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1 A DISCIPLINA FUNDAMENTOS E MÉTODOS DAS LUTAS DO CEDF/UEPA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA PARA ATUAÇÃO NO ENSINO ESCOLAR Bruno Luiz Diniz Santa Brigida Discente Concluinte do CEDF/UEPA [email protected] Emerson Duarte Monte Docente do CEDF/UEPA [email protected] Resumo: A pesquisa tem como objetivo geral analisar a realidade e as possibilidades de organização do conteúdo lutas na formação de professores do Curso de Educação Física (CEDF) da Universidade do Estado do Pará (UEPA) para o trato desse conhecimento no ambiente escolar e apresentar indicativos para uma organização pedagógica superadora. Para tanto, faz-se um resgate histórico do conceito de esporte e uma contextualização histórica de algumas artes de combate (karatê, judô e capoeira), apresenta-se fundamentações teóricas sobre trabalho pedagógico de uma forma genérica e, mais especificamente, sobre artes de combate. Foram analisadas entrevistas realizadas com os professores que atuam com a disciplina Fundamentos Métodos das Lutas (FML) e as ementas dos Projetos Político-Pedagógico de 1999 e de 2007 do CEDF/UEPA. As análises revelaram que a disciplina não articula ensino, pesquisa e extensão, que os professores estão mais interessados com os conhecimentos técnicos e não apresentam uma unidade que sintetize os fundamentos em comum entre as diversas lutas, não fazem crítica ao esporte de rendimento e não enfatizam a necessidade de diferenciar os esportes das lutas. Concluiu-se que a disciplina não é suficiente para dar conta da complexidade do conteúdo lutas e aponta-se para a necessária organização de uma disciplina que trabalhe os fundamentos das lutas em uma unidade, apresentando aspectos comuns entre as diversas lutas e que critique a lógica do esporte de rendimento, oferecendo subsídios para estudos mais avançados em disciplinas obrigatórias e/ou eletivas que, por sua vez, devem preparar os alunos para a intervenção no ensino escolar e para formações continuadas em cursos de pós-graduação. Palavras-chave: Formação de professores. Organização do trabalho pedagógico. Trato do conhecimento Lutas. INTRODUÇÃO Esta pesquisa se insere no campo temático do trato com o conhecimento lutas na formação inicial de professores do Curso de Educação Física (CEDF) da Universidade do Estado do Pará (UEPA). Tem como objeto de pesquisa a organização do trabalho pedagógico para o trato com o conhecimento lutas numa perspectiva que amplie as possibilidades de organizar esse conteúdo no âmbito da formação inicial.

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A DISCIPLINA FUNDAMENTOS E MÉTODOS DAS LUTAS DO CEDF/UEPA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA PARA ATUAÇÃO NO

ENSINO ESCOLAR

Bruno Luiz Diniz Santa Brigida Discente Concluinte do CEDF/UEPA

[email protected] Emerson Duarte Monte Docente do CEDF/UEPA

[email protected]

Resumo: A pesquisa tem como objetivo geral analisar a realidade e as possibilidades de organização do conteúdo lutas na formação de professores do Curso de Educação Física (CEDF) da Universidade do Estado do Pará (UEPA) para o trato desse conhecimento no ambiente escolar e apresentar indicativos para uma organização pedagógica superadora. Para tanto, faz-se um resgate histórico do conceito de esporte e uma contextualização histórica de algumas artes de combate (karatê, judô e capoeira), apresenta-se fundamentações teóricas sobre trabalho pedagógico de uma forma genérica e, mais especificamente, sobre artes de combate. Foram analisadas entrevistas realizadas com os professores que atuam com a disciplina Fundamentos Métodos das Lutas (FML) e as ementas dos Projetos Político-Pedagógico de 1999 e de 2007 do CEDF/UEPA. As análises revelaram que a disciplina não articula ensino, pesquisa e extensão, que os professores estão mais interessados com os conhecimentos técnicos e não apresentam uma unidade que sintetize os fundamentos em comum entre as diversas lutas, não fazem crítica ao esporte de rendimento e não enfatizam a necessidade de diferenciar os esportes das lutas. Concluiu-se que a disciplina não é suficiente para dar conta da complexidade do conteúdo lutas e aponta-se para a necessária organização de uma disciplina que trabalhe os fundamentos das lutas em uma unidade, apresentando aspectos comuns entre as diversas lutas e que critique a lógica do esporte de rendimento, oferecendo subsídios para estudos mais avançados em disciplinas obrigatórias e/ou eletivas que, por sua vez, devem preparar os alunos para a intervenção no ensino escolar e para formações continuadas em cursos de pós-graduação. Palavras-chave: Formação de professores. Organização do trabalho pedagógico. Trato do conhecimento Lutas.

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa se insere no campo temático do trato com o conhecimento lutas

na formação inicial de professores do Curso de Educação Física (CEDF) da

Universidade do Estado do Pará (UEPA). Tem como objeto de pesquisa a

organização do trabalho pedagógico para o trato com o conhecimento lutas numa

perspectiva que amplie as possibilidades de organizar esse conteúdo no âmbito da

formação inicial.

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A disciplina Fundamentos e Métodos das Lutas do CEDF/UEPA está

organizada na matriz curricular do atual Projeto Político-Pedagógico (PPP) no 3º

semestre, entre as disciplinas obrigatórias do curso. A sua carga horária é de 80h/a

para ser desenvolvida em um semestre letivo. Ela aborda, geralmente, quatro formas

de lutas (judô, karatê, capoeira e boxe) numa perspectiva genérica.

A disciplina não tem como intenção abordar profundamente todas as quatro

formas de lutas, tendo em vista a limitação da carga horária – são necessários, por

exemplo, cerca de cinco a seis anos para formação de um mestre de judô ou karatê.

Portanto, considerando a riqueza de conteúdos de cada arte marcial, não é possível

estudar, com profundidade, cada uma das formas de lutas oferecidas na disciplina.

Com isso, mais do que oportunizar uma visão geral de técnicas de artes

marciais, tendo em vista as limitações da carga horária, configura-se como maior

centralidade, na perspectiva de uma formação para atuação no ensino escolar, que

os acadêmicos entrem em contato com os conteúdos históricos, políticos e

pedagógicos que envolvem o trato do conteúdo lutas.

A partir dessa exposição é que se lança o seguinte problema de pesquisa:

Qual a realidade e as possibilidades de organização do conteúdo lutas na formação

de professores de educação física da UEPA para o trato desse conhecimento no

ambiente escolar?

Essa questão possibilita o seu desdobramento em perguntas que possibilitam

nortear a investigação, quais sejam: 1. Como o conteúdo Lutas está organizado

pedagogicamente no CEDF/UEPA? 2. O que é necessário priorizar no interior do

conteúdo Lutas para tratar numa formação inicial em Educação Física para a

intervenção escolar? Como é possível organizar, pedagogicamente, o conteúdo Lutas

na formação de professores de Educação Física?

De modo geral, objetiva-se analisar a realidade e as possibilidades de

organização do conteúdo lutas na formação de professores de Educação Física da

UEPA para o trato desse conhecimento no ambiente escolar. E de modo mais

específico verificar de que modo a disciplina Fundamentos e Métodos das Lutas é

tratada pedagogicamente no CEDF/UEPA, identificar nas principais Lutas difundidas

no Brasil seus fundamentos e analisar e indicar uma organização didático-pedagógica

para o trato do conhecimento Lutas no CEDF/UEPA.

