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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ ULISSES PESSÔA DOS SANTOS A TEORIA DO DOMÍNIO DA ORGANIZAÇÃO E SUA APLICAÇÃO JUNTO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: POSSIBILIDADES E DSCUSSÕES ACERCA DO SEU REAL ALCANCE

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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

ULISSES PESSÔA DOS SANTOS

A TEORIA DO DOMÍNIO DA ORGANIZAÇÃO E SUA APLICAÇÃO

JUNTO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: POSSIBILIDADES E

DSCUSSÕES ACERCA DO SEU REAL ALCANCE

Rio de Janeiro

2016

Ulisses Pessôa dos Santos

A Teoria do Domínio da Organização e sua aplicação junto à Administração Pública:

possibilidades e discussões acerca do seu real alcance

Dissertação apresentada, como requisito parcial para

obtenção do título de mestre, ao Programa de Pós-

Graduação em Direito, da Universidade Estácio de Sá.

Área de concentração: Direito Público e Evolução Social

Orientador: Prof. Dr. Carlos Eduardo Adriano Japiassú

Rio de Janeiro

2016

Ulisses Pessôa dos Santos

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus pela oportunidade ímpar de ter me proporcionado a realização

do Mestrado e quando parecia que não daria certo, em meio as incertezas e dificuldades no

decorrer desta grata, mas difícil caminhada, tudo se normalizou e as portas se abriram e tudo

se encaixou. Obrigado Deus pela sua infinita misericórdia e graça, por ter enviado seu único

filho, Jesus, para morrer por nós! Deus seja louvado!

Como esquecer-me daqueles que me instruíram e me direcionaram por toda a vida,

meus pais, meus queridos pais, o velho Raimundo Pessôa que, com toda a sabedoria, soube

me demonstrar a realidade deste mundo difícil e cheio de obstáculos. Muito bom lembrar que

o Senhor Raimundo, sempre me incentivou a amar a Deus acima de todas as coisas e, depois,

estudar muito, sempre! Valeu Pai! Não poderia deixar de citar a minha querida Mãe, Dona

Maria da Penha Duarte dos Santos, baluarte da nossa família, a mulher que soube direcionar

os seus homens, eu, meu irmão e meu Pai. Como é bom lembrar dos deveres de casa

fomentados pela Senhora na época do Educandário Vila Nova, saudades! Obrigado Mãe por

tudo!

Minha amada esposa, Cristiane Pessôa, não poderia jamais esquecer-me de ti,

ajudadora, auxiliadora e esposa dedicada, incentivadora da minha carreira, mulher brilhante,

obrigado! Já me acostumei com a sua voz!!! Amo-te!!!

Ao meu querido orientador Carlos Eduardo Adriano Japiassú, por ter me incentivado e

me direcionado nesta caminhada. Obrigado pelo incentivo e apoio, obrigado por ter

acreditado em mim e pela paciência desenvolvida. Sua humildade é encantadora!

Ao meu querido coorientador, Rogério José Bento Soares do Nascimento, pela

paciência e calma nas orientações expostas. Pela singeleza, dedicação e humildade. Obrigado

por ter acreditado nas minhas loucuras desde a banca.

Aos amigos pelos debates travados em cada disciplina. Realmente crescemos e

aprimoramos nosso conhecimento juntos e uma lição tiramos disso tudo: ainda sabemos muito

pouco e, portanto, queremos mais, muito mais; a busca pelo conhecimento é perpétua, avante!

Aos demais Professores que, brilhantemente, nos encheram de orgulho transferindo

conhecimento, dedicação, comprometimento e, acima de tudo, amor pelo que fazem.

Verdadeiramente incrível, espelhamo-nos em vocês!

Aos demais funcionários da Universidade Estácio de Sá, que com carinho e dedicação

sempre atenderam os nossos pedidos, às vezes sendo insistentes e chatos, obrigado Carol e

Willian, vocês foram demais!

Porque desde a antiguidade não se ouviu, nem com ouvidos se percebeu, nem

com olhos se viu um Deus além de ti, que opera a favor daquele que por ele

espera.

