A Dinãmica.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA. Filipe Queiroz de Campos. A Dinâmica. No penúltimo capítulo de seu livro O feudalismo, Hilário Franco explicará o processo de transformações que toda aquela estrutura feudal detalhada em seu capitulo anterior começa a sofrer. O autor quebra o modo linear de ver as características desta transformação ao dizer que ao mesmo tempo que era expressa a vitalidade de todo aquele sistema, ficam nítidas certas transformações que faziam com que o feudalismo caminhasse em direção á própria falência, ao invés de separar os acontecimentos como muitos autores, o que daria a impressão errônea de momentos separados e distintos, Franco tenta juntar as peças, colocá-las em movimento, para então observar o todo. A gênese e extensão temporal do sistema feudal segundo o autor se dá em fins do século IX, ou princípios do X com muitos e muitos anos de gestação, e começa seu período de crescimento intenso em meados do XI até meados do século XIII. Todo este crescimento se dera a partir da reorganização da sociedade ocidental, a falência do império

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dinâmica sobre grupo de jovens

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA.

Filipe Queiroz de Campos.

A Dinâmica.

No penúltimo capítulo de seu livro O feudalismo, Hilário Franco explicará o

processo de transformações que toda aquela estrutura feudal detalhada em seu capitulo

anterior começa a sofrer.

O autor quebra o modo linear de ver as características desta transformação ao dizer que

ao mesmo tempo que era expressa a vitalidade de todo aquele sistema, ficam nítidas

certas transformações que faziam com que o feudalismo caminhasse em direção á

própria falência, ao invés de separar os acontecimentos como muitos autores, o que

daria a impressão errônea de momentos separados e distintos, Franco tenta juntar as

peças, colocá-las em movimento, para então observar o todo.

A gênese e extensão temporal do sistema feudal segundo o autor se dá em fins do século

IX, ou princípios do X com muitos e muitos anos de gestação, e começa seu período de

crescimento intenso em meados do XI até meados do século XIII. Todo este

crescimento se dera a partir da reorganização da sociedade ocidental, a falência do

império Carolíngio e profundas transformações ocorridas durante séculos.

A revitalização da Igreja e de toda sociedade, se deu por um período de suavização do

clima, por não existirem barreiras que atrapalhassem o crescimento demográfico por

inovações tecnológicas e transformação jurídica do campesinato, uma forma mais

benigna da malária que atingiu fortemente o império Romano ou amenização da peste

no século VIII. Todo este processo leva o autor a afirmar que, de fato a crise da Alta

Idade Média teve origens na Idade Média Central.

Outro fator que amenizou a mortalidade populacional, foi o modo de guerra feudal, já

que não existiam exércitos, mas pequenos bandos de guerreiros, os cavaleiros, que eram

equipados com armaduras e toda sua vestimenta voltada para a defesa, minimizando o

risco de mortes. A lógica de guerra feudal na maioria das vezes, como relata Franco, era

a de capturar o adversário e não de liquidá-lo, os cavaleiro se viam mais como

adversários do que inimigos.

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A prosperidade demográfica, também pode ser explicada pela abundância de recursos

naturais existentes com o recuo demográfico entre o século III e VIII, o qual fez com

que áreas que eram cultivadas fossem abandonadas e com o tempo fossem ocupadas por

bosques e florestas, dando para a posteridade, novos locais que serviram como fonte de

madeira, frutos silvestres, caça e produtividade agrícola que se tornava próspera pela

fertilidade destes solos e pela já citada suavização do clima, da qual Franco cita, ser

constituída de verões mais quentes e secos, que igualmente teria contribuído para a

dificuldade de disseminação da peste. Com melhores alimentos, surgem novos hábitos

alimentares, mais proteínas e vitaminas geram também, menor mortalidade.

Ainda outros fatores são apresentados como contribuição para o crescimento

demográfico, como a passagem da escravidão para a servidão, já que o escravo vivia

uma vida mais severa, com menor qualidade. Psicologicamente, os escravos não

optavam em ter filhos para não darem a eles aquelas condições de vida, ou ainda não

optavam por ter filhos como forma de protesto, pelo uso de métodos contraceptivos da

época, além de aborto e infanticídios. Já com a servidão, a família era importante para a

produção, a natalidade mesmo que dentro de certos limites, era agora, aceita e

incentivada.

