A Demografia Brasileira e o Declinio Da Fecundidade No Brasil

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A demografia brasileira e o declínio da fecundidade no Brasil: contribuições, equívocos e silêncios * * Os autores receberam críticas e sugestões dos colegas André Junqueira Caetano, Charles Wood, Clotilde Paiva, Diana Sawyer, Duval Fernandes, George Martine, Ignez Helena Perpétuo, Irineu Rigotti, Laura Wong, Mariza Magalhães e Paulo Paiva, aos quais agradecem. Obviamente, nem todas foram incorporadas ao trabalho, cuja responsabilidade cabe unicamente aos autores. ** Professor do Departamento de Demografia e pesquisador do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Faculdade de Ciências Econômicas (FACE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). José Alberto Magno de Carvalho ** Fausto Brito ** A população brasileira vivenciou, no final do século passado, rapidíssimo declínio da fecundidade. Sua taxa de fecundidade, em três décadas, passou de 5,8 para apenas 2,3! O artigo analisa as atitudes e posições dos estudiosos da população diante de tal fenômeno. Para entendê-las, há de se levar em conta o contexto internacional polarizado pelos blocos socialista e capitalista. Entre os cientistas sociais brasileiros predominava, em oposição aos neomalthusianos e à política americana, posição clara contra a presença do Estado no campo da reprodução. Tinham duas fortes convicções: 1) não havia, em geral, demanda por anticoncepção e 2) o ritmo do crescimento populacional e seu tamanho eram neutros, do ponto de vista do bem-estar social. O grande embate ideológico está ultrapassado. A transição da fecundidade no Brasil já avançou muito. No entanto, há segmentos de mulheres, as mais pobres, que ainda carecem de informação e de acesso aos meios para regular sua prole. Por outro lado, a sociedade não está tirando partido de algumas oportunidades geradas pelo declínio da fecundidade, nem se preparando para enfrentar os novos desafios, que são conseqüência desse mesmo declínio. Ainda predominam silêncios, entre demógrafos e estudiosos da população, sobre esses aspectos. Palavras-chave: Transição da fecundidade. Controle da natalidade. Neomalthusianismo. Planejamento familiar. Falar da diminuição da fecundidade no Brasil é também entrar em assunto controverso em que os diversos contendores desqualificam , de saída, os argumentos que contrariam suas posições. São visões radicais e incompatíveis. No debate sobre planejamento familiar é preciso medir as palavras. Cada expressão usada será o signo de um complexo ideológico que tem as suas raízes na maneira de ver a conservação ou a mudança na estrutura econômica. Estas posições , quando cristalizadas, servem de freio à análise e dificultam a leitura dos fatos. Ao ser retomada agora a discussão, depois de um longo esquecimento, parece que surgiram as condições para a elaboração de uma posição não comprometida com as já históricas contendas entre natalistas e antinatalistas. Não foi só o tempo que desgastou o debate, foram também as mudanças ocorridas na sociedade e a presença de novos atores em nossa arena política. (Ruth Cardoso, 1983, p. 2) R. bras. Est. Pop., São Paulo, v. 22, n. 2, p. 351-369, jul./dez. 2005

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  • A demografia brasileira e o declnio dafecundidade no Brasil: contribuies,

    equvocos e silncios*

    * Os autores receberam crticas e sugestes dos colegas Andr Junqueira Caetano, Charles Wood, Clotilde Paiva, Diana Sawyer,Duval Fernandes, George Martine, Ignez Helena Perptuo, Irineu Rigotti, Laura Wong, Mariza Magalhes e Paulo Paiva, aos quaisagradecem. Obviamente, nem todas foram incorporadas ao trabalho, cuja responsabilidade cabe unicamente aos autores.** Professor do Departamento de Demografia e pesquisador do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar)da Faculdade de Cincias Econmicas (FACE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

    Jos Alberto Magno de Carvalho**

    Fausto Brito**

    A populao brasileira vivenciou, no final do sculo passado, rapidssimodeclnio da fecundidade. Sua taxa de fecundidade, em trs dcadas, passou de5,8 para apenas 2,3! O artigo analisa as atitudes e posies dos estudiosos dapopulao diante de tal fenmeno. Para entend-las, h de se levar em conta ocontexto internacional polarizado pelos blocos socialista e capitalista. Entre oscientistas sociais brasileiros predominava, em oposio aos neomalthusianos e poltica americana, posio clara contra a presena do Estado no campo dareproduo. Tinham duas fortes convices: 1) no havia, em geral, demandapor anticoncepo e 2) o ritmo do crescimento populacional e seu tamanhoeram neutros, do ponto de vista do bem-estar social. O grande embate ideolgicoest ultrapassado. A transio da fecundidade no Brasil j avanou muito. Noentanto, h segmentos de mulheres, as mais pobres, que ainda carecem deinformao e de acesso aos meios para regular sua prole. Por outro lado, asociedade no est tirando partido de algumas oportunidades geradas pelodeclnio da fecundidade, nem se preparando para enfrentar os novos desafios,que so conseqncia desse mesmo declnio. Ainda predominam silncios,entre demgrafos e estudiosos da populao, sobre esses aspectos.

    Palavras-chave: Transio da fecundidade. Controle da natalidade.Neomalthusianismo. Planejamento familiar.

    Falar da diminuio da fecundidade no Brasil tambm entrar em assunto controverso em queos diversos contendores desqualificam, de sada, os argumentos que contrariam suas posies.

    So vises radicais e incompatveis.

    No debate sobre planejamento familiar preciso medir as palavras. Cada expresso usadaser o signo de um complexo ideolgico que tem as suas razes na maneira de ver a

    conservao ou a mudana na estrutura econmica. Estas posies, quando cristalizadas,servem de freio anlise e dificultam a leitura dos fatos.

    Ao ser retomada agora a discusso, depois de um longo esquecimento, parece que surgiram ascondies para a elaborao de uma posio no comprometida com as j histricas contendas

    entre natalistas e antinatalistas. No foi s o tempo que desgastou o debate, foram tambm asmudanas ocorridas na sociedade e a presena de novos atores em nossa arena poltica.

    (Ruth Cardoso, 1983, p. 2)

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    Essas citaes da professora RuthCardoso, escritas h mais de duasdcadas, fornecem elementos importantespara uma reflexo crtica sobre o papeldesempenhado pela comunidade de-mogrfica brasileira no processo de rpidodeclnio da fecundidade no pas. Apesardo demasiado otimismo na ltima citao,pois alguns ecos das contendas at hojeobscurecem coraes e mentes, elasservem como uma tima introduo aeste trabalho, cujo objetivo analisaras contribuies, os equvocos e, emparticular, os silncios dos demgrafos eestudiosos da populao sobre o rpidodeclnio da fecundidade no Brasil e suasconseqncias.

    A populao feminina mais pobretem sido vtima da desinformao sobreas possibilidades de regulao da suafecundidade e, mais ainda, da dif i -culdade de acesso aos quase sempredeficientes servios pblicos de sade.A conseqncia social tem sido dra-mtica, contribuindo, decisivamente,para privar parte das mulheres de suacidadania plena. Tal como quando sevivia sob o manto de um debateideolgico, hoje totalmente esclerosado,os demgrafos e estudiosos da po-pulao, em sua maioria, ainda semantm silenciosos quanto ao aten-dimento, mediante polticas pblicas, snecessidades dessa parcela da po-pulao feminina.

    O silncio tambm prevalece,de modo geral, quanto s conseqnciasdo novo padro demogrfico brasileiro,no que diz respeito s oportunidadescriadas e aos novos desafios. Tantoaquelas quanto estes exigem uma novapostura da sociedade e do Estado,e nesse processo a demografia temuma responsabilidade social nica einsubstituvel.

    Este artigo no deseja reviver umaestridncia incua. O tom pretende-seanaltico. Para tanto, ser feita uma revi-so histrica da dimenso poltica quea questo do crescimento populacio-nal assumiu na segunda metade dosculo XX.

    A questo do crescimento populacional a agenda poltica internacional

    O rpido crescimento populacionaltornou-se fundamental na agenda polticainternacional aps a Segunda GrandeGuerra. Os pases mais desenvolvidos, emsua maioria, j tinham avanado natransio em direo a um desaceleradoritmo de crescimento populacional.Entretanto, os pases ento chamados desubdesenvolvidos, onde se localizava amaior parte da populao mundial,vivenciavam o declnio das taxas demortalidade, combinado com altas taxas defecundidade. Nos anos 50, esses pases,entre eles o Brasil, apresentavam taxas decrescimento populacional muito acimadaquelas observadas entre os pases maisdesenvolvidos em toda a sua histria ps-revoluo industrial.

