A DOMINAÇÃO TECNOLÓGICA DOS PAÍSES CENTRAIS NA ...€¦ · na atual reestruturação da...

17
A DOMINAÇÃO TECNOLÓGICA DOS PAÍSES CENTRAIS NA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DA INDÚSTRIA DO SOFTWARE Gentil Cutrim Serra Junior 1 Resumo: Diante da necessidade de uma reorganização dos meios de produção da indústria de software, a luta dos movimentos sociais de combate aos monopólios de sistemas computacionais torna-se alvo de interesse das grandes empresas de tecnologia no intuito de criar um novo modelo de fabricação de produtos livres de taxas de licenciamento. Esse modelo de fabricação, baseado na produção colaborativa de voluntários, revela-se como uma grande fonte de lucros para novos fabricantes de software, por meio da expropriação do trabalho de especialistas distribuídos por diversas regiões do mundo. Palavras-chave: Software livre, dependência tecnológica. Abstract: In front of the necessity of a reorganization of the means of production of the software industry, the social movements fight's for combat to the monopolies of computational systems becomes target of interest of the great companies of technology in intention to create a new model of manufacture of free products of licensing costs. This model of manufacture, based on the colaborative production of volunteers, shows as a great source of profits for new manufacturers of software, by means of the expropriation of the work of specialists distributed for diverse regions of the world. Key words: Free software, technological dependence. 1 Mestre. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão. E-mail: gentil@cefet- ma.br

Transcript of A DOMINAÇÃO TECNOLÓGICA DOS PAÍSES CENTRAIS NA ...€¦ · na atual reestruturação da...

Page 1: A DOMINAÇÃO TECNOLÓGICA DOS PAÍSES CENTRAIS NA ...€¦ · na atual reestruturação da indústria de computadores e software1: a imposição de padrões tecnológicos e a onda

A DOMINAÇÃO TECNOLÓGICA DOS PAÍSES CENTRAIS NA

REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DA INDÚSTRIA DO SOFTWARE

Gentil Cutrim Serra Junior

1

Resumo: Diante da necessidade de uma reorganização dos meios de produção da indústria de software, a luta dos movimentos sociais de combate aos monopólios de sistemas computacionais torna-se alvo de interesse das grandes empresas de tecnologia no intuito de criar um novo modelo de fabricação de produtos livres de taxas de licenciamento. Esse modelo de fabricação, baseado na produção colaborativa de voluntários, revela-se como uma grande fonte de lucros para novos fabricantes de software, por meio da expropriação do trabalho de especialistas distribuídos por diversas regiões do mundo. Palavras-chave: Software livre, dependência tecnológica. Abstract: In front of the necessity of a reorganization of the means of production of the software industry, the social movements fight's for combat to the monopolies of computational systems becomes target of interest of the great companies of technology in intention to create a new model of manufacture of free products of licensing costs. This model of manufacture, based on the colaborative production of volunteers, shows as a great source of profits for new manufacturers of software, by means of the expropriation of the work of specialists distributed for diverse regions of the world. Key words: Free software, technological dependence.

1 Mestre. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão. E-mail: gentil@cefet-

ma.br

Page 2: A DOMINAÇÃO TECNOLÓGICA DOS PAÍSES CENTRAIS NA ...€¦ · na atual reestruturação da indústria de computadores e software1: a imposição de padrões tecnológicos e a onda

1 INTRODUÇÃO

As tecnologias contemporâneas oferecem capacidade de mudança na

concepção dos produtos existentes e na invenção de novos outros. Essas inovações,

baseadas no conhecimento e na pesquisa tecnológica, atuam na transformação

dos processos dominantes de fabricação (CHESNAIS, 1996, p.142), gerando um alto grau

de dependência tecnológica de países pobres às empresas monopolizadoras instaladas

em países centrais (GONTIJO, 2004). Essa “revolução tecno-científica” tem seu núcleo

no entrelaçamento da indústria de computadores e softwares com a das

telecomunicações (SOARES, 1999), reforçando a liderança econômica dos países

ricos, na medida em que as empresas- símbolo dessa nova era são, em geral,

estadunidenses. Tais empresas combinam dimensão de concorrência e cooperação para

construir oligopólios que dominem as barreiras de entrada às pequenas empresas

(CHESNAIS, 1996, p.179-181). Mas as transformações sofridas por essas empresas

exigem uma reorganização (reestruturação) dos seus meios de produção para que possam

se adaptar à apropriação colaborativa do conhecimento. Nesse contexto, este artigo

pretende revelar a essência do novo modelo de desenvolvimento de

Page 3: A DOMINAÇÃO TECNOLÓGICA DOS PAÍSES CENTRAIS NA ...€¦ · na atual reestruturação da indústria de computadores e software1: a imposição de padrões tecnológicos e a onda

sistemas computacionais proposto por novas grandes empresas de tecnologia, que

apresenta-se como um inovador modelo colaborativo de compartilhamento de

conhecimentos.

