar estranheza aqueles que frequentavam a igreja Poreacutem

na sua fala ficam claras as percepccedilotildees que dona Maria adquiriu no presente quando ela faz

referecircncia ao caixatildeo utilizando o termo ldquocaixatildeozatildeo pretordquo demonstrando o aspecto tenebroso

que aquele cenaacuterio representava

Continuando com a conversa dona Maria Joseacute nos relata suas lembranccedilas de

crianccedila onde os mortos ainda eram velados e enterrados em redes segundo a mesma

Eu lembro que quando no tempo de menina aiacute quando morria uma pessoa ia

costurar de noite aquela mortalha tinha que fazer de noite pra enterrar o

defunto Muitos cantos natildeo tinham cama pra botar o defunto botavam era no

983092 O caixatildeo comunitaacuterio funcionava da seguinte forma acontecendo o falecimento de um ente querido a famiacuteliado morto se dirigia a Igreja para levar o caixatildeo ateacute a casa do defunto Terminado o veloacuterio e o sepultamento ocadaacutever era colocado na sepultura e o caixatildeo retornava para poder ser utilizado por todos aqueles que natildeopodiam pagar por caixatildeo

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1017

983089983088

chatildeo no chatildeo limpo numa esteira eu me lembro eu menina me lembro Outros

levavam numa rede (Entrevista realizada em 17072010)

Nas deacutecadas de 50 e 60 ainda era muito comum na ausecircncia do caixatildeo o uso de

redes para sepultar o defunto Durante o veloacuterio o corpo do morto ficava em cima de uma

esteira ou de uma porta no proacuteprio chatildeo batido para que todos pudessem velar o corpo e fazer

as uacuteltimas oraccedilotildees ao morto A rede era amarrada a um pedaccedilo de madeira segurada por duas

pessoas que se encarregavam de levar o defunto ateacute o cemiteacuterio Para dona Maria Joseacute esta

cena era horriacutevel era uma assombraccedilatildeo ver os defuntos se balanccedilando na rede causando

espanto e medo

Outra preocupaccedilatildeo que fazia parte do imaginaacuterio catoacutelico era a realizaccedilatildeo do

sacramento da extrema-unccedilatildeo naqueles indiviacuteduos moribundos que estavam prestes a morrer

De acordo com o trabalho de pesquisa de Ana Claacuteudia Ribeiro (ANIacuteBAL 2010 19)

A extrema-unccedilatildeo eacute um sacramento que se fundamenta do Evangelho Mateus quediz ldquoA ordem do Senhor os apoacutestolos expeliam muitos democircnios e ungiam com

oacuteleo a muitos enfermos e os curavamrdquo (Mc 613) Para o catolicismo o

sacramento da Extrema-Unccedilatildeo eacute ministrado para aqueles cristatildeos que estatildeo em

perigo de morte o propoacutesito do sacramento eacute restaurar a sauacutede da pessoa e

absorver o indiviacuteduo de qualquer pecado remanescente

A primeira providecircncia tomada pela famiacutelia de uma pessoa que estava na

iminecircncia da morte era pedir que o padre da paroacutequia mais proacutexima se dirigisse ateacute a sua

residecircncia para preparar o moribundo para a morte Com a utilizaccedilatildeo do oacuteleo que

representava a alegria e o perfume do Espiacuterito Santo este era para os cristatildeos ldquoa imagem da

misericoacuterdia do amor e da compaixatildeo divina e eles satildeo os siacutembolos da benccedilatildeordquo (ANIacuteBAL

2010 20) Todo esse ritual faz parte dos sacramentos usados pela Liturgia da Igreja Catoacutelica

como uma forma de possibilitar a cura corporal e de restaurar a alma do indiviacuteduo de todo

pecado

Percebemos a memoacuteria como uma das fontes da produccedilatildeo do conhecimentohistoacuterico podendo assim conhecer a histoacuteria do cotidiano e conhecer os sentimentos do que

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1117

983089983089

muda e do que permanece Preocupar-se com a boa morte e com os rituais fuacutenebres que

garantiriam isso ao indiviacuteduo eram sentimentos que faziam parte do imaginaacuterio de uma

sociedade religiosa que via a morte como uma passagem para outra vida mesmo

desconhecida esta poderia ser um lugar de descanso Velar o corpo na proacutepria casa do

falecido fazer a vigiacutelia e oraccedilotildees para afastar os maus espiacuteritos eram praacuteticas que faziam parte

do cenaacuterio fuacutenebre e do luto das pessoas Isso fica mais claro quando Ana Claacuteudia Aniacutebal

(ANIacuteBAL 201 45) escreve que

O luto se apresenta portanto como trabalho de perda um mecanismo que busca

elaborar o choque daquilo que foi perdido retirado e possibilitando ao fim desse

processo eleger um outro objeto no lugar daquele que foi perdido O luto insere amorte na cultura ele ressignifica o morto o luto seria o ato de simbolizaccedilatildeo do

morto

Vestir-se de preto tambeacutem era um costume muito comum entre aqueles que

frequentavam os veloacuterios demonstrando seu luto e respeito ao falecido Deixar expliacutecito

publicamente o sofrimento sentido pela perda de um amigo ou parente fazia parte dos

significados do luto esta era uma manifestaccedilatildeo social que se caracterizava pelo o uso do

preto

Os cortejos a peacute tambeacutem eram muito marcantes nesse periacuteodo Eles eram

acompanhados por cacircnticos e oraccedilotildees ateacute a chegada do caixatildeo no cemiteacuterio chamando a

atenccedilatildeo daqueles presenciavam este ritual No Brasil do seacuteculo XIX era muito comum que

nessa tradiccedilatildeo fuacutenebres fossem contratadas mulheres conhecidas como carpideiras para chorare rezar pelo morto Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquo a multidatildeo em volta do caixatildeo do morto tinha

como objetivo afastar tanto os maus espiacuteritos do morto como a alma do morto de perto dos

vivosrdquo (REIS 1991 114)

O que percebemos eacute que a sociedade da assepsia e do individualismo vem se

constituindo e se consolidando ao mesmo tempo em que as pessoas se afastam da morte e

daquilo que ela representa Portanto eacute inegaacutevel que as atitudes diante da morte tenham

sofrido modificaccedilotildees e que os sentimentos que cercavam este evento ganham novas

configuraccedilotildees

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1217

983089983090

As pessoas constroem ao longo do tempo significados e sentidos para todos os

setores da vida social Com relaccedilatildeo a maneira de como vemos a morte e de como nos

relacionamos com ela tambeacutem eacute uma construccedilatildeo humana e que por este motivo deve ser

objeto de estudos acadecircmicos

Na nossa sociedade contemporacircnea inuacutemeras vatildeo ser as transformaccedilotildees ocorridas

nos rituais de passagem da vida para a morte praacuteticas que serviam para possibilitar uma boa

morte agora deixam de existir ou simplesmente se transformam

Percebemos que muitas foram as transformaccedilotildees ocorridas em torno dos rituais

fuacutenebres em Limoeiro do Norte ndash CE quando analisamos os processos sociais das praacuteticas

mortuaacuterias e as representaccedilotildees a respeito da morte principalmente a partir a atuaccedilatildeo da

empresa funeraacuteria Assistecircncia Familiar Anjo da Guarda a partir do ano de 1989 Analisar o

processo histoacuterico das praacuteticas mortuaacuterias nos leva a conhecer muitos haacutebitos e crenccedilas em

torno da morte e como as pessoas se relacionavam com a ideia de morrer

O uso de mortalhas agora passa a ser substituiacuteda por vestimentas padronizadas

oferecidas pelas funeraacuterias que natildeo mais oferecem em seus serviccedilos os trajes de santos Estar

protegido pelos santos natildeo fazem mais parte das preocupaccedilotildees que se tinham quando algueacutem

morria

Com a atuaccedilatildeo das casas funeraacuterias jaacute na deacutecada de 1990 o cenaacuterio fuacutenebre vai

ganhar novos apetrechos oferecidos por essas empresas como eacute o caso dos casticcedilais tapetes e

coroas de flores Agora natildeo vemos mais o caixatildeo preto feito em forma de grades os materiaisutilizados pelas funeraacuterias para a confecccedilatildeo desse produto satildeo mais reforccedilados e firmes

Percebemos o distanciamento da morte quando algumas pessoas optam por velar

seus mortos em centros de veloacuterios oferecidos nos serviccedilos das funeraacuterias Na cidade de

Limoeiro do Norte-CE vemos essa praacutetica cada vez mais frequente entre as famiacutelias do morto

como uma forma de evitar abrir as portas de suas casas para o puacuteblico O haacutebito de fazer a

vigiacutelia se restringe apenas a alguns familiares tornado o cenaacuterio ainda mais triste e silencioso

dona Augusta nos relata de forma queixosa as poucas pessoas que ficaram durante a

madrugada no veloacuterio do seu vizinho

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1317

983089983091

Sabe quantas pessoas passou a noite Eu minha cunhada meu irmatildeo que

chegou 2 horas da madrugada e quando chegou outro 3 horas Pronto foi esse

pessoal e a nora da finada e uma filha foram dormir e nois de fora passemos a

noite Mudou de mais antigamente era mais animado ( Entrevista realizada em

17072010)

Os veloacuterios repletos de cacircntico e oraccedilotildees agora datildeo lugar ao silecircncio Muitas

vezes as pessoas apenas fazem uma oraccedilatildeo ou rezam o terccedilo para abenccediloar o espiacuterito do

morto que agora deixa a vida terrena para viver no mundo espiritual segundo a crenccedila

popular

Nesse contexto de modificaccedilatildeo sofridas nos rituais fuacutenebres fica claro o papel

fundamental das funeraacuterias no que diz respeito as mudanccedilas ocorridas nas praacuteticas mortuaacuterias

As casas funeraacuterias passam a oferecer na sociedade do consumo natildeo mais apenas os materiais

que compunham o veloacuterio (caixatildeo velas casticcedilais flores etc) agora elas oferecem um

serviccedilo especializado que requer o trabalho de vaacuterios profissionais que a cada dia satildeocapacitados para melhor desempenhar tais serviccedilos

Percebemos que ao longo dos anos o mercado funeraacuterio vem se especializando e

ampliando sua cartela de serviccedilos como uma forma de manter-se na sociedade de consumo

em que vivemos Pensar estrateacutegias de mercado eacute umas das preocupaccedilotildees das grandes

empresas funeraacuterias que cada vez mais vecircm inserindo uma loacutegica comercial em torno das

cerimocircnias fuacutenebres tornando-as mais luxuosas e personalizadas

Atingir as cidades do interior eacute contudo criar estrateacutegias de mercado que jaacute estatildeo

consolidadas nos grandes centros urbanos Compreendemos que a cidade de Limoeiro do

Norte - CE estaacute passando por transformaccedilotildees poliacuteticas sociais e econocircmicas nas uacuteltimas

deacutecadas do seacuteculo XX Esta cidade comeccedila a perder seu caraacuteter rural a imagem da ldquocidade

pequenardquo vai perdendo espaccedilo para o desenvolvendo das atividades urbanas Conforme

Isabela Andrade no Brasil o empresariar da morte e do morrer ocorreu a partir da

modernizaccedilatildeo dos espaccedilos tanaacuteticos5 que possibilitaram o surgimento dos ldquoGruposrdquo no final

983093 O termo deriva de tanatologia que segundo a definiccedilatildeo do dicionaacuterio ldquoAureacuteliordquo refere-se agrave teoria sobre a

morte e na medicina legal eacute a parte que se ocupa da morte e dos problemas meacutedico-legais com ela relacionados

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1417

983089983092

da deacutecada de 1980 o que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado em

empresas Os ldquoGruposrdquo satildeo portanto empresas completas que agregam vaacuterios

empreendimentos fuacutenebres com o objetivo de dar conta de todo o processo do morrer ldquoo

antes (com o serviccedilo de prevenccedilatildeo do funeral) o durante (com serviccedilo funeral) e o depois

(com os serviccedilos de assistecircncia ao luto)rdquo (MORAIS 2009 96)

Na relaccedilatildeo comercial entre a empresa funeraacuteria com a venda de artefatos e

serviccedilos mortuaacuterios e seus consumidores a uma tentativa dessas agecircncias de sobressair nummercado competitivo Desta forma percebemos que haacute uma preocupaccedilatildeo dos empresaacuterios em

estaacute modernizando seus serviccedilos oferecendo aos clientes cerimocircnias personalizada que

refletem o aspecto da pessoa morta da sua personalidade e da sua individualidade enquanto

estava viva

Acompanhando as modificaccedilotildees ocorridas em uma sociedade capitalista as

empresas funeraacuterias criam estrateacutegias para combater a concorrecircncia garantindo um nuacutemero

ainda maior de clientes adeptos aos novos serviccedilos fuacutenebres Especializar-se modernizar-se eoferecer serviccedilos diferenciados eacute uma das formas que as funeraacuterias encontraram para se

manterem no mercado Toda a preocupaccedilatildeo em torno da modernizaccedilatildeo das empresas

funeraacuterias insere a morte em uma loacutegica comercial quando compreendemos que acoplado aos

seus aparelhos de atendimento estatildeo a publicidade vantagens e concorrecircncias em relaccedilatildeo aacute

oferta de serviccedilos funeraacuterios

Os meios de comunicaccedilatildeo de massa e o mundo do anuacutencio em que vivemos

transformam tais serviccedilos fuacutenebres necessaacuterios e indispensaacuteveis As pessoas acabam sentindo

o desejo de consumir os produtos a partir de um discurso disseminado pela publicidade e

criado pela proacutepria funeraacuteria de que para viver de forma tranquila com relaccedilatildeo a morte temos

que pagar planos funeraacuterios Para Isabela Andrade (MORAIS 2009 140)

Anuacutencios em jornais revistas e internet satildeo estrateacutegias de marketing que tem como

principal funccedilatildeo a transmissatildeo de informaccedilotildees para determinados puacuteblicos

comunicando a sociedade os coacutedigos culturais que estatildeo presentes nos bens de

consumo

Portanto em nossa pesquisa entendemos por espaccedilo tanaacutetico todo o ambiente e atos relativos aos serviccedilos ecuidados relativos agrave morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1517

983089983093

Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo

lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o

consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em

que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte

Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a

morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a

maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees

refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas

ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e

sobretudo com o consumo

Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e

transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que

muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las

possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1617

983089983094

REFEREcircNCIAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007

AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001

ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010

AgraveRIES Philippe Histoacuteria da morte no ocidente Rio de Janeiro Ed Ediouro 2003

BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994

______ Ritos da Vida Privada In NOVAIS Fernando A Souza MELLO Laura (Org)Histoacuteria da vida privada no Brasil cotidiano e vida privada na Ameacuterica Portuguesa SatildeoPaulo Ed Companhia das Letras 1997

ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001

FERREIRA Marieta de Morais Histoacuteria do tempo presente desafios Cultura VozesPetroacutepolis v 94 n 3 p 111- 124 maio 2000

GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1717

983089983095

______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997

MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19

jan 2011

MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco

PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997

REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991

Page 5: A Conveniência Da Morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 517

983093

Eacute nesse contexto de tentativas de evitar as doenccedilas e a morte que a teoria dos

miasmas3 se tornou popular no seacuteculo XVIII e iniacutecio do seacuteculo XIX como mais uma estrateacutegia

de higienizar os centros urbanos mas que frequentemente se esbarrava nos haacutebitos e condutas

da populaccedilatildeo O poder puacuteblico brasileiro estava sempre pensando em maneiras de controlar a

populaccedilatildeo e os espaccedilos urbanos a partir de construccedilotildees de muros e calccediladas do esgotamento

de aacuteguas servidas da eliminaccedilatildeo do lixo e outros dejetos aleacutem da implantaccedilatildeo de matadouros

e de cemiteacuterios puacuteblicos

ldquoAs descobertas cientiacuteficas do seacuteculo XIX influenciaram nas discussotildees sobre a

conveniente localizaccedilatildeo dos cemiteacuterios assim como a respeito da influecircncia desses

estabelecimentos no aparecimento de doenccedilasrdquo (ANIacuteBAL 2010 53) Com as normas ditadas

pela medicina o poder puacuteblico passou a proibir as sepulturas nos espaccedilos sagrados e

recomendaram a construccedilatildeo de cemiteacuterios afastados da cidade

A salubridade passa a ser vista como um caminho para que se consiga a sauacutede Os

odores e o cheiro expelidos pelos cadaacuteveres que antes eram facilmente suportados no interiordos templos ou nas suas imediaccedilotildees em meios agraves oraccedilotildees passaram a ser considerados

insalubres e perigosos agrave sauacutede puacuteblica devendo ser afastados das cidades Segundo Ana

Claacuteudia Aniacutebal (ANIacuteBAL 2010 53)

Para afastar epidemias eacute preciso afastar os cemiteacuterios e sepultar os mortos em

locais distantes e em covas de grandes profundidades para que os vapores

malignos e contagiosos natildeo se comuniquem agrave populaccedilatildeo Caso contraacuterio os

cemiteacuterios continuariam considerados como propagadores de doenccedilas

Diante de todas essas observaccedilotildees que fizemos percebemos que ao longo de

muitas praacuteticas deixaram de existir ou passaram por um processo longo de transformaccedilatildeo

assim como muitos rituais que faziam parte do cenaacuterio fuacutenebre dos veloacuterios Mesmo que

lentas as modificaccedilotildees luacutegubres ocorreram nos instigando e nos fazendo pensar de que

maneira isso acontece e o que contribui para todas essas transformaccedilotildees

983091 A teoria dos miasmas baseava-se na noccedilatildeo de que quando o ar fosse de ldquomaacute qualidaderdquo (um estado que natildeo

era precisamente definido mas supostamente devido a mateacuteria em decomposiccedilatildeo) as pessoas que respirassemeste ar ficariam doentes

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 617

983094

Hoje no municiacutepio de Limoeiro do Norte predomina o serviccedilo de funeraacuterias que

se insere na nossa cidade como uma instituiccedilatildeo que se responsabiliza por todos os cuidados

que antes eram funccedilotildees das famiacutelias do morto entre elas podemos citar o tratamento do corpo

(vestir limpar encomendar o caixatildeo) a organizaccedilatildeo do veloacuterio e o proacuteprio sepultamento do

defunto Portanto eacute inegaacutevel que de certa forma as atividades funeraacuterias vem se

relacionando com essas mudanccedilas com essas transformaccedilotildees e com os significados atribuiacutedos

agrave morte

Trabalhar as praacuteticas fuacutenebres nos leva a discutir por exemplo a associaccedilatildeo que

as pessoas faziam entre os veloacuterios e as festas para as moccedilas e rapazes que moravam no

interior do municiacutepio de Limoeiro do Norte ndash CE este era um momento propiacutecios agraves paqueras

Mais precisamente na zona rural deste municiacutepio eram raros os momentos

dedicados agraves festividades que alegravam os moradores destes locais Normalmente eles

podiam contar apenas com as festas religiosas organizadas pela Igreja Catoacutelica o que

aconteciam em um intervalo de tempo muito grande Portanto eacute nesse contexto que minhadepoente lamenta-se da vida pouco movimentada que levava e afirma que um dos seus

divertimentos era ir para os veloacuterios e passar as noites na vigiacutelia De acordo com dona Maria

de Lourdes Maia Pitombeira

Eu me lembro que eu morando no Sapeacute quando algueacutem morria eu gostava muito de

ir pro veloacuterio soacute pra paquerar com os rapazes Nem que fosse muito longe da minha

casa mais eu ia a peacute soacute porque eu via aquilo como um divertimento E tinha mais

quando minha matildee natildeo deixava eu ir eu chorava (Entrevista realizada em 15 05

2012)

Nesse periacuteodo era muito comum caracterizar o veloacuterio como o espaccedilo do becircbado onde

o consumo da cachaccedila e a praacutetica de contar piadas faziam deste lugar um ambiente festivo

enquanto outros velavam o corpo com oraccedilotildees e lamuacuterias O senhor Joseacute Lopes outro

depoente que contribuiu para a pesquisa relata que muitas vezes as pessoas que levavam o

caixatildeo ateacute o cemiteacuterio jaacute estavam tatildeo alcoolizados que ao retornar do sepultamento vinham

cambaleando pelas estradas Dona Maria Augusta lembra-se desse periacuteodo e faz o seguinte

comentaacuterio

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 717

983095

Era bem animado ali o pessoal fazia cafeacute fazia um chaacute natildeo tinha bolacha e

inventava o cuscuz as vezes tinha feijatildeo cozinhado que ficava da tarde aiacute noacutes

jogava o arroz dentro e fazia aquele bocado de baiatildeo de dois para aquele pessoal

que passava a noite Tinha deles que bebia natildeo era todos natildeo (Entrevista

realizada em 17072010)

Poreacutem o que percebemos eacute que associar a morte agrave festa eacute algo que vem desde os

seacuteculos passados e que Joatildeo Joseacute Reis (1991) discute muito bem em seu livro intitulado ldquoA

morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculo XIXrdquo Segundo JoatildeoJoseacute Reis (REIS 1991 137) Thomas Lindley confirma o interesse baiano pela morte quando

ele escreve o seguinte

entre os principais divertimentos dos cidadatildeos se contavam os ldquosuntuosos

funeraisrdquo e as festas de semana santa celebrados com grandes cerimocircnias

concerto completo e frequentes procissotildees para os baianos morte e festa natildeo se

excluiacuteam

Atualmente os veloacuterios se configuram de forma diferente tornando os funerais o

lugar do silecircncio e da tristeza deixando um clima de recolhimento entre os parentes e amigos

do morto O silecircncio mantido nos veloacuterio demonstra respeito agrave famiacutelia que acabara de perder

algueacutem muito querido e que por isso merece sofrer a sua dor de forma solitaacuteria e silenciosa

