A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Educação
Rosa Maria Vilas Boas Espiridião
A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL PARA O
PRIMEIRO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL EM UMA ESCOLA MUNICIPAL
Belo Horizonte
2015
Rosa Maria Vilas Boas Espiridião
A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL PARA O
PRIMEIRO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL EM UMA ESCOLA MUNICIPAL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Educação.
Orientadora: Profª. Drª. Magali dos Reis
Belo Horizonte
2015
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Espiridião, Rosa Maria Vilas Boas
E77c A criança e o lúdico na transição da educação infantil para o primeiro ano do
ensino fundamental em uma escola municipal / Rosa Maria Vilas Boas
Espiridião. Belo Horizonte, 2015.
158 f.: il.
Orientadora: Magali dos Reis
Dissertação (Mestrado)- Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Educação.
1. Crianças. 2. Lazer. 3. Educação infantil. 4. Ensino fundamental. I. Reis,
Magali dos. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de
Pós-Graduação em Educação. III. Título.
CDU: 379.8
Rosa Maria Vilas Boas Espiridião
A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL PARA O
PRIMEIRO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL EM UMA ESCOLA MUNICIPAL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Educação.
______________________________________________
Profª. Drª. Magali dos Reis (Orientadora) – PUC Minas
______________________________________________
Profª. Drª. Vânia Noronha Alves – PUC Minas
______________________________________________
Profª. Drª. Vanessa Ferraz Neves – FAE/UFMG
Belo Horizonte, 26 de fevereiro de 2015
Dedico este trabalho às crianças que são os
“amores” da minha vida:
Iago e Bernardo.
AGRADECIMENTOS
O trabalho só é possível quando encontramos parceiros. Por isso, a gratidão é primordial.
Sou grata:
Àquele que, primeiramente, por meio de Sua Força e de Sua Luz, proporcionou-me garra e persistência para retirar as “pedras” do caminho que, muitas vezes, emergiam mais fortes do que eu.
À orientadora deste trabalho, Professora Doutora Magali Reis, que soube me conduzir desde o olhar em relação à criança até toda a trajetória acadêmica. O seu profissionalismo, o seu conhecimento da Sociologia da Infância, a sua delicadeza em orientar-me e a sua firmeza em transmitir os caminhos necessários para uma pesquisa qualitativa foram o alicerce que me fez chegar até aqui. Este trabalho só tornou-se realidade porque encontrei apoio, incentivo e uma orientação baseada no compromisso, na compreensão e na credibilidade do meu esforço; portanto, o meu especial agradecimento.
À Professora Dr.ª Stella, a disponibilidade em ler o meu projeto e pelas valiosas sugestões e orientações, as quais contribuíram para qualificação deste estudo.
Aos Professores Lorene Santos, Magali Reis, Teodoro Zanardi, Rita Vilela, Jamil Cury, Stella que, com seus valiosos conhecimentos, introduziram em mim outro olhar sobre a educação e sobre como um professor pode ser investigador e, assim, contribuir no espaço escolar de uma instituição. Foi um privilégio ser aluna desses grandes educadores.
Ao Coordenador do Curso, Professor Dr. Simão, o entendimento da minha luta durante o percurso acadêmico.
Ao Colegiado da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, o apoio e pela colaboração na superação das dificuldades apresentadas neste processo.
À Secretaria Municipal de Mariana, que abriu as portas da instituição escolar para minha entrada em campo.
À Direção e aos Professores da Escola Municipal de Mariana que, com respeito e carinho, receberam-me durante dois semestres letivos.
Às crianças, que permitiram a minha invasão numa etapa do cotidiano escolar delas para realização do meu trabalho.
Aos meus queridos filhos: Luciano, Fabiano, Isaac e Felipe, que são a minha fortaleza.
Às minhas noras Camila, Natália e Carla, que geraram forças para prosseguir em
minha trajetória e entenderam o meu jeito de ser.
À minha irmã Irani, que colaborou na realização da entrevista “Grupo Focal” com as
crianças.
À Secretaria do Mestrado, em especial a Valéria, que esteve junto desde a primeira
vez que participei do processo seletivo. O seu apoio nas horas difíceis, a sua
colaboração e o seu incentivo foram importantes para conclusão desta dissertação.
Aos meus colegas de curso, especialmente, Lúcia Helena, Marina, Felipe, Marcelo
Isidoro e Pereira. Além da participação na apresentação de trabalho nas disciplinas,
foram grandes colaboradores no meu conhecimento adquirido neste Mestrado.
Aos meus pais, Dolores e Euzébio (in memorian), meus grandes incentivadores na
busca do saber. Essa grande vontade de sempre buscar o conhecimento veio do
incentivo e do amor deles por mim. Tudo isso foi tão grande que continua me
fortalecendo e incendiando a minha busca. Obrigada!
Mais respeito, eu sou criança Prestem atenção no que eu digo, pois eu não falo por mal: os adultos que me perdoem, mas ser criança é legal! Vocês já esqueceram, eu sei. Por isso, eu vou lhes lembrar: pra que ver por cima do muro, se é mais gostoso escalar? Pra que perder tempo engordando, se é mais gostoso brincar? Pra que fazer cara tão séria, se é mais gostoso sonhar? Se vocês olham pra gente, é chão que veem por trás. Pra nós, atrás de vocês, há o céu, há muito, muito mais! Quando julgarem o que eu faço, olhem seus próprios narizes: lá no seu tempo de infância, será que não foram felizes? Mas se tudo o que fizeram já fugiu de sua lembrança, fiquem sabendo o que eu quero: mais respeito, eu sou criança! (Pedro Bandeira)
RESUMO
Esta dissertação investigou a transição de um grupo de crianças da Educação
Infantil para o Primeiro Ano do Ensino Fundamental em uma Escola Municipal de
Mariana/MG, destacou a importância do lúdico nessas duas modalidades de ensino.
Buscou evidenciar a criança como sujeito da pesquisa e protagonista das
preocupações teóricas apresentadas. A abordagem de “inspiração etnográfica”
possibilitou acompanhar o grupo de crianças em diversos momentos da rotina
escolar. O processo de construção e análise dos dados obtidos na pesquisa baseou-
se nas abordagens da Sociologia da Infância: Corsaro, 2005; Ferreira, 2004;
Kramer, 2002, entre outros. Os dados da pesquisa incluíram registros no caderno de
campo, gravações em vídeo, gravações em áudio de entrevistas semiestruturadas
com os profissionais da escola, gravações em vídeo com um grupo de quinze
crianças, entrevista Grupo Focal. Durante o processo investigativo, buscou
apreender a multiplicidade dos contextos que informavam as práticas educativas: a
interação entre crianças e seus grupos de pares, entre crianças e professores, o
lúdico nas duas etapas de ensino escolhidas e a articulação entre a educação
infantil e o ensino fundamental. Analisou as legislações da educação infantil e da
ampliação do ensino fundamental para nove anos e dos documentos oficiais da
Escola. Verificou que as práticas educativas que assumiram centralidade na
educação infantil e no primeiro ano do ensino fundamental estruturaram-se em torno
da alfabetização e do letramento, restringindo os períodos de tempo do brincar.
Como resultado da pesquisa, destacou que a prática cotidiana é pouco flexível,
controlada pelo adulto e há ruptura na transição das crianças da educação infantil
para o primeiro ano. Nesse sentido, a investigação evidenciou a necessidade de
maior integração entre o brincar na articulação entre os dois níveis de ensino e que
as vozes das crianças sejam reconhecidas pelo adulto. Por fim, este trabalho evocou
a centralidade das crianças na pesquisa, uma vez que estas foram percebidas como
sujeitos sociais ativos e reconhecidas às capacidades de recriação de tempos,
espaços e lacunas para exteriorizar sua ludicidade dentro e fora da sala de aula.
Palavras-chave: Criança. Transição. Lúdico. Educação Infantil. Ensino Fundamental.
ABSTRACT
This dissertation investigated the transition of a group of children from Early
Childhood Education to First Year of Primary Education in a Municipal School of
Mariana / MG, emphasized the importance of playfulness in these two types of
education. Aimed to evidence the child as the research subject and protagonist of the
theoretical concerns raised. The approach of "ethnographic inspiration" allowed
monitoring the group of children in several moments of the school day. The process
of construction and analysis of the data obtained in the research was based on the
approaches of the Sociologia da Infância: Corsaro, 2005; Ferreira, 2004; Kramer,
2002, among others. The research data includes records on the field notebook, video
recordings, audio recordings of semi-structured interviews with the school
professionals, video recordings with a group of fifteen children, Focal Group
interview.During the investigative process, aimed to identify the multiplicity of
contexts that informed the educational practices: the interaction between children
and their group of pair, including children and teachers, playfulness in the two stages
of education chosen and the articulation between early childhood education and first
year of primary education. Examined the laws of early childhood education and the
expansion of primary education to nine years and official documents of the School.
Confirmed that educational practices that assumed centrality in early childhood
education and the first grade of primary education were structured around
alphabetization and literacy, restricting the time of play periods. As a result the
research highlighted that daily practice is not much flexible, controlled by the adult
and rupture in the transition of children from early childhood education to the first
year. In this sense, the research highlighted the need for greater integration between
the play in the articulation between the two levels of education and that children's
voices be recognized by the adult. At last, this work evoked the children‟s centrality in
the research, since they are noticed as active social subjects and recognized
capabilities of recreation of times, spaces and gaps to externalize their playfulness
inside and out outside the classroom.
Keywords: Children. Transition. Playful. Early Childhood Education. Primary
Education.
LISTA DE FOTOS
Foto 1– Escola Pesquisada ....................................................................................... 63
Foto 2 – Entrada da Sala do Tempo Integral............................................................. 64
Foto 3 – Corredor da Educação Infantil ..................................................................... 64
Foto 4 – Sala de Aula da Educação Infantil .............................................................. 65
Foto 5 – Pátio1 externo da Escola ............................................................................ 77
Foto 6 – Pátio 2 externo da Escola ........................................................................... 77
Foto 7– Sala da Biblioteca....................................................................................... 116
Foto 8 – Entrada para a Educação Infantil .............................................................. 134
Foto 9 – Pátio externo da Escola ............................................................................ 134
Foto 10 – Pátio externo da Escola .......................................................................... 135
Foto 11 – Entrada para a Escola ............................................................................. 135
Foto 12 - Horta ........................................................................................................ 136
Foto 13 – Entrada para o Espaço da Educação Infantil .......................................... 136
LISTA DE SIGLAS
CD Compact Disc
CEB Câmara de Educação Básica
CF Constituição Federal
CNE Conselho Nacional de Educação
DCNEI Diretrizes curriculares Nacionais para a Educação Infantil
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
EF Ensino Fundamental
EI Educação Infantil
GF Grupo Focal
LDB Lei de Diretrizes e Bases
LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC Ministério da Educação
PACTO Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio
PIBID Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência
PIP Programa de Intervenção Pedagógica
PPP Projeto Político Pedagógico
RCNEI Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
SEE/MG Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais
SEF Secretaria de Ensino Fundamental
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13 2 A BUSCA DE UM OLHAR SOCIOLÓGICO... ..................................................... 21 2.1 Infância e Criança nas perspectivas Sociológicas ......................................... 26 2.2 A infância brasileira e suas concepções na visão sócio-histórica ............... 30 2.3 As crianças brasileiras no contexto político .................................................. 34 2.3.1 A criança ... Estou na Constituição de 1988 ................................................ 34 2.3.2 O que diz o Estatuto da Criança e do Adolescente ..................................... 37 2.3.3 Como é vista a criança na LDB ..................................................................... 39 2.3.4 Lei de implantação do Ensino Fundamental de Nove Anos ....................... 41 2.4 A criança de seis anos no ensino fundamental .............................................. 45 3 COMO FOI O CAMINHO DO CAMPO METODOLÓGICO .................................... 48 3.1 Como se apresentar? ........................................................................................ 50 3.2 A pesquisa tem um caráter de “inspiração etnográfica” ............................... 51 3.3 Definindo procedimentos de entrada em campo ........................................... 54 3.4 A inserção do pesquisador no campo............................................................. 55 3.5 Entrevista “Grupo Focal” com as crianças ..................................................... 57 3.6 O porquê da escolha dessa técnica ................................................................ 58 3.7 Planejamento para realização da entrevista “Grupo Focal” .......................... 59 4 A INSTITUIÇÃO E AS CRIANÇAS DA PESQUISA .............................................. 62 4.1 A Escola ............................................................................................................. 63 4.2 As crianças protagonistas da pesquisa .......................................................... 70 4.2.1 Crianças da Educação Infantil ...................................................................... 70 4.2.2 Primeiro contato e início da convivência com os pequenos ...................... 71 4.2.3 A rotina das crianças da Educação Infantil em sala de aula ...................... 74 4.2.4 As brincadeiras na Educação Infantil ........................................................... 77 4.2.5 Visita ao Centro Cultural ................................................................................ 80 4.2.6 Hora do recreio ............................................................................................... 82 4.2.7 Caracterizando as crianças de seis anos – Primeiro Ano do Ensino
Fundamental ................................................................................................. 83 4.2.8 As crianças do primeiro ano e o cotidiano .................................................. 83 4.2.9 Rotina das crianças no espaço pesquisado ................................................ 88 5 O LÚDICO E A CRIANÇA NO ESPAÇO PESQUISADO ...................................... 96 6 ANÁLISE – COMO AS CRIANÇAS INTERAGEM E COMO ACONTECEM AS
BRINCADEIRAS ................................................................................................. 105 6.1 Interação entre crianças ................................................................................. 106 6.2 Interação crianças e adultos .......................................................................... 110 6.3 “Eu gosto de brincar” (criança entrevistada no “Grupo Focal”) (A
brincadeira proporciona socialização e aprendizagem) .............................. 113 6.4 Análise dos dados das entrevistas “Grupo Focal” ...................................... 116
7 INFÂNCIA, CRIANÇA – O QUE PENSAM OS PROFISSIONAIS DA ESCOLA (DIRETORA, PEDAGOGO E PROFESSORA) ................................................... 127
7.1 Como os profissionais da Escola veem o lúdico no cotidiano coletivo das crianças ............................................................................................................ 131
8 A EDUCAÇÃO INFANTIL E O PRIMEIRO ANO ................................................. 137 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 140 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 144 ANEXOS ................................................................................................................. 155
13
1 INTRODUÇÃO
Ai, as crianças... Para elas,
Tudo se resume numa fonte Hino matinal à criação E à continuação do mundo em esperança. (Carlos Drummond de Andrade)
Esses versos do poeta mineiro Carlos Drummond, em epígrafe, traduz o
cerne deste estudo, que são as crianças. O interesse em conhecer o mundo infantil
surgiu no seio de minhas atividades profissionais em instituições públicas, municipal
e estadual, em Acaiaca/MG, município de pequeno porte. Iniciei a carreira
profissional como professora nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. A partir dos
anos 90 passei a lecionar para os Anos Finais do Ensino Fundamental e do Ensino
Médio. Nessa trajetória da educação, exerci as funções de vice-diretora e diretora na
escola estadual onde leciono atualmente. No período de 2002 a 2011, fui convidada
para assumir a Secretaria Municipal de Educação em Acaiaca. Essa dualidade do
olhar na educação básica possibilitou muitas descobertas, como também várias
lacunas foram se acumulando na minha vida profissional.
Foi nesse período que houve o envolvimento com as crianças de 5 e 6 anos
de idade. Durante essa convivência, ouvi muitas “queixas” de professores, diretores
e pedagogos a respeito das crianças que ingressavam no primeiro ano e ao longo
das séries iniciais. Queixas como: as crianças não estavam preparadas para o
desenvolvimento da aprendizagem no primeiro ano; “regressão” na aprendizagem
nas turmas do 3º ano, “dificuldade” de leitura e escrita; apatia das crianças e
desinteresse nas atividades em sala de aula. Todas essas questões estavam
focalizadas no processo de transição das crianças da última etapa da educação
infantil para o primeiro ano. Com base nas informações dos profissionais que
atuavam nas modalidades de ensino da educação infantil e dos anos iniciais do
ensino fundamental e também nas observações do cotidiano das escolas que
procurei frequentar algumas vezes por semana com o objetivo de compreender o
problema relatado, percebi que as crianças permaneciam maior tempo em sala de
aula com atividades repetitivas. Essa problemática instigou-me a buscar outros
meios para entender os fundamentos de tantas manifestações de angústias dos
profissionais e, sobretudo, aprofundar nos estudos sobre o mundo infantil.
14
Com o propósito de conhecer as crianças de forma diferente, investi nos
estudos da Sociologia, principalmente na Sociologia da Infância. Nesse caminho,
pude compreender a criança como sujeito participante da sociedade, aquela que
movimenta o espaço social, reinventa o que conhece e cria a sua própria cultura.
Essa procura do desconhecido, isto é, daquilo que não conseguia apreender da
cultura infantil, foi se abrindo à medida que mergulhava nos estudos sociológicos e
na observação da criança no espaço escolar, principalmente nos momentos lúdicos.
A questão problemática citada no segundo parágrafo é a que me levou à
construção do objeto desta pesquisa. Já definido o objeto de investigação, precisava
buscar o campo de pesquisa; no primeiro momento, pretendia realizar o trabalho
investigativo com as crianças no espaço das instituições do município onde trabalho,
todavia o Grupo de Pesquisa Educação da Infância, Cultura e Sociedade – GPEICS
sugeriu que procurasse conhecer o cotidiano das crianças em outra instituição.
Sendo, assim, optei por pesquisar a instituição de ensino em Mariana, por ser um
município vizinho. Outro fator contribuinte nessa escolha foi o interesse em conhecer
as crianças que convivem na cidade histórica de Minas.
Dessa forma, a pesquisa em outra instituição, fora do meu local de atividades
profissionais, propiciou um conhecimento mais amplo em relação à convivência das
crianças no espaço escolar. Também pude observar que, mesmo em um local de
portas abertas à cultura, as questões pedagógicas, as relações que as crianças
estabelecem com seus grupos de pares, com os adultos e o lúdico não se
distanciam da realidade presenciada nas instituições do município onde trabalho.
Enfim, procurei esclarecer a construção do objeto e o contexto desta
pesquisa, abordarei a seguir o campo teórico que estrutura este trabalho, como já
dito anteriormente, a sociologia da infância.
Essa nova postura de pesquisa evidenciando a natureza histórica e social da
criança surgiu nos anos 70. Com a transformação da sociedade, as pessoas
modificaram seu modo de viver e de se relacionar, evidentemente os contextos em
que vivem as crianças tiveram mudanças significativas, e a infância tornou-se o
centro de discussão e estudos em diversas áreas do conhecimento.
Borba (2005) apresenta em sua pesquisa a construção do campo da
sociologia da infância nos âmbitos internacional e nacional. A autora faz uma relação
dos pontos comuns dos trabalhos já realizados nessa tônica, destacando os pontos
principais como:
15
* a criança é uma construção social; * os modos de construção da infância são variáveis tanto diacronicamente quanto sincronicamente; * a infância é um componente da cultura e da sociedade; é uma forma estrutural que não desaparece; * as crianças são atores sociais, sendo ao mesmo tempo produtoras e produtos dos processos sociais; * a infância é uma variável de análise sociológica que deve ser considerada em sentido pleno, articulando-se a outras variáveis clássicas como classe social, gênero e etnia (BORBA, 2005, p.32).
Além desses pontos comuns, Borba sinaliza também os principais elementos
dos trabalhos sociológicos sobre a infância, os quais, de um modo geral, opõem-se:
*à visão restritiva da socialização como um processo unilateral em que as
crianças se adaptariam aos dispositivos das instituições e dos agentes
sociais;
*à visão de crianças como receptáculos vazios a serem preenchidos pelos
conhecimentos, hábitos e valores necessários a sua transformação em
adultos competentes;
*à concepção de criança como ser futuro, vir a ser, negativo de adultez;
*à compreensão do processo de constituição do sujeito como um percurso
linear, sendo a infância a primeira etapa da progressão da irracionalidade
para a racionalidade, da imaturidade para a maturidade (Idem, p.32).
Incontestavelmente, a sociologia da infância abriu novos caminhos, gerando
“a construção da infância como objeto sociológico” (BORBA, p. 17). Essa nova
maneira de concepção da infância como uma categoria social estrutural da
sociedade é que o presente estudo vai estruturar a pesquisa e focalizar as
interpretações das observações realizadas.
Dialogando com Rocha (2002), a autora destaca a complexidade das
relações que envolvem a educação da criança em contextos coletivos públicos, e
que a própria concepção de criança como sujeito social suscitam novas frentes de
pesquisas que articulem e aprofundem as diferentes dimensões envolvidas nos
processos educativos da infância.
Kramer traz considerações importantes como: nas últimas décadas, as
pesquisas realizadas têm possibilitado a consolidação de vários avanços,
fortalecendo a “visão da criança como cidadã, sujeito criativo, indivíduo social,
produtora da cultura e da história, ao mesmo tempo em que é produzida na história
e na cultura que lhe são contemporâneas.” (KRAMER, 2002a, p. 43). Porém, faz a
16
seguinte ressalva: as investigações que ocorrem nos campos da sociologia e de
outras áreas reforçam a necessidade de maior investimento em pesquisas que
permitem conhecer melhor as crianças brasileiras.
A respeito das contribuições que a pesquisa nessa tônica traz para a
educação infantil, Sarmento faz as seguintes afirmações:
[...] a inventariação dos princípios geradores e das regras das culturas da infância é uma tarefa teórica e epistemológica que se encontra em boa medida por realizar. Constitui deste modo, um desafio científico a que se não podem furtar todos quantos se dedicam aos estudos das crianças. (SARMENTO, 2002, p. 13).
Ao pesquisar trabalhos já realizados na perspectiva sociológica de
observação no cotidiano das instituições de ensino das crianças, percebi que os
estudos estão mais voltados para a capital do Estado. Compartilho das ideias
desses autores em menção ao ressaltarem a necessidade de se fazer pesquisas
com as crianças, pois reafirmo que é importante investigar as crianças nas
instituições de ensino do interior, para que haja mudança na prática, ou seja, que as
vozes e os anseios das crianças sejam incorporados ao pedagógico. Também para
que o lúdico seja priorizado no pedagógico, mudando a concepção de que a criança
só pode aprender com atividades repetitivas de alfabetização e letramento na sala
de aula.
De acordo com Delgado e Müller, as autoras fazem afirmações que se
alinham ao que está impresso anteriormente:
[...] No Brasil temos um longo caminho a percorrer, no que se refere às pesquisas sobre e com as crianças, suas experiências e culturas. Provavelmente as crianças sabem mais sobre os adultos e as instituições, embora ainda compreendamos pouco sobre suas ideias acerca das pedagogias, ou sobre o que elas pensam dos adultos e das escolas que criamos pensando nelas e nas suas necessidades. Esperamos que esta publicação desencadeie novas pesquisas e olhares sobre as experiências e o ponto de vista das crianças no mundo contemporâneo. (DELGADO; MÜLLER, 2005, p. 357).
No dizer de Quinteiro, ainda falta conquista nas pesquisas com elementos
que possam contribuir para mudança na relação entre infância e escola:
Além de um balanço da produção, faltam-nos conquistas que possibilitem apreender os elementos constitutivos da relação entre infância e escola, especialmente no que se refere ao conhecimento das culturas infantis e ao
17
respeito à criança. O que se verifica é a existência de uma produção relativa ao fenômeno da infância que vem contribuindo para que inquietudes sejam instaladas no repensar dos conceitos, dos fins da educação e do sentido da escola na contemporaneidade. (QUINTEIRO, 2002, p. 14).
Procurei apresentar a centralidade e a importância da investigação com
criança no espaço da escola.
Entrar em campo com a proposta de investigar a criança adotando o seu
ponto de vista numa abordagem qualitativa nos permite viajar no insólito, como
afirma Freitas (2003). Esse fugir das regras e do incomum, ou seja, desapegar das
formas preestabelecidas traz insegurança e incerteza. Foi o que senti no início da
pesquisa. Para o autor, estudar a criança é buscar por outras leituras da condição
infantil com o objetivo de perceber novos roteiros de significação.
O estudo das crianças, no espaço escolhido, revela a sua vivência com os
adultos envolvidos no sistema de ensino onde elas estão inseridas e com seus
coetâneos ou crianças de diferentes idades e também sobre o lúdico. Procurei
observar a interação das crianças na sala de aula, no recreio e nos momentos de
atividades ocorridas nos espaços internos e externos da escola. Busquei
compreender a brincadeira como espaço criativo da criança inventar e produzir sua
cultura e como o lúdico é entendido no cotidiano no processo de transição da
criança da educação infantil para o primeiro ano. Também procurei observar como
os professores, pedagogos e direção percebem a importância da ludicidade no
desenvolvimento das crianças. Essas são questões que irei abordar nas páginas
seguintes deste estudo.
Apossar da infância como objeto sociológico exige amplo diálogo com os
estudos referentes à criança. Para Ferreira (2004), ao “fazer valer a infância como
uma categoria social”, é buscar no presente dos contextos sociais das crianças as
possibilidades e os constrangimentos colocados pelos sistemas e estruturas sociais
de gerações. A autora afirma que, ao:
[...] recorrer à variável idade na análise sociológica, como forma de singularizar este grupo social, faculta, assim, uma maior compreensão da sua situação estrutural, tanto por referência aos adultos como por referência a si próprias nos grupos de "pares", e uma maior evidência de que as suas vidas estão sujeitas às mesmas forças econômicas, sociais e políticas que as dos demais. (FERREIRA, 2004, p. 5).
18
Segundo Kramer, muitos campos de pesquisas, no Brasil, têm apresentado
um papel importante na constituição da infância como categoria analítica – a
sociologia, a história, a psicologia, a antropologia e a pedagogia:
[...] a infância é hoje um campo temático de natureza interdisciplinar, e essa visão se difunde cada vez mais entre aqueles que pensam a criança, atuam com ela, desenvolvem pesquisa e implementam políticas públicas. O campo não é uniforme nem unânime, felizmente. Diversos são os modos de ler e se apropriar das teorias; diversas são as portas de entrada, as abordagens, as posições, temas de interesse, estratégias. Aquele ser paparicado ou moralizado, miniatura do homem, sementinha a desabrochar cresceu como estatuto teórico. Nesse contexto, muitos pesquisadores têm buscado conhecer a infância e as crianças com um conceito de infância e uma prática de pesquisa que podem ter enfoques teórico-metodológicos diversos, mas com os quais as crianças jamais são vistas ou tratadas como objeto. (KRAMER, 2002a, p. 6).
Entende-se que diversos são os modos de se fazer uma leitura e também de
se apropriar das teorias, por isso, a cada investigação o pesquisador tem o seu jeito
de ver e analisar a convivência da criança no espaço das instituições escolares.
Essas considerações evidenciam a relevância de buscar a compreensão do que as
crianças são capazes de produzir no espaço coletivo com seus coetâneos, com os
professores e como o lúdico é fundamental no processo ensino-aprendizagem.
O objetivo principal do estudo foi analisar as práticas das crianças de 5 e 6
anos em duas turmas, sendo uma na Educação Infantil e a outra, no Primeiro Ano,
em uma escola pública da rede municipal de Mariana/MG, ou seja, como essas
práticas se articulam no processo de transição dessas crianças. Para tanto,
procurou-se compreender como essas relações se estruturaram entre seus grupos
de pares e com os professores. Também focalizou como objeto de investigação
sociológica o lúdico nas duas turmas pesquisadas.
Buscou o entendimento sobre as perspectivas das crianças do que é ser
criança e viver a infância no espaço escolar da Educação Infantil e do Ensino
Fundamental de Nove Anos (a criança de seis anos de idade no primeiro ano do
Ensino Fundamental).
Registrou a percepção dos professores, nas duas modalidades de ensino,
durante o ato de brincar das crianças no espaço selecionado e como é viver com a
história cultural imantada em cada local da cidade.
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Procurou conhecer como se dão as interações das crianças com seus pares
de idade e com os profissionais da educação, como estas se processam na última
etapa da Educação Infantil e na primeira etapa do Ensino Fundamental.
O aporte teórico e metodológico desta pesquisa teve uma abordagem de
inspiração etnográfica conforme definida por Ferreira (2002), que contou com um
período de observação do cotidiano escolar, estudo e análise de documentos,
entrevistas com profissionais da educação e grupo focal com as crianças. Apresenta
a seguir a organização do trabalho de investigação.
O primeiro capítulo retrata a abordagem da teoria basilar que fundamentou
esta pesquisa. Aborda, de forma sintética, as transformações ocorridas nas
concepções de infância e das teorias de desenvolvimento infantil. Destaca também
legislações brasileiras e conquistas de resultados de documentos históricos da
educação infantil.
O segundo capítulo procura mostrar os caminhos metodológicos que
alicerçaram o estudo e que constituíram a realização da investigação. Discorre sobre
as estratégias e as concepções dos estudiosos da sociologia da infância. Registra a
entrevista Grupo Focal com suas observações e informações sobre os
procedimentos de construção, os instrumentos utilizados e as características dos
sujeitos entrevistados. Também apresenta os sujeitos que fazem parte, ou seja, os
que possibilitaram a realização deste trabalho, a instituição e, por fim, detalhamento
da investigação explicitando as estratégias e os fundamentos utilizados.
O terceiro capítulo procura retratar a importância do lúdico na vida das
crianças. Como as brincadeiras, os jogos e os brinquedos contribuem no processo
ensino aprendizagem. Segundo Souza (2007), a criança tem necessidade de brincar
com a realidade e, assim, construir um universo particular, dando outra significação
no cotidiano, incorpora em suas vivências uma mística que enfatiza sua
sensibilidade pelo mundo material. Assim, a criança está sempre pronta para criar
outros sentidos para os objetos que possuem significados fixados pela cultura do
adulto. E pelos trilhos do lúdico as palavras de Benjamin são como um convite:
“quando um moderno poeta diz que para cada homem existe uma imagem em cuja
contemplação o mundo inteiro desaparece para quantas pessoas esta imagem não
se levanta de uma velha caixa de brinquedos?” (BENJAMIN, 1984, p. 75).
Na sequência, o quarto capítulo apresenta a análise da interação das crianças
com os seus grupos de pares, com o adulto (professores, diretor, pedagogo e
20
ajudantes) presentes no espaço escolar. Como as brincadeiras acontecem ou não
na prática diária. E como é a rotina dessas crianças na escola municipal que oferece
a pré-escola e o ensino fundamental, tanto dos anos iniciais quanto dos anos finais e
análise dos dados da entrevista Grupo Focal.
A entrevista com os professores, pedagogo e direção apresenta-se no quinto
capítulo. São depoimentos que contribuem para o desenvolvimento do estudo.
E, no sexto capítulo, procede-se a análise dos dados do universo do campo
de pesquisa e os aspectos que circunscrevem a vivência da infância no
estabelecimento de ensino pretendido para realização do trabalho investigativo.
As considerações finais destacam as observações de inspiração etnográfica.
Sintetizam e articulam as informações analisadas, fazendo uma relação da
representação da infância e do lúdico, na travessia das crianças, no espaço
investigado, com as teorias.
21
2 A BUSCA DE UM OLHAR SOCIOLÓGICO...
A mim, a criança, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas. Quando a gente as tem na mão. E olha devagar para elas. (Alberto Caeiro – heterônimo de Fernando Pessoa)
A epígrafe, acima, coloca o adulto diante do olhar da criança, aquela que mira
as coisas com admiração e contemplação, conforme escreveu Fernando Pessoa.
Buscando um sentido para o meu olhar, não de professora, mas de “pesquisadora
principiante”, esses versos têm contribuído na orientação do meu olhar, de modo
epistemológico curioso, para as crianças.
Para um estudo direcionado à criança, o pesquisador precisa ter um olhar
diferenciado e contemplativo para compreender o que essa criança observa, faz e
produz com o que está à sua volta. Embora seja complexo ver a existência tal como
é, principalmente analisar a interação das crianças com uma multiplicidade de
culturas dispostas no espaço escolar.
Reconhecendo a complexidade que apresenta o espaço social da criança,
este trabalho pautar-se-á nos estudos da Sociologia da Infância, e dialoga com
Corsaro, o pioneiro nos estudos sobre as interações entre crianças. O autor é
considerado um dos principais estudiosos no campo da Nova Sociologia da Infância.
Tendo como base a entrevista realizada por Müller (2007) a Corsaro, o qual expõe
os assuntos abordados em seu livro “Amizade e cultura de pares nos primeiros
anos”, afirmando que as crianças são construtoras da própria socialização como
também criam e participam da cultura de pares. Seu primeiro trabalho foi basilar
para a descoberta do conceito de socialização que chamou de “reprodução
interpretativa”.
Corsaro considera:
[...] a socialização como um processo-reprodutivo de densidade crescente e de reorganização do conhecimento que muda com o desenvolvimento cognitivo e competências linguísticas das crianças e com as mudanças nos seus mundos sociais. (CORSARO, 2002, p. 114).
Sendo, assim, a criança sai do ambiente familiar e vai para a escola, onde
ocorre a mudança de “mundos sociais”. Para Corsaro, essa mudança é importante,
22
porque a criança no espaço escolar, por meio da interação com os colegas, “produz
a primeira de uma série de cultura de pares”. É a convivência em grupo que vai
proporcionar o “conhecimento infantil”. Dessa forma, o conhecimento infantil e as
práticas são transformadas de forma gradual em “conhecimentos e competências”,
que são “necessários” para as crianças participarem no mundo adulto.(CORSARO,
2002, 115).
A produção de cultura das crianças ocorre porque elas começam a vida
“como seres sociais inseridos numa rede social já definida” (p.114), por meio do
desenvolvimento da comunicação e linguagem e da interação com outros,
constroem seus mundos sociais (CORSARO, 2002).
Além do conceito de reprodução interpretativa, a teoria de Corsaro está
fundamentada em outro conceito, que é a cultura de pares. O autor afirma que “a
cultura de pares não se fica nem por uma questão de simples imitação nem por uma
apropriação direta do mundo adulto, as crianças apropriam-se, criativamente, da
informação do mundo adulto para produzir sua própria cultura de pares.”
(CORSARO, 2002, p. 131).
A compreensão da ideia de que as crianças afetam a sociedade em que
vivem e por ela são também criadas está legitimada. Portanto, as crianças são
sujeitos ativos que participam das rotinas culturais que são ofertadas a elas pelo
ambiente social, apropriam-se delas e reinventam modos próprios de decodificar o
mundo.
Nessa vertente, Florestan Fernandes traz contribuições para compreensão da
cultura infantil que são importantes para o trabalho em pauta. Em seu estudo “As
Trocinhas do Bom Retiro” Fernandes afirma que, “para poder estudar a criança, é
preciso tornar-se criança” (FERNANDES, 2004, p. 230). De acordo com o autor, não
basta adentrar no espaço da criança e ficar observando o que ela faz e como faz,
ouvi-la e registrar o que presenciou; é preciso penetrar no seu mundo, viver “suas
preocupações e suas paixões, viver o brinquedo”.
Nessa procura do protagonismo da criança como ator social, Santos (2014)
em seu artigo “Sociologia da infância: aproximações entre Willian Corsaro e
Florestan Fernandes”, faz uma interlocução entre as obras dos dois sociólogos. De
forma sistemática, Santos analisou a obra “As Trocinhas do Bom Retiro” de
Fernandes e percebeu que a metodologia utilizada por Fernandes apresenta certa
consonância com os pressupostos teórico-metodológicos da sociologia da infância,
23
no caso de estudos interpretativos, a etnografia é o método mais eficaz. Outra
convergência entre Fernandes e o campo da sociologia está na proximidade entre
as trocinhas e os grupos de pares. Cabe ressaltar aqui o significado de “trocinhas”,
concebida por Fernandes como [...] “agrupamentos estáveis e organizados de
imaturos [...] que, como grupos sociais que são, sobrepõem-se aos indivíduos que
os constituem, refazendo-se continuamente no tempo” (FERNANDES, 2004, p. 246).
Com relação ao termo “imaturos” usado por Fernandes, Neves (2010) traz, além do
significado argumentos importantes para o momento desta pesquisa, “para se referir
às crianças, foram tomados como sujeitos sociais capazes de produzir cultura, e
transmiti-la a outras crianças.” (NEVES, 2010, p. 18).
