A Decadência do Ocidente de Oswald Spengler
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Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca.
06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom.
Oswald Spengler: um enigma histórico-intelectual no século XX
(A Decadência do Ocidente de Oswald Spengler: seu conceito de
história e seus intérpretes.)
Por Augusto Patrini
WWW.augustopatrini.com.br
O filósofo, matemático e historiador alemão Oswald Arnold Gottfried Spengler
é hoje quase um desconhecido, mesmo entre filósofos e historiadores. No entanto, no
começo do século XX, no entre-guerras, foi um fenômeno filosófico e editorial.
Responsável por uma interpretação original da história e da civilização ocidental, para
o público alemão, ele parecia ter profetizado em A Decadência do Ocidente o ambiente
sociocultural de crise da época.
Escrito antes da 1ª Guerra, mesclando o pensamento de Nietzsche a
metodologia de Goethe, sua obra mais importante, “A Decadência do Ocidente” (Der
Untergang des Abendlandes) - 1918-1922 - foi um sucesso editorial, na Alemanha da
República de Wainer. Por causa da derrota alemã em 1918 na 1ª Guerra Mundial, o
“espírito do tempo” (Zeitgeist) pessimista ou cético parecia corroborar com muitas de
suas interpretações.
Mas seu ostracismo atual pode ser atribuído, talvez, à adoção de algumas suas
ideias pelo movimento nacional-socialista, especialmente aquelas contidas em seus
livros políticos subsequentes. Mesmo que Spengler não tendo demonstrado em vida
simpatia explicita pelo nazismo, e ter tido seus livros proibidos pelo 3º Reich, um forte
preconceito ainda persiste, marcando-o com o rótulo de nazista.1 Nos anos que se
seguiram a 2ª Guerra Mundial, sua obra foi, mesmo assim, referência marcante para
intelectuais de peso tais como o historiador Arnold Toynbee2 e André Malraux3 e sua
filosofia da arte.
1 Spengler, após ser cortejado por Hitler, caracterizou-o como um homem vulgar, e e por isso teve sua
obra proibida pelo III Reich. 2 Historiador britânico cuja obra prima é Um Estudo de História (A Study of History), em que examina, o
processo de nascimento, crescimento e queda das civilizações sob uma perspectiva global.
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Spengler nasceu em 1880 em Blankenburg, Alemanha. Estudou matemática,
artes, história e filosofia em Munique e Berlim. Foi professor de matemática em
Saarbrücken, Düsseldorf e Hambourg e escreveu trabalhos acadêmicos filosóficos
sobre Heráclito de Éfeso4. Em 1911 passou a viver como professor particular e
dedicou-se ao estudo da História e a elaboração de sua obra mais importante.
A Decadência do Ocidente (1918/22)5, é um intricado ensaio histórico. Reúne
em ao mesmo tempo as áreas econômica, política, matemática, artística e cultural,
para debatê-las sob uma ótica histórica e comparada. O livro é a aplicação para o
domínio histórico e cultural do método “morfológico” elaborado originalmente por
Goethe para as Ciências Naturais. Essa metodologia consistia em derivar os fenômenos
a partir de um fenômeno primitivo único. Esse procedimento assume um aspecto
frutífero ao considerar como fundamental o caráter histórico das Culturas, Civilizações
e do Mundo.
Teoria da História Comparativa
Spengler defendeu uma visão cíclica6 da História e das Culturas, uma História
sem qualquer “sentido” ou direção. Essa visão assume ares controversos quando faz
em, seu livro analogias e comparações entre as diversas culturas do mundo de
diferentes épocas, e defende que estas não se relacionam e são completamente
independentes uma das outras. Em sua “História Universal” identifica oito culturas
(clássica ou antiga, egípcia, mexicana - asteca e maia, chinesa, indiana, árabe ou
mágica, babilônica e finalmente ocidental)7, todas elas, em maior ou menor grau, com
períodos de nascimento, florescimento e morte. Retoma também uma polêmica
profundamente presente no debate intelectual alemão8, marcando a oposição entre
Cultura (Kultur) e Civilização (Zivilisation). Cultura, termo associado ao nascimento, a
3 É possível também destacar que essa obra influenciou autores importantes: Thomas Mann, Ernst
Jünger, Emil Cioran, Martin Heidegger, Ludwig Wittgenstein e Richard de Coudenhove-Kalergi. 4 Heráclito de Éfeso (Éfeso, aprox. 540 a.C. - 470 a.C.) foi um filósofo pré-socrático considerado o "pai da
dialética". 5 SPENGLER, O. L´Déclin de L´Occident. Tomos I e II. Paris: Gallimand, 1976
6 É possível fazer uma analogia da teoria da História de Spengler com as teorias do economista russo N.
