Biogeografia dos Biótopos do Parque Nacional do Superagui - Guaraqueçaba-Paraná.
A DICOTOMIA ENTRE A CONSERVAÇÃO E A VISIBILIDADE DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS: UM ESTUDO DE CASO...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN
SETOR LITORAL
LUIZ FERNANDO GUIMARES SCHWARTZMAN
NATHALIA DE JESUS SIBUYA
A DICOTOMIA ENTRE A CONSERVAO E A VISIBILIDADE DAS
COMUNIDADES TRADICIONAIS: UM ESTUDO DE CASO NA APA DE
GUARAQUEABA
MATINHOS
2013
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LUIZ FERNANDO GUIMARES SCHWARTZMAN
NATHALIA DE JESUS SIBUYA
A DICOTOMIA ENTRE A CONSERVAO E A VISIBILIDADE DAS
COMUNIDADES TRADICIONAIS: UM ESTUDO DE CASO NA APA DE
GUARAQUEABA
Trabalho apresentado como requisito parcial obteno do grau de Bacharel em Gesto Ambiental no curso de Graduao em Gesto Ambiental, Setor Litoral da Universidade Federal do Paran.
Orientadora: Profa. Dra. Juliana Quadros
MATINHOS
2013
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Dedicamos este trabalho as nossas famlias, grandes
incentivadores, e a todas as comunidades tradicionais
da APA de Guaraqueaba, os verdadeiros agentes
ambientais, no territrio.
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AGRADECIMENTOS
A Professora Orientadora Juliana Quadros, pela inesgotvel pacincia, dedicao, amizade e incentivo para a realizao do presente trabalho.
A Professora Andra Maximo Espnola, que despertou nosso interesse pela temtica, desde que fomos seus bolsistas no Projeto de Extenso Territrio UniverCidade, pelo seu incentivo, amizade e colaborao nos momentos de dvida.
Ao Professor Valdir Frigo Dernadin, que aceitou ser banca deste presente trabalho, grande conhecedor da regio e sempre esteve disposio para colaborar no que fosse preciso.
A Sociedade Cooperativa Motir, em especial aos companheiros Jonathan Santos, Caio Votta e Tatiana Furquim, que tanto se empenharam para a realizao do I Encontro das Comunidades do Litoral do Paran.
A toda comunidade do Acampamento do MST Jos Lutzemberg, por nos receber de forma to acolhedora, durante toda a caminhada de construo desse trabalho, viabilizar a realizao do I Encontro das Comunidades cedendo seu espao e oferecendo todo o apoio necessrio: a estrutura e a alimentao. E um agradecimento especial ao companheiro Jonas, pela luta e dedicao ao movimento e as comunidades tradicionais, foi de grande importncia nas articulaes necessrias realizao do evento.
Ao Professor Ilton da comunidade do Batuva, pela recepo em sua casa com seu senso de humor particular e por ter compartilhado sua experincia de vida para colaborar nessa construo.
Ao Professor Antnio da comunidade do Rio Verde, por ter nos recebido em sua casa e compartilhado sua experincia de vida para colaborar nessa construo.
A Aldeia Guarani Kuaray Guat Pot pela acolhida e por ter dividido seu modo de vida, e a Professora Izabel, diretora da escola da aldeia, que nos auxiliou quando necessrio.
Ao Z Muniz pelo Fandango e Cataias que tanto animaram as sadas de campo e o I Encontro das Comunidades do Litoral do Paran.
A todas as comunidades estudadas e as que participaram do I Encontro das Comunidades: Aungui, Potinga, Serra Negra, Morato, Rio Verde, Batuva, Sede, Pantanal, So Joozinho, Riozinho, Ponta Oeste da Ilha do Mel, Aldeia Raio do Sol, Aldeia Guarani Kuaray Guat Pot e Aldeia Guarani Guavir Ty
Ao Programa de Extenso Farinheiras no Litoral do Paran, em especial ao Professor Luizo, e aos companheiros Indai Sartori e Bruno Paifer que colaboraram no I Encontro das Comunidades.
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Aos entrevistados, Eliane Bee Boldrini e Consoni, pela recepo e contribuio de maneira voluntria, compartilhando suas experincias em relao s temticas abordadas.
A Gesto da APA de Guaraqueaba e a REBIO Bom Jesus que esclareceram dvidas em relao rea de estudo.
Aos colegas e familiares pela colaborao, apoio e pacincia em todos os momentos.
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RESUMO
O processo histrico de criao de unidades de conservao evidencia a influncia do modelo norte-americano baseado na noo de wilderness, dicotomia entre o homem e a natureza, nos pases em desenvolvimento. Neste contexto, foram institudas na dcada de 80, as Unidades de Conservao do litoral norte do Paran (ESEC e APA de Guaraqueaba, e o PARNA Superagui) sem consulta pblica e planejamento adequado, o que gerou uma srie de conflitos devido perda do espao coletivo e o acesso restrito aos recursos naturais. Com a chegada das ONGs conservacionistas na dcada de 90, e a sobreposio de legislaes ambientais, os conflitos se intensificam na regio. A dificuldade de dilogo com os diversos atores sociais expe as comunidades da APA a uma situao de fragilidade. O presente trabalho coloca em pauta a discusso das relaes antagnicas entre os esforos conservacionistas e a democratizao do acesso aos recursos naturais, luta por justia ambiental. A metodologia baseada na pesquisa documental e reviso bibliogrfica, diagnstico das comunidades estudadas, sadas de campo, organizao e realizao de evento, reunies, entrevistas e o uso de geoprocessamento para espacializao das informaes. Por intermdio das comunidades estudadas e dos dados gerados, possvel constatar que as polticas de gesto territorial da regio, resultaram na discrepncia entre a viso dos institucionalizados, do urbano-industrial, e a viso da necessidade, das comunidades tradicionais. Com o I Encontro das Comunidades do Litoral do Paran, uma nova forma de organizao social formada, com ecos que clamam por unio e justia ambiental.
Palavras chaves: APA de Guaraqueaba, comunidades tradicionais, conflitos, justia ambiental.
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1 INTRODUO ......................................................................................................... 9
2 MATERIAL E MTODOS ...................................................................................... 18
2.1 REA ESTUDADA.......................................................................................................................................... 18
2.2 COMUNIDADES ESTUDADAS ....................................................................................................................... 21
2.2.1 Aungui ................................................................................................................................................ 22
2.2.2 Potinga ................................................................................................................................................. 23
2.2.3 Aldeia Guarani Raio do Sol (Bom Jesus) ............................................................................................... 24
2.2.4 Aldeia Guarani Kuaray Guat (Cerco Grande) ..................................................................................... 25
2.2.5 Batuva .................................................................................................................................................. 26
2.2.5 Rio Verde .............................................................................................................................................. 27
2.2.6 Morato ................................................................................................................................................. 28
2.2.7 Serra Negra .......................................................................................................................................... 29
2.2.8 Acampamento Jos Lutzemberg (Rio Pequeno) ................................................................................... 30
2.3 PROCEDIMENTOS ........................................................................................................................................ 31
2.3.1 Pesquisa Documental e Reviso Bibliogrfica ..................................................................................... 31
2.3.2 Diagnstico das Comunidades e Sadas de Campo .............................................................................. 32
2.3.3 Geoprocessamento .............................................................................................................................. 36
2.3.4 Entrevistas ........................................................................................................................................... 37
2.3.5 Participao em Reunio ..................................................................................................................... 37
2.3.6 Organizao do I Encontro das Comunidades do Litoral do Paran .................................................... 38
3 RESULTADOS E DISCUSSES ........................................................................... 42
3.1 HISTRICO DE USO E OCUPAO DO SOLO E POLITICAS PBLICAS DE GESTO TERRITORIAL .................... 42
3.2 CONFLITOS COM AS ONGS........................................................................................................................... 49
3.3 RAPPAM: ANLISE DA EFETIVIDADE DA GESTO DA APA DE GUARAQUEABA .......................................... 54
3.4 PARTICIPAO SOCIAL NA APA DE GUARAQUEABA .................................................................................. 60
3.5 I ENCONTRO DAS COMUNIDADES DO LITORAL DO PARAN: UMA NOVA FORMA DE ORGANIZAO SOCIAL
NA APA. ............................................................................................................................................................. 65
3.6 POTENCIALIDADES DA APA DE GUARAQUEABA ........................................................................................ 67
3.6.1 Agroecologia ........................................................................................................................................ 67
3.6.2 Agroindstrias Familiares .................................................................................................................... 68
3.6.3 Turismo de Base Comunitria .............................................................................................................. 69
4 CONCLUSO ........................................................................................................ 71
REFERNCIAS......................................................................................................... 73
ANEXO - MEMORIAIS .............................................................................................. 78
NATHALIA SIBUYA ................................................................................................. 79
LUIZ FERNANDO SCHWARTZMAN ....................................................................... 88
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9
1 INTRODUO
O litoral do Paran est inserido no bioma Mata Atlntica, rico em
sociobiodiversidade, considerado um hot spot mundial. Entretanto o
desenvolvimento econmico e social da regio no condiz com suas riquezas
naturais, fato que se faz mais presente na rea rural, onde a maioria das
comunidades invisvel s polticas pblicas (ANDRIGUETTO FILHO &
MARCHIORO, 2002; ESTADES, 2003; KOMARCHESKI, 2012).
Dentro desta realidade situa-se a rea de Proteo Ambiental (APA) de
Guaraqueaba, objeto de estudo da presente monografia, na qual sero
evidenciadas as fragilidades enfrentadas por comunidades tradicionais no territrio.
Para compreender com efetividade a gnese das fragilidades, necessrio resgatar
parte do histrico do movimento ambiental e o conjunto de legislaes que incide
sobre esse territrio, assim como, o esclarecimento ao leitor de alguns conceitos
tericos.
No ano de 1872 foi criado o primeiro parque nacional do mundo,
Yellowstone, nos Estados Unidos, com propsito e concepo eminentemente
preservacionista, pautada na dissociao do homem e natureza. Contudo, muitos
autores relatam que essas ideias haviam surgido anteriormente, mas foi com este
marco histrico que essas questes foram ressaltadas. De acordo com Diegues:
O movimento de criao desta rea foi influenciado por tericos
que detinham uma viso de natureza intocada, a chamada wilderness
(vida natural/ selvagem) reas virgens no habitadas permanentemente. A
corrente preservacionista que serviu de ideologia para o movimento
conservacionista americano, v nos parques nacionais a nica forma de
salvar pedaos da natureza, de grande beleza, dos efeitos deletrios do
desenvolvimento urbano-industrial. Baseia-se, sem dvida, nas
consequncias do avano do capitalismo sobre o oeste selvagem, nos
efeitos da minerao sobre os rios e lagos americanos. Dentro dessa
perspectiva, qualquer interveno humana na natureza intrinsecamente
negativa (DIEGUES, 2001).
