A disponibilidade remunerada dos servidores públicos à luz da Constituição de 1988

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 B ras í l ia a. 35 n. 137 j an./mar. 1998 165 1. Considerações iniciais Prevista no parágrafo 3º  do artigo 41 da atual Constituição brasileira, a disponibilida- de remunerada dos servidores públicos tem tra- dicionalmen te recebido do legislador pátrio um tratamento variado e não poucas vezes desar- mônico em face de sua natureza jurídica. Talvez por esse motivo, doutrina e jurispru- dência apresentem-se tão oscilantes ao se apre- ciar o instituto, acarretando inúmeras dificul- dades àqueles que, notadamente na esfera ad- ministrativa, devem conferir aplicabilidade à disponibilidade. É preciso esclarecer que as dúvidas suscitadas não se referem unicamente ao aparato normativo que a regulamenta, mas estão voltadas à compreensão da real vocação e dos principais aspectos que envolvem a dis-  ponibilidade dos servidores públicos. O crescente interesse na matéria justifica- se, de um lado, em razão do incessante movi- mento de desestatização e do profuso emprego das concessões e permissões como formas de descentralização de serviços públicos. É que, A dis poni bil idade r emune rad a dos s erv idore s blic os à luz d a C ons tit uiç ão de 1988 G USTAVO  H ENRIQUE  J USTINO  D E  O LIVEIRA Gustavo Henrique Justino de Oliveira é Procu- rador do Estado do Paraná e Mestrando em Direito do Estado na Faculdade de Direito da USP. Prêmio Miguel Seabra Fagundes, outorgado pelo Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA), no concurso de monografias do XI Congres- so Brasileiro de Direito Administrativo (Vitória, 30.10 a 2.11.97). Ao trabalho original foram acres- centados itens relativos à evolução constitucional e legislativa do instituto. SUMÁRIO 1. Considerações iniciais. 2. A disponibilidade no direito positivo brasileiro. 2.1. O histórico cons- titucional do instituto. 2.2. A disponibilidade na Constituição de 1988. 2.3. O tratamento na legis- lação federal. 3. A natureza jurídica da disponibi- lidade. 4. Disponibilidade e estabilidade. 4.1. Dis-  ponibilidade e vitaliciedade. 5. Extinção e declara- ção de desnecessidade de cargos públicos. 6. O afas- tamento do servidor em disponibilidade. 7. A remu- neração na disponibilidade. 7.1. A posição do Su-  premo Tribunal Federal. 7.2. As vantagens excluí- das dos vencimentos de disponibilidade. 8. A figu- ra do aproveitamento. 9. Disponibilidade e Refor- ma Administrativa. 10. Conclusões.

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1. Considerações iniciaisPrevista no parágrafo 3º do artigo 41 da

atual Constituição brasileira, a disponibilida-de remunerada dos servidores públicos tem tra-dicionalmente recebido do legislador pátrio umtratamento variado e não poucas vezes desar-mônico em face de sua natureza jurídica.

Talvez por esse motivo, doutrina e jurispru-dência apresentem-se tão oscilantes ao se apre-ciar o instituto, acarretando inúmeras dificul-dades àqueles que, notadamente na esfera ad-ministrativa, devem conferir aplicabilidade àdisponibilidade. É preciso esclarecer que asdúvidas suscitadas não se referem unicamenteao aparato normativo que a regulamenta, masestão voltadas à compreensão da real vocaçãoe dos principais aspectos que envolvem a dis-ponibilidade dos servidores públicos.

O crescente interesse na matéria justifica-se, de um lado, em razão do incessante movi-mento de desestatização e do profuso empregodas concessões e permissões como formas dedescentralização de serviços públicos. É que,

A disponibilidade remunerada dosservidores públicos à luz da Constituiçãode 1988

GUSTAVO HENRIQUE JUSTINO DE O LIVEIRA

Gustavo Henrique Justino de Oliveira é Procu-rador do Estado do Paraná e Mestrando em Direitodo Estado na Faculdade de Direito da USP.

Prêmio Miguel Seabra Fagundes, outorgado pelo

Instituto Brasileiro de Direito Administrativo(IBDA), no concurso de monografias do XI Congres-so Brasileiro de Direito Administrativo (Vitória,30.10 a 2.11.97). Ao trabalho original foram acres-centados itens relativos à evolução constitucional elegislativa do instituto.

SUMÁRIO

1. Considerações iniciais. 2. A disponibilidade

no direito positivo brasileiro. 2.1. O histórico cons-titucional do instituto. 2.2. A disponibilidade naConstituição de 1988. 2.3. O tratamento na legis-lação federal. 3. A natureza jurídica da disponibi-lidade. 4. Disponibilidade e estabilidade. 4.1. Dis-

 ponibilidade e vitaliciedade. 5. Extinção e declara-ção de desnecessidade de cargos públicos. 6. O afas-tamento do servidor em disponibilidade. 7. A remu-neração na disponibilidade. 7.1. A posição do Su-

 premo Tribunal Federal. 7.2. As vantagens excluí-das dos vencimentos de disponibilidade. 8. A figu-ra do aproveitamento. 9. Disponibilidade e Refor-

ma Administrativa. 10. Conclusões.

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como reflexo da disseminação dos diversosmeios de parceria entre o poder público e osparticulares, grande número de cargos foramdeclarados desnecessários ou extintos. De ou-tro lado, as dificuldades financeiras enfrenta-das pelas administrações públicas de todas asesferas federativas colocaram a disponibilida-de em evidência, encarada como uma soluçãocapaz de abrandar a situação deficitária doscofres públicos, pois a remuneração dos servi-dores passaria, em tese, a ser proporcional aotempo de serviço.

No entanto, as propostas de alteração dotexto constitucional na parte concernente à Ad-ministração Pública, formuladas pelo GovernoFederal e inicialmente descritas no Plano-Di-retor da Reforma do Aparelho do Estado, têm

o condão de conferir novos contornos à dispo-nibilidade dos servidores públicos.A partir da vigente Carta Magna e das dis-

posições legais pertinentes, com suporte nas po-sições doutrinárias e decisões judiciais mais sig-nificativas, procurar-se-á examinar alguns dospontos controvertidos do instituto. Logo após,será apresentada a síntese das inovações suge-ridas na Proposta de Emenda à Constituiçãonº 173-A/95, na parte referente à disponibilida-de, seguida das conclusões finais do trabalho.

2. A d isponib i l idade no d i re i to posi t ivobrasi leiro

2 .1 . O h istó r ico const i t uc ional do inst i t u toAs duas primeiras Constituições da Repú-

blica silenciaram acerca do instituto da dispo-nibilidade. No entanto, é importante notar quea Carta de 1934, em seu artigo 1691, foi a res-ponsável pela inserção, em nosso Ordenamen-

to, da garantia da estabilidade dos servidorespúblicos.É com caráter abertamente sancionatório

que a disponibilidade remunerada do servidorpúblico aparece na realidade constitucional bra-sileira, no artigo 157 da Carta de 19372. Nesse

período, também as figuras da aposentadoria eda reforma (para servidores civis e militares,respectivamente) eram empregadas pela Admi-nistração como formas de punição disciplinar,em conformidade com o disposto no artigo 177do Texto Constitucional aludido.

Todavia, foi a Constituição de 1946 que ou-torgou à disponibilidade as notas hoje tidascomo essenciais a esse instituto, ao prescreverno parágrafo único do artigo 189 que

“extinguindo-se o cargo, o funcionárioestável ficará em disponibilidade remu-nerada até o seu obrigatório aproveitamen-to em outro cargo de natureza e vencimen-tos compatíveis com o que ocupava”.

Eis a gênese constitucional da concepçãogarantista da disponibilidade, imediatamente

relacionada à estabilidade conquistada pelos ti-tulares de cargos públicos após o interstício dedois anos de exercício, desde que nomeadosmediante aprovação em concurso público (ar-tigo 188, inciso I)3. Cumpre aduzir que, na ex-pressão concebida por Caio Tácito, o preceitodo Texto Constitucional de 1946 “era neutroquanto ao valor dos proventos”4.

