A DOCÊNCIA NO CURSO DE LICENCIATURA EM FÍSICA DA...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR
INSTITUTO DE CINCIAS DA EDUCAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
MESTRADO ACADMICO EM EDUCAO
MARIA DA CONCEIO GEMAQUE DE MATOS
A DOCNCIA NO CURSO DE LICENCIATURA EM FSICA
DA UFPA: HISTRIA E GNERO
Belm - PA
2010
II
MARIA DA CONCEIO GEMAQUE DE MATOS
A DOCNCIA NO CURSO DE LICENCIATURA EM FSICA
DA UFPA: HISTRIA E GNERO
Dissertao apresentada na Linha Pesquisa Currculo e
Formao de Professores do Mestrado Acadmico em
Educao do Programa de Ps-Graduao em
Educao do Instituto de Cincias da Educao da
Universidade Federal do Par, como exigncia para
obteno do ttulo de Mestre em Educao.
Orientador: Prof. Dr. Paulo Srgio de Almeida Corra.
Belm-PA
2010
III
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) Biblioteca Profa. Elcy Rodrigues Lacerda/Instituto de Cincias da Educao/ UFPA, Belm-
PA
Matos, Maria da Conceio Gemaque de. A Docncia no Curso de Licenciatura em Fsica da UFPA: Histria e Gnero/Maria da Conceio Gemaque de Matos; orientador: Prof. Dr. Paulo Srgio de Almeida Corra. 2010.
Dissertao (Mestrado em Educao) - Universidade Federal do Par, Instituto de Cincias da Educao, Curso de Mestrado Acadmico em Educao, Belm, 2009.
1. Ensino Superior - Gnero. 2. Licenciatura em Fsica da Universidade Federal do Par - Docentes. 3. Docentes Gnero. I. Ttulo.
CDD
_____________________________________________________________________________
IV
MARIA DA CONCEIO GEMAQUE DE MATOS
A DOCNCIA NO CURSO DE LICENCIATURA EM FSICA
DA UFPA: HISTRIA E GNERO
Dissertao apresentada na Linha Pesquisa
Currculo e Formao de Professores do Mestrado
Acadmico em Educao do Programa de Ps-
Graduao em Educao do Instituto de Cincias da
Educao da Universidade Federal do Par, como
exigncia para obteno do ttulo de Mestre em
Educao.
Defesa: Belm, 23/03/2010
Conceito da Defesa: Excelente
Banca Examinadora
______________________________________________
Prof. Dr. Paulo Srgio de Almeida Corra
Orientador (UFPA)
_____________________________________________
Prof. Dr Ivany Nascimento Pinto
Examinadora, UFPA
________________________________________________
Prof. Dr. Ruy Guilherme Castro de Almeida
Examinador, UEPA
V
Em cada palavra uma forma de dedicar para...
Eduvaldina (Vadica) - minha me mulher marajoara de grande sabedoria, sorriso
aberto e voz melodiosa, e, Luiz - meu pai de quem herdei a paixo pelos nmeros e pelos
questionamentos:
Quantas saudades!
No posso mais v-los em matria. Mas posso sentir a energia que me transmitem.
Sou grata pela vida que me deram. Sou grata pelo conhecimento e formao moral que me
propiciaram. Em outro nvel espiritual, quero que compartilhem comigo este momento.
Raul - meu marido - durante os dois anos do mestrado, eu procurei ao mximo
manter a rotina da famlia. Entretanto, sei que nem sempre foi possvel. Sou grata pela sua
pacincia em entender o meu sonho.
Elaine, Adriane e Cristiane minhas filhas - meu lado profissional sempre foi
muito determinante, entretanto, meu lado me foi mais forte. Razes da minha vida: por
vocs e para vocs vivo todos os meus dias, desde que nasceram. De forma muito especial
dedico este trabalho a vocs.
Luna - minha neta - voc nasceu no momento da qualificao, seu choro e primeiros
sorrisos embalaram os momentos finais de ajustes e revises. Deu mais brilho para nossas
vidas, revigorou minhas foras na fase final do trabalho. Quero homenagear a todos vocs
agradecendo, ento, eu s devo dizer...
Obrigado, Meu Deus!
VI
AGRADECIMENTOS
Muitos me ajudaram a concluir este trabalho.
Meus sinceros agradecimentos...
...A Deus, por me possibilitar mais uma grande conquista. Minha f em vs o
porto seguro de minha vida. A minha finitude teve em seu amparo, sua proteo e sua luz os
propulsores desta vitria;
... Universidade Federal do Par, Instituto de Cincias da Educao e Escola de
Aplicao da UFPA pelo apoio institucional no meu processo de qualificao profissional;
...Ao meu Orientador, Dr. Paulo Srgio de Almeida Corra, por ter acreditado na
minha proposta de pesquisa e me induzir constantemente a um processo autnomo de
pesquisa. Suas crticas e colocaes foram fundamentais ao meu aprendizado de solido na
diligncia que se institui no exerccio de aprendiz de pesquisadora. Como escudeiro, defendeu
minha proposta, como orientador conduziu-me em buscas permitindo passos sob seu olhar,
mas com autonomia;
...Aos professores do Programa de Ps-Graduao do ICED da linha Currculo e
Formao de Professor saibam que permearam em cada ato uma forma de incentivo ao que
me determinei a pesquisar. Todos foram importantes para este trabalho;
...Ao Professor Ms. Joo Furtado, diretor da Faculdade de Fsica da UFPA, ao
permitir meu livre acesso aos documentos do curso de Licenciatura em Fsica me deu lastro
ao processo de investigao;
...Ao Prof. Dr. Eugnio Pachelli, pela disponibilidade em nortear minha busca na
pesquisa documental, junto aos arquivos da Pr-Reitoria de Graduao da UFPA;
...Aos professores e professoras entrevistados, em disponibilizarem o precioso tempo
de cada um, permitindo assim que eu escrevesse um pequeno pedao da histria da
Licenciatura em Fsica no Par;
...Aos membros da banca pela pacincia e ateno dispensada ao meu trabalho na
leitura e avaliao;
...Aos amigos da turma de mestrado 2008, no incio ramos estranhos, a convivncia
possibilitou transitarmos em nossas propostas de pesquisas e podemos contribuir de forma
VII
atomstica no trabalho de cada um. Em todos, percebi a disposio de amizade, mas, no sei
exatamente quando o triunvirato se instituiu, e, com tica e respeito passamos a
compartilhar nossos ideais. Aos colegas de triunvirato e orientao: Cnara e Luiz; sou
grata pelo apoio durante nossa jornada formativa. Nossos dilogos permitiram partilhar
dvidas e certezas do mundo acadmico;
... secretria da ps-graduao, Conceio Mendes, que sempre recebeu nossas
apressadas solicitaes com muita cordialidade e pacincia, procurando de alguma forma nos
atender;
...Para todos aqueles que de forma direta ou indireta contriburam para a realizao
deste trabalho. Em especial a minha famlia por compartilhar comigo os momentos de altos e
baixos ao longo do processo de busca investigativa.
VIII
A cincia no tem a verdade, mas aceita
algumas verdades transitrias, provisrias, em
um cenrio parcial onde os humanos no so o
centro da natureza, mas elementos dela. O
entendimento dessas verdades, e, portanto, a no
crena nelas tem uma exigncia: a razo.
IX
Chassot, 2006
RESUMO
Este estudo objetivou analisar a insero do gnero feminino na docncia da Licenciatura em
Fsica da UFPA, no perodo de 1970 a 2005, visando identificar as dificuldades e barreiras
vivenciadas pelas docentes no contexto acadmico, influenciado por modelos sociais e
culturais propiciados pelo gnero que pertencem. No perodo proposto, a educao brasileira
passou por reformas educacionais com perspectivas e perfis diferenciados, levando a uma
emergente necessidade de expanso do corpo docente em vrios segmentos da educao
superior. A problemtica de investigao foi moldada em trs questionamentos, a saber: 1)
Como os autores dedicados aos estudos de gnero abordam em suas produes
historiogrficas a trajetria de ascenso social do gnero feminino e sua luta por educao
superior? 2) De que modo as propostas de formao docente inspiradas na legislao
educacional brasileira influenciaram na insero do gnero feminino na docncia da
Licenciatura em Fsica da UFPA, entre 1970 a 2005? 3) Quais as principais barreiras
interpostas ao trabalho docente feminino ao longo da formao e atuao na Licenciatura em
Fsica nessa instituio educativa? A pesquisa se configurou na perspectiva historiogrfica de
longa durao procurando entender os entrelaces de gnero e formao institudos nas teias da
educao superior na UFPA. Trabalhando com fontes bibliogrficas e documentais aditadas a
anlise dos discursos docentes atravs da entrevista semi-estruturada, evidenciou as
configuraes culturais e sociais vividas pela mulher brasileira para chegar educao
superior e ao espao cientfico, conquistados com muita luta e determinao, visto que a
aquisio de conhecimento para elas no era considerada necessria, instituindo rtulos
dualizados na profisso docente, passando o construir alguns aspectos discriminatrios ao
gnero feminino em seu exerccio profissional. As reformas educativas no elucidaram a
categoria gnero. A Licenciatura aqui estudada permanece com a hegemnica presena
docente do gnero masculino.
Palavras-chave: Educao. Currculo. Formao Docente. Gnero. Histria.
X
ABSTRACT
This study aimed to analyze the inclusion of females in the teaching of the Degree in Physics
from UFPA, in the period 1970-2005, aiming to identify the difficulties and barriers
experienced by teachers in the academic context, influenced by social models and cultural
riches offered by the genre they belong to. The proposed period, the Brazilian education has
undergone educational reform perspectives and different profiles, leading to an emerging need
to expand the faculty in various segments of higher education. The research problem was
framed in three questions, namely: 1) As the authors devoted to addressing gender studies in
their productions historiographical trajectory of upward mobility of females and their fight for
higher education? 2) how the proposals for teacher training inspired by the Brazilian
educational legislation influenced the inclusion of females in the teaching of the Degree in
Physics from UFPA, between 1970 to 2005? 3) What are the main barriers to teaching women
brought along the training and work with a degree in physics in this educational institution?
The research was set up in long-term perspective of the historiography seeking to understand
the intertwined gender and training established in the webs of higher education in UFPA.