D. Kondratieff sobre os ciclos econômicos. Ver: Maurice Langueux, Actualité de la philosophie de l'histoire, Presses Universitaires de l'Université Laval, Québec 2001, p. 82. 7 É Interessante notar que Spengler considera que algumas culturas são ahistóricas, e outras históricas.
Por essa razão parece ignorar algumas culturas como a Inca ou aquelas do sudeste asiático. Ele também rejeita a divisão temporal clássica e eurocêntrica: antiga, medieval e moderna. 8 E também russo
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criação, a vida e Civilização é o termo associado à expansão, ao utilitarismo, à
urbanidade, ao declínio e à morte (ecletismo, vazio e ceticismo). O conceito de cultura,
assim como em vários pensadores da época, é associado aos alemães enquanto
civilização diz respeito às sociedades anglo-francesas.
Sua interpretação da História da humanidade foi extremamente popular no
começo do século XX. Ela afirmava que as etapas da História humana eram marcadas
idades ou fazes históricas bem distinguidas. Estas foram definidas por Spengler como:
1) A Mola: caracterizada ela Intuição, criação cultural e identitária poderosa,
criatividade, unidade e abundância. 2) O Verão: caracterizado pelo amadurecimento;
distinguido pela sociedade urbano-civil mais adiantada e pelo pensamento crítico. 3) O
Outono: caracterizado pela ascensão urbana, e pelo ponto elevado da força
organizacional disciplinada. 4) O Inverno: trata-se aqui do enfraquecimento crescente
na Civilização mundo-urbana, e exaustão da força mental, além da ascensão de
Irreligiosidade.
Ao abordar a história, a técnica e a arte destas culturas, Spengler estabeleceu
também uma oposição entre dois conceitos em sua teoria determinantes: apolíneo e
fáustico. O primeiro adjetiva as coisas com uma concepção ética e estética do mundo e
das coisas, enquanto o segundo refere-se a uma compreensão imanente, instrumental
e aética das coisas pensadas e criadas pelo Homem.
Mesmo que sua percepção da história seja freqüentemente associada ao
mundo biológico, sua hierarquização das Culturas e períodos históricos é baseada em
termos fundamentalmente culturais e não, como os nazistas o compreendiam, em
termos biogenéticos. Sua filosofia da história por seu caráter cíclico assemelha-se, de
alguma forma, àquela de Vico9 e pode ser entendida como vitalista10. Poucos
interpretes, no entanto entenderam que para o autor a decadência não é vista em
termos pessimistas, mas apenas como uma dissolução necessária para uma
transformação.
9 Giambattista Vico (1668-1774) é considerado hoje um dos pioneiros da reflexão moderna sobre o
tempo histórico ou das Teorias da História. A forma como pensou o tempo, no livro “A ciência Nova” é original e pioneira. A história ideal eterna é, em seu tempo, uma forma nova da de concepção temporal e histórica. Seu pensamento sobre o tempo histórico é marcado pela crença na possibilidade em traçar paralelos entre a História e as mais variadas “nações” humanas. Sua concepção de tempo histórico era cíclica, marcada por uma teoria em que estabelecia “classificações” entre eras. 10
O vitalismo é a posição filosófica caracterizada por postular a existência de um impulso vital sem a qual a vida não poderia ser explicada. A morte ou a decadência seriam resultantes da perda de vitalidade e não propriamente do deterioramento físico.