    A questo do crescimento populacionaldentro da agenda internacional apre-sentava duas dimenses fundamentais. Aprimeira referia-se s possibilidades docrescimento da economia com uma ofertailimitada de mo-de-obra, em um contextode intensa urbanizao. A segunda, aosproblemas polticos decorrentes da pressodemogrfica sobre a terra em regiesestagnadas, como o semi-rido nordestinobrasileiro.

    A primeira dimenso, a princpio, eraanalisada com um certo otimismo, tendocomo base as teorias sociolgicas sobre amodernizao da sociedade e as teoriaseconmicas sobre o desenvolvimento daeconomia (Lewis, 1963; Germani, 1969).Ambas as perspectivas apostavam que asmigraes internas transfeririam, gra-dualmente, a populao das reas ruraismais atrasadas e com produtividade dotrabalho prxima de zero para as reasurbanas, onde a sociedade modernaarticulava-se a uma economia que, sus-tentada pelo crescimento industrial,apresentava alta produtividade, alimen-tada por um acelerado progresso tcnico.Esperava-se que as populaes nessasnovas sociedades urbanas e industriais, semelhana do que j havia acon-tecido nos pases mais desenvolvidos,

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    1 Na dcada de 60, as migraes entre campo e cidade no Brasil representaram uma perda lquida, para a populao rural, de 13,6milhes de pessoas (a includos os efeitos indiretos de migrao), que correspondia a 25% do que seria a populao rural em 1970,caso tivesse permanecido fechada durante a dcada. Nos anos 70, esses valores foram de 18,2 milhes e 32%, respectivamente.Devido a esses fluxos, a populao urbana foi, em 1970, 35% e, em 1980, 29% maior do que seria na ausncia, em cada dcada,de fluxos migratrios entre os setores rural e urbano (Carvalho e Garcia, 2002).

    experimentariam um generalizado declnionos nveis de fecundidade e, conse-qentemente, uma reduo do crescimentodemogrfico.

    Em sntese, o desenvolvimento daeconomia e a modernizao da sociedadeseriam os fatores mais importantes parareduzir o crescimento populacional. Por-tanto, no haveria necessidade de retomaras teses de economistas como ThomasMalthus, do final do sculo XVIII e incio dosculo XIX, que insistiam nos desequilbriosentre o crescimento demogrfico e ocrescimento da economia (Malthus, 1951).

    Entretanto, os pases mais ricos, osEstados Unidos em particular, e as orga-nizaes multilaterais, como a Organizaodas Naes Unidas e o Banco Mundial, logose convenceram de que o otimismo demo-grfico, baseado no binmio desenvol-vimento-modernizao, estaria sendoatropelado, nos pases subdesenvolvidos,pelas crescentes taxas de crescimentovegetativo (declnio da mortalidade efecundidade alta e estvel) e pela migraorural-urbana. No Brasil, o rpido cresci-mento populacional, somado estagnaoem grande parte das reas rurais, nos anos60, e modernizao agrcola patrocinadapelas polticas pblicas, nos anos 70, tinhaproporcionado uma transferncia macia depopulao para as cidades,1 principalmentepara os maiores centros urbanos, acele-rando o processo de urbanizao a taxashistoricamente inditas.

    Contudo, o bom desempenho daeconomia brasileira, inclusive no que serefere gerao de empregos princi-palmente a partir do Plano de Metas dogoverno JK (1955-1960) e mais acentuada-mente nos anos 70 , no tinha sidosuficiente para integrar a grande maioriada populao sociedade moderna, tendo,ademais, ampliado os desequilbriosregionais.

    A segunda dimenso da questodemogrfica dentro da agenda polticainternacional tinha a ver com as relaesestabelecidas entre o crescimento demo-grfico e o comportamento poltico daspopulaes mais pobres. Nesse caso, oNordeste brasileiro era exemplar, princi-palmente depois da organizao das LigasCamponesas no final dos anos 50 e incioda dcada de 60, contemporneas daRevoluo Socialista em Cuba. A enormecrise social no Nordeste, decorrente de umamisria secular, era vista como tendo grandepotencial revolucionrio, ampliado por suavolumosa populao, que crescia a taxasmuito elevadas. Levava-se em conta, ainda,que o desenvolvimento da economiabrasileira no se mostrava capaz de retiraro Nordeste da sua histrica estagnao.

    A importncia da questo demogrficano Nordeste brasileiro era tambmdestacada pelo grande economista CelsoFurtado. Dentre os projetos a seremimplementados pela Superintendncia deDesenvolvimento do Nordeste (Sudene),criada em 1959, da qual Furtado foi o seuprincipal idealizador e primeiro dirigente,inclua-se uma grande transferncia depopulao da regio do semi-rido nor-destino para o Maranho, onde umareforma agrria deveria contribuir paraabsorv-la produtivamente. Como justifi-cativa de tal projeto, afirmava-se que adensidade demogrfica do semi-ridonordestino era incompatvel com a orga-nizao de uma economia produtiva, emparticular devido sua estrutura fundiria,o que potencializava a crise social queacompanhava as grandes secas (Furtado,1959). Deve-se observar que a inrciapoltica da populao do semi-rido, a partirda segunda metade da dcada de 50, foisendo substituda pela mobilizao doscamponeses, organizados em ligas esindicatos.

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    2 A posio oficial dos Estados Unidos foi, durante dcadas, favorvel implementao de polticas de controle de natalidade nospases subdesenvolvidos, como instrumento imprescindvel superao do crculo vicioso da pobreza. Aquele pas liderou acorrente controlista nos diversos fruns e Conferncias Internacionais de Populao, inclusive na de Bucareste, em 1974. Em1984, na Conferncia do Mxico, durante o governo Reagan, teve, surpreendendo seus aliados europeus, uma posio maismoderada, chegando, inclusive, a explicitar em sua declarao oficial que o crescimento populacional, em si mesmo, umfenmeno neutro (citado por Finkle e Crane, 1985, p. 2), assim como a afirmar que os fundos governamentais americanos nodeveriam ser usados em atividades relacionadas ao aborto ou em apoio a instituies que o promovessem (Finkle e Crane, 1985;Demeny, 1985). Nos governos seguintes, os Estados Unidos voltaram a apoiar, no exterior, em maior ou menor grau, as atividadesem planejamento familiar, com exceo do atual (George W. Bush), que tem uma posio semelhante do governo Reagan.3 ndia e Mxico foram os dois pases analisados por Coale e Hoover no livro Population growth and economic development in low-income countries, de 1958, que proveu aos neomalthusianos os argumentos mais convincentes no campo da economia, apesarde os autores defenderem uma posio intermediria entre as correntes intervencionista e no-intervencionista quanto aocrescimento populacional (Coale, 1978, p. 415-416).

    O otimismo demogrfico decorrente dobinmio desenvolvimento-modernizao,atropelado pela prpria realidade do mun-do subdesenvolvido, que, aparentemente,no repetia a secular transio demogrficados pases desenvolvidos, sofreu, ainda, umimpacto maior e decisivo: o da Guerra Fria.A tenso internacional, aps a SegundaGuerra Mundial, entre os pases dos blocoscapitalista e socialista estabeleceu ntidasfronteiras territoriais e ideolgicas, dentrodas quais os pases hegemnicos esta-beleciam as suas estratgias de confrontoe negociao. A Revoluo Chinesa em1949 e a decorrente crise da Coria, naprimeira metade dos anos 50, e, princi-palmente, a Revoluo Cubana em 1959mostraram a instabilidade da divisopoltica internacional e levaram os EstadosUnidos a uma agressiva poltica decolaborao econmica, poltica e militarcom os pases latino-americanos, inclusiveo Brasil.

    O confronto poltico-ideolgico interna-cional acabou transformando, definitiva-mente, no mundo capitalista, o otimismodemogrfico em um pessimismo de cunhomalthusiano. Acreditava-se, ento, que areduo do rpido crescimento demogrficode pases como o Brasil no ocorreria semuma eficiente poltica de controle danatalidade. Mais ainda, dentro da agendainternacional, o crescimento populacionaltornou-se uma varivel politicamente estra-tgica e o controle da natalidade passou afazer parte de pacotes de colaboraoeconmica, poltica e militar.