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10
Tambm cabe aqui mencionar as palavras de Henry D. Thoureau no clssico da
literatura ambientalista Walden or, Life in the woods de 1854 e citado por
Fernandez (2011):
Eu procuro familiaridade com a Natureza conhecer seus estados de
esprito e maneiras de ser. A Natureza primitiva a mais interessante pra
mim. Eu fao imensos sacrifcios para conhecer todos os fenmenos da
primavera, por exemplo, pensando que eu tenho aqui o poema inteiro, e
ento, para meu desapontamento, eu ouo que apenas uma cpia
imperfeita a que eu possuo e li, que meus ancestrais rasgaram muitas das
primeiras folhas e passagens mais grandiosas, e mutilaram-na em muitos
lugares. Eu no gostaria de pensar que algum semideus tivesse vindo antes
de mim e escolhido para si algumas das melhores estrelas. Eu quero
conhecer um paraso inteiro e uma Terra inteira. Todas as grandes rvores
e animais silvestres, peixes e aves se foram (FERNANDEZ, 2011 apud
THOUREAU, 1854).
A lgica instituda pelo modelo norte-americano, j previa naquela poca a
excluso das territorialidades das comunidades, e acabou sendo adotada no mundo,
especialmente nos pases em desenvolvimento ou subdesenvolvidos.
Por outro lado, desconsidera o fato que os ndios americanos tinham podido
viver em harmonia com a natureza por milhares de anos (DIEGUES, 2001).
O Brasil foi um dos pases que mais tardiamente sucumbiu onda
internacional de criao de Parques. Entretanto, a destruio da natureza tem suas
razes na colonizao brasileira, nesta poca j havia crticas ao modelo de
explorao desenfreada, principalmente por parte de Jos Bonifcio, e os registros
histricos apontam que tanto a coroa portuguesa como o governo imperial
empreenderam algumas iniciativas destinadas proteo, gesto ou ao controle
de determinados recursos naturais (MEDEIROS, 2006; PDUA, 1987). Exemplo
disso a Floresta Nacional da Tijuca, reflorestada por escravos a mando de Dom
Joo VI porque sua derrubada para o plantio de caf esgotou os recursos hdricos
que abasteciam o imprio (FERNANDEZ, 2011).
A primeira iniciativa de criao de um Parque Nacional no Brasil aconteceu
em 1876, por sugesto do engenheiro Andr Rebouas, influenciado pela criao do
Yellowstone National Park. A ideia original era a de criar dois Parques Nacionais: um
em Sete Quedas e outro na Ilha do Bananal (URBAN, 1998). Esta proposta, que
acabou no se concretizando, abriu espao para uma ampla discusso e
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mobilizao nos anos seguintes, as quais contriburam significativamente para a
criao dos primeiros parques nacionais brasileiros (MEDEIROS et al; 2004). Em
1937 criado o Parque Nacional de Itatiaia e em 1939 o Parque Nacional do Iguau,
a segunda unidade de conservao do Brasil e a primeira do Estado do Paran.
Na mesma poca tem incio estruturao da poltica ambiental brasileira,
com o surgimento de legislaes mais amplas de proteo ambiental, como o
Cdigo Florestal, o Cdigo de Caa e Pesca e o Cdigo de guas, todos decretados
em 1934 (VIANNA, 2008). No ano seguinte ao estabelecimento do regime militar no
pas, em 1965, um novo Cdigo Florestal foi apreciado no legislativo, sancionado
pela Presidncia da Repblica e institudo atravs da Lei n 4771 de 15/09/1965.
Basicamente, seus objetivos seguiam a mesma linha do seu antecessor. No entanto,
ele extinguiu as quatro tipologias de reas protegidas antes previstas na verso de
1934, substituindo-as por quatro outras novas: Parque Nacional (PARNA) e Floresta
Nacional (FLONA) (anteriormente categorias especficas), as reas de Preservao
Permanente (APPs) e a Reserva Legal (RL). Estas duas ltimas, uma tipificao de
dispositivos existentes na verso de 1934, eram uma clara tentativa de conter os
avanos sobre a floresta. A primeira declarando intocvel todos os espaos cuja
presena da vegetao garante sua integridade e, a segunda, transferindo
compulsoriamente para os proprietrios rurais a responsabilidade e o nus da
proteo (BRASIL, 1965).
No ano de 1967 foi instituda a nova Lei de Proteo Fauna (Lei
n5197/1967) e neste mesmo ano foi criado o Instituto Brasileiro para o
Desenvolvimento Florestal (IBDF) como uma autarquia vinculada ao Ministrio da
Agricultura, e a qual cabia orientar, coordenar e executar as medidas necessrias
utilizao racional, proteo e conservao dos recursos naturais renovveis e
ao desenvolvimento florestal do pas. (MACIEL, 2011)
Na dcada de 70 tem incio uma srie de encontros internacionais que
tratam sobre meio ambiente e educao ambiental, como a Conferncia da Biosfera
(1968), a Conferncia de Estocolmo (1972), de Belgrado (1975), de Tibilisi (1977),
de Moscou (1987) e de Tessalnica (1997) as quais refletem o forte sentimento e a
mobilizao global para a implementao de uma agenda ambiental internacional
(MEDEIROS, 2003; DIAS, 2004).
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Como reflexo desse cenrio mundial, em 1973 criada a Secretaria Especial
do Meio Ambiente (SEMA) vinculada ao Ministrio do Interior, sua finalidade era a
conservao do meio ambiente e o uso racional dos recursos naturais. No ano de
1981, a SEMA com intuito de estabelecer uma organizao prpria das reas
protegidas, deixando-as subordinadas a esta secretaria, cria as Estaes Ecolgicas
(ESECs) e as reas de Proteo Ambiental (APAs) atravs da Lei 6.902 de 27 de
abril de 1981. No mesmo ano normatizada a Poltica Nacional do Meio Ambiente
pela Lei 6.938. As Reservas Ecolgicas (RESEC) e as reas de Relevante Interesse
Ecolgico (ARIE) so criadas em 1984.
A combinao de esforos da SEMA e do IBDF de 1974 a 1989 levou
criao de 22 parques nacionais, 20 reservas biolgicas e 25 estaes ecolgicas,
num total de 144.180 km semelhante rea do estado do Cear. Esse perodo de
rpido desenvolvimento do sistema de reas protegidas do Brasil foi
verdadeiramente histrico, e pode ser comparado exploso da atividade de
conservao no governo do presidente Theodore Roosevelt, nos Estados Unidos, no
incio do sculo XX (MITTERMEIER, et al 2005).
Foi dentro deste cenrio nacional, de crescimento explosivo de reas
protegidas sem muito planejamento no que tange a gesto, que surgiram em 1981
s primeiras Unidades de Conservao do Litoral do Paran, aps o tombamento da
orla de Matinhos, da Ilha do Mel e a criao da rea de Especial Interesse Turstico
(AEIT) do litoral.
No ano de 1982 foi criada a Estao Ecolgica de Guaraqueaba, pelo
Decreto n 87.222 de 31 de maio de 1982. A ESEC era composta de 14 reas de
mangues, totalizando aproximadamente 13.638,90 ha, existentes nas ilhas de
Superagi dos Pinheiros, das Peas, das Laranjeiras, do Rabelo, do Pavo, do
Sambaqui nas Baas dos Pinheiros e Guaraqueaba e na Enseada do Benito.
Anos depois, criada APA de Guaraqueaba, em 31 de Janeiro de 1985
pelo decreto n 90.883 do Governo Federal. Com o objetivo de assegurar a proteo
das ltimas reas representativas da Floresta Pluvial Atlntica, onde se encontram
espcies raras e ameaadas de extino, o complexo estuarino da Baa de
Paranagu, os stios arqueolgicos (sambaquis), as comunidades caiaras
integradas no ecossistema regional, bem como controlar o uso de agrotxicos e
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demais substncias qumicas e estabelecer critrios racionais de uso e ocupao do
solo na regio.
Em 1986, se estabelece com o Decreto n 93.053 de 31 de maio, um
acrscimo de rea na ESEC de Guaraqueaba. Subsequente criado o PARNA do
Superagui em 1989, Decreto n 97.688 de 25 de abril.
Neste mesmo ano tambm fundado o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renovveis (IBAMA) com o objetivo de unificar a poltica
ambiental brasileira, pois em razo da concomitante existncia de SEMA e IBDF,
ligadas a diferentes ministrios, havia sistemas paralelos e sem coordenao entre
si. Mais recentemente, a gesto das unidades de conservao, passou a ser
responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade
(ICMBIO), separado do IBAMA em 2007 (MITTERMEIER, et al 2005). Nas ltimas
trs dcadas houve o surgimento de um forte movimento de Organizaes No
Governamentais (ONGs) voltadas para a conservao da biodiversidade no Brasil. O
crescente interesse em conservao, a transio para um governo democrtico, o
foco sobre as novas unidades de conservao e o interesse internacional crescente
(encabeado pelo WWF-EUA e, mais tarde, pela The Nature Conservancy) tambm
resultaram em inmeras novas ONGs conservacionistas (MITTERMEIER, et al
2005). A Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educao Ambiental (SPVS)
foi uma delas, aps abrir um escritrio em Curitiba, em 1990 comeou a concentrar
seus trabalhos na regio de Guaraqueaba, principalmente produzindo estudos
sobre conservao para esta rea. Em 1994, o estado do Paran, atravs do
Decreto 4.262, foi o primeiro no Brasil a instituir a categoria de manejo de Unidade
de Conservao denominada Reserva Particular do Patrimnio Natural (RPPN). No
mesmo ano a SPVS, recebeu a doao de reas e constituiu a RPPN Morro da Mina
no municpio de Antonina, com cerca de 2.300 hectares. Tambm nesse mesmo
perodo, a Fundao do Grupo Boticrio comprou uma rea de 2.253 hectares, em
Guaraqueaba e concebeu a Reserva Natural Salto Morato. Em meados de 1999,
com as reas Serra do Itaqui e Rio Cachoeira, a SPVS totaliza 18,5 mil hectares de
terras na APA de Guaraqueaba (SPVS, 2013).
Depois de muito tempo na retaguarda, com propostas e estudos desde a
dcada de 70, finalmente em 2000 foi aprovado no Congresso Nacional o Sistema
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14
Nacional de Unidades de Conservao (SNUC), Lei n 9.985/2000. Segundo
Medeiros, a articulao para a aprovao no foi tarefa fcil:
Foram extensos oito anos de debates que incluram a
apresentao de dois substitutivos na Cmara, preservacionistas,
conservacionistas, socioambientalistas e ruralistas travaram uma verdadeira
batalha que mobilizou a imprensa, ONGs, alm de fortssimos lobbies no
Congresso na defesa de suas posies sobre a forma e os critrios de
proteo da natureza. Entre os pontos mais polmicos destacavam-se a
questo das populaes tradicionais, a participao popular no processo de
criao e gesto de Unidades de Conservao (UCs) e as indenizaes
para desapropriaes (MEDEIROS, 2006).