Working with bibliographic and documentary sources are added to a discourse analysis of
teachers through semi-structured interview, highlighted the cultural and social settings
experienced by Brazilian women to reach higher education and space science, won through
much struggle and determination, since the acquisition knowledge to them was not considered
necessary, instituting labels dualized in the teaching profession, passing the building aspect of
discrimination in females at their practice. Educational reforms did not elucidate the gender
category. The degree studied here remains with the hegemonic presence of male teachers.
Keywords:Education.Curriculum.TeacherEducation.Gender.History.
XI
LISTA DE ILUSTRAES
GRFICO 01 Diagrama de anlise entre as disciplinas especficas e pedaggicas, no
currculo da licenciatura em Fsica da UFPA, entre 1965 a 2005. .............78
GRFICO 02 Evoluo da Carga Horria de Prtica de Ensino entre 1965 a 2005. .........79
GRFICO 03 Corpo docente: Formao x Ano de contratao (1970 2005). ...............83
GRFICO 04 - Corpo Docente Quanto a Formao 1970 a 2005. ......................................84
GRFICO 05 Quadro Docente 2005. .................................................................................88
GRAFICO 06 - Insero dos docente entre 1970 a 2005. ...................................................103
GRFICO 07 - Corpo docente dimensionado quanto ao gnero entre 1965 a 2005. .........125
XII
LISTA DE QUADROS
QUADRO 01- Currculo mnimo das licenciaturas na dcada de 60 Parecer 296/62 CFE
MEC. ................................................................................................................67
QUADRO 02- Descrio da carga horria do curso entre 1970 a 2005, pelas Resolues do
CONSEPE - UFPA para modificao da estrutura curricular do curso de
Licenciatura em Fsica. .....................................................................................69
QUADRO 03 - Currculo Pleno no incio da dcada de 1970. ..............................................71
QUADRO 04 - Currculo Pleno em Blocos. ..........................................................................75
QUADRO 05 - Nmero de disciplinas nas estruturas curriculares da licenciatura em
Fsica da UFPA de 1695 a 2005. ................................................................78
QUADRO 06 - Corpo Docente por Formao (1970 2005). ..............................................81
QUADRO 07 - Formao Corpo Docente 1970 a 2005. .......................................................84
QUADRO 08 - Corpo Docente/2005 Gnero. ....................................................................88
QUADRO 09 - Professores de Fsica Educao Bsica de Belm:1893-1965. ......................96
QUADRO 10 Alunos Ingressantes curso de Fsica UFPA / Campus Belm / 2005 -2010.
.......................................................................................................................104
QUADRO 11 - Docentes do gnero feminino, entre 1970 a 2005. .......................................105
QUADRO 12 - Corpo Docente da Diviso de Fsica do NFM em 1965. .............................122
QUADRO 13 - Professores Auxiliares ingressantes NFM entre 1966 a 1970. ...................124
QUADRO 14 - Corpo Docente da Licenciatura em Fsica em 1970. ..................................124
QUADRO 15 - Professores Entrevistados. ..........................................................................127
XIII
LISTA DE SIGLAS
ABE - Associao Brasileira de Educao
ANFOPE - Associao Nacional pela Formao dos Profissionais da Educao
CONARCFE - Comisso Nacional de Reformulao dos Cursos de Formao do Educador
CNPQ - Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico.
FFCL - Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da Universidade de So Paulo
FFCLB - Faculdade de Cincias e Letras de Belm
FNFi - Faculdade Nacional de Filosofia integrante da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro
GEELPAR - Grupo de Estudos Eleitorais e Legislativos do Estado do Par
GP ECOS - Constituio do Sujeito, Cultura e Educao
GEPEM - Grupos de Estudos e Pesquisa Eneida de Morais Sobre Mulher e relao de Gnero
LDB - Lei de Diretrizes e Bases
MEC - Ministrio da Educao e Cultura
NEPEC - Ncleo de Estudos e Pesquisas em Currculo
NFM - Ncleo de Fsica e Matemtica
UFPA - Universidade Federal do Par
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNESCO - Organizao das Naes Unidas para Educao, Cincia e Cultura
TWOWS - Third World Organization for Women in Science
XIV
LISTA DE ANEXOS
ANEXO A: Resoluo 102/72 CONSEP/UFPA
ANEXO B: Resoluo 358/76 - CONSEP/ UFPA
ANEXO C: Resoluo1383/86 CONSEP/UFPA
ANEXO D: Resoluo 2067/93- CONSEP/UFPA
ANEXO E: Decreto Presidencial 3276/99
ANEXO F: Diretrizes curriculares para as Licenciaturas em Fsica 1999.
ANEXO G: Corpo docente da Licenciatura em Fsica da UFPA - Campus Belm - 2005.
ANEXO H: Entrevista Semi-Estruturada
ANEXO I: Ficha Funcional de Carmelina Nobuko Kobayashi
XV
SUMRIO
INTRODUO. ....................................................................................................................16
CAPTULO I: A HISTORIOGRAFIA DO GNERO FEMININO NA EDUCAO
SUPERIOR............................................................................................................................32
1.1- A ndia, a sinhazinha e a escrava na educao brasileira do sculo XVI e XVII............35
1.2 - A educao na transio da Colnia ao Imprio............................................................39
1.3 - O gnero feminino vivendo a educao republicana......................................................44
1.4- O gnero quase ausente nas cincias...............................................................................49
CAPTULO II: REFORMAS EDUCATIVAS, GNERO E FORMAO DOCENTE
NO CURSO DE LICENCIATURA EM FSICA DA UFPA ............................................57
2.1 - As reformas educativas para a formao docente na educao brasileira ......................60
2.2 - O tempo e o espao da Licenciatura em Fsica na UFPA ...............................................64
2.3 - O entrelace da formao docente com o gnero: O caso da Licenciatura em Fsica da
UFPA .......................................................................................................................................86
CAPTULO III: O GNERO NA DOCNCIA DA LICENCIATURA EM FSICA DA
UFPA ......................................................................................................................................92
3.1 - O GNERO AUSENTE NA DOCNCIA EM FSICA ...............................................94 3.1.1- Cenrio paraense da docncia em Fsica na educao bsica, na perspectiva do gnero
.........................................................................................................................................95
3.1.2- Identificando a presena do Gnero Feminino na Licenciatura em Fsica da UFPA,
entre 1970 e 2005 ........................................................................................................101
3.1.3- Agora sua vez professora. Conte sua histria! .........................................................106
3.1.4- Um olhar nas entrelinhas da voz feminina ..................................................................117
3.2 - O OLHAR DO GNERO MASCULINO PARA SEU ESPAO CIENTFICO .........118
3.2.1 - A constituio de identidade masculina na licenciatura em Fsica da UFPA ............119
3.2.2 - Professor, qual a sua perspectiva em relao ao gnero feminino na licenciatura em
Fsica da UFPA? ..........................................................................................................126
3.2.3 - Uma anlise das entrelinhas da voz masculina ..........................................................131
REFLEXES FINAIS ........................................................................................................133
REFERNCIAS ..................................................................................................................140
ANEXOS ..............................................................................................................................147
INTRODUO
Quando alguma dvida surge, natural a busca do esclarecimento. E deste
simples ato emerge um problema para ser investigado, pesquisado. No caso da produo
terica sistematizada e com fundamentao cientfica no basta apenas conceber um
problema de pesquisa, necessita-se ir alm dele. preciso entender seu contexto, os vrios
direcionamentos de ao e procurar desvendar a verdade, ainda que provisria.
Ao nos integrarmos no campo da pesquisa estamos em busca de um novo
conhecimento, procurando superar barreiras que por ventura tenham sido impostas pela
falta da informao qualificada. Todos os homens, por natureza, desejam conhecer
(ARISTTELES, 1969, 980a, p. 36), e estando envoltos em um mundo que se apresenta
em constantes mutaes, natural a busca pelo conhecimento aflorar, e tal como um
arquelogo, o pesquisador deve explorar os vestgios e rastros que oportunizem entender,
descrever e analisar os fenmenos e fatos obscuros.
A percepo de um problema estimula o raciocnio a gerar uma proposta de
pesquisa e investigao. Inclusa em um cenrio de dvidas, em que o desejo do conhecer
aflora, coaduno com a viso sobre problema de pesquisa apresentada por Kerlinger (1980,
p.35) ao considerar o problema como uma questo que mostra uma situao necessitada
de discusso, investigao, deciso ou soluo. A necessidade de investigao por mim
questionada neste trabalho tem sua gnese na dvida de como se constituiu a insero do
gnero feminino na docncia da Licenciatura em Fsica da UFPA, entre 1970 a 2005?
notrio que nos ltimos 20 anos, alm de se observar um crescimento
significativo no nmero de pesquisas em educao, propiciado principalmente pela
expanso da ps-graduao, observa-se vrias mudanas nas temticas e problemas,
abordagens metodolgicas e tambm no que se refere ao contexto da produo cientfica.
Para Andr (2001) grande parte dos problemas de pesquisa na rea de educao requer um
enfoque multi/inter/transdiciplinar e tratamentos multidimensionais na busca de
entendimentos para os temas abordados.
Considero relevante a colocao do autor ao considerar a expanso da educao
brasileira. As ampliaes de oportunidades escolares no Brasil ocorreram a partir de 1889 e
passaram a se concretizar ao final do Sculo XX. Sem dvida, h um consenso sobre a
importncia das pesquisas cientficas e tecnolgicas como marco crucial para o
desenvolvimento de uma nao. Desde o perodo ps-guerra com a criao dos institutos
17
especializados em pesquisa aditado com a reforma universitria houve a consolidao na
expanso da educao superior, gerando mais oportunidades de novas carreiras no cenrio
nacional.
Neste contexto, como mulher, vivenciei a possibilidade de ingresso na educao
superior no ano de 1975. Fiz opo em enveredar em um magistrio considerado
preferencialmente para homens. A presena feminina era quase imperceptvel. Minha
escolha foi em cursar Licenciatura em Fsica na Universidade Federal do Par - UFPA,
satisfazendo a curiosidade que nutria pelos fenmenos naturais e a paixo pelo magistrio.
