A Crítica de Frege Ao Psicologismo Em Lógica de 1891

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A Crítica de Frege ao Psicologismo em Lógica de 1897 Por Fides et Ratio , A polêmica em torno do psicologismo apesar de ser central e contínua ao longo da obra de Frege (1848-1925) não se coloca de maneira homogênea e em bloco único. É central e contínua enquanto busca estabelecer a distinção de um horizonte filosófico eficiente para fundamentação de sua concepção de lógica e vê no psicologismo o principal impedimento, mas não é homogênea uma vez que depende, justamente, do próprio desenvolvimento de suas reflexões a respeito dessa fundamentação e das diferentes formas de como se apresenta o psicologismo. É possível distinguir nitidamente quatro momentos do desenvolvimento das reflexões de Frege a respeito da lógica e, consequentemente, de como polemiza com o psicologismo, a saber: o primeiro período (1879) é o da Conceitografia (Begriffschirift); o segundo período (1884) é o do Fundamentos da Aritmética (Grundlagen der Arithmetik); o terceiro período (1893) é o período das Leis Fundamentais da Aritmética (Grundgesetze der Mathematik) e, por último, o quarto período (1903) onde aparece textos como O Pensamento (Der Gedanke). Entretanto, mesmo que suas reflexões sobre lógica possam ser nitidamente distinguidas nos quatros momentos, a sua postura antipiscologista pode ser interpretada em duas vertentes, ou seja, entre 1879 e 1884 (Begriffschirift e Grundlagen) o antipsicoligismo se limita a polemizar com os aspectos epistemológicos e semânticos da concepção psicologista da lógica, enquanto que a partir de 1893 (Grundgesetze até Der Gedanke) fica clara, ou pelo menos mais consistente, a compreensão de que o problema nuclear do psicologismo, para Frege, é sua concepção equivocada de subjetividade.

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A Crtica de Frege ao Psicologismo em Lgica de 1897PorFides et Ratio,

A polmica em torno do psicologismo apesar de ser central e contnua ao longo da obra de Frege (1848-1925) no se coloca de maneira homognea e em bloco nico. central e contnua enquanto busca estabelecer a distino de um horizonte filosfico eficiente para fundamentao de sua concepo de lgica e v no psicologismo o principal impedimento, mas no homognea uma vez que depende, justamente, do prprio desenvolvimento de suas reflexes a respeito dessa fundamentao e das diferentes formas de como se apresenta o psicologismo.

possvel distinguir nitidamente quatro momentos do desenvolvimento das reflexes de Frege a respeito da lgica e, consequentemente, de como polemiza com o psicologismo, a saber: o primeiro perodo (1879) o da Conceitografia (Begriffschirift); o segundo perodo (1884) o do Fundamentos da Aritmtica (Grundlagen der Arithmetik);o terceiro perodo (1893) o perodo das Leis Fundamentais da Aritmtica (Grundgesetze der Mathematik) e, por ltimo, o quarto perodo (1903) onde aparece textos como O Pensamento (Der Gedanke).

Entretanto, mesmo que suas reflexes sobre lgica possam ser nitidamente distinguidas nos quatros momentos, a sua postura antipiscologista pode ser interpretada em duas vertentes, ou seja, entre 1879 e 1884 (BegriffschirifteGrundlagen) o antipsicoligismo se limita a polemizar com os aspectos epistemolgicos e semnticos da concepo psicologista da lgica, enquanto que a partir de 1893 (GrundgesetzeatDer Gedanke) fica clara, ou pelo menos mais consistente, a compreenso de que o problema nuclear do psicologismo, para Frege, sua concepo equivocada de subjetividade.

Se por um lado oPrlogosLeis Fundamentais da Aritmticano tem o objetivo de solucionar ou refutar o psicologismo, mas em esclarecer e delinear com certo grau de preciso e rigor as diferenas substanciais entre as duas concepes, isto , o realismo lgico fregeano, que pressupe a existncia absoluta de objetos lgicos e a possibilidade de conhec-los, e a concepo dos lgicos psicologistas, que no necessariamente negam, mas relativizam a existncia desses objetos no pressuposto de uma concepo idealista da subjetividade segundo a qual s h conhecimento direto e imediato dos contedos imanentes conscincia. Por outro lado, naLgica de 1897que a crtica ao psicologismo ganha contornos decisivos a respeito das importantes distines de problemas aos quais cabem lgicae psicologia, respectivamente, se ocuparem; bem como Frege nos remete a pensar em uma concepo de lgica cujo pressuposto uma tese, ainda que sustentada de maneira implcita e embrionria, a respeito de uma refinada concepo de subjetividade que se diferencia e polemiza com a concepo de subjetividade psicologista.