Outro haacutebito muito comum ainda nas deacutecadas de 1970 e 1980 em Limoeiro do

Norte ndash CE e nas cidades vizinhas era o uso de mortalhas muito comum entre os cristatildeos

catoacutelicos vestir o morto de acordo com o santo de sua devoccedilatildeo em vida era uma garantia deproteccedilatildeo e de boa morte No imaginaacuterio catoacutelico as mortalhas dos santos ajudavam o morto no

dia da sua passagem para o mundo celestial e o ajudavam no dia do julgamento no dia do

juiacutezo final

Preocupar-se com a vestimenta do morto fazia parte das tarefas atribuiacutedas agraves

famiacutelias e aos parentes mais proacuteximos Logo depois da confirmaccedilatildeo da morte do ente querido

encomendava-se a mortalha que normalmente era confeccionada por um parente do falecido

ou algueacutem da comunidade que jaacute tinha o haacutebito dessa praacutetica

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 817

983096

As pessoas eram vestidas com mortalhas de santo porque possuiacuteam uma grande

devoccedilatildeo por iacutecones catoacutelicos e acreditavam que desta forma estariam protegidas contra os

maus espiacuteritos e que fariam uma boa passagem para a outra vida Os trajes mais comuns

utilizados pelos mortos em Limoeiro do Norte ndash CE eram as vestes de Satildeo Francisco para os

homens e de Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo para as mulheres Segundo Joatildeo Joseacute Reis (REIS

1991 2)

Os trajes de santos sugerem um apelo agrave proteccedilatildeo dos mesmos e sublinha a

importacircncia do cuidado com o cadaacutever na passagem para o aleacutem Vestir-se de santorepresentava desejo de graccedila imaginar-se perto de Deus a roupa mortuaacuteria

protegia os mortos e promovia uma integraccedilatildeo bem aventurada

Tambeacutem fazia parte da crenccedila e das praacuteticas religiosas neste municiacutepio vestir

com os trajes de santos as crianccedilas De acordo com Ana Claacuteudia Aniacutebal Ribeiro ldquoao trajar as

criancinhas com as roupas dos santos os pais imaginavam garantir que seu rebento natildeo ficaria

desamparado no outro mundo estando guardados sob os cuidados dos seus santosrdquo

(ANIacuteBAL 2010 31)

Ainda falando dos veloacuterios desse periacuteodo e elementos que faziam parte do

cenaacuterio fuacutenebre podemos fazer referecircncia aos caixotildees em que eram enterrados os mortos

Depois da confirmaccedilatildeo da morte do moribundo a famiacutelia logo providenciava a confecccedilatildeo da

urna funeraacuteria que era confeccionada de forma artesanal Normalmente os moribundos

morriam na proacutepria residecircncia jaacute que o acesso ao hospital puacuteblico era muito difiacutecil

Enquanto isso o corpo ficava em uma esteira no chatildeo ou sobre uma cama ateacute que

estivesse pronto o caixatildeo Vestir o morto e preparaacute-lo para o sepultamento era de

responsabilidade das pessoas mais proacuteximas do defunto que tinham a preocupaccedilatildeo de

amortalhar e limpar o feacuteretro Isso fica mais evidente quando dona Maria de Lourdes faz o

seguinte relato

Eu mesmo ajudei muito a vestir os defuntos a minha matildee fui eu quem vestiu ela com

uma roupinha melhorzinha O tio de Daniacutelo eu tambeacutem ajudei as vezes quando a

roupa natildeo cabia a gente rasgava um pouquinho porque ia ficar atraacutes mesmosningueacutem ia ver Quando o corpo jaacute tava duro as pessoas levantavam o defunto pra

vestir ele (Entrevista realizada em 15052012)

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 917

983097

De acordo com os depoentes os caixotildees eram feitos de madeira com formato de

grades cobertos por um pano preto Devido a pouca resistecircncia do material as pessoas

colocavam uma escada de madeira ou uma esteira debaixo do caixatildeo para carregaacute-lo ateacute o

cemiteacuterio Como podemos observar na imagem abaixo

Conforme as pesquisas ouvimos relatos de pessoas que vivenciaram o periacuteodo em

que na sua cidade exista o caixatildeo comunitaacuterio4 doado pela prefeitura ou pela paroacutequia Na

entrevista realizada com dona Maria Joseacute natural do municiacutepio de Potiretama a depoente

relata que no tempo de menina as pessoas que natildeo podiam pagar por caixatildeo utilizavam-se

daquele que estava na igreja do cemiteacuterio fazendo parte do cenaacuterio deste ambiente De acordo

com Maria Joseacute

Cansei de ver aquele caixatildeozatildeo preto me lembro que quando a gente ia arrumar a

igreja aquele caixatildeo e ainda era guardado dentro da igreja Laacute natildeo tinha capela

no cemiteacuterio de laacute e era guardado dentro da igreja esse caixatildeo (Entrevistarealizada em 17072010)

Apreendemos que esse objeto permanecia nos espaccedilos sociais e no cotidiano das

pessoas como algo natural sem causar estranheza aqueles que frequentavam a igreja Poreacutem

na sua fala ficam claras as percepccedilotildees que dona Maria adquiriu no presente quando ela faz

referecircncia ao caixatildeo utilizando o termo ldquocaixatildeozatildeo pretordquo demonstrando o aspecto tenebroso

que aquele cenaacuterio representava

Continuando com a conversa dona Maria Joseacute nos relata suas lembranccedilas de

crianccedila onde os mortos ainda eram velados e enterrados em redes segundo a mesma

Eu lembro que quando no tempo de menina aiacute quando morria uma pessoa ia

costurar de noite aquela mortalha tinha que fazer de noite pra enterrar o

defunto Muitos cantos natildeo tinham cama pra botar o defunto botavam era no

983092 O caixatildeo comunitaacuterio funcionava da seguinte forma acontecendo o falecimento de um ente querido a famiacuteliado morto se dirigia a Igreja para levar o caixatildeo ateacute a casa do defunto Terminado o veloacuterio e o sepultamento ocadaacutever era colocado na sepultura e o caixatildeo retornava para poder ser utilizado por todos aqueles que natildeopodiam pagar por caixatildeo

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1017

983089983088

chatildeo no chatildeo limpo numa esteira eu me lembro eu menina me lembro Outros

levavam numa rede (Entrevista realizada em 17072010)

Nas deacutecadas de 50 e 60 ainda era muito comum na ausecircncia do caixatildeo o uso de

redes para sepultar o defunto Durante o veloacuterio o corpo do morto ficava em cima de uma

esteira ou de uma porta no proacuteprio chatildeo batido para que todos pudessem velar o corpo e fazer

as uacuteltimas oraccedilotildees ao morto A rede era amarrada a um pedaccedilo de madeira segurada por duas

pessoas que se encarregavam de levar o defunto ateacute o cemiteacuterio Para dona Maria Joseacute esta

cena era horriacutevel era uma assombraccedilatildeo ver os defuntos se balanccedilando na rede causando

espanto e medo

Outra preocupaccedilatildeo que fazia parte do imaginaacuterio catoacutelico era a realizaccedilatildeo do

sacramento da extrema-unccedilatildeo naqueles indiviacuteduos moribundos que estavam prestes a morrer

De acordo com o trabalho de pesquisa de Ana Claacuteudia Ribeiro (ANIacuteBAL 2010 19)

A extrema-unccedilatildeo eacute um sacramento que se fundamenta do Evangelho Mateus quediz ldquoA ordem do Senhor os apoacutestolos expeliam muitos democircnios e ungiam com

oacuteleo a muitos enfermos e os curavamrdquo (Mc 613) Para o catolicismo o

sacramento da Extrema-Unccedilatildeo eacute ministrado para aqueles cristatildeos que estatildeo em

perigo de morte o propoacutesito do sacramento eacute restaurar a sauacutede da pessoa e

absorver o indiviacuteduo de qualquer pecado remanescente

A primeira providecircncia tomada pela famiacutelia de uma pessoa que estava na

iminecircncia da morte era pedir que o padre da paroacutequia mais proacutexima se dirigisse ateacute a sua

residecircncia para preparar o moribundo para a morte Com a utilizaccedilatildeo do oacuteleo que

representava a alegria e o perfume do Espiacuterito Santo este era para os cristatildeos ldquoa imagem da

misericoacuterdia do amor e da compaixatildeo divina e eles satildeo os siacutembolos da benccedilatildeordquo (ANIacuteBAL

2010 20) Todo esse ritual faz parte dos sacramentos usados pela Liturgia da Igreja Catoacutelica

como uma forma de possibilitar a cura corporal e de restaurar a alma do indiviacuteduo de todo

pecado

Percebemos a memoacuteria como uma das fontes da produccedilatildeo do conhecimentohistoacuterico podendo assim conhecer a histoacuteria do cotidiano e conhecer os sentimentos do que

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1117

983089983089

muda e do que permanece Preocupar-se com a boa morte e com os rituais fuacutenebres que

garantiriam isso ao indiviacuteduo eram sentimentos que faziam parte do imaginaacuterio de uma

sociedade religiosa que via a morte como uma passagem para outra vida mesmo

desconhecida esta poderia ser um lugar de descanso Velar o corpo na proacutepria casa do

falecido fazer a vigiacutelia e oraccedilotildees para afastar os maus espiacuteritos eram praacuteticas que faziam parte

do cenaacuterio fuacutenebre e do luto das pessoas Isso fica mais claro quando Ana Claacuteudia Aniacutebal

(ANIacuteBAL 201 45) escreve que

O luto se apresenta portanto como trabalho de perda um mecanismo que busca

elaborar o choque daquilo que foi perdido retirado e possibilitando ao fim desse

processo eleger um outro objeto no lugar daquele que foi perdido O luto insere amorte na cultura ele ressignifica o morto o luto seria o ato de simbolizaccedilatildeo do

morto

Vestir-se de preto tambeacutem era um costume muito comum entre aqueles que

frequentavam os veloacuterios demonstrando seu luto e respeito ao falecido Deixar expliacutecito

publicamente o sofrimento sentido pela perda de um amigo ou parente fazia parte dos

significados do luto esta era uma manifestaccedilatildeo social que se caracterizava pelo o uso do

preto

Os cortejos a peacute tambeacutem eram muito marcantes nesse periacuteodo Eles eram

acompanhados por cacircnticos e oraccedilotildees ateacute a chegada do caixatildeo no cemiteacuterio chamando a

atenccedilatildeo daqueles presenciavam este ritual No Brasil do seacuteculo XIX era muito comum que

nessa tradiccedilatildeo fuacutenebres fossem contratadas mulheres conhecidas como carpideiras para chorare rezar pelo morto Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquo a multidatildeo em volta do caixatildeo do morto tinha

como objetivo afastar tanto os maus espiacuteritos do morto como a alma do morto de perto dos

vivosrdquo (REIS 1991 114)

O que percebemos eacute que a sociedade da assepsia e do individualismo vem se

constituindo e se consolidando ao mesmo tempo em que as pessoas se afastam da morte e

daquilo que ela representa Portanto eacute inegaacutevel que as atitudes diante da morte tenham

sofrido modificaccedilotildees e que os sentimentos que cercavam este evento ganham novas

configuraccedilotildees

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1217

983089983090

As pessoas constroem ao longo do tempo significados e sentidos para todos os

setores da vida social Com relaccedilatildeo a maneira de como vemos a morte e de como nos

relacionamos com ela tambeacutem eacute uma construccedilatildeo humana e que por este motivo deve ser

objeto de estudos acadecircmicos

Na nossa sociedade contemporacircnea inuacutemeras vatildeo ser as transformaccedilotildees ocorridas

nos rituais de passagem da vida para a morte praacuteticas que serviam para possibilitar uma boa

morte agora deixam de existir ou simplesmente se transformam

Percebemos que muitas foram as transformaccedilotildees ocorridas em torno dos rituais

fuacutenebres em Limoeiro do Norte ndash CE quando analisamos os processos sociais das praacuteticas

mortuaacuterias e as representaccedilotildees a respeito da morte principalmente a partir a atuaccedilatildeo da

empresa funeraacuteria Assistecircncia Familiar Anjo da Guarda a partir do ano de 1989 Analisar o

processo histoacuterico das praacuteticas mortuaacuterias nos leva a conhecer muitos haacutebitos e crenccedilas em

torno da morte e como as pessoas se relacionavam com a ideia de morrer

O uso de mortalhas agora passa a ser substituiacuteda por vestimentas padronizadas

oferecidas pelas funeraacuterias que natildeo mais oferecem em seus serviccedilos os trajes de santos Estar

protegido pelos santos natildeo fazem mais parte das preocupaccedilotildees que se tinham quando algueacutem

morria

Com a atuaccedilatildeo das casas funeraacuterias jaacute na deacutecada de 1990 o cenaacuterio fuacutenebre vai

ganhar novos apetrechos oferecidos por essas empresas como eacute o caso dos casticcedilais tapetes e

coroas de flores Agora natildeo vemos mais o caixatildeo preto feito em forma de grades os materiaisutilizados pelas funeraacuterias para a confecccedilatildeo desse produto satildeo mais reforccedilados e firmes

Percebemos o distanciamento da morte quando algumas pessoas optam por velar

seus mortos em centros de veloacuterios oferecidos nos serviccedilos das funeraacuterias Na cidade de

Limoeiro do Norte-CE vemos essa praacutetica cada vez mais frequente entre as famiacutelias do morto

como uma forma de evitar abrir as portas de suas casas para o puacuteblico O haacutebito de fazer a

vigiacutelia se restringe apenas a alguns familiares tornado o cenaacuterio ainda mais triste e silencioso

dona Augusta nos relata de forma queixosa as poucas pessoas que ficaram durante a

madrugada no veloacuterio do seu vizinho

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1317

983089983091

Sabe quantas pessoas passou a noite Eu minha cunhada meu irmatildeo que

chegou 2 horas da madrugada e quando chegou outro 3 horas Pronto foi esse

pessoal e a nora da finada e uma filha foram dormir e nois de fora passemos a

noite Mudou de mais antigamente era mais animado ( Entrevista realizada em

17072010)

Os veloacuterios repletos de cacircntico e oraccedilotildees agora datildeo lugar ao silecircncio Muitas

vezes as pessoas apenas fazem uma oraccedilatildeo ou rezam o terccedilo para abenccediloar o espiacuterito do

morto que agora deixa a vida terrena para viver no mundo espiritual segundo a crenccedila

popular

Nesse contexto de modificaccedilatildeo sofridas nos rituais fuacutenebres fica claro o papel

fundamental das funeraacuterias no que diz respeito as mudanccedilas ocorridas nas praacuteticas mortuaacuterias

As casas funeraacuterias passam a oferecer na sociedade do consumo natildeo mais apenas os materiais

que compunham o veloacuterio (caixatildeo velas casticcedilais flores etc) agora elas oferecem um

serviccedilo especializado que requer o trabalho de vaacuterios profissionais que a cada dia satildeocapacitados para melhor desempenhar tais serviccedilos

Percebemos que ao longo dos anos o mercado funeraacuterio vem se especializando e

ampliando sua cartela de serviccedilos como uma forma de manter-se na sociedade de consumo

em que vivemos Pensar estrateacutegias de mercado eacute umas das preocupaccedilotildees das grandes

empresas funeraacuterias que cada vez mais vecircm inserindo uma loacutegica comercial em torno das

cerimocircnias fuacutenebres tornando-as mais luxuosas e personalizadas

Atingir as cidades do interior eacute contudo criar estrateacutegias de mercado que jaacute estatildeo

consolidadas nos grandes centros urbanos Compreendemos que a cidade de Limoeiro do

Norte - CE estaacute passando por transformaccedilotildees poliacuteticas sociais e econocircmicas nas uacuteltimas

deacutecadas do seacuteculo XX Esta cidade comeccedila a perder seu caraacuteter rural a imagem da ldquocidade

pequenardquo vai perdendo espaccedilo para o desenvolvendo das atividades urbanas Conforme

Isabela Andrade no Brasil o empresariar da morte e do morrer ocorreu a partir da

modernizaccedilatildeo dos espaccedilos tanaacuteticos5 que possibilitaram o surgimento dos ldquoGruposrdquo no final

983093 O termo deriva de tanatologia que segundo a definiccedilatildeo do dicionaacuterio ldquoAureacuteliordquo refere-se agrave teoria sobre a

morte e na medicina legal eacute a parte que se ocupa da morte e dos problemas meacutedico-legais com ela relacionados

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1417

983089983092

da deacutecada de 1980 o que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado em

empresas Os ldquoGruposrdquo satildeo portanto empresas completas que agregam vaacuterios

empreendimentos fuacutenebres com o objetivo de dar conta de todo o processo do morrer ldquoo

antes (com o serviccedilo de prevenccedilatildeo do funeral) o durante (com serviccedilo funeral) e o depois

(com os serviccedilos de assistecircncia ao luto)rdquo (MORAIS 2009 96)

Na relaccedilatildeo comercial entre a empresa funeraacuteria com a venda de artefatos e

serviccedilos mortuaacuterios e seus consumidores a uma tentativa dessas agecircncias de sobressair nummercado competitivo Desta forma percebemos que haacute uma preocupaccedilatildeo dos empresaacuterios em

estaacute modernizando seus serviccedilos oferecendo aos clientes cerimocircnias personalizada que

refletem o aspecto da pessoa morta da sua personalidade e da sua individualidade enquanto

estava viva

Acompanhando as modificaccedilotildees ocorridas em uma sociedade capitalista as

empresas funeraacuterias criam estrateacutegias para combater a concorrecircncia garantindo um nuacutemero

ainda maior de clientes adeptos aos novos serviccedilos fuacutenebres Especializar-se modernizar-se eoferecer serviccedilos diferenciados eacute uma das formas que as funeraacuterias encontraram para se

manterem no mercado Toda a preocupaccedilatildeo em torno da modernizaccedilatildeo das empresas

funeraacuterias insere a morte em uma loacutegica comercial quando compreendemos que acoplado aos

seus aparelhos de atendimento estatildeo a publicidade vantagens e concorrecircncias em relaccedilatildeo aacute

oferta de serviccedilos funeraacuterios

Os meios de comunicaccedilatildeo de massa e o mundo do anuacutencio em que vivemos

transformam tais serviccedilos fuacutenebres necessaacuterios e indispensaacuteveis As pessoas acabam sentindo

o desejo de consumir os produtos a partir de um discurso disseminado pela publicidade e

criado pela proacutepria funeraacuteria de que para viver de forma tranquila com relaccedilatildeo a morte temos

que pagar planos funeraacuterios Para Isabela Andrade (MORAIS 2009 140)

Anuacutencios em jornais revistas e internet satildeo estrateacutegias de marketing que tem como

principal funccedilatildeo a transmissatildeo de informaccedilotildees para determinados puacuteblicos

comunicando a sociedade os coacutedigos culturais que estatildeo presentes nos bens de

consumo

Portanto em nossa pesquisa entendemos por espaccedilo tanaacutetico todo o ambiente e atos relativos aos serviccedilos ecuidados relativos agrave morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1517

983089983093

Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo

lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o

consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em

que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte

Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a

morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a

maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees

refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas

ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e

sobretudo com o consumo

Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e

transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que

muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las

possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1617

983089983094

REFEREcircNCIAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007

AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001

ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010

AgraveRIES Philippe Histoacuteria da morte no ocidente Rio de Janeiro Ed Ediouro 2003

BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994

______ Ritos da Vida Privada In NOVAIS Fernando A Souza MELLO Laura (Org)Histoacuteria da vida privada no Brasil cotidiano e vida privada na Ameacuterica Portuguesa SatildeoPaulo Ed Companhia das Letras 1997

ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001

FERREIRA Marieta de Morais Histoacuteria do tempo presente desafios Cultura VozesPetroacutepolis v 94 n 3 p 111- 124 maio 2000

GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1717

983089983095

______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997

MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19

jan 2011

MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco

PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997

REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991

Page 6: A Conveniência Da Morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 617

983094

Hoje no municiacutepio de Limoeiro do Norte predomina o serviccedilo de funeraacuterias que

se insere na nossa cidade como uma instituiccedilatildeo que se responsabiliza por todos os cuidados

que antes eram funccedilotildees das famiacutelias do morto entre elas podemos citar o tratamento do corpo

(vestir limpar encomendar o caixatildeo) a organizaccedilatildeo do veloacuterio e o proacuteprio sepultamento do

defunto Portanto eacute inegaacutevel que de certa forma as atividades funeraacuterias vem se

relacionando com essas mudanccedilas com essas transformaccedilotildees e com os significados atribuiacutedos

agrave morte

Trabalhar as praacuteticas fuacutenebres nos leva a discutir por exemplo a associaccedilatildeo que

as pessoas faziam entre os veloacuterios e as festas para as moccedilas e rapazes que moravam no

interior do municiacutepio de Limoeiro do Norte ndash CE este era um momento propiacutecios agraves paqueras