Santos afirma existir uma forte aproximação entre os conceitos de cultura
infantil, culturas da infância e reprodução interpretativa. Para esclarecer essa
aproximação referendada por Santos, a cultura infantil construída na relação das
crianças com a cultura adulta e com seus pares busca-se no próprio Florestan. O
autor aponta que alguns elementos constituintes da cultura infantil são provenientes
da cultura adulta. A citação apresentada aqui também é a mesma do artigo de
Santos:
Alguns desses elementos foram, mesmo, estruturados sobre moldes fornecidos pela vida interativa da “gente grande”. Essas criações, todavia, se institucionalizaram, posteriormente, podendo ser aprendidas nos grupos infantis, como acontece com os elementos aceitos da cultura do adulto. Tornaram-se, por sua vez, traços folclóricos, coisa cristalizada e tradicional. O papel da criança consiste em recebê-los e em executá-los: as modificações são, como todas as outras do domínio tradicional, lentas e inconscientes. (FERNANDES, 2004, p. 216).
Neste caso, Santos apresenta o conceito de reprodução interpretativa de
Corsaro, cultura da infância postulada por Sarmento e Pinto (1997) e da cultura
infantil de Florestan. Antes da síntese do autor em relação a esse trio de conceitos,
é importante registrar o que Sarmento e Pinto, citado por Santos, postulam a
respeito de cultura da infância:
[...] a ideia de que considerar meninos e meninas como atores sociais plenos de direito, implica no reconhecimento da [...] capacidade de produção simbólica por parte das crianças e a constituição das suas representações e crenças em sistemas organizados, isto é em culturas (SARMENTO; PINTO apud SANTOS, 2014, p. 131).
24
Para Santos, os três conceitos (de cultura infantil, de Florestan; de
reprodução interpretativa, de Corsaro; e de culturas da infância, de Sarmento e
Pinto) ratificam a ideia de que “as crianças são consideradas sujeitos ativos dentro
do processo de construção/reconstrução cultural”. (SANTOS, 2014, p. 124).
Santos aponta também a diferença entre os estudos de Florestan e Corsaro.
A diferença mais notável está nas dimensões sociais e históricas. Florestan
Fernandes tem a rua como campo empírico de pesquisa com crianças brasileiras, na
década de 40; Corsaro desenvolve estudos nos Estados Unidos e Itália, tendo como
campo empírico as instituições de educação infantil na década de 1990, “se
configuram como espaços de socialização por excelência”. A outra diferença é de
ordem epistemológica1.
Assim, como Santos vê aproximações nos estudos de Fernandes e Corsaro,
Neves (2010, p.19) percebe que, “o primeiro conceito de cultura de pares, aproxima-
se, [...] do conceito de cultura infantil proposto por Fernandes”.
Transpondo essas aproximações e diferenças para este texto, que possui a
finalidade de apresentar a minha posição, é certo que, ao estudar as pesquisas de
Fernandes e Corsaro, tive a percepção de aproximações conceituais e de análises
das pesquisas como também foi importante para reafirmar que a criança não é um
ser passivo dentro do processo de socialização. Contrariamente, é ativa, criativa e
interativa. Não só reproduz aspectos do mundo adulto, mas também reconstrói,
produzindo sua cultura.
Para Santos, as aproximações entre esses estudos dos sociólogos trazem
contribuição para o campo de investigação científica que busca a interlocução das
crianças no espaço social de convivência. Também esses “estudos interpretativos
da infância tornam-se instrumentos reflexivos não só para pesquisadores, mas
também para os profissionais da área” (p.133).
Segundo Sarmento, o conceito de “culturas da infância” vem se
estabelecendo pela sociologia da infância e se destaca como categoria geracional.
O autor assevera que, “por esse conceito entende-se a capacidade das crianças em
construírem de forma sistematizada modos de significação do mundo e de ação
intencional”. (SARMENTO, 2002a, p.3). Nessa perspectiva, encontra-se, na turma
observada, a capacidade que a criança tem de atuar propositalmente perante
1 Para maior esclarecimento da diferença epistemológica dos estudos dos dois sociólogos, ver Santos (2014, p. 135-144).
25
situações em grupo, seja com os próprios grupos de pares, seja com o adulto. Para
elucidar essa afirmação, considere-se a anotação sobre o fato observado na sala da
educação infantil:
No dia 10/10/2013, a porta da sala de aula fechou com o vento e trancou. Uma criança queria sair, como a professora estava sentada em sua mesa corrigindo o “dever de casa” me pediu para abrir a porta. Após várias tentativas não consegui abri-la, porém um grupo de crianças aproximou-se para me ajudar. Ben10 com a pontinha de um objeto, que encontrou no cesto de lixo da sala, abriu a porta. Nesse momento, olhei admirada e a “Dora” disse: - Só cabecinha de criança mesmo! (Caderno de campo).
Essas particularidades do cotidiano mostram que a criança é capaz de
compreender o mundo à sua volta e de interferir nele. É o que propõe a Sociologia
da Infância.
Tal significação se encontra no desafio teórico-metodológico de considerar as
crianças atores sociais plenos.
Dessa forma, a proposição de um estudo que priorize a criança produtora de
sua cultura deve levar em consideração o que ela fala e faz em todos os espaços
sociais. Portanto, este trabalho em pauta procura valorizar cada ação e cada fala da
criança no espaço da instituição escolhida para investigação em consonância com a
proposta da Sociologia.
Essa compreensão da cultura infantil, que provém das relações estabelecidas
pelas crianças por meio das brincadeiras com seus grupos de pares, exige um olhar
sensível do adulto para captar o que elas produzem no ambiente escolar. Como
também necessita de um espaço que se abra ao lúdico e que a criança tenha
acesso a todos os espaços da escola, ou seja, o trabalho pedagógico deve facilitar
esse movimento criando atividades que não se restrinjam apenas à sala de aula. O
lúdico deve tomar o lugar das atividades repetitivas e do controle do corpo da
criança.
Neves pontua a cultura de pares como um entrelaçamento com a cultura
escolar e com o sistema de educacional. Dessa forma, as instituições de ensino
podem contribuir para as interações ocorrerem ou não no espaço escolar:
A cultura escolar também é entendida a partir das interações que se
estabelecem no interior da escola, entre os alunos, entre os professores e
entre os alunos e professores. Parto, assim, da ideia de que as formas de
participação e o processo de tornar-se membro de um determinado grupo,
bem como as culturas de pares destes grupos, relacionam-se com a cultura
escolar e com o sistema educacional, que igualmente se faz presente de
26
forma contundente no interior das escolas, contribuindo para que algumas
interações ocorram ou não (NEVES, 2010, pp. 25-26).
Enfim, o campo da sociologia tem revelado uma vasta discussão das novas
propostas de considerar a criança na sua especificidade. Nesse percurso, procurei
apresentar a infância como construção cultural, assim, a criança como sujeito
participante ativo do seu processo de socialização.
É possível dizer que os versos de Fernando Pessoa, na abertura do capítulo,
e o campo da Sociologia da Infância auxiliaram o meu olhar para o desvelamento
das singularidades da criança, impresso no espaço coletivo da instituição de ensino
na cidade histórica de Mariana.
A próxima seção traz algumas concepções de infância/criança ao longo da
história que são importantes para o entendimento preterido neste estudo.
2.1 Infância e Criança nas perspectivas Sociológicas
Criança, infância... Compreender as crianças como atores sociais e não como
depósito de conhecimentos do adulto significa despir da roupagem tradicional das
concepções de infância e permitir que elas falem e escolham o jeito de desvelar o
mundo.
Na categoria histórica, diversos significados foram atribuídos à infância
dependentes das relações sociais, econômicas, políticas, culturais, entre outras.
Borba (2005), baseada nos estudos de Sirota (2001), aponta as marcas importantes
que contribuíram para inserir a criança no panorama científico.
A definição tradicional da infância como um período de crescimento, como de um ser em devir, em processo formação, conduziu a práticas sociais no sentido de proteger esse ser frágil e de moldá-lo e instruí-lo para alcançar plenamente a racionalidade adulta (BORBA, p. 25).
Nesse sentido, os sociólogos trilharam o caminho do processo de
socialização na “perspectiva estrutural-funcionalista”, na visão durkheimiana, ou
seja, a criança vista como objeto passivo que precisava ser conduzida por
instituições (a escola, a família e a justiça).
Com o nascimento da Nova Sociologia da Infância, a criança passa a ser
reconhecida como protagonista no processo de socialização, opondo à concepção
de criança como um ser em devir. Essa oposição está contextualizada no
27
movimento geral da sociologia marcado pelo “impulso das pesquisas interacionistas,
construcionistas, fenomenológicas e interpretativas” (BORBA, 2005, p.25).
Segundo Kramer (1986), através da sociologia, da história e da antropologia,
passa-se à compreensão da infância por meio da condição histórica e cultural das
crianças. “Este conceito de infância é, pois, determinado historicamente pela
modificação nas formas de organização da sociedade” (KRAMER, 1982, p.18).
Borba e Kramer abordam a importância dessa transformação da concepção
de infância como uma construção social a partir dos estudos de Ariès. Os estudos
desse autor tornaram-se fonte para discussão de vários trabalhos multiplicando o
interesse pela infância na área das ciências sociais. Estes rumaram à construção
das crianças como atores sociais que participam das relações sociais e interagem,
conforme afirma Borba, “elas são ao mesmo tempo produtos e produtoras da
sociedade” (p.25).
Kramer ressalta a influência do pesquisador francês Ariès sobre os
pesquisadores e os cientistas sociais do mundo inteiro quanto à mudança do papel
da família ao longo dos séculos que fez despertar esse novo ângulo de análise para
a função desempenhada pelas instituições, porém sedimenta uma crítica ao conceito
abstrato de infância encontrada nas obras de Charlot e Ariès. A partir daí a infância
passa a ser compreendida como sendo “eco da própria mudança” nas formas de
organização da sociedade e das relações de trabalho, das atividades realizadas e
dos tipos de inserção que as crianças têm na sociedade. Nesse sentido, “não se
trata apenas de estudar a criança como um problema em si, mas de compreendê-la
segundo uma perspectiva histórica”. A análise do estudo de Ariès possibilitou a:
[...] ideia de infância não existir sempre da mesma maneira. Ao contrário, ela aparece com a sociedade capitalista, urbano-industrial, na medida em que mudam a inserção e o papel social da criança na comunidade. Se, na sociedade feudal, a criança exercia um papel produtivo direto “de adulto” assim, que ultrapassava o período da alta mortalidade, na sociedade burguesa ela passa a ser alguém que precisa ser cuidada, escolarizada e preparada para uma atuação futura (KRAMER; LEITE, 1996, p. 19).
Nesta perspectiva, o conceito de infância é determinado historicamente pela
transformação da sociedade.
Kramer ressalta o estudo de Charlot que, por meio do olhar crítico e do seu
agudo questionamento à significação ideológica da ideia de infância, incitou-a a
compreender que:
28
[...] os dois aspectos do sentimento de infância – “paparicação” e “moralização” – são aparentemente contraditórios, mas, na verdade se completam na concepção de infância enquanto essência infantil. A visão de criança baseada em uma concepção de natureza infantil, e não na análise da condição infantil, mascara a significação social da infância (KRAMER, 1982, p. 20).
Segundo Kramer, a noção de dependência da criança diante do adulto é um
fato social e não natural. Partindo desse pressuposto, o sentido dessa dependência
varia de acordo com a classe social. Sendo, assim, a criança não pode ser tratada
em abstrato, é preciso levar em consideração as suas diferentes condições de vida.
Mais ainda, essa visão da infância influenciada pela produção francesa no
delineamento de uma concepção de infância concreta propiciou uma ruptura da
pedagogia com a psicologia. Esse rompimento conceitual, conforme Kramer, foi de
grande importância para um novo rumo dos estudos das ciências sociais sobre a
infância. Esse novo olhar contribuiu para a compreensão do modo de viver e de
pensar das crianças. Diante dessa nova visão da infância é preciso deixar de tratar a
criança como objeto, mas capaz de entender o mundo.
Para Kramer, Ariès forneceu parâmetros de pesquisa articulando infância,
história e sociedade, Charlott favoreceu a crítica com a naturalização da criança e
consolidou a análise de caráter histórica, ideológica e cultural.
É perceptível que, no delinear da história da infância, são/foram várias facetas
que envolvem/envolveram o mundo da criança. Essas transformações contribuíram
para inocular a criança no seio da sociedade como “ator social”.
Procurando dialogar com Sarmento que também atribui:
[...] à gênese do „sentimento da infância‟ de Ariès o desenvolvimento de uma consciência de alteridade das crianças em relação aos adultos, que é decisiva para construção histórica com um contínuo, dinâmico e distinto processo de desenvolvimento desde o debaldar da modernidade. (SARMENTO, 2005, p. 367).
Essa construção da modernidade da infância é correspondente ao trabalho de
separação do mundo dos adultos e de “institucionalização das crianças”.
Para Sarmento, “a porta de entrada para o estudo da alteridade da infância é
a ação das crianças e as „culturas da infância”.
As culturas das crianças são “um conjunto estável de atividades ou rotinas, artefatos, valores e ideias que as crianças produzem e partilham em interação com os seus pares” (Corsaro & Eder, 1990). Estas atividades e formas culturais não nascem espontaneamente; elas constituem-se no
29
mútuo reflexo das produções culturais dos adultos para as crianças e das produções culturais geradas pelas crianças nas suas interacções. (SARMENTO, 2005, p. 373)
Tomando como base as reflexões de Sarmento, a criança precisa de um
espaço social repleto de atividades que favoreçam a interação dela com o adulto e
com seus grupos de pares. Nesse sentido, as atividades propícias neste universo da
criança é o lúdico.
Na perspectiva histórica, a infância é engendrada no entrecruzamento da
história, da filosofia, antropologia, psicologia, cultura, arte e da ética. E o que
promove todo esse entrelaçamento é a linguagem. A linguagem, conforme Kramer e
Leite (1996, p. 38), “condição de humanidade do homem, pois só o ser humano
pode ser infans2”. Sob essa ótica, a criança por muitos séculos foi considerada
incapaz de falar. Reis, Santos, Xavier asseveram que as questões imperiosas do
adultocentrismo na educação das crianças precisam ser superadas, e que é
“possível ouvir as crianças”. “Essa tomada de posição se diferencia da ideia
preconcebida de „dar voz às crianças‟, ideia esta que parte do pressuposto de que
elas não a têm” (REIS; SANTOS; XAVIER, 2012, p.12). Para tanto, ouvir a criança é
buscar pela compreensão da sua vivência no espaço social e “colocá-la no centro”
das atividades pedagógicas.
Nas entrevistas realizadas com os profissionais da educação da escola em
pauta, a fala da pedagoga aborda sobre a infância:
Acho que a infância é um período que a criança passa, igual à gente passa por vários períodos... né. Tem a infância, depois pré-adolescência, adolescência, jovem, adulto e o velho. Acho que seria uma fase da criança. Criança é... ai meu Deus... é um serzinho cheio de coisas pra gente cutucar... cheio de direitos. Uma hora não sabe nada e hoje a gente vê que é muito ao contrário. Eles têm muita coisa pra ensinar... a gente tem que vê assim que são pessoinhas que sabem o que querem, que tem vontade né, desejos... né... que tem necessidades... e são pessoas assim que merecem uma atenção porque eles têm o que falar ... Não é mais aquele conceito antigo, olha, você é criança, você não sabe nada, você não tem que participar disso, não você não tem que saber disso não... Se é criança você sabe, eu sei, a gente troca (entrevista realizada no dia 13/11/2013).
Este relato permite-nos perceber como a infância é considerada uma fase
como outras que o indivíduo passa ao longo da vida. Entende-se também que a
criança não é reconhecida na sua especificidade. De acordo com a Sociologia da
2 Infans – etimologicamente em latim aquele que não fala.
30
Infância, diversos estudos nesta área têm demonstrado a relevância da criança, sua
capacidade de produzir cultura e de que ela deve ser colocada no centro das
propostas pedagógicas. Outro fator preponderante nessa fala é o uso de termos
como “serzinho”, “pessoinhas”, “cheio de coisas pra gente cutucar”, são expressões
que podem apresentar diversas interpretações no espaço escolar como: seres
incapazes de participar das ações do espaço social em que estão inseridos;
precisam do adulto para conduzi-las no mundo infantil, e seres que devem ser
moldados conforme a concepção de outrora. Reis, Santos, Xavier alertam sobre a
demanda de “pesquisas mais densas e articuladas, que visem superar clichês com o
intuito de trazer à reflexão as experiências, a cultura e as práticas brasileiras
voltadas às crianças pequenas.” (REIS; SANTOS; XAVIER, 2012, p.8). Pela
expressão “a gente troca”, entende-se que a criança tem seu saber e pode contribuir
no ambiente em que está inserida, basta ouvi-la e deixá-la participar nas tomadas de
decisões das ações pedagógicas acerca do que diz respeito a ela.
Depreender das novas concepções da infância é considerar a criança como
sujeito capaz de entender o mundo que a cerca e nele interferir.
2.2 A infância brasileira e suas concepções na visão sócio-histórica
Este trabalho não tem a pretensão de descrever a história da criança
de forma linear, uma vez que a forma de representá-la, no cenário brasileiro, tem
sido por diversas versões seja no campo político, seja no social, seja no
educacional. Contudo, procura-se apresentar alguns momentos que tiveram
significação para compreensão da criança no presente momento.
Sabemos que, antes do período de colonização do País, já havia diversas e
diferentes práticas culturais indígenas. Os costumes, a linguagem e a organização
social das diferentes nações indígenas resultaram em diferentes modos da criança.
No Brasil quinhentista, a vida das crianças não era separada do mundo
adulto, os meninos aprendiam a caçar e a pescar com seus pais, e as meninas
acompanhavam as mulheres e aprendiam a plantar, a colher, fazer farinha, cozinhar
e outras atividades relacionadas às mulheres indígenas. As crianças participavam
dos rituais e celebrações com o adulto.
Com o processo de colonização do País, a vida das crianças indígenas foi
modificada por meio da escravização, catequização ou do ensino da Companhia de
31
Jesus. De acordo com Oliveira (2012), fundamentada em Chambouleyrom (2007), a
Companhia de Jesus iniciada, no século XVI, de ordem missionária, vai se
transformando em uma ordem docente. De forma que a Ordem dos Jesuítas dedicou
seus esforços na formação de seus membros e da juventude, os quais passariam a
propagar os valores defendidos pela Companhia para o mundo onde vivessem.
Diversos colégios foram construídos na Europa, abertos a estudantes de fora,
“comprovando o valor que a ordem dava à instrução de crianças e adolescentes”
(OLIVEIRA, 2012, p. 31).
Segundo o estudo de Oliveira, a companhia foi se organizando e se
consolidando tanto na Europa como nas diversas províncias e missões “ultramar”. A
princípio não tinha um projeto definido para lidar com os índios e com as crianças.
Dentro da própria experiência missionária no Novo Mundo, no período do século
XVI, o projeto foi se consolidando e passando por várias reacomodações.
Ainda com Oliveira ancorada em Chambouleyrom, a ideia fortalecida pelos
Jesuítas nesse século é a de que as crianças construíssem uma nova cristandade.
Mas para isso era necessário afastar as crianças de suas famílias e esquecer todos
os costumes dos gentios. Essa concepção de infância determinava a forma de
interação e tratamento que as crianças recebiam do adulto. Dessa forma, “a criança
poderia ter a mesma carga de trabalho que um adulto, ir para a guerra, ser castigada
fisicamente e humilhada”. (OLIVEIRA, 2012, p. 32).
Assim também ocorria com as crianças que viajavam em embarcações para
as colônias.
Oliveira ancorada em Ramos (2007) aponta que os colonizadores exploravam
a infância em embarcações que viajavam para as colônias. As crianças no contexto
da colonização eram vistas como “elementos necessários às práticas mercantis”
(OLIVEIRA, 2012, p.32). As crianças que permaneciam no seu País de origem eram
obrigadas a fazer o trabalho agrícola com a sua família. Nos navios, as crianças e
adolescentes tinham de realizar o trabalho que era destinado aos adultos, ainda que
fossem altas as taxas de mortalidade infantil.
Ramos apud Oliveira ressalta que o número de crianças que embarcavam em
Portugal era superior ao número dessas que chegavam às colônias, pois muitas não
suportavam o trabalho pesado e morriam durante a viagem. Aquelas que
sobreviviam eram inseridas em alguma atividade econômica para garantir o seu
futuro como colonos, outras eram obrigadas a se adaptar à vida e aos costumes
32
indígenas e passavam a viver nas aldeias, assim, incorporavam a cultura daquele
povo. Outras não suportavam o calor e as dificuldades da floresta e morriam.
De acordo com Del Priore, a história fez-se à sombra daquela dos adultos,
“entre pais, mestres, senhores ou patrões, os pequenos corpos dobraram tanto à
violência, à força e às humilhações, quanto foram amparados pela ternura e os
sentimentos maternos.” (DEL PRIORE, 1991, p.3).
Podemos perceber que tanto as crianças indígenas quanto as europeias eram
maltratadas, violentadas e humilhadas.
Seguindo a história da criança descrita por Oliveira, o sofrimento fez parte das
crianças africanas, nos navios negreiros. Homens, mulheres e crianças eram
amontoados e acorrentados em espaços minúsculos e escuros sem nenhum
cuidado com a higiene.
Ainda segundo Oliveira, no século XVIII, cerca de 4% dos escravos que
desembarcavam no Rio de Janeiro eram crianças menores de 10 anos de idade. A
prioridade dos mercenários eram os homens, e quando passavam pelas tribos
também capturavam crianças, pois elas eram consideradas capazes de realizar o
trabalho braçal como os adultos na agricultura, mineração ou trabalho doméstico. Os
fazendeiros ou qualquer um que tivesse poder aquisitivo alto compravam as crianças
e também as mulheres em idade fértil para aumentar o número de escravos. A
mortalidade infantil era muito alta.
Nesse período nem todas as crianças tiveram a mesma infância. Os filhos
dos fazendeiros, as crianças e os adolescentes ricos eram acostumados a
reproduzir o comportamento autoritário dos pais.
Percebemos que em um mesmo tempo as infâncias são diferentes. A infância
da criança escrava envolvia trabalho braçal, violência e humilhação enquanto as
crianças ricas recebiam tarefas voltadas para o trabalho intelectual na escola e na
família.
Com a abolição da escravidão, a criança negra por muito tempo ainda
permaneceu desempenhando trabalho doméstico, agrícola entre outros.
Nesse período da história, é importante apontar o que Costa (1986)
denominou de protoestatístico, que vai da metade do século XVIII até ao
recenseamento de 1872, pois inclui estatísticas vitais e recenseamentos de valor
muito desigual e de difícil comparabilidade. Nos dados quantitativos, as crianças e
as mulheres são ocultadas no interior do grupo. As crianças sem pais podem ser
33
órfãos, filhos ilegítimos, expostos ou ter pai ausente denominado filho bastardo.
Essa conotação do termo “pesa sobre elas como decreto de exclusão”.
De acordo com Oliveira, o desenvolvimento industrial teve grande
crescimento, acarretando a expansão dos centros urbanos no País, no século XIX,
há um crescimento da população. Assim, a população assolada pelo desemprego se
aglomera nas periferias em situações inadequadas, as crianças e os jovens são
marcados por abandonos e crueldades. Houve mudanças no tipo de trabalho, mas
as condições sociais e o desrespeito com as crianças se mantiveram.
A cafeicultura naquele período possibilitou o investimento em outras
atividades econômicas, como as indústrias de tecidos, calçados e outros produtos
de fabricação mais simples. As fábricas utilizavam a mão de obra dos imigrantes
italianos.
A imigração italiana no Brasil foi intensa no período de 1880 a 1930. Neste
contexto, uma nova organização do trabalho surgiu, constituindo a classe operária
dos imigrantes italianos. Entre os operários encontravam-se adultos, crianças e
adolescentes. Havia a presença de crianças nas fábricas num ambiente hostil e
impróprio. Como descreve Oliveira “não havia nenhum dispositivo de segurança, as
máquinas eram muito grandes para as crianças”, acarretando acidentes e ferimentos
graves que levavam à morte destes pequenos operários.
Como as crianças não tinham tempo para as brincadeiras, pois tinham que
trabalhar durante 12 a 14 horas por dia, elas procuravam brincar nos intervalos para
alimentação ou até mesmo durante o trabalho, quando isso ocorria eram
severamente punidas.
Baseada nos estudos de Moura (2007), Oliveira apresenta o trabalho das
crianças voltado para inúmeras atividades, como nas fábricas e oficinas, na
construção civil ou em atividades informais: engraxates, vendedores de jornais e de
bilhetes de loteria, entre outros. As crianças viviam mendigando nas portas de
igrejas, nas praças e ruas, roubando, na delinquência e criminalidade. Esse
abandono era provocado pela miséria da família e pelo total desamparo do Estado.
De acordo com Moura, este contexto possibilitou o fortalecimento do discurso que
“enaltecia o trabalho enquanto um meio de formação do sujeito, que favorecia o
aprendizado de uma profissão, o resgate e preservação do contato danoso com a
rua”. (OLIVEIRA, 2012, p.38).
34
Havia uma tendência de fazer do abandono, do desamparo, da delinquência e
da criminalidade infantojuvenis uma justificativa para a exploração da capacidade
produtiva da infância e da adolescência. Esse pensamento foi consolidado nas
décadas iniciais do século XX, quando apareceram propostas que buscavam dar
conta da questão do abandono e negligência das crianças.
Portanto, a história das crianças brasileiras é perpassada por adversidades
como apresenta Del Priore em seu estudo:
[...] o abandono de bebês, a venda de crianças escravas que eram separadas de seus pais, a vida em instituições que no melhor dos casos significavam mera sobrevivência, as violências cotidianas que não excluem os abusos sexuais, as doenças, queimaduras e fraturas que sofriam no trabalho escravo ou operário foram situações que empurraram por mais de três séculos a história da infância no Brasil. (DEL PRIORE, 1991, p. 3).
Essas breves considerações da história da infância de alguns períodos
destacados permitiram compreender que houve a existência de diferentes infâncias
em um mesmo período como também não é perceptível o reconhecimento das
crianças ao longo dos séculos.
No próximo item, continuarei com a história da criança brasileira no contexto
político.
2.3 As crianças brasileiras no contexto político
Esta etapa da pesquisa baseou-se em análise documental centrada nos
documentos oficiais, no âmbito federal. O percurso de análise faz recortes em
alguns aspectos, destacando artigos sobre o direito da criança na Constituição
Federal, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no Estatuto da Criança
e do Adolescente e na trajetória da implantação do Ensino Fundamental de nove
anos.
2.3.1 A criança ... Estou na Constituição de 1988
Kramer (2006) aponta as lutas que contribuíram para que os direitos sociais
da educação infantil fossem convertidos em direito de fato, que vigorassem em Leis.
Vários caminhos foram percorridos dentro de um processo social e cultural de cada
período da história.
35
A Constituição de 1988 define em seu art. 227 que os pais, a sociedade e o
poder público devem respeitar e garantir os direitos das crianças. A seguir, o artigo:
Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).
Com os direitos definidos na Constituição Federal, reconhecendo a criança
como um cidadão em desenvolvimento, é obrigação de todos respeitarem esse
direito. Há duas outras definições importantes que dizem respeito ao fato dos
direitos dos trabalhadores, eles têm direito à assistência gratuita aos filhos e
dependentes desde o nascimento até seis anos de idade em creches e pré-escolas
(art. 7º. XXV), e, ainda, no art. 208 – IV: O dever do Estado com a educação será
efetivado mediante a garantia de atendimento em creche e pré-escola às crianças
de zero a seis anos de idade (BRASIL, 1988).
Esses artigos evidenciam que as creches e pré-escolas são direitos às
crianças e aos pais e são instituições de caráter educacional, e não, simplesmente,
assistencial.
O artigo 203 também assegura o direito à criança, referente à previdência
social, que “define como objetivos da assistência social a proteção à família, à
maternidade, à infância, à adolescência e à velhice, e o amparo às crianças e
adolescentes” (BRASIL, 1988).
No texto da Lei, existem outros direitos assegurados aos trabalhadores, que
dizem respeito à criança, como licença-gestante e licença paternidade, em artigos
da Constituição Federal3 (BRASIL, 1988).
Segundo Cury, a Constituição rompeu com a concepção infantil como “falta-
compensação-assistência”, inserindo o direito da criança e dever do Estado:
[...] esta Constituição incorporou a si algo que estava presente no movimento da sociedade e que advinha do esclarecimento e da importância que já se atribuía à educação infantil. Caso isto não estivesse amadurecido entre lideranças e educadores preocupados com a educação infantil, no âmbito dos estados membros da federação, provavelmente não seria traduzido na Constituição de 88. Ela não incorporou esta necessidade sob o
3 No artigo 7º, do capítulo que integra os Direitos Sociais, são assegurados direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social (BRASIL,1988).
36
signo do Amparo ou da Assistência, mas sob o signo do Direito, e não mais sob o Amparo do cuidado do Estado, mas sob a figura do Dever do Estado. Foi o que fez a Constituição de 88: inaugurou um Direito, impôs ao Estado um Dever, traduzindo algo que a sociedade havia posto (CURY, 1998, p. 11).
Portanto, a Constituição Federal representou um marco no sentido de
afirmação dos direitos da criança. Enfim, as crianças são reconhecidas como sujeito
social e merecem especial atenção por parte da sociedade e do Estado.
A Constituição Federal afirma que a creche e a pré-escola, além de serem
vinculadas aos direitos dos trabalhadores, configuram-se como direito da criança de
até seis anos de idade à educação, que deve ser assegurado pelo poder público.
Cury ressalta o artigo 205 da CF de 1988
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (CURY, 2008, p. 10).
Ainda pontua essa definição como “bela e forte” e aponta o artigo 6º da CF
como reforço dos primeiros direitos sociais e faz a seguinte argumentação: “do
direito nascem prerrogativas próprias das pessoas em virtude das quais elas
passam a gozar de algo que lhes pertence como tal” (CURY, 2008).
Sendo, assim, a Constituição Federal dá bases legais para a formação de
Políticas Sociais voltadas à infância. Apesar dos avanços na Constituição Federal,
como um marco jurídico, não se traduzem ações concretas no campo das políticas
sociais em relação à infância, como afirmam Nunes e Corsino (2011, p.331) que,
“em virtude das posições políticas e das condições econômicas, as políticas sociais
não seguiram integralmente a orientação universalista e se efetivaram, em alguns
casos, tendendo a modelo residualista”.
De acordo com a Constituição, a educação infantil, como direito de todas as
crianças desde o nascimento, referenda os argumentos da política pública universal,
ou seja, as creches e pré-escolas deixariam de existir como unidades separadas.
Ainda com Nunes e Corsino, “embora se reconheça a creche como direito e como
instituição educativa, a oferta está muito aquém da demanda.” (NUNES; CORSINO,
2011, p. 347). “A oferta pública é para as camadas mais pobres da população e
atinge pouco mais de 10% das crianças pobres.” (NUNES; CORSINO, 2011, p. 347).
37
2.3.2 O que diz o Estatuto da Criança e do Adolescente
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – Lei no 8.069, de 13 de julho
de 1990, priorizou a criança e o adolescente na ação do Estado e da Comunidade,
uma marca expressiva dos novos direitos. As políticas sociais públicas e os órgãos
públicos devem priorizar crianças e adolescentes, destinar-lhes recursos públicos,
apoio e promoção social.
Segundo Fonseca, o ECA:
[...] amolda-se sobre quatro orientações: o asseguramento dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes, os princípios do melhor interesse, da proteção integral e da prioridade absoluta, São como elos de uma mesma corrente, que visam amparar e proteger a criança e o adolescente. (FONSECA, 2011, p. 22).
O artigo 5º do Estatuto da Criança e do adolescente declara que:
[...] nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais (BRASIL, 1990a).
Esse referido artigo reconhece as crianças e os adolescentes como sujeitos
de direitos. E podemos perceber nos artigos 4º, 53 e 54, os direitos da criança à
Educação Infantil:
Artigo 4º: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte e ao lazer. [...] Artigo 53: A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-lhes: V – acesso a escola pública e gratuita próxima de sua residência. Parágrafo único – É direito dos pais ou do responsável ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição de propostas educacionais. [...] Artigo 54: É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: IV- atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade. (BRASIL, 1990a).
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, as crianças têm
direito à vida, educação, saúde, proteção, afeto, liberdade, convivência familiar, lazer
e preparação para o trabalho. O poder público e a família são responsabilizados pela
38
proteção e cuidado da criança, destacando-se que cumpre ao Estado a obrigação
constitucional de prestar assistência aos desamparados, seja criança, seja adulto
(BRASIL, 1988).
O Estatuto apresentou de forma mais clara um dos direitos da criança e do
adolescente, como também explicita os princípios que devem nortear as políticas de
atendimento. As regulamentações do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA
indicam a criação e a constituição dos Conselhos dos Direitos da Criança e do
Adolescente e dos Conselhos Tutelares. O Conselho dos Direitos da Criança e do
Adolescente tem como tarefa traçar as políticas e o Conselho Tutelar zelar pelos
direitos da criança e do adolescente, entre os demais, o direito à educação para as
crianças pequenas incluindo o direito a creches e pré-escolas.
Campos mostra que, a garantia dos direitos da criança traduzidos em
políticas depende do contexto social, cultural e econômico, da conscientização da
população e da necessidade de que eles sejam aplicados na prática, como afirma o
autor:
[...] a disseminação de novas concepções de direitos na sociedade geralmente é mais lenta e descontínua do que fazem supor as lutas políticas responsáveis por seu reconhecimento legal. Muitas vezes, as novas concepções são absorvidas superficialmente pelo discurso, mas nem por isso integram a prática adotada por órgãos locais de supervisão e pelos profissionais que se ocupam diretamente das crianças (CAMPOS, 1999, p. 125).
O autor retrata que as novas concepções de direitos na sociedade são lentas,
fragmentadas e muitas vezes ficam apenas nos discursos. Kramer complementa que
o campo teórico e o campo dos movimentos sociais avançaram para mudar a
situação das crianças até 6 anos de idade. Contudo, “na história do atendimento às
crianças foi constante a criação e extinção de órgãos superpondo-se programas com
mesmas funções”. (KRAMER, 2007, p. 34). A autora considera a falta de articulação
entre saúde, assistência e educação na trajetória da história um fator de
fragmentação. Kramer aponta que “cada uma das áreas foi apontada como causa,
sem uma transformação das condições de vida das crianças”, portanto, “a
fragmentação é uma das heranças que recebem as prefeituras”, e ainda hoje se
manifesta nas suas estratégias de ação. (KRAMER, 2007, p. 34).
No próximo item, mostro mais uma conquista do direito da criança.
39
2.3.3 Como é vista a criança na LDB
Depois de um longo período de lutas e preparação, é aprovada uma nova Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei no 9.394/96. A lei se limita a indicar
sua finalidade no artigo 29; a sua organização, em creches para crianças de até três
anos de idade e pré-escolas para crianças de quatro a seis anos de idade, no artigo
30, também explicita sobre a avaliação que será feita pelo acompanhamento e
registro do desenvolvimento infantil, sem objetivo de promoção.
Essa Lei sinaliza uma preocupação em universalizar a educação básica,
embora não apresente uma política de financiamento.
É perceptível que, com a nova Constituição e a definição da Política Nacional
de Educação Infantil, creches e pré-escolas passam a ser conceituadas como
instituições de Educação Infantil, porém não houve a garantia da expansão e da
consolidação pública de qualidade como política nacional.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN introduziu em
nosso País mudanças significativas, porém contraditórias. Saviani afirma que a lei
não define as ações com clareza:
[...] trata-se de uma “lei minimalista”, que deixa muita coisa em aberto, aparentemente para viabilizar as ações do MEC, cujo papel é reforçado em face das atribuições que a lei confere à União [...] concentrando aí as tarefas de coordenação da política educacional e articulação dos diferentes níveis e sistemas de ensino com funções normativas, redistributivas e supletivas; a definição de competências e diretrizes para nortear os currículos de educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio. (SAVIANI, 1997, p.6).
Apesar das contradições, é importante discutir as principais inovações. O
artigo 4º destaca o atendimento à educação infantil que passou a ser obrigação do
poder público, porém não registra a obrigatoriedade de matrícula.
O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: IV – atendimento gratuito em creches e pré–escolas às crianças de zero a seis anos de idade (BRASIL, 1996a).
Essa obrigatoriedade de matrícula está definida a partir da Lei no 12.796/13,
que altera a Lei no 9.394/96 e estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, para dispor sobre a formação dos profissionais da educação e dar outras
40
providências. Está assegurada no artigo 6º dessa nova Lei. A seguir registro dos
artigos 4º, 5º e 6º.