2 DOMINAÇÃO TECNOLÓGICA

Das muitas estratégias utilizadas pelo sistema capitalista para impor a dominação

tecnológica e manter o ciclo crescente de fabricação e consumo, duas são preponderantes

na atual reestruturação da indústria de computadores e software1: a imposição de padrões

tecnológicos e a onda de substituição de produtos. Essa primeira estratégia é utilizada pela

indústria da informática de maneira que o sucesso empresarial depende, como regra, do

estabelecimento da transformação de uma nova tecnologia em um padrão de mercado

(STALLMAN, 2002). Os empreendedores que conseguem realizar esse “salto” implantam

duradouramente os seus produtos e obrigam os concorrentes a se adaptar ao padrão

dominante, através do pagamento de royalties. Durante todo o tempo em que aquela

tecnologia funciona como padrão, a empresa que a institui aufere rendas de monopólio,

ampliando fantasticamente a sua lucratividade. A Microsoft, por exemplo, tornou-se uma das

maiores corporações do mundo em função da sua imposição de padrões em seus sistemas

para computadores pessoais. Além disso, algumas outras tornaram-se grandes empresas

de componentes eletrônicos por meio da imposição dos padrões de “encaixes” das peças

(cabos, placas, processadores, memórias etc). De maneira que as grandes empresas

determinam seus próprios padrões e os registram como suas patentes. Isso fica evidente ao

observar-se que para cada fabricante de máquina fotográfica existe um cabo diferente para

“baixar fotos”, por exemplo. Por sua vez, as pequenas empresas são obrigadas a usar esses

padrões e para isso devem pagar royalties às empresas detentoras dos direitos de

propriedade da invenção. Dessa forma, a concessão de um grande número de patentes às

empresas dos países ricos tem se colocado como barreira para o avanço tecnológico dos

países pobres, forçando as empresas de países periféricos a tornarem-se cada vez mais

dependentes do fornecimento de tecnologia externa (CASSIOLATO, LASTRES, 1999, p.47).

A onda de substituição de produtos é a estratégia utilizada para tornar, em um curto

espaço de tempo, tecnologias recentes em obsoletas, assim, os produtos que as incorporam

Page 4: A DOMINAÇÃO TECNOLÓGICA DOS PAÍSES CENTRAIS NA ...€¦ · na atual reestruturação da indústria de computadores e software1: a imposição de padrões tecnológicos e a onda

exibem um ciclo de vida curto, o que impulsiona o consumo e amplia as margens de lucro

das empresas. Logo, acumulam-se "ruínas tecnológicas", que poucos anos antes foram

1 Software significa programa de computador ou sistema computacional. É a parte imaterial das máquinas.

Page 5: A DOMINAÇÃO TECNOLÓGICA DOS PAÍSES CENTRAIS NA ...€¦ · na atual reestruturação da indústria de computadores e software1: a imposição de padrões tecnológicos e a onda

consideradas de refinada técnica. Esse tipo de economia industrial é denominado por

Schumpeter (1982) de "destruição criadora". Isso é notório, sobretudo, na fabricação de

equipamentos eletrônicos e sistemas computacionais. Propositalmente, a indústria de

desenvolvimento de software lança regularmente versões “mais modernas” dos seus

sistemas, induzindo seus usuários a substituir programas e equipamentos, criando “não

somente um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para o objeto” (MARX, 1982,

p.9). Portanto, para cada novo “salto de performance” tecnológica, milhares de

equipamentos e sistemas computacionais são “desatualizados”.