Para atingir esses objetivos a investigação utilizou informações dos

professores que ministram a disciplina Fundamentos e Métodos das Lutas no

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CEDF/UEPA por meio de entrevistas semi-estruturadas. Assim como, por meio da

análise documental, utilizaram-se as ementas da disciplina dos PPP do CEDF/UEPA

dos anos de 1999 e 2007.

Com o intuito de investigar o desenvolvimento histórico do ensino do conteúdo

Lutas no CEDF\UEPA, torna-se importante entrar em contato com os docentes que

ministram esse conteúdo no curso. Desta forma, para coletar informações dos

docentes que ministram a disciplina “Fundamentos e Métodos das Lutas”, foram

aplicadas entrevistas semi-estruturadas.

A opção pelo uso de entrevistas semi-estruturadas foi feita para que os

professores discorressem livremente, sem, no entanto, fugir dos objetivos da

pesquisa. Triviños (1987, p. 146) compreende que a entrevista semi-estruturada “[...]

ao mesmo tempo que valoriza a presença do investigador, oferece todas as

perspectivas possíveis para que o informante alcance a liberdade e a espontaneidade

necessárias, enriquecendo a investigação”. A escolha pela entrevista semi-

estruturada também levou em consideração a pequena quantidade de professores da

disciplina “Fundamentos e Métodos das Lutas” que, no CEDF/UEPA, limitam-se ao

número de dois.

A pesquisa também conta com a análise das ementas da disciplina dos

Projetos Político-Pedagógicos (PPP) do CEDF/UEPA dos anos de 1999 e 2007. A

análise das ementas terá como suporte o referencial da área de lutas e da formação

de professores que fundamentam essa pesquisa, privilegiando o seu conteúdo

expresso no texto, assim como o conteúdo latente.

No processo de análise, faz-se uso da análise de conteúdo que Triviños (1987,

p. 160) conceitua como:

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, obter indicadores quantitativos ou não, que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) das mensagens.

Para o autor o método de análise de conteúdo serve “para o desvendar das

ideologias que podem existir nos dispositivos legais, princípios, diretrizes etc., que à

simples vista, não se apresentam com a devida clareza”. Nessa perspectiva, o

conteúdo expresso nas ementas e objetivos das disciplinas de lutas contribui para a

análise desse conteúdo na formação do CEDF/UEPA.

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A pesquisa está organizada da seguinte forma: na primeira seção, realiza-se

um resgate histórico sobre o processo de esportivização dos conteúdos da cultura

corporal. O objetivo dessa seção é demonstrar como os conteúdos da cultura corporal

se transformam ao longo da história, condicionados por determinantes mais amplos

como os sistemas político e econômico. Ao final dessa primeira seção, explicita-se o

processo de esportivização de algumas lutas, a partir de um resgate histórico.

Existem diversas práticas que podem ser caracterizadas como lutas, mas, para esta

pesquisa, foram priorizados o karatê, o judô e a capoeira.

Na segunda seção da pesquisa, tem-se como objetivo apresentar a discussão

quanto à organização do trabalho pedagógico do professor, tendo como perspectiva

de análise a defesa de uma determinada concepção de educação e de ensino. Outro

objetivo desta seção é o de estabelecer a conexão entre o par dialético conteúdo-

metodologia e o trato do conhecimento lutas; ir à literatura sobre ensino de lutas para

verificar de que modo foi abordada essa relação e realizar análise sobre o processo

de esportivização das lutas e o comprometimento que disso deriva para a definição

dos conteúdos e da metodologia comumente utilizada no trato do conhecimento lutas.

Por fim, na terceira seção, pretende-se analisar as entrevistas e as ementas da

disciplina Fundamentos e Métodos das Lutas dos PPP de 1999 e 2007, assim como

indicar proposições superadoras para o trato com o conhecimento lutas e a

organização do trabalho pedagógico desse conteúdo.

1 O CONTEÚDO LUTAS E A CRÍTICA AO ESPORTE DE RENDIMENTO

Nesta seção, tem-se como objetivo apresentar um breve desenvolvimento

histórico do esporte e das lutas. Está constituída de duas partes: na primeira,

apresenta-se como o esporte surgiu e se transformou ao longo do século XX,

paralelamente aos avanços do modo de produção capitalista e, na segunda,

demonstra-se a origem e o desenvolvimento histórico de algumas lutas (karatê, judô e

capoeira), explicitando como foram impactadas com o processo de esportivização.

1.1 EVOLUÇÃO DO ESPORTE E SUAS FORMAS DE MANIFESTAÇÃO

É fundamental compreender que o esporte não se explica por si só, que não

pode ser compreendido isolado das demais facetas da sociedade. O esporte

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pertencendo a uma dada sociedade incorpora o substrato cultural e, em si, reflete

uma síntese da sociedade que o envolve.

De acordo com Bracht (2005), o esporte surgiu na Inglaterra do século XIX a

partir da transformação de jogos populares, onde eram usados para expressar a

cultura popular, para uma forma de organização mais institucionalizada e burocrática,

típico da sociedade capitalista. Esse tipo de transformação não é inerente apenas ao

esporte. A sociedade inglesa, como um todo, vivia um processo de transformação

econômica a partir do desenvolvimento urbano e industrial provindos dos avanços do

capitalismo em sua fase inicial.

Conforme Bracht (2005), o processo de transformação dos jogos, expressões

lúdicas no tempo livre, que tem como uma de suas principais características a

espontaneidade, em esportes é denominado de esportivização, que pode ser

compreendido como a complexificação das regras dos jogos e a incorporação de

conceitos organizativos oriundos do espaço da produção capitalista.

Como reflexo do momento histórico, o esporte absorve as condições da época,

incorporando, em seu desenvolvimento, características da sociedade industrial, tais

como a competição, o rendimento físico-técnico, a racionalização e a cientifização.

Bracht (2005), baseado em Guttmann (1979), identificou, nesse esporte,

características como secularização, igualdade de chances, especialização dos

papéis, racionalização, burocratização, quantificação e busca do record.

Ainda segundo Bracht (2005), autores como Eichberg (1979) e Rigauer (1969)

entendem que alguns princípios que passaram a reger a sociedade capitalista

industrial, como o princípio do rendimento, foram incorporados ao esporte. Outra

marcante influência do desenvolvimento capitalista é a transformação do esporte em

mercadoria. Transformada em mercadoria, as práticas esportivas se afastam do

poder da classe trabalhadora, não pertencendo mais a ela um papel criativo na

construção do esporte, cabendo a ela a simples função de consumo. Dessa forma,

cada vez mais, essa classe perde sua autonomia sobre suas práticas de lazer.

A autonomia dos cidadãos sobre suas práticas esportivas perde espaço para a

indústria cultural, sendo os empresários, cada vez mais, os responsáveis pela gestão

de organizações esportivas. Bracht (2005, p. 19), ao citar Simson e Jennings (1992),

afirma que “nem sempre são as organizações esportivas que determinam os rumos

do esporte e sim empresas que atuam em outros setores da economia”.

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O esporte, sob o domínio de empresários acaba se transformando em

mercadoria. Além de mercadoria, nas sociedades modernas, o esporte é utilizado

como meio de alienação coletiva. Como forma de combater as práticas esportivas

alienantes, uma alternativa ao esporte burguês, de acordo com Bracht (2005), foram

criadas, no inicio do século XIX na sociedade europeia, associações de esporte e

ginástica organizadas pelos proletariados.