O SNUC no s sistematizou as inmeras leis dispostas sobre as diversas
categorias de manejo, como tambm definiu critrios e normas para o
estabelecimento e gesto das reas protegidas sejam federais, estaduais,
municipais ou privadas. Quanto categoria de manejo as Unidades de Conservao
foram divididas em dois grupos por meio do SNUC, sendo as de Proteo Integral e
as de Uso sustentvel. O objetivo principal das unidades de Proteo Integral
preservao da natureza permitindo somente o uso indireto dos seus recursos
naturais. O grupo das Unidades de Proteo Integral composto pelas seguintes
categorias: Estao Ecolgica (ESEC), Reserva Biolgica (REBIO), Parque Nacional
(PARNA) e Monumento Natural e Refgio de Vida Silvestre. Adicionalmente, as UCs
de Uso Sustentvel permitem o uso de uma parcela dos recursos naturais, visando
compatibilizar a conservao da natureza e o uso sustentvel. As reas de Proteo
Ambiental (APA), reas de Relevante Interesse Ecolgico (ARIE), Florestas
Nacionais (FLONA) ou Estaduais, Reservas Extrativistas (RESEX), Reservas de
Fauna, Reservas de Desenvolvimento Sustentvel (RDS) e Reservas Particulares do
Patrimnio Natural (RPPN), constituem o grupo das Unidades de Uso Sustentvel.
O litoral paranaense constitudo por um mosaico de Unidades de
Conservao, comporta categorias de Uso Sustentvel e de Proteo Integral, em
mbito federal, estadual, municipal e privado. a maior rea contnua de floresta
original do Estado do Paran, no ano de 2006, possua 82,48% do territrio coberto
por UCs e/ou reas protegidas. Entre os municpios que o compem, merece
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15
destaque Guaraqueaba, com 98,76% de seu territrio coberto por UCs (DENARDIN
et al, 2008; KOMARCHESKI, 2012).
Alis, no litoral norte do Paran, a APA de Guaraqueaba, e as RPPNs so
de Uso Sustentvel e o PARNA de Superagui, a ESEC de Guaraqueaba e a REBIO
Bom Jesus, recm-criada (Decreto Federal 5 de junho de 2012), so de Proteo
Integral. Relativo ao Plano de Manejo destas UCs, instrumento fundamental de
gesto da unidade onde se estabelece, de acordo com os seus objetivos, o seu
zoneamento, as normas que devem presidir o uso da rea, o manejo dos recursos
naturais, e inclusive a implantao das estruturas fsicas necessrias gesto da
unidade. Na APA apenas as RPPNs possuem o instrumento aplicado. Entretanto,
cabe ao SNUC estabelecer o prazo mximo de cinco anos aps o decreto de criao
da UC para elaborao do plano de manejo.
Como elucida Diegues (2001), a criao destas unidades de conservao,
vista pelas comunidades tradicionais, como uma usurpao de seus direitos
sagrados terra onde viveram seus antepassados, a perda do espao coletivo, o
territrio, no qual se realiza seu modo de vida distinto do urbano industrial, marca a
mudana de seu vnculo com a natureza. Um exemplo a proibio pela Lei da
Mata Atlntica (2006) do tradicional sistema de pousio ou agricultura de coivara, na
qual so abertas clareiras na floresta para serem cultivadas por perodos mais curtos
do que aqueles destinados ao descanso e regenerao da terra.
Segundo Albagli (2004), territrio o espao apropriado por um ator, sendo
definido e delimitado por e a partir de relaes de poder, em suas mltiplas
dimenses. Cada territrio produto da interveno e do trabalho de um ou mais
atores sobre determinado espao. As relaes sociais e polticas, decorrentes dos
processos de ocupao do territrio, da implantao e gesto das unidades de
conservao, e dos instrumentos de ordenamento do territrio, reproduzem conflitos
que conferem ou reduzem direitos fundirios e de propriedade, regulam e induzem
os usos do solo sob a tica do capital.
At onde h registros, a ocupao do que hoje constitui o litoral paranaense
se iniciou h aproximadamente 6.000 anos pelo homem do sambaqui, como atestam
quase trs centenas de sambaquis da regio (MARTIN et al, 1988; PARELLADA;
GOTTARDI NETO, 1994). A expulso destas terras, sempre habitadas pelas
comunidades tradicionais, mas sem delimitao e documento baseados na lgica da
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16
propriedade privada, implica na impossibilidade de continuar existindo como grupo
portador de determinada cultura. Em muitos casos, relatam considerar que seu
territrio, aps a criao do parque, pertence polcia florestal, aos administradores
do parque ou s instituies que atuam em conjunto com essas instncias
(DIEGUES, 2001).
A dificuldade no dilogo entre os diversos atores sociais, os
institucionalizados e os no institucionalizados, expe as comunidades da APA de
Guaraqueaba a uma situao de fragilidade. As criminalizaes do modo de vida
tradicional, a reduo dos seus territrios e a restrio do tipo de produo,
contribuem para que a regio tenha os piores ndices de desenvolvimento humano
do Estado do Paran e um dos mais baixos do Brasil. A previso de instalao de
novos empreendimentos no Litoral do Paran no condizentes com os objetivos de
proteo do bioma Mata Atlntica, como terminais porturios, aeroporto de cargas,
rodovias e ferrovias, cria um cenrio onde os conflitos existentes tendem a se acirrar
e a excluir ainda mais os modos de vida e produo no convencionais, alm de
colocar em risco a conservao da biodiversidade local. Os impactos causados por
esses empreendimentos como: o aumento da demanda por recursos hdricos, a
produo de contaminantes de diferentes tipos, a migrao de mo de obra
temporria necessria para instalao dos empreendimentos, a especulao
imobiliria, entre outros, coloca em risco toda a poltica de conservao que est
estabelecida na regio. O trabalho coloca em pauta a discusso das relaes
antagnicas entre os esforos conservacionistas e a democratizao do acesso aos
recursos naturais e a luta por justia ambiental. De acordo com Acselrad (2010):
As lutas por justia ambiental combinam: a defesa dos direitos a ambientes
culturalmente especficos - comunidades tradicionais situadas na fronteira
da expanso das atividades capitalistas e de mercado; a defesa dos direitos
a uma proteo ambiental equnime contra a segregao socioterritorial e a
desigualdade ambiental, promovidas pelo mercado; a defesa dos direitos de
acesso equnime aos recursos ambientais, contra a concentrao das
terras frteis, das guas e do solo seguro nas mos dos interesses
econmicos fortes no mercado (ACSELRAD, 2010).
Pois bem, nesse ponto nos deparamos com uma dicotomia. De um lado,
uma poltica desenvolvimentista calcada na explorao dos recursos naturais onde o
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contraponto a criao de reas legalmente protegidas (seguindo o modelo norte
americano); e do outro o desenvolvimento sustentvel do territrio onde a
conservao dos recursos naturais se d como parte dos modos de ser e fazer das
comunidades. No primeiro caso o que h de bom concentrado nas mos de
poucos e instala-se a injustia ambiental, no segundo caso ocorre democratizao
do uso dos recursos naturais.
Frente a essa dicotomia iremos procurar estabelecer uma reflexo sobre as
seguintes indagaes:
Como criar mecanismos para que as comunidades tradicionais permaneam
no territrio e no sejam fragilizadas? Como aliar as atividades econmicas e
culturais proteo ambiental? Como fazer com que as instituies tomadoras de
deciso compreendam o modo de ser e fazer das comunidades tradicionais?
Nesse sentido, o presente trabalho tem como objetivos:
I - Resgatar o histrico do uso e ocupao do solo na regio como forma de
contextualizar o cenrio atual;
II - Identificar as polticas pblicas de gesto territorial na regio;
III - Compreender como se estabelecem as relaes de poder entre os diferentes
atores sociais da rea de estudo e como se d o acesso aos recursos naturais;
IV - Identificar e descrever as potencialidades e atuais iniciativas de organizao de
comunidades tradicionais da regio;
V - Produzir mapas temticos para a espacializao das informaes.
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2 MATERIAL E MTODOS
2.1 REA ESTUDADA
A APA de Guaraqueaba est localizada no litoral norte do Paran,
abrangendo todo o municpio de Guaraqueaba, parte de Antonina, Paranagu e
Campina Grande do Sul, perfazendo uma rea de 282.444 ha entre as coordenadas
48o45 e 48o00W e 24o50 25o30S. Limitada ao sul pela Baia de Paranagu e ao
norte pela cadeia de montanhas da Serra do Mar (FIGURA 1), essa regio segundo
a classificao de Koeppen apresenta dois tipos climticos, subtropical mido
mesotrmico com vero quente e subtropical mido com vero fresco (IPARDES,
1995).
FIGURA 1 - LOCALIZAO DA APA DE GUARAQUEABA, LITORAL DO PARAN, BRASIL.
FONTE: os autores (2013)
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19
A temperatura mdia do ms mais quente est acima dos 22oC e a
temperatura do ms mais frio varia entre 18oC e - 3oC. O clima na regio sempre
mido apresentando chuvas bem distribudas durante todo o ano, a precipitao
varia, de 1700 mm anuais nas regies mais altas, acima de 900 m, a 2500 mm na
plancie costeira (IPARDES 2001).
Na APA de Guaraqueaba ocorrem distintos grupos de rochas e sedimentos
os quais esto associados diretamente a dois domnios geolgicos principais:
cobertura sedimentar cenozica e rochas do embasamento e diques juro-cretcios
associados (IPARDES 2001). No domnio da cobertura sedimentar cenozica
Angulo (1992a) aponta unidades compostas por sedimentos de origem continental
(leque, cones aluviais, talus, colvios e fluviais) e costeiros (plancie costeira com
cordes litorneos e estuarinos). No domnio das rochas do embasamento e diques
juro-cretcios so identificadas as seguintes unidades: complexo granultico Serra
Negra, complexo gnissio migmatco costeiro do Proterozico Inferior, sute grantica
folhada do Proterozico Inferior, granitos subalcalnos e alcalinos do Cabriano e
intrusivas bsicas do mesozoico segundo estudo realizado em 1989 pela Minerais
do Paran SA Servio Geolgico do Paran (MINEROPAR) sobre a geologia do
estado do Paran.
O solo da regio apresenta composies bastante variadas com a
predominncia de Cambissol que est presente em 50% da superfcie da APA. Os
outros 50% da superfcie esto divididos de forma quase que igualitria entre
Latossolo Vermelho-Amarelo (7%), Podzlico Vermelho-Amarelo (8%), Podzol
(12%), Solos Hidromrficos Gleyzados Indiscriminados (10%), Solos Indiscriminados
de Mangue (6%), Afloramento de Rochas (7%) (IPARDES 1995).