3 A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO SOFTWARE

Na sociedade do conhecimento (LOJKINE, 1995), a própria máquina de inventar e de

renovar tecnologias vem sendo revolucionada, de maneira que mesmo com a crescente

expansão do mercado de produtos de informática (sistemas computacionais e componentes

eletrônicos), os grandes fabricantes de computadores e software não têm conseguido

sustentar-se em “um 'superimperialismo' estável, constituído por oligopólios que dominem

perfeitamente as barreiras de entrada e organizem suas relações, em sossegada

cooperação” (CHESNAIS, 1996, p.179). Por exemplo, em meados dos anos 1980, a

indústria do software sofreu profundas transformações com a ampliação do mercado de

computadores pessoais. Esses computadores, inicialmente projetados para uso doméstico,

substituíram muitos computadores comerciais (mainframes). Então, as empresas que

dominavam o mercado de computadores comerciais perderam considerável fatia de

mercado, abrindo espaço para novas outras. Chesnais denomina isso de “decomposição,

recomposição dos oligopólios”. Ele afirma que:

A decomposição se dá sob o impacto de mudanças técnicas, cujo ritmo e

trajetórias são difíceis de controlar, mas as tendências à recomposição são

igualmente fortes e rápidas. O exemplo mais recente é o da explosão do

oligopólio organizado em torno da IBM e dos fabricantes de computadores de

grande porte, sobre a base da integração vertical da linha de

componentes/computadores; essa explosão foi seguida pela recomposição

imediata, por meio de alianças, de oligopólios muito fortes em cada nível,

especialmente o dos microprocessadores, onde a Intel detém mais de 60%

do mercado, e o dos sistemas operacionais (Microsoft, Novell, IBM, Apple)

(CHESNAIS, 1996, p.179-180).

Nesse cenário, surgiram a Microsoft e a Apple que, juntas, passaram a dominar

Page 6: A DOMINAÇÃO TECNOLÓGICA DOS PAÍSES CENTRAIS NA ...€¦ · na atual reestruturação da indústria de computadores e software1: a imposição de padrões tecnológicos e a onda

quase 99% do mercado mundial de sistemas operacionais2 (FOLHA ONLINE, 02 dez. 2008).

2 Um sistema operacional é um programa ou um conjunto de programas cuja função é servir de interface entre

um computador e o usuário. Exemplos: Windows, Linux, Mac OS etc.

Page 7: A DOMINAÇÃO TECNOLÓGICA DOS PAÍSES CENTRAIS NA ...€¦ · na atual reestruturação da indústria de computadores e software1: a imposição de padrões tecnológicos e a onda

Essas empresas, têm sua produção baseada em um amplo registro de patentes, ou melhor,

os sistemas computacionais produzidos por elas são do tipo proprietário3. As alianças que a

Microsoft fez com diversos fabricantes de computadores permitiram que suas máquinas

saíssem da fábrica com o Windows4 já instalado, tendo seu preço já embutido no valor final

do computador. Os usuários que não tinham esse sistema operacional instalado em seu

equipamento e que não desejavam pagar por uma “cópia original”, encontraram grande

facilidade de instalá-lo a partir de “cópias piratas”5. Tudo isso contribuiu para uma ampla

disseminação dos sistemas fabricados pela maior empresa de software do mundo.

Diante da importância dos sistemas computacionais para a atual economia produtiva

e o faturamento de bilhões de dólares por parte das empresas fabricantes de software, essa

parte imaterial dos computadores tem despertando grande interesse de investidores na

busca por negócios lucrativos (LANDES, 2000). Mas seria necessário reinventar

(reestruturar) o modelo de produção de software para superar o oligopólio formado pelas

grandes empresas de tecnologia. Então, as empresas que surgiram adotaram um modelo de

desenvolvimento “não proprietário”, com serviços gratuitos e/ou disponibilidade de parte do

seu conhecimento intelectual para usuários comuns. Dessa forma, essas novas empresas

apresentaram grandes lucros, como é o caso da empresa Google, produtora de serviços

para a Internet (busca, email etc). Hoje, a Google, com apenas 10 anos de existência e um

faturamento anual de 16,6 bilhões de dólares, possui a marca mais valiosa do mundo - 86

bilhões de dólares -, à frente da Microsoft (70 bilhões) (INFO, set. 2005), apesar de oferecer

serviços gratuitos.