O objetivo deste texto apresentar as linhas gerais dos resultados dessa polmica antipsicologista naLgicade 1897. Para isso apresentarei o texto em trs momentos, a saber: i) uma breve introduo ao problema do psicologismo, sobretudo suas implicaes Lgicas segundo a distino de Frege; ii) a concepo Lgica de Frege luz no seu conceito de pensamento (Gedanke) e, por ltimo, iii) a possvel soluo de Frege polmica naLgica.

1. O psicologismo

No nada fcil definir o psicologismo. Qualquer definio corre o risco de no levar em considerao o quo multifacetado ele se apresenta tanto no nvel sistemtico como no nvel histrico, bem como as consequncias de suas teses se infiltram na histria do debate das ideias filosficas. muito comum ser um psicologista sem se dar conta disso. Ainda que no seja nosso objetivo essa empreitada aqui, preciso reconhecer a presena dessa peculiar dificuldade a fim de compreendermos pelo menos o sentido da postura antipsicologista de Frege ao longo de todo seu intento em buscar fundamentos filosficos lgica e como ele via no psicologismo um impedimento.

O que o psicologismo, ou os psicologismos, diferente, sem dvida, de como Frege concebe o psicologismo. No entanto, no se deve relegar a um plano secundrio os seus esforos na busca de uma genuna compreenso de como o psicologismo se coloca, segundo a sua interpretao, como um impedimento epistemolgico para o seu projeto de fundamentao da lgica em uma base metafsica absolutamente segura. E se for possvel encontrar um denominador comum diante de tantas faces distintas de psicologismo, certamente o que melhor se alinha s concepes de Frege aquele que reza a tese segundo a qual todo conhecimento se limita aos contedos imanentes a uma conscincia, ou seja, a forma idealista de subjetividade fundada no princpio de imanncia, a saber:s temos acesso direto s nossas representaes(Vorstellungen).

O psicologismo, historicamente, tem origem no princpio de imanncia dos empiristas britnicos ou, se ousarmos ir mais longe, na virada subjetiva, ou simplesmente a reforma da concepo deideiaproposta por Descartes, na qual, em linhas gerais, se concebe umaideiacomo uma representao e no como uma entidade genrica objetiva subsistente fora da mente como no platonismo. Pois, foi na necessidade de se iniciar a filosofia em uma teoria do conhecimento que, pode-se dizer, reside a tese central de uma concepo idealista da subjetividade na qual percorre toda filosofia moderna e se apresenta como palco central para o psicologismo polemizado por Frege. Quando Locke afirmava que a essncia, a origem e o limite do conhecimento so as ideias na mente, no foi difcil para um Berkeley ou, para atravessar o Oceano, um Jonathan Edwards, transformarem o empirismo em um imaterialismo idealista radical, isto , toda existncia de uma realidade autnoma objetiva, isto , independente da mente, era reduzida exatamente existncia mental. A discusso que se arrasta at o sculo XIX, ps-Kant, apesar das muitas nuances, era a respeito de um mtodo capaz de justificar as condies de possibilidade de um conhecimento, seja ele imanente ou transcendente, a respeito do estatuto deste dado na conscincia.

Em um possvel esquema de definio o psicologismo pode ser reduzido nas seguintes proposies: i) tudo o que existe ou conhecido deve provir da experincia ou de ideias, isto , de representaes mentais. ii) as ideias s existem, justamente, como representaes mentais, isto , como contedo ou representao de uma conscincia. iii) portanto, a condio de possibilidade de conhecimento de todas as coisas que existem, inclusive coisas materiais, metafsicas etc, s pode ser mental, isto , conhecidas diretamente como contedo ou dados de uma subjetividade, reduzidas apenas em termos de representaes ou em termos de estrutura transcendental da prpria mente. iv) a consequncia lgica do psicologismo no outra seno a de um solipsismo nominalista. A reduo do lgico ao psicolgico paga o alto preo do objetivo comear e terminar no prprio subjetivo.