Art. 4º- I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, organizada da seguinte forma: a) pré-escola; b) ensino fundamental; c) ensino médio; II - educação infantil gratuita às crianças de até 5 (cinco) anos de idade; III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - acesso público e gratuito aos ensinos fundamental e médio para todos os que não os concluíram na idade própria; VIII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde; Art. 5º O acesso à educação básica obrigatória é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída e, ainda, o Ministério Público, acionar o poder público para exigi-lo. § 1º O poder público, na esfera de sua competência federativa, deverá: I - recensear anualmente as crianças e adolescentes em idade escolar, bem como os jovens e adultos que não concluíram a educação básica; Art. 6º É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos 4 (quatro) anos de idade. (BRASIL, 2013).
Com essa alteração na LDB, mais assegurados estão os direitos das crianças
e também a questão da obrigatoriedade de matrícula a partir dos quatro anos de
idade.
O artigo 11 estabelece o regime de colaboração, colocando na esfera
municipal a responsabilidade da Educação Infantil, porém União e Estado são
também responsáveis. Essa corresponsabilidade está contemplada na Constituição
e na LDB. A seguir, o artigo 11 da LDB:
Os municípios incumbir-se-ão de: V – oferecer educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino (BRASIL, 1990).
Com a promulgação da LDB, complementar ao ECA e à Constituição, a
Educação Infantil é reconhecida como um direito da criança e da sua família,
reafirmando a ideia de criança como sujeito de cultura, que tem o direito de se
educar.
41
Considera-se avanço significativo à medida que, primeiramente, reafirma que
a educação infantil como a primeira etapa da educação básica. Cury (2008) afirma
que esse novo conceito “Educação Básica” traduz “uma nova realidade nascida de
um possível histórico que se realizou de uma postura transgressora de situações
pré-existentes, carregadas de caráter não democrático”. O artigo 29 define:
Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até os seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da sociedade (BRASIL, 1996).
É importante registrar que, apesar de várias críticas, a expressão “Educação
Infantil” aparece pela primeira vez e passa a integrar o sistema de ensino e é objeto
de disposições legais. Esse fato, por si só, já é um avanço ponderável sobre as
legislações anteriores. A partir dessa legalidade, os ranços históricos de que creche
é para criança de determinada classe social são eliminados.
Cury analisa que “a educação infantil é a raiz da educação básica, o ensino
fundamental é o seu tronco e o ensino médio é seu acabamento.” (CURY, 2008, p.
10).
Os avanços em relação à questão da legalidade da educação são
perceptíveis, principalmente, quando se valoriza a educação infantil. Dessa forma, a
Educação Infantil deverá ser obrigação do poder público, como também da família e
da comunidade, e, em conjunto, todos terão que considerar a criança na sua
totalidade. Oferecer a educação infantil com qualidade a todas as crianças,
respeitando seu direito.
A seguir, irei tratar da criança de seis anos no ensino fundamental, enfocando
a lei que amplia o ensino fundamental para nove anos.
2.3.4 Lei de implantação do Ensino Fundamental de Nove Anos
A Lei nº. 11.274/2006 amplia o Ensino Fundamental para nove anos e torna
obrigatória a inclusão da criança de 6 anos nessa etapa da Educação Básica. Uma
forma de homogeneizar a organização em todo o País. Esse novo cenário produz
efeitos na EI, colocando discussões em relação à abrangência etária e à garantia do
direito das crianças pequenas à educação de qualidade.
42
Esta Lei alterou os artigos 29, 30, 32 e 87 da LDBEN, ampliando de oito para
nove anos a duração do ensino fundamental, com matrícula obrigatória aos seis
anos de idade no primeiro ano do ensino fundamental.
Figura 1 – Organização do Ensino Fundamental de Nove Anos
ORGANIZAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS
ANOS INICIAIS ANOS FINAIS
1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º FONTE: O autor (2014)
Podemos observar no quadro que, a ampliação do EF para nove anos de
escolarização se dá com o acréscimo de um ano no nível obrigatório de ensino,
estabelecendo, assim, cinco anos iniciais para crianças de seis a dez anos,
respectivamente, e quatro anos para as crianças/adolescentes e término do EF com
quatorze anos de idade.
Do ponto de vista de Kramer (2006), a inclusão dessas crianças requer
diálogo entre educação infantil e ensino fundamental, diálogo institucional e
pedagógico dentro das escolas e entre as escolas, com alternativas curriculares
claras. A escola deve levar em conta a singularidade das ações infantis e o direito à
brincadeira, à produção de cultura na educação infantil e no ensino fundamental.
Significa que as crianças devem ser atendidas nas suas necessidades (a de
aprender e a de brincar). Nesse entendimento, é necessário lidar com crianças como
crianças, e não só como alunos.
Kramer afirma que o Brasil, onde a desigualdade e a injustiça social são
formadoras da história e do cotidiano, conquistas são resultados de muito esforço
realizado; portanto, para que não reduzam “à letra morta”, isso indica sempre que há
muito trabalho a ser feito. Portanto, é preciso que as políticas públicas estaduais e
municipais comprometam-se na expansão com qualidade das ações de creches,
pré-escolas e escolas com implantações de propostas curriculares, de formação de
profissionais e de professores desta área.
De acordo com Campos e Silva (2011), o ensino fundamental de nove anos
tem sido objeto de inúmeras normatizações e orientações produzidas pelo Ministério
da Educação e pelo Conselho Nacional de Educação com o propósito de regularizar
os demais entes federativos. Esses instrumentos normativos nem sempre são
produzidos no âmbito dos conselhos municipais, se, por um lado, revela as
43
diferenças na organização das políticas locais, por outro lado, também evidencia a
urgência com que essas discussões foram conduzidas em cada local. Com isso,
muitos municípios recorreram à improvisação. Outro fator preponderante é que
muitos municípios não têm seu próprio sistema de ensino, como é o caso do
município pesquisado.
Campos e Silva (2011) constataram que os conselhos municipais de
educação priorizaram nas normatizações do ensino fundamental de nove anos as
classes que atenderiam as crianças de seis anos, e não na totalidade do ensino
fundamental. As propostas pedagógicas foram preocupação nos municípios só para
as crianças de seis anos. Isso demonstra que, a implementação do ensino
fundamental de nove anos tem sido feita de forma gradual, com ações parciais
referenciadas fundamentalmente na faixa etária e não nas séries seguintes dessa
etapa.
A focalização das orientações apenas nas classes de seis anos, com o
objetivo de atender às urgências da “implantação da política”, colocam o risco de se
consolidar ainda mais segmentações e rupturas, tanto no interior do ensino
fundamental entre os anos iniciais e finais como entre este e a educação infantil
(idem).
Estudando as múltiplas leis que regem a educação, Cury (2008), que relata
em seu artigo a inclusão da educação infantil como etapa da educação básica,
argumenta sobre a Educação Básica como direito. O autor lembra o ano de 1994,
quando o substitutivo do senador Darcy Ribeiro, em relação ao texto do senador Cid
Sabóia, separou a educação infantil da educação básica. E afirma que:
[...] na redação precedente àquela que seria a final, Darcy Ribeiro acata o conceito de educação básica (artigo 20 e 21) e o coloca sob as diretrizes explicitadas no artigo 24. O relator final do projeto de LDB, senador José Jorge, ao apresentá-lo, reconhece a mobilização da sociedade civil e destaca como um „pilar da nova lei de diretrizes e bases da educação nacional a adoção do conceito de educação básica, que inclui a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio‟. (CURY, 2008, p. 209).
Para melhorar as condições de equidade e qualidade da Educação Básica,
também para estruturar um novo ensino fundamental, foi criado o Parecer CNE/CEB
nº 7/10 que institui as Diretrizes Nacionais para a Educação Básica.
Campos e Silva (2011) afirmam que a ampliação do ensino fundamental de
nove anos, com a inclusão da criança de seis anos, necessita de um diálogo
44
intensivo entre as duas etapas da educação básica. Esse diálogo passa por
questões tanto institucionais quanto pedagógicas. Kramer reafirma que:
[...] embora educação infantil e ensino fundamental sejam frequentemente separados, do ponto de vista da criança não há fragmentação. Os adultos e as instituições é que muitas vezes opõem educação infantil e ensino fundamental, deixando de fora o que seria capaz de articulá-los: a experiência com a cultura. Questões tais como alfabetizar ou não na educação infantil e a integração de educação infantil e ensino fundamental permanecem atuais. Além disso, temos crianças, sempre, na educação infantil e no ensino fundamental. (KRAMER, 2006, p. 810).
Oliveira (2011) traz contribuição para o estudo em pauta. De acordo com a
SEE/MG, os 553 municípios, em 2004, aderiram à proposta do ensino fundamental
de nove anos, não atingindo a totalidade dos municípios mineiros. Essa adesão de
forma rápida trouxe situações agravantes para as escolas, como improvisação de
espaços físicos, funcionamento de classes de primeiro ano em escolas da educação
infantil e outros impasses que continuam persistindo até hoje no espaço escolar. A
autora ainda relata que outro problema enfrentado foi a questão do mobiliário, pois
muitas escolas não estavam preparadas para receber as crianças de seis anos no
primeiro ano. Outro fator que despertou atenção em sua análise foi “em relação à
alfabetização e letramento, preconizando que a escola deve promover a inserção
das crianças no mundo da escrita, por meio de vivências que estimulem e favoreçam
o contato com as práticas da leitura e da escrita” (OLIVEIRA, 2011). Nesse sentido,
é possível uma intervenção: como fica a cultura lúdica que já se estabelece
legalmente e do ponto de vista da Sociologia da Infância? Oliveira (2011, p. 74)
também argumenta sobre à ludicidade: “tal tratamento não é dado às questões do
lúdico e das brincadeiras, que poderiam, ao menos, terem sido associados, como
aporte metodológico, a alfabetização e ao letramento”.
Essa associação da alfabetização e letramento com o lúdico percebeu-se na
entrevista realizada com a diretora da instituição de ensino pesquisada. Em um
determinado momento da entrevista, a diretora fez o seguinte relato:
[...] eu trabalhava com alunos, eu tive uma escola durante dez anos e a gente trabalhava desde o maternalzinho, aluno de 1 ano e meio. [...] nós ficamos assustados ... a turminha do primeiro período de 4 anos começou a ficar pré-silábico, sendo que a gente não trabalhava nada de cartilha... era aquela coisa do deixar mesmo acontecer ... de criar situações, entendeu... muita situação de leitura, professor lendo muita coisa pra criança, contando muita história, trabalhava muito projeto bom e [...] foi uma coisa natural [...]
45
era muito voltado pra brincadeira, muito contato com o lúdico [...] (entrevista 13/11/2013).
A fala da diretora traz argumentos que sustentam a importância da cultura
lúdica no desenvolvimento da criança. Dessa forma, a aprendizagem ocorre
naturalmente. As atividades pedagógicas citadas no relato, acima, trazem a ideia de
pré-requisitos para o processo de alfabetização. A criança nessa etapa da educação
precisa envolver-se no processo de socialização com seus coetâneos, ter contato
com atividades lúdicas variadas propícias ao manuseio de material diverso que
desperte o gosto pela leitura, mas sem a cobrança de atividades tradicionais no
espaço social. O discurso também traduz a importância de trabalhar a ludicidade no
cotidiano das crianças para que elas possam apreender os conhecimentos
necessários ao seu desenvolvimento de forma prazerosa. .
2.4 A criança de seis anos no ensino fundamental
Neste item, a premissa é compartilhar a reflexão de Campos e Silva (2011),
Rocha (2011a) e Kramer (2011), que trazem referências normativas em relação à
inclusão da criança com seis anos no primeiro ano e que condiz com a proposta
deste trabalho.
A criança, ao completar seis anos, não deixa de ser criança, o que a escola
precisa defender é o seu direito. Tal direito exige abertura de um novo espaço.
Assim como a educação infantil requer um espaço de brincadeiras, jogos, música,
dança, a arte de uma maneira geral, a criança de seis anos no primeiro ano precisa
de tudo isso para que ela possa se desenvolver, consequentemente, aprender.
Campos e Silva (2011) relatam que “o ensino fundamental de nove anos tem
sido objeto de inúmeras normatizações e orientações produzidas pelo Ministério da
Educação e pelo Conselho Nacional de Educação”, orientando os municípios na
organização do novo cenário do ensino fundamental. Tais orientações apontam para
os arranjos locais discutirem e organizarem as propostas pedagógicas e a
articulação entre a educação infantil e o ensino fundamental. Essas propostas
pedagógicas devem ser coerentes com as necessidades de desenvolvimento das
crianças de cada município.
46
Cabe ressaltar que as crianças de cinco e seis anos, protagonistas desta
pesquisa, foram compreendidas tendo em vista suas singularidades e de seu direito
de viver a infância. Nesse sentido, com base em Rocha:
[...] os responsáveis pela ação pedagógica têm a necessidade de conhecer as crianças, observá-las e analisar suas manifestações para compreender o que já possuem, suas possibilidades reais e suas necessidades e aspirações e as exigências sociais que se colocam para elas. (ROCHA, 2011a, p. 380).
Na citação de Rocha, é importante despertar na criança o interesse pela
leitura, o prazer em ouvir histórias, a comunicação com diversos pares, o brincar
mediado pelo adulto, proporcionar momentos de brincadeiras, do que aprender os
fonemas e a escrita por meio de atividades “maçantes” no cotidiano da sala de aula.
Rocha, apoiada em Cerisara (1998), Hurtado (2001), alerta sobre a
antecipação do ensino na vida das crianças:
Isto não se consegue mediante um ensino precoce voltado à interrupção da infância e a transformar antes do tempo o pequeno pré-escolar em um escolar avançado, ao contrário, utilizando ao máximo o enriquecimento da experiência comunicativa da criança com os adultos e coetâneos e a realização de atividades, que, além da dar-lhes prazer, contribuam para o seu desenvolvimento e enriquecimento intelectual, como são o jogo, a construção, o desenho, as atividades plásticas e criativas em geral. (HURTADO, 2001, p. 20).
Segundo Hurtado, a infância precisa ser respeitada, ou seja, essa etapa da
criança no espaço escolar deve ser preenchida com atividades lúdicas que
contribuam para o seu desenvolvimento pleno. A criança deve ser envolvida num
espaço que parte do princípio de que o brincar é uma atividade social pertencente à
dimensão humana.
Kramer (2011) aponta que:
[...] as observações evidenciaram a ênfase instrucional da creche ao ensino fundamental, com trabalhinhos, crianças desde bebês vistas e tratadas como alunas; um processo de letramento reduzido à aprendizagem de letras, a despeito dos acervos com livros numerosos de qualidade literária que são distribuídos às escolas; pouco espaço para a brincadeira em alguns contextos, muito espaço e pouco tempo em outros (KRAMER, 2011, p. 394).
Nesse fragmento, Kramer aponta as evidências das pesquisas realizadas em
vários espaços escolares que constataram como as crianças são inseridas num
47
processo de atividades instrucionais de letramento e pouco espaço para a
brincadeira. Um estudo reflexivo dos documentos normativos de orientação para a
prática pedagógica nos leva a repensar à organização dessas propostas no sentido
de respeitar a criança na sua especificidade, reconhecendo-a como sujeito
participativo da ação social. O diálogo com as crianças possibilitará a construção de
um espaço condizente com os desejos delas. Essas evidências pontuadas por
Kramer condizem com as observações presenciadas no estabelecimento de ensino
desta pesquisa, cujas crianças são concentradas em sala de aula com atividades de
preparação para a alfabetização e escrita. Segundo os professores entrevistados, a
proposta pedagógica da escola exige uma prática voltada para a alfabetização,
sendo assim, o tempo para a brincadeira é restrito.
48
3 COMO FOI O CAMINHO DO CAMPO METODOLÓGICO
O referencial teórico-metodológico que serviu de base para elaboração da
pesquisa se deu, sobretudo, a partir dos estudos desenvolvidos no campo da
sociologia da infância em articulação com as contribuições da sociologia e da
antropologia.
O caminho que dá visibilidade da particularidade das ações infantis nas suas
expressões e criações é a investigação qualitativa. A pesquisa de caráter qualitativo
possibilita desvelar as ações que acontecem no cotidiano do espaço coletivo das
crianças. Esse descortinar do ambiente escolar permite entender como as
interações entre indivíduos se processam e se entrelaçam. Nesse sentido, as
interações entre indivíduos permitem as mais diversificadas correspondências que
estão vinculadas aos contextos e às circunstâncias.
É importante lembrar que não é simples entrar no mundo infantil com o
objetivo de enxergar os conhecimentos que as crianças produzem no espaço
coletivo. Para Borba (2005, p. 80), realizar uma pesquisa colocando a criança como
ator social que participa do processo de produção e reprodução da sociedade em
que vive exige um conjunto de orientações metodológicas que sejam corentes com
essa nova visão de investigação. Para tanto, é na direção da sociologia da infância
que esta pesquisa está centrada, tendo como foco as práticas sociais e culturais de
um grupo de crianças de 5 e 6 anos de uma instituição de educação infantil e ensino
fundamental.
De acordo com Minayo, a pesquisa de caráter qualitativo possibilita a
valorização do
[...] universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos, dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (MINAYO, 1996, p. 21-22).
Outros estudos contribuintes para esse entendimento são de Lüdke e André
(1986), que resgatam algumas características básicas de uma pesquisa qualitativa.
As autoras baseiam-se nas características construídas por Bogdan e Biklen, que
podem ser resumidas nos seguintes princípios: o ambiente natural corresponde à
fonte de dados na pesquisa; o pesquisador é o instrumento; os dados coletados são
predominantemente descritivos; a preocupação com o processo é maior que o
49
produto; atenção do pesquisador aos significados que os diversos sujeitos atribuem
às coisas e aos objetos; a indução da pesquisa que permite a busca dos focos de
interesse e, esse, vai se refinando e sendo reelaborado durante o processo de
investigação, sem a preocupação de comprovar hipóteses definidas.
Esse tipo de pesquisa contribui para que o indivíduo vá trilhando seu percurso
investigativo sem medo de „errar‟, pois, à medida que avança no caminho, tem
liberdade de mudar o que considerar inconveniente para seu trabalho. Embora
alguns sentimentos possam aflorar nesse caminho por viajar no insólito, como afirma
(FREITAS, 2003). Assim, também, podem ser desenvolvidas observações,
entrevistas, análises de documentos, registros fotográficos, entre outros. Lücke e
André ressaltam que nesse âmbito é fundamental perceber que:
[...] o pesquisador deve estar atento à acuidade e veracidade das informações que vai obtendo, ou melhor, construindo. Que ele coloque nessa construção toda a sua inteligência, habilidade técnica e uma dose de paixão para temperar (e manter a têmpera!). Mas que cerque seu trabalho com o maior cuidado e exigência, para merecer a confiança dos que necessitam dos seus resultados (LÜCKE; ANDRÉ, 1986, p.90).
Baseando-se nessa compreensão, os diversos procedimentos construídos e
utilizados durante a investigação foram confrontados de modo a garantir a validade
de uma pesquisa de caráter qualitativo, Ferreira considera os elementos a seguir
como fundamentais para busca dessa validade:
[...] o confronto de fontes; a complementaridade de instrumentos metodológicos e referenciais teóricos; a revisão colaborativa de entrevistas e registros de observações; o debate constante sobre princípios interpretativos e resultados que emergem do processo de pesquisa (FERREIRA, 2002. p.10).
Embasada nesses conhecimentos da Sociologia e ciente de que trilhar o
caminho investigativo qualitativo, pela primeira vez, exigiu atenção,
responsabilidade, compromisso e, em destaque, a transformação do olhar perante o
espaço adotado. A realidade pesquisada também foi a primeira vez que recebeu um
indivíduo com a finalidade de investigar o espaço interno da instituição. Por isso,
considero específica a realidade pesquisada não só por ser a primeira vez que abriu
a porta para uma investigação, mas porque se relaciona a um determinado contexto
histórico, social e cultural e tem características próprias determinadas pelo grupo.
50
3.1 Como se apresentar?
Saber como se apresentar no campo de pesquisa é fundamental. Para isso,
segundo Kramer (2006, p.2), “o objeto de pesquisa é sempre observado de um
determinado lugar, onde estão envolvidas a subjetividade do pesquisador e sua
bagagem teórica”. A complexidade das relações entre crianças e adultos arrola-se
na naturalização de conceitos acerca delas e da infância, e ainda na presença e na
representação do pesquisador. Lembrando que, o pesquisador sempre estará
envolto por uma hierarquia constituída, conferindo-lhe uma autoridade legitimada
socialmente, além disso, traz consigo memórias socioculturais de sua infância. Esse
é o lugar de onde fala o pesquisador.
Assim, buscar-se-á auxílio fundamentado na perspectiva qualitativa, que mais
favorece a leitura do grupo pesquisado. Esse método é valioso para ajudar na
desconstrução daquilo que se tornou naturalizado na sociedade.
Com os propósitos definidos, que é de ver e ouvir as crianças no seu contexto
social, procurando direcionar o olhar no sentido de compreender as relações e as
brincadeiras estabelecidas no espaço da instituição de ensino pretendida. Conforme
assevera Kramer (2007, p.14), baseada no estudo de Benjamin, tomar a infância na
sua dimensão não infantilizada é encarar as crianças como produzidas na e
produtoras de culturas.
De acordo com Benjamin, considerar a criança fora das teorias tradicionais é
buscar outra ótica da infância. Nessa ótica, a criança é criadora e colecionadora de
cultura, desnaturalizar a criança quer dizer o rompimento com a teoria tradicional é a
subversão da ordem, pois a criança desvela as contradições e revela outra maneira
de se enxergar o real.
Nessa perspectiva, procurei observar a realidade, no espaço da criança, com
o objetivo de enxergar o desconhecido, o surpreendente, tentando me desprover das
concepções tradicionais, deixando-me envolver no mundo infantil, sem preconceitos
e constrangimentos. Para apreender os sentidos produzidos no e pelo grupo de
crianças de cinco e seis anos foi necessária uma convivência diária, durante três a
quatro horas da semana escolar e no período de oito meses – de junho de 2013 a
março de 2014. Na turma do primeiro ano, observei 8 vezes, e, na educação infantil,
foram 58 dias de convivência com as crianças. Durante a pesquisa, a minha relação
com a criança foi se desenvolvendo lentamente. À medida que a convivência ia se
51
ampliando o relacionamento foi se expandindo e estabeleceu-se uma ligação de
confiança. A singularidade dessa observação foi a participação nas atividades, nas
brincadeiras, na excursão, porém houve um período de adaptação e aceitação dos
participantes em relação a mim.
A fim de discutir ainda mais a delicada complexidade e a dimensão criadora
das ações infantis, Kramer (2006) afirma que as crianças “fazem histórias a partir
dos restos da história”, enquanto brinca, cria cultura e nisso reside sua
singularidade. Kramer reafirma essa atração das crianças:
Interessadas em brinquedos e bonecas, atraídas por contos de fadas, mitos, lendas, querendo aprender e criar, as crianças estão mais próximas do artista do colecionador e do mágico, do que de pedagogos bem- intencionados. A cultura infantil é, pois, produção. As crianças produzem cultura e são produzidas na cultura em que se inserem (em seu espaço) e que lhes é contemporânea (de seu tempo). A pergunta que cabe fazer é: quantos de nós [...] garantimos espaço para esse tipo de ação e interação das crianças? Nossas creches, pré-escolas e escolas têm oferecido condições para que as crianças produzam cultura? Nossas propostas curriculares garantem o tempo e o espaço para criar? (KRAMER, 2006, p.16).
Nesse refazer, reside o potencial da brincadeira, entendida como experiência
de cultura. Inclusos a música, o dançar, a dramatização e outras atividades lúdicas.
Corroborando com Kramer, remeto os questionamentos para o momento de
planejamento da prática escolar nas instituições educativas.
Desse modo, tornou-se possível buscar a compreensão de modos próprios de
organização das crianças da educação infantil e do primeiro ano, das práticas, e de
como as crianças se relacionam com seus coetâneos, com o professor e com os
demais adultos que fazem parte do trabalho educativo na instituição pesquisada.
3.2 A pesquisa tem um caráter de “inspiração etnográfica”
A construção do caminho desta pesquisa na busca de respostas para os
questionamentos propostos apresenta algumas características etnográficas.
Entretanto, há necessidade de esclarecer que não se trata de um estudo etnográfico
completo, e sim de “inspiração etnográfica”, terminologia considerada por Ferreira
(2002). Por se tratar de uma pesquisa de Mestrado, o tempo é restrito, uma forma de
reconhecer os limites temporais de alguns estudos.
52
O estudo desenvolvido nesta pesquisa pode ser qualificado como pesquisa
qualitativa com recortes da etnografia, ou seja, um estudo de tipo etnográfico como
define André (1995). O interesse pela pesquisa etnográfica em educação aparece
com mais evidência no final dos anos 70, concentrando-se na investigação em sala
de aula e na avaliação curricular (ANDRÉ, 1995). Especialmente, o seu poder
descritivo, capacidade de agregar a forma, a função e o contexto do comportamento
de grupos sociais específicos e a sua apreensão de dados (em notas de campo e
por meio de gravação em áudio ou vídeo) para análise apurada e repetida serão
instrumentos para o tipo de abordagem aqui proposta.
Delgado e Müller (2005) vêm aclarar que a pesquisa etnográfica permite a
apreensão de significados de um grupo, no caso desta pesquisa de um grupo de
crianças. As autoras consideram que a etnografia representa um convite para se
trabalhar com uma ciência plural. Para Geertz, o que define a etnografia não são os
métodos, os processos ou técnicas, como selecionar informantes, transcrever textos,
levantar genealogias, mapear campos, entre outras, porém o tipo de esforço
intelectual que ela representa: “um risco elaborado para uma descrição densa. Este
termo e conceito foram retirados dos escritos do filósofo Gilbert Ryle e sua
importância está na capacidade que ela oferece para se perceber particularidades.”
(GEERTZ, 1997, p. 15).
Geertz apresenta três características da descrição etnográfica: “ela é
interpretativa; o que ela interpreta é o fluxo do discurso social e a interpretação
envolvida consiste em tentar salvar o „dito‟ num tal discurso da sua possibilidade de
extinguir-se e fixá-lo em formas pesquisáveis [...]” (GEERTZ, 1997, p. 15). Ainda
afirma que poderia haver uma quarta característica: “ela é microscópica”. Ser
microscópica quer dizer que “o antropólogo aborda caracteristicamente tais
interpretações mais amplas e análises mais abstratas a partir de um conhecimento
muito extensivo de assuntos extremamente pequenos” (GEERTZ, 1997, p.31).
Conforme Delgado e Müller, por meio da etnografia, torna-se possível realizar
um trabalho de construção e composição que envolva as nossas experiências
sociais e culturais em confronto com as experiências das crianças:
[...] estranhas e próximas, íntimas e distantes de nós adultos. Realizamos, portanto, um duplo exercício de familiarização e distanciamento que é, no mínimo, instigante. Este jogo tenso de estabelecer relações entre o que é estranho e ao mesmo tempo tão próximo e íntimo é o que consideramos um
53
desafio na produção nos estudos com crianças. (DELGADO; MÜLLER, 2005, p. 9).
A investigação de caráter etnográfico tem sido utilizada por vários
pesquisadores4. A etnografia permite que o pesquisador entre em campo, seja
aceito, participe e faça parte da vida daqueles que estudam o que Geertz chamou de
“tornar-se nativo”. Corsaro afirma que a etnografia envolve e, nesse “mergulho” no
campo, sempre quis pesquisar crianças - “estou convicto de que as crianças têm
suas próprias culturas e sempre quis participar delas e documentá-las. Para tanto,
precisava entrar na vida cotidiana das crianças – ser uma delas quanto podia.”
(CORSARO, 2005b, p. 446). Neste momento, instigada pelas palavras de Corsaro,
do seu interesse em participar da cultura infantil, vem à tona o que sempre quis
compreender nesse universo infantil. Para tanto, tive que superar as dificuldades e
buscar vários caminhos para aproximar do meu desejo de compreensão do universo
infantil.
A investigação sistematizada neste texto apresenta algumas características
da etnografia. Nessa perspectiva, a pesquisa utilizada com crianças exige que o
pesquisador entre em campo, seja aceito e faça parte daqueles a quem estuda.
Geertz acrescenta que “o trabalho de campo é uma experiência educativa completa.
O difícil é decidir o que foi apreendido.” (GEERTZ, 2001, p. 43). A realidade do
campo educativo apresenta uma multiplicidade de conhecimentos que se tornam
implausíveis acreditar.
Nas palavras de Reis, Santos e Xavier, o campo de estudo com criança é
vasto, porém o caminho teórico-metodológico, que considere a cultura e as
especificidades deste grupo etário, precisa ser realizado com mais rigor e atenção
às peculiaridades dos sujeitos investigados. As autoras propõem estudos:
[...] capazes de expressar a riqueza e a complexidade do cotidiano das infâncias e sua educação. As experiências recentes neste campo demandam pesquisas mais densas e articuladas, que visem superar velhos clichês com o intuito de trazer à reflexão as experiências, a cultura e as práticas brasileiras voltadas para as crianças pequenas. (REIS; SANTOS; XAVIER, 2012, p. 8).
4 Autores que já realizaram pesquisas etnográficas: Sarmento e Pinto (1997); Corsaro (2005a); Kramer e Leite (1996); Barbosa (2004); Corsino (2003); Nascimento (2007); Lacombe (2004); Gusmão (2003); Souza (2003); Amorim (2003); Freitas (2003); Bazílio e Kramer (2003) e outros.
54
3.3 Definindo procedimentos de entrada em campo
A pesquisa foi realizada na Escola Municipal de Mariana/MG, que oferece a
Educação Infantil e os Anos Iniciais e Finais do Ensino Fundamental.
Primeiramente, foi preciso solicitar da Secretaria Municipal de Educação de
Mariana, autorização e indicação da escola para a pesquisa. Assim que recebi o
termo de autorização e a indicação da escola para realizar a investigação, procurei
conhecer a escola.
Na segunda quinzena de junho, deu-se início à inserção do pesquisador em
campo. No primeiro dia, ocorreu um encontro com a direção da Escola, uma
conversa informal sobre a presença de uma pessoa sem vínculo na rede municipal;
o diálogo com a diretora e a vice-diretora durou 2 horas; em seguida, houve a
apresentação de todas as áreas da Escola, o espaço da Educação Infantil e das
turmas do primeiro ano do Ensino Fundamental que funcionam separadamente das
outras turmas oferecidas pela Escola. Também aconteceu a apresentação das
professoras e do pedagogo responsáveis por essas modalidades de ensino. Nesse
momento, não houve nenhum contato com as crianças e também não foi explicitado
para elas que haveria outra pessoa em sala de aula.
Alguns procedimentos adotados durante a pesquisa:
a) Inserção no campo de pesquisa;
b) A entrada no campo demanda aceitação pelo grupo;
c) Coleta e escrita de notas de campo;
d) Fotos de alguns espaços da Escola;
e) Entrevistas com o diretor, o pedagogo, e uma professora. Utilização de
gravações audiovisuais;
f) Entrevista “Grupo Focal” com dois grupos de crianças, totalizando 15
crianças. Também foram utilizadas gravações audiovisuais;
g) Estudo e análise de documentos da Escola e das Leis vigentes referentes à
Educação Infantil e ao Ensino Fundamental de nove anos;
h) Coleta, estudo do grupo pesquisado e da história da trajetória da pesquisa;
i) Interpretação dos dados obtidos no processo e a análise do que foi
observado no cotidiano sob a luz dos teóricos da Sociologia da Infância.
55
Com foco nas crianças, vislumbrando o lúdico nas duas etapas eleitas da
pesquisa, procurei registrar, no caderno de campo para anotações, todas as
situações observadas e vivenciadas com as crianças. Procurei selecionar a
multiplicidade de dados colhidos e categorizá-los de acordo com os objetivos
propostos.
3.4 A inserção do pesquisador no campo
Entrar no campo de pesquisa pela primeira vez é desafiador, principalmente
para investigar crianças pequenas considerando-as como sujeito legalmente de
direito e produtor de sua própria cultura. Para Martins Filho e Barbosa (2010),
pesquisar crianças em nosso País, que “desenvolvem metodologias” colocando “o
adulto em escuta ao ponto de vista das crianças”, além de ser novo esse tipo de
investigação, ainda requer superação do desafio de “aprender a se relacionar
respeitando „os jeitos‟ de ser das crianças” (MARTINS FILHO; BARBOSA, 2010, p.
9). Historicamente, a criança foi considerada sob a “ideia de proteção, tutela e
controle, tanto pelo Estado, pela família e pelas metodologias de pesquisa”
(MARTINS FILHO; BARBOSA, 2010, p. 10). Portanto, este novo cenário nas
pesquisas com crianças deixa o pesquisador numa atmosfera de insegurança e
preocupação. Situo a preocupação no sentido de aceitação das crianças no campo
de pesquisa, na compreensão das suas ações e timidez na análise dos dados. Foi o
que senti na entrada em campo, nos apontamentos da minha observação e na
análise da complexa e múltipla cultura que as crianças pequenas produziram. Outro
desafio encontrado nessa trajetória de “pesquisadora” foi como selecionar a
multiplicidade dos dados obtidos no campo de pesquisas.
Martins Filho e Barbosa auxiliaram-me nesses desafios, ressaltando “quatro
eixos a serem considerados sobre os contextos e sobre os desafios teórico-
metodológicos”, apresento-os a seguir:
1º. A comunicação estabelecida entre adultos e crianças; 2º. As negociações proporcionadas, construídas e consideradas pelos adultos; 3º. As relações e interações travadas com os sujeitos-crianças; 4º. A forma de participação infantil proporcionada a partir das relações estabelecidas (MARTINS FILHO; BARBOSA, 2009, p. 6).
56
Esses quesitos contribuem para a superação dos desafios que surgem
durante a pesquisa. Os autores afirmam que esses quatro eixos se “constituem
como porta de entrada para o desvelamento de algumas questões de pesquisas que
acabam subestimando e subutilizando as informações captadas pelas vozes das
crianças.” Nesse sentido, é importante o pesquisador ter equilíbrio, “no caso das
crianças se não é mais aceitável subestimá-las, também tem que ter o cuidado para
não superestimá-las.” (MARTINS FILHO; BARBOSA, 2009, p. 18).
Esse equilíbrio apontado pelos autores permite ao pesquisador sair do
“autoritarismo impregnado nas relações pedagógicas e nas pesquisas” (MARTINS
FILHO; BARBOSA, 2009). É preciso ouvir as crianças e “atrelar o que se ouve à
criação de tempo e espaço para que elas possam viver as infâncias, ampliando suas
realidades sociais, culturais e humanas” (MARTINS FILHO; BARBOSA, 2009).
De acordo com Kramer (2011), há dois dilemas de natureza metodológica,
relativos à observação e ao registro. Observar interações de crianças no espaço
institucional é transpor a invisibilidade imposta pela instituição e a necessidade de
estranhar o familiar também se coloca como desafio. “As dificuldades de registro das
observações nos diários de campo, a organização do material e a definição das
categorias se configuram como outro desafio” (KRAMER, 2011, p. 392).
A entrada em campo foi um momento de angústia, encontro, desencontro e
também prazeroso, por isso resolvi compartilhar esses sentimentos. A pesquisa
qualitativa de “inspiração etnográfica” possibilita ao investigador ter visibilidade dos
significados das práticas cotidianas que são familiares e, ao mesmo tempo,
distantes. Com o tempo, essa familiaridade foi ampliando e se tornou concreta.
Outro dilema que enfrentei foi a escolha da instituição de ensino para
investigação. A princípio queria pesquisar o espaço que conhecia e tinha
familiaridade, mas o Grupo de Pesquisa, conforme registrado, na introdução, sugeriu
investigar um espaço que não pertencia ao meu campo de trabalho. Também
encontrei um campo teórico que descreve a importância do professor pesquisador
afastar-se de seu meio e de suas atividades profissionais para que possa enxergar
de forma diferente a realidade do espaço escolar. Seguindo esses preceitos,
procurei uma instituição de ensino em um município mais próximo da minha
localidade de residência para realizar a pesquisa.
Os dilemas mais atenuantes nesta pesquisa foram nas relações observadas
entre crianças e adultos. Para Kramer:
57
[...] essas inquietações acontecem porque nem sempre gostamos do que vemos e nem sempre gostamos de nos dar conta dos nossos próprios sentimentos e modos de reagir ao que vemos. Dentre as contradições: controle do corpo das crianças; moralização das relações; constrangimento expresso nas palavras, com ironia ou deboche, mas também carinho e riso (KRAMER, 2011, p. 392).