    As presses norte-americanas2 e dosorganismos multilaterais para que fossem

    implementadas polticas de controle danatalidade estendiam-se a todos os pasesem desenvolvimento, em particular Amrica Latina e sia. A ndia, ento umpas extremamente pobre e com a segundamaior populao do mundo, foi um labo-ratrio de pesquisas acadmicas e depolticas oficiais de controle de natalidade,cujos resultados, em termos de declnio dafecundidade, foram praticamente inexpres-sivos. O Mxico foi um outro exemplo deesforo governamental na implementaode polticas populacionais, atravs do Con-selho Nacional de Populao (Conapo),criado em 1974.3

    O interessante que o nico pas daAmrica Latina que de fato implementoupolticas nesta rea, com xito indiscutvel,foi Cuba, obviamente sem nenhuma pres-so norte-americana. A taxa de fecundidadetotal (TFT) de Cuba, que nos anos 50apresentava nveis relativamente baixos,em torno de 3,6 filhos nascidos vivos pormulher, experimentou significativo aumentologo aps a Revoluo, passando para 4,5e 4,3 nos qinqnios 1960-1964 e 1965-1969, respectivamente (Alfonso Fraga,2005). Comandada pelo Estado, houveuma ampla mobilizao popular, utilizando,inclusive, o sistema educacional, com oobjetivo de implementar polticas de plane-jamento familiar, associadas a polticas desade materno-infantil. H um nmeroespecial da Revista Brasileira de Estudosde Populao (vol. 4, n. 1, jan.-jul. 1987)com instigantes artigos sobre as expe-rincias cubanas, mexicana e chinesa, entreoutras. Cuba, na verdade, seguiu a tradiodos pases socialistas, iniciada na antiga

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    Unio Sovitica. Logo aps a RevoluoBolchevique, em 1917, foi elaborado umconjunto de leis sobre aborto, esterilizaoe casamento, ligadas a uma nova con-cepo do papel da mulher dentro dosocialismo e necessidade de suamobilizao como mo-de-obra. De fato, aantiga Unio Sovitica no enfrentavarpido crescimento populacional, mas tinhaproblemas relacionados distribuioespacial de sua populao. Com o objetivode redistribu-la, desenvolveu-se, no pero-do stalinista, um projeto de reforma agrria,acompanhado de uma poltica de migraoforada, que se transformou numa tragdiade dimenses humanas incomensurveis(Carr, 1972).

    A China, tambm um pas fora da esferade influncia norte-americana desde aRevoluo Comunista de 1949, certamentefoi onde se levou, aps um comportamentooscilante e, s vezes, ambivalente, sltimas conseqncias a poltica de controleda natalidade. Nos anos 70, o controle danatalidade foi considerado, definitivamente,uma questo de Estado. Alm das medidasanticonceptivas, introduziu-se o controlemalthusiano do casamento: na cidade,para se casar, os homens deveriam ter, nomnimo, 28 anos de idade e as mulheres,25 anos; no campo, deveriam ter 25 e23 anos, respectivamente. O pice do con-trole da natalidade foi a poltica de umcasal, um filho, que ainda prevalece e cujasconseqncias sociais e demogrficastm sido observadas com pessimismo(Population Reports, 1982; Winckler, 2002;Greenhalgh, 2003).

    A questo do crescimento populacional a agenda poltica nacional

    O golpe militar de 1964 no Brasil contoucom a decisiva colaborao dos EstadosUnidos, interessados em manter o pasdentro das fronteiras do capitalismo. Oregime poltico emergente, gradualmente,mas de um modo cada vez mais radical,implantou um governo autoritrio quecerceava, sem limites, as liberdadesfundamentais do povo brasileiro. A legis-lao sobre a segurana nacional e os atos

    institucionais, em particular o de n 5, de1968, e uma represso que no obedeciaaos parmetros formais foram instrumentosque consolidaram a ditadura militar noBrasil.

    Do ponto de vista demogrfico, contudo,a forte influncia dos Estados Unidos noBrasil no se traduziu em polticas pblicasde controle da natalidade, apesar da os-tensiva presso direta, atravs da UnitedStates Agency for International Development(Usaid), ou indireta, por meio de algumasfundaes privadas e de organismosinternacionais, como o Banco Mundial e asNaes Unidas, onde a posio americanaera hegemnica.

    As posies referentes ao controle denatalidade se diferenciavam dentro dosgrupos que davam sustentao interna aoregime militar brasileiro. Os militares, queassumiram a responsabilidade direta pelocontrole do aparelho estatal, defendiam, emsua maioria, a tese de que o territrio brasi-leiro comportaria uma populao maior e,portanto, no se atemorizavam com o pro-blema do rpido crescimento demogrfico.Ao contrrio, consoante com a perspectivapredominante na poca, de defesa dasegurana nacional, crescer e redistribuir apopulao, de modo a ocupar o amploespao vazio nacional, era um objetivoestratgico para os militares. Um bomexemplo foi o ambicioso e malsucedidoprojeto de colonizao da regio ama-znica, que tinha como meta transferir cercade 1,5 milho de famlias da regio ondeexistiam muita populao e pouca terra, oNordeste, para a Amaznia, onde existiammuita terra e pouca populao (Martine,1987).

    Por outro lado, uma proporo signi-ficativa dos tecnocratas, associados aosmilitares na administrao pblica, mos-trava-se defensora da necessidade depolticas pblicas que contribussem,efetivamente, para o controle da natalidade.A justificativa era a de que o crescimentoda economia e, principalmente, a reduoda pobreza seriam por demais facilitadosse o ritmo do crescimento da populaofosse menor. Um dos expoentes dessacorrente foi o economista Mrio Henrique

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    Simonsen, ministro, por duas vezes, dosgovernos militares, que seguia a tradioanaltica de Roberto Campos, para quema tecnologia agrcola matou o demniomalthusiano na primeira metade do sculoXX. A tecnologia bioqumica o ressuscitouna segunda metade do sculo (citado porSimonsen, 1975).

    Simonsen faz uma crtica ao que eledenomina a aritmtica dos coelhos, ou seja, tradio catlica brasileira, que terialevado a populao a seguir risca opreceito bblico crescei e multiplicai-vos,num ufanismo demogrfico que se esqueciaque a populao o denominador dafrmula da renda per capita, cujo rpidocrescimento contribua negativamente parao bem-estar das pessoas. Para ele, aassertiva dos ufanistas de que a soluoseria aumentar o banquete e no diminuiro nmero de comensais era equivocada,porque no se tratava de reduzir o nmerode comensais, mas, apenas, de refrear asua taxa de crescimento. Em segundolugar, para Simonsen, o

    argumento de que o importante seriaacelerar a taxa de crescimento do produtoreal e, no, conter o aumento da populaorevelava a incapacidade de raciocinar comfunes de duas variveis.

    De fato, ambas as preocupaes eramrelevantes, no havendo razo para queuma exclusse a outra. Dentro das boasregras da aritmtica, se fosse possvelaumentar o dividendo e conter o divisor,tanto melhor para o quociente. E, maisimportante do que tudo isso, afirmava

    que se escapamos do crculo vicioso dapobreza absoluta, talvez continuemosenredados no da pobreza relativa [...] seno conseguirmos deter a nossa explosopopulacional. (Simonsen, 1975, p. 99 e 115)

    Do ponto de vista da poltica popula-cional, Simonsen defendia a necessidadede superar o fatalismo demogrfico, segun-do o qual

    a taxa de natalidade acabar declinandocom a urbanizao e o aumento da rendareal per capita [...] e dificilmente ser possvelantecipar tal declnio por simples medidasde poltica demogrfica. (Simonsen, 1975,p. 115)

    Para ele, no se tratava de criar o Es-tado-Herodes, mas compreender que o pla-nejamento familiar afastaria o risco dapaternidade irresponsvel, inserindo-o den-tro de uma poltica educacional (Simonsen,1975, p. 99 e 115).

    A posio desse segmento da tecno-cracia no foi suficientemente influente paraincluir a questo do crescimento demogr-fico na agenda governamental, at porqueoutros grupos importantes no cenrio po-ltico, como a Igreja Catlica, eram franca-mente contrrios a qualquer poltica deregulao da fecundidade e at de ofertade servios neste campo. Acrescente-se queo Estado no Brasil, a includas as elites quesempre o governaram em seus diferentesmomentos histricos, nem sempre conside-rou a populao uma questo neutra nodesenvolvimento do pas e na construoda nao. Ao contrrio, recorrentementepreocupou-se com a questo populacional,principalmente com a formulao de polti-cas migratrias, no que se refere tanto aoestmulo da imigrao internacional quanto redistribuio interna da populao,mediante projetos de expanso da fronteiraagrcola e polticas de ordenamentoterritorial.