E a percepo crtica de Frege de que o problema do psicologismo leva ao impedimento de uma adequada compreenso de sua refinada concepo de lgica bastante clara nessa passagem doPrlogo:A lgica atual parece estar completamente infectada de psicologia. Quando, em vez da coisa mesma, se consideram somente suas imagens subjetivas, as representaes, perdem-se naturalmente todas as diferenas reais mais finas e, ao contrrio, aparecem outras que para a lgica carecem totalmente de valor. E com isso passo a falar do que dificulta o influxo de meu livro sobre os lgicos. Se trata da perniciosa ingerncia da psicologia na lgica. (FREGE,Grundgesetze, p.26)Frege no deixa dvida de que o problema da reduo das leis lgicas s leis psicolgicas no s impede uma genuna compreenso objetiva da lgica, mas pernicioso quando as leis lgicas so infectadas pela psicologia; no obstante, vale destacar, tambm possvel notar nessa passagem que o psicologismo compreendido segundo o procedimento de reduo da realidade objetiva das leis da lgica s imagens subjetivas das leis da representao psicolgicas, ou seja, implcito o pressuposto do princpio de imanncia o qual rege uma concepo de subjetividade.Tudo arrastado definitivamente para o domnio da psicologia; desaparece cada vez mais a fronteira entre o objetivo e o subjetivo, e inclusive os objetos efetivos so tratados psicologicamente como representaes. Pois o que oefetivoseno um predicado? E, que so os predicados lgicos seno representaes? Assim desemboca tudo no idealismo e, sendo mais consequente, no solipsismo. (FREGE,Grundgesetze, p.32)Eis o diagnstico da polmica do psicologismo compreendida por Frege. Agora fundamental mostrar quais os parmetros filosficos fregeanos so propostos como soluo para este tipo de reduo psicologista. Antes, traaremos em linhas gerais a concepo realista da lgica proposta por Frege.

2. PensamentoA concepo lgica de Frege bem diferente do que ns, hoje, compreenderamos por lgica. Independente dos resultados tcnicos obtidos ao longo da trajetria de reelaborao da lgica intentada por Frege, ns devemos destacar a tarefa estritamente filosfica do projeto de fundamentar as leis lgicas em uma concepo objetiva da verdade. Frege estaria mais para umfilsofo da lgicaem busca dos seus fundamentos metafsicos e no apenas como um tcnico que opera com certa habilidade a partir do domnio positivo de um dado conhecimento tomado como resolvido, ou supostamente resolvido, ou pelo menos no problematizado. Se a lgica hoje concebida simplesmente como a cincia que estuda e se ocupa com princpios e mtodos de inferncia, validade formal de argumentos, clculos de predicados, sintaxe de certos sistemas e com o processo de validao e formalizao desses sistemas, enfim, ento, no isso que vamos encontrar nas reflexes propriamente filosficas de Frege a respeito do quee do deva tratar a lgica.

Para Frege a fundamentao da lgica um problema e um problema a ser resolvido diante de certas objees. Por ser um problema filosfico preciso apresentar de maneira precisa o que exatamente a lgica trata e o que exatamente no trata; distinguir aquilo que diz respeito estritamente s leis da lgica daquilo que no diz. preciso o esforo de buscar definies, e distines precisas, bem como precisar o seuobjeto, suafinalidadee, consequentemente, apossibilidadede apreenso e compreenso de tais objetos.Como vimos acima, segundo Frege, o principal impedimento de uma adequada fundamentao da Lgica a concepo psicologista das leis lgicas, ou seja, o processo cientificista de reduo de tais leis a leis psicolgicas. Mas no s isso, a impossibilidade da fundamentao da lgica reside em uma incompreenso da subjetividade fortemente amarrada ao princpio de imanncia.

Para Frege o objeto da lgica overdadeiro, ou mais precisamente, a lgica se ocupa com as leis do ser verdadeiro (Gesetze des Wahrseins). Nesse sentido, a tarefa da lgica tem uma peculiaridade, pois de todas as Cincias positivas, isto , particulares, a nica cujo objeto o mais geral de todos os objetos a lgica. Atribumos como tarefa lgica indicar apenas o mais geral, o que tem validade para todos os domnios do pensar. As regras para o nosso pensar e tomar por verdadeiro ns devemos pensar como determinadas por meio das leis do ser verdadeiro. (FREGE,Logik, 38). Todo trabalho de Frege ao longo do texto, e de suas reflexes a respeito do que a lgica, mostraro que soequais as propriedadesdessas leis do ser verdadeiro e, claro, se somos capazes de apreend-las e se caberia lgica o problema decomoapreend-las. Nesse sentido, presume-se a existncias de leis do ser verdadeiro, entretanto a dificuldade residiria, justamente, em saber i) se possvelapreende-las e ii) se a lgica dever se ocupar com o problema decomoapreend-las. A resposta de Frege para a primeira questo positiva e para segunda negativa, ou seja,apreendemosas leis do ser verdadeiro, porm no cabe lgica respondercomoisso se d. Esse procedimento tem o intento de distinguir aquilo que cabe estritamente lgica daquilo que cabe especificamente psicologia. No obstante, no se deva cair na ingenuidade de pensar que Frege se limita apenas ao esforo de delimitar e em seguida dispensar a psicologia do terreno da lgica.