O modelo alternativo ao desenvolvimento de software proprietário surgiu a partir de

movimentos sociais em favor do “software aberto” ou “software livre”6. A FSF (Free Software

Foundation) foi a entidade sem fins lucrativos pioneira na “defesa da liberdade” do software

(FSF, 2000). A partir de então, foi criado um tipo de licenciamento de software diferente

daquele utilizado pelos sistemas proprietários, a licença GPL7, que isenta o usuário do

3 Os softwares ou sistemas proprietários são fabricados dentro de um modelo que prevê o pagamento de

licenças para o uso e não permite o acesso ao conhecimento que o produziu. Para o software proprietário, o

conhecimento associado ao desenvolvimento é um ativo importante para a empresa, o que faz da

indisponibilidade desse conhecimento parte das estratégias da empresa para garantir sua fatia de mercado. 4 Windows é o sistema operacional comercializado pela Microsoft Corporation. 5 A pirataria refere-se à cópia, venda ou distribuição de material sem o pagamento dos direitos autorais, de marca

e ainda de propriedade intelectual e de indústria. Mesmo com a pirataria em um nível de 35% do mercado de

software (TERRA, 2008), as empresas brasileiras de software proprietário faturam 3,9 bilhões de dólares por ano

Page 8: A DOMINAÇÃO TECNOLÓGICA DOS PAÍSES CENTRAIS NA ...€¦ · na atual reestruturação da indústria de computadores e software1: a imposição de padrões tecnológicos e a onda

com a venda de sistemas computacionais (ABES, 2009). 6 Um sistema computacional é classificado como Software Livre quando seu licenciamento permite

que os usuários possam executar, copiar, distribuir e aperfeiçoar esse sistema sem pagar royalties. 7 General Public License (Licença Pública Geral) - GNU GPL - é a designação da licença para Software Livre

idealizada por Richard Stallman.

Page 9: A DOMINAÇÃO TECNOLÓGICA DOS PAÍSES CENTRAIS NA ...€¦ · na atual reestruturação da indústria de computadores e software1: a imposição de padrões tecnológicos e a onda

pagamento de taxas de licenciamento. Mas, na década de 1990, surgiram muitas entidades

não governamentais declarando-se anticapitalistas, que diziam ter a finalidade de defender a

liberdade do software. Mas, na realidade, eram financiadas por grandes empresas de

tecnologia, servindo a interesses financeiros na reestruturação produtiva da indústria do

software. Por exemplo, a Novell, IBM, Canonical8 e outras, estão investindo bilhões

de dólares em pesquisas de Software Livre, através de organizações não

governamentais. Esse tipo de intervenção empresarial nos movimentos de luta pela

liberdade do software, através de financiamentos bilionários e controles das entidades,

pouco tem a ver com uma mudança de perfil na diminuição da exploração capitalista.

Esse novo modelo de fabricação de Software Livre surge a partir da percepção de

que a internacionalização da tecnologia cria um ambiente social favorável ao

desenvolvimento das inovações das grandes empresas, através, inclusive, da instalação de

laboratórios de apoio, cujas funções limitam-se à adaptação dos produtos e processos às

condições locais da economia. “O centro inovador” aproxima-se das realidades dos clientes

para captar conhecimentos locais e adequar seus produtos (CHESNAIS, 1996). Na

reestruturação descrita neste artigo, a “centralização compartilhada”, intermediada pelos

recursos tecnológicos, tem motivado grandes empresas de software a investir em um

modelo de produção aparentemente “aberto” (livre de licenciamentos), em troca de

conhecimentos diversificados locais.

Na Figura 1, apresenta-se esse modelo de desenvolvimento livre de licenciamento,

patrocinado pelas grandes empresas de tecnologias. São utilizados recursos de

Page 10: A DOMINAÇÃO TECNOLÓGICA DOS PAÍSES CENTRAIS NA ...€¦ · na atual reestruturação da indústria de computadores e software1: a imposição de padrões tecnológicos e a onda

comunicação para manter programadores voluntários ligados a um “centro de inovação”

8 http://www.canonical.com

Page 11: A DOMINAÇÃO TECNOLÓGICA DOS PAÍSES CENTRAIS NA ...€¦ · na atual reestruturação da indústria de computadores e software1: a imposição de padrões tecnológicos e a onda

(entidade “sem fins lucrativos”). Cada voluntário: a) recebe, dessa entidade, uma pequena

parte dos conhecimentos disponibilizados pela empresa privada; b) aperfeiçoa (incrementa)

os conhecimentos recebidos com base em suas experiências locais; e c) devolve o

conhecimento melhorado para o entidade controladora. Essa entidade controladora (centro

de inovação) agrega todos os conhecimentos aperfeiçoados pelos voluntários, os envia para a

empresa privada mantenedora do negócio. A empresa privada utiliza os novos

conhecimentos no processo de criação de novos produtos e, finalmente, os vende para o

mercado. Esses programadores voluntários, com a troca de conhecimentos entre eles e o

fabricante, acreditam estar construindo um mundo mais livre, onde futuramente todas as

tecnologias serão isentas de taxas de licenciamentos.

