A Crítica do Conceito de Trabalho sob a Égide da Filosofia Positiva.doc

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UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara – SP Ciências Sociais 3º ano – noturno Disciplina: Métodos Em Ciências Sociais Profº: Maria Orlanda Pinassi Arthur Guilherme Monzelli A C A CRÍTICA RÍTICA DO DO C CONCEITO ONCEITO DE DE T TRABALHO RABALHO SOB SOB A É ÉGIDE GIDE DA DA F FILOSOFIA ILOSOFIA P POSITIVA OSITIVA

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A Crítica do Conceito de Trabalho sob a Égide da Filosofia Positiva.doc

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UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JLIO DE MESQUITA FILHO

Faculdade de Cincias e Letras

Campus de Araraquara SP

Cincias Sociais 3 ano noturno

Disciplina: Mtodos Em Cincias Sociais

Prof: Maria Orlanda Pinassi

Arthur Guilherme MonzelliA Crtica do Conceito de Trabalho sob a gide da Filosofia Positiva

Araraquara SP Abril de 2013

INTRODUO

Este ensaio possui o intuito central de refletir sobre o fenmeno do trabalho, a partir de uma ptica marxista, analisando as significaes e resinificaes desse conceito, em funo do tipo de filosofia pela qual foi permeado durante seu processo histrico. Nesse sentido, nossa discusso estende-se tambm, ao debate entre os postulados da filosofia negativa e da filosofia positiva. Assim, concentremo-nos em apresentar a noo de trabalho dominante no perodo medieval, que poderia, sem dvida, representar uma da expresso positiva do trabalho, em oposio ao cunho negativo do ascetismo protestante, o qual, posteriormente reduz-se, tambm, a uma manifestao positiva do trabalho, durante o processo de ascenso do capitalismo. Enfim, primeiramente, procuraremos apresentar o conceito de trabalho, sob uma viso marxista, para, em seguida, dedicarmo-nos a observar um dos problemas mais emblemticos do capitalismo, o desemprego. Portanto, deixaremos ntido o carter eminentemente negativista, o qual, o trabalho sempre possuiu, que, todavia, acabou sendo obscurecido e esvaziado pela sua interpretao positivista, levada a cabo logo aps o pice das revolues industriais e da revoluo francesa. Faz-se necessrio ressaltar o fato do nosso tratado, baseia-se principalmente nas reflexes de Herbert Marcuse, sobre os autores: Georg Wilhelm Friedrich Hegel, Saint-Simon e Auguste Comte, alm das nossas interpretaes sobre as obras de Karl Marx.

I O trabalho positivo e o trabalho negativo: desdobramentos a partir do declnio do feudalismo

Antes de mais nada, preciso compreender, luz das reflexes de Marcuse (1978), que a filosofia negativa e a filosofia positiva, so fenmenos que expressam-se em todos os momentos do nosso processo histrico. Em todos os governos; sejam monarquias, tiranias ou democracias; em todas as sociedades, sejam autoritria, libertrias ou imperiais. Em suma, em toda a nossa histria existiram conjuntos de ideias, postulados e doutrinas que legitimassem a ordem vigente, como tambm, existiam aquelas teses audaciosas e corajosas que procuravam negar e destruir tudo que existisse, aps serem levadas a cabo anlises profundas da realidade, a qual, causou a esses belos espritos um descontentamento agudo, culminante em uma tendncia a aniquilao do real e a construo do novo. Isso pode ser observado claramente no julgamento de Scrates, tendo em vista, que, por um lado, segundo Plato (1980), ele no s acabou sendo acusado injustamente, mas inexistiam fundamentos em todas as acusaes elencadas a seu respeito, ou seja, tornava-se claro que a democracia ateniense temia o esprito crtico do guerreiro grego, a ponto de conden-lo a morte, mesmo estando o filsofo no fim da sua vida. Scrates, ento, representa no sculo V a.C, a gnese da filosofia negativa na Grcia, levada a cabo posteriormente por Plato e Aristteles. Por outro lado, os acusadores de Scrates, os juzes, polticos, artistas, entre outras autoridades gregas, cuja perspectiva era condenar o filsofo e salvaguardar, no s a poltica e a religio atenienses, mas tambm a sua conduta acrtica sobre a realidade, podem ser compreendidos como os militantes da filosofia positiva na Grcia Antiga.