Kramer revela algumas tensões apresentadas em pesquisas, como o
anonimato presente nas escolas por meio das práticas de não chamarem as
crianças pelos seus nomes (mas usarem “ei”, “psiu”, “menina”), e as professoras
serem chamadas de “tias”. Também discordo do professor ser tratado por “tia”. Esse
foi outro fator que gerou certo constrangimento e tensão como: falar ou não com os
profissionais da educação do espaço da pesquisa; indicar o livro de Paulo Freire que
aborda o tratamento com as crianças e a relação entre adulto e criança. Fiz opção
por não comentar a esse respeito.
Enfim, superando alguns impasses e desafios, foi realizada a pesquisa e o
que considero mais importante foi conhecer as crianças, conviver com elas durante
meses e ser aceita por elas. Considero um momento ímpar, uma vez que me
proporcionou vasto conhecimento da educação infantil, contribuindo para preencher
algumas lacunas na minha vida profissional conforme mencionei na introdução.
3.5 Entrevista “Grupo Focal” com as crianças
Neste trabalho, utiliza-se a entrevista Grupo Focal como instrumento. Essa
técnica facilitou uma observação mais apurada das interações das crianças no
espaço escolhido e também foi importante para ouvir às crianças, que é o cerne
deste estudo. Contribuiu na compreensão do movimento da criança da educação
infantil para o ensino fundamental, como elas veem e reagem nessa travessia.
Com o objetivo de entender a técnica, procurei nas pesquisas teóricas
estudos com crianças que já utilizaram a técnica “Grupo Focal” e não encontrei.
Selecionei alguns conceitos que achei necessário para a utilização desse
mecanismo de pesquisa. Esses conceitos são baseados nos estudos de Gatti e
artigos que fomentam sobre o assunto. Grupo focal é uma técnica qualitativa e não
diretiva, cuja inspiração advém das técnicas de entrevistas não direcionadas e
grupais utilizadas na psiquiatria. Adaptada e empregada, há tempos, com diversas
finalidades e em diversos contextos.
58
Para Gatti, ao se fazer uso da técnica GF, “há interesse não somente no que
as pessoas pensam e expressam, mas também em como elas pensam e por que
pensam.” (GATTI, 2005, p. 9). Nos estudos realizados, a técnica GF surgiu em 1920
e foi introduzida nas Ciências Sociais por R. Merton, em 1950, cujo objetivo foi o
estudo das reações das pessoas à propaganda de guerra.
Essa técnica do grupo focal como meio de pesquisa, segundo Gatti, foi
empregada em 1920, como técnica de pesquisa em marketing, nos anos 1970 e
1980, na pesquisa em comunicação. No início dos anos 1980, o grupo focal foi
redescoberto e adaptado como meio de pesquisa para investigação científica nas
ciências sociais e humanas.
No Brasil e nos países da América Latina, no campo educacional, o
arcabouço teórico do grupo focal como metodologia nas pesquisas originou-se nos
acordos internacionais patrocinados pelo Estado com o Banco Mundial desde 1991,
viabilizando empréstimos para projetos educacionais. Com a defesa e difusão das
diretrizes e orientações educacionais pelo Banco Mundial, essa técnica foi
assimilada por diferentes intelectuais e pelo governo brasileiro, a qual passou a ser
executada como política pública.
Segundo a autora, essa técnica exige cautela ao adotar esse procedimento.
São cuidados básicos que devem ser observados pelo pesquisador como na
constituição do grupo, eles devem ter alguma vivência com o tema a ser discutido
para que a sua participação possa trazer elementos presentes no cotidiano e
também quanto ao papel do pesquisador-moderador na condução do grupo focal.
3.6 O porquê da escolha dessa técnica
A opção por essa técnica foi para atender aos objetivos do trabalho em pauta
e pela relevância dos dados que pretendíamos obter na transição das crianças da
educação infantil para o ensino fundamental, principalmente por seu caráter
inovador e por dar abertura à construção de novos saberes no processo de
investigação, deixando as crianças mais à vontade para falarem sobre o espaço
onde se encontram inseridas. Como o tempo de pesquisa no Mestrado é curto, essa
técnica permite reunir informações mais detalhadas em relação às interações e às
brincadeiras das crianças no espaço coletivo.
59
3.7 Planejamento para realização da entrevista “Grupo Focal”
A escolha das crianças para tal procedimento ocorreu da seguinte forma: ao
ficar com as crianças enquanto a professora teve necessidade de ausentar-se da
sala de aula, disse a elas que precisava conversar com algumas delas
separadamente sobre a escola. Todas as crianças queriam, mas, por meio do
diálogo, consegui que indicassem alguns nomes para a realização da entrevista. Os
nomes foram escritos no quadro e, em seguida, cada uma foi apontando o colega
para participar da conversa. Dessa forma, ocorreu na educação infantil. No primeiro
ano, conversei com a professora, e ela me ajudou na escolha das crianças.
Partindo da teoria dos estudos de Gatti, cuja obra traduz as preocupações
dos cientistas do campo das ciências sociais em que as redes de interações são
privilegiadas, os procedimentos metodológicos foram organizados da seguinte
forma:
a) Foram escolhidas 15 crianças; sendo 8 crianças da educação infantil e 7
crianças do primeiro ano. Primeiramente, foi entregue à Direção da Escola
uma carta da Orientadora de Pesquisa solicitando a permissão da
entrevista com as crianças (Anexa);
b) De posse da autorização da escola, foi estipulado o dia para a realização
das entrevistas, porém ocorreu um episódio na escola que determinou não
ser possível realizá-las com as crianças do primeiro ano. A entrevista foi
postergada, e tive que aguardar nova autorização da escola;
c) O espaço para realização da entrevista “Grupo focal” foi a sala da
biblioteca, localizada no primeiro andar, e na área da educação infantil,
conforme foto. A preparação do espaço cedido pela direção da escola foi
organizada no dia da entrevista. Como não podia retirar nenhum móvel da
sala, procurei utilizar uma mesa redonda e 8 cadeiras dispostas em
círculo. A iluminação do sol prejudicou um pouco, porque a janela é de
vidro e as cortinas de tecido muito fino. Após 40 minutos de entrevista, o
ambiente ficou desagradável pelo calor e pela forte luz do sol, as crianças
ficaram inquietas, por isso tivemos que finalizar a conversa. Para a
entrevista com as crianças do primeiro ano, foi solicitado à direção um
outro espaço. Argumentei sobre o ocorrido anteriormente com a turma da
60
educação infantil, mas não foi autorizado o uso de outro espaço e tive que
realizar a „conversa‟ na mesma sala;
d) Para realização das entrevistas, o moderador foi o próprio pesquisador e
os ajudantes foram: uma professora de outra instituição pública da rede
estadual e uma terceira pessoa que não é integrada à educação. A
professora ajudou a coordenar o processo de organização da sala, da
recepção e a direção dos trabalhos durante as entrevistas, a outra pessoa
fez a gravação em vídeo;
e) Alguns brinquedos foram utilizados para que as crianças pudessem ficar
descontraídas e à vontade (brincando de faz de conta), como quebra-
cabeça, jogos e alguns livros da literatura infantil;
f) Os instrumentos utilizados foram uma máquina fotográfica, computador
portátil, caderno, lápis e caneta.
Além da gravação em áudio, também houve registro, no caderno de campo,
das observações e relatos das crianças. Cada grupo de entrevista teve a duração de
uma hora, assim que as crianças começaram a sentir cansaço por estarem em uma
sala fechada e sem contato com outras crianças da escola, finalizamos o trabalho.
Respeitando o cumprimento das exigências éticas da pesquisa, pedimos às
crianças que escolhessem um nome fictício para elas e para a escola. Com a nossa
orientação, foram escolhidos nomes de princesas e de super-heróis das histórias.
Na condução do trabalho do Grupo Focal, é necessário um moderador, que
deve ser o pesquisador. É ele que atuará como agente facilitador.
Nas pesquisas educacionais, o moderador/pesquisador deve procurar
respeitar o princípio da “não diretividade” para garantir as interações. Vale ressaltar
que é por meio das interações que ocorrem no grupo que o caráter positivo dos
encontros se evidencia, representando momentos de desenvolvimento para os
participantes, tanto nos aspectos “comunicacionais” quanto nos cognitivos afetivos
(GATTI, 2005).
Na organização do roteiro de perguntas, procurei elaborar questões
pertinentes aos objetivos desta pesquisa para direcionar a conversa com as
crianças, mas, no transcorrer da entrevista, as crianças brincaram com os jogos que
foram oferecidos a elas pelo grupo de pesquisa.
61
Quanto à análise de dados, o procedimento é o mesmo de qualquer análise
de dados qualitativos nas ciências sociais e humanas. Recomenda-se,
primeiramente, para a análise dos dados obtidos com o grupo focal, a retomada dos
objetivos do trabalho proposto e do uso dessa técnica, além da organização do
material coletado.
Gatti propõe que a etapa de análise dos dados obtidos seja construída um
plano descritivo das falas e que se tenha cuidado necessário nas transcrições, além
de reafirmar que a perspectiva interacionista deve ser privilegiada no grupo focal.
Procurei assistir ao vídeo diversas vezes, observando o jeito de expressar das
crianças, seus gestos e a postura durante a gravação. A transcrição das falas foi
lentamente, pois tive que rever muitas e muitas vezes até conseguir registrar na
íntegra a conversa das crianças no caderno de campo. O vídeo encontra-se no meu
arquivo pessoal.
Atenta à luz dessas recomendações e ciente do esforço que se deve
empreender, considerando que não existe um paradigma para a aplicação dessa
metodologia em construção nas pesquisas educacionais, principalmente quando se
trata de crianças.
62
4 A INSTITUIÇÃO E AS CRIANÇAS DA PESQUISA
O campo eleito para realização da pesquisa foi a cidade de Mariana. Primeira
vila, primeira capital, sede do primeiro bispado e primeira cidade a ser projetada em
Minas Gerais. Sua história é antiga, seu povoamento iniciou-se em 1701, com a
construção de uma capela por Salvador Fernandes Furtado, que deu origem ao
“Arraial de Cima do Ribeirão do Carmo”. Esse arraial atraía uma multidão
considerável dos mais recuados pontos do País e da Metrópole em busca das
jazidas auríferas, uma das mais importantes de Minas Gerais. Esse ciclo durou mais
de um século e contribuiu para o florescimento de numerosas localidades mineiras.
Em 1709, com os episódios da Guerra dos Emboabas, o governador Antônio de
Albuquerque Coelho de Carvalho fixou residência a fim de policiar melhor a região.
No ano de 1711, com o desenvolvimento do arraial, foi elevado à categoria de Vila,
sob a denominação de “Vila de Albuquerque” e, em 1712, foi modificado para “Vila
do Ribeirão do Carmo”. A partir da Carta Régia de 23 de abril de 1745, expedida por
Dom João V, elevou a Vila à categoria de cidade, com o nome Mariana, em
homenagem à rainha dona Maria D‟Áustria. Enfim, Mariana foi a primeira vila de
Minas Gerais e a primeira localidade da capitania a receber foros de cidade.
Mariana ficou conhecida, através do tempo, como a cidade dos bispos,
tradicionalmente centro por excelência do comércio entre o norte e o sul de Minas e
famosa pelas suas minas de ouro. É o berço da cultura mineira. Atualmente, o
turismo é bem expressivo.
Em cada espaço da cidade nos deparamos com a história de nosso País.
Viver em Mariana é ter contato com o passado. As casas, as Igrejas e as ruas
estreitas expressam os fatos históricos de Minas. Mesmo com o progresso e
crescimento da cidade, a história continua em sua essência. Os novos bairros foram
construídos ao redor da cidade, deixando o centro com suas particularidades
históricas.
Segundo dados do censo 2014, Mariana possui 58.233 habitantes e tem uma
grande área territorial.
63
4.1 A Escola
Foto 1– Escola Pesquisada
Fonte: Prefeitura de Mariana
Esta pesquisa foi realizada na Escola5 “Arco Iris”, que pertence à rede
Municipal de Mariana. A Escola foi inaugurada aos 2 de abril de 2008, com o
objetivo de atender à demanda da Comunidade Local e suas proximidades. Criada
pela Prefeitura, a escola atende crianças de 4 a 15 anos, nas modalidades de
Educação Infantil, Anos Iniciais e Finais do Ensino Fundamental. A escola foi
reivindicada pela Comunidade e faz parte do Programa Municipal de Escola em
Tempo Integral.
A Escola conta com uma área construída de aproximadamente 4.254,76 m²
distribuídos em: 18 salas de aula, biblioteca, secretaria, laboratório de informática,
Sala de Lego 1º ao 5º anos, duas salas de professores, sala de serviço de
orientação pedagógica, sala de direção, cozinha, despensa, refeitório, vestiário para
funcionários de cozinha, quatro banheiros femininos, quatro banheiros masculinos,
três banheiros para professores e funcionários, seis banheiros para portadores de
necessidades especiais, cinco salas para oficinas do Programa de Tempo Integral,
uma sala de coordenação Tempo Integral e uma quadra coberta.
5 O nome da Escola Arco-Iris pesquisada é fictício, foi escolhido pelas crianças que participaram da entrevista “Grupo Focal”.
64
Foto 2 – Entrada da Sala do Tempo Integral
Fonte: A autora
Está localizada no alto do bairro, distante das residências. Tem muito verde,
montanhas em volta e uma área ampla na entrada. Em 2013, a Escola funcionou
com três turmas de Primeiro Ano, duas turmas de 2º período – crianças de 5 anos –
e duas turmas de crianças com 4 anos.
Como o espaço físico é amplo, a Educação Infantil e as turmas do primeiro
ano do Ensino Fundamental funcionam no térreo, separado dos alunos maiores; as
crianças maiores ficam no andar superior do prédio e tem o horário de recreio
separado das crianças menores. A EI tem recreio em um determinado horário, assim
como as classes do primeiro ano. Não há encontro das crianças pequenas com as
outras crianças do primeiro ano nem com as maiores no espaço interno da
instituição. No espaço destinado às crianças pequenas, há um amplo corredor com
pinturas de crianças na parede, conforme mostra a foto abaixo:
Foto 3 – Corredor da Educação Infantil
Fonte: A autora
65
As salas das turmas pesquisadas são bem parecidas, amplas e arejadas. Em
cada sala, encostado na parede, havia um armário para o professor guardar o
material e os trabalhos das crianças. Em um canto da sala, havia um suporte com
alguns livros de literatura infantil e também onde ocorria a roda de conversa toda
segunda-feira. Na sala do primeiro ano, não houve essa roda de conversa.
Foto 4 – Sala de Aula da Educação Infantil
Fonte: A autora
As atividades letivas têm a duração de 4h30. O funcionamento das aulas da
Educação Infantil e do Ensino Fundamental ocorria no horário das 7h às 11h30. No
turno vespertino, atendia somente o Tempo Integral.
No espaço externo da escola, há um pátio imenso na entrada da escola que é
utilizado como estacionamento pelos funcionários e visitantes, também é utilizado
para evento com as crianças como a semana do trânsito e outros; depois do
segundo portão de entrada há outro pátio também sem cobertura, porém tem uma
pintura no chão que serve para as crianças brincarem. Ao entrar na Escola há outro
espaço enorme coberto que é utilizado como local para servir café, almoço e lanche
para as crianças e também para as brincadeiras na hora do recreio. Atrás da escola
há outro espaço sem cobertura, uma parte é cimentada, a outra é gramada e uma
terceira onde tem uma horta. No final da lateral da escola, há uma quadra coberta.
Esses espaços são vazios, isto é, não possui um parque para as crianças. O
espaço físico da escola oferece diversas possibilidades para inserir ao planejamento
pedagógico atividades lúdicas. No mundo contemporâneo, a criança encontra
dificuldade de brincar fora do espaço escolar, pois a violência e o trânsito imperam
nas cidades, tanto nas grandes capitais como nos municípios do interior, por isso a
66
responsabilidade da instituição de ensino é maior em relação à promoção desse
espaço de atividades lúdicas.
A seguir serão apresentados alguns itens do Projeto Político Pedagógico e do
Regimento Escolar. Apenas com o objetivo de mostrar um pouco da proposta
pedagógica da Escola.
Como a Escola foi criada recentemente, o Projeto Político Pedagógico – PPP
e o Regimento estão em processo de avaliação na Superintendência Regional de
Ensino de Ouro Preto/MG para aprovação. Esse processo depende do Estado
porque a Secretaria Municipal de Educação não tem seu próprio sistema de ensino.
Ao estudar o PPP da Escola com o objetivo de conhecer a identidade da
escola, deparei-me com alguns itens que resolvi imprimir neste trabalho. Encontra-se
registrada a fundamentação teórica dos trabalhos pedagógicos da Escola, baseada
nos estudos de Vigotski. A filosofia registrada no PPP é “desenvolver o processo de
mediação na formação de cidadãos com capacidade de pensar e agir mediante a
elaboração de conhecimento científico erudito e universal” (PPP – ESCOLA).
Também está impresso o seguinte argumento: “nesta filosofia, o olhar é para a
formação de um aluno crítico, autônomo e participativo”. De acordo com o
documento estudado, essa concepção busca garantir os direitos e deveres
preconizados pela Constituição Federal nos artigos 5º, 6º e 14, bem como os
estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente – cap. IV, artigos 53 a 59,
visando, assim, diminuir as diferenças sociais e construir uma sociedade mais
humana. (PPP – Escola).
O termo “um aluno crítico, autônomo e participativo”, impresso no PPP da
Escola, traz a seguinte reflexão: será que ainda podemos considerar como filosofia
de uma instituição de ensino? Ou será um clichê que perdurou por alguns anos na
educação? A abordagem que se refere a “formar cidadãos com capacidade de
pensar e agir [...] de conhecimento científico erudito e universal”, conforme explícito
no PPP está mais voltada para a proposta tradicional de considerar a criança como
objeto. Dessa forma, a criança é considerada incompetente, incompleta no seu
desenvolvimento e que precisa do adulto para instruí-la e moldá-la. Na perspectiva
sociológica, a criança é considerada protagonista da sua vida, ela participa,
transforma e é transformada pelo meio social e cultural em que vive.
De acordo com o PPP, a administração da Escola e a Equipe Pedagógica
devem sistematizar, por meio do plano de ação, momentos de encontro entre
67
professores para planejamento, monitoramento, avaliação quando for necessário,
retomada de ajuste das ações realizadas. Os encontros pedagógicos ocorrem
durante a semana letiva, e o planejamento da Educação Infantil acontece
semanalmente, isto é, as atividades e o tema de trabalho são organizados com a
professora e o pedagogo toda semana.
O ensino-aprendizagem pautar-se-á na combinação das áreas de
conhecimento pertinentes ao Ensino Fundamental e à Educação Infantil,
favorecendo uma abordagem curricular interdisciplinar, em que o conteúdo deve ser
construído por meio de um processo dinâmico partindo sempre do exercício prático
e ligado à realidade. As estratégias de ensino-aprendizagem que visem aos
procedimentos de observação, experimentação, expressão, comunicação,
comparação, análise, síntese e memorização compreensiva são facilitadas pelo uso
da tecnologia disponível no espaço escolar. As atividades devem aproveitar espaços
além da sala de aula, como oficinas, palestras, visitas orientadas, participação em
eventos culturais e artísticos.
A articulação entre a Educação Infantil e o primeiro ano do Ensino
fundamental deve ser garantida por um conjunto de atividades pertinentes a essa
etapa, propiciando às crianças condições para desenvolverem o aspecto cognitivo
próprio da idade, sem se esquecer dos objetivos estabelecidos para a educação
infantil. Ainda registra que, quando não há conexão entre as modalidades, pode
haver prejuízo na futura aprendizagem das crianças.
O atendimento às crianças com necessidades especiais deverá levar em
conta o tempo e o ritmo de aprendizagem próprio de cada uma, contemplando as
suas especificidades a partir de intervenção de profissionais especializados de
acordo com as necessidades apresentadas por essas crianças.
Na organização curricular da Educação Infantil da Escola, são estabelecidos
os seguintes objetivos:
a) Desenvolver uma imagem positiva de si, atuando de forma cada vez mais
independente, com confiança em suas capacidades e percepção de suas
limitações;
b) Descobrir e conhecer progressivamente seu próprio corpo, suas
potencialidades e seus limites, desenvolvendo e valorizando hábitos de
cuidado com a própria saúde e bem-estar;
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c) Estabelecer vínculos afetivos e de troca com adultos e crianças,
fortalecendo sua autoestima;
d) Ampliar e estabelecer cada vez mais as relações sociais;
e) Observar e explorar o ambiente com atitude de curiosidade;
f) Brincar, expressando emoções, sentimentos, pensamentos, desejos e
necessidades;
g) Utilizar as diferentes linguagens (corporal, musical, plástica, oral e escrita).
h) Expressar suas ideias, sentimentos, necessidades e desejos e avançar no
seu percurso de construção de significados;
i) Conhecer algumas manifestações culturais, valorizando a diversidade.
De acordo com os objetivos estabelecidos na organização curricular da
Educação Infantil da Escola em estudo, podemos perceber a partir da letra “b” à letra
“i” a contemplação do lúdico na proposta.
Segundo o artigo 12 da LDB/96, os estabelecimentos de ensino, na
organização de sua proposta pedagógica, devem:
a) elaborar e executar sua proposta pedagógica;
b) administrar seu pessoal, seus recursos materiais e financeiros;
c) assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas/aula legalmente
exigidas;
d) recuperar alunos com rendimento insuficiente;
e) acompanhar o plano de trabalho dos professores;
f) integrar-se na comunidade a que serve;
g) acompanhar a frequência dos alunos e seu rendimento no processo de
aprendizagem, informando aos pais os resultados obtidos.
O documento expedido pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais traz
comentários importantes para elaboração do PPP, como: “os estabelecimentos de
ensino passam a ter atribuição de produzir e executar planejamento pedagógico
próprio, correspondente a seus objetivos educacionais”. Portanto, a escola tem a
autonomia de tomar decisões pelo cumprimento de seu papel específico de
formação global do cidadão. O projeto político pedagógico é individualizado e
acolhido formal da lei.
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Goulart aponta o projeto político pedagógico como uma:
[...] radiografia do movimento que a escola realiza e pretende realizar para
alcançar seu objetivo mais importante que é educar,promovendo a produção de conhecimentos e a formação de pessoas íntegras à sociedade por meio da participação cidadã, de forma autônoma e crítica (GOULART, 2007, p. 88).
Dessa forma, a organização político-pedagógica deve envolver os
conhecimentos que são trabalhados para que as crianças aprendam. A autora
apresenta critérios que são importantes nessa organização como: arrumação das
carteiras, dos grupos e dos materiais em salas de aula, o planejamento do tempo
das brincadeiras livres e da hora da refeição, a programação de atividades e os
modos como elas são propostas e desenvolvidas. O trabalho do projeto deve ser
construído coletivamente com a comunidade escolar incluindo a criança. Goulart
afirma que, “se as crianças participarem, desde o início dessa organização, terão
oportunidade de desenvolver o sentimento de pertencimento ao grupo e
responsabilidade pelas decisões tomadas” (GOULART,2007).
Portanto, o Projeto Político Pedagógico é um instrumento de trabalho que
aponta uma direção das atividades pedagógicas da instituição, o qual deve ser
elaborado coletivamente e também com a participação das crianças.
No Regimento da Escola, os objetivos e as competências são estabelecidos
de um modo geral, sem especificar a educação infantil e o primeiro ano do ensino
fundamental (as crianças com seis anos de idade).
De acordo com Campos e Silva (2011), ao pesquisarem os municípios sobre
a implantação da Lei que amplia o ensino fundamental para nove anos, as autoras
relatam as dificuldades que os municípios tiveram e têm na compreensão dos
documentos oficiais. Ambas seguem reafirmando sobre esses procedimentos:
Como pode se observar, as regulações produzidas pelas instâncias centrais do sistema educacional são recriadas, reinterpretadas pelos conselhos municipais de educação e/ou pelas secretarias dos municípios. No caso específico das necessidades decorrentes da implantação do ensino fundamental de nove anos, as respostas dessas instâncias de poder adquiriram um tom de urgência, mas nem sempre estão alicerçadas em debates com os segmentos educacionais envolvidos. (CAMPOS; SILVA, 2011, p. 364).
70
No caso do município em estudo, o ensino fundamental de nove anos está
sendo aplicado, porém não há registros nos documentos oficiais do estabelecimento.
Não contempla nenhum requisito da Lei referente à Educação Infantil tampouco
relaciona a criança de seis anos. O estudo das autoras refere-se aos municípios
catarinenses, mas fornecem “indicações e pistas” importantes para se compreender
o processo de organização em nosso estado, o que não é diferente do que
aconteceu/acontece em toda região brasileira.
4.2 As crianças protagonistas da pesquisa
Este trabalho procurou protagonizar 20 crianças da Educação Infantil e 19
crianças do Primeiro Ano do Ensino Fundamental matriculadas no ano de 2013,
totalizando 39 crianças. As crianças da educação infantil com 5 anos de idade e as
crianças do primeiro ano com 6 anos.
A identificação dos sujeitos da pesquisa tem gerado um tema polêmico no
desenvolvimento de pesquisa, principalmente quando se trata de criança pequena.
Kramer (2002a) ressalta que a escolha entre autoria e o anonimato é sempre uma
decisão difícil para os pesquisadores. A autora alerta que deve existir o cuidado de
não negar a condição de sujeitos e também de não expor os sujeitos, fazendo-se
necessária a utilização de nomes fictícios.
4.2.1 Crianças da Educação Infantil
A turma pesquisada foi composta por 21 crianças, o que constava no diário da
professora, 15 meninas e 6 meninos. Porém, como o início da pesquisa ocorreu em
junho e, segundo a professora da turma, um menino se evadiu no primeiro semestre,
permanecendo frequentes até o final do ano, 15 meninas e 5 meninos.
Como não houve possibilidade de entrevistar os pais das crianças, segundo
informações da vice-diretora, a Escola quando faz matrícula dos discentes anota
apenas a profissão e a escolaridade dos pais e não aprofundam em mais
informações quanto aos níveis de escolaridade e sócioeconômico. Baseando-se
nessas informações, cinco pais têm formação de segundo grau e, os outros,
possuem o ensino fundamental incompleto. Quanto à profissão, alguns são
71
pedreiros, outros funcionários de empresas existentes no município e as mães
fazem parte do Programa de Renda Mínima.
No bairro onde se situa a escola, há um misto de comunidades
economicamente menos favorecidas e outras de melhor situação.
Algumas das crianças convivem mais com os avós, pois as mães trabalham
em empresas existentes no município ou como domésticas; outras convivem com a
mãe e tem duas famílias como elas disseram (porque o pai tem outra esposa e a
mãe outro companheiro).
A maioria das crianças dessa turma possui irmãos que estudam na turma do
primeiro ano e em outras séries na escola. Outras possuem irmãos paternos e que
se encontram apenas no fim de semana, pois moram em outros bairros da cidade. É
importante ressaltar que, nessa turma, há crianças brancas e afrodescendentes.
Esses poucos dados em relação à vida das crianças apresentados faz-se com
a finalidade de compreender a infância na sua multiplicidade de crianças com
diferentes condições econômicas, políticas e sociais.
4.2.2 Primeiro contato e início da convivência com os pequenos
Neste tópico, relato a entrada em campo e também como foi o primeiro
contato com as crianças e ser aceitas por elas. O contato com as crianças deu-se a
partir do segundo dia de pesquisa em campo. “A aceitação no mundo das crianças é
desafiadora uma vez que as diferenças óbvias entre adultos e crianças em termos
de maturidade comunicativa e cognitiva, poder e tamanho físico” (CORSARO, 2005,
p. 8).
No primeiro dia, ao entrar na escola, procurei a Direção. Conversei com a
diretora explicitando a metodologia da pesquisa. Em seguida, fui encaminhada à
sala de aula indicada para pesquisa. Fui acompanhada pela Diretora. As crianças
estavam numa área que fica atrás da escola (Foto 6). Nesse momento, estavam
duas turmas da Educação Infantil. As crianças estavam assentadas no chão
conversando (40 crianças, sendo duas turmas da EI), numa área cimentada,
enquanto as professoras molhavam as plantas. Após os cumprimentos, fiquei
observando, sem contato direto com as crianças. Depois de alguns minutos, as
professoras pediram às crianças que se organizassem em fila. As crianças
obedeceram e foram em fila até a sala de aula, porém conversavam, passavam as
72
mãos nas figuras de crianças na parede do corredor, algumas puxavam o cabelo do
colega, mexiam com as pessoas que passavam, sorriam, enfim, foram nessa
brincadeira até a sala de aula, apesar de a professora, de vez em quando, chamar a
atenção para que ficassem caladas.
A descrição desse momento nos remete aos estudos de Benjamin (1984) e
Vigotski, os quais afirmam que as crianças sentem-se irresistivelmente às coisas,
aos destroços e a tudo que veem pela frente, agem sobre os objetos dando novo
significado. Corsino (2006) afirma que as crianças, no momento da fila, brincam com
as mãos, com os objetos e com qualquer coisa que encontram à sua frente. Ferreira
(2009) pontua que, a criança, no seu espaço, tem um papel ativo e central nas
tomadas de decisão e na condução das ações individualmente ou em grupo. Quanto
a todo esse movimento que as crianças procuram fazer nos momentos da fila,
Corsino considera brincadeira. Também utilizei a palavra brincadeira nesse
percurso, porém, ao observar diversas vezes que a criança é imposta a se organizar
em fila no espaço escolar, isso pode ser considerado uma resistência à
disciplinarização e ao controle do adulto.
Ao entrarem na sala de aula, as crianças encontraram uma folha com
atividades em cima das mesinhas. Em seguida, a professora distribuiu lápis de cor
para as crianças. Procurei uma mesinha no canto da sala e me acomodei.
Durante a realização da atividade, as crianças conversavam umas com as
outras, mexiam nos objetos que estavam em cima da mesa, de vez em quando a
professora chamava a atenção, utilizando ora o vocativo “2º período”, ora batia em
cima da mesa. As crianças aquietavam-se por alguns minutos, e rapidamente
voltavam a conversar com o colega do grupo ou do outro grupo, assim transcorreu
até o final da atividade. Às 11h, a professora pediu às crianças que guardassem o
material na mochila e organizassem a fila. Na saída para o refeitório, as crianças
foram em fila. Nesse primeiro dia de observação, não houve aproximação das
crianças com a pesquisadora. Também a presença de mais um adulto na sala não
fez diferença na rotina das crianças.
No segundo dia, ao me aproximar de um grupo de crianças, o Lucas6, olhou
para mim e disse:
6 Lucas é nome fictício, algumas crianças escolheram nomes de princesas e heróis, outras fizeram
opção por outro nome, como é o caso da criança mencionada.
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Lucas: - Como é seu nome? Pesquisadora: - Eu disse. Lucas: - Você vai fazer fila? Pesquisadora: - Vou. Lucas: - Você é criança? (Nesse momento ele sorriu). Pesquisadora: - Não. - O que você acha?
Ele não respondeu, como se a minha interrogação não tivesse sido
importante. Em seguida, continuou indagando:
Lucas: - Você vai almoçar? Eu almoço aqui, merendo. (Caderno de Campo; 18/6/13)
Corsaro (2005) em suas pesquisas etnográficas analisa as relações entre o
pesquisador e as crianças e discute as estratégias de entrada em campo e como
estabelecer os primeiros contatos com as crianças. O autor se coloca nas áreas
onde as crianças estão e participa de todas as suas atividades.
A sua presença e a relação de atividades em conjunto permitiam que ele
fosse como um adulto “atípico” ou uma criança grande. Primeiramente, Corsaro
procurava conseguir a permissão para entrar em suas atividades de pares, sem
causar interrupções e também abrindo mão de sua autoridade de adulto, evitando
controlar o comportamento delas.
Não é tarefa fácil aproximar-se do universo das crianças, como afirma
Corsaro, porque as crianças não veem os adultos como iguais. O autor utilizou o
método chamado de entrada reativa no campo. Assim, as crianças vão notando a
presença do adulto e começam a se aproximar, a permitir a presença deste, a fazer
perguntas, a convidar para as brincadeiras.
Procurei seguir as orientações de Corsaro, fui me aproximando do grupo sem
fazer interrogações ou iniciar conversa, somente me aproximei e fiquei observando.
Nessa aproximação, sem demonstrar o meu desejo de conhecê-los melhor, o Lucas
iniciou o processo de relacionamento entre mim e as crianças. Assim, por meio
desse diálogo, consegui me relacionar com todas as crianças da educação infantil.
Porém, nesse grupo de 20 crianças, somente a Lúcia teve um comportamento
diferenciado das outras crianças. Não consegui me relacionar com a Lúcia e isso foi
durante toda a estadia em campo, quando me aproximava dela e tentava um diálogo
apenas respondia monossilábica, não sorria para mim nem manifestava interesse
em continuar a responder as minhas perguntas. Cheguei a comentar com a
74
professora da turma que me disse: “- Lúcia é assim, ela é tímida, mas não se
preocupe”.
Já, na turma do primeiro ano, a entrada na sala de aula me surpreendeu.
Assim que entrei na sala, cumprimentei a professora e as crianças. A professora
pediu que me apresentasse para as crianças, atendendo ao pedido, disse meu
nome e falei que iria ficar na sala de aula por um longo período. Procurei não
explicitar neste momento o que pretendia fazer. Um grupo de crianças aproximou-se
de mim e fez diversas indagações como: - Quantos anos você tem? –Você tem dez
anos? – Você vai estudar aqui? – Esse é seu caderno? – É diferente do caderno?
Fiquei preocupada porque a minha entrada na sala modificou o trabalho que a
professora estava realizando. As crianças procuraram ficar perto de mim durante o
tempo que permaneci na sala. Faziam perguntas, pediam para ajudar nas
atividades, contavam histórias. Fiquei constrangida porque a minha presença deixou
a sala de aula em polvorosa. É importante pontuar que a relação estabelecida com
as crianças do primeiro ano me surpreendeu. Em relação ao que Corsaro propõe
sobre o comportamento do pesquisador em campo, com as crianças dessa turma foi
diferente, lembrando que elas não me conheciam.
4.2.3 A rotina das crianças da Educação Infantil em sala de aula
Nesse item, procuro descrever a rotina das crianças durante a semana letiva.
As crianças tanto da educação infantil como do primeiro ano têm uma rotina
intensiva em sala de aula com atividades de preparação para alfabetização e
atividades envolvendo os conhecimentos básicos da Matemática.
Às 7h, as crianças entravam na escola e iam para o pátio, primeiramente,
tomavam o café da manhã; em seguida, organizavam-se em fila e entravam em sala
de aula. Este momento era aproveitado para cumprimentos.
Segunda-feira: Nesse dia da semana, sempre acontecia a roda de conversa.
As crianças assentavam-se nas cadeiras, que eram organizadas em círculo no canto
da sala, a professora colocava uma mesinha perto dela, e cada criança contava o
que havia acontecido no fim de semana, ela resumia em uma frase, que era grafada
na folha. Depois de todas as crianças relatarem o que faziam no fim de semana,
retornavam aos lugares para desenharem o que haviam contado. Elas desenhavam,
coloriam e depois entregavam para a professora. No fim das atividades, a professora
75
afixava os trabalhos na parede perto da porta. O horário dessa atividade, às vezes
variava, ora no início das aulas ora após o recreio. Às 9h, saíam para o recreio, hora
da “merenda” e das brincadeiras livres no pátio. As crianças assentavam-se à mesa
para lanchar, mas estavam sempre conversando com os colegas mais próximos e
sorridentes. Procurei acompanhar as crianças durante o recreio e, nessa
observação, pude perceber que era raro surgir algum conflito entre elas durante
esse período de recreação. Os conflitos aconteciam na hora da organização da fila.
Nesse momento sempre era necessária a intervenção da professora. Elas
brincavam mais de pique, era um corre- corre e muita alegria nesse momento.
Após o recreio, retorno à sala de aula, escovar os dentes e, em seguida, as
crianças faziam mais atividades ora de alfabetização ora de matemática. Às 10h30,
visto no caderno de “Para Casa” e entrega do dever de casa para a próxima aula.
Cada criança levava o caderno até a mesa da professora.