Isaías 64:4

RESUMO

PESSÔA, Ulisses. A Teoria do Domínio da Organização e sua aplicação junto à

Administração Pública: Possibilidades e Discussões acerca do seu real alcance. 2016. 139

f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Estácio de Sá,

2016.

O presente trabalho traz como reflexão a Teoria do Domínio da Organização, fomentada pelo

jurista alemão Claus Roxin, e a sua possível aplicação junto à Administração Pública. O

objetivo desta investigação é refletir a respeito do real cenário político no qual vive o Brasil,

um cenário de nefasta corrupção onde a própria Administração Pública é alcançada e eivada

por estas práticas criminosas. Ademais, esta investigação tem o escopo de chamar a atenção

para uma possível mudança de paradigma no tocante a aplicação da Teoria desenvolvida por

Roxin, vez que o Brasil possui um outro tipo de cultura e uma outra sociedade distinta

daquela na qual fora construída a Teoria do Domínio da Organização. Assim, nesta

investigação, através de uma abordagem teórica e com uma vasta pesquisa bibliográfica,

tentar-se-á demostrar se há ou não a possibilidade de aplicação da referida Teoria analisando-

se do ponto de vista global e sociológico, algumas modalidades de sociedade, o

desenvolvimento do concurso de pessoas, suas teorias e vertentes, através das legislações

pretéritas e a legislação atual, as características e peculiaridades acerca da Teoria do Domínio

da Organização, como a jurisprudência e os tribunais pensam acerca da aplicação da referida

Teoria e, por fim, se há a possibilidade desta mudança de paradigma.

Palavras-chave: Teoria do Domínio da Organização. Administração Pública. Concurso de

Pessoas. Direito Penal Econômico.

ABSTRACT

PESSÔA, Ulisses. The Organization of Domain Theory and its application by the Public

Administration: Possibilities and discussions about its real scope. 2016. 139 f. Dissertação

(Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Estácio de Sá, 2016.

This work brings to reflect the Organization's Domain theory, promoted by the German jurist

Claus Roxin, and its possible application by the Public Administration. The purpose of this

research is to reflect about the real political landscape in which he lives Brazil, a scenario of

nefarious corruption where the Public Administration itself is achieved and riddled by these

criminal practices. Furthermore, this research has the scope to draw attention to a possible

paradigm shift regarding the application of the theory developed by Roxin, since Brazil has a

different kind of culture and a company other than that in which it was built Theory

Organization domain. Thus, this research through a theoretical approach and an extensive

literature search, will be tried, demonstrate whether or not the possibility of application of the

theory analyzing global and sociological point of view, some forms of society, the

development of the procurement people, their theories and aspects through of past legislation

and current legislation, the characteristics and peculiarities about the Organization Domain

theory, the case law and the courts think about the application of the theory, and finally if

there is the possibility of this paradigm shift.

This work brings to reflect the Organization's Domain theory, promoted by the German jurist

Claus Roxin, and its possible application by the Public Administration. The purpose of this

research is to reflect about the real political landscape in which he lives Brazil, a scenario of

nefarious corruption where the Public Administration itself is achieved and riddled by these

criminal practices. Furthermore, this research has the scope to draw attention to a possible

paradigm shift regarding the application of the theory developed by Roxin, since Brazil has a

different kind of culture and a company other than that in which it was built Theory

Organization domain. Thus, this research through a theoretical approach and an extensive

literature search, will be tried, demonstrate whether or not the possibility of application of the

theory analyzing global and sociological point of view, some forms of society, the

development of the procurement people, their theories and aspects through of past legislation

and current legislation, the characteristics and peculiarities about the Organization Domain

theory, the case law and the courts think about the application of the theory, and finally if

there is the possibility of this paradigm shift.

Keywords: Organization Domain Theory. Public administration. People Contest. Economic

Criminal Law .