Os exemplos da disputa entre filosofia negativa e positiva, como j pontuamos, permeiam toda a nossa histria, no entanto, respeitando o escopo do nosso tratado, procuraremos, inspirados em Weber (2001) observar as diferenas entre o trabalho na Idade Mdia e a contradio que eclodiu, em funo das novas pticas de trabalho, provenientes do perodo de ascenso do capitalismo. Assim, ao analisarmos o perodo feudal, segundo as reflexes de Cresson (1963), podemos pensar no fenmeno do trabalho, como uma espcie de sacrifcio, uma verdeiro castigo divino em funo de um pecado inicial que nossos supostos descendentes primordiais cometeram e ns devemos pagar. A prpria raiz da lingustica da palavra trabalho, provm do latim: tripaliare, isto , martirizar com o tripalium (instrumento tpico de tortura usado pela inquisio crist). Essa noo de trabalho evidentemente permeada pela filosofia positiva, pois naturalizava o status quo feudal, haja vista, que, a categoria de servo (marcado pelo trabalho compulsivo, braal, pesado e levado a cabo em funo do beneficio do senhor feudal) era justificada pelo pecado original, ou seja, devido a um suposto descaso para com a divindade em um passado longnquo, um segmento dos descendentes desses pecadores primordiais (l-se os servos), foram condenados a sofrerem um sacrifcio anlogo ao tripalium, para expiarem seus pecados em terra e alcanarem posteriormente o paraso perdido. Entretanto, o fenmeno do trabalho no atingia, em seu sentido de tripalium, todas as classes sociais da Idade Mdia, na realidade, havia uma exceo, os nobres e o clero no estavam sujeitos e esse sacrifcio, eles redimiam seus pecados de outra maneira, por exemplo: vivendo em funo do trabalho aleio, retribuindo-os por meio das suas funes de defesa do feudo. Os primeiros de maneira concreta, por meio do exrcito e, os segundo de maneira abstrata, mantendo contato direto com Deus. Por fim, precisamos ressaltar, inspirados nas concluses de Cresson (1963), que a fundamentao da breve discusso que desenvolvemos sobre ao conceito de trabalho no feudalismo, provm da ideologia escolstica, cuja essncia encontra-se na obra: As sumas teolgicas, de So Toms de Aquino, escrita entre os anos de 1265 a 1273.