Mais precisamente na zona rural deste municiacutepio eram raros os momentos

dedicados agraves festividades que alegravam os moradores destes locais Normalmente eles

podiam contar apenas com as festas religiosas organizadas pela Igreja Catoacutelica o que

aconteciam em um intervalo de tempo muito grande Portanto eacute nesse contexto que minhadepoente lamenta-se da vida pouco movimentada que levava e afirma que um dos seus

divertimentos era ir para os veloacuterios e passar as noites na vigiacutelia De acordo com dona Maria

de Lourdes Maia Pitombeira

Eu me lembro que eu morando no Sapeacute quando algueacutem morria eu gostava muito de

ir pro veloacuterio soacute pra paquerar com os rapazes Nem que fosse muito longe da minha

casa mais eu ia a peacute soacute porque eu via aquilo como um divertimento E tinha mais

quando minha matildee natildeo deixava eu ir eu chorava (Entrevista realizada em 15 05

2012)

Nesse periacuteodo era muito comum caracterizar o veloacuterio como o espaccedilo do becircbado onde

o consumo da cachaccedila e a praacutetica de contar piadas faziam deste lugar um ambiente festivo

enquanto outros velavam o corpo com oraccedilotildees e lamuacuterias O senhor Joseacute Lopes outro

depoente que contribuiu para a pesquisa relata que muitas vezes as pessoas que levavam o

caixatildeo ateacute o cemiteacuterio jaacute estavam tatildeo alcoolizados que ao retornar do sepultamento vinham

cambaleando pelas estradas Dona Maria Augusta lembra-se desse periacuteodo e faz o seguinte

comentaacuterio

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 717

983095

Era bem animado ali o pessoal fazia cafeacute fazia um chaacute natildeo tinha bolacha e

inventava o cuscuz as vezes tinha feijatildeo cozinhado que ficava da tarde aiacute noacutes

jogava o arroz dentro e fazia aquele bocado de baiatildeo de dois para aquele pessoal

que passava a noite Tinha deles que bebia natildeo era todos natildeo (Entrevista

realizada em 17072010)

Poreacutem o que percebemos eacute que associar a morte agrave festa eacute algo que vem desde os

seacuteculos passados e que Joatildeo Joseacute Reis (1991) discute muito bem em seu livro intitulado ldquoA

morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculo XIXrdquo Segundo JoatildeoJoseacute Reis (REIS 1991 137) Thomas Lindley confirma o interesse baiano pela morte quando

ele escreve o seguinte

entre os principais divertimentos dos cidadatildeos se contavam os ldquosuntuosos

funeraisrdquo e as festas de semana santa celebrados com grandes cerimocircnias

concerto completo e frequentes procissotildees para os baianos morte e festa natildeo se

excluiacuteam

Atualmente os veloacuterios se configuram de forma diferente tornando os funerais o

lugar do silecircncio e da tristeza deixando um clima de recolhimento entre os parentes e amigos

do morto O silecircncio mantido nos veloacuterio demonstra respeito agrave famiacutelia que acabara de perder

algueacutem muito querido e que por isso merece sofrer a sua dor de forma solitaacuteria e silenciosa

Outro haacutebito muito comum ainda nas deacutecadas de 1970 e 1980 em Limoeiro do

Norte ndash CE e nas cidades vizinhas era o uso de mortalhas muito comum entre os cristatildeos

catoacutelicos vestir o morto de acordo com o santo de sua devoccedilatildeo em vida era uma garantia deproteccedilatildeo e de boa morte No imaginaacuterio catoacutelico as mortalhas dos santos ajudavam o morto no

dia da sua passagem para o mundo celestial e o ajudavam no dia do julgamento no dia do

juiacutezo final

Preocupar-se com a vestimenta do morto fazia parte das tarefas atribuiacutedas agraves

famiacutelias e aos parentes mais proacuteximos Logo depois da confirmaccedilatildeo da morte do ente querido

encomendava-se a mortalha que normalmente era confeccionada por um parente do falecido

ou algueacutem da comunidade que jaacute tinha o haacutebito dessa praacutetica

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 817

983096

As pessoas eram vestidas com mortalhas de santo porque possuiacuteam uma grande

devoccedilatildeo por iacutecones catoacutelicos e acreditavam que desta forma estariam protegidas contra os

maus espiacuteritos e que fariam uma boa passagem para a outra vida Os trajes mais comuns

utilizados pelos mortos em Limoeiro do Norte ndash CE eram as vestes de Satildeo Francisco para os

homens e de Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo para as mulheres Segundo Joatildeo Joseacute Reis (REIS

1991 2)

Os trajes de santos sugerem um apelo agrave proteccedilatildeo dos mesmos e sublinha a

importacircncia do cuidado com o cadaacutever na passagem para o aleacutem Vestir-se de santorepresentava desejo de graccedila imaginar-se perto de Deus a roupa mortuaacuteria

protegia os mortos e promovia uma integraccedilatildeo bem aventurada

Tambeacutem fazia parte da crenccedila e das praacuteticas religiosas neste municiacutepio vestir

com os trajes de santos as crianccedilas De acordo com Ana Claacuteudia Aniacutebal Ribeiro ldquoao trajar as

criancinhas com as roupas dos santos os pais imaginavam garantir que seu rebento natildeo ficaria

desamparado no outro mundo estando guardados sob os cuidados dos seus santosrdquo

(ANIacuteBAL 2010 31)

Ainda falando dos veloacuterios desse periacuteodo e elementos que faziam parte do

cenaacuterio fuacutenebre podemos fazer referecircncia aos caixotildees em que eram enterrados os mortos

Depois da confirmaccedilatildeo da morte do moribundo a famiacutelia logo providenciava a confecccedilatildeo da

urna funeraacuteria que era confeccionada de forma artesanal Normalmente os moribundos

morriam na proacutepria residecircncia jaacute que o acesso ao hospital puacuteblico era muito difiacutecil

Enquanto isso o corpo ficava em uma esteira no chatildeo ou sobre uma cama ateacute que

estivesse pronto o caixatildeo Vestir o morto e preparaacute-lo para o sepultamento era de

responsabilidade das pessoas mais proacuteximas do defunto que tinham a preocupaccedilatildeo de

amortalhar e limpar o feacuteretro Isso fica mais evidente quando dona Maria de Lourdes faz o

seguinte relato

Eu mesmo ajudei muito a vestir os defuntos a minha matildee fui eu quem vestiu ela com

uma roupinha melhorzinha O tio de Daniacutelo eu tambeacutem ajudei as vezes quando a

roupa natildeo cabia a gente rasgava um pouquinho porque ia ficar atraacutes mesmosningueacutem ia ver Quando o corpo jaacute tava duro as pessoas levantavam o defunto pra

vestir ele (Entrevista realizada em 15052012)

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 917

983097

De acordo com os depoentes os caixotildees eram feitos de madeira com formato de

grades cobertos por um pano preto Devido a pouca resistecircncia do material as pessoas

colocavam uma escada de madeira ou uma esteira debaixo do caixatildeo para carregaacute-lo ateacute o

cemiteacuterio Como podemos observar na imagem abaixo

Conforme as pesquisas ouvimos relatos de pessoas que vivenciaram o periacuteodo em

que na sua cidade exista o caixatildeo comunitaacuterio4 doado pela prefeitura ou pela paroacutequia Na

entrevista realizada com dona Maria Joseacute natural do municiacutepio de Potiretama a depoente

relata que no tempo de menina as pessoas que natildeo podiam pagar por caixatildeo utilizavam-se

daquele que estava na igreja do cemiteacuterio fazendo parte do cenaacuterio deste ambiente De acordo

com Maria Joseacute

Cansei de ver aquele caixatildeozatildeo preto me lembro que quando a gente ia arrumar a

igreja aquele caixatildeo e ainda era guardado dentro da igreja Laacute natildeo tinha capela

no cemiteacuterio de laacute e era guardado dentro da igreja esse caixatildeo (Entrevistarealizada em 17072010)

Apreendemos que esse objeto permanecia nos espaccedilos sociais e no cotidiano das

pessoas como algo natural sem causar estranheza aqueles que frequentavam a igreja Poreacutem

na sua fala ficam claras as percepccedilotildees que dona Maria adquiriu no presente quando ela faz

referecircncia ao caixatildeo utilizando o termo ldquocaixatildeozatildeo pretordquo demonstrando o aspecto tenebroso

que aquele cenaacuterio representava

Continuando com a conversa dona Maria Joseacute nos relata suas lembranccedilas de

crianccedila onde os mortos ainda eram velados e enterrados em redes segundo a mesma

Eu lembro que quando no tempo de menina aiacute quando morria uma pessoa ia

costurar de noite aquela mortalha tinha que fazer de noite pra enterrar o

defunto Muitos cantos natildeo tinham cama pra botar o defunto botavam era no

983092 O caixatildeo comunitaacuterio funcionava da seguinte forma acontecendo o falecimento de um ente querido a famiacuteliado morto se dirigia a Igreja para levar o caixatildeo ateacute a casa do defunto Terminado o veloacuterio e o sepultamento ocadaacutever era colocado na sepultura e o caixatildeo retornava para poder ser utilizado por todos aqueles que natildeopodiam pagar por caixatildeo

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1017

983089983088

chatildeo no chatildeo limpo numa esteira eu me lembro eu menina me lembro Outros

levavam numa rede (Entrevista realizada em 17072010)

Nas deacutecadas de 50 e 60 ainda era muito comum na ausecircncia do caixatildeo o uso de

redes para sepultar o defunto Durante o veloacuterio o corpo do morto ficava em cima de uma

esteira ou de uma porta no proacuteprio chatildeo batido para que todos pudessem velar o corpo e fazer

as uacuteltimas oraccedilotildees ao morto A rede era amarrada a um pedaccedilo de madeira segurada por duas

pessoas que se encarregavam de levar o defunto ateacute o cemiteacuterio Para dona Maria Joseacute esta

cena era horriacutevel era uma assombraccedilatildeo ver os defuntos se balanccedilando na rede causando

espanto e medo

Outra preocupaccedilatildeo que fazia parte do imaginaacuterio catoacutelico era a realizaccedilatildeo do

sacramento da extrema-unccedilatildeo naqueles indiviacuteduos moribundos que estavam prestes a morrer

De acordo com o trabalho de pesquisa de Ana Claacuteudia Ribeiro (ANIacuteBAL 2010 19)

A extrema-unccedilatildeo eacute um sacramento que se fundamenta do Evangelho Mateus quediz ldquoA ordem do Senhor os apoacutestolos expeliam muitos democircnios e ungiam com

oacuteleo a muitos enfermos e os curavamrdquo (Mc 613) Para o catolicismo o

sacramento da Extrema-Unccedilatildeo eacute ministrado para aqueles cristatildeos que estatildeo em

perigo de morte o propoacutesito do sacramento eacute restaurar a sauacutede da pessoa e

absorver o indiviacuteduo de qualquer pecado remanescente

A primeira providecircncia tomada pela famiacutelia de uma pessoa que estava na

iminecircncia da morte era pedir que o padre da paroacutequia mais proacutexima se dirigisse ateacute a sua

residecircncia para preparar o moribundo para a morte Com a utilizaccedilatildeo do oacuteleo que

representava a alegria e o perfume do Espiacuterito Santo este era para os cristatildeos ldquoa imagem da

misericoacuterdia do amor e da compaixatildeo divina e eles satildeo os siacutembolos da benccedilatildeordquo (ANIacuteBAL

2010 20) Todo esse ritual faz parte dos sacramentos usados pela Liturgia da Igreja Catoacutelica

como uma forma de possibilitar a cura corporal e de restaurar a alma do indiviacuteduo de todo

pecado

Percebemos a memoacuteria como uma das fontes da produccedilatildeo do conhecimentohistoacuterico podendo assim conhecer a histoacuteria do cotidiano e conhecer os sentimentos do que

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1117

983089983089

muda e do que permanece Preocupar-se com a boa morte e com os rituais fuacutenebres que

garantiriam isso ao indiviacuteduo eram sentimentos que faziam parte do imaginaacuterio de uma

sociedade religiosa que via a morte como uma passagem para outra vida mesmo

desconhecida esta poderia ser um lugar de descanso Velar o corpo na proacutepria casa do

falecido fazer a vigiacutelia e oraccedilotildees para afastar os maus espiacuteritos eram praacuteticas que faziam parte

do cenaacuterio fuacutenebre e do luto das pessoas Isso fica mais claro quando Ana Claacuteudia Aniacutebal

(ANIacuteBAL 201 45) escreve que

O luto se apresenta portanto como trabalho de perda um mecanismo que busca

elaborar o choque daquilo que foi perdido retirado e possibilitando ao fim desse

processo eleger um outro objeto no lugar daquele que foi perdido O luto insere amorte na cultura ele ressignifica o morto o luto seria o ato de simbolizaccedilatildeo do

morto

Vestir-se de preto tambeacutem era um costume muito comum entre aqueles que

frequentavam os veloacuterios demonstrando seu luto e respeito ao falecido Deixar expliacutecito

publicamente o sofrimento sentido pela perda de um amigo ou parente fazia parte dos

significados do luto esta era uma manifestaccedilatildeo social que se caracterizava pelo o uso do

preto

Os cortejos a peacute tambeacutem eram muito marcantes nesse periacuteodo Eles eram

acompanhados por cacircnticos e oraccedilotildees ateacute a chegada do caixatildeo no cemiteacuterio chamando a

atenccedilatildeo daqueles presenciavam este ritual No Brasil do seacuteculo XIX era muito comum que

nessa tradiccedilatildeo fuacutenebres fossem contratadas mulheres conhecidas como carpideiras para chorare rezar pelo morto Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquo a multidatildeo em volta do caixatildeo do morto tinha

como objetivo afastar tanto os maus espiacuteritos do morto como a alma do morto de perto dos

vivosrdquo (REIS 1991 114)

O que percebemos eacute que a sociedade da assepsia e do individualismo vem se

constituindo e se consolidando ao mesmo tempo em que as pessoas se afastam da morte e

daquilo que ela representa Portanto eacute inegaacutevel que as atitudes diante da morte tenham

sofrido modificaccedilotildees e que os sentimentos que cercavam este evento ganham novas

configuraccedilotildees

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1217

983089983090

As pessoas constroem ao longo do tempo significados e sentidos para todos os

setores da vida social Com relaccedilatildeo a maneira de como vemos a morte e de como nos

relacionamos com ela tambeacutem eacute uma construccedilatildeo humana e que por este motivo deve ser

objeto de estudos acadecircmicos

Na nossa sociedade contemporacircnea inuacutemeras vatildeo ser as transformaccedilotildees ocorridas

nos rituais de passagem da vida para a morte praacuteticas que serviam para possibilitar uma boa

morte agora deixam de existir ou simplesmente se transformam

Percebemos que muitas foram as transformaccedilotildees ocorridas em torno dos rituais

fuacutenebres em Limoeiro do Norte ndash CE quando analisamos os processos sociais das praacuteticas

mortuaacuterias e as representaccedilotildees a respeito da morte principalmente a partir a atuaccedilatildeo da

empresa funeraacuteria Assistecircncia Familiar Anjo da Guarda a partir do ano de 1989 Analisar o

processo histoacuterico das praacuteticas mortuaacuterias nos leva a conhecer muitos haacutebitos e crenccedilas em

torno da morte e como as pessoas se relacionavam com a ideia de morrer

O uso de mortalhas agora passa a ser substituiacuteda por vestimentas padronizadas

oferecidas pelas funeraacuterias que natildeo mais oferecem em seus serviccedilos os trajes de santos Estar

protegido pelos santos natildeo fazem mais parte das preocupaccedilotildees que se tinham quando algueacutem

morria

Com a atuaccedilatildeo das casas funeraacuterias jaacute na deacutecada de 1990 o cenaacuterio fuacutenebre vai

ganhar novos apetrechos oferecidos por essas empresas como eacute o caso dos casticcedilais tapetes e

coroas de flores Agora natildeo vemos mais o caixatildeo preto feito em forma de grades os materiaisutilizados pelas funeraacuterias para a confecccedilatildeo desse produto satildeo mais reforccedilados e firmes

Percebemos o distanciamento da morte quando algumas pessoas optam por velar

seus mortos em centros de veloacuterios oferecidos nos serviccedilos das funeraacuterias Na cidade de

Limoeiro do Norte-CE vemos essa praacutetica cada vez mais frequente entre as famiacutelias do morto

como uma forma de evitar abrir as portas de suas casas para o puacuteblico O haacutebito de fazer a

vigiacutelia se restringe apenas a alguns familiares tornado o cenaacuterio ainda mais triste e silencioso

dona Augusta nos relata de forma queixosa as poucas pessoas que ficaram durante a

madrugada no veloacuterio do seu vizinho

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1317

983089983091

Sabe quantas pessoas passou a noite Eu minha cunhada meu irmatildeo que

chegou 2 horas da madrugada e quando chegou outro 3 horas Pronto foi esse

pessoal e a nora da finada e uma filha foram dormir e nois de fora passemos a

noite Mudou de mais antigamente era mais animado ( Entrevista realizada em

17072010)

Os veloacuterios repletos de cacircntico e oraccedilotildees agora datildeo lugar ao silecircncio Muitas

vezes as pessoas apenas fazem uma oraccedilatildeo ou rezam o terccedilo para abenccediloar o espiacuterito do

morto que agora deixa a vida terrena para viver no mundo espiritual segundo a crenccedila

popular

Nesse contexto de modificaccedilatildeo sofridas nos rituais fuacutenebres fica claro o papel

fundamental das funeraacuterias no que diz respeito as mudanccedilas ocorridas nas praacuteticas mortuaacuterias

As casas funeraacuterias passam a oferecer na sociedade do consumo natildeo mais apenas os materiais

que compunham o veloacuterio (caixatildeo velas casticcedilais flores etc) agora elas oferecem um

serviccedilo especializado que requer o trabalho de vaacuterios profissionais que a cada dia satildeocapacitados para melhor desempenhar tais serviccedilos

Percebemos que ao longo dos anos o mercado funeraacuterio vem se especializando e

ampliando sua cartela de serviccedilos como uma forma de manter-se na sociedade de consumo

em que vivemos Pensar estrateacutegias de mercado eacute umas das preocupaccedilotildees das grandes

empresas funeraacuterias que cada vez mais vecircm inserindo uma loacutegica comercial em torno das

cerimocircnias fuacutenebres tornando-as mais luxuosas e personalizadas

Atingir as cidades do interior eacute contudo criar estrateacutegias de mercado que jaacute estatildeo

consolidadas nos grandes centros urbanos Compreendemos que a cidade de Limoeiro do

Norte - CE estaacute passando por transformaccedilotildees poliacuteticas sociais e econocircmicas nas uacuteltimas

deacutecadas do seacuteculo XX Esta cidade comeccedila a perder seu caraacuteter rural a imagem da ldquocidade

pequenardquo vai perdendo espaccedilo para o desenvolvendo das atividades urbanas Conforme

Isabela Andrade no Brasil o empresariar da morte e do morrer ocorreu a partir da

modernizaccedilatildeo dos espaccedilos tanaacuteticos5 que possibilitaram o surgimento dos ldquoGruposrdquo no final

983093 O termo deriva de tanatologia que segundo a definiccedilatildeo do dicionaacuterio ldquoAureacuteliordquo refere-se agrave teoria sobre a

morte e na medicina legal eacute a parte que se ocupa da morte e dos problemas meacutedico-legais com ela relacionados

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1417

983089983092

da deacutecada de 1980 o que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado em

empresas Os ldquoGruposrdquo satildeo portanto empresas completas que agregam vaacuterios

empreendimentos fuacutenebres com o objetivo de dar conta de todo o processo do morrer ldquoo

antes (com o serviccedilo de prevenccedilatildeo do funeral) o durante (com serviccedilo funeral) e o depois

(com os serviccedilos de assistecircncia ao luto)rdquo (MORAIS 2009 96)

Na relaccedilatildeo comercial entre a empresa funeraacuteria com a venda de artefatos e

serviccedilos mortuaacuterios e seus consumidores a uma tentativa dessas agecircncias de sobressair nummercado competitivo Desta forma percebemos que haacute uma preocupaccedilatildeo dos empresaacuterios em

estaacute modernizando seus serviccedilos oferecendo aos clientes cerimocircnias personalizada que

refletem o aspecto da pessoa morta da sua personalidade e da sua individualidade enquanto

estava viva

Acompanhando as modificaccedilotildees ocorridas em uma sociedade capitalista as

empresas funeraacuterias criam estrateacutegias para combater a concorrecircncia garantindo um nuacutemero

ainda maior de clientes adeptos aos novos serviccedilos fuacutenebres Especializar-se modernizar-se eoferecer serviccedilos diferenciados eacute uma das formas que as funeraacuterias encontraram para se

manterem no mercado Toda a preocupaccedilatildeo em torno da modernizaccedilatildeo das empresas

funeraacuterias insere a morte em uma loacutegica comercial quando compreendemos que acoplado aos

seus aparelhos de atendimento estatildeo a publicidade vantagens e concorrecircncias em relaccedilatildeo aacute

oferta de serviccedilos funeraacuterios

Os meios de comunicaccedilatildeo de massa e o mundo do anuacutencio em que vivemos

transformam tais serviccedilos fuacutenebres necessaacuterios e indispensaacuteveis As pessoas acabam sentindo

o desejo de consumir os produtos a partir de um discurso disseminado pela publicidade e

criado pela proacutepria funeraacuteria de que para viver de forma tranquila com relaccedilatildeo a morte temos

que pagar planos funeraacuterios Para Isabela Andrade (MORAIS 2009 140)