    No se deve esquecer que as polticasde imigrao internacional no final desculo XIX e princpio do sculo XX tinhamcomo objetivo buscar no mercado interna-cional no somente a mo-de-obra neces-sria economia, mas tambm o aperfei-oamento tnico do povo brasileiro, que aselites desejavam fosse mais branco eindustrioso, como os europeus (Brito, 2004,p. 17).

    A diversidade de opinies dentro dosgovernos militares levou-os a uma delibe-rada omisso, que se, por um lado, no osconduziu formulao explcita de umapoltica de controle da natalidade, por outro,possibilitou o livre trnsito no governo dostecnocratas favorveis ao controle da nata-lidade e o livre acesso populao de orga-nizaes privadas nacionais e internacio-nais de inspirao neomalthusiana, queagiam principalmente no Nordeste do pas.

    A politizao da questo do cresci-mento demogrfico pelos Estados Unidos,

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    no contexto do pessimismo malthusiano, eo lugar estratgico reservado suadesacelerao dentro da sua polticainternacional levaram, principalmente naAmrica Latina, a um confronto poltico-ideolgico e cientfico entre aqueles quedefendiam as polticas de controle danatalidade e a quase unanimidade doscientistas sociais, constitudos, majorita-riamente, por professores e pesquisadorescom fortes convices nacionalistas esocialistas, entre eles a grande maioria dosdemgrafos. Acrescente-se que, no Brasil,a forte resistncia poltica intervencionistanorte-americana e sua sustentao aoregime ditatorial levou a maioria doscientistas sociais interessados ou dedicadosaos estudos populacionais, convictosopositores do regime militar, a uma posturaainda mais radical contra toda poltica quepudesse ser relacionada, direta ou indi-retamente, com o planejamento familiar,qualquer que fosse seu matiz.

    Ademais, estavam convencidos de queno havia demanda insatisfeita poranticoncepo. Por lgico, se o Estado por-ventura se fizesse presente nesta rea,qualquer declnio da fecundidade, emconseqncia de sua ao, seria um frutoinaceitvel da coero. Apesar de o gover-no brasileiro implementar, explicitamente,desde os anos 50 at o final da dcada de70, polticas de redistribuio de populao,mormente pela expanso da fronteiraagrcola, a ateno da grande maioria dosdemgrafos estava concentrada na opo-sio aos chamados neomalthusianos, isto, queles que defendiam a implementaode polticas de populao no caso, estritosenso, polticas de controle da natalidade.Opunham-se, no Brasil, a qualquer pre-sena do Estado no domnio exclusivo dasdecises dos indivduos e casais sobre onmero adequado de filhos.

    A politizao excessiva da questo docrescimento demogrfico levou os chama-dos neomalthusianos a superestimar aeficincia de polticas de controle danatalidade sobre os nveis de fecundidade,assim como os efeitos positivos da desa-celerao do aumento populacional sobreo crescimento da economia e o equilbrio

    social e poltico. Tambm impeliu seusopositores a subestimarem a demandagenuna por anticoncepo e os efeitosnegativos para os indivduos e as famlias,assim como para a sociedade e para aeconomia, advindos de uma fecundidadepermanentemente alta e do conseqenterpido crescimento populacional.

    Dos dois lados da contenda sobre ocontrole da natalidade havia apenas umponto consensual, nunca reconhecidocomo tal: no se deveria esperar por umdeclnio natural da fecundidade nos pasesento chamados de subdesenvolvidos,obviamente a includo o Brasil, no curto emdio prazos. A corrente neomalthusiana,com a sua viso pessimista e muitas vezescatastrfica do rpido crescimentodemogrfico, propugnava por polticas queinterferissem diretamente no nvel dafecundidade, conduzindo as famlias po-bres a superarem a sua irracionalidadeeconmica e social no tocante ao nmerode filhos. Seus antagonistas, inclusive amaioria dos demgrafos brasileiros,estavam convictos de que s o verdadeirodesenvolvimento econmico, com mudan-as estruturais profundas, levaria os casaisa planejar sua prole. Como a economiabrasileira crescia a taxas positivas muitoaltas, afirmava-se, ento, que estava ha-vendo crescimento econmico, no, porm,desenvolvimento econmico. S nesteltimo caso a fecundidade declinaria demodo natural, o que, por si s, no corres-ponderia a um ganho para indivduos e paraa sociedade, uma vez que o nmero defilhos e o ritmo de crescimento populacionalseriam neutros, do ponto de vista do bem-estar social.

    A compreenso terica da neutralidadeda populao em face do crescimento daeconomia e do bem-estar social buscava asua fundamentao, em muitos casos, nascrticas feitas por Marx a Malthus. Segundoo primeiro, o grave equvoco do segundofoi acreditar que o excedente demogrficonos pases capitalistas era decorrente docrescimento demogrfico.

    O economista alemo no colocava emdvida a existncia de um excedentedemogrfico; ao contrrio, considerava que

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    4 P, parturio, refere-se ao nmero mdio de nascidos vivos, por mulher, at uma determinada idade. F corresponde fecundidadecorrente acumulada at a mesma idade. A fecundidade corrente obtida a partir da informao, por idade da mulher, do nmerode filhos nascidos vivos nos 12 meses anteriores data do censo ou survey.5 Acre, Amazonas, Par, Rondnia, Roraima e Amap.6 Cear, Rio Grande do Norte, Paraba, Pernambuco e Alagoas.7 Ao se analisar o comportamento da srie P/F deve-se desconsiderar, por razes tericas e tambm relacionadas qualidade dosdados, o primeiro valor, isto , aquele das mulheres com 15 a 19 anos de idade.

    ele fazia parte da prpria natureza daacumulao capitalista, que produz,constantemente, devido ao progressotcnico, uma populao suprflua. Ocrescimento da populao trabalhadoraseria sempre mais rpido do que o do capitalvarivel, gerando, conseqentemente, umnmero de desempregados o exrcitoindustrial de reserva estruturalmentedeterminado pelo processo de acumulao.Para Marx, a contrao ou expanso doexrcito industrial de reserva seria umafuno no do tamanho absoluto da popu-lao, mas das propores dos exrcitoseconomicamente ativo e da reserva em quese divide a classe trabalhadora, segundoos diferentes ciclos industriais (Marx, 1975).

    Esta concluso poderia levar a umaleitura de que o tamanho da populao e,logicamente, o seu crescimento seriam neu-tros em relao dimenso do excedentepopulacional. Porm, se considerarmos aprpria tese de que a velocidade docrescimento da populao trabalhadoraseria sempre maior do que a do capitalvarivel, o seu tamanho e crescimentoseriam determinantes na diviso entre aspropores da populao economicamenteativa e da reserva. Pois, quanto maior ocrescimento e, portanto, o tamanho da popu-lao, maior o excedente populacional.Nesta perspectiva, a populao, ainda quepor motivos diferentes dos enunciados porMalthus, no poderia ser considerada umavarivel neutra.

    Os debates tericos e as discussespolticas sobre a neutralidade da questodemogrfica, isto , sobre as implicaesdo tamanho e ritmo de crescimento dapopulao, e sobre a necessidade ou nodas polticas de regulao da fecundidadeestenderam-se da segunda metade dadcada de 60 at os anos 80. Entretanto,segundo alguns estudiosos da populao,

    o significado real do planejamento familiarpara os indivduos e famlias de baixa renda que carregavam o nus da responsabili-dade pelas rpidas taxas de reproduo no foi objeto de discusso explcita napoca, em vista da reao extremamentenegativa s presses internacionais e dapredominncia de atitudes de laissez-fairecom respeito ao assunto. (Martine e Faria,1986, p. 7)

    O rpido declnio da fecundidade noBrasil: e agora?

    Enquanto a contenda se desenvolvia,a histria passava ao largo, alheia queleradicalismo incuo e existncia ou node polticas de controle da natalidade oude planejamento familiar. J havia in-dicadores de que a fecundidade dasmulheres brasileiras comeara a declinar.O vis ideolgico e a certeza sobre aimplausibilidade de sua queda, produto dodebate e do contexto no qual se realizava,impediram alguns demgrafos, comoCarvalho (1973), de enxergar essa rea-lidade. A sua tese de doutorado tinhaelementos que indicavam, claramente, umpersistente declnio da fecundidade emregies responsveis por 61% da popu-lao brasileira em 1970.