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................12

1 GLOBALIZAÇÃO E SOCIEDADE DE RISCO: UMA REFLEXÃO INTERDISCIPLINAR NO TOCANTE ÀS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS......16

1.1 CONCEITOS E ASPECTOS GERAIS SOBRE A GLOBALIZAÇÃO........................16

1.2 SOCIEDADE DE INFORMAÇÃO E SUA ABORDAGEM: O PARADIGMA DO APRENDIZADO..................................................................................................................28

1.3 AS SOCIEDADES COMPLEXAS NA ERA MODERNA: UMA REFLEXÃO SOBRE O MUNDO DENTRO DO PRÓPRIO MUNDO..................................................................34

1.4 SOCIEDADE DE RISCO E GLOBALIZAÇÃO: POR UMA REFLEXÃO ACERCA DO MAL QUE SE POSSA CAUSAR A UMA SOCIEDADE...........................................39

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O UNIVERSO DO CONCURSO DE PESSOAS............47

2.1 NARRATIVA HISTÓRIA SOBRE A QUESTÃO: UM DIAGNÓSTICO SOBRE O PANORAMA GLOBAL E BRASILEIRO..........................................................................47

2.1.1 Uma visão histórica global acerca da questão.....................................................47

2.1.2 O concurso de pessoas: uma elucidação investigativa sobre o cenário brasileiro...........................................................................................................................................50

2.2 CRITICANDO OS DIVERSOS MODELOS TEÓRICOS NORTEADORES DA DOGMÁTICA PENAL: UM MERGULHO NO UNIVERSO DA COOPERAÇÃO CRIMINOSA ENTRE PESSOAS........................................................................................58

2.2.1 O olhar tradicional sobre as teorias que norteiam o concurso de pessoas.......58

2.2.2 – Algumas construções teóricas sobre a autoria: a teoria da instigação-autoria e a teoria da coautoria delitiva.......................................................................................61

2.2.3 – A Teoria do domínio do fato e suas vertentes: um olhar detido sobre o que há de mais moderno na cooperação criminosa entre pessoas.....................................63

2.2.4 As várias formas e nomenclaturas de autoria: um alcance para além da dogmática.........................................................................................................................66

2.2.5 Dos Pontos relevantes sobre a participação: apontamentos sobre instigação e cumplicidade....................................................................................................................70

3 A TEORIA DO DOMÍNIO DA ORGANIZAÇÃO: UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE A ATMOSFERA DOS APARATOS ORGANIZADOS DE PODER....................................77

3.1 A ORIGEM DA CRIAÇÃO: UM BREVE COMENTÁRIO A RESPEITO DOS PRIMEIROS PASSOS SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA TEORIA DO DOMÍNIO

DA ORGANIZAÇÃO..........................................................................................................77

3.2 A CONSTRUÇÃO TEÓRICA E FILOSÓFICA: UMA VISÃO HOLÍSTICA SOBRE OS APARATOS ORGANIZADOS DE PODER.................................................................80

3.2.1 A fundamentação para incidência da punição, como autor mediato, na seara do domínio da organização (Organizationsherrschaft)................................................84

3.2.2 Uma sucinta investigação sobre o Direito Penal Econômico e a possibilidade ou não de aplicação da Teoria do Domínio da Organização.......................................87

3.2.3 A doutrina do Joint Criminal Enterprise: uma explicação necessária em relação à Teoria do Domínio da Organização............................................................101

4 A TEORIA DO DOMÍNIO DA ORGANIZAÇÃO E A CRIMINALIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: UMA DISCUSSÃO SOBRE A REALIDADE BRASILEIRA E A POSSIBILIDADE OU NÃO DE APLICAÇÃO DOS APARATOS ORGANIZADOS DE PODER.............................................................................................107

4.1 BREVE ANÁLISE SOBRE OS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.............................................................................................................................................108

4.2 O QUE OS TRIBUNAIS BRASILEIROS PENSAM ACERCA DO DESENVOLVIMENTO DAS ESTRUTURAS CRIMINOSAS? A JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS QUANTO À APLICAÇÃO DA TEORIA DO DOMÍNIO DA ORGANIZAÇÃO...............................................................................................................118

4.3 O STF E A TEORIA DO DOMÍNIO DA ORGANIZAÇÃO: BREVE COMENTÁRIO SOBRE A AÇÃO PENAL 470...........................................................................................122

