A DANÇA DO ESPONTÃO NA SALA DE AULA - Biblioteca … · Por fim, a culminância do projeto se deu...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ CAMPUS DE CAICÓ DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO CERES ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA SUELE SANARA SANTOS DE AZEVEDO A DANÇA DO ESPONTÃO NA SALA DE AULA CAICÓ 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ

CAMPUS DE CAICÓ – DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO CERES

ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA

SUELE SANARA SANTOS DE AZEVEDO

A DANÇA DO ESPONTÃO NA SALA DE AULA

CAICÓ

2016

SUELE SANARA SANTOS DE AZEVEDO

A DANÇA DO ESPONTÃO NA SALA DE AULA

Trabalho de Conclusão de Curso, na

modalidade Relatório de Vivência Escolar,

apresentado ao Curso de Especialização em

História e Cultura Africana e Afro-Brasileira,

da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte, Centro de Ensino Superior do Seridó,

Campus de Caicó, Departamento de História,

como requisito parcial para obtenção do grau

de Especialista, sob orientação do Prof. Dr.

Muirakytan Kennedy de Macêdo.

CAICÓ

2016

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 04

2 A DANÇA DO ESPONTÃO NA SALA DE AULA ........................................................ 05

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 28

ABSTRACT ........................................................................................................................ 29

REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 29

APÊNDICES ...................................................................................................................... 31

APÊNDICE A – ESTUDO DO TEXTO SOBRE A IRMANDADE DO ROSÁRIO ......... 31

APÊNDICE B – LISTA DE PRESENÇA DOS ALUNOS ................................................. 33

APÊNDICE C – FOTOS DO DESENVOLVIMENTO DO PROJETO ............................. 34

APÊNDICE D – RELATO DE ALUNA ............................................................................. 45

ANEXOS ............................................................................................................................. 46

ANEXO A – COMENTÁRIO DA DIREÇÃO DA ESCOLA ............................................ 46

ANEXO B – POESIA APRESENTADA NA CULMINÂNCIA DO PROJETO .............. 47

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A DANÇA DO ESPONTÃO NA SALA DE AULA

Suele Sanara Santos de Azevedo

Muirakytan Kennedy de Macêdo

RESUMO

A cultura afro-brasileira pode ser trabalhada na sala de aula através de expressões artísticas.

No caso presente partimos de projeto de vivência escolar, no qual elegemos a Dança do

Espontão da Irmandade dos Negros do Rosário de Caicó-RN, enfatizando os valores culturais

dos negros na história local, com a finalidade de possibilitar a inclusão de crianças mediante a

dança e os ritos afro-brasileiros, valorizamos nessa experiência a cultura regional, suas

tradições e costumes, realçando o protagonismo negro na sociedade brasileira. Para isso se fez

necessário uma dinâmica pedagógica em que as aulas fossem atrativas, onde as crianças

interagissem umas com as outras. Daí propormos uma metodologia com rodas de conversa e

debate sobre o tema, uso de instrumentos musicais étnicos (tarol, caixa e pífano), oficinas de

dança e confecção de lanças coreográficas (espontões), visita guiada ao Santuário do Rosário

e à casa da Irmandade dos Negros do Rosário. Por fim, a culminância do projeto se deu com a

apresentação dos alunos na comunidade escolar do bairro Frei Damião. A bibliografia

utilizada baseou-se na produção historiográfica e antropológica sobre as irmandades negras do

Seridó (GOIS, 2014; SILVA, 2012; MACÊDO, 2014). Com a vivência escolar realizada,

esperamos ter oferecido meios para que os alunos experimentassem uma atividade didático-

pedagógica onde aprendessem a história e cultura afro descendente em uma ação que levou

em conta a arte.

Palavras-chave: Dança. Negros do Rosário. Cultura. Espontão.

Discente do Curso de Especialização em História e Cultura Africana e Afro-Brasileira – Universidade Federal

do Rio Grande do Norte (UFRN), Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES), Campus de Caicó,

Departamento de História (DHC). Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú, Polo

de Caicó. Professora da Rede Municipal de Ensino, na Escola Municipal Frei Damião (Caicó-RN), lecionando

em turma multisseriada do ensino fundamental do 1º, 2º e 3ºano. E-mail: [email protected].

Orientador do Curso de Especialização em História e Cultura Africana e Afro-Brasileira – Universidade

Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Professor do DHC, CERES, UFRN. E-mail:

[email protected].

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1 INTRODUÇÃO

Nos dias atuais temos nos deparado com vários temas relevantes em nossa sociedade,

alguns deles têm causado polêmicas e sido pauta de discussões, fora e dentro da escola, dentre

eles, a inclusão social. De acordo com Oliveira, “Uma vez ingressos os afro-brasileiros

passam a enfrentar um conjunto de problemáticas de extrema eficácia na permanência de

preconceitos, estereótipos e desvalorização dessa parte significativa da população brasileira”.

(2010, p. 137). Muitos desses embates sociais têm acontecido apenas no plano teórico, na

prática nos deparamos com situações bem diferentes; são práticas de uma “inclusão” que

muitas vezes se tornam excludentes. Reagindo a isso Silva e Porto nos mostram que “A escola

é uma instituição social que deve se comprometer com as mudanças rumo ao mundo mais

justo em que os homens possam viver sem preconceito e discriminação de credo, gênero entre

outros”. (2012, p. 42).

Tentando capturar este espírito de inclusão, pensamos em praticar uma experiência

que fosse participativa e envolvente, e dessa forma optamos por elaborar uma vivência onde a

história afro-brasileira fosse o conjunto maior da ação. Especificamente, no caso do presente

relato, partimos do projeto de vivência escolar na turma de 1º, 2º e 3º ano (multisseriada), do

ensino fundamental que foi realizada na Escola Municipal Frei Damião, a qual elegemos a

Dança do Espontão da Irmandade dos Negros do Rosário de Caicó-RN, enfatizando os

valores culturais dos negros na história local. Com o propósito de alcançarmos os seguintes

objetivos:

OBJETIVO GERAL: Valorizar a cultura negra de forma lúdica, envolvendo as

crianças através da dança e ritos africanos no ambiente escolar.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

• Estimular nas crianças o valor da dança do Espontão;

• Conhecer e resgatar as tradições dos ritos musicais africanos passados de geração a

geração;

• Construir objetos relacionados à dança do Espontão;

• Produzir texto referente ao tema.

Este trabalho buscou socializar e valorizar a cultura dos Negros do Rosário através

da Dança do Espontão contribuindo na inclusão social de todas as crianças em sala de aula.