A Carta de 1967 consolida a natureza jurí-dica do instituto ditada pela Constituição pre-cedente, acrescentando o critério da integrali-

dade da remuneração do servidor público colo-cado em disponibilidade, nos moldes do § 2ºdo artigo 99.

Entretanto, o artigo 6º do Ato Institucionalnº 5, de 13.12.68, determinou que o ato de dis-ponibilidade possibilitaria “vencimentos e van-tagens proporcionais ao tempo de serviço”. Emdecorrência da alteração proposta e por impo-sição do Ato Complementar nº 40, de 30.12.68(ratificado pelo artigo 3º do Ato Institucionalnº 6, de 1º.2.69)5, inseriu-se a declaração de

1"Os funcionários públicos, depois de dois anos,quando nomeados em virtude de concurso de pro-vas, e, em geral, depois de dez anos de efetivo exer-cício, só poderão ser destituídos em virtude de sen-tença judiciária ou mediante processo administrati-

vo, regulado por lei, e no qual lhes será asseguradoplena defesa”. Cf. MIRANDA, Pontes de. Comen-tários à Constituição da República dos E.U. do

 Brasil. Rio de Janeiro : Guanabara, 1934. v. 2. 2 O artigo indigitado estipulava que “poderá ser

posto em disponibilidade, com vencimentos propor-

cionais ao tempo de serviço, desde que não caiba nocaso a pena de exoneração, funcionário civil queestiver no gozo das garantias de estabilidade, se, a

 juízo de uma comissão disciplinar nomeada pelo mi-nistro ou chefe de serviço, o seu afastamento do exer-cício for considerado de conveniência ou de interes-se público”.

3 Em decorrência do artigo 188, inciso II, a esta-bilidade era igualmente conquistada por aquelesservidores não nomeados por concurso público, masapós cinco anos de desempenho de suas atividades.

4 A disponibilidade na Constituição de 1988 :parecer. Revista de Direito Público, São Paulo, v.24, n. 96, p. 95, out./dez. 1990.

5 Insta destacar que no período ditatorial um atocomplementar tinha o condão de sustar a eficáciade um preceito da Constituição, o qual, nominal-

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desnecessidade do cargo como motivo a ense- jar a disponibilidade do servidor, sem a obri-gatoriedade de aproveitamento.

Com o advento da Emenda Constitucionalnº 1, de 17.10.69, o instituto volta a ter umcaráter de punição disciplinar. Consagradas asmudanças previstas nos diplomas ditatoriaiselencados, a disponibilidade dos servidorespúblicos passa a ser prevista no parágrafo úni-co do artigo 100, segundo o qual “extinto ocargo ou declarada pelo Poder Executivo a suadesnecessidade, o funcionário estável ficará emdisponibilidade remunerada, com vencimentosproporcionais ao tempo de serviço”.

2 .2 . A disponibi lidade na C onst i t uição de 1 9 8 8Não seria incorreto sustentar que o legisla-

dor constituinte de 1988 buscou inspiração naCarta de 1946 no que tange ao tratamento cons-titucional da disponibilidade remunerada.

Reintroduzindo claramente a função garan-tista do instituto, o § 3º do artigo 41 da LeiMaior, ao determinar que “extinto o cargo oudeclarada sua desnecessidade, o servidor está-vel ficará em disponibilidade remunerada, atéseu adequado aproveitamento em outro cargo”,concede um forte instrumento de proteção aoservidor público que adquiriu a estabilidade,

nos moldes do caput do mesmo artigo 41.Com efeito, além de afastar a utilização doinstituto para fins sancionatórios6, a Constitui-ção de 1988 deixa claro ser a disponibilidade“autêntica garantia do servidor público está-vel”, pois na hipótese de extinção ou declara-ção de desnecessidade do cargo do qual o mes-mo é titular, haverá a obrigatoriedade de pre-servação do vínculo por ele mantido com a Ad-ministração Pública. Outra não é a ilação queemana da cristalina dicção do § 1º do artigo

41, em razão do qual “o servidor público está-vel só perderá o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado ou mediante pro-cesso administrativo em que lhe seja assegura-da ampla defesa”.

A exemplo do ocorrido na Constituição de1946, não é possível encontrar na Constitui-

ção vigente um dispositivo expresso acerca docritério – se integral ou proporcional ao tempode serviço – da remuneração do servidor públi-co colocado em disponibilidade. Insta perqui-rir se o legislador ordinário, ou mesmo o cons-tituinte estadual, teria amplos poderes paraoptar por uma ou outra forma de cálculo, ou,por outro lado, do próprio Texto Constitucio-nal afloraria a integralidade ou proporcionali-dade dos valores a serem pagos ao servidor dis-ponível.

Finalmente, há uma situação inovadora ebastante peculiar, elencada no § 2º do artigo41. Diante da reintegração de servidor públicoestável, motivada pela decretação judicial deinvalidade de sua demissão, o eventual ocupan-te da vaga será reconduzido ao cargo originá-

rio (sem direito à indenização) ou aproveitadoem outro cargo. Em não sendo viável a adoçãodas medidas arroladas, o “eventual ocupanteda vaga” deverá ser posto em disponibilidaderemunerada.

2.3. O tratamento na legislação federalA evolução do tratamento legislativo con-

cedido à disponibilidade dos servidores públi-cos obviamente guarda identidade com o pa-norama constitucional apresentado.

Editado à luz da Constituição de 1937, oDecreto-Lei nº 1.713, de 28.10.39, (Estatutodos Funcionários Públicos Civis da União) re-flete o teor predominantemente punitivo da dis-ponibilidade. Embora admita que o servidorseja colocado em disponibilidade, por intermé-dio de decreto, quando seu cargo tenha sidosuprimido por lei, inexistindo possibilidade doaproveitamento de seu titular em outro cargoequivalente (art. 193, inciso II), estipula a mes-ma providência quando “tendo adquirido esta-

bilidade, o seu afastamento for considerado deconveniência do interesse público e não cou-ber demissão” (art. 193, inciso I). O afastamen-to do servidor era atribuição de uma comissãodisciplinar, designada pelo Ministro de Estado(art. 193, parágrafo único). A retribuição pe-cuniária haveria de ser proporcional ao tempode serviço e calculada na razão de um trintaavos por anos de serviço público, não deven-do, porém, ser inferior a um terço do venci-mento ou remuneração da atividade (art. 194).

O Estatuto dos Funcionários instituído pelaLei federal nº 1.711, de 28.10.52, declarava quena hipótese de extinção do cargo, seu ocupanteficaria em disponibilidade, percebendo os mes-mos valores referentes ao vencimento ou re-

mente, continuava em pleno vigor. Essas alteraçõeseram corroboradas pelos atos institucionais, queconferiam nova redação aos dispositivos constituci-

onais.6 Em face do disposto no artigo 93, inciso VIII,da Constituição em vigor, a disponibilidade perma-nece em nosso Ordenamento como medida discipli-nar quando aplicada aos magistrados. A questão seráaprofundada no item 4.1.

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muneração, permanecendo nessa situação “atéseu obrigatório aproveitamento em outro car-go de natureza e vencimento compatível com oque ocupava” (art. 174, caput ). Estipulava que“restabelecido o cargo, ainda que modificadasua denominação, será obrigatoriamente apro-veitado nele o funcionário posto em disponibi-lidade quando da sua extinção” (art. 174, pa-rágrafo único).