4.4 A TEORIA DO DOMÍNIO DA ORGANIZAÇÃO E A OPERAÇÃO “LAVA JATO”: A SUCINTA DEMONSTRAÇÃO REFERENTE À EFETIVA CONTINUIDADE DA APLICAÇÃO DOS APARATOS ORGANIZADOS DE PODER NA SOCIEDADE JURÍDICA BRASILEIRA..................................................................................................126

4.5 A TEORIA DO DOMÍNIO DA ORGANIZAÇÃO E SUA UTILIZAÇÃO JUNTO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: POSSIBILIDADE DE UMA REAL APLICAÇÃO OU VERDADEIRA INCOERÊNCIA NA INTERPRETAÇÃO DA SUA ESSÊNCIA?........132

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................136

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................139

12

INTRODUÇÃO

É extremamente complicado olhar para a sociedade brasileira e desconsiderar todos os

últimos acontecimentos concernentes à Administração Pública. A corrupção impera

sobremaneira em todas as camadas da sociedade e passou a atingir os mais altos escalões da

esfera política, reverberando, portanto, na Administração Pública.

Sabe-se que a corrupção não é um problema exclusivo da sociedade brasileira, mas

que se prolifera por todos os cantos do planeta, onde pessoas tentam ludibriar a lei, passando

por cima de autoridades e de um Estado plenamente constituído, objetivando seus próprios

interesses escusos em detrimento de, não somente, um indivíduo, mas de toda uma

coletividade, ultrapassando, até mesmo, países e sociedades.

A criminalidade e o criminoso têm se desenvolvido e buscado um aprimoramento no

trato da realização do delito. Contemporaneamente, o perfil do criminoso tem mudado, de tal

magnitude, que o seu foco tem sido maior e com objetivos transcendentes. Pode-se afirmar

que tais mudanças decorrem da velocidade que impera no mundo, muito em função do

fenômeno da Globalização que traz por consequência uma comunicação rápida e um

aprendizado mais envolvente, seja de coisas boas, seja de coisas ruins.

Com a advento da Globalização, as sociedades passaram por uma transformação

drástica, com consequências demasiadamente distintas das que ocorriam, evidentemente, em

outrora, tendo em vista o acesso à informação e, sobretudo, com a proliferação da internet, a

qual aduziu uma gama impressionante de facilidades.

Destarte, com este avanço, as sociedades modernas tornaram-se sociedades

complexas, sociedades detentoras de toda e qualquer informação, mas também, sociedades de

risco, onde, da mesma forma que ocorrera uma enorme facilidade para se ter acesso a todo e

qualquer tipo de informação, surgem outrossim, a facilidade de se criar métodos para o

desenvolvimento de determinados crimes, ou seja, a criminalidade tornou-se diferenciada.

Com este avanço, a criminalidade empresarial passou a fazer parte do cenário

econômico, social e jurídico. Com isso, fez-se necessário a elucidaçãodo Direito Penal sob

outro viés. Isto é,o Direito Penal nuclear teve de deixar espaço para o Direito Penal

13

Econômico, tratando, desta feita, do aperfeiçoamento da criminalidade no cenário econômico

e empresarial.

Com o avanço da corrupção, além da esfera privada, a esfera pública começa a sofrer

com as diversas práticas criminosas gerando consequências danosas e nocivas para a ampla

imagem da Administração Pública brasileira. Os efeitos maléficos, começam a reverberar na

economia, na política e na sociedade como um todo.

A grande questão é: como se estancar tais práticas corruptivas? De que forma e qual a

estratégia para se identificar os grupos criminosos os quais desenvolvem esta prática

criminosa? Como identificar a pessoa estrategista e pensadora da respectiva organização

criminosa?

As extraordinárias instituições do Estado Democrático de Direito, por exemplo, o

Ministério Público Federal, através dos seus competentes e dedicados Procuradores da

República, têm buscado estratagemas para fazer parar tais práticas corruptivas que atrofiam a

Administração Pública e estagnam todo o Estado brasileiro.

Assim, percebe-se que há uma falha na identificação e análise daqueles que pensam e

arquitetam delitos de magnitude ampla e complexa, como são aqueles atrelados à corrupção e

que alcançam a Administração Pública.