Às 11h, organização do material para o término da aula. Todos saíam em fila
para o pátio, hora do almoço. As crianças almoçavam na escola, algumas ficavam
no “Tempo Integral”, que funcionava no turno vespertino, e outras crianças iam
embora. Os pais esperavam as crianças no portão da escola.
Terça-feira: As crianças escutavam histórias, realizavam atividades
diversificadas e sempre coloriam as atividades. Às vezes, iam à horta, arrancavam
matinhos dos canteiros; enquanto um grupo estava na horta, o outro grupo ficava
assentado observando, conversando com os colegas. Algumas vezes essa visita à
horta servia para estudo; às vezes, cada criança colhia verduras (isto é, a professora
colhia e dava uma folha a cada criança), e, em seguida, as crianças levavam para a
cantina, para complementação do almoço. Nesse dia da semana, acontecia
brincadeira orientada (cito o tipo de brincadeira no capítulo das brincadeiras na
escola) pela professora no pátio ou em sala de aula.
Às 9h, saíam para o recreio, hora da merenda e das brincadeiras livres no
pátio. Após o recreio, escovavam os dentes e permaneciam em sala de aula com
atividades variadas, o colorido das figuras existentes nas atividades era habitual,
ocorria em todos os dias da semana. As atividades do dia encerravam-se com as
crianças guardando os materiais nas mochilas. Hora do almoço e, para aquelas que
não participavam do Tempo Integral, hora de ir para casa.
Quarta-feira: O dia iniciava com atividades em sala de aula. Algumas vezes
as crianças ouviam músicas. Nesse dia, as atividades eram realizadas na apostila
76
que receberam da Secretaria Municipal de Educação, recortavam, colavam gravuras
de acordo com o tema planejado para o mês; no mês de agosto, trabalharam com o
folclore; mês de setembro, o tema foi a primavera; no mês de outubro, o assunto foi
sobre crianças. A seguir, as crianças iam para o recreio. Após o recreio, ocorria a
mesma rotina dos outros dias da semana.
Quinta-feira: Dia de intervenção, segundo a professora, esse dia foi
escolhido, na reunião de planejamento semanal com a pedagoga, para melhorar a
aprendizagem das crianças que estavam em defasagem. As crianças consideradas
“boas” em aprendizagem ficavam com ela. Nesse dia, do início da aula até as 9h, as
crianças eram reunidas nas turmas da EI. As crianças com bom desenvolvimento
ficavam na sala da professora da turma pesquisada, e as outras crianças com
desenvolvimento lento iam para a sala da outra professora. As atividades eram
voltadas para a alfabetização. A quinta-feira foi o dia estipulado pela pedagoga e
professoras da Educação Infantil para a brincadeira em grupo com os brinquedos
em sala de aula. Mas, durante todo o semestre, as crianças tiveram acesso aos
brinquedos apenas duas vezes.
Às 9h, as crianças trocavam de sala e iam para o recreio. Após o recreio,
escovavam os dentes e se preparavam para o término da aula e o almoço.
Sexta-feira: As crianças faziam atividades diversificadas em sala de aula.
Trabalhavam com as apostilas. Recorte de figuras geométricas e depois criavam
desenhos com elas. Uma vez a professora saiu com as crianças para o pátio. Lá, as
crianças ficaram assentadas nos bancos observando a professora preparar gelatina.
Enquanto misturava a gelatina, a professora ia explicando todo o processo. As
crianças observavam e também faziam perguntas. Às vezes, contava história. Às 9h,
saída para o recreio.
Após o recreio, retornavam à sala de aula, escovavam os dentes e faziam
atividades. No final da aula, havia a organização do material e saída em fila para o
pátio. Hora do almoço e término das aulas.
Fiz a opção por apresentar a rotina da turma de maneira geral. Dessa forma,
obtém-se uma visão mais ampla das atividades e das brincadeiras realizadas na
educação infantil. Abaixo, registro fotos do pátio e dos espaços onde as crianças
brincam. Essas fotos são apenas para ilustração, ou seja, para uma visão geral do
espaço escolar.
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Foto 5 – Pátio1 externo da Escola
Fonte: A autora
Foto 6 – Pátio 2 externo da Escola
Fonte: A autora
4.2.4 As brincadeiras na Educação Infantil
Dia 4/7/2013: as crianças saíram com a professora e foram para um canto da
escola. As crianças ficaram assentadas, no chão, em círculo. A professora disse que
a brincadeira era do “chicote queimado” e mostrou um boneco de feltro colorido- um
pica-pau. Essa brincadeira é conhecida na região por “chicote queimado” e em
outras regiões como “Corre Cutia”. Prosseguindo, a professora explicou todo o
processo da brincadeira. Dando início à brincadeira, começou a cantar a música e
as crianças também. A professora começou a correr em volta do círculo e colocou o
pica-pau atrás de uma criança, ela saiu correndo atrás da professora. E, assim, a
brincadeira continuou até que o pica-pau fosse colocado atrás da última criança. No
início, foi preciso orientar as crianças, pois elas não sabiam como agir; após a
participação da quinta criança, a brincadeira transcorreu mais animada. As crianças
sorriam e vibravam quando uma delas não conseguia livrar-se do colega que a
estava perseguindo. Segundo a professora, não podia repetir a criança porque o
tempo era curto e todas as crianças do grupo tinham que participar para evitar a
insatisfação delas.
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Nesse dia, também aconteceu a Hora do Bingo. As crianças, na sala de aula,
receberam tampinhas coloridas de garrafa (quatro para cada criança); em seguida,
foram distribuídas fichas contendo quatro quadrinhos preenchidos com numerais de
10 a 20. Essa atividade teve como objetivo o conhecimento dos numerais até 20.
Todas as crianças participaram com entusiasmo.
No final, as crianças brincaram com as massinhas. Uns fizeram bichinhos,
outros pastéis e uma fez um bebê. Todas queriam mostrar para mim, que também
participei da brincadeira. Nessa brincadeira livre com as massinhas, enquanto as
crianças brincavam, a professora preparava os trabalhos do mês.
9/7/2013: No início da aula, as crianças brincaram de “Amarelinha” no pátio,
atividade proposta pela professora. Na sala de aula, já no final, as crianças
realizaram a dança da cadeira mediada pela professora. As crianças cantaram,
bateram palmas e pularam. Foram momentos de alegria para as crianças.
13/8/2013: Brincadeira de roda na sala de aula. As crianças fizeram uma roda
no meio da sala e cantaram a música “Itororó”. Cada hora uma criança ia ao centro
da roda e, com a ajuda dos outros cantarolavam, o “estribilho” da canção. A
brincadeira só terminou quando a última criança foi ao centro da roda. As
brincadeiras realizadas com a participação da professora só terminavam quando
todas as crianças presentes participavam; segundo a professora, para evitar
reclamações das crianças.
20/8/2013: Na sala de aula, as crianças ficaram enfileiradas, de pé e bem
juntinhas, e utilizando a cabeça de uma boneca (pois não havia uma bola no
momento) a brincadeira iniciou. Um jogava a bola e um colega pegava e escondia
atrás, todos deviam ficar com as mãos para trás, e assim cantavam: “Maria, Mariola,
com quem está a bola?”.
27/9/2013: As crianças iniciaram a aula, no pátio, que estava todo sinalizado
com semáforos (isopor, cartolina e cabo), pistas de pedestres, ruas. As crianças
levaram para a escola bicicletas e velocípedes. Várias placas foram colocadas ao
longo do pátio formando ruas. Em cada ponto das ruas, umas crianças seguravam
as placas de trânsito enquanto outras andavam de bicicletas e velocípedes. As
crianças deveriam obedecer à sinalização. E, assim, a atividade aconteceu com a
participação das crianças das turmas da Educação Infantil. Foi um momento de
alegria, interação entre as crianças e aprendizagem.
79
24/10/2013: Primeira vez, no semestre, no final da aula, a professora retirou
do canto da sala uma caixa com alguns brinquedos velhos e espalhou pelo chão. As
crianças pegavam os brinquedos, as meninas pegavam as bonecas, os meninos
alguns carrinhos e outros brinquedos e formaram grupos. Houve confusão na hora
de pegar os brinquedos, porque eram poucos e muitos estavam quebrados. Havia
bonecas sem cabeça e braços e carrinhos sem rodas. Uma delas, falando ao
telefone, disse que iria chamar a polícia, e, nesse faz de conta, ficou um tempo;
outra pegou uma bolsa e a encheu com as rodinhas e outros brinquedos pequenos
que encontrou e disse que iria levar as filhas para passear. Outra criança pegou uma
boneca e sentou-se na cadeira que estava no canto da sala e disse que iria passear
de ônibus.
É importante ressaltar que o comportamento das crianças nas brincadeiras
diferia do momento das atividades de escrita e leitura. Não havia tensão ou
reclamação. Às vezes, uma criança ou outra pisava no pé do colega, empurrando-o,
e, a partir desse confronto, havia desentendimento entre elas. Quando acontecia
esse conflito, a professora colocava o agressor de pé, no canto da sala, ou sentado
na cadeira, ou ele ficava sem recreio. Esses conflitos na brincadeira sempre
aconteciam com o Lucas, a Fernanda e o Ben 10, os quais sempre eram punidos
dessa forma.
Refletindo sobre a atitude de punir uma criança quando seu comportamento é
de agressividade com os colegas levanto o seguinte questionamento: será que o
castigo vai contribuir na formação da criança? Este é o desafio imposto ao adulto; o
de mediar a relação das crianças com seus coetâneos sem punição no sentido de
coerção. Conflitos sempre vão acontecer no espaço coletivo com crianças, por isso
é importante o adulto ter um olhar diferente e negociar esses desentendimentos por
meio do diálogo.
Outros pontos importantes que observei e gostaria de destacar nesses
momentos foram a alegria e a interação das crianças. Elas riam e conversavam
intensamente, foram momentos mágicos. Como afirmam muitos estudiosos da
cultura infantil, pelo lúdico é que se dá a entrada da criança na cultura, como
também se inicia seu processo formativo. Elas estabelecem laços de afetividade
tanto com as pessoas quanto com o espaço escolar. Também nesse momento são
incorporados os valores e significados da sociedade. Pensar no espaço da criança é
80
pensar em múltiplas possibilidades do brincar. Essas questões são pontuais e
precisam ser priorizadas e discutidas por todos aqueles que assumem a educação.
4.2.5 Visita ao Centro Cultural
No dia 9/10, as crianças das duas turmas da EI foram visitar o Espaço
Cultural que fica no centro da cidade. Com as crianças reunidas no pátio da escola,
as professoras orientaram sobre o comportamento no ônibus e também no espaço
cultural. Em seguida, as crianças fizeram fila, entraram no ônibus e acomodaram-se
de forma organizada e em silêncio. Às 8 horas saíram da Escola. Permaneceram em
silêncio durante a viagem, que durou mais ou menos 20 minutos, às vezes, ouvia
algum balbucio, acenavam para mim, tal comportamento foi imposto pelas
professoras.
No Centro Cultural, as crianças foram encaminhadas para uma sala e a
coordenadora do espaço, primeiramente, procurou saber das músicas e brincadeiras
que elas conheciam. Depois de ouvir as crianças, a coordenadora brincou de “Batata
Quente”. Algumas crianças entenderam a brincadeira e outras não. A brincadeira
que despertou maior interesse nas crianças foi a de “Morto/Vivo”. Em seguida,
houve a brincadeira do “Telefone sem Fio”. Houve participação de todas as crianças.
Percebi neste momento que as crianças não conheciam muitas brincadeiras, pois,
ao serem interrogadas pela coordenadora do espaço, elas sempre respondiam que
não conheciam.
Após as brincadeiras realizadas na sala do lúdico (denominação do Centro
Cultural), as crianças foram encaminhadas até a biblioteca. Assentadas em círculo,
cada criança se apresentou para as coordenadoras dessa sala, falando o nome e a
brincadeira preferida.
Depois das apresentações, a coordenadora apresentou um livro para as
crianças, falando sobre a autora e um pouco do livro. Nessa roda de conversa, a
participação das crianças foi muito boa. Elas demonstraram segurança nas suas
respostas às perguntas da coordenadora e explicavam o porquê da preferência por
determinada história e objeto.
Em outro momento, aconteceu a seguinte atividade: foi entregue para cada
criança uma gravura – a coordenadora lia uma frase e as crianças deveriam
apresentar a figura correspondente à mensagem lida. As crianças participaram
81
atentamente e com entusiasmo dessa atividade. Acertaram 90% da atividade. Houve
ainda uma atividade denominada “trava língua”.
Ao observar o comportamento e a atitude das crianças nos dois espaços
mencionados acima, percebi que elas gostaram e participaram com mais
intensidade na biblioteca do que na sala do lúdico. As atividades propostas na
biblioteca foram mais apreciadas pelas crianças.
Depois dessas atividades e brincadeiras, as crianças foram para outro espaço
do Centro Cultural, hora do lanche. Às 11h, ocorreu o retorno das crianças ao
estabelecimento de ensino.
Além de brincarem, ouvirem histórias e conhecerem a biblioteca, as crianças
observaram os objetos e os outros espaços culturais, sempre conversando com
seus pares.
Esse espaço cultural visitado pelas crianças era a antiga estação ferroviária
que, hoje, foi transformada em um museu cultural. No espaço, há um parque para
crianças com alguns brinquedos, uma biblioteca, salas de vídeos, salas com objetos
antigos, e um antigo vagão de trem transformado em espaço para assistir a filmes e
à apresentação musical. Ele fica no centro da cidade, ao lado da Prefeitura. As
crianças não puderam se deliciar com os balanços e com outros brinquedos porque
estava chovendo e esse espaço é aberto.
De acordo com Oliveira (2011), os museus, como instâncias de cultura e
educação e como uma prática social, possibilitam às crianças, nos seus encontros
com esses espaços, a oportunidade de (re)descobrir detalhes em telas muito
conhecidas pelos adultos e, talvez, já invisíveis ao seu olhar. A autora cita Kramer
(1998) e Leite (2005), que defendem esse espaço de cultura onde as crianças têm a
possibilidade do encontro com o outro, de acesso aos bens culturais da história da
sua cultura, como de culturas longínquas, de tempos e espaços próximos e
distantes. Também é o meio de sensibilização pessoal que possibilita, ao sujeito,
apropriar-se de múltiplas linguagens, facilitando a percepção de identidade e
alteridade.
Ouvir as crianças significa estarmos atentos como elas se movimentam pelo
espaço cultural, seus gestos, os sussurros, os comentários, as brincadeiras
(OLIVEIRA, 2011, p.323).
Procurei acompanhar todo o momento da visita, porém as crianças eram
contidas pelo silêncio e comportamento, que não tiveram oportunidades de comentar
82
o que estavam observando. Esse impedimento prejudicou o envolvimento das
crianças com a cultura presente no espaço. Elas tinham que andar sempre em fila e
seus movimentos eram controlados pelas professoras. Esse controle fez com que as
crianças direcionassem seus olhares para as professoras, impedindo uma
observação e interação com o espaço.
4.2.6 Hora do recreio
O recreio da educação infantil se iniciava às 9h e terminava às 9h20. Nesse
intervalo de 20 minutos, as crianças faziam o lanche e, ao mesmo tempo,
brincavam. Era a hora da brincadeira livre, apenas dois adultos, profissionais da
Escola, observavam as crianças no recreio. Algumas vezes uma dessas
profissionais brincava de roda, de “morto/vivo” com algumas crianças. As crianças
adoravam, tinham uma atração especial pela brincadeira “morto/vivo”, elas riam e
vibravam quando uma criança confundia a ordem da auxiliar do recreio.
Sem a intervenção do adulto, as crianças corriam, formavam grupos,
gritavam e pulavam. A brincadeira preferida para as crianças era o “pique”, elas se
organizavam rapidamente, corriam pelo pátio, escondiam debaixo da rampa.
Algumas meninas ficavam, no canto do pátio, conversando e, às vezes, brincavam
de roda.
Observando os diversos grupos de crianças da educação infantil agindo no
pátio, vi que, de forma diferente daquilo que ocorria em sala, aparentemente as
crianças brincavam do jeito deles. Corriam de um lado para o outro, tocavam no
colega dando gargalhadas, brincavam espontaneamente, falando e gesticulando.
Como não havia brinquedos disponíveis nesse espaço, as crianças brincavam de
“pique” constantemente. Ferreira (2011), ao observar as crianças, no parque, sentiu
falta das brincadeiras tradicionais, cantigas de roda, do pular corda, entre outras,
não é o mesmo espaço citado pela autora, mas essa observação remeteu-me ao
seu estudo. Por isso, resolvi compartilhar sua observação com o que ocorreu no
espaço do recreio, já que não há um parque para as crianças brincarem por que não
utilizar o momento e o tempo do recreio para introdução dessas brincadeiras. As
crianças aprenderiam novas formas de brincar, pois é também nesse processo de
relações durante a brincadeira que ocorre a cultura infantil.
83
Destaco também um fator importante relacionado ao momento do recreio, as
crianças brincavam e se divertiam sem conflitos. Durante o tempo de observação,
não presenciei desentendimentos entre as crianças da educação infantil nesse
tempo de recreação. Porém, no momento da organização da fila para entrarem na
sala de aula, os desentendimentos foram constantes, umas queriam ficar na frente,
outras choravam porque o colega as beliscou ou as empurrou, diversas reclamações
surgiam de que seria necessária a intervenção da professora.
Procurei considerar esse comportamento conflituoso na organização da fila
como uma resistência das crianças, uma forma de contrapor às normas
estabelecidas no espaço escolar.
4.2.7 Caracterizando as crianças de seis anos – Primeiro Ano do Ensino
Fundamental
A turma pesquisada do primeiro ano é composta por 19 crianças: dez
meninas e nove meninos.
São crianças com seis anos de idade, algumas dessas crianças têm irmãos
que frequentam a educação infantil – as crianças da pesquisa. Residem no bairro e
se conhecem, às vezes, brincam com os colegas em suas residências.
Como já foi dito na caracterização das crianças da educação infantil, a ficha
de matrícula da escola apresenta alguns poucos dados em relação à situação
econômica dos alunos. Portanto, é difícil traçar um perfil socioeconômico mais
extenso. Pelas observações das crianças e das características do bairro, são de
família de classe menos favorecida socialmente.
4.2.8 As crianças do primeiro ano e o cotidiano
Nesta turma do primeiro ano, entrei e permaneci em sala de aula oito vezes,
no semestre letivo, de junho a novembro de 2013. Esse pouco tempo de observação
aconteceu porque a escola funciona apenas em um turno, no período das 7h às
11h30. E como o estudo nessa tônica permite ao pesquisador mudar a rota do
caminho metodológico, fiz a opção por observar por mais tempo a educação infantil.
Para melhor compreensão desse período de observação nesta turma, optei
por descrever a rotina utilizando a data da minha presença em sala de aula:
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20/6/2013 – ao entrar na sala de aula, após os cumprimentos, a professora pediu
para me apresentar para as crianças. Eu disse que iria ficar com eles por algum
tempo, observando o que faziam em sala de aula, sem explicação mais detalhada
da minha presença naquele espaço. Diferentemente do que houve na turma da
Educação Infantil, as crianças iniciaram um amontoado de perguntas. As crianças
foram receptivas, mas não paravam de se aproximar de mim e as perguntas fluíam
sem pausa. A minha entrada na sala de aula deixou a turma inquieta, modificando o
desenvolvimento da aula.
Às 10h, a professora chamou as crianças por ordem alfabética para
organização da turma em fila. Hora do recreio. Nesse horário as crianças foram para
o pátio onde era servido o almoço. Algumas crianças traziam lanche de casa, e
outras almoçavam na escola. Chegavam organizadas em fila no pátio e continuavam
assim para receberem o almoço servido pelas merendeiras. Em seguida,
observadas pelas professoras e funcionários responsáveis pelo recreio, as crianças
brincavam no pátio. Durante o almoço, as crianças conversavam, deixavam comida
cair em cima das mesas e no chão, sujavam o rosto; ninguém chamava a atenção
pelo comportamento das crianças nesse momento, apenas observavam. Após o
almoço, as professoras iam para a sala dos professores, e as crianças continuavam
no pátio, umas brincavam de “pique”, outras faziam grupinhos no canto do pátio.
Nesse dia, três meninas e um menino ficaram conversando comigo. Saíram duas
meninas e um menino e ficou apenas “Alice”, que ficou o tempo do recreio
conversando comigo. Alice relatou a história de sua família, procurei apenas ouvir o
que ela dizia.
Às 10h24, término do recreio e retorno à sala de aula, crianças em fila;
durante o trajeto do pátio até a sala de aula, mesmo comportamento das crianças da
educação infantil, vão conversando, mexendo com os colegas, passando as mãos
na parede do corredor, puxando a camisa e cabelos dos colegas à frente.
Na sala de aula, atividades de Matemática (reforço da ordem crescente e
decrescente dos numerais de 1 a 10). Primeiramente, a professora utilizou o quadro
para explicar a atividade e, em seguida, as crianças realizaram a atividade na folha,
algumas demonstraram insegurança na resolução da atividade, outras realizaram
rapidamente. Algumas crianças solicitaram minha ajuda que, nesse momento tive
dúvida se poderia aceitar ou não, mas a professora também solicitou a minha ajuda.
As crianças terminaram a atividade e, às 10h56, guardaram o material na mochila e
85
entraram na sala mais duas turmas do primeiro ano; ligaram o aparelho de som e
uma das professoras comandou o ensaio de quadrilha para apresentação no dia 29
de junho – festa junina. As crianças dançaram e divertiram-se com o ensaio. Às 11h
30, houve a organização da fila e saída até o portão da escola onde os pais já
estavam esperando.
21/6/2013 – Quando entrei na sala de aula, as crianças estavam terminando
uma atividade de Português. Assim que entrei, fui recebida com abraços e votos de
boas-vindas. Na segunda atividade do dia, as crianças solicitaram ajuda da
pesquisadora. As crianças estavam inquietas, falavam muito, levantavam-se da
cadeira, mexiam com o colega e a professora sempre chamando a atenção. A
professora sempre apontava para o cartaz, no canto da sala, onde estavam
pontuados os combinados e sempre as lembravam do cumprimento destes.
Após o término da atividade escrita, a professora recolheu as folhas e aplicou
uma atividade oral utilizando o quadro: a “forca”. Nesse momento, as crianças
permaneceram assentadas e participaram intensivamente da atividade. A professora
utiliza jogos ou outra atividade lúdica para assimilação das palavras estudadas
durante a semana. Quando a professora terminou, pediram “bis”. Atendendo ao
pedido das crianças, a professora fez mais duas vezes.
Às 10h, começou o recreio. Nesse dia, a professora chamou as crianças,
começando por aquelas que estavam sentadas e caladas. Hora do recreio e do
almoço das crianças.
Nesse dia, procurei lanchar com as professoras. Durante o lanche, a
conversa girou em torno do curso de Mestrado. Também abordaram sobre o
acúmulo de avaliações que as crianças tiveram que fazer e dos projetos elaborados
para o ano de 2013, um deles foi o PACTO.
Término do recreio, as crianças continuaram brincando, falando, gritando e
sorrindo, a professora chamou as crianças, e todos retornaram à sala de aula.
Realizaram uma atividade de Matemática. Às 10h58, estava programado um ensaio
para apresentação da quadrilha, mas faltou o CD e, por isso, não houve ensaio.
15/8/2013 – Início da aula e a mesma rotina dos outros dias. Nesse dia,
algumas crianças estavam em outra sala com a monitora, que vai à escola toda
terça-feira para trabalhar com as crianças com desenvolvimento mais lento, segundo
informação da professora. Essa monitora pertence ao projeto PIBID – com o
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“objetivo de recuperar as crianças com dificuldade em Português e Matemática”.
Foram aplicados três projetos nas turmas do primeiro ano – PIBID, PIP e PACTO.
O recreio aconteceu no mesmo horário. Após o recreio, as crianças estavam
agitadas, uma menina fez a atividade sentada em cima da mesa, os meninos
conversavam, levantavam-se da cadeira. No fim da aula, a mesma rotina.
16/8/2013 – A disposição das carteiras estava diferente dos outros dias, as
crianças estavam sentadas em círculo. As crianças estavam agitadas, falando muito
alto, levantavam-se da cadeira, jogavam papel no chão, jogavam borracha para
cima. Quando a professora perguntava sobre a atividade que estava aplicando, as
crianças respondiam com a voz alterada. A professora era chamada de “tia”, e essa
palavra era repetida diversas vezes. Regina abraçava seu ursinho rosa, a professora
pediu para colocá-lo em cima da mesa. Ela obedeceu e o colocou em cima da mesa
da professora. Luís disse para a professora nesse momento: -“estou doido tia –
minha cabeça” e saiu rodando pela sala, depois de alguns minutos retornou ao seu
lugar e continuou fazendo sua atividade. Em seguida, aproximou-se de mim e me
abraçou.
Às 9h, as crianças foram para sala de vídeo, assistiram à metamorfose da
borboleta. Primeiramente, organizaram-se em fila. Assistiram ao vídeo e, em
seguida, a pedagoga explicou todo o processo de transformação da borboleta.
Houve interesse e participação de todas as crianças. Após o estudo, a pedagoga
apresentou alguns jogos de Matemática na internet, e as crianças ficaram
encantadas, pois tiveram oportunidade de jogar. Os jogos despertaram o interesse
também das professoras das três turmas que estavam neste evento. Da sala de
vídeo foram em fila para o recreio.
Retornaram à sala de aula, às 10h28. Fizeram mais uma atividade e, no final
da aula, uma menina deveria contar a história lida em casa, porém não conseguiu e
a professora leu a história. Depois guardou na maleta de literatura. A professora fez
perguntas, e as crianças tentaram respondê-las – hora da brincadeira da
“Adivinhação”, as crianças participam e demonstram prazer neste momento.
25/9/2013 – Cheguei à sala de aula após o recreio, o ambiente estava
diferente, havia um cantinho de leitura e de história, cartazes com mensagens e
ilustrações sobre o meio de transporte. Houve bingo – a professora distribuiu as
cartelas e grãos de feijão.
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27/9/2013 – As crianças fizeram as atividades e também houve a brincadeira
da “Forca”, as crianças gostaram muito, participaram e ficaram felizes. Após o
recreio, elas estavam agitadas, falavam muito, jogavam objetos nos colegas. A
professora deu uma atividade para as crianças recortarem os numerais em uma
cartela. O término da aula ocorreu como nos outros dias da semana.
1º/10/2013 – As crianças fizeram avaliação de Matemática. Algumas crianças
pediram para ler o enunciado das questões. Uma das meninas aproximou-se de mim
e ficou contando o que ocorre quando ela sai com a mãe. O mesmo comportamento,
inquietação, muito barulho e conversa. No final da avaliação, as crianças foram para
a sala de vídeo, assistiram ao documentário “De onde vem o Papel”. O recreio
transcorreu no horário de sempre, e as crianças brincaram no pátio. Na sala de aula,
fizeram mais duas atividades. A saída da Escola ocorreu como nos outros dias.
18/10/2013 – Estive apenas no fim da aula. As crianças fizeram atividades de
Matemática e, em seguida, organizaram o material para o término das aulas.
Apresentar a rotina das crianças do Primeiro Ano do Ensino Fundamental de
maneira geral, possibilita conhecer a organização do espaço escolar onde as
crianças estão inseridas. É perceptível uma rotina que mantém as crianças em sala
de aula com uma sequência de atividades de alfabetização e dos conceitos básicos
da Matemática. Uma rotina que preza atividade de escrita e de leitura, mas também
a professora trabalhou diversas atividades que considero lúdicas, pois as crianças
participaram com prazer. Vejo a atividade lúdica como momento e espaço de
alegria, prazer e interação.
Pela descrição da rotina desta turma, pode-se observar o movimento
intensivo das crianças, a conversa e a dificuldade de concentração nas atividades
aplicadas.
Ao relatar a rotina das crianças nas duas etapas da Educação Básica, é
notável a preocupação das professoras com atividades de alfabetização. Nessa
turma, percebi muita agitação das crianças, elas não concentravam nas atividades
aplicadas, falavam todos ao mesmo tempo e em um tom de voz muito alto. A
professora chamava a atenção constantemente, mas sempre paciente e tranquila,
procurava atividades lúdicas para trabalhar o conteúdo programado. Atribuo a
agitação das crianças ao espaço sala de aula, talvez se realizasse algumas
atividades no espaço externo da escola poderia amenizar o comportamento delas.
Pelo pouco tempo de convivência com essas crianças, pude perceber a necessidade
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de falar, de liberdade e de expressar seus sentimentos e emoções. E a escola tem
um espaço fantástico para realização de atividades fora da sala de aula.
A seguir, apresento uma abordagem sobre a rotina de acordo com estudos
dos pesquisadores citados no item posterior.
4.2.9 Rotina das crianças no espaço pesquisado
“Rotina”, no dicionário Aurélio, significa uma sequência de atos, observada
por força do hábito. Nesta pesquisa, foi identificada uma rotina sequencial de atos
como é possível perceber na fala da pedagoga, transcrita a seguir:
O horário de chegada é 7 horas. Aqui eles se encontram com as professoras, todas no pátio, tanto do primeiro ano e quanto do segundo período. Se encontram aqui no pátio e daqui eles vão para dentro da sala de aula. Chegando, na sala do segundo período, eles têm uma rotina que é bom dia, cumprimenta, é... coloca o material na cadeira direitinho, a professora pede para eles se sentarem. Aí, há um momento de leitura dos cartazes dos gêneros textuais que estão sendo trabalhados naquela semana e isso aí é cumulativo. Todas as vezes que um gênero é apresentado aos meninos, esse gênero passa a fazer parte da rotina. Então, por exemplo, nós começamos com o alfabeto caixa alta, então ele é apresentado para as crianças. Ele é apresentado letra por letra igual era o primeiro ano. Este ano a gente resolveu dar uma mudada, porque na educação infantil a gente está sempre buscando alguma coisa. [...] (entrevista realizada no dia 18/11/2013).
O que chama a atenção nessa fala é a expressão “buscando sempre alguma
coisa” para a educação infantil, mas não fica explícito que algo novo é esse. A
interação das crianças não é um fator preponderante, no espaço em estudo. Fica
evidente tanto nas falas dos profissionais como nas observações e no trajeto da
pesquisa que a criança está naquele espaço para conhecer a fonologia e as
representações gráficas da “Língua Portuguesa” e os conceitos básicos da
Matemática. Como fica a socialização das crianças? Corsino auxilia neste momento
quando afirma que “a proposta da educação infantil de qualidade inclui uma série de
fatores, que vão das políticas públicas para a infância às condições físicas dos
equipamentos e materiais educativos.” (CORSINO, 2006, p. 6). Também devem ser
incluídos “a organização do tempo e do espaço institucionais, as ampliações de
experiências, de produção e apropriação de conhecimentos, os vínculos afetivos, o
clima institucional e as inúmeras interações que a instituição favorece para crianças,
adultos e comunidade” (CORSINO, 2006).
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De acordo com Corsino, a interação é um processo, sendo assim, dá-se por
meio “de indivíduos com modos de agir determinados histórica e culturalmente”
associados às “dimensões cognitivas e afetivas dessas interações e o plano
psíquico e fisiológico do desenvolvimento decorrente delas”. (CORSINO, 2006, p. 7).
Nessa perspectiva, a rotina da criança, na escola, deve estar vinculada nesse
processo de interação. Para a autora, uma proposta deve ser efetivada “em espaços
e tempos, por meio de atividades realizadas por crianças e adultos em interação”.
(CORSINO, 2006, p. 7). O espaço escolar deve oferecer:
[...] as condições do espaço – organização, recursos, diversidade de ambientes internos e ao ar livre, adequação, limpeza, segurança etc. – são fundamentais, mas é pelas relações que os sujeitos estabelecem que o espaço físico deixa de ser um material construído e organizado e adquire a condição de ambiente (CORSINO, 2006, p.7).
Pela interação é que o espaço se qualifica e se torna um ambiente diferencial.
Para tanto, esse ambiente precisa ser aberto à brincadeira, pois é a maneira da
criança dar “sentido ao mundo, produzir história, criar cultura, experimentar e fazer
arte” (CORSINO, 2006, p. 7).
Para compreender, uma rotina exige a organização do ambiente, o uso do
tempo e a seleção de propostas de atividades como também a oferta de materiais.
Segundo Barbosa (2006), o espaço físico que propõe uma construção social dos
seres humanos deve ser estruturado por diversas habilidades, experiências,
sensações e recheado de riquezas lúdicas e desafiadoras. Ressaltando que o
ambiente é construído por meio dos elementos simbólicos e pela linguagem.
Todavia, estes elementos simbólicos e materiais podem fazer do espaço um lugar
de “vigilância e controle dos corpos e mentes”. Dessa forma, eles podem reproduzir
as formas dominantes (BARBOSA, 2006).
Nascimento afirma que o espaço escolar deve procurar definir sua proposta
pedagógica propiciando um local que favoreça a construção da cultura infantil. A
seguir a pontuação do autor em relação à proposta pedagógica:
[...] faz-se necessário definir caminhos pedagógicos nos tempos e espaços da escola e da sala de aula que favoreçam o encontro da cultura infantil, valorizando as trocas entre todos os que ali estão, em que as crianças possam recriar as relações da sociedade na qual estão inseridas, possam expressar suas emoções e formas de ver e de significar o mundo, espaços e tempos que favoreçam a construção da autonomia. Esse é um momento propício para tratar dos aspectos que envolvem a escola e do conhecimento
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que nela será produzido, tanto pelas crianças, a partir do seu olhar curioso sobre a realidade que a cerca, quanto pela mediação do adulto. (NASCIMENTO, 2007, p. 30).
O autor em menção trata do espaço e tempo referindo-se às crianças da
educação infantil e do primeiro ano. Para a criança de seis anos, não pode
considerar somente os aspectos legais, mas também as práticas pedagógicas que
devem favorecer um ambiente e um tempo de encontros e aconchego.
O tempo é outro elemento rigoroso na instituição de ensino. O tempo tem
grande centralidade na organização da educação infantil e de todas as crianças.
Esse tempo marca as diferentes atividades da rotina nas escolas. Para Barbosa, o
tempo, na maioria das instituições educacionais, é rígido, mecânico e absoluto.
Ainda embasado na autora, algumas instituições lidam com esse tempo de
forma acelerada e antecipada, pois as crianças são estimuladas a iniciar atividades
escolarizadas cada vez mais cedo e mais rápidas. Como é o caso da escola em
estudo, a preocupação com a alfabetização é tão forte que, na fala da professora da
educação infantil, a seguir:
Brincar – Olha, nós temos uma rotina muito pesada, os nossos planejamentos estão muito ... são programados de maneira, muito, assim, dentro de questão de horários, e, então fica muito, a gente fica muito limitada aos horários né [...] (Entrevista realizada no dia 18/11/2013).
Pelo depoimento da professora, nota-se que o tempo é rigoroso, absoluto e
determinado para as atividades em sala de aula com o objetivo de trabalhar a leitura
e a escrita. Segundo os profissionais desta escola, as crianças precisam ser
preparadas para a alfabetização. Dessa forma, o tempo escolar é visto como
„provedor‟ de atividades de leitura e escrita das crianças em sala de aula. Por meio
de suas rotinas e controle das atividades, criam uma ordem e uma sequência de
atos a ser cumpridos. Para Barbosa, essa preocupação com o tempo gira em torno
de duas questões básicas: uma é a noção de que, na infância, as crianças
constroem as noções temporais, dessa forma, é preciso organizar situações que
permitam essa construção; a outra é a necessidade de organizar o trabalho com as
crianças, conciliando os objetivos educacionais às características psicológicas e
cognitivas de cada idade.
A duração do tempo e a periodicidade das rotinas variam em cada instituição.
Porém, existem atividades que só ocorrem uma vez por ano e em um momento
91
específico, como aquelas voltadas para as datas comemorativas e outras atividades
duram um mês ou mais e ocorrem uma ou duas vezes por semana, como os
projetos ou outros trabalhos (biblioteca de sala, aula de música, dia de jogo). Outra
característica da rotina é a alternância: “alternam-se sempre os tipos de atividades:
das dirigidas para as livres, dos momentos de cuidado corporal para o trabalho
intelectual, das coletivas para as individuais, do pedagógico para as brincadeiras”
(BARBOSA, 2006, p.144).
Existe outra sequência de atividades que normalmente são padronizadas e
apresentam uma ordem. Essa padronização da sequência é elaborada de acordo
com a idade das crianças e pela extensão de tempo que permanecem na escola,
como é o caso do “Tempo Integral”.