Muitas so as distines feitas por Frege para demonstrar a objetividade das propriedades das leis do ser verdadeiro como objeto genuno da lgica e como diferenciao dessas leis em relao s leis lgicas traadas e reduzidas ao mbito da psicologia. Das mais importantes nessa tarefa de expor a crtica ao psicologismo naLgica, sem dvida, aquela distino feita entre pensamentos aparentes (Scheingedanke) e pensamentos (Gedanke) (FREGE, 1897, 42). Porquanto, segundo Frege, o lgico se preocupa com as propriedades objetivas dospensamentose no as propriedades, nesse caso subjetivas, depensamentos aparentes, j que a propriedade de ser verdadeiro ou falso recai e propriedade exclusiva de pensamentos. Essa distino pressupe a concepo fregeana de que o sentido (Sinn) de uma frase assertiva carrega a propriedade de verdadeiro ou falso e essa propriedade no a mera propriedade de uma representao (Vorstellungen), mas de um pensamento (Gedanken). Pois, se a propriedade deser verdadeirooufalsorecasse numa representao, todo o nosso conhecimento no passaria de uma fico presa ao pressuposto solipsista do idealismo subjetivista.

O predicado verdadeiro no aplicado realmente prpria representao, mas ao pensamento de que ela representa um certo objeto. E esse pensamento no uma representao, nem constitudo de representaes de modo algum. Pensamentos so fundamentalmente diferentes de representaes. (FREGE, 42)Fica bastante claro nessa passagem que a concepo de verdade de Frege pressupe uma tese anti-representacionalista, isto , realista, e tambm uma concepo absolutista da verdade, ou seja, de que a propriedade de verdade no uma propriedade de representaes e, consequentemente, no uma propriedade dependente de um sujeito que a represente em sua conscincia, mas uma propriedade objetiva de pensamentos. bastante forte para Frege que existe uma realidade no-emprica e no-real, mas objetiva, isto , a objetividade de pensamentos subsiste independente de quem as concebe. Fica claro tambm que, segundo Frege, a matemtica e a concepo de leis da natureza no soinvenesou formas de como o ser humano interpreta a realidade, masdescobertascomo sendo uma realidade, ou mais precisamente, com objetividade independente das mentes que as concebem e expressam. A lei da natureza no inventada por ns, mas descoberta e assim como uma ilha deserta no oceano rtico estava l antes de algum por os olhos nela, assim tambm as leis da natureza, e do mesmo modo as da matemtica. (FREGE, 45). A concepo de Frege do estatuto de leis da natureza est no extremo oposto daquela viso instrumental de teorias cientficas.

Ora, a importncia da propriedade de um pensamento e do prprio pensamento serem independentes de representaes individuais justamente a de que os pensamentos e as suas propriedades possuem a qualidade de serem atemporais e por isso no relativos ao lugar, ao tempo e a quem os concebem. E nesse sentido uma outra distino apresentada por Frege, a saber: entre o ato de pensar e o pensamento (FREGRE, 1897, 51-52), pois a partir dela que aparecer o problema da apreenso de um pensamento e o produzir o pensamento. Segundo Frege, o ato de pensar no produz de forma algum um pensamento. Ns no podemos conceber o pensar como um produzir pensamentos. Tampouco o pensamento um ato de pensar, diz Frege. E a partir da reflexo amparada na analogia de que apreendemos, capitamos, percebemos etc, que ser demonstrada, ou pelo menos pressuposta, a tese segundo o qual um pensamento independente de nossa vida mental e, por isso, carrega o estatuto de ser objetivo (Objektive), porem nem por isso uma entidade material, temporal, espacial ou real.Ns estamos acostumados a ver o que independente de nossa vida mental como algo espacial, material, e as palavras listadas (conceber, captar, apreender) fazem o pensamento assim parecer. Mas no a que se pode ver o ponto da analogia. O que independente de nossa vida mental, o que objetivo, no precisa ser espacial, material, efetivo. (FREGE, 52)Enfim, foi no procedimento metodolgico em diferenciar e determinar qual o objeto da lgica que Frege aponta as distines fundamentais ante a compreenso psicologista. Vale a pena destacar que o prximo passo agora retraar com linhas seguras as diferenas entre as duas concepes de leis lgicas sem deixar de mostrar os riscos de um tratamento puramente psicologista de tais leis.