Sob a égide da Constituição de 1967, regu-lamentando o preconizado pelo art. 99, § 2º,com a redação original alterada pelo AC nº 40/ 69 e AI nº 6/69, foi editado o Decreto-lei nº489, de 4.3.69. A remuneração era proporcio-nal ao tempo de serviço, “na razão de trinta ecinco avos por ano de serviço, se do sexo mas-culino, ou de um trinta avos, se do sexo femi-

nino, acrescidos dos adicionais por tempo deserviço, à data da vigência deste decreto-lei”(art. 3º). Com o advento da Lei federal nº 6.943,de 14.09.81, o caput do art. 1º assegurava aosservidores aposentados ou postos em disponi-bilidade, com proventos proporcionais, retri-buição básica nunca inferior a 90% (noventapor cento) do maior salário mínimo vigente noPaís.

O texto primitivo da Medida Provisória nº150, de 15.3.90, pretendeu dar, a partir do in-

ciso IV do artigo 28, nova disciplina ao insti-tuto da disponibilidade, estabelecendo a pro-porcionalidade da remuneração. No processode conversão da medida provisória na Lei nº8.028, de 12.4.90, o critério proporcional daretribuição foi suprimido. O Decreto nº 99.251,de 11.5.90 foi editado em seguida, e imediata-mente revogado pelo de nº 99.256, de 15.5.90.Com propósito idêntico, posteriormente foi ex-pedido o Decreto nº 99.300, de 15.6.90, o qualteve declarada pelo Supremo Tribunal Federal

(ADIn nº 313-DF. RTJ, nº137,984) a incons-titucionalidade de seus artigos 1º e 2º.Atualmente aplica-se à matéria os artigos

30 a 32 da Lei federal nº 8.112, de 11.12.90,(Regime Jurídico Único dos Servidores Públi-cos Civis da União), diploma que permaneceusilente em relação ao critério da remuneraçãoda disponibilidade.

3. A natureza jurídica da disponibi l idade

É a disponibilidade remunerada uma ga-rantia especial do servidor público estável enão mera vantagem, prerrogativa ou benefíciofuncional. Portanto, toda e qualquer constru-ção teórica a respeito de sua natureza jurídica

não pode desconsiderar o fato, e isso com su-porte no Texto Constitucional de 1988, de tra-tar-se a disponibilidade de uma manifestação edimensão da estabilidade7.

Como regra geral, o servidor aprovado emconcurso público regular, após o cumprimentodo estágio probatório, adquire a estabilidadeno serviço público e, por via de conseqüência,tem assegurado constitucionalmente o direitode não ser excluído dos quadros de pessoal, emvirtude da extinção do cargo ou da declaraçãode sua desnecessidade. Cabe aduzir que o Su-premo Tribunal Federal, a partir de uma inter-pretação lógico-sistemática do Texto Constitu-cional, com a observância conjunta do dispos-to nos artigos 37 e 41, bem como do artigo 19do ADCT, estendeu a garantia da disponibili-

dade remunerada aos ocupantes de empregospúblicos, desde que estáveis (MS 21.236-5-DF. DJU , 25 ago.1995, RT, n. 722, p. 347).

A doutrina brasileira há muito procura im-primir ao regime decorrente da disponibilida-de um tratamento similar àquele da inativida-de definitiva, ou seja, da aposentadoria. Tal as-sertiva pode ser comprovada em face da defi-nição formulada por Maria Sylvia Zanella DiPietro, para quem é a disponibilidade “a ga-rantia de inatividade remunerada, assegurada

ao servidor estável, em caso de ser extinto ocargo, ou declarada a sua desnecessidade”8.Embora a realidade do servidor disponível

encontre-se bastante próxima daquela presen-ciada pelo servidor aposentado, demonstra-secontraproducente nivelar as duas situações, comos objetivos de (i) propiciar a extensão à dispo-nibilidade dos parâmetros axiológicos fixadospara a aposentadoria e (ii) intentar uma supos-ta aplicação analógica da normatização desti-nada à aposentadoria.

Convém advertir que, se utilizada a dispo-nibilidade para fazer as vezes de sanção disci-plinar – ressalvada a previsão constitucionalatinente aos magistrados – ou ainda para a ou-

7 Sérgio de Andréa Ferreira assevera ser a dis-ponibilidade “o desdobramento da garantia da esta-bilidade, quando o interesse público exige altera-ções nos quadros funcionais e na organização admi-nistrativa, cuja mutabilidade é atributo que lhe éínsito, e realidade inexorável” (Comentários à Cons-tituição. Rio de Janeiro : Freitas Bastos, 1991. v. 3,

p. 480).8 Embora refira-se textualmente à garantia, re-gistra ser a disponibilidade um dos direitos – ao ladoda reintegração e do aproveitamento – decorrentesda estabilidade. Direito Administrativo. 7. ed. SãoPaulo : Atlas, 1996. p. 378.

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torga, por parte de uma autoridade administra-tiva, de um “privilégio” a servidores de umadada carreira –, ou seja, o incentivo de umadespropositada e imoral “ociosidade remune-rada” –, configurada estará a ilegal e ilegítimaaplicação do instituto, fato que acarretará suainvalidação.

4. Disponibi l idade e estabi l idadeJosé Afonso da Silva sustenta ser a dispo-

nibilidade remunerada um efeito decorrente,não somente da estabilidade dos servidores, mastambém da vitaliciedade adquirida por magis-trados, membros de Tribunal de Contas e doMinistério Público, em virtude da própria na-tureza dos cargos dos quais sejam titulares9.

Preenchidas as condições eleitas pelo legis-lador constituinte como as necessárias para aconquista da estabilidade (artigo 37, notada-mente incisos I e II; artigo 41, caput ), ao servi-dor é concedido o direito de permanência noserviço público. Porém estabilidade não impli-ca proibição do desfazimento do vínculo man-tido pelo servidor estável com a Administra-ção Pública. Ao contrário, exige a “definiçãode critérios objetivos e impessoais para que oservidor seja afastado de suas funções”10.  Emrazão do disposto no § 2º do art. 41 da LeiMaior a demissão ocorrerá tão-somente medi-ante sentença judicial transitada em julgado ouapós processo administrativo em que lhe sejagarantida a ampla defesa.

É sabido que a Constituição de 1988 insti-tuiu no caput do artigo 41 a estabilidade ordi-nária, que não prescinde do atributo da efeti-vidade (artigo 37, inciso II), ou seja, da nomea-ção para cargo cujo provimento a lei estabele-ça ser levado a efeito mediante a aprovação em

concurso público. A efetividade permite a con-tinuidade do titular do cargo no desempenho

das funções a ele inerentes11. Todavia, indepen-dentemente de efetividade, o caput do artigo19 do ADCT criou a rotulada estabilidade ex-traordinária. Os servidores ali elencados nãosão considerados titulares dos cargos que ocu-pam, mas gozam de uma estabilidade especialno serviço público. A despeito da ausência deefetividade desses servidores (esta poderá seradquirida posteriormente, ex vi do § 1º do arti-go 19 do ADCT), conclui-se que a garantia dadisponibilidade destina-se igualmente a eles,pelo simples fato da própria Constituição tê-la jungido, e isto de modo expresso, à estabilida-de, e não à efetividade12.

Por outro lado, cumpre assinalar que a si-tuação de disponibilidade prevista no § 2º doartigo 41 da Lei Maior excepciona a regra ge-

ral inserida no § 3º

do mesmo dispositivo edeve ser interpretada diferentemente13. Assim,se o eventual ocupante do cargo a ser nova-mente preenchido pelo servidor reintegrado porvia judicial ainda estiver cumprindo o biênioreferente ao estágio probatório, e não puder serreconduzido ao cargo de origem ou aproveita-do em outro cargo, também deverá ser postoem disponibilidade. Configurando hipótese dis-tinta daquelas concebidas pelo constituintecomo determinantes do fenômeno da disponi-

bilidade remunerada – extinção ou declaraçãode desnecessidade do cargo – ainda que não

9 No primeiro caso, seria a disponibilidade re-flexo da extinção ou da declaração de desnecessi-dade do cargo, até o adequado aproveitamento doservidor; no segundo, adviria tão-somente da extin-ção do cargo do titular. Em ambas as hipóteses, en-tretanto, o autor reputa serem devidos vencimentosintegrais. Curso de Direito Constitucional positi-vo. 6. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1990.p. 582.