Entretanto, sou fruto de um perodo em que o patriarcado ainda era muito forte,
mas tive um pai futurista, visionrio e defensor de que a educao formal no foi instituda
apenas para homens, e sim para cidados. Mesmo assim, vi e vivenciei:
diferenas, distines, desigualdades... A escola entende disso. Na verdade a
escola produz isso. [...] A escola que nos foi legada pela sociedade ocidental
moderna comeou a separar adultos de crianas, catlicos de protestantes [...] os
meninos das meninas (LOURO, 2007, p.57).
A dualidade educacional entre homens e mulheres permeou meu itinerrio
educacional. Os cursos: cientfico; clssico; e normal antecediam o ingresso na educao
superior e, apenas os cursos cientfico e clssico faziam uma formao especfica para o
ingresso em uma formao superior, o curso normal era especfico para a formao do
magistrio da educao infantil. Escolher o magistrio como profisso era um fato comum
para as mulheres, porm, o mesmo no se pode dizer em relao escolha pela
Licenciatura em Fsica. Este era um espao tipificado como masculino.
Chassot (2006, p.23) chama a ateno que no preciso muito esforo para
percebermos quanto cincia masculina, assim como quase toda a produo intelectual,
e traz a baila para a reflexo quando cita em seu texto a fala do Presidente Lula, durante a
reinstalao do Conselho de Cincias e Tecnologia em 2003, ao dizer que: Esse conselho
um Clube do Bolinha. No foi citado o nome de uma mulher.
Se este ainda um cenrio presente no alvorecer do Sculo XXI, nas ltimas
dcadas do Sculo anterior no foi diferente. O ingresso da mulher na educao superior j
apresentava mudanas considerveis, porm em algumas reas. A presena feminina na
rea tecnolgica era ainda muito reduzida, mesmo nas licenciaturas.
A docncia no Brasil, iniciada no perodo colonial, foi marcada por um perfil
masculino, e a partir do liberalismo, quando idias republicanas afloraram, acompanhadas
de uma expressiva preocupao nacional de ser implantada uma educao moderna levou a
posterior feminizao na docncia, com a formao efetivada nas escolas normais
18
(TANURI, 2000). Assim, tomo como premissa a identidade hegemnica no magistrio
como feminina para alguns nveis educacionais, e assumo neste texto a idia de Apple
sobre hegemonia no como conceito referente:
acumulao de significados que esto em um nvel abstrato em algum lugar da
parte superior de nosso crebro. Ao contrrio, refere-se a um conjunto
organizado de significados e prticas, ao sistema central, eficaz e dominante de
significados, valores e aes que so vividos (APPLE, 2006).
A consolidao da identidade professoral articulada conjuntamente com a busca
da profissionalidade desta categoria passou a emergir no incio da Repblica, com a
reorganizao do sistema de ensino estatal. Os docentes que se ocupavam do ensino
institucionalizado viveram um processo de profissionalizao que culminou com a
implantao e expanso das Escolas Normais, as quais se destinavam a formar futuros
professores para a educao bsica.
Embora novas fronteiras tenham se estabelecido para a formao docente, com o
advento da expanso do ensino superior, ainda assim, foi mantida uma grande parcela de
professoras constituindo a identidade docente das sries iniciais na educao bsica.
Enquanto, os nveis mais avanados da educao brasileira no passaram a apresentar o
mesmo perfil.
No processo histrico da educao brasileira constata-se a influncia significativa
das ideologias e culturas dos povos colonizadores. Foi muito forte a identidade da mulher
europia, instituda em nossa sociedade desde a colonizao e perdurando por muito
tempo.
Quando Mayer (2007, p.22) enfatiza que os indivduos aprendem desde muito
cedo - eu diria que hoje desde o tero - a ocupar e/ou a reconhecer seus lugares sociais,
atravs de estratgias sutis, refinadas e naturalizadas, permite-nos confirmar a origem da
identidade das mulheres brasileiras que desde criana eram educadas para serem mes e
donas de casa.
A subordinao e invisibilidade feminina perduraram por centenas de anos
pautadas em hierarquizaes culturais de maior ou menor valor entre feminino e
masculino, passando a se concretizar em exerccio de poder (Ibidem). Entretanto, os
acontecimentos protagonizados pela mulher ganharam historicidade (Scott, 1986).
19
A presena e o papel social da mulher na histria da educao passaram a ter
visibilidade a partir do movimento sufragista1 que embora seu foco no fosse a educao,
levaram o posicionamento heterogneo e plural dos movimentos feministas a respingarem
em outros segmentos como, por exemplo, na prpria educao, ao buscarem melhores
condies de trabalho.
Na dcada de 1970, considerada como referncias para o incio dos movimentos
feministas no Brasil, encontram-se poucas publicaes cientficas com o entrelace do tema
mulher e educao, e, Rosemberg, Piza e Montenegro (1990) em suas anlises consideram
que na virada de 1980, os textos nacionais sobre educao da mulher eram oriundos de
pesquisas, teses e dissertaes com diversidades de nfases, estilos e profundidades de
anlises, porm, eram incipientes quanto s reflexes crticas e aprofundamentos, que
permitissem ao tema avanar como ocorria em outras reas. As autoras trazem a baila para
a discusso a idia de que:
Em educao - disciplina feminina e pouco prezada na hierarquia acadmica -
alguns interlocutores ainda se respaldam em enfoques naturalizantes ou, se de
formao marxista, dificilmente aceitam pensar a educao tambm sob a
perspectiva das relaes de gnero (Ibidem, p.2).
Diante deste cenrio histrico, durante meu processo de formao em nvel de
graduao e ao longo da minha carreira docente, inquietaes se confirmam, aflorando
dvidas de interpretaes e significados, instigando a vontade de ir busca de
esclarecimentos para desvelar as teias traadas ao longo do tempo permeando mudanas ou
permanncias das prticas sociais e culturais na educao brasileira em relao ao gnero
na docncia da rea de cincias exatas. Considerando:
Um tempo que no abstrato, mas repleto de experincias e relaes, colocado
num espao do mesmo modo concreto. No um tempo histrico (em sentido
prprio), mas tempo de vida operacional e relacional. (RAGAZZINI, 1999, p.23,
grifo do autor).
Um tempo que passou a constituir identidades. E, a identidade relacional [...]
marcada pela diferena. [...]. A diferena sustentada pela excluso (WOODWARD, 2000,
p.78). importante citar que o autor tambm considera a identidade como simblica e
social, podendo ser construda a partir da redescoberta do passado, permitindo visualizar o
estudo historiogrfico sobre gnero e educao com relevncia cientfica. O que instigou
ainda mais a proposio desta pesquisa.
1 Movimento sufragista: foi o movimento social, poltico e econmico com o objetivo de estender o sufrgio
(direito a votar) s mulheres. Teve incio em 1897, com a fundao da Unio Nacional pelo Sufrgio Feminino
por Millicenti Fawcett, uma educadora britnica. No Brasil, o Decreto N0 21.076 de 24 de Agosto de 1932,
institudo o Cdigo Eleitoral Brasileiro, e no seu Art. 20 instituiu como eleitor o cidado maior de 21 anos, sem
distino de sexo, alistado na forma do cdigo.
20
Os estudos feministas sempre centralizaram as relaes de poder, evidenciando
muitas vezes os silenciamentos ocorridos, ou, por vezes cristalizando a postura social da
mulher como vtima e subordinada (LOURO, 2007). Entretanto alguns estudiosos
problematizam essa perspectiva atravs da leitura de Michel Foucault, trazendo novas
contribuies para as relaes de poder.
A cultura do patriarcado, enraizada na sociedade brasileira, ajudou a constituir
diferenas entre meninos e meninas, o que a mulher pode ou o que s os homens podem.
E no caso da docncia em Fsica, estava culturalmente institudo como espao masculino.
Muitas vezes, ao adentrar pela primeira vez a sala de aula em uma turma escolar, causou
surpresa aos alunos o fato de eu, uma mulher, ministrar aula de Fsica.
A educao considerada como um conjunto de processos intencionais que
possibilitam a formao do indivduo social (RAGAZZINI, 1999) vivendo o seu presente
constitudo em um passado. As experincias e vivncias na formao docente e na
docncia, como parte da histria da educao e de uma instituio, devem ser registradas.
Surgiu assim a fase embrionria desta pesquisa, procurando compreender,
descrever, interpretar, registrar prticas encobertas e silenciadas, mas que podem ter
produzido diferenas sociais significantes. Analisar o quadro docente da Licenciatura em
Fsica da Universidade Federal do Par - UFPA propiciou dvidas em relao presena
de professoras no curso.
Para Gatti (2001, p.23), problemas concretos de histrias vividas por ns na
educao, podem emergir levando o problema a tomar corpo, entretanto, a pesquisa [...] por
sua natureza um processo de construo, [...]. A busca da pergunta adequada, de questo que
no tem resposta evidente, que constitui o ponto de origem de uma investigao cientfica.
Seja qual for o campo de conhecimento investigado, representa, no cenrio da
vida, uma apropriao da realidade, que atravs do nosso olhar atribumos significados aos
seres e coisas (TEIXEIRA, 2009). Minha formao e vivncia profissional suscitaram-me
uma inquietao, que considerei carente de investigao, e de proposio discursiva para a
educao. O olhar no processo de insero do gnero feminino na docncia em Fsica no
espao proposto busca atribuir significados.
Considerando a premissa de que ... o problema que dirige o trabalho do
pesquisador: a formulao do problema o primeiro momento de deciso do processo de
pesquisa. (MAROZ, GIANFALDONI, 2002, P.15), a seguir desmembrei-o para ir busca
de significados e sentidos, que possibilitassem esclarecer como se constituiu a insero do
gnero feminino na docncia da Licenciatura em Fsica da UFPA, entre 1970 a 2005. Nesta
21
pesquisa me dediquei a investigar, compreender e interpretar trs questionamentos: Como
os autores dedicados aos estudos de gnero abordam em suas produes historiogrficas a
trajetria de ascenso social do gnero feminino e sua luta por educao superior? De que
modo as propostas de formao docente inspiradas na legislao educacional brasileira
influenciaram na insero do gnero feminino na docncia da Licenciatura em Fsica da
UFPA, entre 1970 a 2005? Quais as principais barreiras interpostas ao trabalho docente
feminino ao longo da formao e atuao na Licenciatura em Fsica nessa instituio
educativa?