A respeito das inovações tecnológicas, Franco, independentemente de quem veio

primeiro, as inovações tecnológicas e o crescimento populacional ou o inverso, o que

importa é o que de fato apareceu e contribui com todo o processo. Dentre os fatores

tecnológicos, Franco cita a charrua, arado mais eficiente que penetrava mais

profundamente no solo, a novo forma de atrelar pelo peito dos animais e não pela

cabeça e o por fim, cita o sistema de rodízio de terras com a alternância de cultivos

diferentes sobre uma mesma área, impedindo o esgotamento.

A população da Europa ocidental, de acordo com Franco, teria crescido,

progressivamente, sem esquecer as desigualdades demográficas de região para região,

passando por volta do ano 800 com 18 milhões de pessoas para cerca de 50 milhões por

volta do ano 1300, com quase o dobro da densidade demográfica em fins do século VIII

a fins do XIII.

O autor a partir destas informações começa a mostrar como o progresso da

produtividade afetou direta e indiretamente todo o sistema feudal, com o aquecimento

do setor primário. Os excedentes gerados causaram intensificação da atividade

comercial e artesanal. Havia também, maior possibilidade de alimentarem mais gados, o

que leva à maior produção e adubo que volta a fornecer subsídios para a agricultura e o

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setor primário, confirmando todo um dilatar econômico que acabava modificando as

estruturas feudais e o espaço geográfico, invadindo florestas, campos e pântanos,

estendendo a área cultivável de toda a Europa ocidental.

O interessante na narrativa de Franco deste capítulo é a análise de pequenos

acontecimentos possíveis com a melhoria climática e produtiva, mostrando que cada

pequena e sutil melhoria, levava a novas melhorias. O autor faz um trabalho de

observação das micro melhorias agrícolas e comerciais que levam igualmente a micro

melhorias na saúde e no social que em fim podem ser percebidas no macro do sistema

feudal, como é o caso da maior produtividade, que leva melhor alimentação bovina que

leva maior natalidade dos bois e mais possibilidade de consumo de carne e leite para a

crescente população, favorecendo o comércio e o artesanato que utiliza também os

ossos e a pele, a por fim a própria agricultura com já mencionado adubamento, e mais

força motriz para puxar carregamentos e arar a terra.

Apesar de todo o desenvolvimento urbano feudal, Franco afirma que a sociedade

ainda assim, era essencialmente agrária já que apenas dez ou vinte por cento da

população viviam na cidade. A respeito desta urbanização provocada obviamente sem

controle ou consciência dos indivíduos do sistema feudal, o autor aponta o interessante

fato de que, na cidade, muitos servos se viam livres das obrigações senhoriais, e viam a

cidade como provedora de um “ar de liberdade”, mostrando-nos deste modo, porque os

futuras monarcas incentivaram tanto a cidade como uma ferramenta antifeudal.

O importante lembrar neste período porém, é que os senhores feudais ainda não viam as

cidades como ameaças, as tratavam como auxilio à produção de suas terras, como foi

dito, os indivíduos não tinham o conhecimento dos acontecimentos, do curso da

história. Inicialmente, a crescimento econômico urbano, no geral contribuía para o

feudalismo, não atingia riscos capazes de romper de fato com a lógica feudal, já que

fortalecia a produção agrícola.

A respeito do crescimento comercial, Franco apresenta mais uma vez uma narrativa que

ilustra a dependência de todo o desenvolvimento, das pequenas relações que foram se

desenvolvendo. Primeiro, o campo fornece melhor abastecimento que gera excedentes e

fomenta o comércio destes produtos. Fornece também matéria prima para o artesanato e

gera cada vez mais atividades manufatureiras. O campo também gera maior capacidade

de compra, o que garante a sobrevivência comercial. Há também uma maior quantidade

de exportação que levaria á crescente necessidade das atividades monetárias e bancárias,

desta forma o autor deixa claro as conexões entre os acontecimentos sempre

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dependentes uns dos outros, mais uma vez abandonando interpretações simplistas da

realidade feudal, buscando nos detalhes e mudanças sutis, as respostas para o

entendimento de todo dinamismo da época. Ao mesmo tempo que ocorriam mudanças

como a maior monetarização da economia que fomentava o sistema feudal, acontecia

uma série de transformações que em maior prazo mudariam toda a lógica do sistema.

As obrigações servis começavam a serem pagas em moedas, já que com mais

excedentes os camponeses começavam a vender seus produtos, o senhores utilizavam

mais a moeda para comprar produtos importados, o que levava a uma descaracterização

da formatação feudal.