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Interpretações das ideias spenglerianas
Para Patrick Gardiner, Spengler poderia ser aproximado a Croce11 por um tipo
de idealismo, já que em seu livro “o assunto da história, (...), compreende ‘o que
acontece’ em contraste com ‘o acontecido’; tudo é fluxo, desenvolvimento, variedade,
particularidade, vida; imaginar que ela pode interpretar em termos de fórmulas
quantitativas, ou arquitectar com um sistema quase mecânico é, conseqüentemente,
absurdo.”12 Ou seja, para Spengler a história exige um modo próprio de interpretação,
chamado por ele de ‘fisionômico’ assumindo uma forma ‘inata e criadora’. Neste
ponto, há implícita a antiga e polêmica pergunta sobre o estatuto da história: “arte ou
ciência?”. Para Spengler provavelmente a história seria uma ciência artística ou
intuitiva.
As ideias spenglerianas, todavia, assumem uma importância maior no
momento em que inauguram, para os estudiosos da teoria da história, uma
interessante metodologia comparativa13. Spengler é considerado ainda hoje como
precursor da história comparada. O fato é que as teorias históricas de “A Decadência
do Ocidente”, em parte obliteradas por preconceitos ainda são pouco compreendidas,
lidas e estudadas. Sobre Spengler, o historiador francês Jacques Le Goff afirma em seu
livro “História e Memória”:
“Spengler reclama-se discípulo de dois grandes mestres, Goethe e Nietzsche, e
afirma que pede o método ao primeiro enquanto o segundo fica a dever a maneira de
colocar os problemas. A história que procura é uma história faustiana14, uma história
do “Sturm und Drang”, do “morre e devém” (stirb und werde), da “morte e
transfiguração”. Spengler situa-se numa posição de vitalismo exacerbado, para quem
morrer é ainda viver até o fim. Torna-se evidente que a noção de decadência é
também de competência dos psicanalistas.”15
Alguns autores, como Guy Bourdé e Hervé Martin16 associam o método
spengleriano a um tipo precursor de estruturalismo, pois que uma das postulações
11
Benetto Croce foi um historiador e filósofo italiano - liberal, que assim como Spengler pensou questões relativas às teorias da história. Os seus escritos giram em torno de um largo espectro temático, sobretudo estética e teoria/filosofia da história. 12
GARDINER, Patrick. Teorias da História. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008. p. 228 13
Este método utilizado por Spengler poderia ser considerado precursor da história comparada. Ver: BUSTAMANTE, R. M. da C. ; THEML, N. . História Comparada: olhares plurais. Revista de História Comparada, v. 1, p. 1-23, 2007. 14
Grifos meus. 15
LE GOFF, Jacques. História e Memória, Campinas: Editora da UNICAMP, 1990, p. 392. 16
BOURDÉ, Guy e MARTIN, Hervé. Les écoles historiques. Paris, É ditions Du Seuil, 1994.
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iniciais “a ciência não é universal”, e que a humanidade “divide-se” em blocos culturais
independentes.
Como pode ser talvez facilmente percebido existe algo de irracional nas teorias
de Spengler. A compreensão da História somente é apreendida, segundo o autor, por
meio da “intuição”. No entanto, ele não deixa claro como acontece esse processo
intuitivo. É importante notar, que sua concepção de Cultura é radicalmente
historicista, uma vez que é determinada pelo destino” e profundamente marcada pela
História em seu ciclo de vida e morte. Para ele, é somente a realidade histórica que
forma uma cultura ou civilização.
Essa percepção radicalmente historicista das Culturas, assim como o método
analógico comparativo usado para analisá-las parece ser as principais contribuições da
reflexão de Spengler em Teoria da História. Além disso, o livro A Decadência do
Ocidente é fonte preciosa de erudição histórica, quase incomparável. Do mesmo
modo, pode-se afirmar que o estilo vibrante, metafórico e, poderoso de seu texto
pode ser fonte rara e exemplar de prazer histórico-filosófico.
De acordo com W. Waismann17: “Doutrinariamente A Decadência do Ocidente
contêm um número considerável de visões acertadas: a angústia ou terror cósmico
como sentimento primário do Homem, e a conjuração do numinoso, de onde resulta
que a religião é a primeira forma de saber e a ciência a última; a oposição entre
sujeição e liberdade, cosmos e microcosmos ou existência e vigília; os fenômenos não
como objetos, e sim como símbolos, como expressão de um temperamento ou índole
interna de uma alma – a ciência mesma como um símbolo a mais – e a não
subordinação de uns fenômenos a outros; a oposição entre verdades e fatos; a história
universal que não se converte em história da humanidade etc.”18 Para Waismann,
Spengler estabelece na modernidade um relativismo comparativo, uma forma radical
de ceticismo ocidental histórico, importante para que reconheçamos o quão difícil é
entender os fenômenos históricos.