O objetivo geral deste estudo foi analisar a insero do gnero feminino na
docncia da Licenciatura em Fsica da UFPA, no perodo de 1970 a 2005, visando
identificar as dificuldades e barreiras vivenciadas pelas docentes no contexto acadmico,
influenciado por modelos sociais e culturais propiciados pelo gnero que pertencem.
No que tange s finalidades especficas, esta pesquisa traz trs eixos balizadores
de investigao objetivando: I) Compreender as implicaes decorrentes do processo de
ascenso social da mulher no espao acadmico escolar, bem como sua insero no campo
das cincias e da tecnologia no Brasil; II) Refletir sobre a maneira como as propostas de
formao docente pautadas nas reformas educacionais amparadas na legislao
educacional brasileira influenciaram na insero do gnero feminino na docncia do Curso
de Licenciatura em Fsica da Universidade Federal do Par, no perodo correspondente aos
anos de 1970 a 2005; III) Identificar as dificuldades enfrentadas pelos docentes implicados
com a efetivao das propostas curriculares destinadas formao do licenciado em Fsica,
em funo do gnero a que pertencem.
Analisar em uma perspectiva historiogrfica a docncia em cincias no Brasil, e
mais especificamente no Estado do Par, de suma relevncia cientfica e grande
contribuio, pois a carncia evidente. Corra (2003) ao radiografar as estatsticas que
retratam o desequilbrio entre as reas de interesse e a distribuio geogrfica dos projetos
de pesquisa da educao brasileira chama ateno para a importncia da produo do
conhecimento novo para a regio e no Estado do Par.
A inquietao de enveredar em uma anlise histrico-educativa sobre a
constituio da insero do gnero feminino no corpo docente da Licenciatura em Fsica da
UFPA, campus Belm, emergiu ainda na minha formao docente e no incio da minha
atuao docente. E, passou a ser fomentada pela leitura da Tese de Doutorado do Prof. Dr.
Ruy Almeida, intitulada O papel dos engenheiros e matemticos na histria do ensino de
Fsica no Par (1931-1970), apresentada em 2006 ao Programa de Ps-Graduao em
22
Histria Social do Departamento de Histria da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias
Humanas da Universidade de So Paulo, a qual descortina o papel desempenhado pelos
engenheiros civis e matemticos na difuso do ensino de Fsica na educao superior, em
quase quatro dcadas no sistema educacional do Par.
Gatti (2008) considera que uma proposta de pesquisa mesmo aps responder aos
questionamentos formulados em seus anais encontrar novas possibilidades investigativas.
Os anais da referida tese so importantes registros tanto da histria inicial de um curso da
Universidade Federal do Par - UFPA, como de um perodo da Escola de Engenharia do
Par e do Ncleo de Fsica e Matemtica - NFM. Desse modo, novas possibilidades de
investigao emergem.
A implantao do curso de Licenciatura em Fsica na UFPA proporcionou
mudanas significativas no ensino de fsica e matemtica na educao superior do Par, e
tambm na educao bsica. Em Almeida (2006), um fato que chamou a ateno foi o
relato obtido na entrevista de um dos professores do NFM, Manoel Correa Neto, de que o
ento Reitor Jos da Silveira Neto, em 1965, no admitia que mulheres fossem professoras
no referido ncleo.
Ao concluir a leitura do mencionado trabalho, surgiram dvidas sobre o que se
deu aps o perodo ali estudado, quando a tese nos mostra que o corpo docente desse curso
foi basicamente constitudo por professores, licenciados em matemtica e engenheiros,
ocorrendo contratao da primeira licenciada em Fsica no Par somente no ano de 1970.
Segundo o autor, a referida professora era concluinte da primeira turma do comentado
curso.
Nesta leitura tambm se v que, embora o curso se destinasse a formar
professores, no havia em seu corpo docente presena de professores/as com formao
especfica em Fsica e sim generalistas na rea de exatas e tecnolgicas, ou seja,
matemticos e engenheiros, com a predominncia do gnero masculino.
A partir de 1970, com o movimento feminista aflorado e novas reformas
educacionais implantadas, suscitou em minha proposta de pesquisa a expectativa da
possibilidade de modificao ou no do perfil docente na referida licenciatura,
particularmente no que concerne ao gnero.
No perodo proposto para a pesquisa, a educao brasileira passou por reformas
educacionais com perspectivas e perfis diferenciados, levando a uma emergente
necessidade de expanso do corpo docente em vrios segmentos da educao superior.
23
No foi diferente na UFPA, fomentado principalmente pelo processo de expanso
desta instituio. Tanto h dvida sobre o que ocorreu a partir da dcada de 70, como em
relao ao perodo posterior a implantao da nova LDBEN - 9394/96, que propiciou
maior nfase formao docente.
A UFPA com o seu expressivo processo de expanso instituiu-se tanto como
centro de pesquisa, como um espao de enriquecimento educacional com sua pluralidade,
fazendo parte de um contexto educativo em que referncia para a regio amaznica,
formando geraes de intelectuais nas distintas reas de atuao acadmico-cientfica.
Como uma instituio educacional, sua histria fornece a memria dos percursos
educacionais da regio, da evoluo do sistema educativo e das prticas acadmicas
vivenciadas. Tudo isto como parte da histria de uma sociedade que precisa ser registrada
cientificamente. importante que se faa registro das memrias desta instituio tanto na
forma global, como tambm na perspectiva atomstica atravs de cada uma de suas
graduaes dando um olhar mais especfico para as reas, cursos ou categorias. O objeto de
pesquisa neste trabalho ser o copo docente da licenciatura em Fsica da instituio, no
perodo de 1970 a 2005.
Os relatos de Jacob (1995), a docncia feminina nas cincias naturais na dcada
de 1970, na UFPA, apresenta percentuais mnimos e registra apenas 10.3% da presena
feminina na Licenciatura em Fsica. A expanso do ensino superior vem equacionando
maiores oportunidades que possibilitam o ingresso da mulher nesse nvel de formao,
podendo assim apresentar novas estatsticas.
A anlise sobre gnero nas cincias exatas da UFPA, no s traduz a busca pelo
conhecimento, como tambm a necessidade de registro de um perodo da educao
superior do Estado do Par.
A interseco das relaes de gnero e educao ganhou maior visibilidade nas
pesquisas educacionais somente em meados da dcada de 1990, com avanos na
sistematizao de reivindicaes que visam superao, no mbito do Estado e das
polticas pblicas, de uma srie de medidas contra a discriminao da mulher
(ROSEMBERG, PIZA E MONTENEGRO, 1990).
A produo de conhecimento no campo da educao, na perspectiva da reduo da
desigualdade entre gneros, no sistema pblico de ensino brasileiro, ainda muito
pequena. As reflexes sobre os atores que compem o corpo docente do curso de
24
Licenciatura em Fsica da UFPA so relevantes, pois, podero evidenciar desigualdades
silenciadas.
Na perspectiva do gnero, no temos registros estatsticos que evidenciem
profundos estudos desenvolvidos sobre esta rea. A partir da pesquisa de Andr (2008),
gnero definido como um tema emergente e precisa ser explorado visando construir uma
sociedade mais justa.
Desta forma, necessrio identificar atravs da anlise da insero do gnero
feminino na docncia do curso citado, que perfil e relaes de poder se instituram no
corpo docente da referida licenciatura ao longo de quase quatro dcadas, buscando analisar
detalhadamente os percursos individuais e scio-culturais dos docentes, visualizando os
aspectos determinantes de suas escolhas e de suas trajetrias profissionais.
Para melhor compreenso, ao se fazer a historiografia da educao devemos olhar
para o passado, buscando abranger a totalidade da vida social, sem tratar as idias pelas
idias. Elucidando melhor, recorro a Nvoa (1992, p. 211) para enfatizar a importncia
dessa proposio:
A histria da educao mais importante porque fornece a memria dos
percursos educacionais [...] mas, sobretudo porque nos permite compreender que
no h nenhum determinismo na evoluo dos sistemas educativos, das idias
pedaggicas ou das prticas escolares: tudo produto de uma construo social.
E, no processo de construo social temos ao longo da histria da humanidade a
mulher passando a constituir uma identidade maternal, de um ser frgil e delicado, mas
nem sempre na perspectiva angelical e sim com o sinnimo de incapacidade. Identidades
incorporadas por muitas mulheres, entretanto, outras no aceitaram apenas o espao
determinado para elas, e enfrentaram crticas e tabus quando rejeitaram o que estava
rotulado como verdade para seu papel feminino.
Esta pesquisa em seu processo investigativo assumiu como fontes documentais as
legislaes educacionais Lei 4024/61, Lei 5695/71 e LDB 9394/96, as Resolues do
CONSEPE-UFPA: N0 60/71; N
0 102/72; N
0 358/76; N
0 1383/86; N
0 580/92 e N
0 2067/93, o Decreto
19.852 de 13 de abril de 1931, a Portaria Ministerial N0 159/65 e o Parecer 296/62 do CFE.
Que permearam e transitaram no processo de constituio da licenciatura pesquisada. So
sujeitos falantes as professoras e professores que construram e constituem o corpo docente
da licenciatura em Fsica.
A pesquisa props dar voz a professoras, mas sem deixar no silncio os professores
que acompanharam esta insero do gnero feminino no corpo docente durante o perodo
25
de 1970, momento em que ocorreu a insero da primeira graduada em Fsica, at 2005
quando passou a ser implantado o projeto pedaggico do curso, com base na nova LDB
9394/96.
Ou seja, inicialmente a proposta intentava abranger como sujeitos da pesquisa todas
as professoras inseridas no corpo docente desde 1970, e professores ingressantes no corpo
docente concomitante com as professoras. Entretanto, aps a busca pelos sujeitos da
pesquisa, passamos a contar com seis professoras e cinco professores. O critrio de seleo
foi feito da seguinte forma: um professor pioneiro do curso, e quatro ingressantes aps
1970.
Trabalhando com as fontes documentais e dando voz aos sujeitos, que constituem
o objeto desta pesquisa atravs da entrevista semi-estruturada, garantiu-nos investigar a
memria escrita e oral do curso. O tempo e o espao tm na memria seu resgate, ambos
permitem revolver lembranas. A memria referncia dos homens e mulheres sujeitos do
seu tempo. Nesse sentido, Poulet afirma:
Graas memria, o tempo no est perdido, e se no est perdido, tambm o
espao no est. Ao lado do tempo reencontrado est o espao reencontrado ou
para ser mais preciso, est um espao, enfim encontrado, um espao que se
encontra e se descobre em razo do movimento desencadeado pela lembrana
(1992, p.54-55).