10 MELLO, Magno Antônio Correia de.  Buro-cracia, modernidade e reforma administrativa. Bra-sília : Brasília Jurídica, 1996. p. 52. Explicitando,assevera o autor que a “estabilidade não é, assim, ainviabilização da despedida, mas sua subordinaçãoa critérios previamente definidos” (Ibidem).

11 Está registrado em recente julgado do Supre-mo Tribunal Federal: “Não há que confundir efeti-vidade com estabilidade. Aquela é atributo do car-go, designando o funcionário desde o instante danomeação; a estabilidade é aderência, é integraçãono serviço público, depois de preenchidas determi-nadas condições fixadas em lei, e adquirida pelodecurso de tempo” (2ª T. Recurso Extraordinário nº167.635-PA. Relator Ministro Mauricio Correa,

 DJU , p. 1.355, 7 fev. 1997). No mesmo sentido, STJ.2ª T. ROMS nº 663-RN. Relator Ministro VicenteCernicchiaro. DJU , p. 15.350, 17 dez. 1990.

12 Para Adilson Abreu Dallari, “só tem direito àdisponibilidade quem for estável, sendo irrelevantea circunstância de ser ou não efetivo” ( Regime cons-titucional dos servidores públicos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. p. 96). Ligando a dis-ponibilidade à efetividade, FERREIRA FILHO,Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição

 Brasileira de 1988. São Paulo : Saraiva, 1990. v. 1,p. 273.

13 Estipula o § 2º do artigo 41: “Invalidada porsentença judicial a demissão do servidor estável, seráele reintegrado, e o eventual ocupante da vaga re-conduzido ao cargo de origem, sem direito a indeni-zação, aproveitado em outro cargo ou posto em dis-ponibilidade”.

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estável, no caso previsto no § 2º do artigo 41 oservidor não poderá ser demitido. Logo, em quepese a sua não-estabilização no serviço públi-co, a disponibilidade remunerada do mesmo, aqual rotula-se especial, seria absolutamentelegítima14.

4.1. Disponibi l idade e vital ic iedadeNo que tange à vitaliciedade, atributo in-

trínseco a determinados cargos públicos, a dis-ponibilidade há de ser apreciada sob dois dife-rentes aspectos. Inicialmente, é preciso salien-tar que o agente público vitalício (melhor seriadizer vitaliciado) perde o cargo tão-somentepor intermédio de sentença judicial transitadaem julgado (CF, art. 95, inciso I e art. 128, §5º, inciso I, a). Concorda-se com a posição de

José Afonso da Silva, para quem o reiterada-mente mencionado § 3º do artigo 41 da LeiMaior aplica-se também aos servidores vitalí-cios15. Sem embargo, no Recurso Extraordiná-rio nº 164.817-RJ ( DJU , p. 19.303, 5. ago.1994), o Supremo Tribunal Federal analisoupretensão de Conselheiro de Contas dos Muni-cípios do Estado do Rio de Janeiro, em dispo-nibilidade em razão da extinção desse órgão,direcionada a seu aproveitamento em vaga deConselheiro do Tribunal de Contas do Estado. O

Excelso Pretório concluiu ter o artigo constitucio-nal indigitado como destinatário unicamente“o servidor estável, não se podendo apli-car por analogia por constituir, no siste-ma constitucional, exceção à vedação daforma de investidura derivada como é oaproveitamento, em face da exigência doconcurso público, nos termos do incisoII do artigo 37 da Carta Magna”16.

Todavia, além do caráter garantista da dis-ponibilidade, a mesma figura assume feiçõespunitivas, e isso em função do disposto no arti-go 93, inciso VIII da Constituição de 1988. Aolado da remoção e da aposentadoria, os magis-trados podem ser colocados em disponibilida-de “por interesse público”, após decisão toma-da por dois terços do respectivo Tribunal, ga-rantida a ampla defesa. O processo correspon-dente à decretação da disponibilidade comopena disciplinar vem previsto na Lei Orgânicada Magistratura Nacional – Lei Complemen-tar nº 35, de 14.3.79 – notadamente nos arti-gos 27, 28, 42, inciso IV, e 4617. Por sua cono-tação punitiva, a remuneração é proporcionalao tempo de serviço (artigo 45, inciso II)18.

5 . Ext inção e declar ação d edesnecessidade de cargos públicosOs quadros de pessoal da Administração Pú-

blica são criados e organizados visando aten-der, em um dado momento, uma necessidadeespecífica da comunidade, servindo, assim, deinstrumental para a prestação de serviços pú-blicos. No entanto, alterações são passíveis deocorrer, uma vez que determinada atividadepode deixar de ser qualificada como serviço

público, ensejando o esvaziamento das atribui-ções inerentes a um cargo público isolado, ouainda tornar desnecessária a manutenção detoda uma categoria de servidores. Para Diogode Figueiredo Moreira Neto, “o interesse pú-blico é a única razão na existência de um cargopúblico; vale dizer, deixando de existir tal in-

14 Defendendo entendimento diverso, Celso An-

tônio Bandeira de Mello sustenta que o § 2º do arti-go 41 há de ser interpretado frente ao parágrafo quelhe precede. Ademais, durante o estágio probatórioo servidor é avaliado pela administração, a qual,antes da conclusão do biênio, não teria condiçõesde afirmar ser o mesmo detentor das qualidade sufi-cientes para a permanência no serviço público.

15 Em aresto peculiar, o Tribunal de Justiça doEstado do Paraná assegurou a subsistência do atode nomeação de auditor da Corte de Contas Parana-ense vitaliciado, ressaltando que o mesmo, em vir-tude de estar o aludido cargo ocupado por outrem,ficaria em disponibilidade remunerada, com proven-tos integrais (Mandado de Segurança nº 35.304, Ór-gão Especial. Relator: Desembargador CordeiroMachado, DJ , 18 abr. 1991).

16 No mesmo sentido, STJ. 2ª T. ROMS. nº1.730-RJ, Relator: Ministro Hélio Mosimann, DJU ,

p. 453, 1º fev. 1993. Destoando da posição apresen-tada, embora julgado em face da Constituição de1946, STF. Recurso Extraordinário nº 64.526, Re-

lator: Ministro Thompson Flores, DJU , p. 5.847, 5dez. 1960. Contudo, insta observar que a Carta de1988 admite a disponibilidade de membros da Ma-gistratura e do Ministério Público, respectivamentenos arts. 95, parágrafo único, inc. I, e 128, § 5º, inc.II, d .

17 No ROMS nº 7.012-RS, a 1ª Turma do Supe-rior Tribunal de Justiça reconheceu a recepção daLei Complementar nº 35/79 pela Constituição vi-gente, afirmando que a disponibilidade dos magis-trados, nesse caso específico, constitui-se em uma“limitação à garantia da vitaliciedade” (Relator:

Minitro Demócrito Reinaldo.  DJU , p. 50.748, 16dez. 1996).

18 Sustentando que a hipótese de proporcionali-dade estaria restrita aos magistrados, FIGUEIRE-DO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo.2. ed. São Paulo : Malheiros, 1995. p. 401.

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teresse, não há motivo para mantê-lo”19.Exemplificando, o interesse público pode

direcionar-se à descentralização de determina-do serviço, hoje uma constante na busca dosnovos contornos do Estado Contemporâneo, le-vando à declaração de desnecessidade dos car-gos a esse serviço relacionados, podendo re-sultar ainda na extinção dos mesmos20. Podeinclusive ser decorrência de uma racionaliza-ção das atividades estatais, em face do preceitoconstitucional insculpido no artigo 169, com-binado com o artigo 38 do ADCT.