Nesta questão do tempo, também é importante ressaltar outra característica
das rotinas, que é a transição das atividades. São os momentos do término de uma
atividade e início de outra, aproximação do recreio, momentos de higiene (escovar
os dentes, lavar as mãos para a merenda e o almoço), que são utilizados símbolos,
gestos, canções e outros recursos de movimentos. O espaço escolar utiliza muitos
desses recursos simbólicos nesses momentos de transição. Barbosa também
encontrou essa utilização de símbolos nas instituições pesquisadas. A duração de
cada atividade é definida pelo adulto e algumas delas apresentam um tempo mais
rígido, com limites precisos e controlados, outras apresentam tempos mais flexíveis.
Barbosa afirma que não é comum encontrar nas instituições infantis a discussão
sobre o uso e organização do tempo, entre crianças e adultos. Esse tempo é
pensado e estruturado pelos profissionais da escola.
Nas rotinas, a repetição está presente e pode ser vista como algo necessário
como: ir ao banheiro, tomar água, alimentar-se, repetir uma brincadeira ou uma
história. Para Barbosa, essa repetição presente nas rotinas pode ser vista como algo
cansativo e monótono. Esse repetir de tais ações “pode dar às experiências das
crianças o sentido da continuidade, porém, com frequência, esta não é a ideia que
está presente nas rotinas” (BARBOSA, 2006, p. 144).
Com base na análise de Barbosa, a ideia do planejamento cooperativo e
democrático nas escolas surgiu da pedagogia. A partir dessa ideia, a seleção de
materiais na escola se transformou em confecção de cartazes com planejamento da
rotina da criança na sala de aula, murais com desenhos elaborados por crianças ou
92
adultos, calendário com os meses do ano, o alfabeto e outros materiais. Essa forma
de selecionar materiais se tornou uma moldura de todo estabelecimento de ensino.
A seleção de materiais corresponde aos brinquedos, jogos e objetos
considerados necessários para o desenvolvimento das crianças. A autora reafirma
que os diferentes materiais devem fazer parte das rotinas da educação infantil, já
que, por meio destes, “as crianças constroem modos de ser, modos de se identificar
socialmente” (BARBOSA, 2006).
A autora apresenta a seleção e a proposição de atividades, apontando dois
grandes grupos de atividades presentes na escola. A primeira voltada para a
socialização e o cuidado (entrada, recreio, alimentação e outros) e aquelas
constituídas pelas atividades consideradas pedagógicas. A segunda atividade marca
a mudança e a divisão de tempo da rotina: início da aula, meio e fim do turno,
sincronizadas com as demais atividades da sala e também da escola, porque uma
atividade é dependente da outra. As atividades consideradas pedagógicas são
música, teatro, desenho, leitura, brincadeiras e outras. Planejar a rotina exige
atenção para não comprometer o plano de curso com muitos conteúdos. Barbosa
alerta para o planejamento exacerbado de atividades, pois não permite as vivências
grupais, as interações e as aprendizagens.
Durante o trabalho de observação foi possível acompanhar e conhecer a rotina
das duas turmas pesquisadas. Procurei compreender os espaços e as formas de
interação das crianças com seus coetâneos, com o adulto, os brinquedos oferecidos
pela escola, as brincadeiras ofertadas e como estes momentos influenciavam as
ações das mesmas.
O adulto precisa se lembrar de que os espaços a serem por ele organizados,
estruturados são para as crianças e das crianças. Segundo Ferreira (2011), o adulto
precisa olhar para as crianças e escutar também o que não dizem. Quando a autora
solicita do adulto uma escuta do que as crianças não dizem, significa perceber as
suas múltiplas expressões reveladoras das particularidades e das singularidades
próprias de cada uma, que mostram a sua forma de ver, sentir e pensar o mundo.
As rotinas das turmas pesquisadas apresentam algumas atividades bastante
regulares e que raramente variam como afirma a pedagoga:
[...] Então, quando se faz um planejamento para aquele ano seguinte, a gente fala: esse ano nós vamos trabalhar assim... assim... É que a gente notou, no ano passado foi no PIBID, nós notamos que a gente tinha
93
trabalhado pouca letra minúscula, a gente trabalhava só a caixa alta e os meninos quase não conheciam o alfabeto minúsculo... era uma deficiência da gente porque os meninos têm que conhecer os quatro tipos de letra. Eles não precisam estar escrevendo, mas eles começam a caixa alta depois vai para a letra minúscula, depois vai pra... pra letra cursiva maiúscula e minúscula, principalmente com a escrita do nome. Eles têm que reconhecer o nome deles em qualquer tipo de letra (Entrevista realizada no dia 13/11/2013).
O discurso da pedagoga evidencia a estruturação da rotina das crianças. Uma
rotina centrada nas atividades em sala de aula, como já registrado uma parte da fala
no início deste item, apresentando uma grande preocupação com a escrita das
crianças.
Reconhecer a criança como sujeito social é promover um espaço de
socialização. Isto é, um ambiente que favoreça a interação e momentos de
brincadeira. A escola investigada possui um espaço físico enorme que pode ser
aproveitado para criar diversos ambientes promovendo atividades lúdicas para as
crianças brincarem, interagirem e produzirem cultura.
Para De Ângelo, a criança é capaz de entender o mundo de forma crítica e nele
intervir:
A discussão em torno da ideia da criança que não fala, ou sujeito cuja fala não é reconhecida como verdadeira, já ganhou contornos interessantes na educação com crianças, suscitando, entre teóricos e profissionais, “um significativo debate sobre o próprio papel da fala e do diálogo na educação das crianças pequenas”. Esse processo tem contribuído para a consolidação do espaço-tempo pedagógico privilegiando a formação da criança como sujeito social/epistêmico/cidadão crítico, ético e estético, criativo e responsável, capaz de entender criticamente o mundo e intervir de forma crítica nele (DE ANGELO, 2011, p. 57).
Ao observar os espaços, na escola, as crianças brincam livremente somente na
hora do recreio, apesar de ser pouco esse tempo, elas conseguem interagir com
outras crianças, criarem um ambiente de alegria, de brincadeira, e construírem seus
próprios mundos.
Pelo período de observação, pela entrevista “Grupo Focal”, o diálogo com as
crianças e as entrevistas com a direção e professora da escola levaram-me ao
entendimento de que o trabalho realizado no espaço pesquisado é direcionado
exclusivamente pelo adulto. A forma de organização de uma escola planejada pelo
adulto sem ouvir a criança pode se tornar “monocultural”? A fala da professora, após
a brincadeira de “Maria, Mariola, com quem está a bola?” com as crianças, confirma
como a cultura ainda é exclusiva do adulto:
94
[...] ao término da brincadeira, a professora aplicou uma atividade e as crianças continuavam conversando e querendo brincar. Nesse momento, a professora chama a atenção das crianças, dizendo: “– Vocês só querem brincar – o que é isso – como pode?” (caderno de campo, 20/8/2013).
Essa pretensão da escola se tornar “monocultural” nos provoca a pensar nas
diversas culturas que invadem a sala de aula, ou melhor dizendo, o espaço escolar,
trazendo possibilidades de transformação. Essas diversas culturas presentes no
espaço escolar são as culturas de pares, cultura da família e cultura da comunidade.
Sarmento e Corsaro trazem contribuição para o entendimento da concepção de
outro conceito de socialização das crianças assumindo “alteridade” enquanto
categoria geracional. Por isso, é importante prestar atenção ao processo de
construção de como as crianças se inserem nos espaços escolares.
As culturas das crianças são um conjunto estável de atividades ou rotinas, artefatos, valores e ideias que as crianças partilham em interação com os seus pares (CORSARO; ÉDER, 1990 apud SARMENTO, 2005, p. 373). Estas atividades e formas culturais não nascem espontaneamente; elas constituem-se no mútuo reflexo das produções culturais dos adultos para as crianças e das produções culturais geradas pelas crianças nas suas interações (SARMENTO, 2005, p.373).
A vida cotidiana no espaço da instituição de ensino deve fluir nas relações em
que adultos e crianças compartilhem significados renovados ou transformados nas
diversas ações dos diferentes profissionais envolvidos e participantes das atividades
tramadas no dia a dia. Ferreira afirma que a instituição de educação organizada em
rotinas nos permite:
[...] compreender [...] a sua articulação com a organização dos tempos globais da sociedade e a organização interna do contexto onde elas próprias decorrem, emerge um primeiro padrão temporal mais global que, abrangendo as grandes divisões do dia, se define por transições sistemáticas entre o contexto familiar e o contexto da instituição. (FERREIRA, 2002, p. 135).
De acordo com Ferreira (2011), a educação infantil desejada é aquela que
privilegia a existência plena da criança naquilo que lhe é próprio e específico, sem
preconcepções, comparações e diminutivos. Não só corroboro com as afirmações
de Ferreira como estendo essa assertiva às crianças do primeiro ano.
Os diversos estudos sobre a infância têm apresentado uma rotina no espaço
escolar voltado para atividades repetitivas de alfabetização e letramento.
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Neste item, procurei apresentar como a rotina é organizada no espaço
pesquisado, dialogando com os diversos pesquisadores e estudiosos da infância
que apresentam como o ambiente escolar deve ser estruturado para as crianças
produzirem suas culturas e desenvolverem-se.
96
5 O LÚDICO E A CRIANÇA NO ESPAÇO PESQUISADO
Criança desconhecida Criança desconhecida e suja brincando à minha porta, não te pergunto se me trazes um recado dos símbolos. Acho-te graça por nunca ter te visto antes, e naturalmente se pudesse estar limpa eras outra criança, nem aqui vinhas. Brinca na poeira, brinca! Aprecio tua presença só com os olhos. Vale mais a pena ver uma cousa sempre pela primeira vez que conhecê-la, Porque conhecer é como nunca ter visto pela primeira vez, E nunca ter visto pela primeira vez é só ter ouvido contar O modo como esta criança está suja é diferente do modo como as outras estão sujas. Brinca! Pegando numa pedra que te cabe na mão, Sabes que te cabe na mão. Qual é a filosofia que chega a uma certeza maior? Nenhuma, e nenhuma pode vir brincar nunca à minha porta. (Fernando Pessoa como Alberto Caeiro)
As palavras do poeta português, em epígrafe, evidencia a complexidade de
compreender a criança, pois ela é sempre surpreendente, principalmente, quando
está brincando.
Ela brinca com o que cabe na mão, não importa que tipo de brinquedo, para
ela as coisas que estão à sua disposição servem para aguçar sua imaginação, sua
fantasia. A brincadeira é a atividade específica da criança, enquanto brinca ela recria
a realidade.
O vocábulo lúdico está relacionado à brincadeira, aos jogos e aos brinquedos.
Toda atividade prazerosa é lúdica. E essa ludicidade faz parte do ser humano. É o
que torna o sujeito social, criativo e produtivo. Andrade (2013, p.18) aponta o
significado da palavra lúdico baseada na ideia de Santos (2000), que é o “brincar”.
Na prática do ato de brincar apresentam-se as brincadeiras, os brinquedos e os
jogos (ANDRADE, 2013).
Pensar na criança é pensar no lúdico, ela se diverte, pula, corre, grita, sorri,
se distrai na brincadeira e, assim, interage com o seu espaço, reproduz a cultura do
adulto de forma criativa, dando outro significado, e produz sua cultura. E esse
movimento que a criança traduz no cotidiano vai construindo sua identidade.
A criança quando brinca estabelece relações com seus grupos de pares no
espaço coletivo. Essas relações estabelecidas pelas crianças no ambiente social
coletivo Corsaro (2011), tradução de Regius Reis, destaca que além dos brinquedos
há uma série de instrumentos das culturas da infância, demonstrando como o
97
desenvolvimento das crianças não é algo individual, mas um processo cultural
coletivo, que ocorre de forma contínua por meio das relações de brincadeira e de faz
de conta desenvolvidas pelas crianças. Tomando como referência o faz de conta,
Cinderela² e Alice, da educação infantil, enquanto coloriam o desenho da atividade
aplicada pela professora, brincavam de maquiagem com o lápis de cor. Cinderela²
passava o lápis nos olhos da Alice, nos lábios e na face (25/6/2013). Enquanto
maquiava, as duas conversavam baixinho, quase balbuciando, não consegui ouvir o
conteúdo da conversa porque estava distante delas. Elas estavam tão envolvidas
nesse momento que não perceberam a minha observação.
Outro evento em que o faz de conta estava presente foi com a Cinderela¹, no
dia 2/9/2013, ao receber da professora uma folha “chamex” em branco, enquanto
aguardava a orientação, começou a “ler” uma história. Estava compenetrada na
folha como se realmente ali estivesse registrado um texto. Quando ela parou de falar
sozinha, aproximei-me da sua mesa e perguntei o que estava fazendo. Muito séria
disse que estava lendo uma historinha. Perguntei se gostou da história, e ela me
disse que era uma linda história de uma princesa que vivia num lugar muito distante.
Para Benjamin (1984), tudo serve para despertar interesse na criança e aguçar sua
imaginação. Uma folha de papel em branco para a criança é motivo para transformar
a realidade e construir seu universo particular, dando outra significação ao cotidiano.
Nesse momento, Cinderela¹ vivia o seu mundo imaginário e não percebia as ações
que aconteciam à sua volta, assim como Cinderela² e Alice. As crianças têm uma
forma peculiar de transformar o ambiente principalmente quando este não lhes é
agradável ou porque sentiram vontade de brincar e inventar. Um lápis, uma folha de
papel, uma ponta de lápis, qualquer coisa que a criança encontra à sua volta são
instrumentos para despertar seu interesse e aguçar sua ideia.
Para essa reflexão, busquei apoio em Vigotski (1991), ao afirmar que a
criança enquanto brinca age sobre os objetos de maneira diferente do que ela vê,
pois ressignifica-os por meio de seus gestos, que ganha função de signo. Elas
transformam o objeto pelo gesto, pontuando novo significado. Na Educação Infantil,
as atividades simbólicas estão repletas de gestos que indicam significados. A ação
da criança ao brincar com o objeto surge:
[...] das ideias e não das coisas: um pedaço de madeira torna-se um boneco e um cabo de vassoura torna-se um cavalo. A ação regida por regras começa a ser determinada pelas ideias e não pelos objetos. Isso representa
98
uma tamanha inversão da relação da criança com a situação concreta, real e imediata, que é difícil subestimar seu pleno significado (VIGOTSKI, 1991, p. 40).
Nessa perspectiva, é crucial que os espaços da instituição de ensino sejam
repletos de oportunidades lúdicas para que as crianças possam desenvolver-se.
Para referendar a importância do ambiente escolar privilegiar o lúdico, Borba (2005,
p.36) ressalta que a brincadeira precisa ser aprendida pela criança, e só se aprende
a brincar “nas relações que os sujeitos estabelecem com os outros e com a cultura”.
Para a autora, “brincar envolve múltiplas aprendizagens”. No sentido de esclarecer
alguns aspectos que “o brincar não só requer diversas aprendizagens, mas constitui
um espaço de aprendizagem” a autora cita Vigotski (1987), o qual afirma que na
brincadeira, “a criança se comporta além do comportamento habitual de sua idade e
de seu comportamento diário” (BORBA, 2005, p.117). Dessa forma, na visão de
Vigotski, a brincadeira permite que as ações da criança vão além do
desenvolvimento real já alcançado, sendo assim ela conquista novas possibilidades
de compreensão e de ação sobre o mundo.
Rocha (2000) afirma que Vigotski considerou o brincar como zona de
desenvolvimento proximal por excelência, pois segundo este conceito o sujeito é
desafiado a todo o momento no desenvolvimento do próprio jogo e por pessoas mais
velhas, experientes, que acreditam em suas conquistas. Para tanto, há necessidade
de um adulto mediador dessa brincadeira. Nas escolas de crianças, o lúdico deve
ser o cerne das relações entre crianças e seus pares e adultos. Pensar a infância na
escola e na sala de aula é considerar “o corpo, o universo lúdico, os jogos e as
brincadeiras como prioridade” (NASCIMENTO, 2007, p.30).
Outro aspecto de aprendizagem apontado por Borba é que o brincar “supõe o
aprendizado de uma forma particular de relação com o mundo marcada pelo
distanciamento da realidade da vida comum, ainda que nela referenciada” (BORBA,
2005). Nesse sentido, nas brincadeiras de imaginação, “exige que seu participante
compreenda que o que está se fazendo não é o que aparenta ser” (Borba, 2005).
Apresento uma situação observada na sala de aula da educação infantil:
Lucas estava brincando com uma moto (pequenina) na mesa onde eu estava
sentada, ele passou a moto pelo meu braço imitando o barulho de uma motocicleta,
ao passar a moto pelas partes do meu corpo disse que era uma motosserra
(caderno de campo, 2/12/2014). Para Borba, “a brincadeira é um espaço de
99
„mentirinha‟, no qual os sujeitos têm o controle da situação”. (BORBA, 2005, p. 37).
Essa atitude “não literal” da brincadeira abre espaço para a “incoerência, para a
ultrapassagem de limites, para as transgressões, para novas experiências”.
Vale ressaltar que para Borba “os modos de comunicar característicos da
brincadeira constituem-se por novas regras e limites, diferentes da comunicação
habitual”. (BORBA, 2005, p. 38). Tais limites correspondem os compromissos com o
reconhecimento do brincar criando uma nova realidade, uma nova ordem, em que as
situações e regras são estabelecidas “pelos significados imaginados e criados nas
interações entre as crianças” (p.38), como nas brincadeiras com bola de gude,
amarelinha, queimada e diversos outros jogos que demandam regras.
Partindo dessas reflexões, “os processos de desenvolvimento e de
aprendizagem envolvidos no brincar são também constitutivos do processo de
apropriação de conhecimentos” (BORBA, 2005, p.39).
O espaço escolar, que tem como eixo principal o lúdico em sua prática,
propicia a autonomia e a interação entre crianças. A criança ao brincar troca saberes
e experiências que são fundamentais para a aprendizagem.
Corsino alerta para espaços que não se organizam na dimensão do lúdico,
pois as crianças vão crescendo e os gestos vão sendo mais organizados e até
reprimidos, porque os espaços educativos estão estruturados da forma que a
criança para ser produtiva precisa ser contida. Dessa forma, o tempo para as
brincadeiras e para as atividades de maior movimentação, que ocorrem no espaço
externo da sala de aula, vai se reduzindo ao recreio. Corsino enfatiza essa
estruturação da seguinte forma: “esta organização, que reforça a cisão entre corpo e
mente, é fruto do projeto da Modernidade, que supervaloriza a razão em detrimento
da emoção, do afeto, da sensibilidade e da arte.” (CORSINO, 2006, p. 35).
Ainda com Corsino, a rotina escolar está repleta de “gestos homogêneos e de
posturas disciplinares” e, por sua vez, as crianças encontram espaços de
transgressão da ordem e transformam com seus gestos qualquer coisa em
brincadeira, por exemplo, cita o momento da fila. Nesse momento, as crianças
brincam com as mãos, com os objetos, cantam, chutam bolinhas de papel no chão,
mexem ou falam com outras crianças.
Na escola pesquisada, a fila é constante, na entrada e na saída da aula, início
e término do recreio. Além disso, em qualquer evento que as crianças necessitem
sair da sala da aula é pedido para que se organizem em fila. E essa realidade é forte
100
no cotidiano escolar. Por ser uma constância, a criança deveria saber se organizar
em fila sem exigir esforço da professora, no entanto, a resistência da criança é
visível. Ela não gosta de fazer fila, por isso transgride o tempo todo por meio das
brincadeiras.
Essa observação, no cotidiano escolar, possibilitou verificar que a brincadeira
faz parte do mundo da criança, que ela aprende, desenvolve e transgride as regras
impostas pelo adulto.
Ferreira (2011) evidencia o espaço escolar como o lugar por excelência para
a brincadeira das crianças. Pensar o espaço educativo é pensar que todos os
espaços da instituição são extensões uns dos outros e, como tais, merecedores de
um olhar mais aguçado e comprometido com as relações que ali se estabelecem
(p.164).
Segundo Benjamin, as crianças são atraídas por tudo à sua volta:
[...] a criança que está atrás da cortina torna-se ela mesma algo ondulante e branco, um fantasma. A mesa de refeições sob a qual ela se acocorocou a faz tornar ídolo de madeira ao tempo onde as pernas entalhadas são as quatro colunas. E atrás de uma porta ela própria é porta, está revestida dela como de pesada máscara e como mago-sacerdote enfeitiçará todos os que entram sem pressentir nada. (BENJAMIN, 1987, p. 39).
Benjamin mostra como as crianças transformam a realidade de forma
surpreendente para o adulto. Ainda com Benjamin, tudo serve para despertar
interesse nas:
[...] crianças... sentem-se irresistivelmente atraídas pelos destroços que surgem da construção, do trabalho no jardim, ou em casa, da atividade do alfaiate ou do marceneiro. Nestes restos que sobram elas reconhecem o rosto que o mundo das coisas velhas volta exatamente para elas. Nestes restos elas estão menos empenhadas em imitar as obras dos adultos do que estabelecer entre os diferentes materiais, através daquilo que iriam em suas brincadeiras, uma nova e incoerente relação. Com isso as crianças formam seu próprio mundo de coisas, mundo pequeno inserido em um maior (BENJAMIN, 1984, p.77).
Portanto, a criança precisa de intensos momentos de brincadeiras, de jogos e
de brinquedos no seu espaço coletivo. Um espaço que privilegie o lúdico possibilita
o desenvolvimento, a criatividade e a aprendizagem da criança de forma prazerosa.
No Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil MEC/SEF, no
seu volume I, também propõe às instituições priorizar o lúdico:
101
[...] para que as crianças possam exercer sua capacidade de criar é imprescindível que haja riqueza e diversidade nas experiências que lhes são oferecidas nas instituições, sejam elas mais voltadas às brincadeiras ou às aprendizagens que ocorrem por meio de uma intervenção direta nas Instituições de Educação Infantil (BRASIL, 1988, p. 27).
Para desenvolver o trabalho com crianças, na Educação Infantil e no primeiro
ano, o profissional tem um papel importante de mediador da cultura lúdica; instigar a
criança para que esta desenvolva habilidades corporais para um melhor
aproveitamento do tempo e espaço para a brincadeira. É importante unir as famílias
e as equipes das instituições da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental com o objetivo de uma convivência intensa e construtiva, a fim de
proporcionar uma progressiva e prazerosa articulação das atividades de
comunicação e ludicidade com o ambiente escolar. Kramer (2007, p.20) vem
reafirmar que a “educação infantil e ensino fundamental são indissociáveis: ambos
envolvem conhecimentos e afetos; saberes e valores; cuidados e atenção; seriedade
e riso”.
De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
MEC/SEF, a criança precisa agir no seu espaço físico:
[...] Uma importante dimensão do desenvolvimento e da cultura humana. [...] Ao movimentar-se, as crianças expressam sentimentos, emoções e pensamentos, ampliando as necessidades do uso significativo de gestos e posturas corporais. O movimento humano constitui-se em uma linguagem que permite às crianças agirem sobre o meio físico e atuarem sobre o ambiente humano, mobilizando as pessoas por meio de seu teor expressivo. (BRASIL,1998, v. 3, p. 15).
Ainda com o Referencial, os professores da educação infantil devem trabalhar
com o objetivo de educar a criança para a autonomia em suas ações:
Além da dimensão afetiva e relacional do cuidado, é preciso que o professor possa ajudar a criança a identificar suas necessidades e priorizá-las, assim como atendê-las de forma adequada. Assim, cuidar da criança é, sobretudo, dar atenção a ela como pessoa que está num contínuo crescimento e desenvolvimento, compreendendo sua singularidade, identificando e respondendo às suas necessidades. Isto inclui interessar-se sobre o que a criança sente, pensa, o que ela sabe sobre si e sobre o mundo, visando à ampliação deste conhecimento e de suas habilidades, que aos poucos a tornarão mais independente e mais autônoma (BRASIL, 1998, v.1, p. 24-25).
De acordo com o RCNEI, educar é:
102
[...] propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural. Neste processo, a educação poderá auxiliar o desenvolvimento das capacidades de apropriação e conhecimento das potencialidades corporais, afetivas, emocionais, estéticas e éticas, na perspectiva de contribuir para a formação de crianças felizes e saudáveis (BRASIL, 1998, v. 1, p.23).
Nesse sentido, o espaço educativo deve possibilitar diversas situações de
brincadeiras e aprendizagens integradas visando às concepções de
desenvolvimento que considerem as crianças nos seus contextos sociais,
ambientais, culturais, nas interações e práticas sociais que lhes forneçam elementos
relacionados às mais diversas linguagens e ao contato com os mais variados
conhecimentos para a construção de uma identidade autônoma.
Uma das atividades que o Referencial sugere para o enriquecimento do
desenvolvimento e a inserção social da criança é o brincar:
Para brincar é preciso que as crianças tenham certa independência para escolher seus companheiros e os papéis que irão assumir no interior de um determinado tema e enredo, cujos desenvolvimentos dependem unicamente da vontade de quem brinca. Pela oportunidade de vivenciar brincadeiras imaginativas e criadas por elas mesmas, as crianças podem acionar seus pensamentos para a resolução de problemas que lhe são Importantes e significativos. Propiciando a brincadeira, portanto, cria-se um espaço no qual as crianças podem experimentar o mundo e internalizar uma compreensão particular sobre as pessoas, os sentimentos e os diversos conhecimentos (BRASIL, 1998, v. 1, p. 28).
O brincar não só requer muitas aprendizagens como também constitui um
espaço de aprendizagem.
Neste capítulo procurei apresentar uma diversidade de estudiosos do lúdico
como também o conteúdo registrado no Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil evidenciando a importância do brincar nos espaços escolares.
Para o Ensino Fundamental de Nove Anos, foi organizado documento que traz
orientações fundamentais para a inclusão da criança de seis anos nesta etapa inicial
da Educação Básica. Tais orientações focalizam a brincadeira na sala de aula e nos
espaços externos da escola. Neste documento, há uma série de artigos de
103
estudiosos da infância7 que orientam as escolas na organização das propostas
pedagógicas, priorizando o lúdico.
Kramer, no artigo que abre o documento de orientação para incluir as crianças
no ensino fundamental, traz argumentos que contribuem para a escola reconhecer
os direitos da criança e colocá-la como centro na prática do cotidiano escolar. Na
página 18, Kramer tece um comentário a respeito da questão da sociabilidade no
espaço coletivo:
[...] tornou-se tão frágil que os adultos – professores, pais – não veem as possibilidades da criança e ora controlam, regulam, conduzem, ora sequer intervêm, têm medo de crianças e jovens, medo de estabelecer regras, de fazer acordos, de lidar com as crianças no diálogo e na autoridade. O equilíbrio e o diálogo se perdem e esses adultos, ao abrirem mão de sua autoria, ao cederem seu lugar, só têm, como alternativa, o confronto ou o descaso. (KRAMER, 2007, p. 18).
Para Kramer, respeitar o direito da criança nas duas etapas iniciais da
Educação Básica é aprender com Paulo Freire que afirma:
[...] educação e pedagogia dizem respeito à formação cultural – o trabalho pedagógico precisa favorecer a experiência com o conhecimento científico e com a cultura, entendida tanto na sua dimensão de produção nas relações sociais cotidianas e como produção historicamente acumulada, presente na literatura, na música, na dança, no teatro, no cinema, na produção artística, histórica e cultural [...] Essa visão do pedagógico ajuda a pensar sobre a creche e a escola em suas dimensões políticas, éticas e estáticas. A educação, uma prática social, inclui o conhecimento científico, a arte e a vida cotidiana. (FREIRE, 1979, p. 19).
É fundamental a escola priorizar nas suas propostas pedagógicas o lúdico,
principalmente na travessia das crianças da educação infantil para o primeiro ano.
Por meio desse rico universo do lúdico, possibilita ao sujeito perceber o mundo nas
suas diversas dimensões.
De acordo com as observações cotidianas e outros procedimentos adotados
nesta pesquisa, o lúdico esteve presente em várias situações como: no PPP da
escola, o lúdico é contemplado; a professora do primeiro ano utilizou jogos e
brincadeiras nas suas aulas de alfabetização e escrita; a professora da educação
infantil também. Em diversos momentos, a brincadeira esteve presente dentro e fora
7 No documento “Ensino Fundamental de Nove Anos: orientações para a inclusão das crianças de
seis anos de idade” trazem artigos de Kramer, Nascimento, Borba, Borba e Goulart, Corsino, Morais e Nery.
104
da sala de aula. A excursão das crianças ao Centro Cultural também corresponde a
um momento lúdico, apesar de muito controle dos movimentos da criança durante o
evento.
Este capítulo procurou evidenciar a importância do lúdico no espaço escolar
fundamentado nos estudos de diversos estudiosos renomados da educação infantil
e do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil.
Para concluir, cito alguns versos do poeta Carlos Drummond, do seu poema
“Mãos Dadas”:
[...] Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos, mas nutrem grandes ESPERANÇAS. Entre eles, considero a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. [...] Não fugirei para as ilhas desertas nem serei raptado por serafins. O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente. (ANDRADE, 2002, p. 158, grifo meu).
Estes versos nos auxiliam a nutrir as esperanças de que as escolas busquem
um espaço que possa favorecer a infância viver a sua plenitude. Espaço e tempo de
encontro entre as crianças de cinco e seis anos, que brinquem dentro e fora da sala
de aula e aprendam.
105
6 ANÁLISE – COMO AS CRIANÇAS INTERAGEM E COMO ACONTECEM AS BRINCADEIRAS
Cinderela¹: Por que você está assim? Cinderela²: Ficou calada. Cinderela¹: (Preocupada, perguntou): Você não é minha amiga? Cinderela²: (Continuou calada, mas abraçou a Cinderela¹) Cinderela¹: (Fez cócegas e tentou fazê-la sorrir) Cinderela¹: Você está doida? Cinderela²: Estou doidona! (Caderno de campo, 2/9/2013).
Este capítulo situa a interação das crianças com seus coetâneos, a interação
entre crianças e adultos e a interação na hora do brincar. Este trabalho procurou
ouvir as crianças, por isso registrou, primeiramente, o diálogo ocorrido, na sala de
aula durante a atividade entre duas meninas8. Elas coloriam os desenhos da
atividade aplicada pela professora e, ao mesmo tempo, conversavam sobre as cores
que iriam utilizar. Em um determinado momento, uma das meninas ficou calada, a
“Cinderela¹” ficou preocupada e iniciou o diálogo registrado acima. Vale ressaltar
que, diversas situações entre as crianças ocorreram no interior da escola, seja na
sala de aula, seja fora dela, mas optei por algumas dessas situações de interação na
sala de aula. Esses processos de interações citados que ocorreram entre as
crianças estão carregados de certo grau de autonomia. As crianças, como agem
coletivamente, produzem ações, que são importantes para constituição da
identidade delas. É nesse processo de socialização e interação que a criança vai
constituindo sua identidade no seu contexto. Mais um evento percebido que
corresponde a essa construção da identidade: as duas meninas realizavam as
atividades aplicadas pela professora e, ao mesmo tempo, houve desentendimento
entre elas, às quais solucionaram o problema sem levar ao conhecimento de outros,
presentes no espaço. Para Corsaro (2005), quando crianças conversam ou brincam
juntas dispõem do controle desse mundo, o controle da ação e o controle do saber.
8 Foram utilizados “Cinderela¹” e “Cinderela²” porque as duas queriam o mesmo nome. A
pesquisadora sugeriu que usassem um e dois para diferenciar o nome das duas e, assim, concordaram.
106
6.1 Interação entre crianças
Partindo do comportamento das crianças durante as atividades que ocorreram
em sala de aula, procuro imprimir a interação entre seus pares. Diante da
quantidade e complexidade que presenciei e registrei nesse encontro com as
crianças no espaço escolar, selecionei alguns eventos que considero importantes
para análise da interação das crianças com seus coetâneos das duas turmas
pesquisadas.
Nas observações realizadas e nos registros de campo, o corpo da criança
apareceu sempre em movimento para a sua ação social. Este corpo expressava os
saberes, as dúvidas, a aceitação, os sentimentos, a contraposição, a força e a
agilidade de forma intensa. Ferreira caracteriza esse movimento dos corpos da
criança como “nomadismo expresso num frenesi espacializante, sendo indissociável
do interesse das crianças por outras crianças, das características dos objetos e da
sua disposição na organização do espaço-sala” (FERREIRA, 2011, p. 242). A
topografia da sala de aula que, abrindo-se ao olhar e à escuta/fala e, depois, ao
movimento em direção às fronteiras, permite às crianças galgá-las. Essas fronteiras
referem-se aos espaços intersticiais entre as diferentes áreas das salas de aula que
geram ora a separação ora a comunicação. Se as fronteiras criam espaços vazios
que:
[...] separam, simultaneamente adquirem significância social porque, sendo também lugares de passagem, são liminares, dinamizam a articulação e o jogo de entrevistas, do falar e do ou (ver) e “recheiam-se” das interações “entre dois”, plenos de trocas e (re)encontros nos usos sociais que as crianças fazem deles pelo movimento do corpo em digressão. (FERREIRA, 2011, p. 243).
A autora ainda argumenta que, olhar, escutar/falar e movimentar; essa trilogia
considerada por si ou nas suas combinações possíveis, qualquer que seja a área em
que se encontra cada criança permite a cada uma, ao ultrapassar as barreiras
físicas da onipresença, aceder e manter uma informação contínua e atualizada
acerca de quem e do que se passa na sala;
[...] trocar saberes e fazeres informalizados no grupo; estabelecer e atualizar consensos acerca do que lhe é exterior; proceder a relações de troca desiguais que alicerçam a ação das hierarquias no grupo; realizar ações multiplicadoras do espaço pela organização de jogos de relações
107
mutáveis entre uns e outros através da linguagem e do corpo (FERREIRA, 2011, p. 243).
Essa trilogia age como ponte que permite demarcar os processos da
integração social, individualmente ou alinhadas em diversos subgrupos no grupo de
pares, tornando-se comunidade. Estes espaços são constantemente usados e
ressignificados pelas crianças:
[...] Beatriz, João e Vagner estão perto do quadro apontando lápis, de repente Beatriz abraça carinhosamente o João (3/10/2013). [...] Lucas vai até a mesa onde estava sentada e pega o meu caderno de campo e leva para sua mesa; a professora pede o caderno do “Para Casa”, ele guarda o meu caderno debaixo da sua mesinha e leva seu caderno para a mesa da professora (3/10/2013). Bela¹ levanta e bate na mão do colega (3/10/2013). Carla, Elisa e Vera vão à minha mesa, a professora chama a atenção, elas retornam rapidamente aos seus lugares (3/10/2013).
Assim como as brincadeiras ocupam o ambiente da sala de aula, também as
conversas e o movimento do corpo aparecem a todo tempo, sendo autorizadas pela
professora ou não. Esse movimento do corpo, levantar da cadeira, mexer com o
outro, remexer na cadeira, foi constante nas atividades em sala de aula. Enquanto
realizavam as atividades as crianças criavam situações para interromper o que
faziam, quebravam a ponta do lápis para se levantarem da cadeira e irem até à
frente da sala, perto do quadro, onde ficava o cesto de lixo, local onde apontavam
lápis. Quando Beatriz levantou e foi apontar o lápis, o João e o Vagner também
foram. Percebi neste momento a vontade das crianças de imitar ou de repetir atos
que outras fazem. Estava atenta aos movimentos da criança, quando a Beatriz saiu
da cadeira para apontar o lápis, o João quebrou a ponta do seu lápis, saiu
rapidamente e se juntou a Beatriz. Lucas utilizou o meu caderno para sair do seu
lugar. Ele não gostava que outra criança desenhasse no meu caderno, só ele podia,
considero também essa hipótese, talvez tenha percebido que alguém fosse
desenhar naquele momento por isso resolveu guardá-lo na sua mesa. O movimento
e a imitação são características da criança nessa idade. É nesse movimento de
interação que a cultura infantil vai se constituindo, por isso é importante trabalhar
atividades lúdicas.
Outro evento que considero importante registrá-lo:
108
Durante a atividade de desenho, algumas crianças desenhavam conversando com os colegas do grupo, outras cantarolavam baixinho e João encheu sua mão de papéis picados e jogou em direção à sua coleguinha que, em seguida, apanha os papéis do chão e joga no João. A professora não percebeu o ocorrido (caderno de campo, 17/6/2013). As crianças do primeiro ano realizavam as atividades de Português – escrever o nome das figuras e depois escolher duas palavras e formar frases. Muitos alunos solicitavam ajuda para resolução dos exercícios. Eles estavam dispersos, inquietos, conversavam com os colegas, levantavam da cadeira, andavam pela sala. Um colega ajudava o outro (21/6/2013).