Inserida no bioma mata atlntica a APA de Guaraqueaba faz parte do maior
contnuo florestal do mesmo, coberta por formaes de Floresta Ombrfila Densa
e reas de Formaes Pioneiras a partir dos critrios de classificao da vegetao
do projeto RADAM Brasil (IPARDES 1995). Os tipos de Floresta Ombrfila Densa
encontrados na regio so os seguintes: Floresta Ombrfila Densa de Plancies
Aluviais (o longo de rios e entre vales, principalmente na plancie litornea), Floresta
Ombrfila Densa de Terras Baixas (de 5 a 50 m de altitude), Floresta Ombrfila
Densa Sub-Montana (de 50 a 500 m), Floresta Ombrfila Densa Montana (de 500 a
1200 m) e Floresta Ombrfila Densa Alto Montana (de 1200 a 1400 m) (Redemap).
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20
Nas reas de formao pioneira so identificadas Formaes Pioneiras de Influncia
Marinha (restinga), Formaes Pioneiras de Influncia Fluviomarinha (mangues e
reas de transio) e Formaes Pioneiras de Influncia Fluvial (brejos e vrzeas)
(IPARDES 1995).
Atualmente foram publicados pela ONG SOS Mata Atlntica, os dados
atualizados sobre os remanescentes florestais e reas naturais da Mata Atlntica,
para a regio da APA de Guaraqueaba (TABELA 1).
Municpios rea do
Municpio
(ha)
Mata Mangue Restinga Total
Natural
%
Antonina
88.102 57.915 5.525 6.335 69.776 79%
Guaraqueaba
202.229 112.187 13.488 36.293 161.968 80%
Paranagu
82.623 18.545 5.101 16.428 40.074 49%
Campina
Grande do Sul
54.075 22.218 0 0 22.219 41%
FONTE: SOS MATA ATLNTICA (2013).
O sistema de drenagem da regio conta com um sistema ramificado de rios
que tem suas nascentes nas montanhas da Serra do Mar e sua desembocadura nas
baas de Pinheiros, Laranjeira e Antonina. As principais bacias hidrogrficas que
esto total ou parcialmente dentro da APA so: Guaraqueaba, Serra Negra,
Tagaaba, Faisqueira, Cachoeira, Itaqui, Benito, Itinga e Sebui (IPARDES, 1995).
TABELA 1 REMANESCENTES FLORESTAIS E REAS NATURAIS DA MATA ATLNTICA (PERODO
2011-2012)
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2.2 COMUNIDADES ESTUDADAS
A APA de Guaraqueaba tem aproximadamente 55 comunidades
distribudas em seu territrio, o estudo foi desenvolvido em nove comunidades
(FIGURA 2), com uma diversidade cultural e tnica, entre agricultores familiares,
indgenas, quilombolas e trabalhadores ligados ao Movimento Sem Terra (MST).
FIGURA 2 LOCALIZAO DAS COMUNIDADES ESTUDADAS E SEDE DO MUNICPIO DE GUARAQUEABA, APA DE GUARAQUEABA, PARAN. FONTE: os autores (2013)
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2.2.1 Aungui
A comunidade de Aungui est localizada as margens do rio Aungui e da
rodovia PR-405, prxima s coordenadas UTM 22J 758905 721269, entre Tagaaba
e Serra Negra, a cerca de 40 km da sede do municpio de Guaraqueaba. Segundo
relato dos moradores mais antigos, o nome da comunidade originrio do
Saltinho, onde nasce o rio Aungui e deu inicio a comunidade, quanto
descendncia a maioria relata ter parentesco de origem indgena e portuguesa.
A comunidade tem por volta de 165 habitantes, distribudos em 37 famlias, a
principal fonte de renda a agricultura baseada na produo de banana, pupunha e
mandioca, seguida de outras fontes como o comrcio, aposentadoria, penses,
servio pblico e construo civil. A comunidade tambm sobrevive de empreitadas
em propriedades de grandes agricultores, da venda de outros produtos como farinha
de mandioca, mel e cana de acar (DENARDIN et al. 2012; SIBUYA et al.2013).
No Programa Paran Doze Meses, no ano de 2003, atravs do Instituto
Paranaense de Assistncia Tcnica e Extenso Rural (EMATER), a comunidade de
Aungui foi contemplada com uma farinheira comunitria (FOTO 1) e um micro
trator. Entretanto a unidade produtiva no estava ativa devido falta de organizao
social e manuteno dos maquinrios. No ano de 2007, a Universidade Federal do
Paran Setor Litoral comeou a atuar na localidade, inicialmente com o Projeto de
Pesquisa: Estudo da Cadeia Produtiva da Mandioca como estratgia do
desenvolvimento da Agroindstria Familiar no Litoral Paranaense, mais tarde se
transforma no Projeto de Extenso Reestruturao Produtiva de Farinheiras
Comunitrias no Litoral Paranaense e no ano de 2009 se torna o Programa de
Extenso Farinheiras no Litoral do Paran e conquista o Prmio Universidade
Solidria do Banco Santander. Atravs da reestruturao da unidade produtiva
(Figura 3) foram beneficiadas diretamente 15 famlias, atualmente a Associao de
Moradores e Pequenos Produtores do Aungui est ativa (FOTO 2) e conquistou o
alvar de funcionamento da prefeitura e a licena da vigilncia sanitria para a
produo de farinha de mandioca.
Segundo o Programa de Extenso o foco auxiliar na autogesto e
empoderamento da mesma, a perspectiva que a comunidade de Aungui continue
mantendo sua segurana alimentar e que a farinheira comunitria se torne uma
atividade cada vez mais rentvel. Cabe ressaltar tambm o grande potencial para a
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23
certificao da produo orgnica, visto que, a maioria dos agricultores produz sem
adio de insumos qumicos.
2.2.2 Potinga
A comunidade de Potinga fica entre as comunidades de Rio do Cedro e
Tagaaba, prxima s coordenadas geogrficas 25 14S e 48 30W, sua populao
reside basicamente s margens da PR 405 e uma pequena parcela habita o entorno
prximo de alguns rios que permeiam a regio. A comunidade possui cerca de 200
habitantes (KASSEBOEHMER, 2007).
A principal fonte de renda a agricultura baseada na produo de banana,
pupunha e mandioca, seguida de outras fontes como o comrcio, aposentadoria,
penses, servio pblico e construo civil.
No ano de 2003, semelhante comunidade do Aungui, os moradores de
Potinga tambm foram contemplados com uma farinheira comunitria (FOTO 3). No
entanto, mesmo com a Associao de Moradores e Pequenos Produtores de
Potinga e Rio do Cedro ativa e fortalecida (FOTO 4), a unidade produtiva no estava
em funcionamento devido falta de manuteno dos maquinrios. A Associao
formada pelas comunidades de Potinga e Rio do Cedro, tendo cerca de 30 famlias
associadas e uma capacidade notvel de articulao. A maioria dos associados so
vinculados a outras associaes ou iniciativas coletivas ligadas a produo de
banana, meliponicultura e turismo local. No ano de 2009, a Universidade Federal do
Paran Setor Litoral, atravs do Programa de Extenso Farinheiras no Litoral do
FOTO 1 FARINHEIRA COMUNITRIA DO AUNGUI FONTE: os autores (2013).
FOTO 2 REUNIO DA ASSOCIAO DE AUNGUI FONTE: PROGRAMA FARINHEIRAS (2013).
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Paran, tambm passou a atuar na localidade, com o intuito de reestruturar a
farinheira comunitria. A mesma encontra-se nas ltimas etapas para a obteno do
alvar de funcionamento e licena da vigilncia sanitria.
2.2.3 Aldeia Guarani Raio do Sol (Bom Jesus)
Localizada as margens da PR-405, a aldeia encontra-se na divisa dos
municpios de Antonina e Guaraqueaba, dentro dos limites da Reserva Biolgica
Bom Jesus. Os indgenas vivem na rea h cerca de um ano e meio, migraram de
uma aldeia no municpio de Mangueirinha no interior do Paran, e afirmam que
esto nas terras antes do Governo Federal decretar a criao de uma REBIO em
2012, categoria mais restritiva de unidade de conservao.
A comunidade tem 25 habitantes distribudos em cinco famlias, mas a
tendncia que este nmero aumente, pois mais famlias da aldeia de Piraquara
tem a inteno de migrar para o litoral. A aldeia no apresenta infraestrutura
adequada, no dispem de escola para as crianas, energia eltrica, os banheiros
so do tipo latrina e a captao de gua feita por intermdio de poos artesianos.
Atualmente sobrevivem de caas (de maneira controlada), pequenas
criaes de aves e do pouco cultivo que detm baseado na produo de milho e
FOTO 3 FARINHEIRA COMUNITRIA DE POTINGA FONTE: os autores (2013)
FOTO 4 REUNIO DA ASSOCIAO DE POTINGA E RIO DO CEDRO FONTE: PROGRAMA FARINHEIRAS (2012)
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25
mandioca para o consumo prprio, ainda no recebem nenhum tipo de subsdio da
FUNAI (Fundao Nacional do ndio).
2.2.4 Aldeia Guarani Kuaray Guat (Cerco Grande)
A aldeia situa-se prxima sede do municpio de Guaraqueaba, cerca de 3
km, contudo o acesso complicado, para chegar ao povoado necessrio
atravessar um canal e realizar uma caminhada em trilha fechada.
Conforme o relato do Paj Faustino, sua famlia reside na aldeia desde
2002, mas as primeiras famlias surgiram em meados de 1986, mesmo com a
permanncia no territrio as terras ainda no foram demarcadas pela Fundao
Nacional do ndio (FUNAI).
Na comunidade existem cerca de 30 habitantes, distribudos em 7 famlias,
anteriormente chegou a abrigar 15 famlias (FOTO 5). A pequena produo agrcola
baseada na plantao de banana, mandioca e canadeacar, destinada ao
consumo prprio. Os indgenas tambm sobrevivem da pesca (sem a utilizao de
redes predatrias), pequenas criaes de aves, caas (de maneira controlada) e
artesanatos. Algumas famlias recebem o auxlio do Programa Bolsa Famlia, do
Governo Federal e a assistncia de cestas bsicas da FUNAI, no perodo de 3 em 3
meses.
No que tange infraestrutura, as casas das famlias so simples feitas de
pau a pique, cho batido e cobertas com capim e lona ou telhas (FOTO 6). A
Companhia de Rede de gua de Guaraqueaba tambm instalou gua potvel e
banheiros, posteriormente a Companhia Paranaense de Energia (COPEL) introduziu
sistemas de aquecimento solar nos banheiros, porm a aldeia no tem energia
eltrica. Recentemente foi construda na aldeia a Escola Estadual Kuaray Guat
Por que atende at o 5 ano, as aulas em portugus so ministradas pela
Professora Maria Izabel e as aulas em guarani pelo cacique Valdinei.
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26
2.2.5 Batuva
Comunidade quilombola (FOTO 7) com base na agricultura familiar,
localizada a aproximadamente 25 km da sede de Guaraqueaba prxima divisa
com o estado de So Paulo, seu acesso se d por estrada auxiliar a PR-405. Faz
parte da bacia hidrogrfica da Baa das Laranjeiras na poro norte do municpio e
ocupa o vale formado pelas Serras da Utinga, Negra, Gigante e Morato
(KASSEBOEHMER, 2007).