Essas organizações, ancoradas no programa da 1ª e da 2ª Internacional

Socialista, tinham como objetivo se diferenciar do esporte burguês, negando

princípios como o rendimento, o record, a competição e colocando como princípio

norteador a solidariedade entre os trabalhadores. No início do século XX foram

organizados eventos internacionais de esporte pelos trabalhadores, conforme destaca

Bracht (2005):

As festas esportivas e as olimpíadas dos trabalhadores aconteciam sem o uso do cronômetro, fitas métricas e tabelas de resultados, e ao contrário, exploravam exercícios lúdicos, as atividades de grupo e acentuavam gestos simbólicos de solidariedade. Esse movimento chegou ao ponto de criar uma organização internacional socialista da cultura corporal e a realizar três grandes olimpíadas de trabalhadores. (BRACHT, 2005, p. 91).

Essas organizações desaparecem com a chegada da Segunda Guerra Mundial

e não foram retomadas depois, devido ao forte clima anticomunista/socialista deixado

pela guerra, assim como pelo combate às conquistas dos trabalhadores ao longo da

Guerra Fria.

Acompanhando o desenvolvimento da sociedade, o esporte se torna complexo

a tal ponto que é preciso diferenciá-lo em alguns setores. De acordo Bracht (2005), o

esporte foi considerado a partir de duas perspectivas: 1. esporte espetáculo ou de

alto rendimento e; 2. esporte como atividade de lazer. O primeiro praticado por

profissionais, desenvolvido no mundo do trabalho e o segundo por amadores como

práticas de lazer, como práticas de expressão no tempo livre.

Bracht (2005) compreende que devido a complexificação do fenômeno

esportivo, a necessidade de estudos mais aprofundados também aumenta. De acordo

com o autor, até a década de 1960, estudos filosóficos e sociais sobre esporte eram

muito escassos. Entretanto, a partir de 1970, esse cenário muda, principalmente

devido à produção da Escola de Frankfurt, destacando-se entre eles Hebert Marcuse,

Theodor Adorno, Max Horkheimer e Jurgen Habermas. Bracht (2005) entende que as

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críticas dessas escolas podem ser resumidas em duas teses: a tese da coisificação

ou da alienação e a tese da repressão e manipulação.

Para a tese da coisificação, também conhecida como tese da alienação, como

resultado das relações da sociedade industrial, principalmente no mundo do trabalho,

os homens não conseguem se desenvolver plenamente enquanto tal. Com essa

forma de organização social, as atividades humanas ficam restritas à racionalidade

instrumental, aprofundando o processo de coisificação das relações humanas.

(BRACHT, 2005)

Na tese da repressão e da manipulação, a sociedade moderna, altamente

tecnológica e industrializada, é considerada um sistema de repressão, dominação e

manipulação. Entretanto meios repressivos não são as únicas formas usadas pelo

Estado no processo de controle social. Bracht (2005), entendendo o esporte como um

fenômeno da modernidade, como uma expressão da modernidade no plano da

cultura, fundamentado em Foucault, ajuda a compreender sobre ferramentas

utilizadas pelo Estado no controle social.

De acordo com Bracht (2005), para Foucault, o Estado não controla indivíduos

somente por meio da repressão. O Estado também controla a partir de estimulações,

incitando, por exemplo, que pessoas fiquem nua, desde que expressem o padrão

estético dominante.

Vale destacar as análises desenvolvidas por Freitas (1994) a respeito do

esporte na modernidade. Para ele o esporte é utilizado como catalizador de energias

que poderiam ser utilizadas para o desenvolvimento de atividades libertadoras,

desviando a atenção dos espectadores dos reais problemas da sociedade, de modo

que eles se concentrem em situações ocorridas em espetáculos esportivos como

campeonatos de futebol.

Para Freitas (1994), o esporte substitui, de modo precário, necessidades

fundamentais como sexo, alimentação e organização política. É nesse sentido que o

autor considera o esporte como ópio, ou seja, como um narcótico coletivo. Diz ainda

que “[...] A educação para o conformismo, através dos Desportos, pauta-se no

preenchimento do vazio ideológico deixado no psiquismo da juventude, surgindo e se

insurgindo como contra-ponto às insinuações materialistas, histórico-dialéticas, e

esquerdizantes [...].” (FREITAS, 1994, p. 86)

Segundo Bracht (2005), para o Marxismo Ortodoxo, o esporte de lazer pode

contribuir tanto para a reprodução da força de trabalho, tendo como efeito uma maior

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adaptação à exploração capitalista, quanto para qualificar o trabalhador para a luta

contra a mesma exploração.

Oliven (1983 apud BRACHT, 2005) afirma que cultura hegemônica e cultura

popular, por vezes se misturam, de modo que uma incorpora a outra, havendo

momentos de difícil distinção entre elas. Para esse autor o processo de incorporação

se dá, basicamente, de duas formas, uma quando a classe dominante incorpora

elementos culturais antes restritos apenas às camadas populares, transformando-os,

posteriormente, em símbolos nacionais e uma outra, que ocorre de modo inverso,

onde as classes populares se apropriam de culturas originalmente da classe

dominante, transformando-as em símbolos nacionais.

Para ilustrar, vejamos os exemplos do futebol e da capoeira. O futebol surgiu,

na Inglaterra como jogo de elite, transformando-se, posteriormente, em cultura

popular. No Brasil, o exemplo da capoeira mostra o inverso. Na sua origem foi uma

prática de resistência, sofrendo, inclusive, repressões de forças policiais, e hoje, após

ter sido saneada socialmente, sofre um processo de esportivização, com uma

tendência para se tornar esporte-espetáculo, perdendo seu caráter de resistência

popular. (BRACHT, 2005)

Assim, pode-se afirmar que a hegemonia não é uma estrutura estática, ou seja,

é um processo dinâmico de transformação, incorporando, renovando e reelaborando

constantemente culturas hegemônicas e contra-hegemônicas.

Ainda segundo Bracht (2005), “[...] o esporte enquanto atividade de lazer não

pode ser apenas um arremedo, um simulacro do esporte de alto rendimento; não

precisa pautar-se por ele”. Com isso, o autor quer dizer que a prioridade das políticas

públicas de lazer não deve ser o esporte de alto rendimento e sim o esporte como

atividade de lazer. Dessa forma, e integrado com outras políticas culturais e sociais,

outros elementos da cultura corporal, ainda não esportivizados, não precisam se

subordinar e se moldar nos esportes de alto rendimento para receber atenção do

poder público.

Desta forma, pode-se perceber que para que o esporte seja uma expressão

autêntica da classe trabalhadora, os trabalhadores necessitam estar politicamente

bem organizados, como expresso por Bracht (2005):

A ideia aqui é como fazer com que a população construa a cultura e não apenas a consuma, construa seu lazer, não apenas a consuma ou compre, e, com isso, construa sua cidadania numa perspectiva crítica? Consideramos essa uma tarefa importante na qual governos

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populares-democráticos deveriam se engajar. (BRACHT, 2005, 91-92).

É uma proposta interessante, pois, desse modo, a prática esportiva de lazer

deixa de ser uma simples mercadoria disponível para compra. Essa forma de

organização garante uma maior autonomia da classe trabalhadora sobre seu tempo

livre e possibilita fazer com que ela se percebe como sujeito no processo de

apropriação e construção da sua cultura corporal.

Portanto, a partir da produção aqui expressa é notável o desenvolvimento do

esporte paralelamente ao desenvolvimento do modo de produção capitalista. À

medida que o capitalismo avança, o setor desportivo incorpora elementos típicos

desse modelo de produção como o rendimento, a cientifização, a divisão do

trabalho/especialização do trabalho, a competição e outros.