Logo, parece correto sustentar que“extingue-se o cargo que se mostrar de-finitivamente dispensável, supérfluo ouinconveniente à finalidade pública, edeclara-se desnecessário o cargo que se

apresentar nessas condições, apenas tem-porariamente, com perspectivas de reco-brar sua finalidade após o decurso dedeterminado lapso de tempo”21.

Encontram-se no Texto Constitucional re-gras expressas atinentes à competência para aextinção de cargos públicos. Extensivamente,esses comandos constitucionais podem ser apli-cados à declaração de desnecessidade. A regrageral está inserida no art. 48, inciso X, reser-vando-se ao Congresso Nacional a atribuição

legislativa para dispor sobre a “criação, trans-formação e extinção de cargos, empregos e fun-ções públicas”. Com relação aos cargos públi-cos federais do Poder Executivo, cabe privati-vamente ao Presidente da República prover eextingui-los, na forma da lei (art. 84, incisoXXV)22. A mesma sistemática há de ser segui-

da, por coerência, no âmbito estadual e muni-cipal.

Registrada a competência para proceder àextinção ou declaração de desnecessidade docargo, emerge a problemática da forma pelaqual devem revestir-se esses provimentos. Peloprincípio do paralelismo ou homogeneidade dasformas, sendo os cargos criados por lei, por leidevem ser extintos23. Há opiniões, no entanto,que apontam para a necessidade de uma lei queestipulasse previamente parâmetros objetivosnão somente para a extinção, mas sobretudopara a declaração de desnecessidade de cargos24.

O Supremo Tribunal Federal, reformulan-do tendência apresentada no julgamento daADIn nº 313-5-DF (liminar.  RTJ , n. 137, p.519; mérito, RTJ, n. 137, p. 984), decidiu “que

a extinção do cargo e a declaração de sua des-necessidade decorrem de juízo de conveniên-cia e oportunidade formulado pela Adminis-tração pública, prescindindo da edição de leiordinária que as discipline” (MS nº 21.227. j.5. ago. 1993.  RDA, n. 195, p. 51)25. Consoli-dando essa orientação, no Recurso Extraordi-nário nº 141.571-PR ( DJU p. 30.601, 22 set.1995) foi declarada a auto-aplicabilidade daregra constitucional inserida no § 3º do art.

19 Curso de direito administrativo. 11. ed. Riode Janeiro : Forense, 1996. p. 212.

20 Nos casos de descentralização de serviços

públicos o caminho mais correto encontra-se na de-claração de desnecessidade do cargo. É que, duran-te o prazo de duração do contrato, poderá ocorrer aextinção da concessão, pelo advento de quaisquerdas hipóteses elencadas no art. 35, da Lei federal nº8.987, de 13.2.95, devendo a Administração revita-lizar o cargo.

21 MELLO, Célia Cunha. Extinção e declaraçãode desnecessidade de cargo público. Boletim de Di-reito Administrativo, São Paulo, v. 11, n. 7, p. 385,

 jul. 1995.22 Quanto à extinção dos cargos do legislativo, a

Lei Maior confere competência privativa à Câmarados Deputados e ao Senado Federal, respectivamen-te, nos artigos 51, inc. IV e 52, XIII. Por seu turno, oart. 96, inc. II, b, outorga legitimidade ao STF, aosTribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça parapropor ao respectivo Poder Legislativo a extinção

de cargos de seus membros, dos juízes, inclusivedos tribunais inferiores, onde houver, dos serviçosauxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados.

23 O Decreto-Lei nº 489/69 estabelecia que aextinção de cargo, na administração direta, deveriaser levada a efeito por intermédio de lei; a extinçãode cargos na administração indireta, bem como adeclaração de desnecessidade de cargos, em qual-quer caso, far-se-ia por “ato do Poder Executivo”(art. 1º, § 2º). Pela vigência do diploma federal, emvirtude de sua compatibilidade com a Carta de 1988,conferir TÁCITO, Caio. A disponibilidade na Cons-

tituição de 1988 : parecer. Revista de Direito Públi-co, São Paulo, v. 24, n. 96, p. 96-98, out./dez. 1990.Em defesa da não recepção pelo atual Texto Consti-tucional, apreciar o voto do Ministro Paulo Bros-sard, Relator da ADIn 313-5-DF.  RTJ , nº 137, p.1003, o qual sustenta que o Decreto “visava regulara disponibilidade punitiva, introduzida após o AI-5pelo Ato Complementar n. 40, ratificado pelo AI-6”.

24 É o entendimento de MELLO, Celso AntônioBandeira de. Regime constitucional dos servidoresda administração direta e indireta. São Paulo : Re-

vista dos Tribunais, 1990. p. 103 e DALLARI, Adil-son Abreu.  Regime constitucional dos servidores

 públicos. 2. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais,1990. p. 101.

25 No mesmo sentido, MS nº 21.236-5-DF. 20de abril de 1995.  RT, n. 722, p.347.

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41, bem como reconhecidos como destinatári-os da norma os servidores do Legislativo, Exe-cutivo e do Judiciário, indistintamente26.

Em que pese ao entendimento jurispruden-cial esposado, concorda-se com Celso AntônioBandeira de Mello, pois “assim como o Chefedo Executivo só pode extinguir cargos ‘na for-ma da lei’, analogamente, só poderá declarar-lhes a desnecessidade nos termos por ela pre-vistos, isto é, nos casos e condições que previ-amente assinale”27. Acrescente-se que ao ladoda observância a esses critérios legais estaria aexigência de expressa motivação do ato, con-substanciada em análises e levantamentos deordem técnica que atestariam o caráter supér-fluo de determinados cargos. Com base nessediploma legal, e isto na esfera do Poder Execu-

tivo, optando-se pela declaração de desneces-sidade do cargo, deverá haver a edição de de-creto motivado do Presidente, Governador ouPrefeito; decidindo-se pela extinção dos car-gos, para salvaguarda do princípio constituci-onal da impessoalidade, defende-se a necessá-ria edição de lei formal, cuja iniciativa compe-tiria às mesmas autoridades, nos termos acimaexpostos.

6 . O afast ament o d o ser vidor emdisponibi l idade

Nas palavras do Ministro Nelson Jobim,“a disponibilidade deve aplicar-se porcurtos períodos de tempo, de duraçãoapenas bastante para que a administra-ção adote as providências necessáriaspara o devido aproveitamento do servi-dor, e apenas quando isso não se possadar de imediato”28.

Convém esclarecer que o afastamento doservidor estável posto em disponibilidade étransitório, precário, ainda que por prazo in-determinado. Costuma-se qualificar a situaçãodo servidor disponível como sendo de inativi-dade, similar à situação gerada pela aposenta-doria. Todavia, aposentadoria e disponibilida-de devem ser encaradas como situações distin-tas, sem prejuízo de perceptíveis pontos de con-tato entre os dois institutos. Bem por isso, ra-zão assiste a Carlos Ayres Britto, para quem osservidores em disponibilidade não são “aposen-tados temporários”, e sim “servidores tempo-rariamente sem função”29. Reproduzindo opi-nião emitida em 1929 pelo saudoso MinistroOctávio Kelly, lembrado pelo Ministro PauloBrossard em seu voto na ADIn nº 313-DF, o

servidor disponível é “um funcionário ativo, emexercício virtual” ( RTJ , n. 137, p. 1007)30.Em assim sendo, a disponibilidade encerra

um afastamento remunerado do servidor está-vel do exercício de suas funções. Porém o “des-ligamento” é absolutamente circunstancial eprovisório e decorre (com exceção do artigo 93,inciso VII, da Constituição) tão-somente de trêshipóteses: (i) extinção do cargo, (ii) declara-ção de sua desnecessidade, e (iii) reintegraçãode servidor ilegalmente demitido, diante da

impossibilidade do ocupante atual do cargo serreconduzido ao cargo anteriormente ocupadoou aproveitado em outro similar. Configuradauma dessas situações, o servidor público passaa não mais desempenhar suas funções, mas nãoindefinidamente, pois deve aguardar que o Po-der Público promova o seu adequado aprovei-tamento, quando então voltará a exercer fun-ções compatíveis com aquelas relativas ao car-go do qual era titular. Pode ocorrer também a

26 Nessa ocasião, decidiu-se inclusive que “porestar a disponibilidade jungida à conveniência e àoportunidade, não há cogitar-se da observância dodevido processo legal, albergada a fase alusiva aoexercício do direito de defesa”.  No Mandado deSegurança nº 21.164-DF, o STF entendeu que o fatode o servidor público encontrar-se no gozo de licen-ça para trato de interesses particulares não gerariadireito líquido e certo de ver o respectivo cargo ex-cluído do rol daqueles declarados como desneces-sários ( DJU , p. 3.054, 22 mar, 1991).