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Mediante a dança e os ritos afro-brasileiros valorizarmos nessa experiência a cultura regional,

suas tradições e costumes, realçando o protagonismo negro na sociedade. A Irmandade dos

Negros do Rosário é uma agremiação da igreja católica formada a princípio no século XVIII

no Seridó, com escravos livres e libertos. Atua até os dias de hoje no Seridó, especialmente

em Caicó, Jardim do Seridó e Serra Negra. Tem como característica básica a devoção mariana

simbolizada pelo rosário e a encenação de uma corte de rei, rainhas, juízes, escrivãos e

puladores (dançarinos) com suas lanças coreográficas (espontão) simulando uma dança

guerreira (CAVIGNAC e MACÊDO, 2014).

Para elaborar a prática educativa tivemos que considerar o ambiente da cultura

étnica e sua problemática tensionada pelo racismo expresso em agressões verbais, físicas e

sociais. Considerando que a arte é um excelente momento de empoderamento dos sujeitos

sociais, elaboramos uma metodologia que levou em conta rodas de conversa e debate sobre o

tema, leitura de textos variados sobre a cultura negra e a Irmandade do Rosário de Caicó,

produções artísticas (desenhos e pinturas), exibições de vídeos das Irmandades do Rosário de

Caicó e Jardim do Seridó-RN.

2 A DANÇA DO ESPONTÃO NA SALA DE AULA

A vivência escolar, a Dança do Espontão na Sala de Aula, teve como proposta 16

aulas, contemplando momentos vivenciados pela turma desde a apresentação do projeto até

sua culminância, ou seja, a finalização das atividades com amostra aberta para toda

comunidade escolar. As aulas aconteceram de forma dinâmica e atrativa, onde as crianças

interagiam umas com as outras através das atividades de confecções de materiais,

verbalização do conhecimento e movimentos corporais, em um processo de apropriação da

história e cultura regionais através da dança; para que isso fosse possível dentro de um espaço

de ensino-aprendizagem elaboramos o seguinte plano:

1ª Aula:

Apresentação para a turma do projeto “A Dança do Espontão na Sala de Aula”,

com palavras-chaves e debate sobre o tema;

Produção de desenhos individuais referentes à aula, e montagem de um livro com

as ilustrações produzidas.

No primeiro momento foi apresentado o projeto de forma sucinta, em seguida, foi

organizada uma roda de conversa através de palavras-chaves fixada na lousa, na qual cada

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criança era convidada a escolher uma palavra, ler e falar o significado para os colegas de

acordo com seu conhecimento prévio.

FIGURA 01 – Apresentação das Palavras-chave

FONTE: Suele Azevedo, 2015.

Ao final da leitura de todas as palavras-chave pelas crianças a professora discutiu a

importância de cada palavra durante o desenvolvimento do projeto. Assim cada criança

conseguiu interagir e compreender a relevância da Irmandade do Rosário e da Dança do

Espontão na cidade de Caicó-RN e região do Seridó, patrimônio cultural que valoriza a

cultura negra e suas tradições ao longo dos séculos. Para além da folclorização do fator

cultural Silva (2012, p.57), destaca que para Câmara Cascudo “a cultura popular não podia ser

confundida com o folclore. O folclore despertava interesse porque era algo nacional, mas que

estava deixando de existir, que se encontrava fora do tempo da „modernidade‟”. Dessa forma

entendemos que Cascudo em suas pesquisas sobre o folclore procurava compreender uma

“cultura” que não estava distante da atualidade. Segundo Cascudo, toda manifestação

“folclórica é totalmente popular mas nem toda produção popular é folclórica. Afasta-se do

folclore a contemporaneidade. Falta-lhe tempo.” (1978, p. 23). Assim entende o folclore como

algo antigo que se perpetua no tempo representando a raiz da identidade nacional.

Diante da proposta apresentada para melhor fixar e avaliar os alunos foi distribuído

para cada criança uma folha de papel tamanho ofício e lápis coloridos, onde poderiam

representar os conhecimentos adquiridos através de desenhos. Cada desenho produzido

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representou algum aspecto ligado aos Negros do Rosário e seus espontões. O conjunto de

desenhos pode constituir assim um livro de imagens como forma de expressão dos

conhecimentos adquiridos na aula em uma operação de apropriação do saber, no espírito da

educação patrimonial.

FIGURA 02 – Desenhos produzidos

FONTE: Suele Azevedo, 2015.

2ª aula:

Exibição de um documentário sobre a Irmandade dos Negros do Rosário de

Jardim do Seridó-RN;

Apresentação dos instrumentos musicais e objetos que fazem parte da Dança

do Espontão: tarol, caixa (tambores), pífano, lança (espontão) e fardamento.

A turma foi disposta na sala de aula em formação de meia lua para assistir ao

documentário sobre os negros do Rosário de Jardim do Seridó-RN, produzido pelos discentes

da turma 2002.1 do curso de graduação de história da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte – UFRN – Caicó em 2004. Ficou patente o quanto todos ficaram impressionados,

felizes em ver e ouvir pela primeira vez um batuque diferente daquele da Irmandade do

Rosário de Caicó, com que estavam mais acostumados. Este era um aspecto que diferenciam

as irmandades do Seridó, pois elas possuem características muito semelhantes. (MACÊDO,

2014). Perceberam também a dança e a vestimenta, despertando a curiosidade e a vontade de

aprenderem a tocar e dançar. Radiantes de contentamento perguntavam e questionavam se

eles também usariam alguma roupa, quem dançaria? Quem seriam rei e rainha? Se teriam a

capacidade de aprender. Assim os questionamentos chegavam com o medo e a insegurança de

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um novo desafio. Seria um trabalho árduo e difícil, mas não seria impossível, a hora era de

grandes descobertas de um mundo cultural jamais imaginado tão palpável pelas crianças.

Outras crianças observaram os instrumentos e percebiam que os mesmo eram

grandes e pesados para o seu tamanho e idade, o que os entristeciam por não ter a

possibilidade de tocar. Para tocarem precisariam fazer um teste que observariam suas

habilidades e desenvoltura.

Por outro lado, como ficou externado pela professora, todos ficaram com a certeza

que participariam do desenvolvimento do projeto fosse na percussão, flauta ou dança. Como

coordenadora da ação, senti bastante dificuldade em desenvolver esta aula, pela exiguidade do

espaço, pois a escola encontrava-se em meio a uma reforma e provavelmente não teria como

desenvolver todas as aulas dentro do prédio da escola. A aula foi ministrada em uma casa

anexo à escola que serve como apoio ao projeto Mais Educação, mas apesar desse imprevisto

a aula foi bastante proveitosa e com um bom desempenho das crianças.

3ª aula:

Estudo de texto sobre a história da Irmandade dos Negros do Rosário de Caicó-RN e

a Dança do Espontão.

Ao iniciar a aula foi entregue às crianças uma lauda de um texto sobre a origem da

Irmandade, para fazerem uma leitura silenciosa e logo em seguida cada um leu para os demais

da sala, para assim incentivar a leitura e trabalhar a oralidade dos mesmos.