Ao analisarmos a decadncia do feudalismo, podemos pontuar fenmenos que contribuiro para a dissoluo desse sistema, tais como: A revoluo comercial do sculo XV, o fiasco humano e econmico que representou as Cruzadas crists, a surgimento de uma economia de mercado, a centralizao do poder por meio da instituio do Estado Nacional, a Reforma Protestante, entre outros. Todos esses fenmenos, encaixam-se na anlise que Marx desenvolve com respeito a hegemonia capitalista, isto : A burguesia produziu, antes de mais nada, seus prprios coveiros. (MARX&ENGLES, 2008. p. 30), do mesmo modo que o feudalismo criou os seus. Contudo, nosso enfoque est em observar as transformaes nas relaes de trabalho, durante esse perodo transitrio, principalmente levada a cabo pelo movimento protestante, o qual, eclodiu na Europa e, hoje representa um elemento cultural impregnado em todas as justificativas ideolgicas para a expresso capitalista do trabalho. Nesse sentido, podemos invocar as concluses de Weber (2001), sobre o desenvolvimento dessa noo negativa de trabalho, cuja manifestao foi de suma importncia para a crtica da ideia de tripalium escolstica do trabalho, substituindo-a pelo ascetismo protestante, o qual, acabou por ajudar no desenvolvimento de um novo sistema econmico e social (o capitalismo), tal como, revolucionou as relaes de trabalho medievais. Sendo assim, possvel pontuar, segundo o socilogo alemo, que, o trabalho na ptica protestante no assemelha-se a ideia de sacrifcio, muito pelo contrrio, expressa uma conotao de Salvao. Tanto Martinho Lutero, quanto Joo Calvino, embora possussem suas especificidades tericas e religiosas, compreendiam que o reino dos cus somente seria alcanado por meio do trabalho. Com efeito, as 95 teses de Lutero foram cruciais para concretizar a transio de uma interpretao extramundana da divindade para uma interpretao intramundana, ou seja, o prprio individuo passou a ser responsvel pela interpretao das palavras da bblia, alm de poder manter ele mesmo, um contato direto com o Deus, sem precisar de intermedirios, tal como o clero. Entretanto, foi a doutrina da Predestinao, desenvolvida por Calvino, que revolucionou a noo de trabalho, determinando-o como: ininterrupto, sistemtico, penoso e extremamente dedicado, uma verdadeira conduta ideal e obrigatria ao protestante para alcanar a salvao ps-morte. Tal postulado pregava que algumas pessoas j nasciam predestinadas ao sucesso econmico, e o seu trabalho deviria ser direcionado a glria de Deus, no entanto, existiam aqueles que no foram privilegiados com tal ddiva, portanto, precisavam trabalhar tanto quando, ou muito mais, do que os predestinados, para garantirem seu lugar no paraso tambm. Vale ressaltar o fato da tica protestante, embora incentivar o lucro, o enriquecimento, os juros (ideias extremamente cidas ao iderio eclesistico), deixava muito claro o que a riqueza deveria ser direcionada a atividades relacionadas ao louvor de Deus, a boemia, as festas e at os esportes eram considerados como gastos irracionais.

Portanto, a tica protestante, ou seja, esse ascetismo religioso que, segundo Weber (2001) desenvolve uma espcie de esprito crucial ao desenvolvimento do capitalismo (sistema poltico e econmico ascendente em funo da crise do feudalismo). Tal postulado, torna-se ntido, tendo em vista, que, em primeiro lugar, Lutero acabou por reforar a ideia de indivduo, fato este fundamental a economia capitalista e, em segundo lugar, Calvino conseguiu por meio da doutrina da predestinao, justificar o trabalho assalariado, a acumulao primitiva de capital, e a desigualdade social, fenmenos inerentes ao bom funcionamento do capitalismo moderno. Nesse sentido, um movimento do sculo XVI apresentou uma noo de trabalho evidentemente negativista, se levarmos em conta o momento histrico em que originou-se. No entanto, chegando ao final do sculo XIX, esse trabalho metamorfoseia-se em mais uma expresso positivista da realidade, limiganto todos os elementos essncias ao status quo. Marcuse (1978) observa esse processo quando critica as teses industrialsticas de Saint-Simon, nas quais, os homens deixavam de serem sujeitos da histria, para serem objetos das leis naturais da sociedade. O socilogo alemo afirma que, inicialmente, Saint-Simon realmente acreditava na ideologia do progresso levar ao desenvolvimento do esprito humano e ao fim de todos os conflitos sociais. No entanto, Marcuse (1978), ressalta que no final da vida, o filsofo francs compreende o sistema capitalista industrial como explorador e empobrecedor do esprito humano. Com efeito, o responsvel por levar a cabo as ideias do jovem Saint-Simon, vai ser Augusto Comte, um dos seus discpulos e o fundador do positivismo.