Assim como a classe hegemônica se apropria de elementos culturais de

origem popular de acordo com seus interesses, a classe trabalhadora deve se

apropriar dos elementos da cultura dominante. Conhecimentos, para uma educação

libertadora, não devem ser negados, mas sim, incorporados e reelaborados de

acordo com os interesses políticos da classe trabalhadora.

A exposição histórica do esporte ajuda a compreendê-lo para além de suas

características técnicas. O desenvolvimento das capacidades técnicas são

importantes, porém não se deve esquecer que elas ocorrem dentro de um contexto

político, econômico, histórico e cultural específico. Deve-se compreender que as

técnicas são construções humanas e não simplesmente dadas pela natureza. São os

humanos que, por meio do trabalho, ocorrido a partir de suas relações com a

natureza e com outros humanos, constroem as técnicas. Assim, deve-se

compreender o desenvolvimento técnico a partir de suas múltiplas determinações, de

sua totalidade.

É importante estar consciente de que compromisso político e a competência

técnica não estão separados, uma vez que movimentos políticos dependem de

desenvolvimentos técnicos e fundamentações técnicas são histórica e socialmente

determinadas. Por isso, aulas de Educação Física escolar devem possibilitar uma

compreensão global dos conteúdos, levando em conta os fatores históricos, políticos,

técnicos etc. Dessa forma, os professores de Educação Física precisam, além de

possibilitar a experiência prática com as técnicas, apresentar os percursos históricos

pelos quais os fundamentos técnicos, que compõem os vários conteúdos da

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Educação Física, passaram até chegar aos formatos apresentados atualmente,

explicitando suas múltiplas determinações.

1.2 ESPORTIVIZAÇÃO DAS LUTAS

Esta seção tem como objetivo apresentar um resgate histórico das artes de

combate judô, karatê e capoeira, explicitando como os significados das lutas mudam

de acordo com o desenvolvimento histórico da sociedade na qual se inserem e como

elas sofreram o processo de esportivização.

1.2.1 Judô

As considerações sobre a história do judô que será explicitada a seguir tem

como referência a obra “Judô: ética e educação: em busca dos princípios perdidos”,

de Francisco Máuri de Carvalho Freitas.

Para compreender o judô como fenômeno cultural é fundamental conhecer o

contexto histórico japonês no qual essa prática surge. O Judô não é uma prática

corporal neutra, pois não surgiu do nada e nem deixa de ser influenciado pelo

contexto social no qual está inserido.

Além da história, para Freitas (2007), o professor de Judô precisa da filosofia

para compreender sua prática docente de forma crítica e livre. Para este autor uma

perspectiva ampla sobre a realidade humana é necessária para formação de

indivíduos de forma integral. O judoca verdadeiro precisa dominar mais do que

técnicas de combate, precisa da filosofia, da literatura, etc.

Freitas (2007) afirma que o Samurai, guerreiros japoneses da elite feudal, cuja

filosofia influenciou Jiigoro Kano na criação do judô, desenvolveram habilidades

diversas. De acordo com o autor, os Samurais “[...] conseguiram desenvolver, a um

só tempo, as habilidades de um guerreiro, a sabedoria de um filósofo, a sensibilidade

de um artista plástico e o desprendimento de um estoico.” (FREITAS, 2007, p. 70).

Essa formação ampla dos guerreiros Samurai, denominada de Bushidô

(caminho do guerreiro), era incentivada pelos que líderes políticos do Japão. O

Terceiro Shogun (Tokugawa Ieyasu), incentivava a prática das artes intelectuais, a

vida sensual, a etiqueta e a estética, a apreciação do teatro, a arquitetura e a pintura,

bem como o estudo da poesia e do cultivo dos clássicos. Todas essas práticas e

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conhecimentos perfaziam o remanso do guerreiro. Com isso, pode-se perceber que a

formação guerreira que influenciou, futuramente, o surgimento do judô, não era uma

prática politicamente neutra, sendo profundamente influenciada pelos interesses

governamentais na época.

Na época imperial do Japão as artes de combate eram exclusivamente

destinada à elite guerreira, os Samurai, e proibida aos civis. Com as mudanças

históricas e políticas ocorridas, os Samurai perdem o grande status social e as artes

de combate popularizam-se. Jigoro Kano, tendo em vista as novas condições sociais,

a partir dos antigos sistemas de combate cria o judô que passa até a fazer parte do

currículo escolar como disciplina obrigatória. Com a abertura do Japão para países

imperialistas, Jigoro Kano, em 1964, introduz o judô nas olimpíadas. Em 1951, é

criada a Federação Internacional de Judô (IJF) e, em 1969, é criada a Confederação

Brasileira de Judô (CBJ).

1.2.2 Karatê

O karatê é uma arte de combate que tem origens chinesas, porém foi

sistematizada e expandida no Japão. Várias formas de combate corporal da China

influenciaram a criação dos fundamentos técnicos do karatê como Tô-Dê (mãos de

Okinawa) Kobu-Dô e Kung Fu. (FROSI; MAZO, 2011)

Um importante fator para o desenvolvimento do karatê foram proibições do uso

de armas pelos civis na China. Essa proibição tinha como objetivo diminuir o potencial

bélico da população de modo a evitar revoltas. Assim desarmado, o povo precisou

desenvolver outras formas para reagir às imposições do Estado. (FROSI; MAZO,

2011)

A proibição do uso de armas fragilizou a resistência dos camponeses chineses

(Heimin), deixando-os mais vulneráveis às ações do Estado como cobranças de

impostos, uma vez que essas cobranças eram realizadas por membros da classe

guerreira (os Peichin) que, não raras vezes, utilizavam-se de medidas truculentas.

(FROSI; MAZO, 2011)

Assim, desarmados pelo Estado e sofrendo pressões que chegavam a

violências corporais, os Heimin entendem a necessidade de desenvolverem formas

alternativas para se defenderem, utilizando os materiais que tinham (seus próprios

corpos e ferramentas de trabalho). Dessa forma, percebem em algumas artes de

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combate, como o Tô-de e Kobu-Dô, maneiras de se defender condizentes com suas

condições materiais de sobrevivência. (FROSI; MAZO, 2011)

As preparações guerreiras dos camponeses, embora precárias, deram algum

trabalho aos Peichin. A classe guerreira, para conter as revoltas camponesas, estuda

as técnicas de combate dos Heimin para enfrentá-los com maior eficiência. Esses

estudos foram importantes fundamentos para a criação do que futuramente seria

conhecido como Karatê. (FROSI; MAZO, 2011)

Esses fundamentos técnicos que futuramente dariam origem ao Karatê-Dô

foram, então, incorporados à preparação marcial da classe guerreira de Okinawa.