Na verdade, a monetarização levou a mudanças cada vez maiores como a existência da

chamada feudo-renda ou feudo de bolsa, nas quais os senhores feudais, pagavam seus

vassalos com moedas ao invés de terras. Na Inglaterra, os vassalos podiam ser

dispensados do serviço militar em troca de pagamento monetário e até mesmo, a partir

do século XII, podia se encontrar a alienabilidade do feudo, isto é, o vassalo poderia

comprar o direito de propriedade de seu feudo monetariamente.

Franco cita ainda como importante consequência do crescimento populacional e

produtivo, a necessidade de exportar tanto mercadorias como pessoas, o que levou a

uma institucionalização do tipo de sistema feudal em outras regiões, ou seja, o sistema

feudal estava se recriando, penetrando na Inglaterra, Oriente Médio, Península Ibérica,

assumindo feições próprias mas sempre dentro da lógica feudal, como é no caso da

Inglaterra, na qual Guilherme da Normandia trouxera o feudalismo, mas centralizava

um poder forte, característica que vai de encontro à tão presente fragmentação de poder

nos feudos chamados espontâneos. Na Inglaterra, na intenção de construir um reino

mais unificado e ter poder centralizado, Guilherme da Normandia estabelecia 5000

feudos á vassalos reais que poderiam ter também seus vassalos, mas diferente da

França, os vassalos dos vassalos do rei deveriam também, prestar juramento ao poder

central. Na Inglaterra não haviam alódios, terras que estariam fora de relações feudo-

vassálicas, era a lógica do “nenhuma terra sem senhor” e isto também fortalecia o

controle do poder central.

Ainda analisando a adaptação feudal na Inglaterra, Franco mostra as diferenças entre os

dominadores, os clérigos e guerreiros de origem normanda e os dependentes

camponeses angloaxões, os desposados. O autor aponta um exemplo para ilustrar a

divisão estrutural dessa sociedade, mostrando que a palavra anglosaxônica para boi era

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ox, que se referia apenas ao animal de carga, já a palavra dor normando vinha do francês

Boeuf ou beef, se referindo também ao boi como animal consumível.

No Oriente Médio, a raça a língua e a religião eram elementos que afastavam os

dominadores dos conquistados, o ambiente, os usos, a cultura e a mentalidade, se

divergiam mais e fazia com que o sistema feudal se adaptasse ainda mais

diferentemente do que foi na Inglaterra. O autor explica que nestas condições, o que foi

absorvido do feudalismo foram as instituições políticas feudais para regular as relações

entre os cruzados, o que é provado pela ausência de testemunhos profundos sobre

épocas feudais em fins do século XIII, com o desaparecimento dos cruzados.

Na península Ibérica, poderia-se deduzir uma situação análoga á da França, porém a

ocupação muçulmana impediu que elementos feudais se desenvolvessem como nas

regiões carolíngias, que foram ativados de fato apenas com o enfraquecimento

muçulmano e expansão cristã da comunidade ibérica e imigrantes como monges ou

nobres sem terra que vinham em busca de terras, no século XI.

Por fim, Franco conclui que o sistema feudal se manteve enquanto o equilíbrio

entre crescimento econômico, crescimento territorial e crescimento demográfico se

complementassem. No sistema feudal, o fator econômico, o capital, crescia pouco e não

acompanhava os outros dois elementos, desta forma para se manter, o sistema deveria

incorporar áreas e mão de obra, além de depender essencialmente e quase que

exclusivamente da agricultura, ficando assim expostos, os limites da dinâmica e do

sistema feudal.

Durante este capítulo Franco desenvolveu uma narrativa bastante detalhada de

exemplos, para ilustrar como eram dependentes os acontecimentos do que ele chamou

de dinâmica feudal, causada principalmente pela suavização, crescimento demográfico e

aumento de produção agrícola. Estes exemplos foram necessários para fazer com que o

leitor adentre mais na lógica feudal e entenda melhor como uma melhoria levava à outra

e como todos os elementos de causa e consequência da maior produção agrícola estão

interligados. Mais uma vez a partir desta visão mais detalhada, o autor desimplifica o

situação das mudanças feudais. Franco não separa cada característica do processo de

mudanças de forma isolada, mas pinça todos os elementos influentes nesta mudança

colocando os para funcionar juntos, analisando então todo com mais precisão.