Anuacutencios em jornais revistas e internet satildeo estrateacutegias de marketing que tem como

principal funccedilatildeo a transmissatildeo de informaccedilotildees para determinados puacuteblicos

comunicando a sociedade os coacutedigos culturais que estatildeo presentes nos bens de

consumo

Portanto em nossa pesquisa entendemos por espaccedilo tanaacutetico todo o ambiente e atos relativos aos serviccedilos ecuidados relativos agrave morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1517

983089983093

Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo

lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o

consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em

que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte

Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a

morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a

maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees

refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas

ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e

sobretudo com o consumo

Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e

transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que

muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las

possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1617

983089983094

REFEREcircNCIAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007

AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001

ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010

AgraveRIES Philippe Histoacuteria da morte no ocidente Rio de Janeiro Ed Ediouro 2003

BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994

______ Ritos da Vida Privada In NOVAIS Fernando A Souza MELLO Laura (Org)Histoacuteria da vida privada no Brasil cotidiano e vida privada na Ameacuterica Portuguesa SatildeoPaulo Ed Companhia das Letras 1997

ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001

FERREIRA Marieta de Morais Histoacuteria do tempo presente desafios Cultura VozesPetroacutepolis v 94 n 3 p 111- 124 maio 2000

GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1717

983089983095

______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997

MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19

jan 2011

MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco

PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997

REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991

Page 7: A Conveniência Da Morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 717

983095

Era bem animado ali o pessoal fazia cafeacute fazia um chaacute natildeo tinha bolacha e

inventava o cuscuz as vezes tinha feijatildeo cozinhado que ficava da tarde aiacute noacutes

jogava o arroz dentro e fazia aquele bocado de baiatildeo de dois para aquele pessoal

que passava a noite Tinha deles que bebia natildeo era todos natildeo (Entrevista

realizada em 17072010)

Poreacutem o que percebemos eacute que associar a morte agrave festa eacute algo que vem desde os

seacuteculos passados e que Joatildeo Joseacute Reis (1991) discute muito bem em seu livro intitulado ldquoA

morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculo XIXrdquo Segundo JoatildeoJoseacute Reis (REIS 1991 137) Thomas Lindley confirma o interesse baiano pela morte quando

ele escreve o seguinte

entre os principais divertimentos dos cidadatildeos se contavam os ldquosuntuosos

funeraisrdquo e as festas de semana santa celebrados com grandes cerimocircnias

concerto completo e frequentes procissotildees para os baianos morte e festa natildeo se

excluiacuteam

Atualmente os veloacuterios se configuram de forma diferente tornando os funerais o

lugar do silecircncio e da tristeza deixando um clima de recolhimento entre os parentes e amigos

do morto O silecircncio mantido nos veloacuterio demonstra respeito agrave famiacutelia que acabara de perder

algueacutem muito querido e que por isso merece sofrer a sua dor de forma solitaacuteria e silenciosa

Outro haacutebito muito comum ainda nas deacutecadas de 1970 e 1980 em Limoeiro do

Norte ndash CE e nas cidades vizinhas era o uso de mortalhas muito comum entre os cristatildeos

catoacutelicos vestir o morto de acordo com o santo de sua devoccedilatildeo em vida era uma garantia deproteccedilatildeo e de boa morte No imaginaacuterio catoacutelico as mortalhas dos santos ajudavam o morto no

dia da sua passagem para o mundo celestial e o ajudavam no dia do julgamento no dia do

juiacutezo final

Preocupar-se com a vestimenta do morto fazia parte das tarefas atribuiacutedas agraves

famiacutelias e aos parentes mais proacuteximos Logo depois da confirmaccedilatildeo da morte do ente querido

encomendava-se a mortalha que normalmente era confeccionada por um parente do falecido

ou algueacutem da comunidade que jaacute tinha o haacutebito dessa praacutetica

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 817

983096

As pessoas eram vestidas com mortalhas de santo porque possuiacuteam uma grande

devoccedilatildeo por iacutecones catoacutelicos e acreditavam que desta forma estariam protegidas contra os

maus espiacuteritos e que fariam uma boa passagem para a outra vida Os trajes mais comuns

utilizados pelos mortos em Limoeiro do Norte ndash CE eram as vestes de Satildeo Francisco para os

homens e de Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo para as mulheres Segundo Joatildeo Joseacute Reis (REIS

1991 2)

Os trajes de santos sugerem um apelo agrave proteccedilatildeo dos mesmos e sublinha a

importacircncia do cuidado com o cadaacutever na passagem para o aleacutem Vestir-se de santorepresentava desejo de graccedila imaginar-se perto de Deus a roupa mortuaacuteria

protegia os mortos e promovia uma integraccedilatildeo bem aventurada

Tambeacutem fazia parte da crenccedila e das praacuteticas religiosas neste municiacutepio vestir

com os trajes de santos as crianccedilas De acordo com Ana Claacuteudia Aniacutebal Ribeiro ldquoao trajar as

criancinhas com as roupas dos santos os pais imaginavam garantir que seu rebento natildeo ficaria

desamparado no outro mundo estando guardados sob os cuidados dos seus santosrdquo

(ANIacuteBAL 2010 31)

Ainda falando dos veloacuterios desse periacuteodo e elementos que faziam parte do

cenaacuterio fuacutenebre podemos fazer referecircncia aos caixotildees em que eram enterrados os mortos

Depois da confirmaccedilatildeo da morte do moribundo a famiacutelia logo providenciava a confecccedilatildeo da

urna funeraacuteria que era confeccionada de forma artesanal Normalmente os moribundos

morriam na proacutepria residecircncia jaacute que o acesso ao hospital puacuteblico era muito difiacutecil

Enquanto isso o corpo ficava em uma esteira no chatildeo ou sobre uma cama ateacute que

estivesse pronto o caixatildeo Vestir o morto e preparaacute-lo para o sepultamento era de

responsabilidade das pessoas mais proacuteximas do defunto que tinham a preocupaccedilatildeo de

amortalhar e limpar o feacuteretro Isso fica mais evidente quando dona Maria de Lourdes faz o

seguinte relato

Eu mesmo ajudei muito a vestir os defuntos a minha matildee fui eu quem vestiu ela com

uma roupinha melhorzinha O tio de Daniacutelo eu tambeacutem ajudei as vezes quando a

roupa natildeo cabia a gente rasgava um pouquinho porque ia ficar atraacutes mesmosningueacutem ia ver Quando o corpo jaacute tava duro as pessoas levantavam o defunto pra

vestir ele (Entrevista realizada em 15052012)

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 917

983097

De acordo com os depoentes os caixotildees eram feitos de madeira com formato de

grades cobertos por um pano preto Devido a pouca resistecircncia do material as pessoas

colocavam uma escada de madeira ou uma esteira debaixo do caixatildeo para carregaacute-lo ateacute o

cemiteacuterio Como podemos observar na imagem abaixo

Conforme as pesquisas ouvimos relatos de pessoas que vivenciaram o periacuteodo em

que na sua cidade exista o caixatildeo comunitaacuterio4 doado pela prefeitura ou pela paroacutequia Na

entrevista realizada com dona Maria Joseacute natural do municiacutepio de Potiretama a depoente

relata que no tempo de menina as pessoas que natildeo podiam pagar por caixatildeo utilizavam-se

daquele que estava na igreja do cemiteacuterio fazendo parte do cenaacuterio deste ambiente De acordo

com Maria Joseacute

Cansei de ver aquele caixatildeozatildeo preto me lembro que quando a gente ia arrumar a

igreja aquele caixatildeo e ainda era guardado dentro da igreja Laacute natildeo tinha capela

no cemiteacuterio de laacute e era guardado dentro da igreja esse caixatildeo (Entrevistarealizada em 17072010)

Apreendemos que esse objeto permanecia nos espaccedilos sociais e no cotidiano das

pessoas como algo natural sem causar estranheza aqueles que frequentavam a igreja Poreacutem

na sua fala ficam claras as percepccedilotildees que dona Maria adquiriu no presente quando ela faz

referecircncia ao caixatildeo utilizando o termo ldquocaixatildeozatildeo pretordquo demonstrando o aspecto tenebroso

que aquele cenaacuterio representava

Continuando com a conversa dona Maria Joseacute nos relata suas lembranccedilas de

crianccedila onde os mortos ainda eram velados e enterrados em redes segundo a mesma

Eu lembro que quando no tempo de menina aiacute quando morria uma pessoa ia

costurar de noite aquela mortalha tinha que fazer de noite pra enterrar o

defunto Muitos cantos natildeo tinham cama pra botar o defunto botavam era no

983092 O caixatildeo comunitaacuterio funcionava da seguinte forma acontecendo o falecimento de um ente querido a famiacuteliado morto se dirigia a Igreja para levar o caixatildeo ateacute a casa do defunto Terminado o veloacuterio e o sepultamento ocadaacutever era colocado na sepultura e o caixatildeo retornava para poder ser utilizado por todos aqueles que natildeopodiam pagar por caixatildeo

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1017

983089983088

chatildeo no chatildeo limpo numa esteira eu me lembro eu menina me lembro Outros

levavam numa rede (Entrevista realizada em 17072010)

Nas deacutecadas de 50 e 60 ainda era muito comum na ausecircncia do caixatildeo o uso de

redes para sepultar o defunto Durante o veloacuterio o corpo do morto ficava em cima de uma

esteira ou de uma porta no proacuteprio chatildeo batido para que todos pudessem velar o corpo e fazer

as uacuteltimas oraccedilotildees ao morto A rede era amarrada a um pedaccedilo de madeira segurada por duas

pessoas que se encarregavam de levar o defunto ateacute o cemiteacuterio Para dona Maria Joseacute esta

cena era horriacutevel era uma assombraccedilatildeo ver os defuntos se balanccedilando na rede causando

espanto e medo

Outra preocupaccedilatildeo que fazia parte do imaginaacuterio catoacutelico era a realizaccedilatildeo do

sacramento da extrema-unccedilatildeo naqueles indiviacuteduos moribundos que estavam prestes a morrer

De acordo com o trabalho de pesquisa de Ana Claacuteudia Ribeiro (ANIacuteBAL 2010 19)

A extrema-unccedilatildeo eacute um sacramento que se fundamenta do Evangelho Mateus quediz ldquoA ordem do Senhor os apoacutestolos expeliam muitos democircnios e ungiam com

oacuteleo a muitos enfermos e os curavamrdquo (Mc 613) Para o catolicismo o

sacramento da Extrema-Unccedilatildeo eacute ministrado para aqueles cristatildeos que estatildeo em

perigo de morte o propoacutesito do sacramento eacute restaurar a sauacutede da pessoa e

absorver o indiviacuteduo de qualquer pecado remanescente

A primeira providecircncia tomada pela famiacutelia de uma pessoa que estava na

iminecircncia da morte era pedir que o padre da paroacutequia mais proacutexima se dirigisse ateacute a sua

residecircncia para preparar o moribundo para a morte Com a utilizaccedilatildeo do oacuteleo que

representava a alegria e o perfume do Espiacuterito Santo este era para os cristatildeos ldquoa imagem da

misericoacuterdia do amor e da compaixatildeo divina e eles satildeo os siacutembolos da benccedilatildeordquo (ANIacuteBAL

2010 20) Todo esse ritual faz parte dos sacramentos usados pela Liturgia da Igreja Catoacutelica

como uma forma de possibilitar a cura corporal e de restaurar a alma do indiviacuteduo de todo

pecado

Percebemos a memoacuteria como uma das fontes da produccedilatildeo do conhecimentohistoacuterico podendo assim conhecer a histoacuteria do cotidiano e conhecer os sentimentos do que

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1117

983089983089

muda e do que permanece Preocupar-se com a boa morte e com os rituais fuacutenebres que

garantiriam isso ao indiviacuteduo eram sentimentos que faziam parte do imaginaacuterio de uma

sociedade religiosa que via a morte como uma passagem para outra vida mesmo

desconhecida esta poderia ser um lugar de descanso Velar o corpo na proacutepria casa do

falecido fazer a vigiacutelia e oraccedilotildees para afastar os maus espiacuteritos eram praacuteticas que faziam parte

do cenaacuterio fuacutenebre e do luto das pessoas Isso fica mais claro quando Ana Claacuteudia Aniacutebal

(ANIacuteBAL 201 45) escreve que

O luto se apresenta portanto como trabalho de perda um mecanismo que busca

elaborar o choque daquilo que foi perdido retirado e possibilitando ao fim desse

processo eleger um outro objeto no lugar daquele que foi perdido O luto insere amorte na cultura ele ressignifica o morto o luto seria o ato de simbolizaccedilatildeo do

morto

Vestir-se de preto tambeacutem era um costume muito comum entre aqueles que

frequentavam os veloacuterios demonstrando seu luto e respeito ao falecido Deixar expliacutecito

publicamente o sofrimento sentido pela perda de um amigo ou parente fazia parte dos

significados do luto esta era uma manifestaccedilatildeo social que se caracterizava pelo o uso do

preto

Os cortejos a peacute tambeacutem eram muito marcantes nesse periacuteodo Eles eram

acompanhados por cacircnticos e oraccedilotildees ateacute a chegada do caixatildeo no cemiteacuterio chamando a

atenccedilatildeo daqueles presenciavam este ritual No Brasil do seacuteculo XIX era muito comum que

nessa tradiccedilatildeo fuacutenebres fossem contratadas mulheres conhecidas como carpideiras para chorare rezar pelo morto Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquo a multidatildeo em volta do caixatildeo do morto tinha

como objetivo afastar tanto os maus espiacuteritos do morto como a alma do morto de perto dos

vivosrdquo (REIS 1991 114)

O que percebemos eacute que a sociedade da assepsia e do individualismo vem se

constituindo e se consolidando ao mesmo tempo em que as pessoas se afastam da morte e

daquilo que ela representa Portanto eacute inegaacutevel que as atitudes diante da morte tenham

sofrido modificaccedilotildees e que os sentimentos que cercavam este evento ganham novas

configuraccedilotildees

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1217

983089983090

As pessoas constroem ao longo do tempo significados e sentidos para todos os

setores da vida social Com relaccedilatildeo a maneira de como vemos a morte e de como nos

relacionamos com ela tambeacutem eacute uma construccedilatildeo humana e que por este motivo deve ser

objeto de estudos acadecircmicos

Na nossa sociedade contemporacircnea inuacutemeras vatildeo ser as transformaccedilotildees ocorridas

nos rituais de passagem da vida para a morte praacuteticas que serviam para possibilitar uma boa

morte agora deixam de existir ou simplesmente se transformam

Percebemos que muitas foram as transformaccedilotildees ocorridas em torno dos rituais

fuacutenebres em Limoeiro do Norte ndash CE quando analisamos os processos sociais das praacuteticas

mortuaacuterias e as representaccedilotildees a respeito da morte principalmente a partir a atuaccedilatildeo da

empresa funeraacuteria Assistecircncia Familiar Anjo da Guarda a partir do ano de 1989 Analisar o

processo histoacuterico das praacuteticas mortuaacuterias nos leva a conhecer muitos haacutebitos e crenccedilas em

torno da morte e como as pessoas se relacionavam com a ideia de morrer

O uso de mortalhas agora passa a ser substituiacuteda por vestimentas padronizadas

oferecidas pelas funeraacuterias que natildeo mais oferecem em seus serviccedilos os trajes de santos Estar

protegido pelos santos natildeo fazem mais parte das preocupaccedilotildees que se tinham quando algueacutem

morria

Com a atuaccedilatildeo das casas funeraacuterias jaacute na deacutecada de 1990 o cenaacuterio fuacutenebre vai

ganhar novos apetrechos oferecidos por essas empresas como eacute o caso dos casticcedilais tapetes e

coroas de flores Agora natildeo vemos mais o caixatildeo preto feito em forma de grades os materiaisutilizados pelas funeraacuterias para a confecccedilatildeo desse produto satildeo mais reforccedilados e firmes

Percebemos o distanciamento da morte quando algumas pessoas optam por velar

seus mortos em centros de veloacuterios oferecidos nos serviccedilos das funeraacuterias Na cidade de

Limoeiro do Norte-CE vemos essa praacutetica cada vez mais frequente entre as famiacutelias do morto

como uma forma de evitar abrir as portas de suas casas para o puacuteblico O haacutebito de fazer a

vigiacutelia se restringe apenas a alguns familiares tornado o cenaacuterio ainda mais triste e silencioso

dona Augusta nos relata de forma queixosa as poucas pessoas que ficaram durante a

madrugada no veloacuterio do seu vizinho

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1317

983089983091

Sabe quantas pessoas passou a noite Eu minha cunhada meu irmatildeo que

chegou 2 horas da madrugada e quando chegou outro 3 horas Pronto foi esse

pessoal e a nora da finada e uma filha foram dormir e nois de fora passemos a

noite Mudou de mais antigamente era mais animado ( Entrevista realizada em

17072010)

Os veloacuterios repletos de cacircntico e oraccedilotildees agora datildeo lugar ao silecircncio Muitas

vezes as pessoas apenas fazem uma oraccedilatildeo ou rezam o terccedilo para abenccediloar o espiacuterito do

morto que agora deixa a vida terrena para viver no mundo espiritual segundo a crenccedila

popular

Nesse contexto de modificaccedilatildeo sofridas nos rituais fuacutenebres fica claro o papel

fundamental das funeraacuterias no que diz respeito as mudanccedilas ocorridas nas praacuteticas mortuaacuterias

As casas funeraacuterias passam a oferecer na sociedade do consumo natildeo mais apenas os materiais

que compunham o veloacuterio (caixatildeo velas casticcedilais flores etc) agora elas oferecem um

serviccedilo especializado que requer o trabalho de vaacuterios profissionais que a cada dia satildeocapacitados para melhor desempenhar tais serviccedilos

Percebemos que ao longo dos anos o mercado funeraacuterio vem se especializando e

ampliando sua cartela de serviccedilos como uma forma de manter-se na sociedade de consumo

em que vivemos Pensar estrateacutegias de mercado eacute umas das preocupaccedilotildees das grandes

empresas funeraacuterias que cada vez mais vecircm inserindo uma loacutegica comercial em torno das

cerimocircnias fuacutenebres tornando-as mais luxuosas e personalizadas

Atingir as cidades do interior eacute contudo criar estrateacutegias de mercado que jaacute estatildeo

consolidadas nos grandes centros urbanos Compreendemos que a cidade de Limoeiro do

Norte - CE estaacute passando por transformaccedilotildees poliacuteticas sociais e econocircmicas nas uacuteltimas

deacutecadas do seacuteculo XX Esta cidade comeccedila a perder seu caraacuteter rural a imagem da ldquocidade

pequenardquo vai perdendo espaccedilo para o desenvolvendo das atividades urbanas Conforme

Isabela Andrade no Brasil o empresariar da morte e do morrer ocorreu a partir da

modernizaccedilatildeo dos espaccedilos tanaacuteticos5 que possibilitaram o surgimento dos ldquoGruposrdquo no final

983093 O termo deriva de tanatologia que segundo a definiccedilatildeo do dicionaacuterio ldquoAureacuteliordquo refere-se agrave teoria sobre a

morte e na medicina legal eacute a parte que se ocupa da morte e dos problemas meacutedico-legais com ela relacionados

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1417

983089983092

da deacutecada de 1980 o que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado em

empresas Os ldquoGruposrdquo satildeo portanto empresas completas que agregam vaacuterios

empreendimentos fuacutenebres com o objetivo de dar conta de todo o processo do morrer ldquoo

antes (com o serviccedilo de prevenccedilatildeo do funeral) o durante (com serviccedilo funeral) e o depois

(com os serviccedilos de assistecircncia ao luto)rdquo (MORAIS 2009 96)

Na relaccedilatildeo comercial entre a empresa funeraacuteria com a venda de artefatos e

serviccedilos mortuaacuterios e seus consumidores a uma tentativa dessas agecircncias de sobressair nummercado competitivo Desta forma percebemos que haacute uma preocupaccedilatildeo dos empresaacuterios em

estaacute modernizando seus serviccedilos oferecendo aos clientes cerimocircnias personalizada que

refletem o aspecto da pessoa morta da sua personalidade e da sua individualidade enquanto

estava viva

Acompanhando as modificaccedilotildees ocorridas em uma sociedade capitalista as

empresas funeraacuterias criam estrateacutegias para combater a concorrecircncia garantindo um nuacutemero

ainda maior de clientes adeptos aos novos serviccedilos fuacutenebres Especializar-se modernizar-se eoferecer serviccedilos diferenciados eacute uma das formas que as funeraacuterias encontraram para se

manterem no mercado Toda a preocupaccedilatildeo em torno da modernizaccedilatildeo das empresas

funeraacuterias insere a morte em uma loacutegica comercial quando compreendemos que acoplado aos

seus aparelhos de atendimento estatildeo a publicidade vantagens e concorrecircncias em relaccedilatildeo aacute

oferta de serviccedilos funeraacuterios

Os meios de comunicaccedilatildeo de massa e o mundo do anuacutencio em que vivemos

transformam tais serviccedilos fuacutenebres necessaacuterios e indispensaacuteveis As pessoas acabam sentindo

o desejo de consumir os produtos a partir de um discurso disseminado pela publicidade e

criado pela proacutepria funeraacuteria de que para viver de forma tranquila com relaccedilatildeo a morte temos

que pagar planos funeraacuterios Para Isabela Andrade (MORAIS 2009 140)