27 Op. cit., p. 103.28 Parecer nº 74 (art. 37, 39 e 41) : Acumulação

de proventos, regime jurídico único e remuneraçãoe disponibilidade. Brasil. Congresso. Senado Fede-ral. Relatoria da revisão constitucional : pareceresproduzidos : histórico. Brasília : Subsecretaria deEdições Técnicas, 1994. v. 3, p. 268.

29 O regime constitucional dos proventos da apo-sentadoria do servidor público efetivo. Gênesis : Revista de Direito Administrativo Aplicado, Curiti-ba, v. 3, n. 10, p. 644, jul./set. 1996. Defende que odisponível faz jus a vencimentos, uma vez que “emnenhum dos seus dispositivos a Lei Fundamentalda República prescreve que o servidor em disponi-bilidade é pago pela forma proventual” (Ibidem, p.645).

30 Por seu turno, o Ministro Mário Guimarães,no voto proferido no Recurso Extraordinário nº19.466 sustentou que na aposentadoria o afastamento

do servidor é definitivo, ao passo que na disponibi-lidade a situação é presente e provisória. Aduz queo “funcionário está válido” e, em razão de “dificul-dades de administração, ou qualquer outro motivo,que compete ao próprio Estado resolver, se vê afas-tado temporariamente” ( RDA, n. 40, p. 42).

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revitalização do cargo objeto de declaração dedesnecessidade.

Um dado a ser considerado diz respeito àsprevisões inseridas em diversos estatutos de ser-vidores, as quais estabelecem que o servidorem disponibilidade pode aposentar-se volun-tariamente, sendo possível também ocorrer aaposentadoria compulsória, nos casos previs-tos na Constituição de 198831. Por outro lado,insta destacar que o servidor em disponibilida-de encontra-se subordinado às proibições cons-titucionais de acumulação de cargos públicos(art. 37, incisos XVI e XVII; art. 38). Em con-trapartida, com fundamento no princípio cons-titucional da moralidade, tem-se por incompa-tível com a situação de disponibilidade remu-nerada o exercício de qualquer outra atividade

que configure vínculo empregatício do servi-dor disponível, ou simplesmente geradora defonte de renda.

7. A remuneração na disponibi l idadeSem dúvida, o ponto mais controvertido do

regime afeto ao instituto ora enfocado residena determinação do critério a ser adotado parao pagamento da remuneração ao servidor dis-ponível.

Impende explicitar que a atual Constitui-ção da República é silente quanto à proporcio-nalidade ou integralidade da remuneração de-vida, tendo ocorrido divisão na doutrina quan-to ao critério que melhor coadunar-se-ia com asistemática constitucional.

Favoráveis à proporcionalidade são CaioTácito, Hely Lopes Meirelles, Celso AntônioBandeira de Mello, Manoel Gonçalves Ferrei-ra Filho, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Dio-go Figueiredo Moreira Neto, Diógenes Gaspa-

rini, Adilson Abreu Dallari e Tércio SampaioFerraz Jr., entre outros. No rol dos defensoresda integralidade da remuneração, evocam-seJosé Afonso da Silva, Sérgio de Andréa Ferrei-ra, Lúcia Valle Figueiredo, Ivan Barbosa Rigo-lin, Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto

Os argumentos destinados a comprovar a

retribuição proporcional ao tempo de serviçosão basicamente três: (i) o princípio constitu-cional da irredutibilidade (art. 37, inciso XV)referir-se a vencimentos e não a proventos; dadaa sua “inatividade provisória” o servidor emdisponibilidade perceberia proventos, e nãovencimentos, podendo ocorrer a redução da re-tribuição; (ii) o Texto Constitucional, em di-versas situações, prevê a aposentadoria comproventos proporcionais (art. 40, incisos I, in fine; II e III, c e d ), não sendo justo aplicar-se ocritério da integralidade à remuneração dos dis-poníveis, e (iii) o § 3º do artigo 40 estipula que“o tempo de serviço público federal, estadualou municipal será computado integralmentepara os efeitos de aposentadoria e de disponi-bilidade”, deixando claro que em ambas as hi-

póteses a retribuição deverá ser calculada apartir do tempo de serviço efetivo do servidor.É preciso enfatizar que o afastamento do

servidor colocado em disponibilidade é precá-rio e cessa tão logo seja realizado o seu apro-veitamento. O tempo de disponibilidade con-ta-se para fins de aposentadoria, o que afasta aidentidade das situações. Por outro lado, mes-mo temporariamente desligado do serviço pú-blico, mantém-se o vínculo com a administra-ção, continuando o disponível a perceber ven-

cimentos, e não  proventos, estes reservadosàqueles em estado definitivo de inatividade, ouseja, aposentados. Além disso, o entendimen-to jurisprudencial dominante é que a cláusulaconstitucional da irredutibilidade protege a re-muneração como um todo, em seu montantereal e global, e não simplesmente o vencimen-to-base32. Por derradeiro, irradia do art. 40, §4º, da CF a unicidade de tratamento entre ven-cimentos e proventos, descabendo estabelecerdistinção entre as retribuições, notadamente

com o escopo de legitimar a redução dos pro-ventos.Com relação às situações elencadas na

Constituição de 1988 como hábeis a ensejar aaposentadoria do servidor, com proventos pro-porcionais ao tempo de serviço, impõe-se con-siderar que, em sua grande parte, dependem

31 No Mandado de Segurança nº 21.221-DF, oSFT decidiu pela ilegalidade do ato que colocou emdisponibilidade servidor que havia completado a

idade necessária à aposentadoria compulsória ( DJU ,p. 8.428, 5 jun. 1992). Na esfera federal, conferir asOrientações Normativas nº 74 e 109, do Departa-mento de Recursos Humanos da Secretaria da Ad-ministração Federal ( DOU , 1º fev. 1991 e 27 maio1991, respectivamente).

32 Conferir os seguintes arestos do STF : AgRe-gSS nº 605-SC ( DJU , p. 9.730, 29 abr. 1994), RExnº 100.818-SP ( DJU , p. 18.267, 16 jun. 1995) e REx

nº 183.700-PR ( DJU , p. 48.731/732, 6 dez. 1996),além da ADIn nº 313-DF ( RTJ , n. 137, p. 984). NoSTJ, consultar MS nº 941-DF ( DJU , p. 17.503, 2dez. 1991), MS nº 834-DF ( DJU , p. 1.351, 17 dez.1992) e ROMS nº 5.420-MT (DJU, p. 9.280, 10abr. 1995).