Segundo a descrio do Professor Ilton Gonalves da Silva, morador
nascido em Batuva, maioria do grupo veio de Canania e do Vale do Ribeira, no
Estado de So Paulo. A comunidade tem aproximadamente 200 habitantes,
distribudos em 8 famlias, quanto estrutura h uma escola de 1 ao 5 ano, um
mercado pequeno, um telefone pblico, uma igreja, gua encanada e distribuio de
energia eltrica. A produo baseada no cultivo de banana, mandioca, feijo,
arroz, palmito, pupunha e inhame (FOTO 8), bem como em pequenas criaes de
aves. Existe tambm uma Unidade de Transformao dos Produtos Agrcolas de
Batuva, que est inativa, a iniciativa foi de um Projeto de Extenso do Setor de
Agrrias, da Universidade Federal do Paran, da organizao no governamental
SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educao Ambiental), da
empresa Terra Preservada em conjunto com a EMATER, o Instituto Agronmico do
Paran (IAPAR), o Instituto Ambiental do Paran (IAP), prefeituras de
FOTO 6 - CASA DE PAU-A-PIQUE NA ALDEIA GUARANI KUARAY GUAT POR FONTE: os autores (2013).
FOTO 5 CRIANAS DA ALDEIA GUARANI KUARAY GUAT POR
FONTE: os autores (2013)
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27
Guaraqueaba, Antonina, Morretes e Paranagu. Na poca de implantao deste
projeto foi criada a Associao de Moradores e Produtores do Batuva, porm a
organizao no teve prosseguimento e hoje est inativa.
Atualmente, os moradores de Batuva tem contato mais direto com um
Projeto de Extenso, da Universidade Federal do Paran Setor Litoral, que os
auxilia desde a organizao social da comunidade e formao continuada de
professores at assistncia em questes mais especficas como a meliponicultura.
2.2.5 Rio Verde
O acesso via terrestre comunidade quilombola de Rio Verde ocorre atravs
da PR-405 e da linha Guaraqueaba Batuva faz divisa com as terras da RPPN
(Reserva Particular do Patrimnio Natural) Salto Morato da Fundao O Boticrio
de Proteo Natureza.
A comunidade composta por cerca de 60 famlias, onde grande parte do
grupo possui grau de parentesco com a comunidade do Batuva, originria de
Canania e do Vale do Ribeira, no estado de So Paulo. A agricultura voltada a
subsistncia, baseada nos cultivos de banana, mandioca, feijo, arroz, palmito,
pupunha e inhame, e alguns detm pequenas criaes de aves e produzem o mel
FOTO 7 - COMUNIDADE QUILOMBOLA DO BATUVA FONTE: os autores (2013)
FOTO 8 - PROF ILTON AO LADO DE SUA PRODUO DE INHAME FONTE: os autores (2013)
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28
da abelha nativa da regio. De acordo com Brandenburg et al. (2007), o alimento
comprado com a renda obtida principalmente: a) pelo trabalho como camarada; b)
com a comercializao da banana; c) aposentadorias; d) empregos no agrcolas
(funcionalismo pblico); e) atividades extrativas ilegais. Observou-se que, alm
dessas duas estratgias, a doao de alimentos, realizada no interior de redes
sociais, igualmente importante.
Relativo infraestrutura a comunidade tem gua potvel encanada, energia
eltrica, um telefone pblico, algumas vendas de comrcio, igrejas e uma unidade
de produo orgnica desativada e uma escola de 1 a 5 ano, onde as aulas so
multisseriadas (FOTO 9 e 10).
No h relatos de nenhuma associao ou organizao comunitria
formalizada, mas houve uma parceria com a SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida
Selvagem e Educao Ambiental) e a Empresa Terra Preservada, porm atualmente
no se tem mais informaes sobre tal parceria.
2.2.6 Morato
Comunidade vizinha a RPPN Salto Morato da Fundao O Boticrio de
Proteo Natureza, situa-se a 19 km da sede de Guaraqueaba. Residem no
Morato, aproximadamente 40 famlias, cujo seu principal sustento provm da
agricultura familiar. O cultivo baseado na produo de mandioca, banana, arroz e
inhame, existem nas propriedades pequenas criaes de aves.
FOTO 9 - COMUNIDADE DE RIO VERDE FONTE: os autores (2013).
FOTO 10 ESTRADA DA COMUNIDADE FONTE: os autores (2013).
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Atualmente no existe nenhuma organizao comunitria ativa, houve uma
tentativa de Associao de Artesos do Morato atravs da Fundao Grupo
Boticrio, que no obteve sucesso e est desativada. Quanto aos indicadores de
estrutura da comunidade, existe gua potvel encanada, energia eltrica, um
telefone pblico, um campo de futebol, estabelecimentos de comrcio, igrejas, posto
de sade, uma escola de 1 ao 5 ano e a sede da que contm uma cozinha
comunitria (FOTO 12 e 13).
2.2.7 Serra Negra
Localizada na regio central do municpio, na rodovia PR-405, as margens
do Rio Serra Negra. A comunidade tem aproximadamente 160 habitantes, a base do
seu sustento a agricultura, a produo constituda em especial da banana,
pupunha e mandioca e algumas criaes ligadas pecuria.
Serra Negra usufrui de energia eltrica, abastecimento de gua,
estabelecimentos de comrcio, igrejas, um mirante, dois telefones pblicos e um
posto telefnico que viabiliza ligaes interurbanas e internacionais, h tambm uma
escola que oferece durante o dia o ensino bsico de 1 ao 5 ano e a noite o
supletivo de 6 ao 9 ano, posto de sade e uma cozinha comunitria no bananal
(AGUDELO et al. 2004) (FOTO 13 e 14).
FOTO 11 ESTRADA DA COMUNIDADE FONTE: os autores (2013).
FOTO 12 - MORADIA DA COMUNIDADE FONTE: os autores (2013).
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2.2.8 Acampamento Jos Lutzemberg (Rio Pequeno)
Localizado na rea rural do municpio de Antonina, no Rio Pequeno, abrange
uma rea de aproximadamente 300 hectares. A extenso pertencia legalmente
antiga Agropecuria So Rafael do fazendeiro Sr. Pedro Paulo Pamplona, entretanto
os agricultores familiares denominados como posseiros que residiam e faziam o
uso da terra, ou seja, cumpriam a funo social da terra. Mas eram cada vez mais
frequentes as presses por parte do proprietrio, o que instaurou o conflito fundirio
e fez com que os agricultores partissem para o enfrentamento aliando-se ao
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Deste modo, a localidade
foi estabelecida em 31 de maro de 2004 como o Acampamento do MST Jos
Lutzemberg (FOTO 15).
Segundo BORSATTO (2007) desde o primeiro dia de ocupao, proibido o
uso de quaisquer tipos de agrotxicos ou fertilizantes solveis; realizado um
trabalho contnuo de recuperao ambiental por meio do plantio de espcies nativas;
a mata ciliar do rio est sendo reconstituda; incentivada a busca de solues
endgenas para os problemas; se busca somente a utilizao de recursos
autctones no processo de produo de alimentos e se promove o plantio de
diferentes espcies vegetais para garantir a segurana alimentar das famlias; entre
outras prticas preconizadas pela Agroecologia.
Relativo estrutura o acampamento segue o modelo de agrovila, tem um
barraco onde ocorrem as reunies e encontros, tem gua potvel encanada,
energia eltrica, telefone pblico, a escola do movimento est sendo implantada, a
FOTO 14 MORADIA DA COMUNIDADE FONTE: os autores (2013).
FOTO 13 - REA DE PLANTIO DA COMUNIDADE FONTE: os autores (2013).
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comunidade tem um caminho para o transporte da produo orgnica e um trator
entregue recentemente ao municpio por meio de uma emenda parlamentar.
Atualmente a comunidade est conseguindo se sustentar atravs da
Agroecologia, comercializa para a os Programas do Governo Federal de merenda
escolar orgnica, e passou pela ltima fase de certificao orgnica da Rede
Ecovida de Agroecologia, o olhar externo, e teve um parecer positivo (FOTO 16).
2.3 PROCEDIMENTOS
O foco central do presente trabalho de natureza complexa e exige
mltiplos olhares, portanto foi necessrio utilizar uma diversidade de instrumentos e
ferramentas metodolgicas no seu desenvolvimento, como a pesquisa documental e
reviso bibliogrfica, diagnstico das comunidades estudadas, sadas de campo,
organizao e realizao de evento, reunies, entrevistas e o uso de
geoprocessamento para espacializao das informaes.
2.3.1 Pesquisa Documental e Reviso Bibliogrfica
Na rea de estudo e na temtica escolhida, existe uma infinidade de
trabalhos realizados, a pesquisa documental e a reviso bibliogrfica demandou
uma seleo dos principais documentos. Inicialmente foram consultados os
FOTO 16 - ETAPA OLHAR EXTENO DO PROCESSO DE CERTIFICAO DE PRODUO ORGNICA DA REDE ECOVIDA FONTE: os autores (2013).
FOTO 14 - GALPO DO ACAMPAMENTO JOS LUTZEMBERG FONTE: os autores (2013).
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documentos oficiais, o Diagnstico Ambiental da APA de Guaraqueaba realizado
pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econmico e Social (IPARDES) em
1995, o Zoneamento do APA de Guaraqueaba realizado pelo IPARDES em 2001 e
o Plano Diretor do Municpio de Guaraqueaba realizado pela empresa consultora
Vertrag Planejamento Ltda em 2006.
A meta era obter um histrico do uso e ocupao do solo, bem como das
legislaes vigentes, e contextualizar a situao atual da regio.
No segundo momento, foram analisados artigos, teses e relatrios sobre a
APA de Guaraqueaba, a maioria no mbito dos conflitos ocasionados com a
chegada da conservao no territrio, a criao do conselho consultivo da APA, a
gesto das UCs e a organizao social das comunidades. Todavia, tambm foi
necessrio um estudo mais aprofundado dos autores que discutem a temtica da
conservao, do socioambiental, justia ambiental, justia social e participao
social.
2.3.2 Diagnstico das Comunidades e Sadas de Campo
O diagnstico foi realizado juntamente com a mobilizao da participao
das comunidades no I Encontro das Comunidades do Litoral do Paran.
As sadas de campo ocorreram nos meses de abril at julho de 2013, ao
todo foram realizadas quatro sadas de campo para as localidades onde j havia
uma relao com a liderana local, alm dos objetivos acima o intuito era vivenciar
um pouco do cotidiano do meio rural da APA de Guaraqueaba. Durante as sadas
eram feitos registros fotogrficos e anotaes no dirio de campo, sobre a
percepo do ambiente e de algumas falas de pessoas-chave, mas somente quando
se percebia que no iria alterar o desempenho do discurso das comunidades.