Anuacutencios em jornais revistas e internet satildeo estrateacutegias de marketing que tem como

principal funccedilatildeo a transmissatildeo de informaccedilotildees para determinados puacuteblicos

comunicando a sociedade os coacutedigos culturais que estatildeo presentes nos bens de

consumo

Portanto em nossa pesquisa entendemos por espaccedilo tanaacutetico todo o ambiente e atos relativos aos serviccedilos ecuidados relativos agrave morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1517

983089983093

Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo

lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o

consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em

que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte

Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a

morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a

maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees

refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas

ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e

sobretudo com o consumo

Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e

transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que

muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las

possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1617

983089983094

REFEREcircNCIAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007

AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001

ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010

AgraveRIES Philippe Histoacuteria da morte no ocidente Rio de Janeiro Ed Ediouro 2003

BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994

______ Ritos da Vida Privada In NOVAIS Fernando A Souza MELLO Laura (Org)Histoacuteria da vida privada no Brasil cotidiano e vida privada na Ameacuterica Portuguesa SatildeoPaulo Ed Companhia das Letras 1997

ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001

FERREIRA Marieta de Morais Histoacuteria do tempo presente desafios Cultura VozesPetroacutepolis v 94 n 3 p 111- 124 maio 2000

GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1717

983089983095

______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997

MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19

jan 2011

MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco

PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997

REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991

Page 8: A Conveniência Da Morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 817

983096

As pessoas eram vestidas com mortalhas de santo porque possuiacuteam uma grande

devoccedilatildeo por iacutecones catoacutelicos e acreditavam que desta forma estariam protegidas contra os

maus espiacuteritos e que fariam uma boa passagem para a outra vida Os trajes mais comuns

utilizados pelos mortos em Limoeiro do Norte ndash CE eram as vestes de Satildeo Francisco para os

homens e de Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo para as mulheres Segundo Joatildeo Joseacute Reis (REIS

1991 2)

Os trajes de santos sugerem um apelo agrave proteccedilatildeo dos mesmos e sublinha a

importacircncia do cuidado com o cadaacutever na passagem para o aleacutem Vestir-se de santorepresentava desejo de graccedila imaginar-se perto de Deus a roupa mortuaacuteria

protegia os mortos e promovia uma integraccedilatildeo bem aventurada

Tambeacutem fazia parte da crenccedila e das praacuteticas religiosas neste municiacutepio vestir

com os trajes de santos as crianccedilas De acordo com Ana Claacuteudia Aniacutebal Ribeiro ldquoao trajar as

criancinhas com as roupas dos santos os pais imaginavam garantir que seu rebento natildeo ficaria

desamparado no outro mundo estando guardados sob os cuidados dos seus santosrdquo

(ANIacuteBAL 2010 31)

Ainda falando dos veloacuterios desse periacuteodo e elementos que faziam parte do

cenaacuterio fuacutenebre podemos fazer referecircncia aos caixotildees em que eram enterrados os mortos

Depois da confirmaccedilatildeo da morte do moribundo a famiacutelia logo providenciava a confecccedilatildeo da

urna funeraacuteria que era confeccionada de forma artesanal Normalmente os moribundos

morriam na proacutepria residecircncia jaacute que o acesso ao hospital puacuteblico era muito difiacutecil

Enquanto isso o corpo ficava em uma esteira no chatildeo ou sobre uma cama ateacute que

estivesse pronto o caixatildeo Vestir o morto e preparaacute-lo para o sepultamento era de

responsabilidade das pessoas mais proacuteximas do defunto que tinham a preocupaccedilatildeo de

amortalhar e limpar o feacuteretro Isso fica mais evidente quando dona Maria de Lourdes faz o

seguinte relato

Eu mesmo ajudei muito a vestir os defuntos a minha matildee fui eu quem vestiu ela com

uma roupinha melhorzinha O tio de Daniacutelo eu tambeacutem ajudei as vezes quando a

roupa natildeo cabia a gente rasgava um pouquinho porque ia ficar atraacutes mesmosningueacutem ia ver Quando o corpo jaacute tava duro as pessoas levantavam o defunto pra

vestir ele (Entrevista realizada em 15052012)

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 917

983097

De acordo com os depoentes os caixotildees eram feitos de madeira com formato de

grades cobertos por um pano preto Devido a pouca resistecircncia do material as pessoas

colocavam uma escada de madeira ou uma esteira debaixo do caixatildeo para carregaacute-lo ateacute o

cemiteacuterio Como podemos observar na imagem abaixo

Conforme as pesquisas ouvimos relatos de pessoas que vivenciaram o periacuteodo em

que na sua cidade exista o caixatildeo comunitaacuterio4 doado pela prefeitura ou pela paroacutequia Na

entrevista realizada com dona Maria Joseacute natural do municiacutepio de Potiretama a depoente

relata que no tempo de menina as pessoas que natildeo podiam pagar por caixatildeo utilizavam-se

daquele que estava na igreja do cemiteacuterio fazendo parte do cenaacuterio deste ambiente De acordo

com Maria Joseacute

Cansei de ver aquele caixatildeozatildeo preto me lembro que quando a gente ia arrumar a

igreja aquele caixatildeo e ainda era guardado dentro da igreja Laacute natildeo tinha capela

no cemiteacuterio de laacute e era guardado dentro da igreja esse caixatildeo (Entrevistarealizada em 17072010)

Apreendemos que esse objeto permanecia nos espaccedilos sociais e no cotidiano das

pessoas como algo natural sem causar estranheza aqueles que frequentavam a igreja Poreacutem

na sua fala ficam claras as percepccedilotildees que dona Maria adquiriu no presente quando ela faz

referecircncia ao caixatildeo utilizando o termo ldquocaixatildeozatildeo pretordquo demonstrando o aspecto tenebroso

que aquele cenaacuterio representava

Continuando com a conversa dona Maria Joseacute nos relata suas lembranccedilas de

crianccedila onde os mortos ainda eram velados e enterrados em redes segundo a mesma

Eu lembro que quando no tempo de menina aiacute quando morria uma pessoa ia

costurar de noite aquela mortalha tinha que fazer de noite pra enterrar o

defunto Muitos cantos natildeo tinham cama pra botar o defunto botavam era no

983092 O caixatildeo comunitaacuterio funcionava da seguinte forma acontecendo o falecimento de um ente querido a famiacuteliado morto se dirigia a Igreja para levar o caixatildeo ateacute a casa do defunto Terminado o veloacuterio e o sepultamento ocadaacutever era colocado na sepultura e o caixatildeo retornava para poder ser utilizado por todos aqueles que natildeopodiam pagar por caixatildeo

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1017

983089983088

chatildeo no chatildeo limpo numa esteira eu me lembro eu menina me lembro Outros

levavam numa rede (Entrevista realizada em 17072010)

Nas deacutecadas de 50 e 60 ainda era muito comum na ausecircncia do caixatildeo o uso de

redes para sepultar o defunto Durante o veloacuterio o corpo do morto ficava em cima de uma

esteira ou de uma porta no proacuteprio chatildeo batido para que todos pudessem velar o corpo e fazer

as uacuteltimas oraccedilotildees ao morto A rede era amarrada a um pedaccedilo de madeira segurada por duas

pessoas que se encarregavam de levar o defunto ateacute o cemiteacuterio Para dona Maria Joseacute esta

cena era horriacutevel era uma assombraccedilatildeo ver os defuntos se balanccedilando na rede causando

espanto e medo

Outra preocupaccedilatildeo que fazia parte do imaginaacuterio catoacutelico era a realizaccedilatildeo do

sacramento da extrema-unccedilatildeo naqueles indiviacuteduos moribundos que estavam prestes a morrer

De acordo com o trabalho de pesquisa de Ana Claacuteudia Ribeiro (ANIacuteBAL 2010 19)

A extrema-unccedilatildeo eacute um sacramento que se fundamenta do Evangelho Mateus quediz ldquoA ordem do Senhor os apoacutestolos expeliam muitos democircnios e ungiam com

oacuteleo a muitos enfermos e os curavamrdquo (Mc 613) Para o catolicismo o

sacramento da Extrema-Unccedilatildeo eacute ministrado para aqueles cristatildeos que estatildeo em

perigo de morte o propoacutesito do sacramento eacute restaurar a sauacutede da pessoa e

absorver o indiviacuteduo de qualquer pecado remanescente

A primeira providecircncia tomada pela famiacutelia de uma pessoa que estava na

iminecircncia da morte era pedir que o padre da paroacutequia mais proacutexima se dirigisse ateacute a sua

residecircncia para preparar o moribundo para a morte Com a utilizaccedilatildeo do oacuteleo que

representava a alegria e o perfume do Espiacuterito Santo este era para os cristatildeos ldquoa imagem da

misericoacuterdia do amor e da compaixatildeo divina e eles satildeo os siacutembolos da benccedilatildeordquo (ANIacuteBAL

2010 20) Todo esse ritual faz parte dos sacramentos usados pela Liturgia da Igreja Catoacutelica

como uma forma de possibilitar a cura corporal e de restaurar a alma do indiviacuteduo de todo

pecado

Percebemos a memoacuteria como uma das fontes da produccedilatildeo do conhecimentohistoacuterico podendo assim conhecer a histoacuteria do cotidiano e conhecer os sentimentos do que

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1117

983089983089

muda e do que permanece Preocupar-se com a boa morte e com os rituais fuacutenebres que

garantiriam isso ao indiviacuteduo eram sentimentos que faziam parte do imaginaacuterio de uma

sociedade religiosa que via a morte como uma passagem para outra vida mesmo

desconhecida esta poderia ser um lugar de descanso Velar o corpo na proacutepria casa do

falecido fazer a vigiacutelia e oraccedilotildees para afastar os maus espiacuteritos eram praacuteticas que faziam parte

do cenaacuterio fuacutenebre e do luto das pessoas Isso fica mais claro quando Ana Claacuteudia Aniacutebal

(ANIacuteBAL 201 45) escreve que

O luto se apresenta portanto como trabalho de perda um mecanismo que busca

elaborar o choque daquilo que foi perdido retirado e possibilitando ao fim desse

processo eleger um outro objeto no lugar daquele que foi perdido O luto insere amorte na cultura ele ressignifica o morto o luto seria o ato de simbolizaccedilatildeo do

morto

Vestir-se de preto tambeacutem era um costume muito comum entre aqueles que

frequentavam os veloacuterios demonstrando seu luto e respeito ao falecido Deixar expliacutecito

publicamente o sofrimento sentido pela perda de um amigo ou parente fazia parte dos

significados do luto esta era uma manifestaccedilatildeo social que se caracterizava pelo o uso do

preto

Os cortejos a peacute tambeacutem eram muito marcantes nesse periacuteodo Eles eram

acompanhados por cacircnticos e oraccedilotildees ateacute a chegada do caixatildeo no cemiteacuterio chamando a

atenccedilatildeo daqueles presenciavam este ritual No Brasil do seacuteculo XIX era muito comum que

nessa tradiccedilatildeo fuacutenebres fossem contratadas mulheres conhecidas como carpideiras para chorare rezar pelo morto Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquo a multidatildeo em volta do caixatildeo do morto tinha

como objetivo afastar tanto os maus espiacuteritos do morto como a alma do morto de perto dos

vivosrdquo (REIS 1991 114)

O que percebemos eacute que a sociedade da assepsia e do individualismo vem se

constituindo e se consolidando ao mesmo tempo em que as pessoas se afastam da morte e

daquilo que ela representa Portanto eacute inegaacutevel que as atitudes diante da morte tenham

sofrido modificaccedilotildees e que os sentimentos que cercavam este evento ganham novas

configuraccedilotildees

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1217

983089983090

As pessoas constroem ao longo do tempo significados e sentidos para todos os

setores da vida social Com relaccedilatildeo a maneira de como vemos a morte e de como nos

relacionamos com ela tambeacutem eacute uma construccedilatildeo humana e que por este motivo deve ser

objeto de estudos acadecircmicos

Na nossa sociedade contemporacircnea inuacutemeras vatildeo ser as transformaccedilotildees ocorridas

nos rituais de passagem da vida para a morte praacuteticas que serviam para possibilitar uma boa

morte agora deixam de existir ou simplesmente se transformam

Percebemos que muitas foram as transformaccedilotildees ocorridas em torno dos rituais

fuacutenebres em Limoeiro do Norte ndash CE quando analisamos os processos sociais das praacuteticas

mortuaacuterias e as representaccedilotildees a respeito da morte principalmente a partir a atuaccedilatildeo da

empresa funeraacuteria Assistecircncia Familiar Anjo da Guarda a partir do ano de 1989 Analisar o

processo histoacuterico das praacuteticas mortuaacuterias nos leva a conhecer muitos haacutebitos e crenccedilas em

torno da morte e como as pessoas se relacionavam com a ideia de morrer

O uso de mortalhas agora passa a ser substituiacuteda por vestimentas padronizadas

oferecidas pelas funeraacuterias que natildeo mais oferecem em seus serviccedilos os trajes de santos Estar

protegido pelos santos natildeo fazem mais parte das preocupaccedilotildees que se tinham quando algueacutem

morria

Com a atuaccedilatildeo das casas funeraacuterias jaacute na deacutecada de 1990 o cenaacuterio fuacutenebre vai

ganhar novos apetrechos oferecidos por essas empresas como eacute o caso dos casticcedilais tapetes e

coroas de flores Agora natildeo vemos mais o caixatildeo preto feito em forma de grades os materiaisutilizados pelas funeraacuterias para a confecccedilatildeo desse produto satildeo mais reforccedilados e firmes

Percebemos o distanciamento da morte quando algumas pessoas optam por velar

seus mortos em centros de veloacuterios oferecidos nos serviccedilos das funeraacuterias Na cidade de

Limoeiro do Norte-CE vemos essa praacutetica cada vez mais frequente entre as famiacutelias do morto

como uma forma de evitar abrir as portas de suas casas para o puacuteblico O haacutebito de fazer a

vigiacutelia se restringe apenas a alguns familiares tornado o cenaacuterio ainda mais triste e silencioso

dona Augusta nos relata de forma queixosa as poucas pessoas que ficaram durante a

madrugada no veloacuterio do seu vizinho

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1317

983089983091

Sabe quantas pessoas passou a noite Eu minha cunhada meu irmatildeo que

chegou 2 horas da madrugada e quando chegou outro 3 horas Pronto foi esse

pessoal e a nora da finada e uma filha foram dormir e nois de fora passemos a

noite Mudou de mais antigamente era mais animado ( Entrevista realizada em

17072010)

Os veloacuterios repletos de cacircntico e oraccedilotildees agora datildeo lugar ao silecircncio Muitas

vezes as pessoas apenas fazem uma oraccedilatildeo ou rezam o terccedilo para abenccediloar o espiacuterito do

morto que agora deixa a vida terrena para viver no mundo espiritual segundo a crenccedila

popular

Nesse contexto de modificaccedilatildeo sofridas nos rituais fuacutenebres fica claro o papel

fundamental das funeraacuterias no que diz respeito as mudanccedilas ocorridas nas praacuteticas mortuaacuterias

As casas funeraacuterias passam a oferecer na sociedade do consumo natildeo mais apenas os materiais

que compunham o veloacuterio (caixatildeo velas casticcedilais flores etc) agora elas oferecem um

serviccedilo especializado que requer o trabalho de vaacuterios profissionais que a cada dia satildeocapacitados para melhor desempenhar tais serviccedilos

Percebemos que ao longo dos anos o mercado funeraacuterio vem se especializando e

ampliando sua cartela de serviccedilos como uma forma de manter-se na sociedade de consumo

em que vivemos Pensar estrateacutegias de mercado eacute umas das preocupaccedilotildees das grandes

empresas funeraacuterias que cada vez mais vecircm inserindo uma loacutegica comercial em torno das

cerimocircnias fuacutenebres tornando-as mais luxuosas e personalizadas

Atingir as cidades do interior eacute contudo criar estrateacutegias de mercado que jaacute estatildeo

consolidadas nos grandes centros urbanos Compreendemos que a cidade de Limoeiro do

Norte - CE estaacute passando por transformaccedilotildees poliacuteticas sociais e econocircmicas nas uacuteltimas

deacutecadas do seacuteculo XX Esta cidade comeccedila a perder seu caraacuteter rural a imagem da ldquocidade

pequenardquo vai perdendo espaccedilo para o desenvolvendo das atividades urbanas Conforme

Isabela Andrade no Brasil o empresariar da morte e do morrer ocorreu a partir da

modernizaccedilatildeo dos espaccedilos tanaacuteticos5 que possibilitaram o surgimento dos ldquoGruposrdquo no final

983093 O termo deriva de tanatologia que segundo a definiccedilatildeo do dicionaacuterio ldquoAureacuteliordquo refere-se agrave teoria sobre a

morte e na medicina legal eacute a parte que se ocupa da morte e dos problemas meacutedico-legais com ela relacionados

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1417

983089983092

da deacutecada de 1980 o que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado em

empresas Os ldquoGruposrdquo satildeo portanto empresas completas que agregam vaacuterios

empreendimentos fuacutenebres com o objetivo de dar conta de todo o processo do morrer ldquoo

antes (com o serviccedilo de prevenccedilatildeo do funeral) o durante (com serviccedilo funeral) e o depois

(com os serviccedilos de assistecircncia ao luto)rdquo (MORAIS 2009 96)

Na relaccedilatildeo comercial entre a empresa funeraacuteria com a venda de artefatos e

serviccedilos mortuaacuterios e seus consumidores a uma tentativa dessas agecircncias de sobressair nummercado competitivo Desta forma percebemos que haacute uma preocupaccedilatildeo dos empresaacuterios em

estaacute modernizando seus serviccedilos oferecendo aos clientes cerimocircnias personalizada que

refletem o aspecto da pessoa morta da sua personalidade e da sua individualidade enquanto

estava viva

Acompanhando as modificaccedilotildees ocorridas em uma sociedade capitalista as

empresas funeraacuterias criam estrateacutegias para combater a concorrecircncia garantindo um nuacutemero

ainda maior de clientes adeptos aos novos serviccedilos fuacutenebres Especializar-se modernizar-se eoferecer serviccedilos diferenciados eacute uma das formas que as funeraacuterias encontraram para se

manterem no mercado Toda a preocupaccedilatildeo em torno da modernizaccedilatildeo das empresas

funeraacuterias insere a morte em uma loacutegica comercial quando compreendemos que acoplado aos

seus aparelhos de atendimento estatildeo a publicidade vantagens e concorrecircncias em relaccedilatildeo aacute

oferta de serviccedilos funeraacuterios

Os meios de comunicaccedilatildeo de massa e o mundo do anuacutencio em que vivemos

transformam tais serviccedilos fuacutenebres necessaacuterios e indispensaacuteveis As pessoas acabam sentindo

o desejo de consumir os produtos a partir de um discurso disseminado pela publicidade e

criado pela proacutepria funeraacuteria de que para viver de forma tranquila com relaccedilatildeo a morte temos

que pagar planos funeraacuterios Para Isabela Andrade (MORAIS 2009 140)

Anuacutencios em jornais revistas e internet satildeo estrateacutegias de marketing que tem como

principal funccedilatildeo a transmissatildeo de informaccedilotildees para determinados puacuteblicos

comunicando a sociedade os coacutedigos culturais que estatildeo presentes nos bens de

consumo

Portanto em nossa pesquisa entendemos por espaccedilo tanaacutetico todo o ambiente e atos relativos aos serviccedilos ecuidados relativos agrave morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1517

983089983093

Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo

lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o

consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em

que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte

Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a

morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a

maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees

refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas

ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e

sobretudo com o consumo

Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e

transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que

muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las

possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1617

983089983094

REFEREcircNCIAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007

AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001

ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010

AgraveRIES Philippe Histoacuteria da morte no ocidente Rio de Janeiro Ed Ediouro 2003

BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994

______ Ritos da Vida Privada In NOVAIS Fernando A Souza MELLO Laura (Org)Histoacuteria da vida privada no Brasil cotidiano e vida privada na Ameacuterica Portuguesa SatildeoPaulo Ed Companhia das Letras 1997

ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001

FERREIRA Marieta de Morais Histoacuteria do tempo presente desafios Cultura VozesPetroacutepolis v 94 n 3 p 111- 124 maio 2000

GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1717

983089983095

______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997

MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19

jan 2011

MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco

PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997

REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991

Page 9: A Conveniência Da Morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 917

983097

De acordo com os depoentes os caixotildees eram feitos de madeira com formato de

grades cobertos por um pano preto Devido a pouca resistecircncia do material as pessoas

colocavam uma escada de madeira ou uma esteira debaixo do caixatildeo para carregaacute-lo ateacute o

cemiteacuterio Como podemos observar na imagem abaixo

Conforme as pesquisas ouvimos relatos de pessoas que vivenciaram o periacuteodo em

que na sua cidade exista o caixatildeo comunitaacuterio4 doado pela prefeitura ou pela paroacutequia Na

entrevista realizada com dona Maria Joseacute natural do municiacutepio de Potiretama a depoente

relata que no tempo de menina as pessoas que natildeo podiam pagar por caixatildeo utilizavam-se

daquele que estava na igreja do cemiteacuterio fazendo parte do cenaacuterio deste ambiente De acordo

com Maria Joseacute

Cansei de ver aquele caixatildeozatildeo preto me lembro que quando a gente ia arrumar a

igreja aquele caixatildeo e ainda era guardado dentro da igreja Laacute natildeo tinha capela

no cemiteacuterio de laacute e era guardado dentro da igreja esse caixatildeo (Entrevistarealizada em 17072010)