Alm disso, o discurso da predestinao desdobrou-se em uma ideologia da meritocracia expressa nas teses econmicas influenciadas pelo laissez-faire, to criticado por Keynes (1978), ou seja, s h desemprego para os trabalhadores pouco esforados, os quais, no possuem dedicao o suficiente, ou no possuem o esprito capitalista plenamente gravados em sua conduta. Essa tese simplista e oriunda da filosofia positiva pode causar distrbios sociais como o desemprego, a fome e a misria. Ao analisarmos a obra cinematogrfica Le Couperet [O Corte] (2005, Direo: Costa-Gavras) possvel observar o convulsionismo social causado pela manuteno dessa lgica positivista de trabalho. O personagem principal, Bruno Davert demitido do seu posto de executivo da indstria de celulose aps um corte oramentrio, no qual, muitos funcionrios acabam sendo despejados de seus cargos na firma. No entanto, aps dois anos desempregados, em vez de unir-se aos seus antigos companheiros de empresa ou aos operrios em situao semelhante a sua, para organizar greves, passeatas, pressionar o governo local, enfim, procurar levar a cabo uma crtica a lgica de trabalho vigente, no, ao contrrio, ele preferiu arquitetar um plano de eliminar os concorrentes mais habilitados a ocupar o seu antigo cargo e tambm planejou assassinar o atual executivo da sua empresa, para assim, retomar o cargo que ocupou por quinze anos. Nesse sentido, podemos perceber como Davert incorpora em seu modo de agir, pensar e sentir o esprito do capitalismo, isto , a questo da concorrncia, a fragilizao da conscincia de classe, o individualismo exacerbado, ente outras noes, as quais, so levadas as ltimas consequncias pelo executivo, a ponto de destruir todo e qualquer expresso negativista e humana do trabalho, tendo em vista o fato dele matar os membros da sua classe social. Logo, o trabalho para ele foi esvaziado completamente de humanidade, podemos dizer, ento, que Davert expressa o pice da alienao do trabalho social.II As interpretaes do trabalho sob a gide da filosofia negativa e o desemprego como a crtica da noo positivista de trabalho

Aps nossas anlises sobre o carter positivista com que o trabalho assumiu no sculo XIX, expresso nas concluses de Marcuse (1978), podemos debruarmo-nos sobre as observaes de Netto & Braz (2006) sobre o carter negativista do trabalho, interpretado sobre a inspirao marxiana. Ambos s cientistas desenvolvem uma noo de trabalho, a qual, afasta-se no somente da tradicional interpretao de Tripaluim cristo, mas tambm da ascese protestante descrita por Weber (2001). Ele, ento, apresenta-se como um conceito novo, negativista por essncia. Para compreendermos tal postulado preciso esvaziar do trabalho toda a obrigatoriedade religiosa imposta sobre ele, ou seja, ele no representa nem uma punio divina, muito menos uma ddiva de Deus, tambm no uma mera ao utilitarista para sobreviver no mundo capitalista.

Por isso, baseamo-nos em Netto & Braz (2006), para compreender o trabalho como uma relao dialtica entre homem e natureza, na qual, os homens so sujeitos e a natureza objeto. Todavia, quando discutimos o carter de sujeito do homem, no pretendemos afirmar, sob nenhuma instncia, a superioridade ou o domnio dos homens sobre a natureza ou sobre os outros animais. O que procuramos pensar na sua eminente capacidade de transformar a natureza, em funo de suas necessidades, afastando-se de qualquer determinismo biolgico ou interveno direta da natureza, pois os homens sempre precisam de instrumentos que os auxiliem em suas relaes transformadoras da natureza. Alm disso, os autores tambm deixam claro que a manifestao desse trabalho depende da atividade teleologicamente orientada; ou seja, a atividade humana precisa ser idealizada, inicialmente (pr-idealizao) e; em seguida, necessita ser concretizada na natureza (objetivao). Nesse sentido, o trabalho segundo Netto & Braz (2006), atinge dois planos: o primeiro; representa a subjetividade, por meio da pr-idealizao na mente dos sujeitos sociais e; o segundo, expressa-se pela objetividade, atravs da concretizao da ideia nas relaes com a natureza, sempre mediado por instrumentos criados pelos prprios homens. Nesse sentido, possvel constatar que o trabalho procura objetivar, ou melhor dizendo, materializar as nossas ideias na natureza (l-se realidade). Faz-se necessrio ressaltar, que a ao transformadora da natureza, levado a cabo pelo trabalho, nunca uma ao individual, tendo em vista o seu carter universalista e socializante, ou seja, as pr-idealizaes, os instrumentos e os conhecimentos adquiridos, em funo das modificaes da natureza so todas, heranas histricas que passaram de pai para filho, por meio do desenvolvimento de uma linguagem articulada, a qual, dissemina-se e compartilha-se por toda a sociedade. Embora a maioria das tentativas de imaginar as origens primordiais dos fenmenos sociais tenham geralmente recado sobre um evolucionismo especulativo intil, improvvel que, at os adeptos mais fervorosos dessa teoria, tenham pensado na possibilidade da existncia histrica de um trabalho puramente individual. As descobertas e conquista vem sendo sempre socializadas em todos os perodos histricos, na realidade, foi somente, durante o capitalismo que o fenmeno da concentrao do conhecimento atingiu o seu pice.