FIGURA 03 – Estudo do texto sobre a Irmandade

FONTE: Suele Azevedo, 2015

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Discutimos o texto sobre a origem do grupo de Negros do Rosário de Caicó que traz

16 de Junho de 1771 como marco inicial com negros que residiam na fazenda (sítio)

Samanaú. Os alunos tiveram conhecimento do “Termo de Aceitação que fazem os Irmãos das

Constituições deste Compromisso”, documento estatutário cujas clausuras deveriam ser

seguidas e respeitadas por todos os seus membros (MACÊDO, 2014), depois tiveram

conhecimento de que o grupo era inicialmente formado por 43 integrantes e que todos os anos

no mês de outubro, durante três dias no final do mês nas novenas, saiam em procissão com

sua corte de reinado do sítio para a cidade onde dançavam no patamar da igreja do Rosário.

Marcados pela principal figura que é o rei e rainha da festa e os seus instrumentos artesanais

bastante rústicos utilizados pelo grupo, com quatro caixas, dois pífanos, quarenta espontões e

o fardamento.

Interessante que segundo Silva,

O reinado pode ser encontrado em várias manifestações culturais pelo país,

como, por exemplo, nas festas de congadas. Inclusive as aproximações entre

congadas e a festa do Rosário não se dá apenas na presença do reinado, pois

ambas também possuem apresentações com danças “guerreiras”. (2012, p.

62)

A dança é de fato bastante importante dentro das manifestações culturais, a

performance do grupo ocorre de acordo com a música e a dança. Essa referência encontra-se

na Irmandade de Caicó com características coreográficas comuns em congadas brasileiras e

em nosso caso na dança do espontão. Desse modo ao decorrer das conversas percebemos que

o grupo de negros do Rosário de Caicó em 2015 fez 244 anos de sua existência de tradição e

cultura em nossa cidade.

4ª aula:

Visita ao Santuário do Rosário e à sede da Irmandade dos Negros do Rosário em

Caicó-RN.

A turma foi conduzida para uma aula de campo para conhecer, inicialmente, a sede

da Irmandade dos Negros do Rosário de Caicó, localizada no bairro João XXIII, após

inúmeras tentativas com o presidente da Irmandade, diante de vários telefonemas foi marcada

finalmente a visita na qual o presidente da agremiação não esteve presente enviando um

portador que abriu a casa que se encontrava totalmente suja, mostrando assim um abandono e

falta de cuidado por algo que é tão importante na permanência dessa cultura viva. O senhor

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que ali se encontrava foi bastante prestativo e, logo começou a limpar o salão pra podermos

permanecer no local.

FIGURA 04 – Galeria dos Reinados

FONTE: Suele Azevedo, 2015

As crianças conduzidas pela coordenadora da ação foram dirigidas para a galeria de

homenageados da Irmandade. Eram fotografias que registraram diversos momentos do grupo,

assim como as figuras ilustres que atuam na Irmandade até hoje. Havia também esculturas

pintadas nas paredes: negros com os espontões. Havia uma imagem central de Nossa Senhora

do Rosário em frente da porta de entrada que despertou especial curiosidade por parte deles

por ter uma grade de ferro em sua frente, bem como o boneco negro com a vestimenta do rei,

como também a pintura do “Tronco, ramos e raízes” chamou atenção.

FIGURA 05 – Interior da Sede da Irmandade

FONTE: Suele Azevedo, 2015

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Não participou da ação, o grupo mirim dos Negros do Rosário pois se encontrava,

segundo o relato do presidente, em atividade extensionista no Instituto Federal do Rio Grande

do Norte – IFRN. Os alunos sentiram sua ausência, pois desejavam vê-los dançando. Mas a

visita enriqueceu o aprendizado de cada um, para a concretização de tudo que já foi discutido.

Da sede da Irmandade a turma seguiu para frente da Igreja do Rosário. No patamar

da igreja eles ficaram entusiasmados, ainda mais por que a professora coordenadora prometeu

levá-los novamente, no período da festa de 2016, para assistirem a apresentação da Irmandade

presencialmente.

FIGURA 06 – Patamar da Igreja do Rosário

FONTE: Suele Azevedo, 2015

Entrar na igreja foi uma incontida satisfação no rosto de cada um diante a beleza

interna da igreja e da imagem de Nossa Senhora do Rosário. Tudo foi observado: cada canto,

cada detalhe, e simplesmente a ingenuidade de perceber dentro da igreja um presépio para o

nascimento de Jesus. O silêncio em respeito por estar no interior de uma igreja foi totalmente

espantador, conclui que o deslumbre fazia parte realmente da aprendizagem.

5ª aula:

Primeiras noções dos ritmos para a performance da Dança do Espontão.

A aula de musicalização teve o auxílio de um jovem professor integrante da

Irmandade dos Negros do Rosário de Jardim do Seridó-RN. Ele explanou sobre como tocar a

percussão demonstrando aos alunos como se devia inicialmente pegar nas baquetas de

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madeira e a postura adequada para tocar os instrumentos. Ensinou como era a forma de

regular a tensão do tambor, e assim como melhorar a altura do som produzido.

FIGURAS 07 e 08 – Ensaio com os instrumentos de percussão

FONTE: Suele Azevedo, 2015

Consideramos este um momento de aprendizagem muito importante para a atividade,

pois concordamos com Mateiro e Ilari: “o ritmo [...] é um elemento vital da música, pois é por

meio dele que se manifesta a exteriorização mais espontânea, tanto no adulto como na

criança” (2011, p.170). Todas as crianças tiveram noções de como tocar tarol e caixa

(tambores), momento este que serviu como forma de observar quem tinha habilidade e

iniciativa para aprender a tocar um instrumento.

Assim foram escolhidas três crianças para aprenderem a tocar tarol, iniciando as

primeiras noções dos ritmos. Afinal, para “buscar um entendimento de uma cultura e/ou grupo

social é de grande relevância consideramos quais os tipos de música existentes, e como eles

são vivenciados pelos membros dessa cultura e/ou desse grupo” (QUEIROS, 2004).

Mesmo sendo uma primeira aula de musicalização, ela foi bastante significativa

considerando-se o interesse e o desempenho de cada um. Ficou decidido que o restante dos

alunos participaria da coreografia, para isso necessitando ensaiar com os percussionistas

“caixeiros”, e quem não queria participar diretamente assistia à aula, como forma de

incentivar os colegas.

6ª aula:

Exibição de vídeo do sobre o grupo mirim dos Negros do Rosário de Caicó-RN.