Apreendemos que esse objeto permanecia nos espaccedilos sociais e no cotidiano das

pessoas como algo natural sem causar estranheza aqueles que frequentavam a igreja Poreacutem

na sua fala ficam claras as percepccedilotildees que dona Maria adquiriu no presente quando ela faz

referecircncia ao caixatildeo utilizando o termo ldquocaixatildeozatildeo pretordquo demonstrando o aspecto tenebroso

que aquele cenaacuterio representava

Continuando com a conversa dona Maria Joseacute nos relata suas lembranccedilas de

crianccedila onde os mortos ainda eram velados e enterrados em redes segundo a mesma

Eu lembro que quando no tempo de menina aiacute quando morria uma pessoa ia

costurar de noite aquela mortalha tinha que fazer de noite pra enterrar o

defunto Muitos cantos natildeo tinham cama pra botar o defunto botavam era no

983092 O caixatildeo comunitaacuterio funcionava da seguinte forma acontecendo o falecimento de um ente querido a famiacuteliado morto se dirigia a Igreja para levar o caixatildeo ateacute a casa do defunto Terminado o veloacuterio e o sepultamento ocadaacutever era colocado na sepultura e o caixatildeo retornava para poder ser utilizado por todos aqueles que natildeopodiam pagar por caixatildeo

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1017

983089983088

chatildeo no chatildeo limpo numa esteira eu me lembro eu menina me lembro Outros

levavam numa rede (Entrevista realizada em 17072010)

Nas deacutecadas de 50 e 60 ainda era muito comum na ausecircncia do caixatildeo o uso de

redes para sepultar o defunto Durante o veloacuterio o corpo do morto ficava em cima de uma

esteira ou de uma porta no proacuteprio chatildeo batido para que todos pudessem velar o corpo e fazer

as uacuteltimas oraccedilotildees ao morto A rede era amarrada a um pedaccedilo de madeira segurada por duas

pessoas que se encarregavam de levar o defunto ateacute o cemiteacuterio Para dona Maria Joseacute esta

cena era horriacutevel era uma assombraccedilatildeo ver os defuntos se balanccedilando na rede causando

espanto e medo

Outra preocupaccedilatildeo que fazia parte do imaginaacuterio catoacutelico era a realizaccedilatildeo do

sacramento da extrema-unccedilatildeo naqueles indiviacuteduos moribundos que estavam prestes a morrer

De acordo com o trabalho de pesquisa de Ana Claacuteudia Ribeiro (ANIacuteBAL 2010 19)

A extrema-unccedilatildeo eacute um sacramento que se fundamenta do Evangelho Mateus quediz ldquoA ordem do Senhor os apoacutestolos expeliam muitos democircnios e ungiam com

oacuteleo a muitos enfermos e os curavamrdquo (Mc 613) Para o catolicismo o

sacramento da Extrema-Unccedilatildeo eacute ministrado para aqueles cristatildeos que estatildeo em

perigo de morte o propoacutesito do sacramento eacute restaurar a sauacutede da pessoa e

absorver o indiviacuteduo de qualquer pecado remanescente

A primeira providecircncia tomada pela famiacutelia de uma pessoa que estava na

iminecircncia da morte era pedir que o padre da paroacutequia mais proacutexima se dirigisse ateacute a sua

residecircncia para preparar o moribundo para a morte Com a utilizaccedilatildeo do oacuteleo que

representava a alegria e o perfume do Espiacuterito Santo este era para os cristatildeos ldquoa imagem da

misericoacuterdia do amor e da compaixatildeo divina e eles satildeo os siacutembolos da benccedilatildeordquo (ANIacuteBAL

2010 20) Todo esse ritual faz parte dos sacramentos usados pela Liturgia da Igreja Catoacutelica

como uma forma de possibilitar a cura corporal e de restaurar a alma do indiviacuteduo de todo

pecado

Percebemos a memoacuteria como uma das fontes da produccedilatildeo do conhecimentohistoacuterico podendo assim conhecer a histoacuteria do cotidiano e conhecer os sentimentos do que

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1117

983089983089

muda e do que permanece Preocupar-se com a boa morte e com os rituais fuacutenebres que

garantiriam isso ao indiviacuteduo eram sentimentos que faziam parte do imaginaacuterio de uma

sociedade religiosa que via a morte como uma passagem para outra vida mesmo

desconhecida esta poderia ser um lugar de descanso Velar o corpo na proacutepria casa do

falecido fazer a vigiacutelia e oraccedilotildees para afastar os maus espiacuteritos eram praacuteticas que faziam parte

do cenaacuterio fuacutenebre e do luto das pessoas Isso fica mais claro quando Ana Claacuteudia Aniacutebal

(ANIacuteBAL 201 45) escreve que

O luto se apresenta portanto como trabalho de perda um mecanismo que busca

elaborar o choque daquilo que foi perdido retirado e possibilitando ao fim desse

processo eleger um outro objeto no lugar daquele que foi perdido O luto insere amorte na cultura ele ressignifica o morto o luto seria o ato de simbolizaccedilatildeo do

morto

Vestir-se de preto tambeacutem era um costume muito comum entre aqueles que

frequentavam os veloacuterios demonstrando seu luto e respeito ao falecido Deixar expliacutecito

publicamente o sofrimento sentido pela perda de um amigo ou parente fazia parte dos

significados do luto esta era uma manifestaccedilatildeo social que se caracterizava pelo o uso do

preto

Os cortejos a peacute tambeacutem eram muito marcantes nesse periacuteodo Eles eram

acompanhados por cacircnticos e oraccedilotildees ateacute a chegada do caixatildeo no cemiteacuterio chamando a

atenccedilatildeo daqueles presenciavam este ritual No Brasil do seacuteculo XIX era muito comum que

nessa tradiccedilatildeo fuacutenebres fossem contratadas mulheres conhecidas como carpideiras para chorare rezar pelo morto Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquo a multidatildeo em volta do caixatildeo do morto tinha

como objetivo afastar tanto os maus espiacuteritos do morto como a alma do morto de perto dos

vivosrdquo (REIS 1991 114)

O que percebemos eacute que a sociedade da assepsia e do individualismo vem se

constituindo e se consolidando ao mesmo tempo em que as pessoas se afastam da morte e

daquilo que ela representa Portanto eacute inegaacutevel que as atitudes diante da morte tenham

sofrido modificaccedilotildees e que os sentimentos que cercavam este evento ganham novas

configuraccedilotildees

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1217

983089983090

As pessoas constroem ao longo do tempo significados e sentidos para todos os

setores da vida social Com relaccedilatildeo a maneira de como vemos a morte e de como nos

relacionamos com ela tambeacutem eacute uma construccedilatildeo humana e que por este motivo deve ser

objeto de estudos acadecircmicos

Na nossa sociedade contemporacircnea inuacutemeras vatildeo ser as transformaccedilotildees ocorridas

nos rituais de passagem da vida para a morte praacuteticas que serviam para possibilitar uma boa

morte agora deixam de existir ou simplesmente se transformam

Percebemos que muitas foram as transformaccedilotildees ocorridas em torno dos rituais

fuacutenebres em Limoeiro do Norte ndash CE quando analisamos os processos sociais das praacuteticas

mortuaacuterias e as representaccedilotildees a respeito da morte principalmente a partir a atuaccedilatildeo da

empresa funeraacuteria Assistecircncia Familiar Anjo da Guarda a partir do ano de 1989 Analisar o

processo histoacuterico das praacuteticas mortuaacuterias nos leva a conhecer muitos haacutebitos e crenccedilas em

torno da morte e como as pessoas se relacionavam com a ideia de morrer

O uso de mortalhas agora passa a ser substituiacuteda por vestimentas padronizadas

oferecidas pelas funeraacuterias que natildeo mais oferecem em seus serviccedilos os trajes de santos Estar

protegido pelos santos natildeo fazem mais parte das preocupaccedilotildees que se tinham quando algueacutem

morria

Com a atuaccedilatildeo das casas funeraacuterias jaacute na deacutecada de 1990 o cenaacuterio fuacutenebre vai

ganhar novos apetrechos oferecidos por essas empresas como eacute o caso dos casticcedilais tapetes e

coroas de flores Agora natildeo vemos mais o caixatildeo preto feito em forma de grades os materiaisutilizados pelas funeraacuterias para a confecccedilatildeo desse produto satildeo mais reforccedilados e firmes

Percebemos o distanciamento da morte quando algumas pessoas optam por velar

seus mortos em centros de veloacuterios oferecidos nos serviccedilos das funeraacuterias Na cidade de

Limoeiro do Norte-CE vemos essa praacutetica cada vez mais frequente entre as famiacutelias do morto

como uma forma de evitar abrir as portas de suas casas para o puacuteblico O haacutebito de fazer a

vigiacutelia se restringe apenas a alguns familiares tornado o cenaacuterio ainda mais triste e silencioso

dona Augusta nos relata de forma queixosa as poucas pessoas que ficaram durante a

madrugada no veloacuterio do seu vizinho

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1317

983089983091

Sabe quantas pessoas passou a noite Eu minha cunhada meu irmatildeo que

chegou 2 horas da madrugada e quando chegou outro 3 horas Pronto foi esse

pessoal e a nora da finada e uma filha foram dormir e nois de fora passemos a

noite Mudou de mais antigamente era mais animado ( Entrevista realizada em

17072010)

Os veloacuterios repletos de cacircntico e oraccedilotildees agora datildeo lugar ao silecircncio Muitas

vezes as pessoas apenas fazem uma oraccedilatildeo ou rezam o terccedilo para abenccediloar o espiacuterito do

morto que agora deixa a vida terrena para viver no mundo espiritual segundo a crenccedila

popular

Nesse contexto de modificaccedilatildeo sofridas nos rituais fuacutenebres fica claro o papel

fundamental das funeraacuterias no que diz respeito as mudanccedilas ocorridas nas praacuteticas mortuaacuterias

As casas funeraacuterias passam a oferecer na sociedade do consumo natildeo mais apenas os materiais

que compunham o veloacuterio (caixatildeo velas casticcedilais flores etc) agora elas oferecem um

serviccedilo especializado que requer o trabalho de vaacuterios profissionais que a cada dia satildeocapacitados para melhor desempenhar tais serviccedilos

Percebemos que ao longo dos anos o mercado funeraacuterio vem se especializando e

ampliando sua cartela de serviccedilos como uma forma de manter-se na sociedade de consumo

em que vivemos Pensar estrateacutegias de mercado eacute umas das preocupaccedilotildees das grandes

empresas funeraacuterias que cada vez mais vecircm inserindo uma loacutegica comercial em torno das

cerimocircnias fuacutenebres tornando-as mais luxuosas e personalizadas

Atingir as cidades do interior eacute contudo criar estrateacutegias de mercado que jaacute estatildeo

consolidadas nos grandes centros urbanos Compreendemos que a cidade de Limoeiro do

Norte - CE estaacute passando por transformaccedilotildees poliacuteticas sociais e econocircmicas nas uacuteltimas

deacutecadas do seacuteculo XX Esta cidade comeccedila a perder seu caraacuteter rural a imagem da ldquocidade

pequenardquo vai perdendo espaccedilo para o desenvolvendo das atividades urbanas Conforme

Isabela Andrade no Brasil o empresariar da morte e do morrer ocorreu a partir da

modernizaccedilatildeo dos espaccedilos tanaacuteticos5 que possibilitaram o surgimento dos ldquoGruposrdquo no final

983093 O termo deriva de tanatologia que segundo a definiccedilatildeo do dicionaacuterio ldquoAureacuteliordquo refere-se agrave teoria sobre a

morte e na medicina legal eacute a parte que se ocupa da morte e dos problemas meacutedico-legais com ela relacionados

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1417

983089983092

da deacutecada de 1980 o que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado em

empresas Os ldquoGruposrdquo satildeo portanto empresas completas que agregam vaacuterios

empreendimentos fuacutenebres com o objetivo de dar conta de todo o processo do morrer ldquoo

antes (com o serviccedilo de prevenccedilatildeo do funeral) o durante (com serviccedilo funeral) e o depois

(com os serviccedilos de assistecircncia ao luto)rdquo (MORAIS 2009 96)

Na relaccedilatildeo comercial entre a empresa funeraacuteria com a venda de artefatos e

serviccedilos mortuaacuterios e seus consumidores a uma tentativa dessas agecircncias de sobressair nummercado competitivo Desta forma percebemos que haacute uma preocupaccedilatildeo dos empresaacuterios em

estaacute modernizando seus serviccedilos oferecendo aos clientes cerimocircnias personalizada que

refletem o aspecto da pessoa morta da sua personalidade e da sua individualidade enquanto

estava viva

Acompanhando as modificaccedilotildees ocorridas em uma sociedade capitalista as

empresas funeraacuterias criam estrateacutegias para combater a concorrecircncia garantindo um nuacutemero

ainda maior de clientes adeptos aos novos serviccedilos fuacutenebres Especializar-se modernizar-se eoferecer serviccedilos diferenciados eacute uma das formas que as funeraacuterias encontraram para se

manterem no mercado Toda a preocupaccedilatildeo em torno da modernizaccedilatildeo das empresas

funeraacuterias insere a morte em uma loacutegica comercial quando compreendemos que acoplado aos

seus aparelhos de atendimento estatildeo a publicidade vantagens e concorrecircncias em relaccedilatildeo aacute

oferta de serviccedilos funeraacuterios

Os meios de comunicaccedilatildeo de massa e o mundo do anuacutencio em que vivemos

transformam tais serviccedilos fuacutenebres necessaacuterios e indispensaacuteveis As pessoas acabam sentindo

o desejo de consumir os produtos a partir de um discurso disseminado pela publicidade e

criado pela proacutepria funeraacuteria de que para viver de forma tranquila com relaccedilatildeo a morte temos

que pagar planos funeraacuterios Para Isabela Andrade (MORAIS 2009 140)

Anuacutencios em jornais revistas e internet satildeo estrateacutegias de marketing que tem como

principal funccedilatildeo a transmissatildeo de informaccedilotildees para determinados puacuteblicos

comunicando a sociedade os coacutedigos culturais que estatildeo presentes nos bens de

consumo

Portanto em nossa pesquisa entendemos por espaccedilo tanaacutetico todo o ambiente e atos relativos aos serviccedilos ecuidados relativos agrave morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1517

983089983093

Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo

lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o

consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em

que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte

Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a

morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a

maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees

refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas

ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e

sobretudo com o consumo

Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e

transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que

muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las

possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1617

983089983094

REFEREcircNCIAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007

AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001

ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010

AgraveRIES Philippe Histoacuteria da morte no ocidente Rio de Janeiro Ed Ediouro 2003

BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994

______ Ritos da Vida Privada In NOVAIS Fernando A Souza MELLO Laura (Org)Histoacuteria da vida privada no Brasil cotidiano e vida privada na Ameacuterica Portuguesa SatildeoPaulo Ed Companhia das Letras 1997

ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001

FERREIRA Marieta de Morais Histoacuteria do tempo presente desafios Cultura VozesPetroacutepolis v 94 n 3 p 111- 124 maio 2000

GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1717

983089983095

______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997

MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19

jan 2011

MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco

PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997

REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991

Page 10: A Conveniência Da Morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1017

983089983088

chatildeo no chatildeo limpo numa esteira eu me lembro eu menina me lembro Outros

levavam numa rede (Entrevista realizada em 17072010)

Nas deacutecadas de 50 e 60 ainda era muito comum na ausecircncia do caixatildeo o uso de

redes para sepultar o defunto Durante o veloacuterio o corpo do morto ficava em cima de uma

esteira ou de uma porta no proacuteprio chatildeo batido para que todos pudessem velar o corpo e fazer

as uacuteltimas oraccedilotildees ao morto A rede era amarrada a um pedaccedilo de madeira segurada por duas

pessoas que se encarregavam de levar o defunto ateacute o cemiteacuterio Para dona Maria Joseacute esta

cena era horriacutevel era uma assombraccedilatildeo ver os defuntos se balanccedilando na rede causando

espanto e medo

Outra preocupaccedilatildeo que fazia parte do imaginaacuterio catoacutelico era a realizaccedilatildeo do

sacramento da extrema-unccedilatildeo naqueles indiviacuteduos moribundos que estavam prestes a morrer

De acordo com o trabalho de pesquisa de Ana Claacuteudia Ribeiro (ANIacuteBAL 2010 19)

A extrema-unccedilatildeo eacute um sacramento que se fundamenta do Evangelho Mateus quediz ldquoA ordem do Senhor os apoacutestolos expeliam muitos democircnios e ungiam com

oacuteleo a muitos enfermos e os curavamrdquo (Mc 613) Para o catolicismo o

sacramento da Extrema-Unccedilatildeo eacute ministrado para aqueles cristatildeos que estatildeo em

perigo de morte o propoacutesito do sacramento eacute restaurar a sauacutede da pessoa e

absorver o indiviacuteduo de qualquer pecado remanescente

A primeira providecircncia tomada pela famiacutelia de uma pessoa que estava na

iminecircncia da morte era pedir que o padre da paroacutequia mais proacutexima se dirigisse ateacute a sua

residecircncia para preparar o moribundo para a morte Com a utilizaccedilatildeo do oacuteleo que

representava a alegria e o perfume do Espiacuterito Santo este era para os cristatildeos ldquoa imagem da

misericoacuterdia do amor e da compaixatildeo divina e eles satildeo os siacutembolos da benccedilatildeordquo (ANIacuteBAL

2010 20) Todo esse ritual faz parte dos sacramentos usados pela Liturgia da Igreja Catoacutelica

como uma forma de possibilitar a cura corporal e de restaurar a alma do indiviacuteduo de todo

pecado

Percebemos a memoacuteria como uma das fontes da produccedilatildeo do conhecimentohistoacuterico podendo assim conhecer a histoacuteria do cotidiano e conhecer os sentimentos do que

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1117

983089983089

muda e do que permanece Preocupar-se com a boa morte e com os rituais fuacutenebres que

garantiriam isso ao indiviacuteduo eram sentimentos que faziam parte do imaginaacuterio de uma

sociedade religiosa que via a morte como uma passagem para outra vida mesmo

desconhecida esta poderia ser um lugar de descanso Velar o corpo na proacutepria casa do

falecido fazer a vigiacutelia e oraccedilotildees para afastar os maus espiacuteritos eram praacuteticas que faziam parte

do cenaacuterio fuacutenebre e do luto das pessoas Isso fica mais claro quando Ana Claacuteudia Aniacutebal

(ANIacuteBAL 201 45) escreve que

O luto se apresenta portanto como trabalho de perda um mecanismo que busca

elaborar o choque daquilo que foi perdido retirado e possibilitando ao fim desse

processo eleger um outro objeto no lugar daquele que foi perdido O luto insere amorte na cultura ele ressignifica o morto o luto seria o ato de simbolizaccedilatildeo do

morto

Vestir-se de preto tambeacutem era um costume muito comum entre aqueles que

frequentavam os veloacuterios demonstrando seu luto e respeito ao falecido Deixar expliacutecito

publicamente o sofrimento sentido pela perda de um amigo ou parente fazia parte dos

significados do luto esta era uma manifestaccedilatildeo social que se caracterizava pelo o uso do

preto

Os cortejos a peacute tambeacutem eram muito marcantes nesse periacuteodo Eles eram

acompanhados por cacircnticos e oraccedilotildees ateacute a chegada do caixatildeo no cemiteacuterio chamando a

atenccedilatildeo daqueles presenciavam este ritual No Brasil do seacuteculo XIX era muito comum que

nessa tradiccedilatildeo fuacutenebres fossem contratadas mulheres conhecidas como carpideiras para chorare rezar pelo morto Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquo a multidatildeo em volta do caixatildeo do morto tinha

como objetivo afastar tanto os maus espiacuteritos do morto como a alma do morto de perto dos

vivosrdquo (REIS 1991 114)

O que percebemos eacute que a sociedade da assepsia e do individualismo vem se

constituindo e se consolidando ao mesmo tempo em que as pessoas se afastam da morte e

daquilo que ela representa Portanto eacute inegaacutevel que as atitudes diante da morte tenham

sofrido modificaccedilotildees e que os sentimentos que cercavam este evento ganham novas

configuraccedilotildees

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1217

983089983090

As pessoas constroem ao longo do tempo significados e sentidos para todos os

setores da vida social Com relaccedilatildeo a maneira de como vemos a morte e de como nos

relacionamos com ela tambeacutem eacute uma construccedilatildeo humana e que por este motivo deve ser

objeto de estudos acadecircmicos

Na nossa sociedade contemporacircnea inuacutemeras vatildeo ser as transformaccedilotildees ocorridas

nos rituais de passagem da vida para a morte praacuteticas que serviam para possibilitar uma boa

morte agora deixam de existir ou simplesmente se transformam

Percebemos que muitas foram as transformaccedilotildees ocorridas em torno dos rituais

fuacutenebres em Limoeiro do Norte ndash CE quando analisamos os processos sociais das praacuteticas

mortuaacuterias e as representaccedilotildees a respeito da morte principalmente a partir a atuaccedilatildeo da

empresa funeraacuteria Assistecircncia Familiar Anjo da Guarda a partir do ano de 1989 Analisar o

processo histoacuterico das praacuteticas mortuaacuterias nos leva a conhecer muitos haacutebitos e crenccedilas em

torno da morte e como as pessoas se relacionavam com a ideia de morrer

O uso de mortalhas agora passa a ser substituiacuteda por vestimentas padronizadas

oferecidas pelas funeraacuterias que natildeo mais oferecem em seus serviccedilos os trajes de santos Estar

protegido pelos santos natildeo fazem mais parte das preocupaccedilotildees que se tinham quando algueacutem

morria

Com a atuaccedilatildeo das casas funeraacuterias jaacute na deacutecada de 1990 o cenaacuterio fuacutenebre vai

ganhar novos apetrechos oferecidos por essas empresas como eacute o caso dos casticcedilais tapetes e

coroas de flores Agora natildeo vemos mais o caixatildeo preto feito em forma de grades os materiaisutilizados pelas funeraacuterias para a confecccedilatildeo desse produto satildeo mais reforccedilados e firmes