Vários escritos sobre técnicas de combate corpo a corpo para preparação marcial

foram produzidos e reproduzidos manualmente através de gerações guerreiras até

ser formalmente documentado em “Notas de Oshima”, por Ryosho Tobe (FROSI;

MAZO, 2011). Desse escrito, várias táticas de combate serviram como fundamentos

para o que mais tarde será conhecido como Kata¹ (sequências de movimentação do

Karatê preestabelecidas). (FROSI; MAZO, 2011)

Diversos mestres de Okinawa foram ao Japão continental ensinar a arte e uma

explosão do Karatê aconteceu no país. Por volta de 1940, iniciou-se um processo de

modernização que buscaria aproximá-lo de práticas como o Judô e o Kendô, as quais

já possuíam sistemas competitivos e eram amplamente praticadas em escolas em

todo país. (AUGUSTO, 2009)

Apesar disso, o Karatê sofreria um forte abalo, junto com tantas outras

estruturas do Japão, devido aos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial que

assolaram todo o país. A partir da década de 1930, Gichin Funakoshi empreendeu

diversas reformas e conseguiu abertura e aceitação do Karatê no Japão, e diversos

especialistas de Okinawa partiram ao Japão continental para ajudar na difusão da

prática, conforme se destaca abaixo:

[...] É sabido de alguns movimentos desde a década de [19]40 para que o Karate se voltasse para uma forma competitiva a exemplo do que ocorria com Kendō e Jūdō. [...] A Segunda Guerra Mundial trouxe consequências catastróficas para o Karate. [...] Os bombardeios e combates no Japão continental também trouxeram consequências, como a destruição do Shōtōkan Dōjō, o prédio onde Funakoshi ministrava aulas [...]. Além de tudo isso, a artes de combate foram proibidas pelo exército americano. (FROSI; MAZO, 2011, p. 302).

Nesse movimento de proibição das artes de combate o Karatê ficou isento,

porque os inspetores não chegaram a considerá-lo uma luta, pois viram movimentos

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corporais misturados a ritmos de músicas populares daquela região, entendendo que

se tratava de uma manifestação folclórica dos habitantes e não de um treinamento de

lutas (FROSI; MAZO, 2011). Fenômeno semelhante ocorre com a capoeira, em que

os negros se utilizavam de músicas e rituais religiosos para disfarçar a preparação

guerreira. (FALCÃO, 2004)

A partir de então, vários mestres japoneses e chineses encaminham-se a

países europeus e americanos para expandir o Karatê. No período que segue a

Guerra Fria, ocorrem grandes transformações na organização do Karatê mundial em

direção a sua esportivização, com o surgimento da Federação Europeia de Karatê

(UEK), em 1965, da World Union of Karate Organization (WUKO) e a International

Traditional Karatê Federation (ITKF). (FROSI; MAZO, 2011)

1.2.3 Capoeira

De acordo com Silva e Heine (2008), ao longo de sua história, a capoeira foi

praticada em locais e contextos bastante diferentes, como nas senzalas, nos

quilombos, nas matas, nas ruas, nas praças e em outros espaços. Nos seus

primórdios, a capoeira foi praticada pelos negros escravizados das fazendas de cana-

de-açúcar no Brasil, nos poucos momentos em que não se dedicavam ao trabalhado

forçado.

Desde o momento mais remoto da história da capoeira, pode-se observar a

transmissão de elementos culturais da geração mais velha para gerações mais

novas. A necessidade de transformação da realidade por parte dos negros que viviam

na condição de escravos era algo vital. Por isso, o jovem escravo crescia pensando

no seu adestramento corporal e no desenvolvimento da sua capacidade de ser

vitorioso na fuga. (SILVA; HEINE, 2008)

Silva e Heine (2008) afirmam que em cidades como Salvador, Recife e Rio de

Janeiro, após a abolição da escravatura, em 1889, muitos negros buscaram garantir a

sua sobrevivência fazendo pequenos serviços domésticos ou como vendedores

ambulantes nas ruas e praças. Muitos se juntaram em bandos ou maltas e lutaram

para defender seus territórios e outros tantos prestaram serviços para os partidos

políticos da época.

Em 1890, a capoeira passou a fazer parte do Código Penal da República, e

uma grande caçada aos capoeiristas foi iniciada. A capoeira era um crime, e pratica-

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la significativa infringir as leis do país. Ainda assim, a capoeira resistiu e soube

sobreviver frente a tantas ameaças e perseguições. (SILVA; HEINE, 2008)

De acordo com Silva e Heine (2008), em 1939, Manoel dos Reis Machado, o

Mestre Bimba, inicia uma nova era na história da capoeira ao passar a ensiná-la em

um recinto fechado. Mestre Bimba fundou sua academia de capoeira denominada

Centro de Cultura Física Regional (CCFR).

No entanto, para Silva e Heine (2008), nos últimos anos, tem-se observado um

maior reconhecimento do potencial educativo da capoeira por meio de diversas

experiências práticas com essa modalidade no âmbito escolar e da aproximação

entre capoeira e o meio acadêmico, tendo este último manifestado posição favorável

à inclusão da capoeira como conteúdo do currículo escolar.

No âmbito internacional, a capoeira, de acordo com Falcão (2004), vem

sofrendo uma intensa difusão aos países centrais do capitalismo. Em contrapartida, é

muito raro o resgate histórico, politicamente comprometido, que dá visibilidade à

cultura africana.

Esse movimento de exportação da capoeira, transformando-a em mercadoria e

à esportivizando, leva a um esvaziamento cultural e histórico. Para Falcão (2004),

[...] a capoeira vem se inserindo de forma cada vez mais abrangente em vários setores da comunidade internacional. Como conseqüência, algumas bandeiras cultivadas e defendidas por seus precursores, como a oralidade, o improviso, a mandinga, a resistência cultural, são subestimadas, para darem lugar a outras categorias consideradas mais sintonizadas com o momento atual, tais como: “mercadoria étnica”, “folia de espírito”, “malhação” e “espetacularização” etc. (FALCÃO, 2004, p. 254).

Assim, é possível perceber que o significado da capoeira depende das

condições históricas da sociedade na qual está inserida e que ao longo do tempo vem

se transformando de acordo com as mudanças históricas e o próprio movimento do

mundo esportivo.

2 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO E O TRATO COM O CONHECIMENTO LUTAS NO CEDF/UEPA

O objetivo desta seção é apresentar alguns elementos que norteiam a

organização do trabalho pedagógico. Esta seção está organizada em três partes: na

primeira, aborda-se sobre a organização do trabalho pedagógico de forma ampla,

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explicitando aspectos gerais que o determinam. No segundo momento, são

abordadas implicações sobre a organização do trabalho pedagógico especificamente

sobre o conteúdo lutas, apresentando algumas indicações para organizá-lo na

formação inicial em Educação Física. E, na terceira parte, a partir da análise das

entrevistas e das ementas dos PPP de 1999 e 2007, sugerem-se indicativos para a

reformulação da disciplina FML do CEDF/UEPA.

2.1 A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO DO PROFESSOR

A organização da sociedade reflete na organização da escola que, por sua vez,

reflete na organização do trabalho pedagógico (OTP) em sala de aula. Assim,

entende-se que existem determinantes da OTP que estão além dos muros da escola

e a escola, situada no sistema capitalista de produção, incorpora alguns elementos do

processo de industrialização. Com isso, para compreender e transformar a OTP na

sala de aula é necessário compreender e transformar os sistemas político, econômico

e cultural, uma vez que a escola não é um mundo em si mesmo, não existe por si só,

refletindo as várias determinações da sociedade em que está inserida.

Dessa forma, compreende-se que aqueles que lutam por um projeto de

educação socialista/comunista precisam travar lutas para além das paredes da sala

de aula e para além dos muros da escola.

A maioria das escolas públicas está organizada para a formação de cidadãos

servis ao Estado e ao capital. O aligeiramento e a superficialização de estudos, tanto

no ensino básico quanto no ensino superior, é uma estratégia do Estado e dos

grandes empresários que tem como objetivo a formação de homens e mulheres que

não elaboram histórica, critica, política, criativa e livremente, porque desejam grandes

reservas de mercado para baixar salários e aumentar a mais valia.