As conversas entre as crianças foram tão recorrentes quanto às brincadeiras.
Percebi que as conversas e a movimentação do corpo ocorriam mais durante a
realização das tarefas. As crianças gostavam de comentar sobre os desenhos que
faziam, pediam ao colega sugestão das cores que iriam utilizar, pediam para apontar
o lápis. Levantavam-se e mostravam para mim, queriam saber se o desenho estava
bonito. Embora a professora interrompesse essa ação das crianças, dificilmente o
silêncio reinava no ambiente da sala. É preciso que o adulto compreenda que as
crianças têm necessidade de falar e movimentar-se. Para tanto, é importante que as
atividades propostas pelos professores sejam dinâmicas e lúdicas. De acordo com
Brougère (2010), o lúdico rico em simbolismo possibilita a compreensão da cultura,
pois é no brincar que se incorporam os valores e significados da sociedade.
Proporcionar momentos de conversas também é importante para que a
criança tenha liberdade de falar e expor seu sentimento. Em vários estudos da
observação do cotidiano da criança no espaço escolar, a roda de conversa aparece
como uma atividade propícia para o diálogo. Não percebi durante a minha estadia na
escola, momento reservado para a conversa das crianças com as professoras e com
os colegas. A roda de conversa já citado em outro momento acontecia na educação
infantil, porém as crianças apenas relatavam o que faziam no fim de semana, às
vezes o colega participante da roda nem ouvia o relato do outro.
A atitude do João ao jogar papéis na colega teve como propósito demonstrar
sua irritação por algo que ela fez contra ele, não consegui ouvir o que conversavam.
Ela imediatamente revidou. Refletindo sobre o comportamento das crianças nessa
situação, vejo a importância de criar atividades que discutam os valores que são
necessários ao ser humano para o convívio social, por isso é fundamental que o
professor esteja atento às relações que as crianças estabelecem em seu espaço
coletivo.
109
Observando as situações, alguns questionamentos surgem: a interrupção da
conversa das crianças por parte da professora poderia ser de forma diferente?
Haveria a possibilidade de incorporar esse constante diálogo das crianças ao
planejamento escolar? Seria o tipo de organização do mobiliário pelo espaço físico
da sala de aula que favorecia tal situação? Ou as atividades não despertavam o
interesse das crianças?
Esses são questionamentos que as professoras devem apresentar a si
mesmas uma vez que é possível perceber a valorização do diálogo com as crianças
na sala de aula. Esse movimento da criança não é apenas motor, mas relacionado
com atividades de criatividade, questionamentos, atenção, memória e diversas
habilidades importantes para a vida das crianças.
Quando a atividade não envolve a criança, ela procura descontrair-se com o
colega:
Vários momentos as crianças demonstraram como é fácil transformar a realidade que não lhes é conveniente: conversa com o colega, faz careta para o mais próximo, mexe com o sapato do colega de grupo, elogia – seu sapato é bonito, abraça o colega do lado, brinca com o lápis, nesse movimento e brincadeira realizam a atividade de Matemática (caderno de campo, 4/7/2013).
É notável nestas situações como a criança procura distanciar-se do real,
dando uma série de modificações na realidade vivida, transformando o ambiente que
não está propício à sua comodidade. Segundo Iza e Mello (2008), um dos principais
problemas da educação infantil é a exacerbação da escolarização da criança que
reflete uma imposição de posturas e movimentos aos seus corpos, impedindo-as de
brincar, que é a atividade mais importante nessa faixa etária, pois, por meio da
brincadeira, a criança interage com seus coetâneos construindo valores essenciais à
vida do sujeito, aprende e desenvolve.
Realmente, quando a atividade é envolvente, a criança interage e a realiza de
forma tranquila:
As crianças estavam sentadas em círculo, a professora distribuiu um caderno de atividades para cada aluno, um dos materiais escolares doados pela Secretaria Municipal de Educação, a capa do caderno era de papel duro, vermelha e estava escrito “Educação Infantil”. Todas as crianças folheavam o caderno e comentavam com os colegas com expressão de contentamento. Permaneciam sentadas e exploravam o material recebido. Uma menina disse: “ah, o alfabeto” – a outra responde – “eu sei”... Muitas começaram a leitura do alfabeto, quase entoando uma canção. Outras duas
110
crianças davam nome às figuras de uma página do livro. Os pequeninos ficaram durante meia hora observando o material. E durante esse tempo ninguém levantou da cadeira, não houve nenhum desentendimento entre eles. Após o manuseio do material, a professora pediu para destacar as páginas 11 e 12. Foi pedido às crianças que destacassem as gravuras e, em seguida, as recortassem. No final, as crianças coloriram as figuras e montaram um quebra-cabeça. Depois de pronta a atividade, apareceu um grupo de crianças brincando de roda na praça de uma cidade. As crianças montaram dois quebra-cabeças; os quais representavam obras de Danira Mota Silva e Portinari. As crianças ficaram encantadas e envolvidas no trabalho (caderno de campo, 13/8/2013).
Essa atividade proporcionou às crianças um envolvimento profícuo, de
saberes, de solidariedade, de respeito ao outro e de conhecimentos. A colaboração
das crianças foi visível, pois aquele que foi mais lento ao recortar ou colorir as
gravuras era auxiliado por aquele que já havia terminado o seu trabalho. Também
houve envolvimento da professora e da pesquisadora (a pedido da professora).
Porém, a professora poderia ter explorado a atividade, aproveitando o interesse das
crianças.
6.2 Interação crianças e adultos
Este tópico apresenta alguns tipos de procedimento da relação entre as
professoras da educação infantil e do primeiro ano com as crianças no espaço
escolar eleito para pesquisa.
Olhar para as práticas educativas consiste em repensar o modelo de
educação para as crianças até seis anos de idade e analisar os estudos de uma
pedagogia centrada nessas duas etapas. Dessa forma, possibilita a constituição de
um espaço de respeito às especificidades das crianças, de escuta, de valorização da
cultura infantil, e garantia do direito de ser criança. Esse direito já conquistado nas
legislações precisa ser efetivado na prática, pois a realidade brasileira ainda é
marcada por um divórcio entre a legislação e a implementação desta.
De acordo com o Currículo da Educação Infantil, a instituição de ensino deve
ser um espaço de cuidados educacionais com crianças nos seus primeiros anos de
vida, sendo esta a etapa da vida em que a criança inicia a interação com um mundo
diferente do que convivia, que é a família.
Para Kramer (2001, p. 14), “currículo é uma obra que está a meio caminho
entre o texto puramente teórico e o manual de atividades, configurando-se como
instrumento de apoio à organização da ação escolar e, sobretudo à atuação dos
111
professores.” A escola, ao planejar as suas ações, deve levar em conta a criança
como sujeito social e histórico e que o espaço possibilite a integração entre os
diferentes aspectos do desenvolvimento humano. Com base nas novas Diretrizes
curriculares Nacionais para a Educação Infantil- DCNEI's, o artigo sétimo traduz:
Art. 7º Na observância destas Diretrizes, a proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve garantir que elas cumpram plenamente sua função sociopolítica e pedagógica: I – oferecendo condições e recursos para que as crianças usufruam seus direitos civis, humanos e sociais; II – assumindo a responsabilidade de compartilhar e complementar a educação e cuidado das crianças com as famílias; III – possibilitando tanto a convivência entre crianças e entre adultos e crianças quanto a ampliação de saberes e conhecimentos de diferentes naturezas; IV – promovendo a igualdade de oportunidades educacionais entre as crianças de diferentes classes sociais no que se refere ao acesso a bens culturais e às possibilidades de vivência da infância; V – construindo novas formas de sociabilidade e de subjetividade comprometidas com a ludicidade, a democracia, a sustentabilidade do planeta e com o rompimento de relações de dominação etária, socioeconômica, étnico-racial, de gênero, regional, linguística e religiosa (BRASIL, 2009).
Nos estudos de Nascimento sobre o currículo, o autor esclarece:
[...] o currículo não pode ser vivido como uma listagem de objetivos e conteúdos a serem atingidos. O currículo é algo vivo e dinâmico. Ele está relacionado a todas as ações que envolvem a criança no seu dia a dia dentro das instituições de ensino, não só quando nós professores consideramos que as crianças estão aprendendo. O currículo deve prever espaço de interações entre as crianças sem a mediação direta do professor, e espaços de aprendizagem na interação com os adultos, nos quais as crianças sejam as protagonistas. (NASCIMENTO, 2007, p. 16)
No entanto, quando se pensa em currículo da educação infantil, deve-se
pensar no que realmente interessa à criança para que ela aprenda. Observar
também que a construção do currículo deve passar pela questão que norteia as
escolhas vinculadas à proposta pedagógica.
Nascimento mostra-nos como as interações entre as crianças devem ocorrer
no espaço coletivo, com ou sem a mediação direta do professor. Vale ressaltar a
importância de planejar ações pedagógicas contemplando esses momentos de
interações, deixar a concepção de que a criança só aprende na interação com o
adulto. Procurei fazer tais observações sobre o currículo para apontar a importância
de haver um planejamento com esse propósito. Durante a minha trajetória na
112
educação, a proposta pedagógica sempre teve preocupação com o momento de
aprendizagem da criança mediada pelo adulto. Também no espaço investigado
percebi a valorização da aprendizagem das crianças somente quando o adulto está
em interação com elas. Vejo que ainda existe uma forte concepção de que as
crianças se desenvolvem apenas com assessoramento nas suas necessidades
básicas.
Retomando o objetivo proposto, que é a interação das professoras com as
crianças, a fala da professora mostra a importância da interação das crianças no
cotidiano escolar:
Um momento importante né, sem interação não tem bom desenvolvimento, a criança, que ela seja uma criança... tem que trabalhar nela a concentração, o momento de estar junto, se relacionar bem com o outro [...] tanto com o outro ... só, assim, que ela vai conseguir se desenvolver como um cidadão. [...] A questão até mesmo do espaço físico da escola em si, é um espaço muito grande, onde a gente tem certo receio, às vezes, de deixar as crianças terem algum outro tipo de contato. [...] (entrevista realizada com a professora da educação infantil, 18/11/2013).
De acordo com a professora, o espaço físico da escola não propicia realizar
um trabalho mais interativo entre/ou com as crianças. De acordo com o argumento
da professora, surgem alguns questionamentos: o que se entende por interação?
Como planejar as atividades em sala de aula que propicie uma convivência em
grupo? Se o espaço físico é grande, por que não promover um encontro dos
pequeninos da educação infantil com os do primeiro ano, orientado pelos
professores? Por que não criar espaços para que as crianças de 5 e 6 anos possam
interagir sem a mediação das professoras? São questões pertinentes que devem
arrolar no momento de planejamento da escola.
Iza e Mello (2008, p. 287) asseguram que as ações estabelecidas pelo adulto
nas relações com a criança podem ser entendidas como “mediações”. Para melhor
esclarecimento dessas mediações, as autoras citam Mello:
O Homem apropria-se de conhecimentos pela via das mediações, as quais podem ser infinitas. Essas mediações modificam-se à medida que o indivíduo se desenvolve e cria novas necessidades para si [...]. Durante a sua vida, o homem assimila as experiências produzidas socialmente por intermédio da aquisição de significados. A significação exerce, assim, a função de mediadora na assimilação da experiência humana pelo homem. A apropriação destes significados dependerá do sentido subjetivo que cada indivíduo imprime a eles, sentido esse que se cria na vida e na atividade social desse indivíduo. (MELLO, 2001 apud IZA; MELLO, 2008, p. 25-26).
113
Dessa forma, a criança apreende o mundo por meio das mediações dos
adultos, dos objetos e das outras crianças, nesse processo, os movimentos que
executa nas atividades são cruciais para o seu desenvolvimento (IZA; MELLO,
2008). Assim, é fundamental que a professora disponibilize diversos materiais para a
criança, possibilitando interações com outras crianças e esteja atenta aos
movimentos, não basta ofertar oportunidades, pois a criança adquire inúmeros
conhecimentos explorando o ambiente e os objetos que a cercam.
6.3 “Eu gosto de brincar” (criança entrevistada no “Grupo Focal”) (A brincadeira proporciona socialização e aprendizagem)
Esta pesquisa procurou conhecer os modos como as crianças, sujeitos do
trabalho, procuram fazer do espaço sala de aula um local de momento prazeroso, de
criar brinquedos, inventar brincadeiras com os grupos de pares ou individualmente.
Para Ferreira (2004), as crianças, durante as ações, “introduzem inovações
quer nas regras, quer nas sequências, atualizando-as”, isto é, dando outros
significados em face de novos contextos e na relação com outros indivíduos. Enfim,
a criança ao ressignificar cria e recria sua própria cultura. Coutinho afirma que:
[...] o faz de conta possibilita que se viva tudo em qualquer tempo, talvez por isso que os adultos não sejam mais tão crianças a ponto de saber tudo [...] pois secundarizam a fantasia em detrimento de uma lógica capitalista, [...] perdendo cada vez mais cedo o seu espaço de vivência. (COUTINHO, 2002, p. 13).
Também para Vigotski (1995), “a brincadeira infantil deve ter seu lugar
garantido no cotidiano...” e, para isso é preciso que a escola organize seu espaço
dando prioridade ao lúdico, liberdade para as crianças agirem, podendo modificá-lo.
No espaço pesquisado, as brincadeiras, os jogos, os brinquedos aconteceram
tanto na educação infantil quanto no primeiro ano do ensino fundamental, mas
considero tímidos os momentos lúdicos apresentados. Porém, as crianças
brincavam durante as atividades realizadas em sala de aula. Nesse caso, quando se
considera o lúdico, há possibilidade de maior interação das crianças com o que é
proposto em sala de aula.
Constatei na pesquisa que as professoras ainda não consideram as
brincadeiras e os jogos como recurso metodológico que possam contribuir para a
forma de ensinar. Dessa forma, o ambiente torna-se agradável e prazeroso e as
114
crianças não ficam dispersas. Na turma do primeiro ano, as crianças querem falar
todas ao mesmo tempo, gritam e gesticulam. Por que não trabalhar com os jogos?
Pois os jogos, utilizados como ferramentas estimuladoras da aprendizagem podem
contribuir para acabar com a indisciplina na escola e despertar o interesse nas
crianças pelo estudo. Outro evento em sala de aula que corresponde à brincadeira
no momento de atividades propostas pela professora:
Lucas brincava com o carrinho (pequeno) e uma chave de mecânico (também pequena), utilizando sua própria mesinha. Fazia barulho de carro em movimento com a boca, e não dava atenção o que estava acontecendo à sua volta. Procurei olhar a sua atividade, que estava em cima da mesa, ele já havia terminado (caderno de pesquisa, 25/6/2013). Duas meninas brincavam de maquiagem, usando o lápis de cor. Pintava o rosto da outra com muita delicadeza (caderno de campo, 25/6/2013).
Nesse dia, Lucas estava assentado com três colegas, duas meninas e o
Manoel. A sala de aula estava organizada em cinco grupos, o grupo era formado por
quatro mesinhas juntas. Dessa forma, duas crianças ficavam frente a frente e as
outras duas paralelamente. Lucas fez sua atividade rapidamente e começou a
brincar com os instrumentos citados acima, sem interagir com os colegas. Envolveu-
se com os objetos e o que se passava muito próximo dele não o interessava nem o
incomodava. Só não gostava quando o colega ameaçava pegar em um dos seus
objetos, reagia rapidamente, beliscava ou chutava o colega. Se ninguém tocasse em
seus objetos, ficaria tranquilo brincando sem incomodar os colegas. Ele sempre
preferiu brincar com os objetos individualmente. Enquanto tinha objetos em mãos,
Lucas não saía do lugar nem remexia muito na cadeira. Para ele, a mesinha era seu
espaço para dar vida aos seus instrumentos. Lucas não gostava muito de conversar
com seus colegas. Gostava de ficar perto de mim para desenhar no meu caderno de
anotações. No momento da brincadeira, para Lucas pouco interessava se a
professora iria vê-lo brincando com seus objetos ou não. Essa afirmação é coerente
com a minha observação, nesse dia a professora não percebeu a brincadeira do
Lucas, porém em diversas outras situações ele foi descoberto pela professora
durante as suas invenções de transformar seus objetos em brinquedos, e a
professora sempre chamava a sua atenção, principalmente quando se aproximava
de mim para participar de suas brincadeiras. Ele ficava calado por algum tempo,
115
mas não abandonava a sua arte de transformar seus objetos em brinquedos e com
eles criar seu próprio mundo.
As crianças criam situações que permitem transformar o espaço quando este
não lhe convém em momentos de descontração e de interação com o grupo. É com
esse comportamento que a criança atinge aquela liberdade preconizada por
Benjamin como fruto da brincadeira. Liberdade de transformar objetos naquilo que
convencionalmente não o são.
De acordo com Kramer, as crianças:
[...] em sua tentativa de descobrir e conhecer o mundo, atuam sobre os objetos e os libertam de sua obrigação de ser úteis. Na ação infantil, vai se expressando, assim, uma experiência cultural na qual ela atribui significados diversos às coisas, fatos e artefatos. Como um colecionador, a criança busca, perde e encontra, separa os objetos e seus contextos, vai juntando figurinhas, chapinhas, ponteiras, pedaços de lápis, borrachas antigas, pedaços de brinquedos, lembranças, presentes, fotografias. (KRAMER, 2006b, p. 16).
A assertiva de Kramer vem reafirmar os momentos de brincadeiras das
crianças protagonistas desta pesquisa, elas procuram descobrir e conhecer o mundo
explorando os objetos que estão ao seu alcance. Para as crianças, os objetos têm
diversos significados, os quais os transformam de acordo com a sua imaginação e
ao mesmo tempo vão construindo suas culturas. Não tem hora marcada nem
momento adequado. Durante a saída da sala de aula também presenciei vários
momentos em que as crianças pararam na fila porque encontraram algo no chão;
um dia elas encontraram uma formiguinha no chão e foi motivo para reunir os
colegas e criarem suas histórias. Procurei estar atenta à rotina da sala de aula e
participar das ações e brincadeiras das crianças, não só na sala de aula como na
hora do recreio e outros eventos que aconteceram no espaço escolar.
Essa forma de participar do cotidiano da infância nos possibilita conhecer
como as crianças constroem seu mundo por meio da brincadeira.
Durante a atividade, uma menina brinca com sua boneca “Barbie”, mexe várias vezes no cabelo da boneca, depois fala para a colega do lado que tem muitos bichinhos de pelúcia. Ela participa da aula brincando com o cabelo da Barbie (caderno de campo, 19/9/2013).
Contudo, ressalto que as crianças, ainda que contidas, conversam, fazem
comentários com o colega, brincam. São ações que ocorrem entre colegas do
116
mesmo grupo ou mesmo um pouco distante. As crianças são surpreendentes e têm
a capacidade de transformar a realidade vivida perspicazmente. O que encontra pela
frente, seja um objeto ou um bichinho, é motivo para a sua imaginação transformar o
ambiente. Talvez seja porque o ambiente era desagradável ou como disse
anteriormente, o brincar para a criança é primordial e não tem momento para
acontecer.
6.4 Análise dos dados das entrevistas “Grupo Focal”
Foto 7– Sala da Biblioteca
Fonte: A autora
A entrevista com as crianças da Educação Infantil e do primeiro ocorreu no
final do mês de abril de 2014, porém em dias diferentes, pois houve imprevisto na
escola e as aulas terminaram mais cedo não permitindo a entrevista com as crianças
do primeiro ano. Quando se realizou a entrevista, as crianças da educação infantil já
estavam no primeiro ano e as crianças pesquisadas do primeiro ano estavam no
segundo ano.
As transcrições das entrevistas seguiram alguns critérios para registro dos
gestos, tom de voz, alegria e movimento das crianças durante a fala:
* (C) indica movimento enquanto fala;
* (^) o acento circunflexo indica tom de voz mais alto;
* (R) para risos;
* (L) essa letra para marcar os gestos durante a fala;
*(P) indica alegria;
* [...] para indicar interrupção da fala.
117
No primeiro momento, entrevistei as crianças da Educação Infantil, conforme
explicitado em capítulo anterior. Nesse encontro com o grupo de oito crianças,
sendo seis meninas e dois meninos, procurei captar dois campos de significados a
saber: o conhecimento da ação no ambiente interno da escola (o que as crianças
fazem e como fazem) e a valorização dessas ações (o que as crianças gostam de
fazer e o que não gostam) e se foram comunicadas sobre o processo de transição
para o primeiro ano. No segundo momento, a conversa aconteceu com sete
crianças do primeiro ano do ensino fundamental, sendo quatro meninas e três
meninos, seguindo a mesma esfera de significado. Estavam selecionadas oito
crianças, mas uma criança do grupo escolhido não estava presente na escola no dia
da entrevista. Procurei delinear as questões para as entrevistas com vistas nas
interações das crianças com o espaço escolar, com seus coetâneos, com a
professora e com o lúdico e sobre o processo de transição. Ao transpor essas
reflexões para o tema da pesquisa, procurei buscar a compreensão dos sentidos
que as práticas pedagógicas assumem para o grupo de crianças.
Procurei seguir um roteiro de perguntas privilegiando a interação:
a) na escola:
O que vocês mais gostam de fazer na escola?
O que vocês gostariam que a escola oferecesse?
Vocês gostam de estudar nesta escola?
b) das crianças com seus coetâneos:
Que atividades vocês fazem com seus colegas na escola?
O que vocês mais gostam de fazer? Por quê?
O que vocês não gostam de fazer? Por quê?
c) das crianças com a professora?
O que vocês fazem junto com a professora?
Vocês gostam? Por quê?
Vocês não gostam? Por quê?
d) no lúdico:
Com que vocês mais gostam de brincar?
118
Qual a brincadeira de que mais gostam?
Em que turma vocês brincavam mais? Na Educação Infantil ou no Primeiro
Ano?
e) no processo de transição para o primeiro ano:
*A professora falou para vocês sobre o primeiro ano?
*O que gostaram na sala do primeiro ano?
Conhecer a escola por meio dos olhos da criança é desafiador e exige uma
dose de sensibilidade para compreender as relações sociais que se estabelecem
entre crianças e adultos com o meio em que se encontram. Procurei analisar os
dados obtidos nas entrevistas em consonância com a Sociologia da Infância, que
apresenta a criança na sua especificidade e na sua capacidade de produtora de
cultura. Nesse sentido, Sarmento afirma que as crianças:
[...] são competentes e têm a capacidade de formularem interpretações da sociedade, dos outros e de si próprias, da natureza, dos pensamentos e dos sentimentos, de o fazerem de modo distinto e de usarem para lidar com tudo que as rodeia (SARMENTO, 2005, p.373).
Na perspectiva sociológica, apresenta-se a escola pesquisada sob o olhar da
criança subdivididos em cinco eixos para análise dos dados. No primeiro item,
interação com a escola, retrata-se a visão geral que as crianças têm do ambiente de
convívio coletivo. O segundo item apresenta a interação com seus grupos de pares.
Já, o terceiro, evidencia a relação da criança com a professora. O quarto eixo
registra a análise do lúdico e a criança. E o quinto apresenta o processo de transição
do ponto de vista da criança. Para atender aos objetivos propostos neste estudo,
optei pela seleção desses itens, que também facilitou a compreensão da complexa
realidade que constitui o universo de significados do mundo infantil.
a) Como é a interação com a escola...
Na interação das crianças com a escola, percebe-se que o espaço interno da
instituição está permeado pelas interações dos grupos de pares, com a professora e
todos que efetivamente participam do processo coletivo no ambiente. As falas das
crianças fazem referências à escola, ao relacionamento global da instituição, ao
119
processo de transição. A brincadeira foi o centro da conversa, como mostram as
falas das crianças:
Princesa Tinkbel: A escola é muito legal. Tem muitas professoras, tem muitos amigos. Tem muitos colegas. Tem muitas pessoas para brincar (EF). Princesa Alice: A escola é boa. A gente aprende muitas histórias. A gente brinca. É muito legal (EF). Branca de Neve: Eu gosto muito da escola, por causa que ... a escola, ela é boa, a gente aprende novas histórias e também é muito bom estudar. Igual um dia a gente fez uma história, aí a professora contou uma história do pé ... negócio de muleta ... a gente fez, a gente aí ... é muito bom. Eu cheguei em casa. Minha mãe falou: Nossa, “...”, que bonequinho mais bonito! Eu falei: foi a nossa turma que fez ... não é só por causa que eu montei que não foi a nossa turma que fez, [...] foi a nossa turma sim , por causa que é muito legal a gente tá junto, a gente amontou junto, a gente fez um grupo, cada grupo tinha ... hum, o grupo era de quatro pessoas e aí quando essas pessoas faziam o Zé Muleta, o nome do bonequinho era Zé Muleta. Eu tenho lá em casa até hoje (EF).
As conversas com as crianças do primeiro ano dizem que elas gostam da
escola. Para as crianças, a escola é um espaço de socialização, de aprendizagem e
de conquistar amigos. De acordo com a fala da “Branca de Neve”, a convivência na
escola proporciona nas crianças encontros. Observa-se também o reconhecimento e
a valorização do trabalho em grupo; demonstram o respeito em relação ao outro.
Esse recorte da entrevista remete-me a assertiva de Corsaro (2011, p. 165) “[...] ao
proteger seus espaços interativos, as crianças acabam percebendo que podem
gerenciar suas próprias atividades”.
Para as crianças da EI, a escola também é um ambiente de socialização, de
brincadeira e de aprendizagem. Como apresenta a fala das crianças:
Cinderela
1: - Eu gosto da escola. Eu gosto de estudar. Eu gosto de todo
mundo (EI). Cinderela
2: - Adoro a escola. Porque a escola é legal (EI).
Ainda poderíamos observar que a instituição escolar e as interações e
aprendizagens que ocorrem têm um lugar e um espaço significativo na vida das
crianças. Por meio da interação, a criança formará sua identidade pessoal e social,
sendo, assim, a escola deve proporcionar um ambiente que privilegie uma interação
mais ampla entre a educação infantil e as turmas do primeiro ano. Para ampliar o
discurso de que a interação da criança contribui para sua identidade, busco Fazolo:
120
[...] nos processos de socialização infantil, a inserção das crianças no mundo social ocorre por meio da construção de uma identidade, isto é, cada criança se insere no mundo ao mesmo tempo em que constrói uma identidade própria, que permitirá essa inserção. Essa identidade é individual, exatamente porque está carregada de certo grau de autonomia em relação ao mundo social, mas ao mesmo tempo só pode ser construída quando inserida nesse mundo. (FAZOLO, 2011, p. 188).
Nesse diálogo, as crianças expuseram o que a escola tem e o que gostariam
de encontrar nela.
Princesa Alice: Não, não tem muita gente, não tem muitos brinquedos. Não tem boneca, não tem panelinha...(EI). Princesa Yasmin: Não, tem poucos brinquedos. Eu gosto de brincar com a minha vizinha (EI).
Perspicazmente, as crianças evocam o brincar para responder como é a
escola, o que denota a valorização do lúdico. Disseram que na escola poderia haver:
Bela
1:9 Pula-pula (^) (R) balanço [...]
Ben 10: Escorregador (R). Homem Aranha: Brinquedos, (R) Família.
Observa-se que as crianças gostam da escola, apesar de sentirem falta de
um espaço recreativo. A voz das crianças vem comprovar os depoimentos dos
profissionais da escola em relação à falta de um espaço recreativo. Pela fala do
Homem Aranha, a família não é muito presente na escola. Essa resposta da criança
foi interessante, lembrando que, no momento da entrevista, a família não foi
mencionada, por isso achei surpreendente essa colocação. No momento da
conversa, não percebi o ocorrido, o que seria interessante e de grande valia para o
trabalho que a criança externasse o porquê da cogitação da família no espaço
escolar. Essa resposta dá margem a algumas reflexões como: ela pode sentir falta
da família na escola; já ouviu a professora e outros profissionais comentarem a
ausência da família no ambiente institucional; ou a criança sente a ausência da mãe
em sua vida enquanto está na escola, carência afetiva. Também nos leva a revisitar
a conversa com a equipe pedagógica da escola que relatou a respeito do
acompanhamento familiar na vida das crianças: o grupo familiar não é participativo
nas ações escolares.
9 A escrita de Bela¹ e Bela² pelo mesmo motivo anterior.
121
Finalizando, o eixo da interação das crianças com o espaço escolar, na
tentativa de conhecer as relações sociais que as crianças estabelecem com este
ambiente, focar essas relações como meio de perceber os estilos de vida, os
referentes simbólicos, os valores e principalmente seus modos de apreender o
mundo tem nos auxiliado na compreensão de que as crianças possuem um nível de
protagonismo muito mais incidente do que historicamente vinha sendo admitido.
Atualmente, a categoria infantil é tratada como um grupo geracional, social e
produtora de cultura, conforme mencionado ao longo desta dissertação. Os
pesquisadores têm nos levado a compreender a infância a partir do ponto de vista
das próprias crianças, os quais têm investigado o interior das instituições de ensino.
Busca-se nesse momento dialogar com Freire (1979), pois o autor defende a
possibilidade de um espaço educativo voltado para o diálogo competente, sério e
que a alegria esteja presente. Para Freire, a instituição educacional “jamais deve
castrar a altivez do educando, sua capacidade de opor-se e impor-lhe um quietismo
negador do seu ser”. Ainda com Freire, no sentido de acrescentar que “não importa
que faixa etária trabalhe o educador ou a educadora”. Nesse sentido, a educação é
um processo de formação de pessoas, não importa a faixa etária, e, ao se tratar das
crianças, a configuração do espaço escolar pode incitar ou inibir as interações.
Oliveira destaca a importância do Parecer CNE/CEB nº 011/10 que a criança
deve ser consultada pelos pais e pela escola:
[...] dentro das condições próprias da idade, mesmo as crianças menores poderão manifestar-se, por exemplo, sobre o que gostam e não gostam na escola e também a respeito da escola com que sonham e que é a participação da comunidade que pode dar vez e voz às crianças. (OLIVEIRA, 2012, p. 118).
Essa assertiva vem confirmar o trabalho em pauta, ao entrevistar as crianças
elas puderam falar sobre a escola em que estudam e apresentar várias sugestões,
as quais poderão contribuir para aprimorar o ambiente interno da instituição,
tornando-a mais condizente com os anseios delas. O papel do espaço onde se dão
as interações mais significativas e que, muitas vezes, não é levado em consideração
na escola do ensino fundamental, ou seja, não aparece como uma preocupação
central. A valorização dos espaços recreativos facilita a interação das crianças.
122
A possibilidade de uma prática educativa sustentada pelo diálogo com as
crianças, permitindo a interferência delas na criação/recriação do espaço pode criar
pontes entre o brincar e o aprender.
b) Interação das crianças com seus coetâneos
A infância faz parte da sociedade (CORSARO, 1997, p.5). Nessa perspectiva,
a criança é construtora de sua cultura, assim, o relacionamento com seus pares é
primordial para o seu desenvolvimento.
Nas entrevistas realizadas, solicitou-se às crianças a fala sobre a interação
entre seus coetâneos no espaço coletivo, seja na sala de aula, seja fora dela. Além
de responderem às questões formuladas, as crianças falaram espontaneamente
sobre o relacionamento com os colegas. As meninas evidenciaram um bom
relacionamento entre elas, porém fizeram algumas concessões a respeito da relação
com os meninos. Elas disseram que os meninos são “chatos”. A seguir, falas das
crianças:
Bela2: Eu gosto de todo mundo (C). Eu não gosto (^) dos meninos (R). (EI)
Cinderela
2: - Não (^) (L), porque eles são chatos. Eles bate [...] Fica batendo
na gente (C). (EI). Princesa Tinkbel: - Gosto de brincar com Princesa Yasmim, princesa Alice e Branca de Neve (C), (L), (P). (EF).
Percebe-se certa preferência para relacionar entre as próprias meninas,
porém na interação do grupo de entrevistas, na EI, os dois meninos que participaram
da conversa ouviram o comentário das meninas e não se manifestaram. Durante a
entrevista, eles interagiram com as meninas sem conflitos, porém os meninos do
primeiro ano ficaram distantes das meninas, não quiseram participar da conversa em
grupo. Os três meninos ficaram brincando no canto da sala. Tentei aproximá-los do
grupo, mas preferiram ficar distantes das meninas. Pude observar durante a
entrevista que, apesar de uma distância das meninas, eles brincavam (os três) de
roda, davam cambalhotas e falavam o tempo todo, não participavam nem
interessavam pelo relato das meninas quando os chamavam de “chatos”,
“briguentos” e que gostavam de bater nelas. Eles estavam envolvidos na brincadeira
que não prestavam atenção no que acontecia à volta deles ou não queriam se
123
manifestar. Nesse momento, pensei em manifestar-me solicitando a presença deles
junto das meninas ou interrogá-los sobre o que eles achavam das meninas
chamarem de “chatos”, porém estavam contentes e envolvidos na brincadeira. Por
isso procurei não interromper o momento deles. Esse momento a escola pode
pensar na questão de gênero que está presente no espaço da instituição.
Nesse momento, Corsino (2006, p.10) focada em Vigotski, traz contribuição
para a interação entre as crianças e seus pares no espaço escolar, “quanto maior a
diversidade de parceiros e experiências, potencialmente mais enriquecidos torna-se
o desenvolvimento infantil.” Pela observação das crianças no trabalho em campo e
pela entrevista, pude perceber que a interação entre meninas e meninos é tímida,
elas preferem ficar longe a envolver os meninos em suas ações. De acordo com
Corsino (2006), os “Parâmetros de Qualidade para a Educação Infantil”, os quais
enfatizam a interação das crianças, expostas “a uma gama ampliada de
possibilidades interativas têm seu universo pessoal de significados ampliados”, para
isso é preciso encontrar um contexto coletivo de boa qualidade, aberto de
oportunidades interativas.
Ao indagarem as crianças sobre o que gostam de fazer com seus colegas,
responderam que gostam de brincar, cantar e conversar. Enquanto respondiam às
perguntas, as crianças riam, mexiam no cabelo da colega, faziam carinho e, às
vezes, discordavam da fala da outra. No grupo de 10 meninas, incluo as duas
turmas pesquisadas, somente uma delas (a Princesa Tinkbel, do primeiro ano) disse
que gosta de todos os colegas da escola, não excluiu os meninos da sua vida
cotidiana no espaço escolar. É importante registrar que os meninos não
pronunciaram nenhuma palavra que excluísse as meninas. Quanto o que não
gostam de fazer com os seus pares, não responderam.
c) Interação das crianças com a professora
Princesa Tinkbel: Eu gosto (^) muito da professora (R).
Na interação das crianças com as professoras, a fala da “Tinkbel” resume o
que todas as crianças entrevistadas ressaltaram, o amor pelas professoras.
Somente uma menina respondeu que a professora do primeiro ano era chata,
124
porque só mandava fazer dever. Sobre o que gostam de fazer com as professoras,
todas disseram que faziam atividades, ouviam e contavam histórias.
As crianças do primeiro ano demonstraram afetividade pelas professoras.
d) Interação nas brincadeiras
Moura ajuda na análise da interação das crianças por meio da brincadeira
proposta neste item:
A brincadeira é uma manifestação singular da constituição infantil. Uma experiência criativa que favorece a descoberta do eu e dos outros, através do recriar e do repensar sobre os acontecimentos naturais e sociais. Não é apenas reprodução de vivências, mas um processo de apropriação, ressignificação e reelaboração da cultura pela criança. É uma forma de ação social que produz uma cultura infantil e que é, ao mesmo tempo, produzida por uma cultura mais ampla. (MOURA, 2006, p. 56).
Dessa forma, a brincadeira é a fonte para o desenvolvimento da criança.
Onde há criança há brincadeira. O brincar surgiu como unanimidade quando se
referiram ao que fazem junto com seus colegas na escola. Os dois grupos
entrevistados já entraram, na sala autorizada para a conversa, brincando,
conversando com o colega e em intenso movimento. Os depoimentos fizeram
referência especial à brincadeira, conforme registrado anteriormente nos eixos.
Todas as crianças evidenciaram o brincar ao falarem sobre o que fazem com
os colegas de modo geral, porém não relacionaram atividades lúdicas quando se
referiram ao espaço da sala de aula. Na EI, as oito crianças disseram que a sala de
aula é para fazer “dever”. Percebi uma contundência ao referir-se a este aspecto,
como mostra a fala:
Ben 10: Dever (^) Dever ... Dever... (L). Não gosto (balança a cabeça).