Percebemos o distanciamento da morte quando algumas pessoas optam por velar

seus mortos em centros de veloacuterios oferecidos nos serviccedilos das funeraacuterias Na cidade de

Limoeiro do Norte-CE vemos essa praacutetica cada vez mais frequente entre as famiacutelias do morto

como uma forma de evitar abrir as portas de suas casas para o puacuteblico O haacutebito de fazer a

vigiacutelia se restringe apenas a alguns familiares tornado o cenaacuterio ainda mais triste e silencioso

dona Augusta nos relata de forma queixosa as poucas pessoas que ficaram durante a

madrugada no veloacuterio do seu vizinho

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1317

983089983091

Sabe quantas pessoas passou a noite Eu minha cunhada meu irmatildeo que

chegou 2 horas da madrugada e quando chegou outro 3 horas Pronto foi esse

pessoal e a nora da finada e uma filha foram dormir e nois de fora passemos a

noite Mudou de mais antigamente era mais animado ( Entrevista realizada em

17072010)

Os veloacuterios repletos de cacircntico e oraccedilotildees agora datildeo lugar ao silecircncio Muitas

vezes as pessoas apenas fazem uma oraccedilatildeo ou rezam o terccedilo para abenccediloar o espiacuterito do

morto que agora deixa a vida terrena para viver no mundo espiritual segundo a crenccedila

popular

Nesse contexto de modificaccedilatildeo sofridas nos rituais fuacutenebres fica claro o papel

fundamental das funeraacuterias no que diz respeito as mudanccedilas ocorridas nas praacuteticas mortuaacuterias

As casas funeraacuterias passam a oferecer na sociedade do consumo natildeo mais apenas os materiais

que compunham o veloacuterio (caixatildeo velas casticcedilais flores etc) agora elas oferecem um

serviccedilo especializado que requer o trabalho de vaacuterios profissionais que a cada dia satildeocapacitados para melhor desempenhar tais serviccedilos

Percebemos que ao longo dos anos o mercado funeraacuterio vem se especializando e

ampliando sua cartela de serviccedilos como uma forma de manter-se na sociedade de consumo

em que vivemos Pensar estrateacutegias de mercado eacute umas das preocupaccedilotildees das grandes

empresas funeraacuterias que cada vez mais vecircm inserindo uma loacutegica comercial em torno das

cerimocircnias fuacutenebres tornando-as mais luxuosas e personalizadas

Atingir as cidades do interior eacute contudo criar estrateacutegias de mercado que jaacute estatildeo

consolidadas nos grandes centros urbanos Compreendemos que a cidade de Limoeiro do

Norte - CE estaacute passando por transformaccedilotildees poliacuteticas sociais e econocircmicas nas uacuteltimas

deacutecadas do seacuteculo XX Esta cidade comeccedila a perder seu caraacuteter rural a imagem da ldquocidade

pequenardquo vai perdendo espaccedilo para o desenvolvendo das atividades urbanas Conforme

Isabela Andrade no Brasil o empresariar da morte e do morrer ocorreu a partir da

modernizaccedilatildeo dos espaccedilos tanaacuteticos5 que possibilitaram o surgimento dos ldquoGruposrdquo no final

983093 O termo deriva de tanatologia que segundo a definiccedilatildeo do dicionaacuterio ldquoAureacuteliordquo refere-se agrave teoria sobre a

morte e na medicina legal eacute a parte que se ocupa da morte e dos problemas meacutedico-legais com ela relacionados

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1417

983089983092

da deacutecada de 1980 o que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado em

empresas Os ldquoGruposrdquo satildeo portanto empresas completas que agregam vaacuterios

empreendimentos fuacutenebres com o objetivo de dar conta de todo o processo do morrer ldquoo

antes (com o serviccedilo de prevenccedilatildeo do funeral) o durante (com serviccedilo funeral) e o depois

(com os serviccedilos de assistecircncia ao luto)rdquo (MORAIS 2009 96)

Na relaccedilatildeo comercial entre a empresa funeraacuteria com a venda de artefatos e

serviccedilos mortuaacuterios e seus consumidores a uma tentativa dessas agecircncias de sobressair nummercado competitivo Desta forma percebemos que haacute uma preocupaccedilatildeo dos empresaacuterios em

estaacute modernizando seus serviccedilos oferecendo aos clientes cerimocircnias personalizada que

refletem o aspecto da pessoa morta da sua personalidade e da sua individualidade enquanto

estava viva

Acompanhando as modificaccedilotildees ocorridas em uma sociedade capitalista as

empresas funeraacuterias criam estrateacutegias para combater a concorrecircncia garantindo um nuacutemero

ainda maior de clientes adeptos aos novos serviccedilos fuacutenebres Especializar-se modernizar-se eoferecer serviccedilos diferenciados eacute uma das formas que as funeraacuterias encontraram para se

manterem no mercado Toda a preocupaccedilatildeo em torno da modernizaccedilatildeo das empresas

funeraacuterias insere a morte em uma loacutegica comercial quando compreendemos que acoplado aos

seus aparelhos de atendimento estatildeo a publicidade vantagens e concorrecircncias em relaccedilatildeo aacute

oferta de serviccedilos funeraacuterios

Os meios de comunicaccedilatildeo de massa e o mundo do anuacutencio em que vivemos

transformam tais serviccedilos fuacutenebres necessaacuterios e indispensaacuteveis As pessoas acabam sentindo

o desejo de consumir os produtos a partir de um discurso disseminado pela publicidade e

criado pela proacutepria funeraacuteria de que para viver de forma tranquila com relaccedilatildeo a morte temos

que pagar planos funeraacuterios Para Isabela Andrade (MORAIS 2009 140)

Anuacutencios em jornais revistas e internet satildeo estrateacutegias de marketing que tem como

principal funccedilatildeo a transmissatildeo de informaccedilotildees para determinados puacuteblicos

comunicando a sociedade os coacutedigos culturais que estatildeo presentes nos bens de

consumo

Portanto em nossa pesquisa entendemos por espaccedilo tanaacutetico todo o ambiente e atos relativos aos serviccedilos ecuidados relativos agrave morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1517

983089983093

Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo

lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o

consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em

que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte

Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a

morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a

maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees

refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas

ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e

sobretudo com o consumo

Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e

transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que

muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las

possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1617

983089983094

REFEREcircNCIAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007

AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001

ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010

AgraveRIES Philippe Histoacuteria da morte no ocidente Rio de Janeiro Ed Ediouro 2003

BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994

______ Ritos da Vida Privada In NOVAIS Fernando A Souza MELLO Laura (Org)Histoacuteria da vida privada no Brasil cotidiano e vida privada na Ameacuterica Portuguesa SatildeoPaulo Ed Companhia das Letras 1997

ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001

FERREIRA Marieta de Morais Histoacuteria do tempo presente desafios Cultura VozesPetroacutepolis v 94 n 3 p 111- 124 maio 2000

GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1717

983089983095

______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997

MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19

jan 2011

MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco

PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997

REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991

Page 11: A Conveniência Da Morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1117

983089983089

muda e do que permanece Preocupar-se com a boa morte e com os rituais fuacutenebres que

garantiriam isso ao indiviacuteduo eram sentimentos que faziam parte do imaginaacuterio de uma

sociedade religiosa que via a morte como uma passagem para outra vida mesmo

desconhecida esta poderia ser um lugar de descanso Velar o corpo na proacutepria casa do

falecido fazer a vigiacutelia e oraccedilotildees para afastar os maus espiacuteritos eram praacuteticas que faziam parte

do cenaacuterio fuacutenebre e do luto das pessoas Isso fica mais claro quando Ana Claacuteudia Aniacutebal

(ANIacuteBAL 201 45) escreve que

O luto se apresenta portanto como trabalho de perda um mecanismo que busca

elaborar o choque daquilo que foi perdido retirado e possibilitando ao fim desse

processo eleger um outro objeto no lugar daquele que foi perdido O luto insere amorte na cultura ele ressignifica o morto o luto seria o ato de simbolizaccedilatildeo do

morto

Vestir-se de preto tambeacutem era um costume muito comum entre aqueles que

frequentavam os veloacuterios demonstrando seu luto e respeito ao falecido Deixar expliacutecito

publicamente o sofrimento sentido pela perda de um amigo ou parente fazia parte dos

significados do luto esta era uma manifestaccedilatildeo social que se caracterizava pelo o uso do

preto

Os cortejos a peacute tambeacutem eram muito marcantes nesse periacuteodo Eles eram

acompanhados por cacircnticos e oraccedilotildees ateacute a chegada do caixatildeo no cemiteacuterio chamando a

atenccedilatildeo daqueles presenciavam este ritual No Brasil do seacuteculo XIX era muito comum que

nessa tradiccedilatildeo fuacutenebres fossem contratadas mulheres conhecidas como carpideiras para chorare rezar pelo morto Segundo Joatildeo Joseacute Reis ldquo a multidatildeo em volta do caixatildeo do morto tinha

como objetivo afastar tanto os maus espiacuteritos do morto como a alma do morto de perto dos

vivosrdquo (REIS 1991 114)

O que percebemos eacute que a sociedade da assepsia e do individualismo vem se

constituindo e se consolidando ao mesmo tempo em que as pessoas se afastam da morte e

daquilo que ela representa Portanto eacute inegaacutevel que as atitudes diante da morte tenham

sofrido modificaccedilotildees e que os sentimentos que cercavam este evento ganham novas

configuraccedilotildees

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1217

983089983090

As pessoas constroem ao longo do tempo significados e sentidos para todos os

setores da vida social Com relaccedilatildeo a maneira de como vemos a morte e de como nos

relacionamos com ela tambeacutem eacute uma construccedilatildeo humana e que por este motivo deve ser

objeto de estudos acadecircmicos

Na nossa sociedade contemporacircnea inuacutemeras vatildeo ser as transformaccedilotildees ocorridas

nos rituais de passagem da vida para a morte praacuteticas que serviam para possibilitar uma boa

morte agora deixam de existir ou simplesmente se transformam

Percebemos que muitas foram as transformaccedilotildees ocorridas em torno dos rituais

fuacutenebres em Limoeiro do Norte ndash CE quando analisamos os processos sociais das praacuteticas

mortuaacuterias e as representaccedilotildees a respeito da morte principalmente a partir a atuaccedilatildeo da

empresa funeraacuteria Assistecircncia Familiar Anjo da Guarda a partir do ano de 1989 Analisar o

processo histoacuterico das praacuteticas mortuaacuterias nos leva a conhecer muitos haacutebitos e crenccedilas em

torno da morte e como as pessoas se relacionavam com a ideia de morrer

O uso de mortalhas agora passa a ser substituiacuteda por vestimentas padronizadas

oferecidas pelas funeraacuterias que natildeo mais oferecem em seus serviccedilos os trajes de santos Estar

protegido pelos santos natildeo fazem mais parte das preocupaccedilotildees que se tinham quando algueacutem

morria

Com a atuaccedilatildeo das casas funeraacuterias jaacute na deacutecada de 1990 o cenaacuterio fuacutenebre vai

ganhar novos apetrechos oferecidos por essas empresas como eacute o caso dos casticcedilais tapetes e

coroas de flores Agora natildeo vemos mais o caixatildeo preto feito em forma de grades os materiaisutilizados pelas funeraacuterias para a confecccedilatildeo desse produto satildeo mais reforccedilados e firmes

Percebemos o distanciamento da morte quando algumas pessoas optam por velar

seus mortos em centros de veloacuterios oferecidos nos serviccedilos das funeraacuterias Na cidade de

Limoeiro do Norte-CE vemos essa praacutetica cada vez mais frequente entre as famiacutelias do morto

como uma forma de evitar abrir as portas de suas casas para o puacuteblico O haacutebito de fazer a

vigiacutelia se restringe apenas a alguns familiares tornado o cenaacuterio ainda mais triste e silencioso

dona Augusta nos relata de forma queixosa as poucas pessoas que ficaram durante a

madrugada no veloacuterio do seu vizinho

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1317

983089983091

Sabe quantas pessoas passou a noite Eu minha cunhada meu irmatildeo que

chegou 2 horas da madrugada e quando chegou outro 3 horas Pronto foi esse

pessoal e a nora da finada e uma filha foram dormir e nois de fora passemos a

noite Mudou de mais antigamente era mais animado ( Entrevista realizada em

17072010)

Os veloacuterios repletos de cacircntico e oraccedilotildees agora datildeo lugar ao silecircncio Muitas

vezes as pessoas apenas fazem uma oraccedilatildeo ou rezam o terccedilo para abenccediloar o espiacuterito do

morto que agora deixa a vida terrena para viver no mundo espiritual segundo a crenccedila

popular

Nesse contexto de modificaccedilatildeo sofridas nos rituais fuacutenebres fica claro o papel

fundamental das funeraacuterias no que diz respeito as mudanccedilas ocorridas nas praacuteticas mortuaacuterias

As casas funeraacuterias passam a oferecer na sociedade do consumo natildeo mais apenas os materiais

que compunham o veloacuterio (caixatildeo velas casticcedilais flores etc) agora elas oferecem um

serviccedilo especializado que requer o trabalho de vaacuterios profissionais que a cada dia satildeocapacitados para melhor desempenhar tais serviccedilos

Percebemos que ao longo dos anos o mercado funeraacuterio vem se especializando e

ampliando sua cartela de serviccedilos como uma forma de manter-se na sociedade de consumo

em que vivemos Pensar estrateacutegias de mercado eacute umas das preocupaccedilotildees das grandes

empresas funeraacuterias que cada vez mais vecircm inserindo uma loacutegica comercial em torno das

cerimocircnias fuacutenebres tornando-as mais luxuosas e personalizadas

Atingir as cidades do interior eacute contudo criar estrateacutegias de mercado que jaacute estatildeo

consolidadas nos grandes centros urbanos Compreendemos que a cidade de Limoeiro do

Norte - CE estaacute passando por transformaccedilotildees poliacuteticas sociais e econocircmicas nas uacuteltimas

deacutecadas do seacuteculo XX Esta cidade comeccedila a perder seu caraacuteter rural a imagem da ldquocidade

pequenardquo vai perdendo espaccedilo para o desenvolvendo das atividades urbanas Conforme

Isabela Andrade no Brasil o empresariar da morte e do morrer ocorreu a partir da

modernizaccedilatildeo dos espaccedilos tanaacuteticos5 que possibilitaram o surgimento dos ldquoGruposrdquo no final

983093 O termo deriva de tanatologia que segundo a definiccedilatildeo do dicionaacuterio ldquoAureacuteliordquo refere-se agrave teoria sobre a

morte e na medicina legal eacute a parte que se ocupa da morte e dos problemas meacutedico-legais com ela relacionados

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1417

983089983092

da deacutecada de 1980 o que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado em

empresas Os ldquoGruposrdquo satildeo portanto empresas completas que agregam vaacuterios

empreendimentos fuacutenebres com o objetivo de dar conta de todo o processo do morrer ldquoo

antes (com o serviccedilo de prevenccedilatildeo do funeral) o durante (com serviccedilo funeral) e o depois

(com os serviccedilos de assistecircncia ao luto)rdquo (MORAIS 2009 96)

Na relaccedilatildeo comercial entre a empresa funeraacuteria com a venda de artefatos e

serviccedilos mortuaacuterios e seus consumidores a uma tentativa dessas agecircncias de sobressair nummercado competitivo Desta forma percebemos que haacute uma preocupaccedilatildeo dos empresaacuterios em

estaacute modernizando seus serviccedilos oferecendo aos clientes cerimocircnias personalizada que

refletem o aspecto da pessoa morta da sua personalidade e da sua individualidade enquanto

estava viva

Acompanhando as modificaccedilotildees ocorridas em uma sociedade capitalista as

empresas funeraacuterias criam estrateacutegias para combater a concorrecircncia garantindo um nuacutemero

ainda maior de clientes adeptos aos novos serviccedilos fuacutenebres Especializar-se modernizar-se eoferecer serviccedilos diferenciados eacute uma das formas que as funeraacuterias encontraram para se

manterem no mercado Toda a preocupaccedilatildeo em torno da modernizaccedilatildeo das empresas

funeraacuterias insere a morte em uma loacutegica comercial quando compreendemos que acoplado aos

seus aparelhos de atendimento estatildeo a publicidade vantagens e concorrecircncias em relaccedilatildeo aacute

oferta de serviccedilos funeraacuterios

Os meios de comunicaccedilatildeo de massa e o mundo do anuacutencio em que vivemos

transformam tais serviccedilos fuacutenebres necessaacuterios e indispensaacuteveis As pessoas acabam sentindo

o desejo de consumir os produtos a partir de um discurso disseminado pela publicidade e

criado pela proacutepria funeraacuteria de que para viver de forma tranquila com relaccedilatildeo a morte temos

que pagar planos funeraacuterios Para Isabela Andrade (MORAIS 2009 140)

Anuacutencios em jornais revistas e internet satildeo estrateacutegias de marketing que tem como

principal funccedilatildeo a transmissatildeo de informaccedilotildees para determinados puacuteblicos

comunicando a sociedade os coacutedigos culturais que estatildeo presentes nos bens de

consumo

Portanto em nossa pesquisa entendemos por espaccedilo tanaacutetico todo o ambiente e atos relativos aos serviccedilos ecuidados relativos agrave morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1517

983089983093

Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo

lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o

consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em

que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte

Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a

morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a

maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees

refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas

ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e

sobretudo com o consumo

Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e

transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que

muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las

possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1617

983089983094

REFEREcircNCIAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007

AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001

ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010

AgraveRIES Philippe Histoacuteria da morte no ocidente Rio de Janeiro Ed Ediouro 2003

BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994

______ Ritos da Vida Privada In NOVAIS Fernando A Souza MELLO Laura (Org)Histoacuteria da vida privada no Brasil cotidiano e vida privada na Ameacuterica Portuguesa SatildeoPaulo Ed Companhia das Letras 1997

ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001

FERREIRA Marieta de Morais Histoacuteria do tempo presente desafios Cultura VozesPetroacutepolis v 94 n 3 p 111- 124 maio 2000

GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1717

983089983095

______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997

MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19

jan 2011

MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco

PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997

REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991

Page 12: A Conveniência Da Morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1217

983089983090

As pessoas constroem ao longo do tempo significados e sentidos para todos os

setores da vida social Com relaccedilatildeo a maneira de como vemos a morte e de como nos

relacionamos com ela tambeacutem eacute uma construccedilatildeo humana e que por este motivo deve ser

objeto de estudos acadecircmicos

Na nossa sociedade contemporacircnea inuacutemeras vatildeo ser as transformaccedilotildees ocorridas

nos rituais de passagem da vida para a morte praacuteticas que serviam para possibilitar uma boa

morte agora deixam de existir ou simplesmente se transformam

Percebemos que muitas foram as transformaccedilotildees ocorridas em torno dos rituais

fuacutenebres em Limoeiro do Norte ndash CE quando analisamos os processos sociais das praacuteticas

mortuaacuterias e as representaccedilotildees a respeito da morte principalmente a partir a atuaccedilatildeo da

empresa funeraacuteria Assistecircncia Familiar Anjo da Guarda a partir do ano de 1989 Analisar o

processo histoacuterico das praacuteticas mortuaacuterias nos leva a conhecer muitos haacutebitos e crenccedilas em

torno da morte e como as pessoas se relacionavam com a ideia de morrer

O uso de mortalhas agora passa a ser substituiacuteda por vestimentas padronizadas

oferecidas pelas funeraacuterias que natildeo mais oferecem em seus serviccedilos os trajes de santos Estar

protegido pelos santos natildeo fazem mais parte das preocupaccedilotildees que se tinham quando algueacutem

morria

Com a atuaccedilatildeo das casas funeraacuterias jaacute na deacutecada de 1990 o cenaacuterio fuacutenebre vai

ganhar novos apetrechos oferecidos por essas empresas como eacute o caso dos casticcedilais tapetes e

coroas de flores Agora natildeo vemos mais o caixatildeo preto feito em forma de grades os materiaisutilizados pelas funeraacuterias para a confecccedilatildeo desse produto satildeo mais reforccedilados e firmes

Percebemos o distanciamento da morte quando algumas pessoas optam por velar

seus mortos em centros de veloacuterios oferecidos nos serviccedilos das funeraacuterias Na cidade de