A proposta investigar a memria com elemento inseparvel da temporalidade
capaz de entrecruzar tempos mltiplos, atualizando o tempo passado no presente tornando
este tempo vivo com significados. Nela fica permeado o entrelace do tempo e espao
vivenciado pelo sujeito. A memria constri identidades e solidifica a conscincia
individual e coletiva (DELGADO, 2006).
Silva (1999) considera que a identidade no se atribui ao sujeito e nem tambm
um processo passivo de domnio, passando a se constituir pelo carter biogrfico e
relacional, cada indivduo constri uma identidade pessoal, a partir da permuta com os
grupos sociais que convive, e simultaneamente constri sua identidade social, para aqueles
com quem convive. Ento, a vida social, pedaggica e o currculo so manifestaes que
demonstram a constituio de uma identidade histrica da mulher.
A identidade docente em sua vivncia pedaggica e seu currculo constitui
manifestao de poder, que poder se fragmentar em vrias perspectivas. Como ator no
cenrio educacional, o professor convive em todos os nveis da educao com constantes
implantaes de reformas, as quais, por sua vez, trazem inovaes em todos os nveis de
ensino, chegando a impor identidades do contexto social, econmico ou cultural.
26
Na segunda metade do sculo XX a educao brasileira vivenciou implantao de
polticas educacionais neoliberais destinadas a uma estruturao, organizao e
funcionamento da educao formal. O pas passou a vivenciar na dcada de 1980 o
processo de redemocratizao, mas no que concerne educao apenas na dcada seguinte,
aps uma longa tramitao no Congresso Nacional foi promulgada a nova LDB (Lei 9.394,
de 20/12/1996) que s recentemente passou a ser executada, a partir das reformulaes da
legislao ordinria (HILSDORF, 2007).
Nova perspectiva para formao docente foi anunciada, mas silenciada em relao
ao gnero na docncia. Ainda so poucas as investigaes que abordam da discriminao
de gnero no campo educacional, eu, particularmente como mulher e licenciada em Fsica
pela UFPA, atuando no cenrio docente da referida disciplina na educao bsica, sinto-me
na obrigao de fazer registro deste perodo, contribuindo para a historiografia das cincias
no Brasil, identificando as desigualdades e diferenas institudas, por vezes, pelo contexto
em que ocorrem as prticas culturais.
Os silncios dos fenmenos sociais, que constituem um problema devem ser
desvendados e registrados, mesmo quando considerados verdadeiros. O conhecimento
pode ser considerado provisrio quando olhamos pelo vis que uma verdade cientfica
relativa, pois sua construo decorre de um processo contnuo e precisamos estar sempre
atentos para descortin-la e confirmar sua existncia. A confirmao ser obtida atravs da
pesquisa.
Mas, se queremos constituir, em um sentido mais restrito, um olhar preciso sobre
um dado assunto deve-se estruturar a busca do conhecimento em critrios seguros,
refletidos e fundamentados.
Considero que h um antes, um durante e um depois na implantao desta
graduao, que gerou identidades a partir da dinmica de sua histria inserida na vida desta
universidade. A proposta visa ir alm do enfoque tradicional voltado aos aspectos de
ordem legislativa ou normativa, ir ao encontro de vestgio que constituram a docncia
desta licenciatura, situando no tempo e no espao histrico, real e relacional a insero do
gnero feminino no quadro docente da licenciatura alvo deste estudo.
Em um perodo que a educao superior passou por reformas que possibilitaram
sua expanso, permitindo maior ingresso de mulheres neste nvel educacional, podemos
encontrar ou no mudanas no perfil quanto ao gnero de uma licenciatura considerada
masculina.
27
Para concretizar os objetivos desta pesquisa os procedimentos metodolgicos
partiram da reviso de literatura balizada pelos eixos investigativos propostos, realizados
atravs do levantamento das fontes bibliogrficas com foco investigativo no estado da arte,
para dar fundamentao terica na perspectiva do gnero e formao docente.
Em seguida, realizei a anlise documental, tanto na secretaria do referido curso
quanto nas pr-reitorias de graduao e planejamento da UFPA, buscando registros e
vestgios da constituio do corpo docente da mencionada licenciatura, investigando os
sujeitos da pesquisa no como objetos, mas como protagonistas de um contexto com
significados e sentidos. Nesta perspectiva:
o conhecimento no se reduz a um rol de dados isolados, conectados por uma
teoria explicativa; o sujeito-observador parte integrante do processo de
conhecimento e interpreta os fenmenos, atribuindo-lhes um significado
(CHIZZOTTI, 2005, p. 79)
Quero registrar este como o momento de maior dificuldade da pesquisa, no pela
proposta de anlise e sim pelo processo investigativo na busca de documentos e dados que
possibilitassem interpretar e dar significado aos mesmos. Registro que em todos os
segmentos institucionais encontrei permisso e aceite para investigar documentos,
entretanto, muitos registros como atas, portarias, resolues e outras aes normativas que
permearam a histria do curso no se encontravam arquivadas. Este fato levou-me a ter
que reconstruir algumas informaes atravs de relatos orais ou pelos registros acadmicos
dos discentes.
Em um terceiro passo, apliquei formulrios de entrevistas semi-estruturadas, com
10 (dez) quesitos dissertativos dirigidos aos sujeitos da pesquisa, visando atingir os
objetivos do ltimo captulo desde trabalho, procurando capturar suas vivncias docentes,
analisando que discurso de poder se espelha na prtica social e nos valores culturais em
relao presena do sexo feminino no curso de licenciatura em Fsica da UFPA, pois,
segundo adverte FOUCAULT2,
Na materializao do discurso sobre gnero e sexualidade h uma poltica de
verdade que precisa ser analisada. preciso [...] estudar o discurso, mesmo o
discurso de verdade, como procedimentos retricos, maneiras de vencer, de
produzir acontecimentos, de produzir decises, de produzir batalhas, de produzir
vitrias (2003, p. 142) (grifo do autor).
2 As aes normativas trazem discursos. As vozes docentes tambm. Embora, ao longo deste trabalho algumas
vezes me reporte a Foucault, a anlise dos dados no tomaram a perspectiva foucaultiana. A anlise documental
e a escuta da voz dos docentes foram investigadas em busca de poderes que tenham se institudo produzindo
aes discriminatrias em relao insero do gnero feminino na licenciatura aqui estudada.
28
Ainda no final do Sculo XX, a significao cultural do sujeito mulher encontrava-
se perfilada apenas para o magistrio das sries iniciais ou/e se no ensino superior, mais
voltada para a rea das Cincias Humanas e Sociais, imputando-se a ela sua ausncia nas
Cincias Exatas ao longo da histria. Agravado por brbaras hipteses quanto ao papel e a
capacidade feminina, em geral propiciada pela cumplicidade entre a cincia e a
constituio patriarcal da sociedade.
A ausncia das mulheres na cincia natural sempre foi muito evidente. Chassot
(2006, p-35) considera a presena feminina na Cincia ao longo da histria como
momentos isolados:
Quando se fala na presena de nomes de mulheres na Cincia, o primeiro nome
que surge destacado e isolado o da matemtica neo-platnica Hipcia (370-
415), que trabalhava na biblioteca de Alexandria e foi assassinada por uma turba
de monges cristos instigados por religiosos fanticos. Ela aparece como uma
estrela feminina quase solitria numa galxia masculina, em toda a histria da
cincia do mundo antigo, do medieval e mesmo dos primeiros sculos dos
tempos modernos.
Nas ltimas dcadas do sculo XX, transitaram legislaes rgidas e
conservadoras, para uma lgica prospectiva e adaptativa ao novo, em que passa a valorizar
as competncias, onde se visualizam grandes preocupaes e o esforo investido em
mudanas na educao brasileira nas ltimas dcadas, principalmente no final dos anos de
1980, com a consolidao da Constituio Federal de 1988 e durante todo o perodo dos
anos de 1990.
Os documentos das reformas educacionais tambm constituem um campo variado
de estudos, desde as propostas de estrutura curricular, financiamento da educao,
avaliao de desempenho, formao docente e tambm aspectos especficos como gnero,
raa e direitos humanos. Em documentos institucionais podemos encontrar vestgios
histricos e discursos que se materializaram no tempo. Foucault (2003, p.141) enfatiza
que: os discursos so efetivamente acontecimentos, os discursos tm uma materialidade.
A pesquisa que propus pretendeu lanar um olhar historiogrfico na dimenso da
incorporao do gnero feminino na educao superior, com a finalidade de fazer a
interseco das relaes de gnero e docncia em uma licenciatura localizada na rea das
cincias exatas, rotuladas como um espao masculino, observando a gnese de sua insero
e a prtica do corpo docente pertencente ao curso.
Tambm cabe descrever a presena do gnero feminino na educao superior dentro
das cincias exatas partindo do entendimento segundo o qual desde o incio do [...] Sculo
XX que a cincia est culturalmente definida como uma carreira imprpria para a mulher,
29
da mesma maneira que, ainda na segunda metade do Sculo XX, se diziam quais eram as
profisses de homens e quais eram as de mulheres. [...]. (CHASSOT, 2006, p.27).
A Universidade Federal do Par iniciou sua histria em 1957 e em 1961, o ento
Reitor Silveira Neto, criou o Ncleo de Fsica e Matemtica onde seria posteriormente
implantado o curso de Licenciatura em Fsica a partir de 1965, apresentando naquele
momento um quadro docente predominantemente composto por professores, com a
formao de engenheiros ou matemticos (ALMEIDA, 2006) dando um perfil masculino
docncia do curso, confirmando a estigmatizada identidade de que algumas profisses
eram consideradas monoplios masculinos, segundo Silva (1999).
Tratar a historiografia da Licenciatura em Fsica da UFPA com o olhar no tempo e
espao scio-cultural do Par registrar a histria de um fenmeno educacional. Bassalo
(1995), considerado pela comunidade cientfica paraense como o profundo conhecedor da
histria do ensino de fsica no Par, registra ter sido por volta de 1658, no Curso de
Filosofia do Colgio do Par, na Igreja de Santo Alexandre, o primeiro momento de ensino
da disciplina Fsica no Par, e descreve que a falta de arquivos locais o impediu de maiores
investigao no ensino desta disciplina naquele momento histrico.