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O vídeo mostrou o grupo Mirim dançando na rua da cidade durante o período da

festa de 2014, possibilitando aos alunos observar como é trabalhar em grupo no

desenvolvimento de um trabalho, pois a criança isolada não consegue realizar a coreografia

assim como os colegas que tocam. Perceberam que o rendimento de cada um dependia do

esforço de todo o grupo, respeitando os limites de cada um em seu desenvolvimento. Ao

terminar o vídeo, retornei a trechos deles, pausando cenas e discutindo aspectos específicos da

coreografia.

Foi questionada pela turma a razão da ausência do rei e da rainha na apresentação do

grupo mirim. A professora explicou com base em Macêdo (2014) que em “eventos ocorridos

fora do âmbito religioso, tocadores, dançarinos e porta-bandeira se apresentem em nome das

irmandades, uma vez que reis e juízes geralmente só se apresentam durante as festividades

religiosas”.

O trabalho com o vídeo foi muito importante quanto à sensibilização do grupo para

incentivá-lo às atividades de dança e a música.

7ª e 8ª aula:

Oficina de confecção de espontões (lanças) para Dança do Espontão.

Materiais utilizados:

Vara de madeira (cabo de vassoura);

Fitas de seda coloridas;

Tinta guache: branca;

Fita adesiva: azul e amarela;

Pincéis;

Bastão de cola quente;

E.V.A.;

Moldes para lança;

Tesoura;

Tinta spray dourado,

Grampeador,

Lixa para madeira,

Cordão (barbante) de espessura média.

O primeiro passo foi pintar um pedaço de E.V.A. com tinta dourada spray. Em

seguida foram cortados triângulos para colar, ao final da oficina, nos espontões. Esta parte foi

conduzida pela professora por causa dos produtos químicos.

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Cada aluno recebeu um cabo de vassoura e lixou-o para iniciar seu trabalho na

oficina. Depois a madeira foi pintada com tinta guache em duas ou três demãos dependendo

do tipo da madeira. Esperou cerca de cinco minutos para a tinta secar no intervalo de cada

demão.

FIGURA 09 – Confecção do espontão

FONTE: Suele Azevedo, 2015

Sobre o fundo branco, foram afixadas tiras em espiral de “durex” amarelo e azul.

Para finalização, com um cordão de 12 cm de comprimento foram amarradas as fitas de seda

no tamanho de 25 cm grampeadas em volta da ponta do espontão. Por fim, pregou-se com

cola quente a ponta do espontão feito de EVA. Com o espontão pronto, chegou a hora de

iniciar os ensaios da coreografia.

FIGURA 10 – Confecção do espontão (finalização)

FONTE: Suele Azevedo, 2015

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A Dança do Espontão é o momento alto das celebrações de coroação. Para Câmara

Cascudo “No Rio Grande do Norte (Caicó e Jardim do Seridó), a coroação resiste travestida

de dança do espontão [...], onde há Rei e Rainha que vão solenemente à missa dominical

acompanhados de séquito, tambores e lanças, mas já coroados...”. (CASCUDO, 1962, p. 231

apud SILVA, 2012, p. 64). O espontão é uma,

Meia lança usada como distintivo pelos sargentos de infantaria até fins do

séc. XVIII, spontone, esponton, com uso idêntico, desde a Idade Média, em

França e península italiana. Denomina uma dança guerreira, que

acompanhava a procissão e festa de Nossa Senhora do Rosário no Nordeste

do Brasil. [...].(idem, ibidem)

Cascudo apresenta as origens desse adereço na lança dos sargentos de infantaria da

Idade Média na França e Itália, instrumento similar utilizado nas performances da dança do

espontão.

As crianças apresentaram total empenho durante toda a oficina que foi dividida nas

duas aulas: pintura e decoração do espontão.

FIGURA 11 – Pintura da ponta do espontão

FONTE: Suele Azevedo, 2015

Este momento foi marcado pela técnica, cuidado, habilidade, paciência e vontade de

produzir o instrumento que seria utilizado nos ensaios e apresentação da dança.

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9ª aula:

Mostrar/ouvir os timbres e ritmos musicais da Dança do Espontão através da exibição

de vídeos com ritmos e coreografias das Irmandades do Rosário de Caicó e Jardim do

Seridó-RN.

Através da exibição do vídeo ficou nítida a diferença do ritmo compassado e a dança

entre as duas Irmandades. Visto que a de Jardim do Seridó dança saltitando (pulando) pelas

ruas enquanto a de Caicó tem uma coreografia com passos fixos. Outro aspecto que diferencia

as irmandades seridoenses, diz respeito às datas na qual às mesmas comemoram as

festividades do Rosário em suas cidades e comunidades. Jardim do Seridó realiza a celebração

no período de 30 de dezembro ao primeiro dia do ano seguinte. Em Caicó a Festa do Rosário

acontece no mês de outubro, entre os dias 20 e 30.

Após a exibição do vídeo as crianças voluntariamente começaram a dançar, tendo

como base o aprendizado adquirido durante as aulas.

FIGURA 12 – Ensaio espontâneo

FONTE: Suele Azevedo, 2015

A dança se desencadeou um excelente momento de aprendizagem. Pois, para Mateiro

e Ilari (2011), consolida as atividades com movimentos corporais, ao propiciar experiências

corpóreas de espaço e tempo, individuais e grupais, em diversas dinâmicas favorecendo a

percepção do próprio corpo no espaço e em relação ao grupo. Nesse sentido, à vontade e, ao

mesmo tempo, a dificuldade de aprender algo fácil e complexo no desenvolvimento da dança.

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Duas crianças, por timidez, não aceitaram dançar. Mas era notória a satisfação em ver os

colegas dançando de forma “desorganizada”, mas já tentando executar alguns passos.

10ª aula:

Ensaio dos ritmos musicais e da coreografia da Dança do Espontão com os alunos.

Antes de iniciar propriamente a dança, era necessária mostrar como se desenvolviam

as cinco partes dela. Assim como demonstrar a formação dois pelotões (um em frente do

outro), segurando o Espontão na mão e o sinal do coordenador para começar a dança,

acompanhando o ritmo da batucada:

FIGURA 13 – Ensaio com os instrumentos de percussão

FONTE: Suele Azevedo, 2015

Primeira parte chamada de “marcha livre”: todos dançam à vontade marcando o

passo, trocando os espontões fazendo zigue-zague. É o momento também de saudação a

Nossa senhora do Rosário.

Segunda parte chamada de “baião”: no “alavantu” a dupla troca os espontões; no

“anarriê” a dupla devolve os espontões.

Terceira parte chamada de “xaxado de palma”: duas fileiras, chamadas de

“pelotões”, se posicionam uma em frente a outra, distantes em torno de dois metros. Os

espontões deverão estar dispostos na frente dos membros que trocam de lugar dançando e

batendo palmas. Apanham depois os espontões com a mão direita e devolvem-nos dançando.