Ao que parece, o Estado quer destruir o ensino público e gratuito (básico e

superior) e não se preocupa com a formação de pesquisadores em suas diversas

facetas (cientistas, filósofos, artistas, políticos). Como destacou Taffarel (2003, p. 01)

“Clama-se atualmente por uma ‘espécie em extinção’: os cientistas brasileiros. Mas

muito antes disso, fizeram-se outros clamores: clamava-se pelos professores”.

Portanto, não é interesse do Estado formar cidadãos críticos e criativos. Ele se insere

na dinâmica do setor produtivo e contribui apenas para formar força de trabalho servil.

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O Estado, concubinado com grandes empresários nacionais e internacionais,

deseja formar grandes reservas de mercado, baixar preços de salários, desqualificar

formações e controlar massas de trabalhadores. O descompromisso do Estado com o

ensino público e suas relações com os grandes empresários são expressas no

sucateamento da educação pública, por meio de cortes de verbas, dos baixos

salários dos professores, do fechamento de escolas públicas, da transferência de

verbas públicas para escolas privadas, etc. Taffarel (1993, p. 03) entende que “[...] a

situação precária em relação à formação acadêmica é historicamente determinada, é

comum à todas as áreas, e tem suas raízes para além da escola”.

Assim, fazem parte de suas estratégias, a separação entre concepção e

execução, entre pesquisadores e professores, entre trabalho manual e trabalho

intelectual, entre licenciatura e bacharelado, além do sucateamento, aligeiramento e

superficialização da formação, ou seja, negação de conhecimentos. Isso faz parte das

estratégias de dominação social e de classe. Possibilitar que a classe trabalhadora

acesse o que há de mais avançado em conhecimento é um perigo para os privilégios

do Estado e da classe hegemônica.

A escola, inserida no sistema capitalista de produção econômica, incorpora e

reproduz alguns elementos desse sistema. Além de conhecer as condições internas

que determinam a organização da escola, é preciso compreender contextos mais

amplos como os sistemas econômico e político no qual a escola está inserida.

Assim, o professor, inserido na escola capitalista, precisa ter claro na mente os

limites da atual escola e o projeto de sociedade pelo qual luta. Para Freitas (2010), o

professor deve compreender que a escola é apenas uma das instituições educativas

em uma sociedade responsável pela formação da juventude e que os conteúdos

tratados na escola devem ter origem na vida, social e natural, sistematizados pelas

ciências em forma de conceitos, procedimentos e categorias e não devem ter suas

contradições negadas.

Entendendo o trabalho de forma ampla, como meio de construção da vida, pelo

qual o homem transforma a natureza e a si mesmo de forma criativa, a escola deve

contribuir para a formação de sujeitos para além do mercado de trabalho, de modo

que estudantes possam se fundamentar científica, política, filosófica e artisticamente

como preparação para o mundo do trabalho.

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2.2 O PAR CONTEÚDO/METODOLOGIA E O CONHECIMENTO LUTAS

Tendo em vista a perspectiva de sociedade socialista/comunista, apresenta-se

indicações para proposições no campo do par dialético conteúdo/metodologia com o

ensino das artes de combate na formação inicial em Educação Física. Entende-se

que, além dos fundamentos técnico-desportivos, é importante compreender

determinantes históricos, políticos e econômicos que influenciam na organização do

trabalho pedagógico em sala de aula.

Desta forma, a formação pedagógica e a formação científica devem andar

juntas, porque a pesquisa é a base para o ensino. Para ensinar é preciso pesquisar.

Não há docência, sem discência (FREIRE, 2009). Assim, cursos de formação de

professores devem possibilitar o contato com fundamentações científicas e

pedagógicas para que os futuros professores não sejam meros reprodutores de

conhecimentos e tenham autonomia sobre suas práticas pedagógicas ao invés de,

simplesmente, reproduzirem aulas criadas por gestores escolares.

Para entender amplamente a OTP, historicizar as artes de combate deve ser

uma prioridade do ensino acadêmico, uma vez que possibilita a compreensão de

diversos outros aspectos como o político, o filosófico, o científico, o econômico, o

pedagógico e o técnico.

Mas é preciso levar em conta os limites da disciplina. Com uma carga horária

de apenas 80h/a, é impossível aprofundar tantas necessidades acadêmicas. Todavia,

essa disciplina é apenas um começo, uma vez que o presente estudo trata da

formação inicial. Estudos mais aprofundados são de responsabilidade de pós-

graduações. O dever da formação inicial é oferecer indicativos para futuros

aprofundamentos em formações continuadas.

Aqui se defende uma organização do trabalho pedagógico baseado num outro

projeto de sociedade, ou seja, entende que o ensino deve instrumentalizar os

educandos para lutas sociais mais amplas, procurando, como afirmou Medina (apud

TAFFAREL, 1993), interpretar a realidade dinamicamente, dentro de uma realidade,

sem considerar fenômeno algum de forma isolada. Entende-se que a educação deve

ser uma ferramenta para a instrumentalização e a posterior superação das lutas de

classes, como meio de transformação social, como um dos meios para a construção

de uma nova sociedade. Perspectiva que entende a necessidade de possibilitar aos

estudantes meios para desenvolver autonomia e criatividade, participando da gestão

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escolar, produzindo conhecimentos e compreendendo as condições materiais

objetivas que determinam suas realidades.

Acredita-se na Pedagogia Histórico-Crítica (PHC) como a perspectiva

pedagógica mais avançada e, baseado nela, apresentar-se-á indicativos para a OTP

do conteúdo lutas na formação inicial em Educação Física. Para Saviani (1997, p.

102), “[...] a concepção pressuposta nesta visão da Pedagogia Histórico-Crítica é o

materialismo histórico, ou seja, a compreensão da história a partir do

desenvolvimento material, da determinação das condições materiais da existência

humana [...]”.

Para Saviani (2009), o primeiro aspecto a ser tratado é a prática social, ou

seja, compreensão das condições materiais objetivas às quais professores e

estudantes estão sujeitos. Nessa perspectiva, as Lutas se configuram como uma

realidade que é vivenciada desde o início do processo de desenvolvimento da

espécie humana, como condição necessária para a sua sobrevivência e instrumento

primeira na ação organizada da classe trabalhadora.

Em seguida, a etapa na problematização, tem-se a identificação dos principais

problemas postos pela prática social. É um momento de detecção das questões que

precisam ser resolvidas no âmbito da prática social. Aqui se insere toda a carga

histórica que é negada aos indivíduos no que concerne ao conteúdo das Lutas. O

acesso aos seus fundamentos teóricos e práticos, assim como a sua história, são

conhecimentos distantes do espaço escolar e da formação em Educação Física.

Sabe-se pouco sobre as lutas, em geral apenas que se trata da mera disputa entre

dois indivíduos.

No terceiro momento, a da instrumentalização, tem-se a apropriação de

instrumentos teóricos e práticos necessários à resolução dos problemas identificados

na prática social. O conteúdo Lutas apresenta fundamentos comuns, produto da sua

formatação histórica, dentre eles cabe destacar: ataques e defesas, imobilização e

condução, domínio de ferramentas naturais e artificiais. Assim como, grande parte

das Lutas apresenta uma vinculação com conteúdos culturais de matriz filosófica e

social que garante certa unidade a elas.

O quarto passo é a catarse, “[...] momento da expressão elaborada da nova

forma de entendimento da prática social a que se ascendeu [...]. Trata-se da efetiva

incorporação dos instrumentos culturais, transformados em elementos ativos de

transformação social” (SAVIANI, 2009, p. 64). A organização do conteúdo Lutas

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necessita a devida dosagem dentro da formação inicial de professores, com o

objetivo de garantir a assimilação necessária de seus traços fundamentais gerais e

sua carga teórico/histórica.