    As sries P/F,4 resultantes da aplica-o da tcnica de fecundidade de Brassaos dados do Censo de 1970, quedeveriam ser rapidamente decrescentesem contextos de fecundidade constante,apresentaram-se constantes, at cres-centes, no Sul e Sudeste brasileiros, aocontrrio daquelas das demais regies. OAnexo apresenta as sries P/F daspopulaes que cobrem todo o Sul eSudeste, assim como aquelas do Norte,5

    Nordeste Central6 e do pas como umtodo.7 Estavam a indicar, indubitavelmente,no Sul e Sudeste, persistente e significativo

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    declnio da fecundidade, enquanto nenhu-ma concluso, sequer inferncia, poder-se-ia tirar no tocante s outras regies. Da sriedo pas como um todo, se analisadacuidadosamente, poder-se-ia levantar umahiptese robusta, qual seja, de que j estariahavendo, pelo menos durante os anos 60,queda sistemtica dos nveis defecundidade.

    Poder-se-ia esperar que Carvalho(1973), diante de tais evidncias, inferisseou pelo menos levantasse a hiptese deque o pas j teria entrado no processo detransio de uma fecundidade alta a umafecundidade baixa, visto que a fecundidadevinha caindo nas regies brasileiras maisdesenvolvidas de forma continuada. J sesabia, ento, que nos pases onde o proces-so de transio se encontrava avanado, odeclnio da fecundidade comeara nosgrupos e regies mais desenvolvidaspara, em seguida, espalhar-se por toda apopulao.

    A mesma falta de acuidade repete-seem trabalho imediatamente posterior. Aindabaseado em sua tese de doutorado,analisando a situao demogrfica do Nor-deste, Carvalho (1975, p. 29 e 35) afirma:

    Seus nveis de fecundidade so elevadssi-mos [...] Historicamente, tem sido mais fcilbaixar os nveis de mortalidade, uma vezque a queda da fecundidade depende,antes de tudo, de um verdadeiro desenvol-vimento socioeconmico. [...] No que tangeao Brasil como um todo, observa-se umaalta contnua no seu potencial de crescimento[...] Parece-nos que a crena [...] de que oBrasil j comeou a experimentar uma que-da duradoura em suas taxas de crescimentono se apia em uma boa base cientfica.

    Apesar de o Censo de 1970 j trazerindicadores do declnio da fecundidade noBrasil, estes no foram devidamentedetectados pelos demgrafos e estudiososda populao, submersos no confrontopoltico-ideolgico. Os dados das PNADsde 1972 e 1976 confirmaram, claramente,o declnio da fecundidade no Brasil nos anos

    70. A TFT tinha se reduzido em 5%, entre1970 e 1972, e 22% entre 1972 e 1976(Carvalho, 1980, p. 537).

    Foi um Deus nos acuda nos doisplos da contenda, pois a realidade estavadesmentindo a nica tese sobre a qualconcordavam: no havia no pas demandageneralizada pela reduo do nmero defilhos e, conseqentemente, pela anticon-cepo. Foram anos de perplexidade nacomunidade demogrfica brasileira, inca-paz de prever, ainda que como uma pro-babilidade, o fenmeno, muito menos suamagnitude.8

    Chegou-se mesmo a argumentar,ignorando-se o j prenunciado pelos dadosdo Censo de 1970, que o declnio aparenteda fecundidade poderia ser conseqnciade erros de amostragem da PNAD de 1972.Porm, os dados da mesma pesquisa doIBGE, em 1976, atropelaram tal argumento,reiterando uma queda rpida e significativada fecundidade na maioria das regies dopas.

    Restava, pois, explicar o que para agrande maioria dos demgrafos e estu-diosos de populao apresentava-se comoabsolutamente inusitado. Algumas anliseslevaram em conta os chamados fatoresinibidores da fecundidade, utilizando-se dosdeterminantes prximos de Bongaarts.Destaca-se, no caso, o trabalho de ElzaBerqu, apresentado em 1980 em umseminrio do Grupo de Trabalho sobre oProcesso de Reproduo da Populao, doConselho Latino-Americano de CinciasSociais (Clacso), em Terespolis (RJ), quearrisca algumas hipteses explicativas. Aprimeira delas refere-se a que

    [...] uma frao da classe trabalhadora,principalmente da periferia das grandescidades, vem sofrendo uma diminuio dalibido (no sei se esse o termo mais correto)devido a problemas de sade e desgastefsico. O que me leva a pensar nestahiptese so as jornadas de trabalho nascidades grandes, que podem cobrir at 10ou 12 horas por dia, acrescidas do tempo

    8 A bem da verdade, a incapacidade de prever o rpido declnio da fecundidade no se restringiu aos demgrafos brasileiros. Todaa comunidade internacional foi tomada de surpresa diante da queda da fecundidade, principalmente de seu ritmo, em inmerospases da Amrica Latina e da sia. Este um tema que merece uma reflexo e uma anlise crtica por parte dos demgrafos eestudiosos da populao.

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    gasto em transportes coletivos, que podechegar a 2 ou 3 horas dirias. Se a isto seagregam os problemas de sade e des-nutrio que podem afetar diretamente alibido, tem-se todo o quadro completado.(Berqu, 1983)

    As outras hipteses de Berqu referem-se ao clculo econmico incorporadomesmo a contragosto, para alguns, poruma frao da classe trabalhadora nadeciso sobre o nmero de filhos e insero da mulher no mercado de trabalho.

    H de se louvar a atitude de ElzaBerqu, ao autorizar a publicao do artigotrs anos aps sua apresentao noSeminrio de Terespolis. Como introdu-o, ao artigo original ela acrescenta duaspginas, sob o ttulo de Advertncia (ouuma confisso), onde faz reflexes erefere-se, em breve relato, aos avanosinterpretativos alcanados aps o seminriodo Clacso. Afirma, nesta introduo, que suaprimeira reao foi de no autorizar apublicao do artigo, pois ela prpria jhavia avanado no sentido de algumas dashipteses ali apenas esboadas. Entre-tanto, fora convencida do contrrio o prjuntos os trabalhos [...] importante comoforma de eternizar aquele momento dereflexo [...] [pelo qual o Grupo do Clacso]passou ao longo de sua trajetria.

    Um outro tipo de anlise sobre odeclnio da fecundidade foi apresentado porCarvalho, Sawyer e Paiva (1981). Os au-tores consideram a generalizao do usode anticoncepcionais, inclusive entre apopulao rural, porm no tomam essefato como determinante, em um pas ondeno havia uma poltica oficial de plane-jamento familiar. Defendem a tese de queo aspecto mais importante da queda dafecundidade seria a alterao do compor-tamento das populaes de baixa renda(idem, p. 56).

    Nessa camada da populao teriamocorrido dois fenmenos fundamentaispara a queda da fecundidade. O primeirodeles foi

    [...] a intensificao do processo de prole-tarizao que reduziu, drasticamente, acontribuio da produo domstica parao consumo de uma grande parte da po-

    pulao brasileira. Isto tornou ainda maisdifcil a criao de grandes famlias, emrazo de ter cessado, em sua maior parte, aparticipao dos filhos na produo dosvrios itens consumidos pela famlia. (idem,p. 57)

    O segundo argumento tem a ver com arealidade especfica do perodo:

    na dcada de 1970, a despeito do pequenoaumento dos salrios reais, os preos dosgneros alimentcios aumentaram maisrapidamente do que os preos dos bens in-dustrializados, o que reduziu ainda mais opadro de vida da populao de baixarenda e tornou menos factvel a manuten-o de famlias grandes. (ibidem)

    Em 1983, em trabalho publicado peloCommittee on Population and Demography,da National Academy of Sciences, Merricke Berqu (1983) apresentam estudo omais detalhado, at ento, relacionado aoBrasil sobre os determinantes do rpidodeclnio da fecundidade no pas. Contando,tambm, com informaes da PesquisaNacional de Reproduo Humana, que,coordenada pelo Cebrap, levantara dadosem nove localidades de diferentes regiesdo Brasil, os autores avanam as seguinteshipteses:

    a) o principal componente da quedateria sido o declnio da fecundidademarital;

    b) o determinante prximo mais im-portante daquele declnio seria oaumento do controle dentro docasamento;

    c) o declnio da fecundidade marital teriaacontecido devido generalizaodo controle da fecundidade dentrodas regies e grupos sociais maispobres;

    d) esses grupos teriam passado portransformaes socioeconmicas,tais como o aumento da es-colaridade, da posse de bens deconsumo durveis e da participaodas mulheres no mercado detrabalho, que teriam engendradonormas favorveis s famliaspequenas (Merrick e Berqu, 1983,p. 3-4).