Depois forma-se uma roda que se desfaz e saúdam os presentes.

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Quarta parte chamada de “dança do túnel baião”: o primeiro pelotão levanta os

espontões formando um arco. O segundo pelotão passa por ele dançando em zigue-zague e

volta por baixo até que cada um chegue ao seu lugar. Troca-se o pelotão, que faz a mesma

coisa que o pelotão anterior.

Quinta parte chamada de “marcha de rua”: o primeiro pelotão de um lado e o

segundo do outro, acompanhando o ritmo das caixas por igual. Movimentando todo o corpo,

trocando de lugares com os espontões para cima. Volta-se da mesma forma sendo um pelotão

para a direita e outro para a esquerda. Quando se encontram ficam lado a lado com espontões

para o alto. Os espontões serão trocados para a outra mão, abrindo e voltando por dentro para

cumprimentar o reinado.

FIGURA 14 – Ensaio de coreografia

FONTE: Suele Azevedo, 2015

Após todo esse diálogo iniciamos os primeiros ensaios, ensaiar a dança e o ritmo

mesmo com o auxílio do professor de percussão, não foi muito simples. Era muito difícil às

crianças conseguirem sincronizar, unificar o ritmo e à dança. Sabe-se que a prática de

movimentos, atividades rítmicas e o aprendizado da música ocorrem de forma simultânea: “O

movimento ou gesto pode ser traduzido em seu ritmo ou som; de modo inverso, um som ou

ritmo pode gerar um gesto, movimento ou dança”. (MATEIRO; ILARI, 2011, p. 141). Em

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alguns momentos os percussionistas ou dançarinos tinham que parar e reiniciarem, pois não

estavam no mesmo ritmo ou coreografia.

FIGURA 15 – Ensaio com os instrumentos de percussão

FONTE: Suele Azevedo, 2015

Nenhuma criança se mostrou habilidosa ou quis tocar o instrumento de sopro, no

caso, a flauta doce, como era um instrumento necessário à ação musical, convidei uma ex-

aluna da escola residente no bairro e que frequenta o Projeto das Aldeias S.O.S, parceira da

escola. Foi difícil para a instrumentista ensaiar o hino de Nossa Senhora do Rosário devido a

inúmeras interrupções. Momento bastante desafiador e desestimulante por não ter alcançado

na aula o objetivo proposto. Assim ficou decidido que seria mais prático o ensaio coreográfico

ocorrer com o áudio gravado em CD/DVD, até que a turma tivesse condições de atuar com a

música ao vivo.

11ª aula:

Ensaio dos ritmos musicais e a Dança do Espontão.

Organizamos todo o espaço com os instrumentos, mas o professor de percussão não

compareceu, sua ausência deixou todas as crianças decepcionadas. Como estratégia exibi mais

uma vez o vídeo do grupo Mirim (Negros do Rosário) e ensaiamos observando cada passo, e

corrigi certas falhas através do vídeo. Assim a aula teve uma duração de duas horas com

intervalos de dez minutos a vinte minutos para descansar.

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FIGURA 16 – Ensaio de coreografia

FONTE: Suele Azevedo, 2015

Ao final da aula algumas crianças já estavam bastante entusiasmadas por terem uma

boa noção dos passos, possibilitando a todos se dedicar e melhorar o seu desempenho. Apesar

da angústia que senti, houve muita satisfação em vê-los se empenhando cada um com seu

ritmo, felizes ajudando uns aos outros, socializando seus medos, anseios e conquistas.

12ª aula:

Ensaio dos ritmos musicais.

Com duas crianças no tarol e uma na caixa, o instrumentista do tarol demonstrou

bastante facilidade em aprender e a outra sentindo um pouco de dificuldade devido ao

impacto da batida forte, saiu do ritmo por várias vezes. Desistiu e preferiu dançar. Assim

surge a dificuldade, tendo em vista o pouco tempo para os ensaios. Sabíamos que a percussão

não era fácil para uma aprendizagem tão rápida, pois “Deve-se ter uma atenção especial na

utilização das baquetas nos instrumentos, pois delas depende grande parte do resultado

sonoro”. (MATEIRO; ILARI, 2011).

A turma se identificou com o professor de percussão, o que favoreceu o aprendizado

em uma aula de aproximadamente uma hora com três intervalos de cinco minutos. Todos os

instrumentos eram de origem industrial, pois o pouco tempo para o desenvolvimento da

vivência não permitiu confeccioná-los artesanalmente.

21

O ensaio com a flauta doce deu-se após os demais instrumentos, durante 20 minutos,

onde se apresentou a jovem com a flauta. Todos ficaram bastante impressionados com a

habilidade da mesma em seu instrumento.

FIGURA 17 – Ensaio com flauta doce

FONTE: Suele Azevedo, 2015

13ª aula:

Organização do grupo (turma) e suas funções para apresentação final;

Ensaio dos ritmos e da dança do espontão.

A turma nesse momento ganhou a parceria de mais duas crianças, um do projeto das

aldeias S.O.S e outro aluno 4º ano da escola que sentiram vontade de fazer parte desses

momentos onde se valoriza a cultura afro-brasileira. Observou-se um bom desenvolvimento

deles na percussão do tarol. Assim foi feito um ensaio com os dois alunos e foram escolhidos

para tocar. Ao definirmos os alunos da percussão mediante o esforço e dedicação de cada

aluno nos ensaios, organizamos a função de cada um.

As duas crianças negras seriam rei e rainha. Duas crianças menores, porta-bandeiras,

que costumam vir na frente do grupo, carregando uma bandeira na qual se encontra a imagem

de Nossa Senhora do Rosário. Seguem o cortejo oito dançarinos “saltadores”. Músicos: um no

pífano, três no tarol e o professor de música na caixa que produz o ritmo.

22

Após esse momento a turma teve uma nova estrutura, cada um com sua função. O

desafio de ensaiar pela primeira vez em uma nova organização que a partir daquele momento

a dança não seria somente uma brincadeira e sim uma realidade vivida por cada um.

Durante três horas de ensaio com intervalos, a vontade de tocar e dançar aumentava a

cada instante, para eles só o que existia era aquele momento.

Todos em seus lugares percebiam que uma coreografia dependia do outro, da

cumplicidade do grupo para que resultasse num produto final.

A persistência e a vontade de fazerem o melhor de si faziam com que todo esforço

fosse realmente reconhecido pelo colega, e a apresentação começava a se encaixar e todos se

desenvolviam ao mesmo tempo.

FIGURA18 – Ensaio de coreografia

FONTE: Suele Azevedo, 2015

14ª aula:

Prova da vestimenta para apresentação final;

Ensaio dos ritmos e da dança do espontão.