Ao final, tem-se a prática social como ponto de chegada, onde os estudantes

não mais compreendem o conteúdo em termos sincréticos, mas sim de modo

sintético. Nesse momento, os estudantes conseguem compreender a prática social de

modo tão elaborado quanto era possível ao professor (SAVIANI, 2009). O

conhecimento acerca das Lutas deixa de ser, desse modo, uma correlação com as

práticas esportivas, nutridas de todos os valores que são particulares da sociedade

capitalista, e remete às Lutas uma carga histórico-social que fundamenta, em larga

escala, a sua existência, que moldou e está contido de modo essencial.

2.3 O CONTEÚDO LUTAS NO CEDF: INDICATIVOS PARA UMA NOVA PRÁTICA

De acordo com o atual PPP (Projeto Político Pedagógico), de 2007, do

CEDF/UEPA, a disciplina Fundamentos e Métodos das Lutas (FML) está organizada

no 3º semestre da matriz curricular e possui uma carga horária de 80h/a. Os dois

professores da disciplina que foram entrevistados, serão aqui denominados de

Professor I e Professor II.

Ambos os professores afirmaram que a disciplina do atual PPP oferece pouco

tempo para trabalhar com os conteúdos das lutas, principalmente no que se refere às

vivências práticas.

O Professor II afirma que os alunos, não apenas no que refere às lutas, mas

também às modalidades esportivas como futebol de campo, voleibol, basquete etc.,

têm poucas possibilidades de vivenciar esses conteúdos práticos da Educação Física

e se formam sem estar preparados para lecionarem tanto em academias quanto em

escolas. O professor sugeriu que os conteúdos voltassem a ser ministrados na

formação inicial como ocorria antes, onde os conteúdos práticos possuíam cerca de

um ano de vivências.

O Professor II propõe que, além da disciplina FML, onde são estudadas várias

lutas, deveriam existir disciplinas eletivas a partir de cada luta para que os alunos

tenham a oportunidade de escolher em que luta aprofundar seus estudos. Exemplifica

afirmando que um aluno, que escolhesse a disciplina karatê ou judô como eletiva,

receberia um certificado de faixa amarela no final da disciplina. Outra proposição feita

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pelo Professor II é que, logo no começo do curso, os alunos escolhessem uma luta

para treinar, o que levaria o aluno, ao final do curso, além do diploma de licenciatura,

receber um certificado de faixa preta.

Constata-se que ambos os professores falam da pequena quantidade de

tempo que o curso oferece para as vivências práticas, porém nenhum deles fala da

necessidade de projetos de pesquisa para qualificar o ensino, assim como possibilitar

maior inserção dos estudantes nas atividades de extensão universitárias.

O presente estudo não nega a importância dos fundamentos técnico-

desportivos para as aulas de Educação Física na formação inicial. Entende-se que a

universidade deve se desenvolver baseada no tripé ensino, pesquisa e extensão. Os

projetos de ensino e extensão, situados no ensino superior, devem ser pautados na

pesquisa. A pesquisa serve para qualificar o ensino dos professores universitários, e

o ensino, por sua vez, deve servir para instrumentalizar as vivências em projetos de

extensão que também funcionam como espaços para realização de pesquisas de

diversos tipos.

Compreende-se que uma disciplina como FML, onde várias lutas devem ser

tratadas em unidades, deve existir como preparação para estudos mais avançados

em disciplinas eletivas que, por sua vez, necessitam preparar os alunos para

formações continuadas. Além disso, a universidade precisa estimular o

desenvolvimento de grupos de pesquisa para fundamentar os projetos de ensino e

extensão e estimular estudantes e professores a publicarem em periódicos científicos

qualificados.

Acredita-se que, inicialmente, as pesquisas históricas são fundamentais,

porque permitem uma compreensão ampla de aspectos políticos, econômicos,

epistemológicos, pedagógicos, técnico-desportivos e técnico-artísticos.

A análise das ementas de FML, em ambos PPP, não apresenta indicações de

quais lutas devem ser trabalhadas. Mas, nas entrevistas, os professores comentam

quais lutas são priorizadas. O Professor I afirmou que trabalha com o karatê, o jiu-

jitsu e o judô, porque são lutas olímpicas e a capoeira por ser brasileira. O Professor

II afirmou que trabalha com o boxe, o karatê, a capoeira e o judô, justificando que

elas foram aceitas pelo grupo de trabalho em ocasião da formulação do PPP, em

1999, e pela maior aceitação da comunidade de uma forma geral.

O Professor I organiza o seu trabalho pedagógico em duas partes. No primeiro

momento, aborda os fundamentos históricos e, no segundo, os alunos entram em

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contanto com conhecimentos práticos sobre fundamentos técnico-desportivos. Para

ele, não cabe a esta disciplina a formação de faixas pretas e de lutadores de boxe e

capoeira. Ele entende que o objetivo da disciplina é preparar os alunos para

trabalharem na escola de modo que suas aulas sirvam para que os alunos de ensino

básico criem gosto pelas lutas e, posteriormente, procurem por academias.

Para o Professor II, a disciplina não é voltada para a competição, então são

abordados principalmente os fundamentos técnico-desportivos. Na entrevista, o

professor afirmou que os fundamentos técnicos trabalhados são andar no dojô,

cumprimentar, amarrar a faixa, aprender a cair, aprender a derrubar,

estrangulamentos e chave de braço.

O Professor II é mestre de judô e na fala sobre organização do trabalho

pedagógico acabou dando ênfase nos fundamentos técnicos desta arte de combate

japonesa. Entretanto, na pergunta sobre ementas, embora nas ementas não exista

indicação de quais lutas devem ser trabalhadas, o professor afirma que a disciplina

está organizada em unidades (karatê, judô, boxe e capoeira).

Fica explícito diferenças entre as organizações do trabalho pedagógico entre

os professores. O Professor I não trabalha com boxe, mas trabalha com jiu-jitsu,

enquanto que, no caso do Professor II, a situação é inversa, não trabalha com o jiu-

jitsu, mas trabalha com boxe. O Professor I afirmou que trabalha com fundamentos

históricos, enquanto que o Professor II falou apenas dos aspectos técnico-

desportivos. Foi o Professor II quem afirmou que o curso trabalha muito com teoria,

em detrimento da parte prática.

Ambos consideram importante oferecer aos alunos da formação inicial em

Educação Física conhecimentos sobre capoeira, judô e karatê. Porém, nenhum

professor falou sobre a importância de apresentar as características técnico-

desportivas e históricas em comum entre as lutas trabalhadas na disciplina, ou seja,

não há, explicitamente, uma unidade entre os conteúdos.

Portanto, fica expresso no plano teórico que o conteúdo lutas, no CEDF/UEPA,

é desenvolvido sem realizar a devida articulação com a crítica ao esporte de

rendimento e de que modo a esportivização incidiu nas lutas, em especial, nas artes

de combate japonesas (karatê e judô) e na capoeira. Assim como, é possível

constatar, que não há articulação do trato desse conteúdo com as suas possibilidades

de uso para o ambiente escolar, ou ainda, para o processo de iniciação a esse

conteúdo.