3. Concluso: a polmica de Frege em torno do Psicologismo.

Depois de todoexcursoapresentado acima cujo objetivo era delinear e localizar os dilemas a serem enfrentados por Frege a fim de fundamentar a lgica em terreno universal e filosoficamente seguro, cabe agora adentrar com mais preciso no texto de Frege e buscar compreender sua soluo para o problema do psicologismo.

O trecho daLgicaa ser analisado e interpretado est em 62-64 e pode ser subdivido trs partes. i) A contextualizao do problema do psicologismo; ii) a possvel objeo do psicologista posio de Frege; iii) a refutao de Frege s objees. na argumentao de Frege s possveis objees psicologistas que a tese de sua concepo de subjetividade, embrionria e implcita no seu argumento, deve ser sustentada a fim de o texto no cair em contradio.

i)Contextualizao do Problema do psicologismo.

No nosso entender, a posio de Frege diante do psicologismo mostrar os riscos da concepo cientificista da psicologia que se arroga em reduzir leis lgicas s leis psicolgicas, sobretudo, quando se toma acriticamente o pressuposto errneo, ou pelo menos problemtico, de uma teoria da subjetividade fundamentada no princpio de imanncia, isto , de que os nicos objetos de conhecimento so os contedos imanentes da conscincia. O tratamento psicolgico da lgica se fundamenta na crena errada de que um pensamento (um juzo como usualmente chamado) algo psicolgico como uma representao. As consequncias lgicas desse tipo de reducionismo, como nota Frege, leva necessariamente a uma teoria idealista do conhecimento, como vimos, um outro nome para o solipsimo. Frege busca justificar sua compreenso do problema de se reduzir todo ato cognitivo s representaes a partir da suposio de que tal reduo correta, ou seja, busca compreender o dilema levando ao limite mximo de suas consequncias. pois, se ela for correta, ento as partes que distinguimos num pensamento [...] devem pertencer psicologia assim como os prprios pensamentos. E por que devemos concluir isso e qual a dificuldade encontrada ao chegar a tais concluses? Ora, uma vez que todo ato de cognio realizado em juzos, isto , ser realizado por meio da relao entre sujeito e predicado, ou seja, nada mais do que a vinculao entre dois conceitos conectados segundo o procedimento de associao de ideias regido por leis mentais, continua Frege, isto significa o solapamento de toda ponte condutora ao que objetivo, j que toda objetividade dopensamentonada mais do que umaaparncia de objetividade. No possvel buscar uma realidade objetiva independente de uma subjetividade, isto , da mente cujos pensamentos esto representados, e qualquer de nossas tentativas de chegar a isso, de chegar objetividade no-aparente dos pensamentos, no seriam mais do que tentativas de sair do pntano puxando-nos pelos cabelos. Enfim, o problema reside, em uma suposio de que ao se alcanar a objetividade das minhas representaes, isto , aobjetividade aparente,presume-se que tal objetividade, uma propriedade exclusiva das minhas representaes, seja propriamente a objetividade no-aparente de uma realidade fora da mente, mas tal suposio , segundo Frege, filosoficamente injustificada, como ele insiste: Quando muito pode-se tentar explicar como aaparncia de objetividadesurge, como ns chegamos a supor algo que no pertence a nossa mente, sem que essa suposio por isso seja justificada.

ii)a possvel objeo do psicologista posio de Frege.

Frege ao reconstruir o contexto da problemtica em que se encontra a sua fundamentao no pode deixar de pensar na possvel objeo do seu opositor. E o seu texto avana nesse sentido, isto , mostrar que at mesmo as propriedades objetivas de algo totalmente independente da mente decorrem de um processo de apreenso mental. Pois mesmo queleis da natureza o exemplo adotado por Frege a lei da gravitao o qual opera no argumento como um exemplo tpico de um pensamento independente das minhas representaes seja um pensamento e por isso, segundo ele, traz o sentido de ser inteiramente independente do que acontece em minha mente e de como minhas representaes mudam e oscilam., ainda assim, o opositor pode certamente dizer, oras, a apreenso desta lei um processo mental.