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    Uma anlise do declnio da fecundi-dade no Brasil que sintetiza, em parte, ascontribuies anteriores e amplia o seuescopo analtico a de Faria (1989). Essetexto d nfase s mudanas institucionais,associadas tanto ao processo de desenvol-vimento excludente e, portanto, ao pro-cesso de proletarizao e empobrecimento quanto ao padro de interveno doEstado capitalista brasileiro ps-1964. Nodesconsidera, tambm, os determinantesprximos da fecundidade e pretende

    [...] contribuir para o debate sobre atransio da fecundidade, introduzindo:

    a) fatores de carter cultural, sem cair novazio das generalizaes funcionalistas dateoria da modernizao;

    b) conseqncias no-antecipadas da aogovernamental, sem uma viso conspiratriaou mecnica dessa ao;

    c) uma modalidade de anlise que enfatizaa complementaridade causal entre osprocessos estruturais e a ao dos atores,ultrapassando o falso dualismo entredeterminao estrutural e ao individual.(Faria, 1989, p. 69)

    A tese de Faria (1989) a de que umconjunto de polticas governamentais geroumudanas culturais de grande difusoespacial, provocando a institucionalizaoda demanda por uma regulao da fe-cundidade. As polticas governamentaismencionadas so as do crdito ao consu-midor, de telecomunicaes, de previdnciasocial e de ateno sade. Os efeitosdessas polticas sobre a demanda pelaregulao da fecundidade so considera-dos conseqncias no-antecipadas.Entre as conseqncias, poder-se-ia listar:

    a) fortalecimento do clculo econmicocomo padro de orientao nadefinio do nmero de filhos;

    b) exposio da populao culturamdica;

    c) separao, em termos de valores enormas, entre atividade sexual eatividade reprodutiva;

    d) deslocamento da responsabilidadesocial (sade, previdncia) do eixofamiliar para o Estado.

    A institucionalizao da demanda pelaregulao da fecundidade, sem a oferta demeios relativamente eficientes de anticon-cepo, com a necessria reduo dos seuscustos econmicos, sociais e psicolgicos,e a no existncia de uma

    [...] poltica pblica de oferta de meios deregulao da fecundidade, explcita e pas-svel de controle democrtico, permitiramque a demanda por esses meios tivesse deser atendida, fundamentalmente, emborano exclusivamente, no mercado [...] todoesse processo acabou por adquirir umcarter profundamente discriminatrio [...]desfavorecendo as camadas mais modestasda populao. (Faria, 1989, p. 95)

    O autor conclui que

    a inexistncia de uma poltica de oferta demeios de regulao da fecundidade, atravsde outros mecanismos que os de mercado,terminou por prejudicar os segmentos so-ciais mais modestos. E justamente nissoque reside o efeito perverso dessa ausncia.(Faria, 1989, 96; grifos do autor)

    Digno de observao que esse exce-lente texto de Faria no foi apresentado emreunio da Associao Brasileira deEstudos Populacionais (Abep) e, sim, emreunio da Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Cincias Sociais(Anpocs). Certamente, no seria fcil paraos demgrafos e estudiosos da populaoresponderem a uma questo colocada peloautor, tambm associado da Abep:

    [...] a oposio a uma poltica pblica deoferta de meios de regulao, com o controlepopular do seu desenho e de sua im-plementao, no teria tido resultadosperversos, isto , contrrios queles que essaoposio desejava conseguir, na medida emque o resultado da ausncia teria sidoprejudicial aos grupos e setores sociais quese queria beneficiar e proteger? (Faria, 1989,p. 95)

    O prprio autor adianta que, em casoafirmativo, essa uma das muitas peasque a dialtica do processo social capazde pregar (Faria, 1989, p. 96).

    O biombo ideolgico atrs do qual sealinhava a maioria dos demgrafos eestudiosos da populao, na amplacontenda contra a interferncia norte-americana e a sua viso de poltica da

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    populao, impediu que eles enxergassemas necessidades, e por elas lutassem, da-queles que seriam, pelo menos teoricamen-te, seus aliados. O resultado foi umacumplicidade, mesmo que no-antecipa-da, com efeito perverso sobre a populaomais pobre, traduzida em um silncioprofundo sobre seu direito de regular a suafecundidade.

    As conseqncias deste maniquesmolevaram a que a Assemblia da Abep, em1980, votasse contra moo que pretendiaque o IBGE se responsabilizasse por umapesquisa nacional sobre fecundidade, nombito do World Fertility Survey (WFS),ento implementado em vrios pases,tendo como base comum um questionriopadro. Sobre esse fato, reza a ata daAssemblia de 13 de outubro de 1980, aorelatar as deliberaes tomadas: [...]rejeitar por 28 (vinte e oito) votos contra 14(quatorze) a favor e 18 (dezoito) abstenes,moo proposta pelo membro Maria HelenaT. Henriques de que a Abep manifeste seuinteresse e apoio a que a Fundao IBGEse faa responsvel pela realizao de umapesquisa nacional de fecundidade (Abep,1980).

    Um dos autores deste artigo era, ento,presidente da Abep e votou pela rejeioda moo. Ainda bem que, em 1986, osuplemento da PNAD foi dedicado fecundidade das mulheres brasileiras.Contou, ento, com o apoio da Abep,inclusive na formulao do questionrio.

    Em 1990, a rea de demografia doCedeplar no aceitou, por deciso damaioria de seus membros, convite paraparticipar da pesquisa DHS (Demographicand Health Survey) no Nordeste. O DHS, semelhana do WFS, era um programainternacional de estudos comparativos,tambm baseado em um questionriopadro, mas que permitia adaptaessegundo a realidade e interesses dospases envolvidos. Em 1996, foi aplicadono Brasil como um todo. Neste caso, com aparticipao, na discusso dos questio-nrios, de alguns pesquisadores dosprincipais ncleos de demografia do pas.Houve, ento, da parte do Cedeplar, apoiologstico para a implementao da pesquisa

    em Minas Gerais, Esprito Santo e noCentro-Oeste.

    Do lado dos grupos neomalthusianos,a primeira reao ao inesperado declnioda fecundidade foi credit-lo ao aumentodo nmero de abortos, ainda que, com isso,houvesse o reconhecimento implcito porforte demanda por anticoncepo (antesnegada, da a necessidade de interveno).A nfase no aumento da prevalncia deaborto fortalecia o pleito pela implemen-tao de servios de planejamento familiarem todo o pas, no qual estavam direta-mente interessados. At ento, falava-se,sem nenhuma base emprica, em cerca deum milho de abortos no Brasil por ano.Esta estimativa sofreu, de repente, alu-cinante aumento. O relatrio do BancoMundial de 1984 afirma que calcula-se queentre 3 e 5 milhes de abortos ilegais eclandestinos so realizados anualmente noBrasil, ou aproximadamente um para cadanascimento (World Bank, 1984).

    No tendo condies de desconhecero rpido declnio da fecundidade no Brasil,na ausncia de qualquer poltica gover-namental com esse objetivo, em vez deanalisar a ocorrncia do fenmeno, orelatrio prefere comparar o caso brasileirocom os da Colmbia e do Mxico, onde aspolticas populacionais teriam sido respon-sveis por uma queda nos nveis defecundidade mais acentuada que a do Brasil.No h referncia s fontes utilizadas pelorelatrio, entretanto as estimativas depesquisadores brasileiros no confirmam assuas inferncias. Pelo contrrio, o declnioda fecundidade no Brasil, entre os finais dasdcadas de 60 e 70, foi superior ao do Mxicoe da Colmbia (World Bank, 1984).

    Independente da posio dos dem-grafos e estudiosos da populao, a partirda segunda metade da dcada de 70 aanticoncepo espalha-se rapidamentepelo Brasil, com freqncia patrocinada porinstituies privadas, como a SociedadeCivil de Bem-Estar da Famlia (Bemfam),aliadas a instituies mdicas e amparadasnuma deliberada omisso do Estado. Desde1971, o governo federal havia reconhecidoa Bemfam como entidade de utilidadepblica (Fonseca Sobrinho, 1993).