A primeira sada de campo (FOTO 17) aconteceu no dia 22 de abril, com o
veculo da UFPR Setor Litoral, ao Acampamento do MST Jos Lutzemberg. O
objetivo era obter um contato mais prximo com o pessoal do Acampamento,
conhecer a rea, dialogar e organizar as visitas nas comunidades do I Encontro e
acompanhar a ltima etapa do processo de certificao orgnica realizado pela
Rede Ecovida de Agroecologia. Devido equipe da Motir Sociedade Cooperativa
ter uma relao de trabalho, confiana e amizade duradoura com o Acampamento a
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33
aproximao dos autores foi positiva. Tambm estavam presentes neste dia
certificadores da Rede Ecovida de Agroecologia, profissionais do Instituto de
Tecnologia do Paran (TECPAR), mas no intuito apenas de acompanhar a
experincia, o ICMBIO, a EMATER, integrantes do MST da Lapa e da Via
Campesina do Equador.
FOTO 17 PRIMEIRA SADA DE CAMPO
FONTE: os autores, (2013).
O segundo campo (FOTO 18) ocorreu do dia 9 a 11 de maio de 2013, foi
realizado com veiculo da liderana do Acampamento, o objetivo era ter um primeiro
dilogo com as comunidades, sobre o panorama dos conflitos existentes, as
potencialidades e a necessidade de participao comunitria para a discusso de
um espao como o I Encontro. Cada comunidade tambm recebeu o documentrio
intitulado A economia verde vs. a economia das comunidades: uma histria dos
povos da mata atlntica no Sul do Brasil, produzido em DVD pelo MST e pelo
Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (organizao do Uruguai) em 2012, na
qual grande parte das comunidades participou do documentrio denunciando as
fragilidades enfrentadas no territrio.
Na sada de campo estavam presentes um dos autores (Nathalia), o lder do
Acampamento do MST Jos Lutzemberg (Jonas), dois integrantes da Motir
Sociedade Cooperativa (Jhonatan e Tatiana) e o vice-cacique da Aldeia Guarani
Raio do Sol (Lauricy).
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34
FOTO 18 - SEGUNDA SADA DE CAMPO
FONTE: os autores, (2013).
No primeiro dia foram visitadas: a Aldeia Guarani Raio do Sol, cujo contato
foi com as lideranas, o cacique Rivelino, sua esposa Elza e o vice-cacique Lauricy
que acompanhou a viagem; na comunidade do Morato onde foi conversado com a
Josiane, Gilson e Dinizar; em seguida fomos a Batuva, porm a liderana local no
estava e o contato foi com o seu irmo Pedro; a comunidade do Rio Verde, onde
paramos para pouso, foi dialogado com o Professor Antnio.
No segundo dia, partimos bem cedo em direo sede do municpio de
Guaraqueaba, onde fizemos contato com o Jers, presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais; a Colnia de Pescadores; o Z Muniz, professor, organizador
de um espao da cultura e fandangueiro; e com o Professor Ilton do Batuva que
voltava de um curso. Prosseguimos at a Aldeia Guarani Kuaray Guat Por no
Cerco Grande, onde paramos novamente para pouso, na aldeia foi conversado
principalmente com o cacique Valdinei e o paj Faustino, mas o dilogo foi tranquilo
visto que havia um guarani junto equipe de viagem. No terceiro dia foram visitadas
as comunidades de Serra Negra, Aungui e Potinga, porm s foi possvel contato
com a Rose, presidente da Associao de Produtores e Pequenos Produtores do
Aungui.
O terceiro campo (FOTO 19), tambm com veculo do MST, aconteceu do dia 12 a
14 de junho de 2013. A finalidade era reforar o dilogo com as comunidades e
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35
entregar os convites do I Encontro (Figura 18). Alm de marcar o trajeto e a
localizao das comunidades com o GPS.
FOTO 19 TERCEIRA SADA DE CAMPO
FONTE: os autores, (2013).
Nessa sada de campo estavam presentes os autores (Nathalia e Luiz), o
lder do Acampamento do MST Jos Lutzemberg (Jonas), um integrante da Motir
Sociedade Cooperativa (Tatiana). No primeiro dia foram visitadas, a sede do
municpio de Guaraqueaba e a comunidade quilombola do Batuva. Na sede foram
entregues os convites a Professora Maria Izabel diretora da escola na Aldeia
Guarani no Cerco Grande, ao Z Muniz, o Jers e a Colnia de Pescadores; na
FIGURA 3 - CONVITE DO I ENCONTRO DAS COMUNIDADES FONTE: os autores (2013).
-
36
comunidade quilombola do Batuva ao Professor Ilton, liderana local que ofereceu
sua residncia para o pernoite do grupo.
No segundo dia, apesar da proximidade com a comunidade quilombola do
Rio Verde, o grupo no se deslocou at l, pois o Professor Ilton havia avisado que
seu irmo Professor Antnio, liderana do Rio Verde, estava em outra cidade
fazendo um curso de formao para professores. Foram ento visitadas as
comunidades do Morato, Serra Negra, Aungui, Potinga e a Aldeia Guarani Raio do
Sol. No final do dia o grupo se dirigiu ao Acampamento do MST Jos Lutzemberger.
No terceiro e ltimo dia de sada, foi acompanhada a entrega de um trator ao
Acampamento realizada pela prefeitura de Antonina. O trator foi obtido por meio de
uma emenda parlamentar, conseguida pelo deputado federal Dr. Rosinha, porm
estava parado no ptio da prefeitura h quase um ano por questes polticas.
A quarta sada de campo teve a durao de apenas um dia e foi realizada no
dia 10 de julho de 2013, com veculo da UFPR - Setor Litoral, estavam presentes os
autores (Nathalia e Luiz). O objetivo foi confirmar o nmero de participantes de cada
comunidade no I Encontro, a fim de viabilizar o transporte at o local do evento na
data marcada.
2.3.3 Geoprocessamento
Nas sadas a campo foram coletados pontos e trilhas com a localizao das
comunidades visitadas e suas vias de acesso. Para a coleta desses dados foi usado
um aparelho GPS Garmin GPSmap 60CSx padronizado com o sistema de referncia
SAD 69. Em campo tambm foi usada uma planilha para descrio e tabulao de
caractersticas relevantes dos locais de interesse.
Alm dos dados coletados em campo, foram utilizados na produo dos
mapas, arquivos shapefile disponveis no portal do ICMBIO (Instituto Chico Mendes
para a Conservao da Biodiversidade), a base de dados da UFPR - Setor Litoral e
dados fornecidos pela ONG SPVS. Nem todas as reservas particulares esto
representadas nos mapas porque no conseguimos obter junto aos proprietrios os
respectivos shapefiles.
Na produo dos mapas foi utilizado o software livre de sistema de
informaes geogrficas gvSIG em sua verso 1.11.
-
37
2.3.4 Entrevistas
A tcnica de entrevista foi utilizada no intuito de compreender melhor a
atuao das instituies e as relaes sociais existentes na APA de Guaraqueaba.
A escolha dos entrevistados foi baseada principalmente numa relao de
proximidade existente com as instituies.
Neste trabalho foi adotada como referncia a entrevista despadronizada (ou
no estruturada) e no dirigida.
Na entrevista despadronizada o entrevistado tem a liberdade para
desenvolver cada situao em qualquer direo que considere adequada. uma
forma de poder explorar mais amplamente uma questo. A entrevista no dirigida
permite que haja uma liberdade total por parte do entrevistado, que poder
expressar suas opinies e sentimentos. A funo do entrevistador de incentivo,
levando o informante a falar sobre determinado assunto, sem, entretanto for-lo a
responder (MARCONI; LAKATOS, 2011).
A primeira entrevista ocorreu no dia 25 de junho de 2013, com o Sr. Jos
Otvio Cardoso Consoni, funcionrio pblico desde o IBDF (Instituto Brasileiro de
Desenvolvimento Florestal), trabalhou durante muito tempo na gesto da APA e
ESEC de Guaraqueaba, inclusive logo aps a criao destas unidades. Atualmente
analista ambiental do Parque Nacional Saint-Hilaire/Lange, com sede no municpio
de Matinhos, mas continua auxiliando com as informaes e histrico que possui da
regio.
A segunda entrevista foi realizada no dia 26 de junho de 2013 com a Sra.
Eliane Bee Boldrini, fundadora da ONG Ademadan com sede no municpio de
Antonina, sua tese de Mestrado e Doutorado foram relacionadas com a APA de
Guaraqueaba e tambm desenvolve projetos nesta regio.
Ambos discorreram sobre suas experincias na regio e perspectivas futuras
atravs do cenrio atual.
2.3.5 Participao em Reunio
No dia 04 de julho de 2013, aconteceu na sede da ONG Ademadan no
municpio de Antonina, uma reunio de discusso da reativao do conselho
consultivo da APA de Guaraqueaba, visto que este fazia um ano que no estava
-
38
em funcionamento. O objetivo da reunio foi contextualizar o histrico do conselho
para auxiliar na compreenso da situao atual e discutir qual a melhor forma de
reativao do conselho. A recm-gestora da APA de Guaraqueaba, Sra. Ftima
Guedes, foi quem coordenou a reunio. Participaram da reunio a Sra. Mnia Laura
Faria Fernandes gestora da REBIO Bom Jesus; o Sr. Jos Otvio Cardoso Consoni
e o Sr. Luiz Francisco Ditzel Faraco ambos analistas ambientais do PARNA de
Saint-Hilaire/Lange; o Sr. Luis Fernando da EMATER de Antonina, a Sra. Manuela
Dreyer e a Sra. Larissa Lopes Mellinger do GIA (Grupo Integrado de Aquicultura e
Estudos Ambientais) da UFPR; a Sra. Camila Domit e o Sr. Allan Krelling da
Associao Mar Brasil. Os autores participaram apenas como ouvintes.
2.3.6 Organizao do I Encontro das Comunidades do Litoral do Paran
A idealizao do I Encontro das Comunidades do Litoral do Paran surgiu no
I Seminrio de Dilogo de Saberes no Litoral do Paran com a temtica Conflitos
Socioambientais, que ocorreu nos dias 3 a 5 de dezembro de 2012, na UFPR
Setor Litoral, no municpio de Matinhos. Durante o seminrio ocorreu uma mesa-
redonda sobre as ruralidades no Litoral do Paran, organizado pela Motir
Sociedade Cooperativa, estavam presentes os agricultores: Sr. Jonas liderana do
Acampamento do MST Jos Lutzemberg em Antonina, Sr. Ademir Fernandes
representando o Assentamento Nhundiaquara (Gleba Pantanal) em Morretes, Sr.
Rivelino cacique da Aldeia Guarani Raio do Sol divisa com Antonina e
Guaraqueaba, e Sras. Neuza e Lili representando a Associao de Moradores e
Produtores de Aungui em Guaraqueaba. Aps as discusses na mesa-redonda,
aconteceu uma reunio entre as lideranas das localidades, organizada pelo lder do
Acampamento e a Motir com o propsito de discutir a necessidade de uma
articulao entre as comunidades do litoral paranaense, nesta reunio ficou
designado que iriam acontecer outras reunies para organizar a ideia.