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Abordar o conteúdo lutas na formação inicial com vistas a construir uma base

para tratar pedagogicamente esse conteúdo no espaço da escola implica em

identificar o que se configura como fundamentos das lutas. Compreende-se que uma

disciplina de bases, como FML, precisa tratar o que garante unidade ao conteúdo, ou

seja, o que identifica esse conteúdo, que aqui se defende os seguintes conteúdos:

ataques e defesas, imobilização e condução, domínio de ferramentas naturais e

artificiais.

Essas formas gerais para o conteúdo lutas contribuem para consolidar a base

que identifica os seus fundamentos. Uma disciplina inicial precisa garantir essa

formação. Permeia, ainda, a necessária diferenciação entre os esportes e o campo

das lutas, que apresenta diferenças históricas e necessitam ser situadas. A base para

grande parte das lutas, e aqui se prioriza o bloco das artes de combate japonesas e a

capoeira, perpassam por uma dada concepção de sociedade e apresentam

densidade histórico-social particular que são distintas dos fundamentos dos esportes.

Essa disciplina base precisa ser prosseguida por uma de aprofundamento, que

garanta uma subunidade do que foi abordado na disciplina de fundamentos. Como

são dois grandes blocos de disciplinas, um de caráter oriental e outro de caráter

nacional (há possibilidade de tratar lutas regionalizadas como a agarrada marajoara),

disciplinas de aprofundamentos garantiriam um detalhamento desses blocos, em que

seria possível abordar em profundidade as suas bases históricas, sociais e culturais,

assim como os fundamentos técnicos gerais, a partir dos conteúdos unitários

abordados na disciplina de fundamentos, com a garantia de se visualizar bases

metodológicas para tratar pedagogicamente esse conteúdo.

Por fim, em nível de especialização em cada luta, cumpriria o papel de garantir

a vivência em cada luta desses dois blocos com o objetivo de ampliar o domínio

técnico sobre as movimentações particulares. As bases universais já seriam do

domínio dos estudantes no processo de formação de professores, a esse bloco de

disciplinas a especialização consolidaria o domínio sobre a luta selecionada.

Elabora-se, dessa forma, o processo de construção do conhecimento lutas a

partir da crítica radical ao processo de esportivização, garantindo o resgate da sua

densidade histórico-social, assim como possibilita que o futuro professor saiba

organizar o trabalho pedagógico a partir de uma clara perspectiva pedagógica, em

que se valoriza o processo de problematização do conhecimento para aborda-lo no

ambiente escolar.

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CONCLUSÃO

A pesquisa se lançou à analisar a realidade e as possibilidades de organização

do conteúdo lutas na formação de professores de Educação Física do CEDF/UEPA

para o trato desse conhecimento no ambiente escolar e à apresentar indicativos para

uma organização pedagógica superadora.

As análises das entrevistas dos professores da disciplina FML e das ementas

dos PPP de 1999 e 2007 do CEDF/UEPA revelaram que a disciplina não dialoga com

projetos de pesquisa e extensão e que não apresenta uma unidade que sintetize os

fundamentos em comum entre as diversas lutas. Também deixa claro que os

professores estão mais preocupados com o aprendizado técnico-desportivo do que

com fundamentações filosóficas, históricas e pedagógicas.

Alem do mais, não deixa explícito a crítica ao esporte de alto rendimento e de

como a esportivização incidiu nas lutas. Assim como, não enfatiza a necessidade em

diferenciar os esportes das lutas, sendo que cada um apresenta densidades histórico-

sociais que precisam ser devidamente compreendidas.

Esclarece, também, que apenas a disciplina FML não é suficiente para dar

conta da complexidade do conteúdo lutas na formação inicial em Educação Física e

que há necessidade da existência de outras disciplinas, obrigatórias e/ou eletivas,

específicas em cada arte de combate para que os alunos compreendam com maior

propriedade os conteúdos específicos de cada luta.

Entende-se que, em um curso superior de formação inicial de professores,

fundamentos históricos, filosóficos e pedagógicos sejam conhecimentos essenciais,

sem negar fundamentações técnicas, técnico-esportivas e artísticas, no caso da

Educação Física. Da mesma forma, realizar e compreender a crítica ao esporte de

rendimento e a necessidade de resgate dos fundamentos das lutas articulado com a

organização do trabalho pedagógico no processo de formação de professores desse

conteúdo.

Assim, aponta-se para a necessária organização de uma disciplina que

trabalhe os fundamentos das lutas em uma unidade, que apresente o que há de

comum entre as diversas lutas, oferecendo subsídios para estudos mais avançados

em disciplinas optativas que, por sua vez, devem preparar os alunos para a

intervenção no ensino escolar e para formações continuadas em cursos de pós-

graduação.

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THE BACKGROUND AND METHODS OF DISCIPLINE OF FIGHTS CEDF / UEPA IN TEACHER PREPARATION OF PHYSICAL EDUCATION FOR ACTION AT SCHOOL Abstract The research has as main objective to analyze the reality and the possibilities of content organization struggles in teacher of Physical Education Course (CEDF) of Pará State University (UEPA) for the treatment of this knowledge at school and present indicative for surpassing one educational organization. To this end, it is a historical concept of sport and historical context of some combat arts (karate, judo and capoeira), is presented theoretical foundations of educational work in general terms and, more specifically on arts fight. Interviews were analyzed conducted with teachers who work with discipline Fundamentals Methods of Fights (FML) and the menus of Political-Pedagogical Project 1999 and 2007 CEDF / UEPA. Analyses revealed that the discipline does not articulate teaching, research and extension, that teachers are more concerned with the technical knowledge and do not have a unit that synthesizes the fundamentals in common between the various struggles, do not critical to performance sport and do not emphasize the need to differentiate the sports fights. It was concluded that discipline is not enough to account for the complexity of the content struggles and points to the required organizational discipline that works the fundamentals of fights in a unit, showing commonalities between various struggles and to criticize the logic the performance sport, offering support for more advanced studies in compulsory and / or electives that, in turn, should prepare students for intervention in school education and continuing education in graduate courses. Keywords: Teacher training. The pedagogical work organization. Fights knowledge of the deal.

REFERÊNCIAS BRACHT, V. Sociologia crítica do esporte: uma introdução. Ijuí: EdUnijuí, 2005. FALCÃO, J.L.C. O jogo da capoeira em jogo e a construção da práxis capoeirana. 2004. 393 f. Tese (Doutorado)–Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2004. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2008. FREITAS, F.M.C. Judô: ética e educação: em busca dos princípios perdidos. Vitória: EDUFES, 2007. FREITAS, L.C. Projeto histórico comunista e educação. Germinal: marxismo e educação em debate, Londrina, v.2, n. 2, p. 207-214, ago. 2010. MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. A. Fundamentos de metodologia científica. São Paulo: Atlas, 2007.

Page 25: A DISCIPLINA FUNDAMENTOS E MÉTODOS DAS LUTAS DO … · pedagógicos que envolvem o trato do conteúdo lutas. A partir dessa exposição é que se lança o seguinte problema de pesquisa:

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REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTE. Repensando a História do Karatê Contada no Brasil, São Paulo, v. 25, n.2, p.297-312, abr./jun. 2011. SAVIANI, D. Escola e democracia. São Paulo: Autores Associados, 2009. _______. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. Campinas, Autores Associados, 1997. SILVA, G.O.; HEINE, V. Capoeira: um instrumento psicomotor para cidadania. São Paulo: Phorte, 2008. TAFFAREL, C.N.Z. A formação do profissional da educação: o processo de trabalho pedagógico e o trato com o conhecimento no curso de educação física. Campinas: Unicamp, 1993. TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.