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    Alguns programas governamentais narea do planejamento familiar e dasade reprodutiva o importante papeldos movimentos feministas

    Na Conferncia Internacional de Popu-lao de Bucareste, organizada pelasNaes Unidas em 1974, o governobrasileiro ainda se mantinha, oficialmente,favorvel tese de que, em termos abso-lutos, no h problema de superpopulaono Brasil. Porm, e de acordo com aoposio antiimperialista dos seus prpriosopositores, afirmaria:

    A poltica demogrfica brasileira dodomnio soberano do governo do Brasil. Ogoverno no aceitar interferncia de carteroficial ou privado na sua poltica demogrfica[...] O controle demogrfico uma decisodo ncleo familiar, o qual, a esse respeito,no deve sofrer interferncia governamen-tal. A capacidade de recurso ao controleda natalidade no deve ser um privilgiodas famlias abastadas e, por isso, cabe aoEstado proporcionar as informaes e osmeios que possam ser solicitados porfamlias de recursos reduzidos. (citado porFonseca Sobrinho, 1993, p. 148)

    Em 1978, o ento presidente do Brasil,Ernesto Geisel, em entrevista concedidadurante sua viagem ao Mxico, foi explcito:

    Ns achamos que a limitao da natalidadeno deve ser imposta. Ela deve ficar aoarbtrio, ao desejo do casal. o marido e amulher que tm que resolver seu problema.Mas, eles devem ser informados sobre essaquesto. E devem ter uma orientao decomo realizar o seu planejamento familiar.Esse o meu ponto de vista pessoal. Querodizer que no Brasil isto ainda no est sendopraticado. (citado por Fonseca Sobrinho,1993, p. 154)

    Na sua mensagem ao CongressoNacional, em 1983, em plena crise eco-nmica, o presidente Joo Figueiredoconvocou o Congresso para um amplodebate sobre a questo populacional, paraque se determinassem as polticas adequa-das a respeito. Justificava a mensagem,como se v, com forte conotaoneomalthusiana:

    A exploso demogrfica ocorre, sobretudo,nos pases menos desenvolvidos, onde secomprimem cerca de dois teros dapopulao mundial. No Brasil, nos ltimosquarenta anos, o aumento demogrficoultrapassou 50 milhes de habitantes. Estecrescimento humano, em termos explosivos,devora, como se tem observado, o cresci-mento econmico, agente da estabilidade;acarreta desequilbrios sociais, econmicos,culturais e polticos que reclamam profundameditao. (citado por Fonseca Sobrinho,1993, p. 136)9

    A mensagem repercutiu no Congresso,que instalou uma Comisso Parlamentar deInqurito cujo relatrio final, aprovado em1984, teve uma forte influncia da Bemfam.O relator era membro do Grupo de Parla-mentares para o Estudo de Populao eDesenvolvimento, ao qual a Bemfam, desde1981, prestava assessoria. Foram quatro asconcluses do relatrio:

    1) a necessidade de formao de umaatitude consciente coletiva: a da pater-nidade responsvel;

    2) a identificao do planejamento daprole como sendo um direito humano, ondea deciso cabe ao casal, devidamenteinformado;

    3) a responsabilidade do Estado em forne-cer as informaes e os meios para que oscasais possam implementar suas decises;

    4) a constatao de que tal responsa-bilidade ultrapassa os limites do Ministrioda Sade, devendo ficar a cargo de umConselho Nacional de Populao e Plane-jamento Familiar, ligado diretamente Presidncia da Repblica. (citado porFonseca Sobrinho, 1993, p. 156)

    Enquanto os parlamentares procu-ravam dar uma roupagem nova ao controlede natalidade, o Ministrio da Sade foimais gil. Contando com um grupo demdicos de longa tradio progressista ecom a colaborao do emergente movimen-to das mulheres, deu incio ao Programa deAssistncia Integral Sade da Mulher(Paism). J em 1983, o projeto comeava aser discutido no Congresso de SadePblica em So Paulo. A implantao doPaism foi conseqncia de uma compreen-so do planejamento familiar como um dos

    9 Outras anlises sobre o debate nas organizaes do Estado, no parlamento e na sociedade civil podem ser encontradas emRocha (1993) e Caetano (2004).

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    componentes da sade da mulher, forta-lecida, principalmente, com a nova moldurapoltica e ideolgica introduzida pelomovimento feminista.

    O movimento das mulheres cresceu econsolidou-se no Brasil assentado em doispilares principais. Em primeiro lugar, omovimento internacional pelos direitos dasmulheres, que envolvia uma nova viso doseu papel e da sua insero social. Emparticular, sobre os seus direitos repro-dutivos e sobre a sua soberania em relaoao seu corpo e sua sexualidade. Aimportncia do movimento das mulheres feza Organizao das Naes Unidas procla-mar 1975 como o Ano Internacional dasMulheres. Um outro pilar foi o processo deluta pela democratizao do pas, no qual oMovimento Feminino pela Anistia cumpriuum papel fundamental.

    A presena das mulheres no cenriopoltico do pas foi fundamental para aemergncia de uma nova viso do plane-jamento familiar. Entretanto, ligadas adiferentes grupos poltico-ideolgicos, elas

    [...] estiveram sempre oscilando entreorientaes partidrias e autonomia para assuas reivindicaes. Neste contexto, oplanejamento familiar sempre foi reaconflitiva. Era difcil para as mulheres aceitarsem discusso o laissez-faire em matriade controle da reproduo, como pregavaa esquerda. Por outro lado, no podiam seconfundir com o antinatalismo proposto peladireita [...] Mas no pode haver prticafeminista sem tocar nos temas dasexualidade, controle do corpo, respeitopelos desejos das mulheres, direito deaborto etc. [...] e como sufocar a discusso,uma vez que ela aponta para a necessidadede garantir s mulheres das classespopulares o acesso aos instrumentos dacontraconcepo? (Cardoso, 1983, p. 3)

    Estava posto um novo paradigma pol-tico para se compreender o planejamentofamiliar. No se tratava mais de discutir arelevncia de se controlar a fecundidadepara que o crescimento da economia fossemaior e mais justo. A prpria histria recentebrasileira desmentia a tese controlista: aeconomia tinha crescido aceleradamentedesde os anos 50, a fecundidade haviadiminudo aceleradamente a partir dasegunda metade dos anos 60, e a pobreza

    continuava num patamar inaceitvel. Nose podia mais considerar o planejamentofamiliar como uma panacia para se reduzira pobreza.

    Mais ainda, a dcada de 80 marcou atransio do pas para um regime polticodemocrtico, e apesar dos diversosobstculos o seu xito foi indiscutvel. Oautoritarismo na poltica passava para ahistria, era o desejo da sociedade: nuncamais!. Com o processo de redemocra-tizao, o autoritarismo implcito em muitaspropostas controlistas foi para a lata de lixoda histria. A sociedade democrticaconstri-se baseada na garantia dos direitospolticos e sociais dos cidados. O mo-vimento das mulheres sublinhou os seusdireitos, inclusive os direitos reprodutivos.Estava posto um novo paradigma para oplanejamento familiar. Mas, para caminhardecisivamente nessa direo,

    seria necessrio reconhecer a necessidadede uma poltica de sade que garanta a to-das as mulheres a informao e a assistnciade que necessitem para exercer o direitode optar por ter ou no ter filhos, usando osmtodos que escolham, sem qualquerconstrangimento. (Cardoso, 1983, p. 5)

    A preparao havida no Brasil para aConferncia Internacional de Populao eDesenvolvimento do Cairo (CIPD), de 1994,a prpria constituio da delegao oficialdo pas (com representantes da Abep e deONGs) e a sua atuao naquele eventoatestam as mudanas profundas ocorridastanto no seio da sociedade, quanto no nvelgovernamental.

    Aps exaustiva interlocuo com asociedade civil organizada, a includos osestudiosos de populao e demgrafos,poder-se-ia dizer que a posio oficial leva-da pelo pas CIPD representava quaseum consenso (Berqu, 1998). A divergnciamais marcante partiu da Igreja Catlica, semno entanto atingir a radicalizao e viru-lncia constatadas em outros pases latino-americanos.

    Pode-se afirmar que os pontos maismarcantes das resolues da CPID, con-substanciados nas recomendaes doPrograma de Ao do Cairo-94, j cons-tavam da proposta brasileira. Entre eles,

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    dados os objetivos deste artigo, h que seressaltar:

    a) ao invs de se atribuir aos Estadoso papel de definir o ritmo em quesuas populaes deveriam crescer,conforme suas convenincias, aabordagem do Cairo se baseia, aci-ma de tudo, nos diretos humanos eno conceito de desenvolvimentosustentvel (Alves, 1995);

    b) nfase nos direitos sexuais e re-produtivos, ao invs do foco noplanejamento familiar (Alves, 2004,p. 37);

    c) incentivo s parcerias entre gover-nos e ONGs na rea da regulao dafecundidade e dos servios de sadereprodutiva (Corra e Sen, citado porAlves, 2004).