Sendo assim, no podemos esquecer do carter evidentemente libertrio, revolucionrio e autoconstrutivo do trabalho, haja vista, que, os sujeitos sociais possuem a liberdade de idealizarem a transformao que desejam concretizarem, como tambm, podem escolher quais dos instrumentos socialmente construdos lhes sero uteis a esse intuito. Evidentemente, existem determinantes histricos, ou seja, dificilmente os homens podero transformar a natureza, baseando-se em conquistas ainda no deslumbradas pelo seu grupo, no entanto, isso no impede o seu trabalho de produzir conhecimentos novos e, nesse exato ponto, que, expressa-se a liberdade, isto , transformar a realidade de acordo com os conhecimentos historicamente produzidos e socializados dentro do conjunto humano, no qual, habita. Portanto, o trabalho, a todo momento produz e acumula conhecimento, transformando no somente a sociedade como um todo, mas tambm os prprios sujeitos que nela vivem, compartilhando e modificando o saber construdo coletivamente.

Para exemplificarmos nosso debate, podemos destacar as observaes de Lessa & Tonet (2008), com relao a noo marxiana de trabalho. Respeitando a argumentao dos autores, imaginemos que o homem precise executar o corte de alimentos para que o seu cozimento e, posterior, armazenamento sejam mais eficazes. Desse modo, ele procurar imaginar em sua mente quais os melhores mtodos para realizar tal funo. Pensemos, tal como Lessa & Tonet (2008), que ele decidiu construir uma ferramenta de corte, um machado, por exemplo. Para isso esse homem vai necessitar separar, dentro do que a natureza oferece-lhe, madeira resistente e, possvel de ser moldada pelos instrumentos, os quais, j possui, como tambm ser crucial encontrar pedras afiadas o suficiente para retalhar corretamente o alimento. Alm disso, ele no s idealiza o material, mas todo o processo de construo da ferramenta cortante, para, em seguida, lev-lo a cabo, por meio da materializao aquela ideia prvia na realidade, culminando no, at ento desconhecido, machado. Contudo, seria um grande erro pensarmos nesse processo de objetivao da pr-ideao, como um procedimento necessariamente individual, tendo em vista o fato de, tanto as necessidades, quanto o conhecimento anterior a contrio do machado, so de suma importncia para produzi-lo, alm de serem provenientes das objetivaes realizadas no passado, as quais, foram socializadas, ou seja, transmitidas pelos ancestrais aos seus descendentes, do mesmo modo que, o conhecimento da construo do machado universaliza-se em toda a sociedade, tornado-se, no futuro, herana s prximas geraes.