No s a colocao desde ilustre pesquisador, mas a sinalizao de outros
evidenciam a importncia de registrar os fenmenos educacionais, tanto em documentos
como nas pesquisas cientficas. Ldke e Andr (1986.p-5) afirmam que cada vez mais se
entende o fenmeno educacional como situado dentro de um contexto social, por sua vez
inserido em uma realidade histrica, que sofre toda uma srie de determinaes.
E, refletindo sobre a afirmao destes autores, quero registrar atravs da pesquisa a
realidade dinmica da constituio da insero de professoras no corpo docente desta
licenciatura, fazendo sua historiografia na perspectiva do gnero, para que se possa chegar
a entender os poderes estabelecidos.
Chassot (2006) evidencia que a histria da Cincia est contida na histria da
humanidade, que no poder ser descrita sem deslindar as tramas de entrelace das duas
histrias com a histria da filosofia, das artes, das religies, das magias e, inclusive os
indevidamente referidos como sem histrias, por serem minorias.
A proposio dissertativa do meu trabalho aps passar pela reviso de projeto
buscando o melhor recorte para o problema de pesquisa e maior focalizao do objeto de
pesquisa, sofreu reformulaes em seus objetivos e caminhos norteadores para atingi-los.
A reviso da literatura passou a ser uma constante, procurando identificar o estado da arte
30
sobre o problema proposto para pesquisa, e assim, melhor levantar quais as lacunas a
serem preenchidas e ir busca de melhor metodologia de pesquisa.
Optando pela pesquisa qualitativa, de cunho histrico educativo, o ponto de
partida foi a buscar de lastro investigativo para resgatar a evoluo da constituio do
corpo docente da licenciatura em Fsica, focando a insero do gnero feminino no lcus
a UFPA, campus Belm, a partir de autores como Almeida (2006) e Bassalo (1995) na
perspectiva histrica do curso, Hisdolf (2007) como referncia para a histria da
educao brasileira, Apple (1998) e Saviani (2000, 2005) em currculo, Beltro (2008),
Blay (1991),Chassot (2006), Louro (2007), Rosemberg (1990, 2001), Scott (1995),
Tanuri (1979, 2000) e outros aliceram o discurso sobre gnero, alm dos demais que
embasam este trabalho, citados e analisados ao longo do texto e registrados na
bibliografia.
Partindo do objetivo maior de analisar a constituio da insero do gnero
feminino na referida licenciatura, entre 1970 a 2005, considerou-se necessrio fazer
recortes especficos procurando fragmentar a busca de resposta para o problema proposto.
Assim, a pesquisa passou a se constituir de trs eixos norteadores relacionados aos
referidos recortes especficos propostos gerando trs captulos estruturadores desta
dissertao.
No primeiro captulo, com base na reviso terica realizada, traou-se a
historiografia do gnero feminino na educao superior com o objetivo de identificar e
descrever o trajeto historiogrfico da mulher brasileira para conseguir ingressar neste
segmento educacional.
O segundo captulo, atravs da pesquisa documental, buscou investigar as
reformas educativas com intuito de identificar como as propostas de formao docente
influenciaram na insero do gnero feminino da docncia da Licenciatura em Fsica da
UFPA, entre 1970 a 2005.
Quanto ao terceiro captulo, utilizou a tcnica metodolgica de entrevista semi-
estruturada, de modo a dar voz s professoras e professores respectivamente, que
constituram este corpo docente para, atravs da anlise dos seus discursos, fazer o registro
dos preconceitos, discriminaes e dificuldades por elas vivenciados em suas trajetrias
docentes, atribudas a condio do gnero.
No referido captulo, ao dar voz s professoras inseridas na docncia da referida
licenciatura, pretendeu analisar as barreiras sociais e culturais impostas ao longo da
formao e atuao docente. Tambm neste captulo foram sujeitos na pesquisa e passaram
31
a ter voz, cinco professores do mesmo corpo docente, visando entender as barreiras sociais
e culturais que eles visualizam para a insero do gnero feminino na licenciatura em
Fsica da UFPA.
Desta forma o problema aqui pesquisado atravs dos seus eixos norteadores
possibilitou-me enveredar no s na histria de um curso da UFPA, na perspectiva do
gnero, mas tambm registrar e divulgar a mesma. Como membro do Ncleo de Estudos e
Pesquisas em Currculo NEPEC possibilitou-me discutir e analisar o tema com meus
pares, visando aprofundar a pesquisa, bem como moldar publicaes para divulg-la.
O que levou a publicao de artigos dos resultados parciais do processo de
investigao nos seguintes eventos: V Congresso de Pesquisa e Educao de Histria da
Educao em Minas Gerais; II Encontro Maranhense de Histria da Educao; 190
Encontro de Pesquisa Educacional do Norte e Nordeste; III Dilogos Curriculares
Formao de Professores e Currculo e VIII Seminrio Nacional de Polticas Educacionais
e Currculo.
S entendendo a histria da humanidade, em pequenas quantidades ou de forma
mais abrangente constituda atravs de seus fenmenos sociais, ficar mais slida nossa
trajetria rumo ao futuro com perspectiva de uma sociedade mais justa e igualitria.
32
CAPTULO I
A HISTORIOGRAFIA DO GNERO FEMININO
NA EDUCAO SUPERIOR
Como ponto de partida, nesta parte da pesquisa pretendi compreender as
implicaes decorrentes do processo de ascenso social da mulher no espao acadmico
escolar, bem como sua insero no campo das cincias e da tecnologia no Brasil. A
construo dos argumentos se respaldou na seguinte indagao: Como os autores
dedicados aos estudos de gnero abordam em suas produes historiogrficas a trajetria
de ascenso social do gnero feminino e sua luta por educao superior?
Para desvelar esta trilha sob a gide da educao, este captulo traz como proposta
metodolgica a investigao fundamentada na pesquisa bibliogrfica indo busca dos
vestgios indicativos da trajetria historiogrfica da mulher desde sua ausncia da educao
formal at seu ingresso na educao superior.
Trabalhando com Hilsdorf (2007) como fonte bibliogrfica da histria da
educao brasileira, e dividindo o percurso historiogrfico em trs perodos, Brasil
Colnia, Imprio e Repblica, o texto procura localizar o tempo, o espao social e cultural
em que a mulher brasileira foi sendo inserida na educao formal. Entretanto, emerge a
necessidade de identificar os fatores perenes que se instituram como barreiras para o
ingresso do gnero feminino na educao formal.
A permanncia da dualidade masculina e feminina na educao, no mundo
ocidental, e a emergncia dos estudos de gnero nesta pesquisa foram focadas a partir das
investigaes desenvolvidas por Scott (1997), Louro (2007), Meyer (2007) e Rosemberg
(1990). A leitura de Attico Chassot (2006) em seu trabalho sobre A cincia Masculina
foi norteadora da descrio da insero da mulher na educao cientfica e tecnolgica.
Alm da investigao nas fontes histricas oficiais: Lei de 15 de Outubro de 1827, a
Reforma Lencio de Carvalho e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 4024 de 20 de dezembro de
1961.
No espao social e cultural nossas bisavs, avs e um expressivo nmero de mes,
na segunda metade do sculo XX ainda confirmavam uma educao familiar patriarcal.
Eram preparadas para se destacarem nas artes manuais como: bordados, croch, tric, corte
e costura, tambm deveriam entender dos segredos da culinria, o que as intitulavam
33
prontas para o casamento e a maternidade. Ao preencherem formulrios cadastrais
escreviam como profisso ou formao que eram domsticas ou prendas do lar. Este
o esteretipo que se constituiu ao longo da histria para a mulher brasileira.
A dimenso social imputada mulher na sociedade contempornea do cenrio
mundial possui expanso para alm da esfera familiar de me e dona de casa, chegando a
atingir todos os espaos e nveis em vrios segmentos sociais. Porm, este panorama nem
sempre foi assim, como tambm no uniforme em todo o planeta.
Mesmo em naes consideradas modernas e avanadas ainda esto institudos
conceitos que mantm o gnero feminino com responsabilidades, que buscam recursos
lingsticos, do tipo a matriarca ou como rainha do lar. Muitas vezes colocado como
vocativo para evidenciar que os males sociais do novo sculo podem ter nascidos pela
sada da rainha do lar ao ir busca de reinar em outros espaos (RAMOS, 2002).
Para reinar em outros espaos mudanas sociais, culturais e at econmicas
ocorreram na diversidade mundial. Cada espao e em cada tempo houve movimentaes
resistindo ou permitindo a conquista de novos espaos funcionais para a mulher. Na
sociedade brasileira estas conquistas foram envolvidas por vrios percursos e um deles se
teceu no campo da educao.
No privilgio apenas do Brasil ou da Amrica Latina vivenciar ao final do
sculo XX grandes reformas econmicas, polticas e sociais, e sim de todo um contexto
mundial, que na perspectiva neoliberal pretende levantar bandeira e tentam responder um
grande desafio: o de supostamente diminuir as diferenas e desigualdades sociais, porm
ao invs de diminuir podem estar expandindo ainda mais.
Nestas regies do planeta, assim como em outras, as aes que emergem no
mbito educacional adotam estratgias vinculadas a grandes reformas ao longo das ltimas
dcadas do final sculo XX. Neste contexto, etnia e gnero so fatores de muita evidncia
nas desigualdades sociais, porm, assuntos ainda pouco explorados exigindo que se analise
melhor sob vrios enfoques e com muita consistncia cientfica.
As leituras sobre gnero, atualmente, nos induzem a perceber uma gama de
trabalhos e concepes nas mais diversas perspectivas e diferentes contextos que
contemplam muito pouco a referida temtica, e que, em razo talvez da sua complexidade,
exige um olhar igualmente amplo, para que se possa refletir acerca deste tema de forma
mais coerente, enveredando na busca de maior clareza nos entendimentos e nas
perspectivas encontradas na literatura, mas tambm construindo novas concepes por
34
aqueles que se propem mergulhar neste universo to denso e necessrio de ser investigado
e discutido.