Limoeiro do Norte-CE vemos essa praacutetica cada vez mais frequente entre as famiacutelias do morto

como uma forma de evitar abrir as portas de suas casas para o puacuteblico O haacutebito de fazer a

vigiacutelia se restringe apenas a alguns familiares tornado o cenaacuterio ainda mais triste e silencioso

dona Augusta nos relata de forma queixosa as poucas pessoas que ficaram durante a

madrugada no veloacuterio do seu vizinho

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1317

983089983091

Sabe quantas pessoas passou a noite Eu minha cunhada meu irmatildeo que

chegou 2 horas da madrugada e quando chegou outro 3 horas Pronto foi esse

pessoal e a nora da finada e uma filha foram dormir e nois de fora passemos a

noite Mudou de mais antigamente era mais animado ( Entrevista realizada em

17072010)

Os veloacuterios repletos de cacircntico e oraccedilotildees agora datildeo lugar ao silecircncio Muitas

vezes as pessoas apenas fazem uma oraccedilatildeo ou rezam o terccedilo para abenccediloar o espiacuterito do

morto que agora deixa a vida terrena para viver no mundo espiritual segundo a crenccedila

popular

Nesse contexto de modificaccedilatildeo sofridas nos rituais fuacutenebres fica claro o papel

fundamental das funeraacuterias no que diz respeito as mudanccedilas ocorridas nas praacuteticas mortuaacuterias

As casas funeraacuterias passam a oferecer na sociedade do consumo natildeo mais apenas os materiais

que compunham o veloacuterio (caixatildeo velas casticcedilais flores etc) agora elas oferecem um

serviccedilo especializado que requer o trabalho de vaacuterios profissionais que a cada dia satildeocapacitados para melhor desempenhar tais serviccedilos

Percebemos que ao longo dos anos o mercado funeraacuterio vem se especializando e

ampliando sua cartela de serviccedilos como uma forma de manter-se na sociedade de consumo

em que vivemos Pensar estrateacutegias de mercado eacute umas das preocupaccedilotildees das grandes

empresas funeraacuterias que cada vez mais vecircm inserindo uma loacutegica comercial em torno das

cerimocircnias fuacutenebres tornando-as mais luxuosas e personalizadas

Atingir as cidades do interior eacute contudo criar estrateacutegias de mercado que jaacute estatildeo

consolidadas nos grandes centros urbanos Compreendemos que a cidade de Limoeiro do

Norte - CE estaacute passando por transformaccedilotildees poliacuteticas sociais e econocircmicas nas uacuteltimas

deacutecadas do seacuteculo XX Esta cidade comeccedila a perder seu caraacuteter rural a imagem da ldquocidade

pequenardquo vai perdendo espaccedilo para o desenvolvendo das atividades urbanas Conforme

Isabela Andrade no Brasil o empresariar da morte e do morrer ocorreu a partir da

modernizaccedilatildeo dos espaccedilos tanaacuteticos5 que possibilitaram o surgimento dos ldquoGruposrdquo no final

983093 O termo deriva de tanatologia que segundo a definiccedilatildeo do dicionaacuterio ldquoAureacuteliordquo refere-se agrave teoria sobre a

morte e na medicina legal eacute a parte que se ocupa da morte e dos problemas meacutedico-legais com ela relacionados

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1417

983089983092

da deacutecada de 1980 o que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado em

empresas Os ldquoGruposrdquo satildeo portanto empresas completas que agregam vaacuterios

empreendimentos fuacutenebres com o objetivo de dar conta de todo o processo do morrer ldquoo

antes (com o serviccedilo de prevenccedilatildeo do funeral) o durante (com serviccedilo funeral) e o depois

(com os serviccedilos de assistecircncia ao luto)rdquo (MORAIS 2009 96)

Na relaccedilatildeo comercial entre a empresa funeraacuteria com a venda de artefatos e

serviccedilos mortuaacuterios e seus consumidores a uma tentativa dessas agecircncias de sobressair nummercado competitivo Desta forma percebemos que haacute uma preocupaccedilatildeo dos empresaacuterios em

estaacute modernizando seus serviccedilos oferecendo aos clientes cerimocircnias personalizada que

refletem o aspecto da pessoa morta da sua personalidade e da sua individualidade enquanto

estava viva

Acompanhando as modificaccedilotildees ocorridas em uma sociedade capitalista as

empresas funeraacuterias criam estrateacutegias para combater a concorrecircncia garantindo um nuacutemero

ainda maior de clientes adeptos aos novos serviccedilos fuacutenebres Especializar-se modernizar-se eoferecer serviccedilos diferenciados eacute uma das formas que as funeraacuterias encontraram para se

manterem no mercado Toda a preocupaccedilatildeo em torno da modernizaccedilatildeo das empresas

funeraacuterias insere a morte em uma loacutegica comercial quando compreendemos que acoplado aos

seus aparelhos de atendimento estatildeo a publicidade vantagens e concorrecircncias em relaccedilatildeo aacute

oferta de serviccedilos funeraacuterios

Os meios de comunicaccedilatildeo de massa e o mundo do anuacutencio em que vivemos

transformam tais serviccedilos fuacutenebres necessaacuterios e indispensaacuteveis As pessoas acabam sentindo

o desejo de consumir os produtos a partir de um discurso disseminado pela publicidade e

criado pela proacutepria funeraacuteria de que para viver de forma tranquila com relaccedilatildeo a morte temos

que pagar planos funeraacuterios Para Isabela Andrade (MORAIS 2009 140)

Anuacutencios em jornais revistas e internet satildeo estrateacutegias de marketing que tem como

principal funccedilatildeo a transmissatildeo de informaccedilotildees para determinados puacuteblicos

comunicando a sociedade os coacutedigos culturais que estatildeo presentes nos bens de

consumo

Portanto em nossa pesquisa entendemos por espaccedilo tanaacutetico todo o ambiente e atos relativos aos serviccedilos ecuidados relativos agrave morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1517

983089983093

Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo

lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o

consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em

que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte

Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a

morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a

maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees

refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas

ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e

sobretudo com o consumo

Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e

transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que

muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las

possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1617

983089983094

REFEREcircNCIAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007

AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001

ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010

AgraveRIES Philippe Histoacuteria da morte no ocidente Rio de Janeiro Ed Ediouro 2003

BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994

______ Ritos da Vida Privada In NOVAIS Fernando A Souza MELLO Laura (Org)Histoacuteria da vida privada no Brasil cotidiano e vida privada na Ameacuterica Portuguesa SatildeoPaulo Ed Companhia das Letras 1997

ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001

FERREIRA Marieta de Morais Histoacuteria do tempo presente desafios Cultura VozesPetroacutepolis v 94 n 3 p 111- 124 maio 2000

GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1717

983089983095

______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997

MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19

jan 2011

MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco

PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997

REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991

Page 13: A Conveniência Da Morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1317

983089983091

Sabe quantas pessoas passou a noite Eu minha cunhada meu irmatildeo que

chegou 2 horas da madrugada e quando chegou outro 3 horas Pronto foi esse

pessoal e a nora da finada e uma filha foram dormir e nois de fora passemos a

noite Mudou de mais antigamente era mais animado ( Entrevista realizada em

17072010)

Os veloacuterios repletos de cacircntico e oraccedilotildees agora datildeo lugar ao silecircncio Muitas

vezes as pessoas apenas fazem uma oraccedilatildeo ou rezam o terccedilo para abenccediloar o espiacuterito do

morto que agora deixa a vida terrena para viver no mundo espiritual segundo a crenccedila

popular

Nesse contexto de modificaccedilatildeo sofridas nos rituais fuacutenebres fica claro o papel

fundamental das funeraacuterias no que diz respeito as mudanccedilas ocorridas nas praacuteticas mortuaacuterias

As casas funeraacuterias passam a oferecer na sociedade do consumo natildeo mais apenas os materiais

que compunham o veloacuterio (caixatildeo velas casticcedilais flores etc) agora elas oferecem um

serviccedilo especializado que requer o trabalho de vaacuterios profissionais que a cada dia satildeocapacitados para melhor desempenhar tais serviccedilos

Percebemos que ao longo dos anos o mercado funeraacuterio vem se especializando e

ampliando sua cartela de serviccedilos como uma forma de manter-se na sociedade de consumo

em que vivemos Pensar estrateacutegias de mercado eacute umas das preocupaccedilotildees das grandes

empresas funeraacuterias que cada vez mais vecircm inserindo uma loacutegica comercial em torno das

cerimocircnias fuacutenebres tornando-as mais luxuosas e personalizadas

Atingir as cidades do interior eacute contudo criar estrateacutegias de mercado que jaacute estatildeo

consolidadas nos grandes centros urbanos Compreendemos que a cidade de Limoeiro do

Norte - CE estaacute passando por transformaccedilotildees poliacuteticas sociais e econocircmicas nas uacuteltimas

deacutecadas do seacuteculo XX Esta cidade comeccedila a perder seu caraacuteter rural a imagem da ldquocidade

pequenardquo vai perdendo espaccedilo para o desenvolvendo das atividades urbanas Conforme

Isabela Andrade no Brasil o empresariar da morte e do morrer ocorreu a partir da

modernizaccedilatildeo dos espaccedilos tanaacuteticos5 que possibilitaram o surgimento dos ldquoGruposrdquo no final

983093 O termo deriva de tanatologia que segundo a definiccedilatildeo do dicionaacuterio ldquoAureacuteliordquo refere-se agrave teoria sobre a

morte e na medicina legal eacute a parte que se ocupa da morte e dos problemas meacutedico-legais com ela relacionados

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1417

983089983092

da deacutecada de 1980 o que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado em

empresas Os ldquoGruposrdquo satildeo portanto empresas completas que agregam vaacuterios

empreendimentos fuacutenebres com o objetivo de dar conta de todo o processo do morrer ldquoo

antes (com o serviccedilo de prevenccedilatildeo do funeral) o durante (com serviccedilo funeral) e o depois

(com os serviccedilos de assistecircncia ao luto)rdquo (MORAIS 2009 96)

Na relaccedilatildeo comercial entre a empresa funeraacuteria com a venda de artefatos e

serviccedilos mortuaacuterios e seus consumidores a uma tentativa dessas agecircncias de sobressair nummercado competitivo Desta forma percebemos que haacute uma preocupaccedilatildeo dos empresaacuterios em

estaacute modernizando seus serviccedilos oferecendo aos clientes cerimocircnias personalizada que

refletem o aspecto da pessoa morta da sua personalidade e da sua individualidade enquanto

estava viva

Acompanhando as modificaccedilotildees ocorridas em uma sociedade capitalista as

empresas funeraacuterias criam estrateacutegias para combater a concorrecircncia garantindo um nuacutemero

ainda maior de clientes adeptos aos novos serviccedilos fuacutenebres Especializar-se modernizar-se eoferecer serviccedilos diferenciados eacute uma das formas que as funeraacuterias encontraram para se

manterem no mercado Toda a preocupaccedilatildeo em torno da modernizaccedilatildeo das empresas

funeraacuterias insere a morte em uma loacutegica comercial quando compreendemos que acoplado aos

seus aparelhos de atendimento estatildeo a publicidade vantagens e concorrecircncias em relaccedilatildeo aacute

oferta de serviccedilos funeraacuterios

Os meios de comunicaccedilatildeo de massa e o mundo do anuacutencio em que vivemos

transformam tais serviccedilos fuacutenebres necessaacuterios e indispensaacuteveis As pessoas acabam sentindo

o desejo de consumir os produtos a partir de um discurso disseminado pela publicidade e

criado pela proacutepria funeraacuteria de que para viver de forma tranquila com relaccedilatildeo a morte temos

que pagar planos funeraacuterios Para Isabela Andrade (MORAIS 2009 140)

Anuacutencios em jornais revistas e internet satildeo estrateacutegias de marketing que tem como

principal funccedilatildeo a transmissatildeo de informaccedilotildees para determinados puacuteblicos

comunicando a sociedade os coacutedigos culturais que estatildeo presentes nos bens de

consumo

Portanto em nossa pesquisa entendemos por espaccedilo tanaacutetico todo o ambiente e atos relativos aos serviccedilos ecuidados relativos agrave morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1517

983089983093

Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo

lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o

consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em

que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte

Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a

morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a

maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees

refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas

ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e

sobretudo com o consumo

Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e

transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que

muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las

possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1617

983089983094

REFEREcircNCIAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007

AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001

ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010

AgraveRIES Philippe Histoacuteria da morte no ocidente Rio de Janeiro Ed Ediouro 2003

BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994

______ Ritos da Vida Privada In NOVAIS Fernando A Souza MELLO Laura (Org)Histoacuteria da vida privada no Brasil cotidiano e vida privada na Ameacuterica Portuguesa SatildeoPaulo Ed Companhia das Letras 1997

ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001

FERREIRA Marieta de Morais Histoacuteria do tempo presente desafios Cultura VozesPetroacutepolis v 94 n 3 p 111- 124 maio 2000

GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1717

983089983095

______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997

MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19

jan 2011

MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco

PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997

REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991

Page 14: A Conveniência Da Morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1417

983089983092

da deacutecada de 1980 o que significa que todo o processo do morrer ficou centralizado em

empresas Os ldquoGruposrdquo satildeo portanto empresas completas que agregam vaacuterios

empreendimentos fuacutenebres com o objetivo de dar conta de todo o processo do morrer ldquoo

antes (com o serviccedilo de prevenccedilatildeo do funeral) o durante (com serviccedilo funeral) e o depois

(com os serviccedilos de assistecircncia ao luto)rdquo (MORAIS 2009 96)

Na relaccedilatildeo comercial entre a empresa funeraacuteria com a venda de artefatos e

serviccedilos mortuaacuterios e seus consumidores a uma tentativa dessas agecircncias de sobressair nummercado competitivo Desta forma percebemos que haacute uma preocupaccedilatildeo dos empresaacuterios em

estaacute modernizando seus serviccedilos oferecendo aos clientes cerimocircnias personalizada que

refletem o aspecto da pessoa morta da sua personalidade e da sua individualidade enquanto

estava viva

Acompanhando as modificaccedilotildees ocorridas em uma sociedade capitalista as

empresas funeraacuterias criam estrateacutegias para combater a concorrecircncia garantindo um nuacutemero

ainda maior de clientes adeptos aos novos serviccedilos fuacutenebres Especializar-se modernizar-se eoferecer serviccedilos diferenciados eacute uma das formas que as funeraacuterias encontraram para se

manterem no mercado Toda a preocupaccedilatildeo em torno da modernizaccedilatildeo das empresas

funeraacuterias insere a morte em uma loacutegica comercial quando compreendemos que acoplado aos

seus aparelhos de atendimento estatildeo a publicidade vantagens e concorrecircncias em relaccedilatildeo aacute

oferta de serviccedilos funeraacuterios

Os meios de comunicaccedilatildeo de massa e o mundo do anuacutencio em que vivemos

transformam tais serviccedilos fuacutenebres necessaacuterios e indispensaacuteveis As pessoas acabam sentindo

o desejo de consumir os produtos a partir de um discurso disseminado pela publicidade e

criado pela proacutepria funeraacuteria de que para viver de forma tranquila com relaccedilatildeo a morte temos

que pagar planos funeraacuterios Para Isabela Andrade (MORAIS 2009 140)

Anuacutencios em jornais revistas e internet satildeo estrateacutegias de marketing que tem como

principal funccedilatildeo a transmissatildeo de informaccedilotildees para determinados puacuteblicos

comunicando a sociedade os coacutedigos culturais que estatildeo presentes nos bens de

consumo

Portanto em nossa pesquisa entendemos por espaccedilo tanaacutetico todo o ambiente e atos relativos aos serviccedilos ecuidados relativos agrave morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1517

983089983093

Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo

lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o

consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em

que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte

Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a

morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a

maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees

refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas

ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e

sobretudo com o consumo

Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e

transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que

muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las

possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1617

983089983094

REFEREcircNCIAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007

AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001

ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010

AgraveRIES Philippe Histoacuteria da morte no ocidente Rio de Janeiro Ed Ediouro 2003

BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994

______ Ritos da Vida Privada In NOVAIS Fernando A Souza MELLO Laura (Org)Histoacuteria da vida privada no Brasil cotidiano e vida privada na Ameacuterica Portuguesa SatildeoPaulo Ed Companhia das Letras 1997

ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001

FERREIRA Marieta de Morais Histoacuteria do tempo presente desafios Cultura VozesPetroacutepolis v 94 n 3 p 111- 124 maio 2000

GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1717

983089983095

______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997

MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19

jan 2011

MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco

PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997

REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991

Page 15: A Conveniência Da Morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1517

983089983093

Natildeo haacute duacutevidas de que o sistema empresarial vinculado a morte se tronou algo

lucrativo e rentaacutevel atraveacutes de uma relaccedilatildeo comercial mantida entre a empresa e o

consumidor Com isso o distanciamento entre vivos e mortos se concretizam na medida em

que as pessoas deixam de preparar os rituais que seguem o evento da morte

Restringir as mudanccedilas nas praacuteticas fuacutenebres apenas ao comeacutercio vinculado a

morte seria uma grande falha Temos que perceber que os processos socioculturais e a

maneira como a sociedade se relaciona com seu cotidiano tambeacutem passa por transformaccedilotildees

refletindo em vaacuterios aspectos da vida Nesse sentido apreendemos que as mudanccedilas

ocorridas na cultura fuacutenebre estatildeo relacionadas com a modernidade o individualismo e

sobretudo com o consumo

Sabemos que o consumo de serviccedilos fuacutenebres estaacute em constante desenvolvimento e

transformaccedilatildeo possibilitando o levantamento de outras discussotildees Compreendemos que

muitas questotildees ficaram abertas para que pesquisas futuras possam respondecirc-las

possibilitando maiores debates acerca da morte e do comeacutercio vinculado a ela

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1617

983089983094

REFEREcircNCIAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007

AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001

ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010

AgraveRIES Philippe Histoacuteria da morte no ocidente Rio de Janeiro Ed Ediouro 2003

BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994

______ Ritos da Vida Privada In NOVAIS Fernando A Souza MELLO Laura (Org)Histoacuteria da vida privada no Brasil cotidiano e vida privada na Ameacuterica Portuguesa SatildeoPaulo Ed Companhia das Letras 1997

ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001

FERREIRA Marieta de Morais Histoacuteria do tempo presente desafios Cultura VozesPetroacutepolis v 94 n 3 p 111- 124 maio 2000

GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1717

983089983095

______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997

MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19

jan 2011

MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco

PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997

REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991

Page 16: A Conveniência Da Morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1617

983089983094

REFEREcircNCIAS

ALBUQUERQUE JR Durval Muniz de Violar memoacuteria e gestar a histoacuteria abordagem auma problemaacutetica fecunda que torna a tarefa do historiador um parto difiacutecil In ______Histoacuteria a arte de inventar o passado Ensaios de teoria da histoacuteria Bauru SP Edusc 2007

AMADO Janaiacutena FERREIRA Marieta de Morais Usos e abusos da histoacuteria oral Rio deJaneiro Ed Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2001

ANIacuteBAL Ana Claacuteudia Jesus Maria e Joseacute minha alma vossa eacute veloacuterios e enterros nacomunidade jardim Satildeo Joseacute ndash Russas ndash CE (1970-1990) 2010 66f Monografia(Graduaccedilatildeo em Histoacuteria) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos UniversidadeEstadual do Cearaacute Limoeiro do Norte ndash Ce 2010

AgraveRIES Philippe Histoacuteria da morte no ocidente Rio de Janeiro Ed Ediouro 2003

BOSI Ecleacutea Memoacuteria e sociedade lembranccedilas dos velhos Satildeo Paulo Ed Companhia dasLetras 1994

______ Ritos da Vida Privada In NOVAIS Fernando A Souza MELLO Laura (Org)Histoacuteria da vida privada no Brasil cotidiano e vida privada na Ameacuterica Portuguesa SatildeoPaulo Ed Companhia das Letras 1997

ELIAS Nobert A Solidatildeo dos moribundos seguido de envelhecer e morrer Rio deJaneiro Ed Jorge Zahar 2001

FERREIRA Marieta de Morais Histoacuteria do tempo presente desafios Cultura VozesPetroacutepolis v 94 n 3 p 111- 124 maio 2000

GALENO Cacircndida Ritos fuacutenebres no interior do Cearaacute Fortaleza Ed Henriqueta 1977

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1717

983089983095

______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997

MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19

jan 2011

MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco

PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997

REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991

Page 17: A Conveniência Da Morte

7242019 A Conveniecircncia Da Morte

httpslidepdfcomreaderfulla-conveniencia-da-morte 1717

983089983095

______ O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO Luiacutes Felipe deNOVAIS Fernando A (Org) Histoacuteria da vida privada no Brasil Satildeo Paulo EdCompanhia das Letras 1997

MARQUES Paula Ansiedade face agrave morte uma abordagem psicoloacutegica e educativa Maio2000 Disponiacutevel em lthttppcmarquespaginassapopt Ansiedadehtmgt Acesso em 19

jan 2011

MORAES Isabela Andrade de Lima Pela hora da morte Estudos sobre o empresariar damorte e do morrer uma etnografia no grupo Parque das Flores em Alagoas Recife Isn 2009 Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco

PORTELLI Alessandro ldquoO que faz a histoacuteria oral diferenterdquo Projeto Histoacuteria Satildeo PauloPUC n14 fev 1997

REIS Joatildeo Joseacute A morte eacute uma festa ritos fuacutenebres e revolta popular no Brasil do seacuteculoXIX Satildeo Paulo Ed Companhia das Letras 1991