No total foram realizadas 12 reunies (FOTO 20 e 21), nos meses de abril a
julho de 2013, em conjunto com a Motir e o Acampamento do MST Jos
Lutzemberg.
-
39
FOTO 20 REUNIO COM A MOTIR
FONTE: os autores, (2013).
O I Encontro das Comunidades do Litoral do Paran foi realizado no dia 13
de julho de 2013, no Acampamento Jos Lutzemberg, na comunidade do Rio
Pequeno, no municpio de Antonina.
As seguintes comunidades foram convidadas (Figura 19): Aldeia Guarani
Raio do Sol, Aldeia Guarani Kuaray Guat Por, Aldeia Guarani Guavir Ty,
Aungui, Batuva, Cachoeira, Morato, Pantanal, Ponta Oeste, Potinga, Rio Verde,
Riozinho, Serra Negra, So Joozinho. Destas somente duas no compareceram: o
Aungui e Serra Negra. Tambm receberam convite as seguintes instituies: a
Colnia de Pescadores, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, a organizao dos
Fandangueiros de Guaraqueaba, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra e a Escola Latino Americana de Agroecologia na Lapa, o Movimento por
Moradia de Curitiba, o Ncleo de Prtica Jurdica da UFPR, o Setor Litoral da
UFPR. A Colnia de Pescadores e o Sindicato dos Trabalhadores rurais no
compareceram.
Na chegada ao evento os participantes confirmavam sua presena na
recepo e recebiam uma fita com uma cor de identificao (azul, amarela, verde,
preta, vermelha e branca), depois eram direcionados a mesa com o caf da manh
oferecido pela comunidade. Aps a confirmao de todos os presentes, as mulheres
FOTO 21 REUNIO NO ACAMPAMENTO
JOS LUTZEMBERG
FONTE: os autores, (2013).
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40
do Rio Pequeno realizaram uma mstica de acolhida, em seguida houve uma breve
fala de boas vindas dos representantes do Acampamento do MST Jos Lutzemberg
e da Motir.
Posterior s boas vindas, os participantes se apresentaram e relataram um
pouco da realidade de comunidade, experincias e onde est localizada. Essa
atividade transcorreu at o fim da manh. Finalizadas as apresentaes foi servido o
almoo, tambm ofertado pela comunidade do Acampamento. A primeira atividade
do perodo da tarde foi apresentao do fandango, dana tradicional da regio,
realizada pelo grupo de fandango do Z Muniz. Na sequncia os participantes foram
divididos em seis grupos segundo a cor das fitas que receberam no momento da sua
chegada. Cada grupo realizou uma visita, guiada por um morador, a rea de
produo no sistema agroflorestal. No retorno da visita os grupos formados se
tornaram grupos de trabalho para discutir as seguintes questes:
1. Quais os problemas comuns entre as comunidades?
2. Construir para quem este espao?
3. Como deve ser o espao?
4. Qual o tempo entre um encontro e outro?
5. Onde ser o prximo encontro?
Somando o nmero de inscritos, nos grupos de discusso, temos o total de
85 participantes sendo 39 mulheres e 46 homens.
-
41
A ltima atividade realizada foi o repasse ao grande grupo dos temas e
propostas centrais vistos nos grupos menores e a indicao de representantes das
comunidades presentes para formar uma comisso permanente para organizao
dos prximos encontros.
FIGURA 4 - LOCALIZAO DAS COMUNIDADES CONVIDADAS PARA O I ENCONTRO DAS COMUNIDADES DO LITORAL DO PARAN REALIZADO NO DIA 13 DE JULHO DE 2013, NO ACAMPAMENTO JOS LUTZEMBERG, NA COMUNIDADE DO RIO PEQUENO, NO MUNICPIO DE ANTONINA FONTE: os autores (2013).
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42
3 RESULTADOS E DISCUSSES
3.1 HISTRICO DE USO E OCUPAO DO SOLO E POLITICAS PBLICAS DE GESTO TERRITORIAL
A reviso bibliogrfica realizada comprova que a rea de estudo habitada
h muito tempo. Do homem do sambaqui, seu primeiro habitante, at a atualidade
diversos processos histricos contriburam para que a regio se tornasse uma
importante rea para a conservao. Detentora de grande biodiversidade e recursos
naturais, mas em uma situao crtica quanto s populaes que vivem e dependem
da natureza para reproduzirem seus modos de vida.
No sec. XVI quando os europeus chegaram costa paranaense, a cultura do
homem do sambaqui estava extinta e a regio estava ocupada pelos ndios carijs,
pertencentes grande famlia Tupi-Guarani (BIGARELLA, 1999).
A colonizao europia na regio, devido a expedies que buscavam
metais preciosos principalmente o ouro, foi o primeiro fator de alterao do modo de
usar e ocupar o territrio (MARAGON et al 2004).
Segundo Miguel et al. (1998):
Com o fim do ciclo do minrio a regio permaneceu at o incio da
dcada de 1960 isolada dos processos de transformao dos sistemas de
produo e consumo, diferentemente da maioria das regies do sul do pas.
Sendo assim os povos da regio mantiveram at a referida dcada seus
modos de explorao do meio baseado na apropriao direta dos recursos
naturais: extrao do palmito (Euterpe edulis), explorao de madeira e
cips, pesca artesanal e caa, transformao artesanal de produtos
florestais e agrcolas e cultura da banana, do arroz, da mandioca (e em uma
menor escala do milho e do feijo) com o sistema de cultivo de queimada
(MIGUEL et al 1998)
.
As polticas pblicas de incentivo a implantao de empreendimento
agrosilvopastoris na regio no final dos anos 1960 e inicio dos 1970, alterou de
forma significativa o uso do territrio e o acesso aos recursos naturais no que se
refere s populaes tradicionais (FERREIRA et al 2011; MIGUEL et al 1998;
CORNETTA 2005).
A ocupao e a expanso fundiria de empreendimentos ligados
explorao de madeira e palmito, cultivo de caf e a bubalinocultura ocorreram sob
-
43
circunstncias duvidosas. A grilagem e a apropriao de terras devolutas por parte
desses empreendimentos provocou um processo de migrao das populaes para
reas menores, menos frteis e reduziu o acesso a reas e recursos fundamentais
reproduo do seu modo de vida (CORNETTA, 2005; PIERRI et al 2006).
A chegada dos latifndios provocou um processo acelerado degradao da
regio, devido superexplorao dos palmitais e a derrubada de grandes reas
florestadas para dar lugar a pastagens e criaes de bfalo (FOTO 22)
(CORNETTA, 2005; PIERRI et al 2006).
Na dcada de 1980 a constatao da degradao dos ecossistemas da
regio, provocada pelas atividades desenvolvidas nos latifndios somadas a
crescente fora do movimento ambientalista internacional, levou o poder pblico a
tomar iniciativas quanto implantao de unidades de conservao na regio como
meio de resguardar sua biodiversidade. O processo de criao no participativo
dessas UCs, somados a uma srie de dispositivos regulamentadores das prticas
agrcolas e florestais na regio, no diferenciava os latifundirios dos pequenos
produtores, o que produziu impactos negativos quanto s populaes que esto no
interior ou entorno dessas reas (Denardin et al 2009). Posteriormente, em meados
da dcada de 1990, a situao se intensificou com o interesse de diversas ONGs
FOTO 22 CRIAO DE BFALOS
FONTE: os autores, (2013).
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44
conservacionistas na rea, adquiriram grandes lotes de terra na Mata Atlntica,
transformando-as em RPPNS.
Cabe aqui, neste tpico, fazer uma cronologia da criao dessas unidades
por meio de mapas:
1) Criao da Estao Ecolgica de Guaraqueaba em 1982.
FIGURA 5 LOCALIZAO DA ESEC GUARAQUEABA
FONTE: os autores, (2013).
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45
2) Criao da rea de Proteo Ambiental de Guaraqueaba em 1985.
FIGURA 6 LOCALIZAO DA APA DE GUARAQUEABA
FONTE: os autores, (2013).
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46
3) Criao do Parque Nacional do Superagui em 1990.
FIGURA 7 LOCALIZAO DO PARNA SUPERAGUI
FONTE: os autores, (2013).
FIGURA 7 LOCALIZAO DO PARNA SUPERAGUI
FONTE: os autores, (2013).
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47
4) Criao das Reservas Particulares do Patrimnio Natural na dcada de 90.
FIGURA 8 LOCALIZAO DAS RPPNs
FONTE: os autores, (2013).
-
48
5) Criao da Reserva Biolgica do Bom Jesus em 2012.
FIGURA 9 LOCALIZAO DA REBIO BOM JESUS
FONTE: os autores, (2013).
-
49
A poltica ambiental na regio marcada por uma superposio de regras
decorrentes da especificidade das unidades territoriais e tambm do controle do uso
dos recursos naturais. Assim, um mesmo espao, alm das proibies especficas a
rea de proteo ambiental, pode ser atingido pelo cdigo que regulamenta a
explorao da floresta, pela restrio de explorao da Mata Atlntica, pela
regulamentao da extrao de palmito, pela limitao de uso dos solos e pela
proibio da caa. (MIGUEL et al. 1998).
Em contraponto as polticas pblicas de conservao, que tem como um de
seus objetivos assegurar a proteo das populaes que vivem de forma integrada
com os ecossistemas regionais, somente em 2007 com o decreto n 6040/07, institui
a Poltica Nacional de Desenvolvimento Sustentvel dos Povos e Comunidades
onde essas populaes foram reconhecidas oficialmente pelas instituies.
O arranjo das polticas de gesto do territrio produziu historicamente, uma
srie de conflitos socioambientais na rea de estudo. Polticas governamentais de
incentivo a implantao de latifndios, a criao de unidades de conservao sem
participao efetiva das populaes e a chegada das ONGs conservacionistas
afetaram diretamente os modos de vida tradicionais contribuindo, segundo Cornetta
(2005), para o processo de expulso da populao e supresso de modos
alternativos de produo e consumo. Como aponta Acselrad (2010), na atual fase
neoliberal do capitalismo a presso predatria exercida sobre os mais fracos
identificada por intermdio da chamada chantagem locacional dos investimentos,
mecanismo central nas condies de liberalizao hoje prevalecentes, para a
imposio de riscos ambientais e de trabalho s populaes destitudas.
3.2 CONFLITOS COM AS ONGS
De acordo com Mittermeier (2005), a criao de reas protegidas no Brasil
impulsionou nas ltimas dcadas o crescimento do terceiro setor, especialmente
com a chegada de ONGs conservacionistas. Mas como atenta Montao (2002),
necessrio refletir at que ponto esse crescimento positivo, e qual o real papel
deste setor perante a sociedade, visto que, est imerso dentro de um sistema
capitalista:
-
50
O capital luta por instrumentalizar a sociedade civil torn-la dcil,
desestruturada, desmobilizada, amigvel. O debate sobre o terceiro setor,
como ideologia, transforma a sociedade civil em meio para o projeto
neoliberal desenvolver sua estratgia de reestruturao do capital,
particularmente no que refere reforma da Seguridade Social. Portanto, a
funcionalidade do terceiro setor ao projeto neoliberal consiste em torn-lo
instrumento, meio, para:
1) Justificar e legitimar o processo de desestruturao da Seguridade Social
e desresponsabilizao do Estado na interveno social.