Levando em considerao o que j foi dito em nossa reflexo, no podemos negligenciar outro conceito muito importante para se entender a manifestao negativista do trabalho, ou seja, o que Netto & Braz (2006) denominam de prxis, conceito fundamentado pelo trabalho, no entanto, cujo surgimento pode ser observado apenas nas sociedades mais velhas, nas quais, o conhecimento j acumulou-se por muitas geraes, chegando a construir conhecimentos to complexos, que a noo de trabalho por si s, no capaz de abarc-lo. Por exemplo, as sociedades, nas quais, desenvolveu-se a filosofia, uma espcie de conhecimento que transcende a realidade emprica imediata, mas como todas os adventos humanos origina-se da relao dialtico-negativista do homem com relao a natureza. So tambm exemplos de produto da prxis a cincia, a poesia, os mitos, a religio, os diversos mtodos de educao, entre outros formas complexas de conhecimentos.

Nesse momento, chegamos ao cerne do ensaio, ou seja, compreender como a nossa noo de trabalho contempornea, est permeada por uma lgica positiva nefasta, no entanto, preciso entender que esse fenmeno um desdobramento da prpria prxis e, pode ser melhor denominado de alienao. Sobre a conotao apropriada pelo trabalho, principalmente, nas sociedades, cuja base a propriedade privada, o regime assalariado de servio e a desigualdade social, Netto & Braz (2006) afirmam, que, uma noo invertida de trabalho, ou seja, ela no pauta-se mais numa relao dialtica entre homem e natureza, ao invs disso, os homens tornam-se escravos das suas prprias criaes, no sendo mais capazes de enxergarem-se em suas obras, ao contrrio, pensam nelas como entidades independentes e exteriores a eles. Dessa forma, o trabalho humano alienado, transforma os homens em objetos de suas criaes, logo, cristaliza a realidade construda, empregando a ela um carter de perenidade.

Portanto, chegamos a concluso que a alienao naturaliza o status quo. Logo podemos compreender porque o trabalho, atualmente, est permeado pela lgica da meritocracia, cujo fundamento religioso to metafsico, hoje, quanto foi em sua origem no protestantismo. Pois como observa Keynes (1978), a ideologia do laissez-faire, criou uma falsa ideia da existncia de um mercado auto regulvel e na possibilidade plena dos indivduos serem absorvidos pela lgica capitalista, classificando os trabalhadores punidos pelo mercado como perdedores, obrigando-os a retornarem a competio capitalista, sem observar os gastos socioeconmicos que eles tiveram de investir nessa empreitada. Alm disso, o positivismo tambm apropriou-se incisivamente da noo de trabalho, por meio das revolues industriais que desenvolviam economicamente o Estado, em detrimento as condies de servio fabril. Contudo, por mais que o movimento de ascenso do capitalismo tenha expressado um esvaziamento do carter negativista do trabalho, em contraponto, ele tambm gerou os seus coveiros, no sentido em que dentre muitos problemas estruturais produzidos pelo capitalismo, os quais, atuam na funo do seu questionamento, nos interessa o fenmeno do desemprego. Foi por meio dessa consequncia, que as mais importantes manifestaes trabalhistas aconteceram, desde o ludismo e o cartismo, muitos movimentos sociais buscaram a retomada de um carter negativista e emancipador do trabalho, ao invs, de um regime esvaziador da condio humana, como apresentava-se o servio nas fabricas do sculo XVIII, principalmente depois da Primeira revoluo Industrial, emblematizadas na clssica obra cinematogrfica Modern Times [Tempos Modernos] (1936, Direo: Charlie Chaplin).