Na realidade, muitas empresas de tecnologia que financiam essas entidades

apropriam-se indebitamente do conhecimento de programadores voluntários (sem

remuneração) que integram movimentos de produção colaborativa de software aberto. A

Red Hat9, que, no passado, investiu em software de licença livre, hoje, lucra milhões com a

cobrança de licenças de uso de alguns programas construídos colaborativamente por

voluntários (REUTERS BRASIL, 30 jan. 2008). A Microsoft, apesar de comercializar

programas de computador com licença proprietária10, está mudando seu enfoque ao entrar, a

partir de 2007, no mercado de software livre, através de parceria com a empresa Novell

para a manutenção de um sistema operacional “livre” (IDG NOW, 2007).

O presidente Luís Inácio Lula da Silva, em Decreto de 29 de outubro de 2003,

instituiu oito comitês técnicos com o objetivo de coordenar e articular o planejamento e a

implementação de software livre, inclusão digital e integração de sistemas. Essa questão em

torno do uso do Software Livre pelo Estado brasileiro, se configura, principalmente, pela

pressão de interesses financeiros. O diretor do SERPRO11, Marcos Mazzoni, afirmou que

“com a utilização de programas de software livre é possível fazer uma economia de até R$

1,4 bilhão por ano” (AGÊNCIA BRASIL, 2007). Apesar dessa economia de recursos

públicos, pouco o governo tem investido na produção de software de código aberto e

público, enfocando apenas a utilização de Software Livre estrangeiro. Dessa forma, não está

havendo transferência e autonomia tecnológica de fato. Por sua vez, os governos estaduais

brasileiros, especialmente os mais pobres, quando não dependem das tecnologias dos

países centrais, dependem diretamente das empresas instaladas nas regiões Sul e Sudeste

Page 12: A DOMINAÇÃO TECNOLÓGICA DOS PAÍSES CENTRAIS NA ...€¦ · na atual reestruturação da indústria de computadores e software1: a imposição de padrões tecnológicos e a onda

9 http://www.redhat.com/ 10 Licença proprietária significa que seus usuários não têm acesso ao código que deu origem a eles. 11 Serviço Federal de Processamento de Dados

Page 13: A DOMINAÇÃO TECNOLÓGICA DOS PAÍSES CENTRAIS NA ...€¦ · na atual reestruturação da indústria de computadores e software1: a imposição de padrões tecnológicos e a onda

do país. Alguns governos estaduais, apenas fazem utilização dos sistemas computacionais

de licenciamento livre. Quanto às prefeituras brasileiras, uma pesquisa realizada pelo ITI12 e

a SOFTEX13, em 2004, constatou que o software livre viabiliza economicamente a

informatização de pequenas prefeituras. Apesar disso, apenas 1% dos municípios do Brasil

utilizam software livre (ITI, 2004). Portanto, entende-se que as políticas para o Software

Livre, adotadas pelos aparelhos estatais brasileiros, não são suficientes para romper com a

dependência tecnológica dos países periféricos.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, apesar de aparentar, a “onda do software livre” não é anticapitalista, pois

não quebra a cadeia de produção e os monopólios do conhecimento. O uso dos seus

produtos e as contribuições dos serviços voluntários de programadores, por meio de

entidades não governamentais (sem fins lucrativos), não é o suficiente para libertar os

países periféricos da dependência tecnológica mundial, especialmente, em suas regiões

mais pobres. Além disso, apesar da sociedade, inclusive, o governo, ter diversos sistemas

computacionais disponibilizados sem o pagamento de licenças, é evidente que a liberdade

tecnológica não se concretiza apenas com a utilização desses programas “abertos”. O

simples uso, apenas cria hábitos às novas tecnologias prenunciadas pela reestruturação do

processo de fabricação do software. Dessa maneira, é necessário a criação de políticas

para a formação de um novo modelo de produção de software aberto, que seja autônomo,

economicamente viável e auto-sustentável, podendo facilitar a transferência de

conhecimento, evitando que os conhecimentos locais sejam exportados para um maior

enriquecimento das grandes empresas instaladas nos países centrais.