2) Desonerar o capital da responsabilidade de co-financiar as respostas s
refraes da questo social mediante polticas sociais estatais.
3) Despolitizar os conflitos sociais dissipando-os e pulverizando-os, e
transformar as lutas contra a reforma do Estado em parceria com o
Estado.
4) Criar a cultura/ideologia do possibilismo.
5) Reduzir os impactos (negativos ao sistema) do aumento do
desemprego
6) A localizao e trivializao da questo social e a
autoresponsabilizao pelas respostas s suas sequelas (MONTAO,
2002).
No litoral norte do Paran, a expanso das ONGs se acentuou na dcada de
90, com a implantao da SPVS e a Fundao Grupo Boticrio.
O movimento pela a idealizao da SPVS tem inicio em 1980, todavia a
ONG fundada somente em 1984 na cidade de Curitiba, sua misso trabalhar
pela conservao da natureza, atravs da proteo de reas nativas, de aes de
educao ambiental e do desenvolvimento de modelos para o uso racional dos
recursos naturais. Dois anos depois estabelece parcerias com o IBAMA (hoje
ICMBIO), o Instituto de Terras Cartografia e Florestas (ITCF atualmente o ITCG) e
outras instituies, o que expande suas atividades de pesquisa e educao
ambiental. O interesse pela regio da APA de Guaraqueaba acontece em 1993,
diante a colaborao em algumas pesquisas, como o Plano Integrado de
Conservao para a APA. A rea do Morro da Mina, localizada no municpio de
Antonina, foi primeira adquirida pela SPVS, com cerca de 2300 hectares, em 1994
(SPVS, 2013). No mesmo ano a Fundao Grupo Boticrio, com o objetivo de
promover aes de conservao da natureza, comprou uma rea de 2.253 hectares,
em Guaraqueaba e constituiu a Reserva Natural Salto Morato.
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51
A assinatura do Protocolo de Kyoto em 1997 estabeleceu a reduo de
gases do efeito estufa pelas naes industrializadas e a implantao de Mecanismos
de Desenvolvimento Limpo (MDL), podendo ser cumpridos pelos pases, fora de seu
territrio. Nesta conjuntura a SPVS, a partir de 1999, conseguiu financiamentos com
a TNC (The Nature Conservancy) e empresas americanas, como a American Eletric
Power, General Motors e Chevron Texaco, interessadas em seus projetos de
conservao ambiental e captao de carbono atmosfrico, a fim de combater os
efeitos do aquecimento global. (BORSATTO, 2007; CORNETTA, 2007). Alm dos
projetos de seqestro de carbono, a SPVS vem recebendo incentivos financeiros de
empresas transnacionais como a Audi com a campanha de adoo de um papagaio-
de-cara-roxa. Ao todo a SPVS tem 18,5 mil hectares de terras na APA de
Guaraqueaba, as reas do Morro da Mina, Serra do Itaqui, Rio Cachoeira e Sebu
(CORNETTA, 2007; SPVS, 2013).
Como elucida Cornetta (2007) que aborda a privatizao da Mata Atlntica e
as problemticas agrrias na APA, o conflito com as comunidades se d
principalmente, em razo das terras compradas pela ONG com capital estrangeiro,
serem exatamente as mesmas adquiridas pelos criadores de bfalos, nas dcadas
de 60 e 70, mas com o adicional da restrio dos recursos naturais. Contudo as
comunidades estudadas afirmam que a regio ainda abrigava inmeras
comunidades locais que estavam assentadas nas terras durante anos, como o
caso das famlias que formaram o Acampamento do MST Jos Lutzemberg, o
proprietrio legal da rea tinha inteno de vender a propriedade a SPVS. Conforme
entrevista ao jornal Carta Maior, publicada em maro de 2006, Jonas Aparecido
Souza, lder do Acampamento do MST relata:
A ONG est fechando espaos e isso tem sido motivo de conflito. A reserva
isolou famlias e reduziu os espaos delas. As comunidades esto sofrendo um
processo de excluso (CARTA MAIOR, 2006).
A intensidade desses conflitos com a organizao demonstrada, mesmo
com a existncia de represses relatadas nas sadas a campo, por intermdio de
denncias e protestos feito pelas comunidades. o caso das faixas (FOTOS 23 e
-
52
24) na PR 405 que d acesso a Guaraqueaba, colocadas pelo posseiro Luis,
desde que foi expulso de seu territrio pela SPVS.
FOTO 24 - FAIXA DE PROTESTO CONTRA AS POLTICAS DE PRESERVAO.
FONTE: os autores (2013).
FOTO 23 - FAIXA DE PROTESTO CONTRA AS ONGS CONSERVACIONISTAS FONTE: os autores (2013).
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53
A Fundao Boticrio tambm enfrenta conflitos semelhantes com as
comunidades do seu entorno. Segundo Josiane, nascida e criada no Morato, s
represses eram frequentes e chegavam a ser violentas, por parte dos rgos
ambientais e gesto da RPPN, e muitas vezes as instituies andavam juntas,
punindo os pequenos agricultores.
Aps vrias denncias das comunidades tradicionais e a gravao do
documentrio intitulado A economia verde vs. a economia das comunidades: uma
histria dos povos da mata atlntica no Sul do Brasil, produzido em DVD pelo MST
e pelo Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (organizao do Uruguai) em
2012, que retrata os conflitos enfrentados no territrio pelas comunidades da APA, a
situao na regio amenizou um pouco, mas no foi mediada na totalidade.
Os fatores acima explanados colocam em evidncia, a diviso territorial
fragmentada da rea de estudo, apoiada no conceito de propriedade privada
advento do sistema capitalista, que passa a cercar os lotes e instaurar valor de troca
da terra e no o valor de uso. No ensaio The Tragedy of the Commons, o bilogo
Garret Hardin, reforou a lgica de privatizao dos bens comunais como soluo
para o seu uso econmico, na viso do terico cada indivduo iria suprir suas
necessidades em benefcio prprio e no do coletivo, degradando os recursos de
uso comum (ACSELRAD, 2010; HARDIN, 1968; MELLINGER, 2013). Porm esse
modelo estabelecido no territrio contrrio lgica de ocupao das comunidades
tradicionais estudadas, baseada na forma comunal de apropriao do espao e dos
recursos naturais, com suas simbologias e prticas milenares. Como explana
Diegues:
Essas formas de apropriao comum de espaos e recursos naturais renovveis se caracterizam pela utilizao comunal (comum, comunitria) de determinados espaos e recursos por meio do extrativismo vegetal (cips, fibras, ervas medicinais da floresta), do extrativismo animal (caa e pesca), e da pequena agricultura itinerante. Alm dos espaos usados em comum, podem existir os que so apropriados pela famlia ou pelo indivduo, como o espao domstico (casa, horta etc.) que, geralmente, existem em comunidades com forte dependncia do uso de recursos naturais renovveis que garantem sua subsistncia, demograficamente pouco densas e com vinculaes mais ou menos limitadas com o mercado. Esses arranjos so permeados por uma extensa teia de parentesco, de compadrio, de ajuda mtua, de normas e valores sociais que privilegiam a solidariedade intragrupal (DIEGUES, 2001).
-
54
A perda de territrio dessas comunidades, a exposio aos riscos ambientais,
e a falta de garantia aos seus direitos multiculturais, caracterizam o descaso com o
reconhecimento da territorialidade das mesmas. Mesmo havendo a existncia
alguns dispositivos, entre as quais a Conveno da Diversidade Biolgica, a Agenda
21 e a prpria legislao brasileira, assegurando o papel das comunidades
indgenas e de outras comunidades tradicionais na conservao da biodiversidade,
ainda no existem aes mais concretas e efetivas legitimando o direito de acesso
ao uso comum da terra e aos recursos naturais no Brasil. Em outros pases da
Amrica Latina e da sia esto em curso iniciativas legislativas, que procuram criar
um regime legal de proteo aos conhecimentos tradicionais associados
biodiversidade, distinto do sistema ocidental de propriedade intelectual, patentrio e
excludente das inovaes coletivas (SANTILLI, 2001).
3.3 RAPPAM: ANLISE DA EFETIVIDADE DA GESTO DA APA DE GUARAQUEABA
O mtodo RAPPAM - Rapid Assessment and Priorization of Protected Area
Management foi desenvolvido pelo WWF entre os anos de 1999 e 2002, uma das
metodologias de avaliao da efetividade de gesto de reas protegidas, seu
objetivo estabelecer ferramentas de avaliao rpida e de priorizao de manejo
das Unidades de Conservao. O desenvolvimento da pesquisa ocorreu nos anos
de 2005-2006 e em 2010, envolveram 452 pessoas e 245 Unidades de Conservao
Federais, totalizando 85% das existentes.
A aplicao dos questionrios foi realizada em oficinas participativas
integrando os gestores de Unidades de Conservao, equipe tcnica da Sede do
ICMBIO, consultores especializados na metodologia e equipe tcnica do WWF-
Brasil.
A estrutura do questionrio aplicado baseada em cinco segmentos do
planejamento, gesto e avaliao, contextualizados abaixo (TABELA 2).
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TABELA 2: ESTRUTURA DO QUESTIONRIO APLICADO SEGUNDO MTODO RAPPAM
Elemento Mdulo temtico
Contexto Perfil
Presses e ameaas
Importncia biolgica
Importncia socioeconmica
Vulnerabilidade
Planejamento 6. Objetivos
7. Amparo Legal
8. Desenho e planejamento da rea
Insumos 9. Recursos humanos
10. Comunicao e informao
11. Infraestrutura
12. Recursos financeiros
Processos 13. Processo de tomada de deciso
14. Pesquisa, Avaliao e Monitoramento
Resultados 15. Resultados
FONTE: ICMBIO (2012)
Apesar do mtodo no ser elaborado para a gerao de orientaes mais
especficas, e sim para avaliaes em ampla escala, esta anlise pode auxiliar na
complementao das pesquisas que j foram realizadas, e identificar qual contexto
deve ser estudado e acompanhado com mais ateno. Neste trabalho sero
analisados os dados da APA de Guaraqueaba, ESEC de Guaraqueaba e o
PARNA do Superagui (TABELA 3).
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TABELA 3: EFETIVIDADE DE GESTO DAS UCS FEDERAIS
APA de
Guaraqueaba
ESEC Guaraqueaba PARNA do
Superagui
Ano 2005/2006 2010 2005/2006 2010 2005/2006 2010
ndice Geral 39% 26% 31% 11% 38% 76%
Importncia
biolgica
92% 78% 78% 60% 92% 91%
Importncia
socioeconmica
86% 73% 66%