As roupas foram confeccionadas para cada criança que vai dançar: calça azul, camisa

branca com detalhe azul e gorro azul com detalhe branco. Após as provas das roupas, as

crianças ensaiaram com a coordenação da professora através de “gestos” que identificavam os

passos. O ensaio foi desenvolvido com os percussionistas “caixeiros” do lado externo da sala

de aula e o restante dos alunos dentro da sala devido o calor e o acústico por ter forrado a sala

na reforma do colégio dificultado a junção de todos.

23

FIGURA 19 – Ensaio de coreografia

FONTE: Suele Azevedo, 2015

O desempenho melhorou a cada passo, num mesmo ritmo com que acontecia cada

passo na sequência que vinha sendo trabalhada. Aos poucos a coreografia fluía livremente,

assim como o ritmo musical.

15ª aula:

Ensaio geral dos ritmos e a dança do espontão.

Na véspera da apresentação final, o ensaio foi realizado na frente da escola para fazer

as últimas correções previstas.

FIGURA 20 – Saída para ensaio de coreografia

FONTE: Suele Azevedo, 2015

24

FIGURA 21 – Ensaio de coreografia e ritmo

FONTE: Suele Azevedo, 2015

Proporcionava um espetáculo para os que passavam na rua, muitos paravam para

assistir ao ensaio. Momento de tensão e “ansiedade” por parte dos envolvidos. Estava

próximo o “grande dia”!

FIGURA 22 – Ensaio de coreografia e ritmo

FONTE: Suele Azevedo, 2015

Tudo foi revisado e repassado, desde a entrada do rei e rainha como dos demais

integrantes do grupo, todos respeitando a coreografia.

16ª aula:

Culminância;

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Apresentação do projeto: A Dança do Espontão na Sala de Aula para toda

comunidade escolar, pais e convidados externos;

Relato de avaliação da gestora/equipe escolar e alunos após a apresentação.

O dia foi de grandes acontecimentos e preparativos para a apresentação. A escola

teve seu refeitório decorado com “fotos” do desenvolvimento do projeto, objetos relacionados

ao sertão, bem como vestimentas, espontões, painel de figuras de negros. Enfim, materiais

que retratassem nossa cultura.

FIGURAS 22 e 23 – Exposição com registros visuais do projeto

FONTE: Suele Azevedo, 2015

As crianças foram chegando e começamos a arrumá-las. Após todas estarem prontas

era o momento de apresentarem-se para os seus familiares e equipe escolar, após dias de

trabalho esforço e dedicação. Mas algo extraordinário aconteceu, chuva em nossa cidade a

culminância programada para às 16h30m, só poderia ser apresentada após a chuva, isso

provocou uma grande tensão nos alunos.

FIGURA 24 – Convite

FONTE: Suele Azevedo, 2015

26

Somente às 18h00m iniciou-se a abertura da culminância (apresentação) com a fala

de abertura da gestora da escola, as considerações da professora e a recitação de uma poesia

produzida por Rita Santos e Rosária Fernandes.

FIGURAS 25 e 26: Abertura da culminância e recitação de poesia

FONTE: Suele Azevedo, 2015

Em sequência, a entrada da corte para mostrar a cultura afro brasileira, através da

Dança do Espontão.

FIGURA 27 – Entrada da corte

FONTE: Suele Azevedo, 2015

E assim iniciou-se a apresentação debaixo de relâmpagos e trovões, fixando os

olhares de todos os presentes naquele momento, momento ímpar na história de cada um.

27

FIGURA 28 – Início da apresentação

FONTE: Suele Azevedo, 2015

A dedicação ficou patente ao vê-los dançar mostrando não somente a cultura como

também a capacidade de aprender, valorizar, respeitar os outros e trabalhar em equipe.

Enfatizar e mostrar que crianças de comunidades carentes de escolas públicas são capazes de

serem desafiadas e alcançarem os objetivos propostos. Afinal, segundo Hoffmann,

[...] não se deve denominar por avaliações testes, provas ou exercícios

(instrumentos de avaliação). Muito menos se deve nomear por avaliação de

boletins, fichas, relatórios, dossiês dos alunos (registros de avaliação).

Métodos e instrumentos de avaliação estão fundamentados em valores

morais, concepções de educação, de sociedade, de sujeito. São essas as

concepções que regem o fazer avaliativo (2000, p. 13).

Assim, é necessário saber quais instrumentos avaliativos devem ser utilizados com

clareza em diferentes situações, identificando o percurso percorrido pelo aluno mostrando os

avanços no decorrer das atividades.

FIGURA 29 – Final da apresentação

FONTE: Suele Azevedo, 2015

28

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A finalização da vivência escolar aconteceu de forma positiva, proporcionando a

troca de saberes, respeito pelo outro e a valorização da cultura afro-brasileira, tendo como

destaque a Dança do Espontão na Sala de Aula. Inspirados do que reza a Lei 10.639/2003 que

determina a obrigatoriedade do ensino da História e da Cultura africana e afro-brasileira na

educação básica e inclui no calendário escolar o dia 20 de novembro como o “Dia Nacional

da Consciência Negra”, não devemos deixar criar oportunidades para trabalhar a cultura afro

na escola. Afinal, segundo Oliveira: “Ela é sim, fruto de um conjunto de demandas sociais,

apresentadas, sobretudo pelos movimentos negros existentes no Brasil desde o século XIX”.

(2010, p. 136). Assim fica claro que a demanda e obrigatoriedade pela cultura afro

descendente não surgiu de uma hora para outra, mas com movimentos reivindicatórios.

Dentre os quais aqueles que consideravam a educação um suporte importantíssimo para esta

luta.

Em alguns momentos vivenciados questionei-me várias vezes se suportaria as

dificuldades vividas durante o percurso das aulas ministradas. Deparei com inúmeros

desafios, para unir a teoria e a prática pedagógica em sala de aula. Diante da capacidade de

enfrentar desafios e superá-los, tornando em cada aula algo novo, favorecendo a rotina na sala

de aula, melhorando e contribuindo para o respeito das crianças negras, ficou um sentimento

de gratificação e missão cumprida.

Ocorreram alguns momentos de desestímulo quando a escola entrou em reforma e o

espaço da sala de aula não podia ser utilizado nas atividades, assim como a resistência de

alguns alunos em tocar. Mas ao mesmo tempo as crianças se envolviam com a dança.

Surpreendentemente a vontade de aprender das crianças animava o esforço de todos nas aulas

mesmo embaixo da árvore em frente da escola.