REFERÊNCIAS

AGÊNCIA BRASIL. Software livre pode gerar economia de R$ 1,4 bilhão por ano, diz diretor

do Serpro. 13 nov. 2007. Disponível em:

www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/11/13/materia.2007-11-13.3043997364/view.

Acessado em: 16 dez. 2008.

Page 14: A DOMINAÇÃO TECNOLÓGICA DOS PAÍSES CENTRAIS NA ...€¦ · na atual reestruturação da indústria de computadores e software1: a imposição de padrões tecnológicos e a onda

CASSIOLATO, José. LASTRES, Helena. et. al. Globalização e inovação localizada. In:

CASSIOLATO, José Eduardo. LASTRES, Helena Maria Martins./Org.. Globalização &

12 Instituto Nacional de Tecnologia da Informação. 13 Sociedade para Promoção da Excelência do Software Brasileiro.

Page 15: A DOMINAÇÃO TECNOLÓGICA DOS PAÍSES CENTRAIS NA ...€¦ · na atual reestruturação da indústria de computadores e software1: a imposição de padrões tecnológicos e a onda

Inovação Localizada: experiências de sistemas locais no Mercosul. Brasília: IBICIT/MCT,

1999.

CHESNAIS, François. A Mundialização do Capital. Trad. Silvana Finzi Foá. São Paulo:

Xanã, 1996.

FOLHA ONLINE, 02 dez. 2008. Disponível em

www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u474234.shtml. Acessado em: 15 dez. 2008.

GONTIJO, Cláudio. DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

E GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA. Relatório Interno. CGEE. Disponível em:

www.cgee.org.br/atividades/redirect.php?idProduto=2179. Acessado em: 16 dez. 2008.

HARVEY, David. A Condição Pós-Moderna. 9 ed. São Paulo: Loyola, 2000.

INFO. Editora Abril, p.41, set. 2005.

IDG NOW. Com atraso, Novell divulga os termos do acordo firmado com Microsoft. 28 mai.

2007. Disponível em:

<idgnow.uol.com.br/mercado/2007/05/28/idgnoticia.2007-05-28.1059051665>. Acessado

em: 15 dez. 2008.

ITI. O Software Livre nas Prefeituras Brasileiras: Novas alternativas para a informatização da

administração pública, 23 jun. 2004.

LANDES, David. Páginas amarelas. Revista Veja, 22 mar. 2000.

LOJKINE, Jean. A revolução informacional. São Paulo, Cortez Editora, 1995.

KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

MARX, K. Introdução à Crítica da Economia Política. In MARX Col. Os Economistas. São

Paulo. Editora Abril, 1982.

MATELLART, Armand e Michele. História das teorias da comunicação. Tradução Luiz Paulo

Rouanet. São Paulo. Edições Loyola. 6a edição. 2003. 222p.

REUTERS BRASIL. Red Hat prevê crescimento de 50 por cento em receita na China. 30 de

Page 16: A DOMINAÇÃO TECNOLÓGICA DOS PAÍSES CENTRAIS NA ...€¦ · na atual reestruturação da indústria de computadores e software1: a imposição de padrões tecnológicos e a onda

janeiro de 2008. Disponível em:

http://br.reuters.com/article/internetNews/idBRB11478420080130. Acessado em: 14 dez.

2008.

Page 17: A DOMINAÇÃO TECNOLÓGICA DOS PAÍSES CENTRAIS NA ...€¦ · na atual reestruturação da indústria de computadores e software1: a imposição de padrões tecnológicos e a onda

Schumpeter, J. Teoria do Desenvolvimento Econômico, trad. Maria Sílvia Possas, São

Paulo, Editora Abril, 1982.

SHAPIRO, Carl; VARIAN, Hal R. A Economia da Informação. Rio de Janeiro: Campus, 1999.

STALLMAN , Richard M. Introduction: Lawrence Lessig . Editor: Joshua Gay . ISBN

1-882114-98-1 . 224 pg. October 2000.

SOARES, Delfim. Globalitarismo e dependência tecnológica – Considerações sobre a

transnacionalidade de uma crise. Ciberlegenda. n.2, 1999. Disponível em:

http://www.compuland.com.br/delfim/delf3.htm. Acessado em: 17 dez. 2008.

Terra, (2008). Pirataria de software cai no brasil. Disponível em:

http://tecnologia.terra.com.br/interna/0,,OI788798-EI4805,00.html. Acesso em: setembro de

2008.