Para melhor compreender os rumos obtidos no universo dos estudos sobre gnero,
um ponto essencial a questo da sua historicidade, que certamente pode esclarecer e
justificar muitas das perspectivas atuais desta temtica, em funo dos reflexos e
impregnaes adquiridas desde a sua origem e das primeiras sinalizaes de estudos
quando nesta rea comearam a ser pensados e evidenciados, com maior ou menor
repercusso.
Como todo novo campo de estudo, o do gnero nasce com inquietaes e sofre a
influncia direta do contexto scio-cultural no qual esto inseridos. Verdades engessadas
ao longo da histria da humanidade sempre estimularam inquietaes, que somadas a
novos contextos mais dvidas provocam, levando muitas vezes a aes e movimentos que
produzem paradigmas diferentes.
Meyer (2007, p.11), comenta que embora os movimentos de mulheres e o
feminismo tenham construdo trajetrias que podem ser contadas de diferentes formas e
sob diferentes pticas tambm podemos encontrar dois perodos histricos de grande
significado para a expanso deste campo de estudo: O movimento sufragista na busca do
direito de votar s mulheres brasileiras, desde a Proclamao da Repblica at Constituio
de 1934, e, o movimento feminista nos pases ocidentais nos anos de 1960 e 1970
associados ecloso do movimento de redemocratizao no Brasil.(Ibidem).
preciso recuperar um pouco do contexto histrico da presena da mulher na
educao brasileira. Neste cenrio ocorreram revolues inovadoras em cada poca que
abalaram os alicerces do mundo feminino no rastro histrico. As mutaes do contexto
feminino na sociedade Brasileira nem sempre foram muito dinmicas, porm em mais de
500 anos de histria, o salto se deu da mulher indgena, cabocla ou mestia passando pelas
grandes senhoras totalmente submissas, chegando a mulheres mais autnomas e
independentes.
Com a perspectiva da trilha historiogrfica at a mulher brasileira ser inserida na
educao superior poderemos entender melhor sua incorporao na educao cientfica e
tecnolgica, e de forma mais objetiva sua presena enquanto membro do corpo docente da
Licenciatura em Fsica da UFPA.
35
1.1 - A ndia, a sinhazinha e a escrava na educao brasileira do sculo XVI e
XVII
No perodo colonial, a histria da educao brasileira tem incio com a chegada da
Companhia de Jesus (Os Jesutas) em meados do sculo XVI, e posteriormente de outros
missionrios. Essa Companhia, considerada uma ordem religiosa exemplar, referendada
por uma aguda conscincia da dimenso social e ativa da Igreja (Hilsdorf, 2007, p.4),
permaneceu aqui por quase trs sculos at serem expulsos pelo Alvar Rgio de 1759. E
para esta mesma autora, nos dias atuais devemos considerar a atuao dos Jesutas sob
duas diacronias: a da colonizao e a da Igreja, em torno de 1570.
Neste cenrio colonial, independente do gnero3, seus habitantes foram induzidos
ao letramento e instruo adequados aos desgnios do colonizador. Fazendo paralelos entre
as colonizaes ocorridas naquele tempo, vamos encontrar a colonizao da Nova
Inglaterra (hoje Estados Unidos) acontecendo em moldes muito diferentes daquela
instituda no espao colonial brasileiro.
L o colono chegou com sua famlia construindo casa, igreja, escola e lazer,
enquanto aqui o nobre portugus se firmou como convidado da Coroa Portuguesa para ser
parceiro de um negcio lucrativo, em geral vinha sem famlia, no trazia interesse na
educao, apenas a subservincia dos que aqui viviam para bem servir o objetivo do seu
Rei, na extrao das riquezas locais.
Os nativos brasileiros eram considerados selvagens e rebeldes, por isto, havia
necessidade de civiliz-los e catequiz-los. Em primeiro momento, a catequese e o ensino
das primeiras letras, foi uma responsabilidade dos Jesutas. Foi o comeo da domesticao,
estruturao, colonizao do modo como aquelas pessoas viviam e reproduziam sua
vida humana (DUSSEL, 1993, p.51, grifo do autor).
A ao pedaggica exercida pelos jesutas, no perodo colonial, foi hegemnica.
No s pelo extenso perodo, mas tambm pelos padres culturais que sobrepuseram aos
que aqui habitavam. A hegemonia, de acordo com Gramsci (2000), se caracterizou pelo
processo em que um grupo social, tornou seus valores aceitos e incorporados pelos demais,
mesmo quando minoritrios.
3 Cito neste momento o termo gnero em funo da descrio do texto, mas importante ressaltar que a
preocupao terica com o gnero como uma categoria analtica s emergiu no fim do sculo XX (SCOTT,
1995).
36
Marisa Bitar e Amarlio Ferreira Junior4 chamam ateno ao pouco interesse de
pesquisa pelo perodo colonial, no qual temos a gnese da educao brasileira. Os jesutas
foram os viabilizadores da explorao econmica da colnia, via domesticao e
catequizao do ndio, marcada por dois perodos caracterizados por Alves de Mattos
(1978) em: perodo herico (1549-1570) e perodo de consolidao ou expanso (1570-
1759).
No perodo herico os missionrios tinham convivncia direta nas aldeias,
integrando-se aos costumes. Estratgia usada para minimizar as diferenas e obter maior
aceite dos ensinamentos religiosos e da cultura portuguesa. Os aldeamentos dos adultos e
recolhimentos de crianas levaram em 1592, por iniciativa do Padre Nbrega com o
apoio da Coroa Portuguesa, a serem implantadas as casas de meninos onde era feito o
ensinamento oral do portugus, do catecismo, da doutrina crist, do tocar de alguns
instrumentos musicais e prticas ascticas. E, na dcada de 1560 desse sculo, os jesutas
abriram os colgios para filhos dos colonos (HILSDORF, 2007).
No perodo colonial, as mulheres brancas, indgenas e negras raramente tiveram
acesso educao, e esta ausncia vem constituir o incio da histria da construo social
dos gneros no Brasil, marcado pela subservincia feminina em maior ou menor
intensidade, inclusive na prtica sexual.
Ao colonizador portugus, na condio de senhor da famlia patriarcal, era dada a
regalia de usufruir da vida de todos os que aqui habitavam. Com esta perspectiva tinham
muitas mulheres e amantes. Dos grupos sociais aqui existentes, depois dos ndios, eram
elas que mais sofriam ao desse poder. E a mulher indgena muito mais, pois trazia duas
condenaes para aquela poca: o de ser ndia e de seu pertencimento ao gnero feminino.
Dussel (1993) enfatiza que a colonizao e/ou domnio do corpo da mulher
ndia foi parte de uma cultura que tambm inclua o domnio do varo ndio explorado
principalmente no trabalho. As indgenas foram utilizadas pelos portugueses tanto para a
sua satisfao sexual como no que se refere expanso do cunhadismo. Ou seja, quando
o portugus engravidava uma indgena, tornava-se parente dos outros ndios e assim tinha
muitos braos para carregar o pau-brasil at suas naus (RIBEIRO, 1995). Se a mulher
branca j era submissa, a indgena ainda era pior, pois servia como objeto de servido
sexual.
4 Ambos so professores do Departamento da universidade de So Carlos (UFSCar), e autores do texto O
estado da arte em histria da educao colonial
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Os historiadores silenciaram a condio subjugada e humilhante vivida pela
mulher naquela poca frente aos anseios sexuais dos portugueses. Para Scott (1995 p, 74):
A reao da maioria dos/as historiadores/as no feministas foi o reconhecimento
da histria das mulheres e, em seguida, seu confinamento ou relegao a um
domnio separado (as mulheres tiveram uma histria separada da dos homens,
em consequncia deixemos as feministas fazer a histria das mulheres que no
nos diz respeito; ou a histria das mulheres diz respeito ao sexo e famlia e
deve ser feita separadamente da histria da poltica e econmica). No que se
refere participao das mulheres na histria, a reao foi, na melhor das
hipteses, um interesse mnimo.
E, a maioria dos historiadores clssicos relata o ndio sem raciocnio, sem
sentimento, como alienados felizes. Quanto mulher indgena, em seu habitat natural, foi
ultrajada, teve seu corpo usado vontade pelo colonizador portugus. A viso dos
lusitanos no sculo XVI para as mulheres ibricas era de que faziam parte do Imbecilitus
Sexus, portanto, o comportamento condizia com essa preconceituosa viso.
Como as regras da Corte eram usadas na colnia, ento se tornava defeso ao
gnero feminino ensinamentos alm dos afazeres domsticos, pois os conhecimentos eram
considerados desnecessrios e perigosos. A instruo para as mulheres possibilitaria maior
conscincia e menor submisso ao que era chamado de sexo superior, o homem. E a
mulher negra, como escrava, jamais poderia receber letramento, era mais desconsiderada
ainda, at por suas semelhantes.
Mas nem todos que aqui passaram tinham este pensamento. Ribeiro (1996)
refere-se Madalena Caramuru, filha de Diogo lvares de Correia (o Caramuru), como
sendo a primeira nativa brasileira letrada no Brasil. A entrada de Madalena no mundo das
letras foi atribuda ao seu marido, o portugus Afonso Rodrigues. A prova de que ela teria
sido a primeira pessoa a ser alfabetizada em nosso territrio, se deve ao fato de uma carta
escrita e enviada em 1561 ao Bispo de Salvador. Essa missiva seria o primeiro documento
escrito por um brasileiro, no caso do gnero feminino.
O monoplio da igreja catlica no ensino fortifica a educao sob o vis medieval.
O mtodo dos Jesutas e suas obras didticas, sistematizada no Ratio Studiorum, o Plano
de Estudos com a verso definitiva aprovada em 1599, adotada nos colgios jesutas em todo o
mundo ajudavam a reforar a hegemonia masculina e a autoridade da Igreja e do Estado.
A parcela ilustrada da sociedade portuguesa passou a recusar os jesutas como
educadores e tambm como colonizadores. O Marqus de Pombal, ento primeiro ministro
do Rei de Portugal D. Jos I, imprimiu ao ensino da Coroa Portuguesa e da colnia (Brasil)
reformas que produziram a transferncia do controle da educao escolar da mo dos jesutas
para o Estado portugus.
38
A partir de 1759 comeam a serem implantadas as reformas pombalinas da
instruo pblica que se contrapem ao predomnio das idias religiosas e, com
base nas idias laicas inspiradas no Iluminismo, instituem o privilgio do Estado
em matria de instruo (SAVIANI, 2005 p.7, grifo do autor).