Hermínio Martins, em Tecnologia, Modernidade e Política; lembra-nos que:
“Para Spengler. O indivíduo histórico relevante é a cultura ocidental ou fáustica que
emerge cerca de 900 depois de Cristo e que implica uma grande quebra de
continuidade com as fases anteriores do pensamento sistemático, da matemática, da
metafísica, da técnica (incluindo mudanças drásticas nas instituições de tempo, de
17
Waismann, A. El Historicismo Contemporaneo, Buenos Aires: Editorial Nova, s/d, p. 76. 18
A tradução livre é minha.
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espaço, de número etc.) A importância desta tese apenas pode ser apreciada se
tivermos em conta que essa “morfologia da cultura” foi uma das expressões da grande
dicotomia assimétrica entre “cultura” e “civilização” que impregnou o pensamento
germânico durante várias décadas e que estabeleceu os termos de referência das mais
importantes discussões da filosofia da técnica durante a época de Weimer.”19
Martins lembra-nos que o livro de Spengler é a primeira formulação geral da
ciência dentro de uma visão histórica. Sua influência não se deveu tanto a tentativa de
“totalizar” a história mundial, mas de oferecer aos alemães da época um diagnóstico
da grave crise conjuntural. “Spengler defendeu que a incomensurabilidade de culturas
não impedia a respectiva comparabilidade e, no seu poema em prosa wagneriano (tal
como foi descrita a sua obra-prima por alguns críticos), chegou mesmo a apresentar
certos processos de comparação transcultural (analogia, homologia, paralelismo,
sincronidade, etc., encontram-se entre as categorias formais da sua ”morfologia
cultural”).20
Já o mundo anglo-saxão viu a obra de Spengler de forma bastante crítica, A
Decadência do ocidente foi algumas vezes vista como “uma das mais bizarras exibições
na galeria de horrores intelectual que dá pelo nome de filosofia especulativa ou
metafísica da história.”21
Collingwoood, por exemplo, é bastante crítico da obra. Em A ideia de
História22, define-a como insensata, determinista, positivista, e conceitualmente
ahistórica. Ele diz: “A história propriamente dita é substituída por uma morfologia da
história, por uma ciência naturalista, cujo valor consiste na análise externa, no
estabelecimento de leis gerais, e (o que é índice decisivo dum pensamento não
histórico) a pretensão de predizer o futuro, segundos princípios científicos.”23 Mesmo
compreendendo bem a obra de Spengler, Collingwood parece desconsiderar a época e
o contexto em que essa foi escrita, fazendo uma crítica de natureza essencialmente
internalista do texto, sem considerar os aspectos metodológicos inovadores. Sua
critica parece ser aquela de um teórico da história e não aquela de um historiador.
Conclusão Parcial
19
Martins, Hermínio Hegel, Texa e outros Ensaios de Teoria Social. Lisboa> Século XXI, 1996. p. 231 20
Idem, p. 230 21
Idem. p. 225. 22
Collingwood R. G. A Ideia de História Lisboa: Presença Editorial, s/d. 23
Idem, p. 281
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Por seu caráter polêmico, A Decadência do Ocidente foi interpretada, desde sua
publicação, de muitas maneiras, muitas vezes de formas contrarias e ambíguas. Muito
da dificuldade em compreender esta obra decorre da forma barroca como seu texto
foi construído, e da “enorme massa” de erudição histórica aí contida, mas também da
forma somente internalista ou externalista destas críticas. É preciso, então, fazer uma
análise-crítica desta obra, apreciando seus pontos inovadores e potencialmente
enriquecedores, e sobretudo considerando seu texto em seus aspectos interno e
externo. É preciso considerar o ambiente político e cultural, e, principalmente histórico
em que foi escrita, assim como os diálogos intelectuais de seu autor.