Essa objeo no errnea e pode apresentar uma inegvel contradio no percurso do raciocnio de Frege, pois se volta estaca-zero, a saber: todo ato de cognio depende de minhas representaes ou pelo menos, estritamente falando, da minha subjetividade e no h nada, a no ser por um decreto, que desvincularia esses aspectos da minha subjetividade no ato de apreenso de uma entidade objetiva, nada, a no ser por uma mxima, separa no conhecimento o psicolgico do lgico, tornando-se, nesse caso, apenas aparente esse procedimento de distines da relao entre o objetivo e o subjetivo.

iii)a refutao de Frege s objees

O procedimento refutatrio de Frege frente ao opositor de sua tese segundo a qual h objetividade de pensamentos subsiste independente das minhas representaes mentais no pretende simplesmente demonstrar algum tipo de paradoxo ou alguma inconsistncia lgica por parte da objeo, pelo contrrio, a postura de Frege de acolher a objeo como uma possibilidade legtima, no obstante limitada. Frege acata a tese do opositor segunda a qual a apreenso de pensamentos um processo mental, mas procura reformular os limites desse processo. Diz Frege: Sim, sem dvida, quer dizer, ele aceita a objeo, no h dvida de que a apreenso de pensamentos um processo desse tipo, continua, mas um processo que acontece nos prprios limites do mental. Ou seja, o processo mental, mas no i) qualquer tipo de lei do mental e ii) um processo determinado por um limite, um permetro de, vamos dizer, atuao do mental nele. O procedimento refutatrio de Frege na verdade o de recolocar um freio ou margens na atuao do psicolgico no lgico. Nesse sentido, no precisamos falar de um reducionismo tipicamente cientificista, mas do reconhecimento de que o psicolgico atua em um certo limite. E que, como justifica Frege a respeito da apreenso mental de pensamentos, por essa razo no pode ser completamente compreendido a partir de um ponto de vista puramente psicolgico. Aqui Frege leva a psicologia a sua extrema fronteira, a ponto de o prprio Frege dar a impresso de estar caindo em contradio, no obstante quando lido mais de perto, nota-se que no h exatamente uma contradio, mas o mapeamento de novas fronteiras. E quando pensamos em novas fronteiras no sentido de rever a prpria concepo de subjetividade suposta pelo velho psicologismo. Aqui, ousamos dizer, h uma reformulao da concepo deapreensono mbito de uma epistemologia que ampare uma eficiente teoria da percepo, pois, no apreender da lei algo, cuja natureza que no mais em sentido prprio mental, percebido, a saber: o pensamento. E o detalhe, para Frege, este processo de apreenso da objetividade a parir da subjetividade o mais misterioso de todos. Contedo, ainda que seja o mais misterioso, Frege no abandona o problema e busca reorganizar o que exatamente devemos esperar da psicologia enquanto atuando na resoluo de problemas lgicos, mas agora segundo os seus prprios limites. Mas mesmo porque ele (o processo de apreenso de pensamento) mental, ns no precisamos nos preocupar com isso na lgica. E d suas razes do por que no cabe ao lgico preocupado com sua fundamentao se ocupar com a psicologia:

Para ns suficiente que ns possamos apreender pensamentos e reconhece-los como verdadeiros;comoisso acontece uma questo por si mesma. Ns no nos preocupamos quanto ao como efetivamente acontece o pensar, o alcanar uma convico; no o como acontece o tomar por verdadeiro, mas antes as leis do ser verdade.Concluindo, luz do que foi exposto por Frege, pode-se traar o seguinte esquema: i) h pensamentos objetivos. ii) apreendemos e reconhecemos tais pensamentos. iii) o processo de como acontece o ato de pensar, ou seja, ocomono um problema da lgica, mas exclusivamente da psicologia. iv) ainda que a psicologia um dia conseguisse dar conta de explicar ocomocaptamos, apreendemos ou reconhecemos a objetividade de pensamentos, ainda assim, por princpio e reconhecimento do seu prprio limite, no possvel reduzir leis lgicas s leis psicolgicas. Consequentemente, a fundamentao da lgica numa objetividade universal ficar sempre blindada do assalto reducionista subjetivista.

BIBLIOGRAFIA

FREGE, G.Grundgesetze der Arithmetik. Begriffsschriftlich abgeleitet.Zweite univernderte Auflage; Hildesheim, George Olms, 1962; pp. v-xxvi.________. Lgica [Traduo de Celso R. Braida]. In: FREGE.Schrifften zur Logik und Sprachphilosophie.Aus dem Nachlass.Ed. Gottfreid Gabriel, 1897, p. 35-73.