As reformas pombalinas da instruo pblica se caracterizaram pela influncia da
pedagogia do humanismo racionalista, com o Estado portugus ainda regido pelo estatuto do
padroado, vinculando-se estreitamente Igreja Catlica, antijesutica, com orientaes de
outras ordens, com destaque aos oratorianos, alm da proposta da educao laica financiada
pelo subsdio literrio 5.
Quando em 1759 foram fechados os colgios jesutas em todo o reino, criaram-se as
aulas rgias avulsas secundrias, para meninos, ministradas por professores concursados. A
reforma universitria pombalina, conforme Hilsdorf (2007) instituiu a Junta da Providncia
Literria com o objetivo de reestruturar e melhor ensinar as cincias modernas, mantendo este
nvel de ensino masculinizado.
A Reforma Pombalina aditava s idias iluministas, no s para Portugal, mas
tambm para a colnia. As aulas rgias tambm foram implantadas no espao colonial,
porm, com muitas dificuldades tanto pela oposio dos partidrios dos jesutas, como pelo
desvio do subsdio literrio (Ibidem), e com diferenas entre as capitanias.
Azevedo (1964) em sua obra A cultura brasileira considera que a expulso da
Companhia de Jesus em 1759, na desorganizao do pouco de ensino que havia na colnia
e que a reforma pombalina deixou a educao da Colnia deriva por alguns anos, visto
que esta vinha se sobrepor em um mtodo educacional rgido e consolidado em quase trs
sculos. notvel que o momento temporal do Brasil Colonial j se apresentava um novo
contexto social a partir de atividades econmicas diversificadas.
Hilsdorf (2007, p.36), discorda da postura da obra de Azevedo (1964) ao comentar
que preciso lembrar que as aulas rgias criadas pela legislao pombalina-joanina no
foram nicas existentes nos fins do perodo colonial, e chama a ateno ao fato de que no
referido perodo a iniciativa estatal, apoiada por outras ordens religiosas, e privada ensinavam
atividades de cunho produtivo alm das aulas rgias, compondo um quadro rico e diversificado
na educao da colnia.
Os filhos dos senhores do engenho, extrativistas de ouro ou de grandes
comerciantes poderiam ter o privilgio de estudar na Universidade de Coimbra ou de
outros centros avanados nas modernas cincias, em continente europeu. As idas e vindas
5 Em10/11/1772, Pombal cria o Errio Rgio, imposto denominado subsdio literrio que financiaria a nova
proposta educacional iluminista. No Brasil, o novo tributo passa a vigorar em 1773.
39
ao continente reverberavam idias iluministas, trazidas por jovens brasileiros, que fizeram
caminhos de intercmbio cultural, trazendo pensamentos e prticas liberais para a Colnia.
Entretanto no mbito da educao formal da mulher brasileira, no perodo
colonial, no haveria mudanas. As filhas dos abastados senhores deveriam ser educadas
na condio de ser uma esposa recatada e submissa para o marido que seria escolhido pelo
pai, chegando s vezes a conhec-lo praticamente na hora do casamento, quando no
concordavam teriam a opo de ir para um convento e viver como esposa de Jesus Cristo.
1.2 - A educao na transio da Colnia ao Imprio.
A vinda da Famlia Real Portuguesa para o Brasil, em 1808, trouxe grandes
mudanas no campo econmico, social e cultural. Sua chegada transforma a colnia em
sede do reino e foi fundamental para a criao das embrionrias faculdades. Antes disso,
Portugal no permitia a criao de nenhuma dessas instituies de ensino em suas colnias,
embora nas possesses espanholas existissem universidades desde o sculo XVI.
A educao superior no Brasil iniciou-se com primeira faculdade fundada por
Dom Joo VI em Salvador (BA), o que simbolizou o incio da independncia cultural. A
folha ONLINE divulgou em 20/02/2008, em homenagem aos 200 anos da presena da
educao superior no Estado da Bahia, a gnese desta instituio de ensino superior que a
mais antiga do Brasil6:
A primeira escola de ensino superior do pas foi inaugurada no dia 18 de
fevereiro de 1808, oito dias antes da partida da famlia real para o Rio de Janeiro.
Ela foi instalada no Hospital Real Militar, que ocupava as dependncias do
Colgio dos Jesutas, no Largo do Terreno de Jesus7.
Com a Proclamao da Independncia, em 1822, a sociedade brasileira herdou
com uma estrutura social mais complexa. As imigraes internacionais e a expanso
diversificada da economia impulsionaram a demanda por educao, agregando a esta um
vis valorativo passando a ser vista pelas camadas sociais intermedirias como um
instrumento de ascenso social.
Chegamos assim ao embrio da histria brasileira em que um dirigente desta
nao se preocupou com a educao feminina. A Constituio de 1824, em seu Art. 179
6 Vale ressaltar como a Faculdade mais antiga e no sob a forma organizacional de Universidade como
atualmente se conhece. 7 http://www. folha.com. br; FOLHAONLINE, reportagem com a colaborao de Wanderley Freitas Sobrinho,
em 18/02/2008. Acesso em 26/10/2008.
http://folha.com.br/
40
(pargrafos 32 e 33) fixou o ensino primrio gratuito para todos e o ensino de cincias e
das artes em colgios e universidades. As regulamentaes de outras garantias deveriam
ocorrer atravs de legislao ordinria.
Em 1826 foram institudos quatro graus de instruo: Pedagogias (escolas
primrias), Liceus, Ginsios e Academias. E, em 1827, os primeiros legisladores do
Imprio aprovaram a estatizao do ensino primrio, extensivo tambm s meninas,
expresso nos Art. 6, 11 e 12, da Lei de 15 de Outubro de 1827, e classes deveriam ser
regidas por professoras.
Art. 6o Os professores ensinaro a ler, escrever, as quatro operaes de
aritmtica, prtica de quebrados, decimais e propores, as noes mais gerais de
geometria prtica, a gramtica de lngua nacional, e os princpios de moral crist
e da doutrina da religio catlica e apostlica romana, proporcionados
compreenso dos meninos; preferindo para as leituras a Constituio do Imprio
e a Histria do Brasil.
Art. 11. Havero escolas de meninas nas cidades e vilas mais populosas, em que
os Presidentes em Conselho, julgarem necessrio este estabelecimento.
Art. 12. As Mestras, alm do declarado no Art. 6o, com excluso das noes de
geometria e limitado a instruo de aritmtica s as suas quatro operaes,
ensinaro tambm as prendas que servem economia domstica; e sero
nomeadas pelos Presidentes em Conselho, aquelas mulheres, que sendo
brasileiras e de reconhecida honestidade, se mostrarem com mais conhecimento
nos exames feitos na forma do Art. 7. (LIMA, 1979).
Esse cenrio instigou a formulao de algumas dvidas: Quais professoras? Com
mais conhecimento? Como poderia haver professoras com pelo menos o mnimo de
qualificao, quando para as mulheres no era dado o direito do conhecimento? E o poder
patriarcal dos senhores estava convencido de que suas filhas deveriam ir escola, ter uma
instruo? Sem professoras qualificadas e sem interesse dos pais em mandar as filhas para
a escola, o ensino primrio para as meninas no logrou muito xito, em todo o pas foi
muito reduzido o ndice de meninas que passaram a ser alfabetizadas, pois sua
escolarizao s acontecia quando migravam para o continente europeu.
As idias liberais e abolicionistas alastraram na sociedade brasileira
conscientizao de mudanas na viso de um pas livre. Se a educao j era vista como a
ferramenta da ascenso social, com a perspectiva de novos conhecimentos, agora seria ela
que possibilitaria chegar Repblica. O objetivo era um pas, livre e moderno, o que s
seria alcanado a partir de um povo com capacidade intelectual para atuar nesta nova
proposta social e econmica dos ideais abolicionistas. A expanso do ensino elementar e
secundrio teve que se tornar um fato real:
41
So Paulo, em 1862, a provncia tinha, funcionando, 79 escolas de primeiras letras
masculinas e 64 femininas, dez aulas avulsas de latim e francs e uma de desenho e
pintura, ao passo que os estabelecimentos particulares somavam 83 escolas
elementares para meninos e 41 para as meninas, mais 47 aulas avulsas de latim [...]
(HILSDOF, 2007.p.50)
A histria do Brasil demarca no anteceder do perodo republicano, uma poltica
para a educao feminina, alicerada na discriminao social e a evidncia da extrema
diferenciao entre os sexos. Os cuidados com o lar, o marido e os filhos inda ressoavam
na escolarizao. Em se tratando da educao para o sexo feminino, o ideal era a
preparao para a permanncia no espao privado (RIBEIRO, 1996, p.44).
As condies opostas entre feminino e masculino, ainda sob excessiva gide do
patriarcalismo, permitiu nas geraes de meninos e meninas aprenderem a apresentarem-se
como homens e mulheres, com permisses de emoes diferenciadas, exibio de
comportamentos caractersticos, fazendo da linguagem verbal e no verbal especfica, pelo
simples fato dos seus corpos serem traados com diferenas biolgicas.
Na sociedade rural estes esteretipos eram mais fortes. A casa-grande, onde eram
educadas, as mulheres vivenciavam a linguagem especfica da parcela restrita do universo
social da poca. Tambm preparadas para a administrao da casa, das costuras, dos pontos
dos doces, e das rezas.
O acesso leitura era feito atravs do aprendizado na famlia durante a infncia, e
fundamentado nos livros de reza, quando muito aos romances aprovados pelos pais.
quelas que desejassem estudar a nica alternativa que restava era o ingresso nos
conventos, onde o ensino da leitura e da escrita era ministrado, porm associado tambm
ao da msica, trabalhos manuais domsticos, preparo de doces e de flores artificiais
(GUEDES, 2004).
Na primeira metade do sculo XIX as instituies destinadas educao da
mulher apresentavam um currculo dual, com claras especificaes de gnero. mulher
coube a educao primria, com nfase ao fortalecimento do perfil materno e prendada
para o lar. A educao secundria era restrita ao magistrio, ou seja, formao de
professoras para os cursos primrios, porm sem a possibilidade do ingresso no ensino
superior.
Raros foram os casos, nesse