a desejada

não pode ser virgem que nunca conheceu o desprezo

nem precisa ser bela

mas terá o olhar úmido dono de uma saudade longa

será alegre

sem ser feliz

mulher a quem tempo cumulou do peso dos seus próprios erros

ouvindo só em si uma endecha de acordes tensos

que nunca cessa

a música triste de fundo

que só conhecem aquelas que abortaram

será altiva e imponente

pois só assim sobreviveu

e quando rir será meio sorriso

ao tocar sua mão

um leve tremor me diz que ainda é humana

aventureiro das grutas alagadas mergulharei nas entranhas dessa alma escura

mesmo ao risco de não saber voltar

ao mergulhar atingirei o lodo que decanta ao fundo do coração cansado

e orgulhoso trarei à luz gemas polidas que se esqueciam ali

no meu abraço longo ela se entregará segura

pois nada teme quem nada a perder possui

com essa potra arisca cavalgarei viril

eu velho cavalo ferido

escorraçado dos pastos que esquecer não posso

vou ofegar em sua crina

suas ancas

em sua fronte irmã

nas pradarias ermas encontraremos pão

a pedra fria nós a faremos lar

ao dormir comigo seus pesadelos esvairão aos poucos

velhos fantasmas por fim a deixarão atônitos

e por um momento

aqui meu maior anelo

ela descansará

quem nos flagrar corcéis selvagens na dança da paixão insana

celebrará o amor aquele dom do céu

mas não verá que em ambos eu e a desejada há mais que isso

uma riqueza mor

nas escarpas altas onde o perigo mora

eu e ela seguimos ambos a nos rir da vida

é que saltar no abismo ou regressar ao ninho

nos é indiferente

pois o que fizermos doravante nós o faremos juntos

i n q u e b ra n t ave l m e n t e j u n t o s