Por fim, podemos salientar o contexto do filme Los Lunes al Sol [Segunda-feira ao sol] (2002, Direo: Fernando Len de Aranoa), como de suma importncia para materializar nossa discusso, haja vista, que, retrata o cotidiano de um grupo de sete amigos, dentre os quais, quatro esto desempregados, mas todos encontram-se no bar, comprado por um deles (Rico) depois da demisso. Cada um dos personagens, encara a realidade do desemprego de uma forma. Santa, o personagem principal, compreende que, devido a sua idade e depois de tomar a frente da greve, dificilmente encontraria alguma empesa interessada em contratar-lhe. Lino, vai todos os dias atrs de um emprego, chegando ao ponto de pintar seu cabelo para parecer mais jovem e atraente ao mercado, no entanto, a nica resposta obtida o: talvez te liguemos. Jos e Amador tambm no procuram mais emprego. Serguei o personagem que encarna a situao do imigrante na Europa, que enfrenta um duplo desafio, o desemprego e a xenofobia. Por fim, h Reina o personagem que diferente dos demais, apropria-se da noo positivista do trabalho, pois conseguiu um emprego atravs do nepotismo empresarial, aps ser demitido como todos os outros, todavia, pressiona os amigos desempregados afirmando que devem procurar trabalho, pois com esforo e trabalhando duro conseguiro ter sucesso, como fez Rico ele afirma. Entretanto, Santa nos mostra o quanto falacioso esse discurso e como ele salvaguarda a sociedade miservel em que ns vivemos. Primeiramente, ele refuta a ideologia da meritocracia, quando l a famosa fbula da formiga trabalhadora para uma criana de classe mdia-alta (a qual, foi pago para cuidar), ressaltando o fato da formiga ser uma especuladora, ou seja, uma burguesa, pois no livro, segundo Santa, no se fala porque alguns nascem formigas e outras cigarras, porque se voc nasce cigarra, est perdido! A personagem esclarece-nos do perigo de julgar a as classes sociais sem analisarmos os seus contextos sociais prprios, sem entendermos o que origina a ao tpica das cigarras e a ao tpica das formigas, isto , a desigualdade social, fundamentada na propriedade privada. Em segundo lugar, Santa critica diretamente o discurso de bem-sucedido vendido ideologicamente, pelo capital, s pessoas que possuem um emprego (como Rico e Reina no filme), afirmando-lhes, que, quando a idade atinge o patamar de improdutividade, ao sistema capitalista, e voc ainda tem mulher e filhos que sustentar, oito milhes de pesetas da indenizao, no duram nada.

Portanto, o filme de Aranoa (2002) apresenta-nos uma acrtica atual ao conceito de trabalho, o qual, est naturalizado em nossa conscincia, ou seja, expressa uma herana da ideologia capitalista impregnada no conhecimento dos nossos antepassados. Desse modo, a personagem de Santa, de suma importncia para nossa anlise, pois resiste a alienao, e procura junto com alguns dos seus amigos retomar uma reflexo sobre o a expresso negativista do trabalho. E, isso pode ser observado, no memento do filme em que ele reflete sobre as consequncias da greve, quando a luta dos trabalhadores manifestava-se na reivindicao do carter coletivo e libertrio do trabalho, fenmeno, o qual, a personagem Amador, associava a ideia dos gmeos siameses, ou seja, se um cai, camos todos.CONSIDERAES FIANAIS

Nesse ponto, podemos concluir nossa anlise retomando a ideia marxiana de que o trabalho uma relao dialtica, revolucionria e autoconstrutora, dos homens com relao a natureza, portanto, representa uma ao eminentemente negativista. No entanto, ele, no est imune as apropriaes da filosofia positiva, a qual, expressa-se em nossa sociedade por meio do fenmeno histrico da alienao. Contudo, procuramos comprovar, por meio da literatura e da filmografia, que, a alienao como todo fenmeno histrico possui um fim e, segundo a perspectiva marxista, o prprio fenmeno vigente, o criador dos meios para a sua destruio. Nesse sentido, a nossa reflexo, procurou retomar a inspirao filosfica negativa do trabalho, atravs da crtica ao seu aspecto positivista, historicamente adquirido. Para isso, pautando-nos na anlise de um dos problemas estruturais e contraditrios, mais emblemticos do capitalismo, ou seja, o desemprego.REFERENCIAS BIBLIOGRFICAS E FILMOGRFICAS

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