Em seu enunciado, Ben 10 demonstra insatisfação em relação à atividade
aplicada em sala de aula. Por isso é importante a escola procurar ouvir e valorizar as
vozes das crianças para entender o sentimento que os pequeninos expressam no
cotidiano, no envolvimento com seu grupo de pares, sendo, assim, incorporar no
planejamento ações que possam envolver meninos e meninas de forma prazerosa e
de convivência harmônica. Rocha, Ferreira e Neves alertam sobre as:
125
[...] evidências quanto às funções sociais que as instituições educativas passam a desempenhar na sociedade contemporânea [...] por configurarem-se como lugar onde as crianças possam compartilhar um espaço coletivo de relações múltiplas
10. (ROCHA; FERREIRA; NEVES,
2002, p.9).
Fiz opção por apresentar separadamente a interação das crianças com seus
coetâneos e com o lúdico, pois durante a entrevista as questões foram separadas.
Durante as entrevistas, as crianças da educação infantil interagiram com todas do
grupo, houve participação dos meninos e das meninas.
e) Sobre o processo de transição da educação infantil para o primeiro ano
As crianças da educação infantil disseram que não foram preparadas para o
ingresso no primeiro ano. As meninas mostraram certo grau de insatisfação, pois
queriam estar na educação infantil por dois motivos: primeiro, sentiam saudades da
professora e dos colegas com os quais estavam acostumados a conviver durante
dois anos; segundo, no primeiro ano tem muito dever. O que mais despertou
interesse foi a aula de Educação Física, onde elas podem brincar, correr, pular e
conversar com os colegas.
Já, as crianças do primeiro ano disseram que elas sabiam que estariam no
primeiro ano porque a escola fez a festa de formatura no final do ano. A fala da
Branca de Neve:
Branca de Neve: (R) A festinha de formatura foi linda. Minha mãe adorou e
até hoje a gente comenta.
Podemos perceber que o evento realizado nas escolas para finalizar a
educação infantil exerce certo grau de afirmação para a criança no sentido de
entender que terminou a educação infantil e de que irá iniciar outra etapa da
educação.
Ao ouvir as crianças falarem sobre essa mudança, percebi insatisfação,
tristeza e certo desconforto. Por isso é importante a articulação entre as duas
modalidades de ensino. Também a forma de respeitar o direito da criança e de
considerá-la sujeito participativo da sociedade. Quando respeitamos e consideramos
10
De acordo com Rocha (2002), as relações físicas, sociais e culturais.
126
a criança ator da sua vida não omitimos o que por direito diz respeito a ela. Esse
momento é crucial e importante para a criança.
Considero as transformações negativas que ocorrem nas primeiras séries do
Ensino Fundamental consequências desse processo de transição. Elas caem no
primeiro ano e se deparam com ações pedagógicas diferentes do que estavam
acostumadas na modalidade da educação infantil. Mesmo que continuem a estudar
na escola em que fizeram a educação infantil, é importante a preparação das
crianças para o novo momento da sua vida escolar.
Essa entrevista “Grupo Focal” com as crianças contribuiu para compreender
as relações que são estabelecidas entre seus grupos de pares, com o espaço e com
o adulto. Para as crianças, a brincadeira é crucial e elas têm facilidade para
modificar o que não gostam, de forma lúdica. Apesar de conviver em um espaço que
não oferece muita condição de brinquedos fora da sala de aula, elas conseguem
revolucionar o ambiente criando situações de interação com o colega, de sorrir e de
brincar. A folha de papel em branco vira uma linda história de princesa, os destroços
que encontram transformam-se em brinquedos.
Na relação com as professoras, percebi uma fragilidade durante esse diálogo,
afirmaram que gostam das professoras, todavia não quiseram falar muito quando
foram interrogados sobre o que gostavam de fazer junto delas. Responderam sem
argumentos mais profundos, como foram com os outros eixos dessa conversa.
No processo de transição, não houve preparação das crianças para o primeiro
ano. Pelo diálogo com as crianças, pude perceber certa dificuldade de adaptação no
primeiro ano e aponto a falta de articulação da escola como causa.
Concluo que essa técnica possibilitou um espaço democrático em que as
crianças puderam falar sobre a escola onde convivem. Elas se sentiram confortáveis
e livres para expor o que sentiam. Ressalto que esse instrumento de pesquisa deve
ser utilizado com crianças, pois dá abertura para elas expressarem seus
conhecimentos.
127
7 INFÂNCIA, CRIANÇA – O QUE PENSAM OS PROFISSIONAIS DA ESCOLA (DIRETORA, PEDAGOGO E PROFESSORA)
Este capítulo registra as entrevistas realizadas com a Diretora do
estabelecimento de ensino pesquisado, a Pedagoga e a professora da turma das
crianças de 5 anos e 6 anos, ou seja, da última etapa da educação infantil e do
primeiro ano. As entrevistas com a diretora e a pedagoga ocorreram no mesmo dia,
porém em horários diferentes, na sala da direção. Já, com a professora, ocorreu no
dia 18 de novembro de 2013, no final da aula, pois ela não tinha disponibilidade de
horário.
Flick pontua que a entrevista “não se trata de uma simples conversa, mas
uma conversa orientada para um objetivo definido; recolher, por meio do
interrogatório informante, dados para a pesquisa”. (FLICK, 2008, p. 21). Como
afirma o autor, a “conversa orientada” com os profissionais da escola trouxe
informações importantes para o presente trabalho. Segundo Bujes (2005), ao
selecionar a escolha dos entrevistados, o olhar deve direcionar para os discursos
como um campo que produz significados. Dessa forma, o olhar foi direcionado para
a interação das crianças com o espaço coletivo, focando a importância do lúdico na
passagem da EI para o EF e a transição das crianças da EI para o EF.
A organização das entrevistas deu-se, primeiramente, por meio de uma
conversa com os profissionais escolhidos, explicando os objetivos da pesquisa e a
importância desta para o trabalho em pauta. Após a aceitação dos profissionais,
marcamos o local e horário apropriados, com o objetivo de não prejudicar o
desenvolvimento do trabalho educativo no cotidiano. Foram elaboradas algumas
questões pertinentes aos objetivos propostos da pesquisa. As entrevistas com todos
os profissionais escolhidos foram semiestruturadas, conforme aponta André (1995),
que esse tipo de entrevista possui um roteiro pré-fixado e, no entanto, pode ser
alterado e adaptado de acordo com as exigências no momento da pesquisa.
A entrevista foi gravada em áudio e depois transcrita, no caderno de campo.
O local escolhido para a conversa foi a Sala da Direção da Escola e o horário
também foi estabelecido pela Diretora. No dia 13/11/2014, às 8h25, ocorreram as
entrevistas. É importante mencionar, aqui, que a Diretora assumiu a direção da
Escola pesquisada em janeiro de 2013, pois, na rede municipal, a direção dos
estabelecimentos de ensino é realizada por indicação do prefeito. Ela permaneceu
128
até o mês de fevereiro de 2014, pois foi transferida para dirigir uma creche, e, a
diretora que trabalhou em 2012, retornou à escola. Mesmo com a troca da direção,
fez-se opção por registrar a entrevista da diretora que permaneceu no ano de 2013.
A seguir registro as falas da pedagoga e da professora da turma pesquisada
da educação infantil.
Acho que infância é um período que a criança passa, igual a gente passa por vários períodos... tem a infância, depois a pré-adolescência, jovem, adulto e o velho. Acho que seria uma fase da criança. Criança é [...] um serzinho cheio de coisas pra gente cutucar... cheio de direitos. Uma hora não sabe nada e, hoje, a gente vê, que muito ao contrário... eles têm muita coisa para ensinar ... a gente aprende muito com eles e a gente tem que vê assim, que são pessoinhas que sabem o que querem , que tem vontade, que tem desejos, que tem necessidades ... e são pessoas, assim, que merecem uma atenção, porque eles têm o que falar... não é mais aquele conceito antigo... olha, você é criança, você não sabe nada, você não tem que saber disso não... se é criança você sabe, eu sei, a gente troca... (Pedagoga). Infância pra mim é um momento de brincar, é um momento propício para aprender, mas é uma fase melhor da vida... Pra mim, criança e infância são [...] palavras comuns ligadas a... um momento de experiência, é o início...de iniciar mesmo a vida escolar, principalmente, na pré-escola (Professora).
Segundo o depoimento desses profissionais mencionados acima, a infância é
uma fase, um momento de experiência, de brincar. O emprego do vocábulo, no
diminutivo, expressa uma ambiguidade; no sentido de ser pequeno em estatura ou
porque não é capaz de compreender o mundo à sua volta. Quando a pedagoga diz
que a criança é merecedora da atenção do adulto e que há troca de saberes,
significa considerar a criança produtora de cultura. Nessa perspectiva, saliento que
“criança é um ser social” e seu desenvolvimento se dá por meio da convivência com
outros seres humanos, em um espaço e tempo determinados.
Na visão da professora, o conceito de infância e criança aproxima-se do ponto
de vista da teoria tradicional11. É notável que ela traga em sua fala um discurso
voltado ao pensamento humanista, de que o homem pode entender a si próprio
como também todas as coisas. Cabe ainda refletir sobre “a infância é um momento
de brincar”. Nesse sentido, o brincar como forma ingênua e descolada das relações
sociais é como o descompromisso com a sociedade. O brincar e a infância, no
11
Para Gadotti, o modelo da pedagogia tradicional é simplesmente de repetição, regras, disciplina, instrução para governar e trabalhar. Nesta concepção, a escola “modela as crianças, sujeitando-as às concepções adultas. A criança tem que ter liberdade para escolha dos objetos a serem manipulados por ela e desenvolver a capacidade de estar no mundo sem a constante interferência do adulto” (GADOTTI, 1999, p. 90).
129
sentido de Benjamin (1987a; 1987b), referem-se a um processo coletivo de
reconstrução e ressignificação da história, sugere a possibilidade de ampliar tempos,
espaços, inserção, partilha e participação na produção da cultura e das experiências
sociais.
Quanto à organização das turmas de 5 e 6 anos para o ano de 2013, a
Escola12 adotou o critério de idade. A diretora reafirma que seguiu a Resolução da
SEE/MG, a qual orienta a matrícula das crianças nas redes estadual e municipal. De
acordo com essa norma, a criança deve ser matriculada na educação infantil com
quatro anos completados até 30 de junho.
Com a ampliação do EF para nove anos, obrigatoriamente, todas as crianças
de seis anos devem estar regularmente matriculadas na escola, portanto, a
educação das crianças passa a ser direito de todos. Nesse sentido, a articulação
entre ensino fundamental e educação infantil, já prevista na legislação educacional,
torna-se ainda mais necessária. Essa articulação implica acordo e diálogo entre as
duas modalidades de ensino, para que as especificidades da infância sejam
consideradas na organização do trabalho pedagógico nas duas etapas. Lembrando
também que a articulação da Educação Infantil e do Ensino Fundamental consta no
PPP da Escola. Porém não houve preparação das crianças para a passagem da
educação infantil para o primeiro ano do ensino fundamental, uma decisão da equipe
escolar. Pode-se constatar por meio das falas:
Diretora: Transição – Não, a formatura... acabei de ter... desde que eu trabalho, eu faço formatura. Elas, esse ano, não querem fazer formatura... (Entrevista realizada em 18/11/2013). Pedagoga: Ô, a gente encerra a EI e no início do primeiro ano a gente ainda começa trabalhando um pouquinho nos moldes da EI, e a gente vai fazendo isso bem devagarzinho até que um determinado momento eles já estão trabalhando como alunos de primeiro ano. - Você fala... preparar... tá conversando com eles... pra que eles... não? - Não, porque as salas não são definidas... é... a gente não tem isso. Fechou, eles vão descobrir no outro ano. Eles chegam, na sala, aí... o trabalho é feito muito parecido com o da EI, no primeiro momento, explica-se pra eles que agora eles têm uma matéria. [...] (Entrevista realizada em 18/11/2013).
No sentido de considerar a criança sujeito de direito e de que ela é capaz de
produzir cultura, é preciso que a respeitemos de todas as formas no cotidiano, isto é,
a criança precisa ser participada e preparada para mudança em sua vida escolar.
12
A palavra “Escola” foi utilizada para representar a direção e o setor pedagógico, porque as respostas tanto da diretora quanto da pedagoga foram semelhantes em relação à organização das turmas.
130
Podemos perceber pela fala da diretora que falar da transição para as
crianças é realizar a formatura das crianças. Essa formatura conhecida e realizada
por muitas escolas da educação infantil é conhecida como eventos. Esses eventos
podem ser que sejam importantes para a escola e para família, mas para a criança
acho que não auxiliam nem prejudicam na compreensão da transição. Para a
pedagoga, a educação se encerra e no ano seguinte, a criança no primeiro ano, o
trabalho vai continuar da mesma forma que foi realizada na educação infantil, um
trabalho mais lento até a criança entender que está trabalhando como aluno do
ensino fundamental. A expressão “nos moldes da EI” pode ser na mesma proposta
pedagógica da EI e a outra “agora eles têm uma matéria” talvez seja pelas
disciplinas existentes no primeiro ano. Essa interpretação está relacionada com a
explicação que a pedagoga disse no momento da entrevista.
De acordo com a sociologia, a criança é ator social e nas legislações sujeito
de direito, portanto é necessária a articulação entre as duas etapas da educação.
Neves (2010), apoiada na ideia de Corsaro e Molinari (2005), traz o conceito
da organização social que a escola faz no final da educação como “eventos”. A
autora ainda relaciona esse conceito com os ritos de passagem de Arnold Van
Gennep (1960).
De acordo com Neves, Arnold procurou analisar os “rituais de passagem”
considerando três fases como: “separação/preparação, acontecimento/transição,
adaptação/incorporação” (NEVES, 2010, p. 38). No excerto abaixo, apresento o
comentário de Neves para cada uma das fases desses rituais:
A primeira fase se refere a uma separação da posição social anterior do indivíduo e preparação para a nova posição a ser assumida. A segunda fase é realtiva ao acontecimento das cerimônias de transição, quando os indivíduos se encontram em um estado de liminaridade, ou seja, já não pertencem à posição social anterior, mas também não assumiram um novo lugar no grupo. A terceira fase caracteriza-se pelos movimentos de ascensão à nova posição social através da incorporação do participante ao novo grupo (NEVES, 2010, p.38).
Segundo Neves, esses rituais podem representar uma “ruptura e uma
continuidade”. De acordo com Neves, esses eventos são atividades simbólicas, os
quais permitem às crianças e ao seu grupo social uma contribuição ativa para suas
experiências de transição.
131
Kramer (2003) defende que a criança, ao entrar na escola de EF, não seja
obrigada a abrir mão de suas “múltiplas linguagens”, suas variadas formas de se
expressar e de aprender. A autora, ao refletir sobre a articulação entre os níveis de
ensino, ela reafirma que as crianças não devem ser tomadas apenas como alunos, e
alerta para a incoerência das dicotomias existentes, e indica a necessidade de um
diálogo pedagógico intenso dentro da escola e entre as escolas.
O cuidado, a atenção, o acolhimento precisam estar presentes na educação infantil. A alegria e a brincadeira também. Mas nas práticas realizadas, as crianças aprendem. O saber não pode ser confundido com a falta de liberdade. Afinal, o desafio é o fato de tornar possível uma escolaridade com liberdade. No que se refere à escola, é preciso que essa instituição imposta e obrigatória atue com liberdade para assegurar a apropriação e a construção do conhecimento por todos. No que se refere à educação infantil, é preciso garantir o acesso, de todos os que assim o desejarem, a vagas em creches e pré-escolas, assegurando o direito de brincar, criar, aprender. Nos dois casos, é preciso enfrentar dois desafios: o de pensar a creche, a pré-escola e a escola como instâncias de formação cultural; o desafio de pensar as crianças como sujeitos de cultura e história, sujeitos sociais (KRAMER, 2003, p.64).
7.1 Como os profissionais da Escola veem o lúdico no cotidiano coletivo das crianças
Para Kramer (2009), a criança é essencialmente lúdica, utiliza o brincar como
um aprendizado sociocultural. O brincar é um indicativo revelador de culturas, e sua
análise permitirá ou não os traços culturais da sociedade em questão sejam
evidenciados. A criança sendo sujeito cultural, o seu brinquedo tem marcas do real e
do imaginário vividos por ela.
No Referencial Curricular, a criança é considerada um ser que pensa e sente
o mundo de uma maneira que lhe é peculiar, capaz de construir o conhecimento na
interação com o meio e com as pessoas de forma ativa. Nesse sentido, a criança
tem o direito de desenvolver-se em um ambiente propício, sem a intervenção de
nenhum fator que possa tolher seu desenvolvimento (BRASIL, 1998, p.50).
O registro das afirmações, acima, vem ilustrar as falas das educadoras,
quando perguntamos a elas sobre a importância do brincar no cotidiano escolar das
crianças. Nessas falas, há uma grande preocupação com o ensino de conteúdos,
um planejamento a cumprir, apesar de evidenciarem a importância do lúdico na vida
das crianças. Diante do exposto, as outras dimensões do ser criança ficam
secundarizadas.
132
A pedagoga afirma que a brincadeira deve ser orientada e dirigida pela
professora:
A educação infantil é pra brincar... é um brinquedo todo direcionado, não é um brincar por brincar... é um brincar com um objetivo no final. É muito mais gostoso você ensinar através de um jogo, de uma brincadeira do que você chegar e falar para o menino – registra isso aí...
Borba (2005) traz o conceito de cultura lúdica infantil baseada em Brougère
(1997) numa compreensão importante da cultura infantil, sendo constituída por um
conjunto de experiências permitindo à criança “organizar uma brincadeira ou entrar
em interação lúdica com outras crianças” (BORBA, 2005, p. 72). A autora também
apresenta, na visão de Brougère, a brincadeira, que é forma de ação social “tanto
produz uma cultura lúdica específica como é produzida por uma cultura mais ampla”
(BORBA, 2005, p.74). Não pretendo abordar sobre a cultura lúdica nesse momento,
apenas menciono o conceito de cultura lúdica e da brincadeira na visão sociológica
para o entendimento das expressões “não é um brincar por brincar” e “brincar com
um objetivo no final” proferido pela pedagoga. Se a brincadeira é uma ação social,
como não permitir que a criança brinque. A brincadeira pode ser mediada pelo
professor como também a criança precisa brincar com seu grupo sem essa
mediação do adulto. Pois é por meio da brincadeira que a criança interage com
outras crianças.
De acordo com a professora da turma, o brincar é importante, porém o
planejamento é extenso e não há tempo para momentos recreativos. Pode-se
constatar pela fala da professora:
Brincar – olha! Nós temos uma rotina muito pesada, os nossos planejamentos estão muito... são programados de maneira muito, assim, dentro de questão de horários, e, então, fica muito, a gente fica muito limitada aos horários né... mas, assim, nesse espaço de brincar, ele tem acontecido, a gente tem os momentos de brincar, por exemplo, quando a gente brinca com eles, até mesmo em jogos, então, assim, eu acho que é importante o momento de brincar, sim, mesmo porque a infância pede, quer dizer um pouco isso, brincar para desenvolver e crescer [...] (entrevista
realizada no dia 18/11/2013).
Na visão da diretora, o lúdico na vida das crianças é primordial para seu pleno
desenvolvimento. Afirma que por meio do lúdico a criança interage com os seus
pares e aprendem, mas a escola não oferece condições, apesar de ter um espaço
133
propício para construção de uma área verde e um parquinho. A seguir a fala da
diretora:
Sou a favor de que se trabalhe o lúdico [...] não sou a favor de ficar preso em sala de aula ... não sou a favor de que se use tanto o papel para a criança trabalhar, eu acho que essa coisa de forçar muito a escrita desde a criança com três anos para entrar no primeiro período, mas lei é lei... [...] a brincadeira em si, porque eu tenho observado que a coisa fica muito é ... voltada pra aquela ... esse tipo de aprender, não deixando a criança aprender por si... eu não sei, eu sinto isso, não é só aqui... eu tenho sentido em outra escola também, inclusive eu trabalhei muito com a Educação Infantil, eu achava interessante [...] tive uma escola durante dez anos...[...] a gente não trabalhava, nada de cartilha, era aquela coisa do deixar acontecer, de criar situações, muita situação de leitura, professor lendo muita coisa pra criança, contando muita história [...] era muito voltado para brincadeira, muito contato com o lúdico (entrevista realizada no dia 13/11/2013).
A fala da diretora mostra que a escola não oferece oportunidade para as
crianças brincarem. Os argumentos dos profissionais em relação à brincadeira das
crianças no espaço da instituição divergem da minha observação, pois houve vários
momentos em que as crianças brincaram dentro e fora da sala de aula como
também muitas atividades lúdicas foram exploradas pelas professoras da educação
infantil e do primeiro ano.
A Diretora ainda mencionou que é preciso construir um parquinho e outros
espaços na escola para que as crianças possam interagir com as crianças do
primeiro ano e brincarem. Ressaltou que a escola possui uma imensa área para
construção de espaços recreativos, mas tudo isso depende da política pública do
município.
Essa realidade pode ser ilustrada pelas fotos 9, 10, 11 e 12. As fotos
apresentadas a seguir têm apenas a finalidade de apresentar a área da escola.
134
Foto 8 – Entrada para a Educação Infantil
Fonte: A autora
Foto 9 – Pátio externo da Escola
Fonte: A autora
135
Foto 10 – Pátio externo da Escola
Fonte: A autora
Foto 11 – Entrada para a Escola
Fonte: A autora
136
Foto 12 - Horta
Fonte: A autora
Foto 13 – Entrada para o Espaço da Educação Infantil
Fonte: A autora
137
8 A EDUCAÇÃO INFANTIL E O PRIMEIRO ANO
A ampliação do ensino fundamental para nove anos, com a promulgação da
Lei Federal no 11.274 (BRASIL, 2006) e a discussão da obrigatoriedade escolar para
pessoas de quatro a dezessete anos (PL 414/2008; PL 06755/2010) reforçam a
relevância e o interesse por essa temática. Santos e Vieira (2006) e Kramer (2006),
ao analisarem a Lei no 11. 274 consideram que a obrigatoriedade escolar convoca
pesquisadores, educadores e legisladores a investigar como a educação infantil e o
ensino fundamental se relacionam articulando discursos e práticas educativas no
sentido de compreender as especificidades dos sujeitos sociais envolvidos nesse
processo.
Dessa forma, estudos sobre diferenças e similaridades entre as práticas
educativas desenvolvidas cotidianamente nos contextos escolares podem subsidiar
o diálogo entre esses atores para ampliar a compreensão de entraves, rupturas ou
continuidades vividas pelas crianças nesses espaços.
Ao buscar estudos relacionados ao processo de movimentação das crianças
nas etapas em estudo, deparei-me com algumas pesquisas que sinalizam um
processo de impasse nessa transição. Esses impasses foram localizados,
principalmente, na entrada das crianças no ensino fundamental, caracterizado por
um maior controle corporal e desenvolvimento de caráter repetitivo. Identificado
também tensão de letramento e alfabetização nesses dois níveis de ensino.
A fala da Diretora proferida na reunião pedagógica da escola, no dia
13/8/2013, pontua contundentemente que as professoras da Educação Infantil e do
primeiro ano devem focar a aprendizagem das crianças, ou seja, a alfabetização e o
letramento.
A Diretora pede mudança na prática com o objetivo de melhorar a aprendizagem dos alunos. Em seguida, solicita aos professores da Educação Infantil e do Primeiro Ano do Ensino Fundamental que devem manter o foco na alfabetização e no letramento (Caderno de Campo).
Além da criança não ser preparada para a nova etapa do ensino fundamental,
elas foram separadas dos seus coetâneos, as quais tiveram um período de
convivência durante dois anos na educação infantil. Na organização das turmas para
o ano de 2014, a equipe pedagógica da Escola afirma que foi viável separar as
crianças por nível de desenvolvimento de aprendizagem. Enfim, as crianças foram
138
separadas de seus grupos de pares e reorganizadas em uma nova turma, uma nova
etapa de ensino, um novo professor. Considero essas mudanças fortes para essas
crianças enfrentarem com apenas seis anos de idade. Diante dessa eventualidade,
alguns questionamentos surgem: Como fica o direito da criança já conquistado nas
legislações, ( uma conquista que demandou movimentos, estudos, pesquisas e lutas
por muito tempo)? Quais reflexões e revisões precisam ocorrer, no contexto da
escola e nas práticas pedagógicas, para que as crianças sejam respeitadas e
ouvidas?
Corsino nos faz lembrar que, “vivemos numa cultura profundamente afetada
pelo uso da escrita”. (CORSINO, 2011, p. 241). A autora argumenta que, mesmo
estando imersos na cultura letrada, o domínio da “tecnologia da escrita” depende
dos processos de interação e da mediação de outros indivíduos nas esferas sociais
diferentes em que circulamos, incluindo também a intervenção pedagógica. Não
vamos desenvolver esse processo de letramento, porque exige uma nova pesquisa,
queremos apenas registrar aqui a contundente questão que impera na realidade
interna da instituição de ensino da educação básica.
Ao conversar com as professoras do primeiro ano, elas relataram que, no
primeiro mês, procuraram trabalhar com dinâmicas, roda de conversa, preparando
as crianças para essa nova etapa. Segundo as professoras das turmas do primeiro
ano, elas procuraram trabalhar mais lentamente com os conteúdos de alfabetização
durante os meses de fevereiro e março.
Na transição das crianças da educação infantil para o ensino fundamental, o
que se percebe é que não houve preparação delas para essa nova etapa escolar. A
equipe da escola alega que as crianças permanecem na mesma escola, continuam
no mesmo espaço, convivendo com os seus coetâneos, portanto, não é necessário
preparar as crianças para esse movimento.
Procura-se, nesse momento, fazer um recorte para apresentar alguns
resultados de pesquisas já realizadas envolvendo o tema “o processo de transição
das crianças da educação infantil para o ensino fundamental”. Na busca por
trabalhos voltados para o tema desta pesquisa, deparei-me com a dissertação de
Martinati (2012), que fez um levantamento de dissertações e teses após a Lei de
ampliação do ensino fundamental para nove anos. A região Sudeste é a que mais se
destacou. Houve no Estado de São Paulo (sete) e em Minas Gerais (cinco) trabalhos
de Pós-Graduação com o tema. Martinati analisou os trabalhos de todas as regiões
139
brasileiras, procuro citar apenas a região Sudeste. Na sua análise, 1% dos trabalhos
realizados trata da transição da EI para o EF; 2% analisaram o brincar no EF. Todos
os trabalhos adotaram a abordagem qualitativa, porém somente 10% desses
trabalhos utilizaram a observação do cotidiano como instrumento de pesquisa.
De acordo com o estudo de Martinati, os trabalhos voltados para o lúdico das
crianças de seis anos foram minimamente estudados nem sempre se faz presente
nas atividades de “práticas em que as brincadeiras sejam, efetivamente,
valorizadas”. Também considera “a baixa frequência com que se incorporou a voz”
das crianças.
Neves, em sua tese de doutorado, analisou algumas pesquisas que também
“sinalizam um processo de impasse na transição entre a educação infantil e o ensino
fundamental”. Registro abaixo o argumento de Neves a respeito desses impasses:
Tais impasses foram localizados, principalmente, na entrada das crianças no ensino fundamental, uma vez que práticas relativas a um maior controle corporal, bem como atividades repetitivas assumiram a centralidade no cotidiano das salas de aulas pesquisadas. (NEVES, 2010, p. 42).
Corroboro com a assertiva de Neves, pois nas turmas pesquisadas deste
estudo também o controle do corpo e as atividades repetitivas foram o centro das
atividades realizadas durante o processo de observação.
Dessa forma, o esforço para mudanças na realidade do cotidiano escolar
deverá ocorrer por meio de pesquisas que objetivem estudos de observação no
campo das instituições de ensino. Esses estudos devem focar a interação e o lúdico
na vida das crianças, tanto da educação infantil como no ensino fundamental.
140
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esses apontamentos finais visam apresentar uma síntese da interação e do
lúdico na transição das crianças da educação infantil para o ensino fundamental.
Como ponto de partida, a transformação pedagógica pauta da necessidade
de levar em conta os desejos e opiniões das crianças. Dessa forma, ouvir as
crianças demanda concebê-las como sujeitos sociais e capazes de compreender e
sugerir sobre o mundo que as cercam.
Na epígrafe desta dissertação, Pedro Bandeira nos convida a respeitar a
criança. Essa forma de respeito solicita ao adulto “prestar atenção” ao que as
crianças fazem e dizem a respeito do mundo que as cercam. O mundo em que
vivemos hoje é diferente, e as crianças também. Portanto, essas diferenças impõem
outras formas de socialização das crianças na prática escolar.
A respeito da interação do grupo pesquisado com seus grupos de pares e
com o espaço, pode-se dizer que as crianças gostam da escola onde estudam,
afirmam que o espaço escolar é apropriado para fazer amigos, estudar e brincar.
Porém, gostariam que o espaço fosse recheado de brincadeiras e que houvesse
muitos brinquedos disponibilizados nos espaços externo e interno. A escola possui
um imenso espaço físico que oferece condições para uma área recreativa para as
crianças. No entanto, nenhum brinquedo é disponibilizado para a criança fora do
espaço interno da escola nem no seu interior. Na sala de aula, alguns brinquedos
foram ofertados às crianças. Esses brinquedos, segundo a professora da educação
infantil, foram doados por profissionais da escola. São poucos brinquedos e também
o estado de conservação deles é precário. No ensino fundamental, nenhum
brinquedo foi ofertado às crianças. Os brinquedos que apareceram na sala de aula
foram trazidos pelas crianças.
Na turma de seis anos do primeiro ano, não havia brinquedos nem momento
estipulado para brincadeiras. A professora trabalhava com alguns jogos na
realização de atividades de leitura, escrita e de Matemática. Pude observar que,
nesses momentos dos jogos e também em outras atividades lúdicas utilizadas na
sala de aula, as crianças participavam compenetradas nas atividades sem tensão ou
indisciplina.
Busquei, inicialmente, a teoria da Sociologia da Infância para estranhar o que
já era conhecido como professora e dirigente do espaço escolar. Esses estudos
141
contribuíram para que meu olhar se dispusesse das convenções e das
preconcepções adquiridas ao longo do meu trabalho para enxergar o cotidiano como
se adentrasse nele pela primeira vez. A pesquisa qualitativa e de “inspiração
etnográfica” possibilitou acompanhar as crianças, objeto deste trabalho, por um
período na trajetória das etapas iniciais da Educação Básica.
Apresentei uma síntese de aspectos da história da criança, traçando alguns
pontos relevantes que contribuíram para tirar a criança do anonimato e ascendê-la
como sujeito de direito e de produtora da sua própria cultura. A conquista desses
direitos demandou muita luta, movimentos sociais e muito estudo, por isso é preciso
que as escolas reconheçam a criança e a coloquem no centro das ações
pedagógicas. Ouvir o que as crianças dizem é importante para a efetivação de um
trabalho de qualidade na educação. As crianças investigadas disseram que gostam
do espaço onde estudam, porém solicitaram uma área com brinquedos. Tal
solicitação é fundamental para que elas possam interagir com os seus grupos de
pares e aprenderem, pois não é o que tanto querem as escolas? O brinquedo é
fonte de aprendizagem, mas é preciso oferecer à criança diversas brincadeiras,
jogos, músicas, artes, brinquedos para aguçar a sua imaginação e,
consequentemente, a aprendizagem aflora.
Busquei também registrar algumas Leis e outros documentos legais
importantes que garantem o direito da criança como cidadã. Alguns pareceres
registrados neste trabalho orientam às escolas na elaboração das práticas
pedagógicas das crianças da educação infantil e do primeiro ano. Nos documentos
oficiais, o brincar também é prioridade.
Outro aspecto deste estudo, que foi importante para conhecer as crianças e
entender o seu comportamento foi a pesquisa “Grupo Focal”. Esse instrumento de
pesquisa abriu leques para uma conversa com as crianças. No início da entrevista, a
conversa teve um direcionamento, o qual possibilitou um espaço democrático para
as crianças falarem da sua escola. Elas se sentiram à vontade para falarem do que
fazem, do que não gostam de fazer na escola, do que falta e do que gostariam de
ver no ambiente delas. Brincaram e interagiram com os colegas, contaram suas
histórias e deixaram muitas sugestões para mudanças no espaço em que convivem
diariamente e muitas permanecem na escola tempo integral. Quero ressaltar que a
entrevista “Grupo Focal” é um instrumento valioso para dialogar com as crianças
para entender o processo de interação entre elas e seus coetâneos e entre adultos.
142
Esse recurso metodológico contribuiu para o processo de transição da educação
infantil para o primeiro ano, mostrou que a articulação entre as duas etapas é
fundamental para que as crianças não caiam de paraquedas no primeiro ano.
Mesmo que as crianças estudem a educação infantil e o ensino fundamental na
mesma escola, como é o caso da instituição investigada, essa falta de articulação
entre as duas etapas, além de desrespeitar o direito constitucional da criança
também subestima a sua capacidade de compreensão de mundo. Pelo relato das
crianças, o primeiro ano demandou um grande esforço de adaptação uma vez que
as atividades em sala de aula foram mais contundentes do que eram na educação
infantil e também sentiram falta dos colegas de convivência do ano anterior. Outro
fator evidenciado foi a divisão de horário de disciplinas, já que na educação infantil
isso não ocorre.
O “Grupo Focal” possibilitou a interação entre as crianças e o entendimento
de como é importante ouvi-las, oferecendo mais possibilidades interpretativas do
que o procedimento de entrevista, convencional, que ocorre entre pesquisador e
pesquisado. O fato de as crianças estarem reunidas possibilita o confronto de
diferentes posicionamentos entre elas, além da amplificação dos gestos e dos sinais,
permite a observação das palavras, dos gestos, do tom de voz, da expressão
fisionômica e das brincadeiras, estas linguagens próprias das crianças ganharam
significado diferente daquele que observei no cotidiano durante a pesquisa de
campo. Nesse sentido, essa técnica assume relevância na coleta de dados numa
pesquisa qualitativa, uma vez que propiciou momento de reflexão possibilitando
reviver situações de pouco entendimento no cotidiano das crianças, principalmente a
importância do lúdico no espaço escolar.
Pelo delinear da narrativa, o lúdico foi destacado como elemento primordial na
vida do ser humano. Não só por ser o elemento considerado fundamental do
trabalho em pauta, mas pela sua relevância na vida das crianças. O lúdico é o
espaço de construção de culturas. A criança que convive num contexto de inúmeras
brincadeiras estabelece laços de sociabilidade, construindo atitudes de solidariedade
e outros valores da convivência humana.
Portanto, é fundamental um espaço educativo rico em brincadeiras para as
crianças.
As entrevistas com os profissionais da escola foram pertinentes para o
desenvolvimento deste trabalho, pois objetivou a compreensão do espaço, da rotina
143
e do processo de transição das crianças. Pelos discursos desses profissionais, a
escola procura fazer um trabalho cooperativo com a rede estadual com projetos que
visem à formação dos estudantes de sua responsabilidade. Elas afirmam que o
lúdico é importante no desenvolvimento das crianças.
No entanto, as práticas educativas, tanto do primeiro como da educação
infantil, centralizam-se no processo de alfabetização e letramento. O lúdico não é
priorizado porque o tempo e o espaço não permitem. Observa-se a falta de diálogo
com os documentos oficiais e com a Sociologia, que considera o lúdico nos espaços
sociais educativos.
Apesar de uma rotina estruturada nas atividades exacerbadas de leitura, de
escrita e o controle do corpo das crianças em sala de aula, elas conseguem interagir
e criar novos sentidos para essas atividades e espaços.
É importante ressaltar que a escola pesquisada está inserida num espaço rico
em cultura, na cidade histórica, e que é pouco explorado no cotidiano da educação
infantil e do primeiro ano.
Como ponto final desta narrativa, são necessárias mais pesquisas com
observação no cotidiano das escolas para que as vozes das crianças possam ser
ouvidas pelos adultos e que, num futuro bem próximo, possamos presenciar a
CRIANÇA no centro desse espaço.
144
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155
ANEXOS
ANEXO A - Documento de autorização da Secretaria Municipal de Mariana/MG
para entrada em campo
156
ANEXO B - Carta da Orientadora de Pesquisa para entrevista “Grupo Focal”
com as crianças.
157
ANEXO C - Desenhos das crianças
158