A culminância foi um dia de grande desafio, pois não podíamos desafiar a chuva da

tarde do dia 18/12/2012, o que tornou a apresentação mais brilhante. Mostrar para todos o que

vinha sendo produzido ao longo do período de estudo, com a finalidade de mostrar o resultado

final. O trabalho serviu como forma de contribuir para o respeito pelo outro

independentemente da cor. Possibilitou também o estudo da cultura local, favorecendo o

diálogo, trabalho em grupo e uma pesquisa riquíssima para o aprendizado do indivíduo. Pois

concordamos com a posição de que “A escola é uma instituição social que deve se

comprometer com as mudanças rumo a um mundo mais justo em que os homens possam

29

viver sem preconceito e discriminação de credo, gênero, entre outros.” (SILVA; PORTO,

2012, p. 42).

THE ESPONTÃO DANCE IN CLASSROOM

ABSTRACT

The african-Brazilian culture can be worked in the classroom through artistic expressions. In

this case we start from school experience project, in which we elect the Brotherhood of

Espontão Dance of Caico-RN Rosary Black, emphasizing the black cultural values in local

history. In order to enable the inclusion of all black and white children, through dance and

african-Brazilian rites, we value this experience the local culture, traditions and customs,

highlighting the black role in Brazilian society. For this it was necessary pedagogical

dynamics where classes were attractive, where children interact with each other. Then

propose a methodology with conversational wheels and debate on the subject, use of ethnic

musical instruments (snare drum, box and fife), dance workshops and making choreographic

spears (espontões), guided visit to the Rosary Shrine and the house of the Brotherhood of the

Rosary Black. Finally, project the culmination occurred with the presentation of the students

in the school community of Frei Damião neighborhood. The bibliography used was based on

historiographical and anthropological production about black Seridó brotherhoods (GOIS,

2014; SILVA, 2012; MACÊDO, 2014). With the school experience made, we hope to have

offered ways for students to experience an educational and pedagogical activity where you

learn the history and culture african descent in an action that took into account the art.

Keywords: Dance. Black Rosary. Culture. Espontão.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Plano nacional de implementação das diretrizes curriculares nacionais para

educação das relações éticos-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira

e africana. Brasília: MEC, SECADI, 2013.

CAVIGNAC, Julie; MACÊDO, Muirakytan K. de. Tronco, ramos e raízes: história e

patrimônio cultural do Seridó negro. Brasília: ABA; Natal: Flor do Sal; EDUFRN, 2014.

30

GOIS, Diego Marinho de. Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Jardim do Seridó-RN:

entre histórias e memórias. In: CAVIGNAC, Julie e MACÊDO, Muirakytan Kennedy de.

(org.). Tronco, ramos e raízes: história e patrimônio cultural do Seridó negro. Brasília:

ABA; Natal: Flor do Sal, 2014.

HOFFMANN, Jussara. Avaliação Mediadora: uma prática em construção da pré-escola à

universidade. Porto Alegre: Mediação Editora, 2003.

MACÊDO, Muirakytan K. de. Majestades negras: Irmandades de Nossa Senhora do Rosário

no Seridó. In: CAVIGNAC, Julie; MACÊDO, Muirakytan K. de. (Orgs.). Tronco, ramos e

raízes: História e Patrimônio Cultural do Seridó negro. Brasília: ABA; Natal, RN: Flor do

Sal; EDUFRN, 2014.

MATEIRO, Teresa; ILARI, Beatriz. Pedagogia em educação musical. Curitiba: Ibpex, 2011.

OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de. Coleção Explorando o Ensino História. Brasília:

Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2010.

QUEIROZ, Luis Ricardo Silva. Educação musical e cultura: singularidades e pluralidade

cultural no ensino e aprendizagem da música. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 10, 99-

107, mar. 2004.

RAMOS, Francisco Régis Lopes. A danação do objeto; o museu no ensino de história.

Chapecó: Argos, 2004.

SILVA, Bruno Goulart Machado. “Nego veio é um sofrer”: uma etnografia da subalternidade

e do subalterno numa Irmandade do Rosário. Dissertação (Mestrado em Antropologia) –

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Centro de Ciências Humanas, Letras

e Artes. Programa de Pós-Graduação em Antropologia, Natal, 2012.

SILVA, Marcos Antônio; PORTO, Amélia. Nas trilhas do ensino de história: teoria e

prática. Belo Horizonte: Rona, 2012.

Documentários

DOC. Sobre os Negros do Rosário em Jardim do Seridó/RN. Produção: Diego Marinho de

Góis, Rilawilson José de Azevedo, Fabiano Azevedo da Cunha, Anselmo Nascimento,

Gilvanildo Fernandes e Jardel Cléber de Araújo. 2004. [Vídeo]. 13min48s. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=ITbmCTACmp4. Acesso em: 25/10/2015.

NEGROS DO ROSÁRIO. Festa do Rosário 2014 (Caicó/RN). Produção: Tv Kurtição. 2014.

[Vídeo]. 7min34s. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZodbgiMZBD0.

Acesso em: 25/10/2015.

NEGROS DO ROSÁRIO. Produção: José Ricardo Silva dos Santos. 2012. [Vídeo]. 2min53s.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ysnxhLKw0rw. Acesso em: 25/10/2015.

31

APÊNDICES

APÊNDICE A – ESTUDO DO TEXTO SOBRE A IRMANDADE DO ROSÁRIO DE

CAICÓ

O grupo de Negros do Rosário de Caicó surgiu em 16 de junho de 1771, o seu

criador foi um senhor de engenho no qual habitava na fazenda Samanaú, sítio em Caicó. Ele

convocou seus escravos e fabricaram tambores, espontões, coroas e vestes para o reinado e

fardamento para os dançarinos. Por muito tempo este senhor de engenho manteve o grupo,

pois todos os componentes eram seus agregados, trabalhadores de sua propriedade.

Todos os anos no mês de outubro, o proprietário e coordenador do grupo convocava

seus vizinhos, os senhores de engenho, seus escravos na sua propriedade e nos três dias finais

do mês, saiam em procissão com sua corte de reinado do sítio até a cidade para as três

novenas finais, os negros dançavam no patamar da igreja do Rosário.

Logo após a alvorada, os negros retornavam a sede que na época era improvisada na

casa de amigos, para o café da manhã. Depois os negros saiam de casa visitando os amigos,

divertindo o povo e ao mesmo tempo se divertindo até o domingo, dia em que a festa se

encerrava festa consagrando Nossa Senhora do Rosário e o reinado do ano.

As festas eram periódicas e subjetivam a manutenção das tradições personificadas

principalmente na figura do rei e rainha do ano. Hoje em dia a festa do Rosário é na última

quinzena do mês de outubro. Hoje a abertura da festa é marcada pelo repicar dos sinos do

santuário. No mesmo dia acontece a passeata com estandarte de Nossa Senhora do Rosário e a

primeira novena.

Em um costume que cessou nos últimos anos, o grupo de lanceiros, bandeira e

músicos participava da alvorada e se apresentava matinalmente pela cidade recolhendo

doações. À noite escoltavam o reinado até a igreja e após a novena voltavam a dançar.