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da vontade expressa do servidor para se con-cretizar. Em alguns casos de invalidez perma-nente e na compulsória (art. 40, inciso I, in fine, e inciso II, respectivamente) foi opção doconstituinte determinar que os proventos fos-sem proporcionais. A valoração (ou desvalora-ção) constitucional dessas causas de aposenta-doria não teria o condão de estabelecer, por sisó, a proporcionalidade dos vencimentos na dis-ponibilidade33. Insta reprisar que aposentado-ria e disponibilidade são institutos distintos,têm causas distintas e surtem efeitos distintos,devendo ser igualmente distintas as suas disci-plinas normativas. Tanto é assim, que ao Tri-bunal de Contas da União não compete apreci-ar a legalidade do atos declaratórios de dispo-nibilidade, ao contrário do que ocorre com os

atos concessivos de aposentadoria, reformas epensões (CF, art. 71, inciso III).Finalmente, o argumento mais sólido, ou

seja, o comando constitucional do art. 40, § 4º.É possível inferir outras finalidades do dispo-sitivo assinalado, mais consentâneas com o as-pecto fundamental que a Lei Maior imprimiuà disponibilidade, ou seja, garantia especial doservidor público estável. O preceito indigitadovisaria estipular o cômputo recíproco do tem-po de serviço para fins de aquisição do próprio

direito à disponibilidade. A disponibilidadeadvém da estabilidade, e esta quer significardireito de permanência no serviço público.Assim sendo, o servidor estável, investido emnovo cargo de esfera federal distinta ou mesmoda esfera idêntica, não estaria dispensado decumprir o estágio probatório nesse novo cargo,podendo inclusive ser exonerado ex officio,desde que motivadamente. Entretanto, por serestável no serviço público, teria direito a sercolocado em disponibilidade, independente-

mente da conclusão do biênio34

.Outra interpretação é a conferida por Car-los Ayres Britto. Segundo o autor, o preceitoora enfocado, quando refere-se à disponibili-dade, traduz a vontade constitucional

“de que o servidor não está impedido deaverbar todo o seu tempo de serviço

público ao período em que permanecerno aguardo aproveitamento. Cuida-se,então, de simples autorização da somado tempo de serviço real (o anterior àdisponibilidade) com o tempo de servi-ço ficto (o que se passa no curso da dis-ponibilidade), na perspectiva da futurareinvestidura. Sem falar que essa aver-bação bem pode ser aproveitada paraoutros fins, a depender da política legis-lativa comum que se adote para o servi-dor público”35.

 Sérgio de Andréa Ferreira defende que acontagem recíproca do tempo de serviço seráconsiderada para os fins de aposentadoria vo-luntária ou compulsória do servidor em dispo-nibilidade36.

Enumerados os argumentos favoráveis edesfavoráveis, sustenta-se que o critério da in-tegralidade da remuneração emerge diretamen-te da Carta de 1988. Durante os trabalhos daAssembléia Constituinte, procurou-se imprimira proporcionalidade dos vencimentos da dis-ponibilidade (1º Substitutivo, art. 63, incisoIV), critério expurgado no 2º Substitutivo (art.44, § 3º) e que finalmente foi afastado na apro-vação do texto definitivo (art. 41, § 3º). Porocasião da Revisão Constitucional, mediante oParecer nº 74, da lavra do então Deputado Fe-deral Nelson Jobim, perseguiu-se o mesmo in-tento, mas sem sucesso37. Assim sendo, restaclaro que a vontade do legislador constituintefoi a de privilegiar o caráter alimentar dos ven-cimentos do servidor público, qualidade refor-çada pela vedação de redução dos vencimentos(art. 37, inciso XV), garantia que deve ser res-peitada pelo Poder Público, mormente se forconsiderado o fato de que o servidor estávelnão concorreu para a sua dispensa. Conseqüen-temente, o legislador infraconstitucional nãoestá habilitado a estipular – validamente – ocritério da proporcionalidade dos vencimentosda disponibilidade do servidor público.

7.1. A posição do Supremo Tr ibunal Federal

Sem prejuízo das posições assinaladas, cabeafirmar que o STF editou a Súmula nº 358,

33 Contra a opinião manifestada, cf. FERRAZJR., op. cit., p. 108.

34 Esta é a posição firmada pelo STF no julga-mento do REx nº 19.466 (Relator: Ministro Mário

Magalhães. RDA, n. 40, p. 44, abr./jun. 1955). Per-tinente nesse aresto é o voto do Ministro Ribeiro daCosta no sentido de que “a Constituição [de 1946]diz apenas ‘remunerada’, não diz menos remunera-da, nem mais remunerada; só pode ser ‘remunerada’com os próprios vencimentos” ( RDA, n. 40, p. 46).

35 Op. cit., p. 646.36 Comentários..., p. 481.37 Para o autor do parecer, “a adoção de remune-

ração integral para o servidor em disponibilidade é,portanto, injusta, em relação aos titulares que per-manecem no exercício de suas funções, descabida,por falta de suporte bastante, e inadequada, em re-lação ao próprio instituto da estabilidade”. BRA-SIL. Congresso. Senado Federal. op. cit, p. 269.

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cujo enunciado defende a integralidade dos“vencimentos” do servidor posto em disponi-bilidade, e isso sob a égide da Constituição daRepública de 1946. Além de disciplinar o ins-tituto da disponibilidade de forma idêntica àConstituição em vigor, pois silenciava acercada integralidade ou proporcionalidade da re-tribuição, a Lei Maior de 1946 continha nor-ma idêntica a inserida no art. 40, § 3º, da atualConstituição. A validade desse entendimentosumular foi declarada, no julgamento da ADInnº 313-DF ( RTJ , n. 137, p. 984). No aspectoterminológico, adotou-se o termo vencimentospara traduzir a remuneração percebida peloservidor posto em disponibilidade. Em relaçãoaos valores, decidiu-se por sua integralidade,com base na doutrina minoritária e jurispru-

dência do próprio Tribunal, o que afeta princi-palmente a Constituição de 1946.Ainda que se discorde da orientação fixada

pelo Excelso Pretório, é preciso fazer-lhe defe-rência. Até uma revisão desse posicionamen-to, esta é a interpretação que prevalece. Por con-seguinte, a retribuição haverá de ser integral.

7 .2 . As vantagens excluídas do s venciment osde disponibil idade

Finalmente, é importante notar que os ven-

cimentos percebidos pelo servidor disponívelnão são rigorosamente iguais aos percebidosna ativa. É que, mesmo provisória ou tempora-riamente, o servidor não está no pleno exercí-cio de suas atividades. A disponibilidade elideo efetivo exercício, pois ocorre a interrupçãodo exercício das atribuições inerentes ao car-go. Por via de conseqüência,

“parece claro que na remuneração emdisponibilidade não estão incluídas asvantagens decorrentes do exercício docargo perdido, mas permanecem todasas demais, de caráter pessoal, atribuídosao servidor”38.

Portanto, no que tange às gratificações, so-mente aquelas que já foram incorporadas aovencimento-padrão, por determinação legal ourazão diversa, bem como as de ordem estrita-mente pessoal, é que não podem ser despreen-didas da remuneração de disponibilidade: sa-lário-família, adicionais por tempo de serviço

e todas as gratificações ou vantagens de cará-ter permanente, sobretudo. Tem-se por coeren-te a percepção da chamada gratificação natali-na ou “décimo terceiro salário”. Todavia, even-

tuais gratificações de “prêmios de produtivi-dade”, regência de classe, representação degabinete, adicionais de insalubridade e pericu-losidade, e todas aquelas que pressupõem o efe-tivo exercício do cargo, devem ser dispensa-das. O pagamento de terço de férias, além dadisciplina referente às licenças especiais, es-tão, por razões óbvias, igualmente descarta-das39.

8. A f igura do aprovei tamentoO aproveitamento é uma forma de provi-

mento derivado, mediante a qual o servidorpúblico estável colocado em disponibilidadereingressa à atividade em cargo diverso, masdesempenhando funções e percebendo venci-

mentos compatíveis com o cargo anteriormen-te ocupado. Todavia, sendo revogado o ato quedeclarou a desnecessidade do cargo, haverá orevigoramento do feixe de atribuições a ele ine-rentes, com o obrigatório aproveitamento doservidor público titular da mesma vaga.