    Na verdade, o consenso levado CIPDfora construdo durante os anos 80. Vale apena fazer referncia a uma assertiva dadra. Leila Linhares:

    A Constituio Brasileira de 1988 pode serconsiderada como tendo se antecipado aoPlano de Ao de Cairo, ao reconhecer, porpresso principalmente do movimento dasmulheres, o planejamento familiar comodireito fundado nos princpios da dignidadehumana [...] sendo sua demanda de livredeciso do casal, competindo ao Estadopropiciar o acesso necessrio aos serviose informao e orientao para o exercciodesse direito, vedando qualquer forma decoero. (Tanaka et al., 2002, p. 41)

    Atualmente, existem nos diferentes n-veis de governo vrios programas focadosna ateno sade reprodutiva, incluindoa informao e distribuio de meios neces-srios regulao da fecundidade. Estesprogramas ocorrem em um contexto deaceleradas mudanas sociais, econmicase culturais, no Brasil e no mundo, em con-junto com o aperfeioamento da medicinaligada sade reprodutiva, grandesresponsveis pelo rapidssimo declnio dastaxas de fecundidade. Em 1970, a TFT dasmulheres brasileiras era de, aproximada-mente, 5,8 filhos nascidos vivos por mulher.Em 2000, em torno de 2,3!

    O declnio da fecundidade no Brasil foivertiginoso: a taxa de fecundidade total de

    5,8 filhos nascidos vivos por mulher, em1970, caiu para 2,3 em 2000. Contudo, nemtodas as mulheres tm tido um acessodemocrtico aos meios contraceptivos e atodo o progresso tcnico ligado sadereprodutiva. As dificuldades impostas pelaseletividade do mercado e as deficinciasdos servios de sade pblica para agrande maioria da populao femininapobre ainda mantm muitas mulheres comorefns da desinformao e da falta deacesso aos meios anticoncepcionais. Istoimpede que vivam plenamente os seusdireitos, j limitados pela prpria pobreza:de fato, vivem uma cidadania limitada.

    Concluso

    Ressuscitar o velho debate controlistasversus no-controlistas no incio do sculoXXI seria repetir, como farsa, o que antesterminou em tragdia. Questes ideolgicaspostas h dcadas foram superadas pelahistria. Hoje, os direitos sociais impem-se sobre as teorias que justificavam asvelhas contendas. Para tornar ampla eirrestrita a cidadania das mulheres maispobres, como a de todas as outras, cabeaos demgrafos e estudiosos da populaono somente o reconhecimento, em alto ebom som, da legitimidade do planejamentofamiliar (Cardoso, 1983, p. 8), mas, tam-bm, que propugnem, como profissionaisda rea, que a ele tenham acesso ascamadas mais pobres da populao. Nose trata de uma interferncia impositiva ouconstrangedora, como ocorreu e ocorre emoutros pases, mas de criar condies,atravs do poder pblico, para que todasas mulheres possam cuidar de sua sadesexual e reprodutiva e regular a suafecundidade, segundo seus desejos enecessidades, podendo, assim, caminharpara o exerccio de sua cidadania plena.

    No h mais motivos para buscar nopassado o pano de fundo ideolgico e, muitomenos, para jogar para debaixo do tapetedas velhas teorias as evidncias de que apopulao no uma varivel neutra noprocesso social. Sabe-se, perfeitamente, queas variveis demogrficas no so exclusi-vamente dependentes ou determinadas por

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    processos macroeconmicos, mas tambmdeterminantes. Alis, deve-se a essa crenana neutralidade, alimentadora de batalhasgloriosas, porm equivocadas, no passado,o fato de que ainda se observa na demo-grafia brasileira uma enorme dificuldadepara reconhecer que o declnio da fecun-didade, com as conseqentes diminuiodo ritmo do crescimento populacional eprofunda mudana na estrutura etria, abriupara a sociedade novas oportunidades,assim como coloca srios desafios. Se muitodoloroso for, porque equivaleria a umareavaliao crtica, ainda que sempresalutar, que no se usem expresses taiscomo janela de oportunidades ou bnusdemogrfico. Porm, os profissionais darea tm a obrigao de, constantemente,chamar a ateno para essas oportuni-dades e desafios. As primeiras, em suamaioria, rapidamente se extinguiro e tmde ser aproveitadas enquanto duram. Osltimos tm de ser enfrentados, pois vierampara ficar. As tendncias demogrficas, hojeevidentes, so irreversveis.

    Nas regies estagnadas, como o semi-rido nordestino, onde a pobreza tornou-se secular, ou em outras, como as grandesreas metropolitanas, onde reside, atual-mente, a maior parte da populao maispobre brasileira, a significativa proporode filhos no desejados tornou-se parceirada misria e da degradao social. Mulhe-res, refns da sua cidadania incompleta, no

    tm tido a oportunidade de exercer seusdireitos reprodutivos, inclusive o direito deregular sua fecundidade, segundo os seusdesejos e necessidades. So socialmenteempurradas, pela desinformao e falta deacesso aos meios de regulao, para agerao de uma prole que s tem tornadomais grave a sua situao social. A pobreza,repetindo o bvio, no fruto do crescimentopopulacional, mas a ele se articula emmuitas circunstncias, num crculo viciosoque precisa ser rompido por meio dediversas polticas sociais, entre elas oplanejamento familiar. Pode-se repetir, comRuth Cardoso, mais de 20 anos depois:Estas so as razes pelas quais umapoltica de planejamento familiar umapoltica social inadivel no Brasil (Cardoso,1983, p. 7).

    A demografia brasileira, nas ltimasquatro dcadas, cresceu e consolidou-se,seja atravs da Abep, seja atravs dos bonscentros de pesquisa e ensino, seja atravsdos inmeros profissionais espalhadospelos rgos pblicos e instituies de todoo pas. Na Amrica Latina, constitui uma dascomunidades demogrficas mais slidas,com jovens geraes muito bem formadas,que nada devem s suas co-irms de outraspartes do mundo. Muito se fez, mas aindah muito por fazer. Que esta avaliao crticasobre os nossos equvocos e silncios nopassado contribua para que no osreproduzamos no presente e no futuro.

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    ANEXO 1

    Brasil sries P/F de algumas regies e do pas como um todo 1970

    Fonte: Carvalho (1973). Baseada em dados brutos de IBGE, Tabulaes Avanadas do Censo Demogrfico de 1970.(1) A partir de 30 anos, as tabulaes avanadas apresentaram grupos etrios com amplitude de 10 anos. Os multiplicadores paraos 5,5 primeiros anos dos dois grupos decenais foram gentilmente calculados e disponibilizados pelo professor William Brass.(2) Acre, Amazonas, Par, Rondnia, Roraima e Amap.(3) Cear, Rio Grande do Norte, Paraba, Pernambuco e Alagoas.

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    Abstract

    Brazilian demography and the fall in fertility in Brazil: Contributions, mistakes and silences.

    Since the late 1960s the Brazilian population has gone through a very rapid decline in fertility.In just three decades the overall annual fertility fell from 5.8 to only 2.3. The present articleanalyzes the positions of the experts in the field of population studies regarding this phenomenon.To understand their positions and attitudes, the international context during the 1960s and1970s must be taken into account, polarized as it was by the tension between the socialist andthe capitalist blocks. The majority of Brazilian social scientists, opponents of neo-Malthusianism,were against any type of presence of the State in the field of human reproduction. They heldtwo strong convictions: 1) there was no demand for contraception in Brazilian society and 2)the pace of the Brazilian population growth, as well as the size of the countrys population,were neutral, from the standpoint of the welfare of individuals. This ideological debate hassince become outdated. The changes in fertility in Brazil are quite advanced. However, somewomen, especially the poorest, still receive no information about or access to the meansneeded to plan the number of children they wish to have. On the other hand, Brazilian societyis also failing to take advantage of opportunities created by the fall in fertility, and is not preparingitself to face the new challenges resulting from this very fall. Many demographers and populationresearchers are still silent as to these aspects.

    Key words: Transition of fertility. Birth control. Neo-Malthusianism. Family planning.

    Recebido para publicao em 14/07/2005.Aceito para publicao em 07/11/2005.