Atualmente somente esta última atividade ocorre, sendo mais frequente a reunião a presença

do grupo de folguedo na solenidade de encerramento quando acontece a coração dos novos

reais e procissão com a imagem de Nossa senhora do Rosário.

Além do grupo de Caicó, hoje continuam atuantes os de Jardim do Seridó e Serra

Negra do Norte. Esta irmandade guarda muitos aspectos comuns com as congêneres, mas

diferente do que acontece em Caicó, a festa do Rosário jardinense tem duração de apenas três

dias e ocorre em conjunto à festa de São Sebastião.

32

Os cargos de reis e juízes estão divididos em dois grupos: “perpétuos” e “do ano”. Os

reis, rainhas, juízes e juízas perpétuos só são substituídos em caso de falecimento, renúncia ou

outro motivo de grande significação para as irmandades. Uma parcela de membros da

irmandade integra o grupo de batedores de caixas, bumbos, tocadores de pífanos, dançarinos

“saltadores” e porta bandeira. Os dançarinos trazem geralmente nas mãos um bastão enfeitado

por fitas coloridas, assemelha-se a lança (espontão). Daí o bailado que executam recebe o

nome de “Dança do Espontão”, o porta-bandeira costuma vir à frente do grupo, carregando

uma bandeira na qual se encontra a imagem de Nossa senhora do Rosário.

REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Roberto Emerson Câmara. A África está em nós: história e cultura afro-

brasileira. João Pessoa, PB: Editora Grafset, 2006.

COSTA, Maria do Céo. Tradição, cultura e a religiosidade dos Negros do Rosário de

Caicó. Natal, RN: 2008.

CAVIGNAC, Julie; MACÊDO, Muirakytan K. de. Tronco, ramos e raízes: história e

patrimônio cultural do Seridó negro. Brasília: ABA; Natal: Flor do Sal; EDUFRN, 2014.

33

APÊNDICE B – LISTA DE PRESENÇA DOS ALUNOS NA CULMINÂNCIA

34

APÊNDICE C – Fotos do desenvolvimento do projeto

FIGURA 01 – Capa do livro de produções

FONTE: Suele Azevedo, 2015

FIGURA 02 – Pinturas no interior da casa da Irmandade do Rosário

FONTE: Suele Azevedo, 2015

35

FIGURA 03 – Integrantes da casa da Irmandade do Rosário

FONTE: Suele Azevedo, 2015

FIGURA 04 – Galeria dos Reinados

FONTE: Suele Azevedo, 2015

36

FIGURA 05 – Viagem para visitar a Casa do Rosário

FONTE: Suele Azevedo, 2015

FIGURA 06 – Viagem para visitar a casa do Rosário

FONTE: Suele Azevedo, 2015

37

FIGURA 07 – Patamar da Igreja do Rosário

FONTE: Suele Azevedo, 2015

FIGURA 08 – Interior da Igreja do Rosário

FONTE: Suele Azevedo, 2015

38

FIGURA 09 – Interior da Igreja do Rosário (presépio do Natal)

FONTE: Suele Azevedo, 2015

FIGURA 10 – Interior da Igreja do Rosário (presépio do Natal)

FONTE: Suele Azevedo, 2015

39

FIGURA 11 – Decoração do Espontão

FONTE: Suele Azevedo, 2015

FIGURA 12 – Finalização da decoração do Espontão

FONTE: Suele Azevedo, 2015

40

FIGURA 13 – Ensaio da percussão “batedores”

FONTE: Suele Azevedo, 2015

FIGURA 14 – Ensaio da coreografia e percussão

FONTE: Suele Azevedo, 2015

41

FIGURA 15 – Ensaio da coreografia

FONTE: Suele Azevedo, 2015

FIGURA 16 – Ensaio da coreografia

FONTE: Suele Azevedo, 2015

42

FIGURA 17 – Ensaio da coreografia

FONTE: Suele Azevedo, 2015

FIGURA 18 – Ensaio da coreografia

FONTE: Suele Azevedo, 2015

43

FIGURA 19 – Organização de saída da corte

FONTE: Suele Azevedo, 2015

FIGURA 20 – Rei e Rainha

FONTE: Suele Azevedo, 2015

44

FIGURA 21 – Dança do Espontão

FONTE: Suele Azevedo, 2015

FIGURA 22 – Percussionistas “ batedores”

FONTE: Suele Azevedo, 2015

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APÊNDICE D – RELATO DE ALUNA

Imagem 20: Relato da aluna Rayssa dos Santos, do 2º ano

FONTE: Suele Azevedo, 2015

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ANEXOS

ANEXO A – COMENTÁRIO DA DIREÇÃO DA ESCOLA

O projeto A dança do Espontão em Sala de Aula, desenvolvido pela professora Suele

Sanara, foi de bastante importância, pois oportunizou não só as crianças de sua turma em que

leciona, como também, alunos que faz parte de outras turmas e programas parceiros na

comunidade.

As crianças estudaram um pouco da história dos Negros do Rosário de Caicó e do

Seridó e demonstram muito interesse pelo assunto abordado. Esse projeto desenvolvido na

sala propôs trazer para o âmbito escolar e para sala de aula a problemática de uma criança

negra que em alguns momentos estava sendo excluída por alguns de seus colegas da turma.

Neste sentido, a professora desenvolveu aulas dinâmicas e lúdicas envolvendo todos

os alunos, atribuindo funções para cada uma deles. Foram oferecidas oficinas para confecção

de lanças, debates acerca da temática, discussões e produções textuais e valorização cultural

dos Negros do Rosário. Contribuindo para despertar nos alunos a consciência crítica referente

ao tema.

Durante o referido projeto ocorreram de bastantes desafios, pois durante o seu

desenvolvimento a escola encontrava-se em um período de reforma onde em alguns

momentos ficava um pouco difícil da professora desenvolver sua prática, mas nem por isso as

atividades deixaram de ocorrer.

Notou-se um grande engajamento das crianças participantes que não mediam

esforços e se envolviam cada vez mais. Os procedimentos pedagógicos e metodológicos

utilizados pela professora tiveram como base trabalhar a questão negra em sala de aula

envolvendo atividades multidisciplinares, despertando nas crianças o respeito pelo outro

independente de sua cor.

A apresentação do projeto ocorreu com uma boa participação de toda comunidade

escolar, aonde pais, alunos e visitantes vieram prestigiar a culminância e se emocionaram ao

verem os alunos concentrados e empenhados no encerramento do projeto.

Sabemos que a sala de aula é composta de desafios, mas é preciso na maioria das

vezes unirmos teoria e prática para desenvolver um bom trabalho docente.

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ANEXO B – POESIA APRESENTADA NA CULMINÂNCIA DO PROJETO