A Constituição de 1988, no § 3º do art. 41,alude a um adequado aproveitamento. TércioSampaio Ferraz Jr. assevera que a expressãoconstitucional significaria

“aproveitamento conforme as qualifica-

ções do servidor – sentido subjetivo – mastambém conforme as necessidades daAdministração – sentido objetivo. Nãose pode, assim, aproveitar o servidor paraum cargo inadequado às suas qualifica-ções (um médico tornar-se enfermeiro-chefe), mas também não exige que a ad-ministração se transforme e se altere ape-nas para reaproveitar o servidor (criar-se um cargo de médico só para reapro-veitar o médico em disponibilidade)”40.

Do direito de ser adequadamente aprovei-tado no serviço público surge o direito de nãoser preterido, desde que configurada a criaçãode cargos semelhantes ou ainda a vacância decargos, aliada à necessidade da AdministraçãoPública em preenchê-los. Poderá ser tornadosem efeito o aproveitamento, bem como cassa-

38MOREIRA NETO, op. cit., p. 212.

39 A respeito, consultar MACEDO, Marina Ma-riani de. Disponibilidade : parecer.  Revista de Di-reito Público, São Paulo, v. 20, n. 84, p. 206-207,

out./dez. 1987. No âmbito federal, cfr. Ofício Cir-cular nº 985, da Secretaria da Administração Fede-ral ( DOU , p. 13.700-701, 18 jul. 1990, Seção 1).

40  Interpretação e estudos da Constituição de1988. São Paulo : Atlas, 1990. p. 109 : Servidorespúblicos postos em disponibilidade.

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da a disponibilidade, se o servidor, uma vezchamado a retornar à atividade, não o faça noprazo assinalado, sem justificativa (art. 32 daLei federal nº 8.112/90). Vale frisar que o ser-vidor não poderá, ao reverso, ser impelido aaceitar um cargo com características visivel-mente discrepantes daquele antes ocupado.

Portanto, com as ressalvas acima aponta-das, extrai-se da natureza da disponibilidade ocaráter obrigatório do aproveitamento do ser-vidor, desde que haja a necessidade de preen-chimento de uma vaga com características (fun-ções e vencimentos, sobretudo) similares aocargo antes ocupado41.

9. Disponibilidade e Reforma AdministrativaObserva Odete Medauar que a estabilidade

“expressa o direito ao cargo  pelo modo como poderá ser perdido”42. Na atual sistemáticaconstitucional, a extinção da relação do servi-dor estável com a Administração Pública advi-rá unicamente de duas situações: sentença ju-dicial transitada em julgado ou processo admi-nistrativo em que lhe seja garantida a ampladefesa (CF, art. 41, § 2º). Reside precisamenteaqui o ponto central das alterações persegui-das pela denominada “Reforma Administrati-va”, no que diz respeito ao regime constitucio-nal dos servidores públicos. Pretende-se flexi-bilizar a noção de estabilidade, ampliando asformas pelas quais o vínculo do servidor está-vel poderá ser legitimamente rompido.

As mudanças pretendidas encontram-se atu-almente em fase de discussão parlamentar naCâmara dos Deputados em torno do substitutivoapresentado pelo relator da PEC nº 173-A/95,Deputado Moreira Franco. Em síntese aperta-da, objetiva-se (i) aumentar o prazo do estágioprobatório de dois para três anos (a intenção

original era de cinco anos); (ii) instituir a

demissão por insuficiência de desempenho, me-diante processo de avaliação periódica, na for-ma da lei, e (iii) criar a figura da demissão porexcesso de quadros, como meio de efetuar areestruturação de pessoal, ou sempre que a des-pesa com pessoal ativo e inativo exceder os li-mites fixados em lei complementar.

Particularmente quanto à disponibilidade,busca-se o critério da proporcionalidade da re-muneração, de acordo com o tempo de serviço.O conjunto dessas mudanças, caso aprovadas,caracterizará um autêntico retrocesso na evo-lução do instituto, surtindo ao menos três efei-tos imediatos.

Em primeiro lugar, esvazia por completo aessência da noção da disponibilidade remune-rada, ou seja, garantia do servidor estável. Se o

funcionário contar, por exemplo, com três anose um mês de serviço público, sua remuneraçãoserá reduzida a valores insignificantes, quedecididamente servirá de fundamento a nãopermanência do disponível nos quadros daAdministração. Outro argumento é que a dis-ponibilidade dos servidores será uma alterna-tiva de difícil utilização na prática, uma vezque um instrumento mais valioso, como urgeser a demissão por excesso de quadros, certa-mente será aplicado pelas Administrações

Públicas. Ademais, desvirtua-se totalmente o ins-tituto, pois seu emprego passa a ser visto comoatraente mecanismo de coação e pressão políti-ca, aniquilando os parcos atributos da “nova”estabilidade que se busca adotar com a reformaadministrativa e reduzindo drasticamente a in-dependência funcional dos servidores públicos.

1 0 . C onc lusõesEm síntese, são essas as ilações finais em

torno da disponibilidade remunerada dos ser-vidores públicos:1. As semelhanças entre a situação do ser-

vidor disponível e aquela vivenciada pelo ser-vidor aposentado não implicam, e muito me-nos justificam, a configuração de um pretenso“regime jurídico unitário” para tratamento dosdois institutos, sob pena de restar descaracteri-zada a essência da disponibilidade remunera-da dos servidores públicos;

2. A Carta de 1988 qualificou a disponibi-

lidade remunerada como uma garantia especi-al dos servidores públicos detentores de estabi-lidade; é a partir dessa premissa estabelecidaconstitucionalmente que deve ser desenvolvi-da tanto a tarefa de regulamentação normativaquanto a de teorização acerca do instituto;

41 Impõe-se fazer menção à Súmula 39 do STF,cujo enunciado estabelece que “à falta de lei, fun-cionário em disponibilidade não pode exigir, judi-cialmente, o seu aproveitamento, que fica subordi-nado ao critério de conveniência da administra-ção”. A súmula foi aplicada pelo STJ no RecursoOrdinário em Mandado de Segurança nº 318-PA( DJU , 19 nov. 1990). Ocorre que tratava-se de dis-ponibilidade de magistrado, evidenciada a naturezadisciplinar do instituto. Sem embargo, afora essa hi-

pótese, entende-se que, desde que presentes as con-dições determinantes do aproveitamento do servi-dor, este poderá utilizar-se da via judicial para terobservado seu direito.

42  Direito administrativo moderno. São Paulo :Revista dos Tribunais, 1996. p. 301 (grifos nossos).

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3. A disponibilidade remunerada advémigualmente da vitaliciedade, inerente a algunscargos; com relação aos magistrados traduztambém, e em caráter excepcional, uma medi-da de ordem disciplinar, nos termos do art. 93,inciso VIII, da Lei Maior;

4. Atendidos precisos e objetivos critériosfixados em lei, e desde que de modo expressa-mente motivado, o Chefe do Poder ExecutivoFederal, Estadual e Municipal possa declarar adesnecessidade de um cargo público, por inter-médio da edição de decreto; decidindo-se pelaextinção dos cargos, em razão do princípio doparalelismo ou homogeneidade das formas, énecessária a edição de lei, cuja iniciativa com-pete às mesmas autoridades;

5. A situação de afastamento gerada pela

disponibilidade é provisória, temporária e pre-cária, e obrigatório o adequado aproveitamen-to do servidor disponível;

6. A remuneração da disponibilidade é com-posta por vencimentos (e não proventos) inte-grais, conforme extrai-se do Texto Constituci-onal, entendimento aliás corroborado pelo Su-premo Tribunal Federal na ADIn nº 313-DF( DJU p. 5.722, 30 abr. 1992), excluídas certasvantagens em virtude da ausência de efetivoexercício.

7. As alterações sugeridas no substitutivoda PEC nº 173-A/95, notadamente em relaçãoà inserção do critério da proporcionalidade dosvencimentos, aniquilam a concepção garantis-ta da disponibilidade remunerada dos servido-res públicos, configurando lamentável retroces-so na evolução histórica do instituto.

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