Com efeito, o objetivo desta investigação édiagnosticar a forma de cometimento destes

delitos e quem são os reais responsáveis e pensadores destas práticas criminosas. A

investigação tem por objetivo demonstrar quem é o mentor dentro de uma organização

criminosa e quais as características para esta análise.

Para tanto, utilizar-se-á a Teoria do Domínio da Organização, teoria desenvolvida por

Claus Roxin, como teoria de apoio para se alcançar o criminoso mentor desta organização que

comete delitos em face da Administração Pública. Serão analisados conceitos e peculiaridades

a respeito da referida teoria para se perceber o grau de viabilidade e possibilidade para sua

aplicação.

Desta forma, além de se buscar o entendimento da Teoria do Domínio da organização,

apurar-se-ão, ademais, de forma sintética e como complemento à teoria supra, a forma de

aplicação do concurso de pessoas no cenário brasileiro, desde o império, conceitos de Direito

Penal Econômico, joint criminal enterprise,e a forma de utilização da teoria de Claus Roxin

14

pela jurisprudência, tribunais federais e tribunais superiores, tudo isso alinhavado à uma

elucidação interdisciplinar tendo como ponto de partida a globalização.

O ponto central da investigação é analisar a Teoria do Domínio da Organização,

trazendo-a para a realidade da sociedade brasileira, verificando, criticamente, se há a

possibilidade da sua aplicação, tentando pensar, ademais, até mesmo, numa real discussão

para uma possível modificação.

Desta feita, o trabalho será dividido em quatro partes, objetivando a demonstração da

real possibilidade da utilização da Teoria fomentada por Roxin junto à Administração Pública

brasileira, em havendo a realização de delitos a partir de uma estrutura devidamente

organizada.

Assim, no primeiro capítulo buscar-se-á uma análise interdisciplinar a partir do

conceito de globalização, analisando-se, a reboque, as sociedades contemporâneas e, dentro

deste viés, far-se-á uma leitura interdisciplinar acerca das sociedades de informação, das

sociedades complexas e da sociedade de risco.

No segundo capítulo, verificar-se-ão alguns pontos sobre o universo do concurso de

pessoas, alcançando uma análise sucinta global e sobre o cenário brasileiro, os diversos

modelos norteadores na dogmática penal, novos conceitos dentro do instituto da autoria e

questões sobre autoria e participação.

No terceiro capítulo, elucidar-se-ão pontos importantes e peculiaridades relevantes

acerca do universo da Teoria do Domínio da Organização, como origem e desenvolvimento,

fundamentação da teoria, conceitos de Direito Penal Econômico, joint criminal enterprise.

Neste capítulo, especificamente, vislumbrar-se-á o limite de aplicação da Teoria do Domínio

da Organização e o seu ponto de alcance.

No quarto e último capítulo, elucidar-se-á a aplicação da Teoria do Domínio da

Organização junto à Administração Pública. Neste capítulo será trabalhado se há ou não

possibilidade de realização e utilização da referida teoria nos crimes cometidos dentro da

Administração pública. Serão analisados sucintamente os crimes que envolvem a

Administração. Refletir-se-á acerca da jurisprudência e como os Tribunais pensam acerca da

aplicação da Teoria do Domínio da Organização. Buscar-se-á o entendimento do Supremo

Tribunal Federal na Ação Penal 470 no tocante à referida Teoria e, por fim, far-se-á uma

15

análise sucinta se na operação “lava jato” está ou não sendo levado em consideração a Teoria

em comento.

Por derradeiro, este trabalho proporcionará um questionamento amplo acerca da real

situação da sociedade brasileira frente à corrupção que se prolifera, contemporaneamente, na

Administração Pública e se, deveras, subsiste uma real possibilidade de aplicação da Teoria

do Domínio da Organização.

16

1 GLOBALIZAÇÃO E SOCIEDADE DE RISCO: UMA REFLEXÃO INTERDISCIPLINAR NO TOCANTE ÀS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS

A velocidade que permeia sobre a humanidade aduz consequências positivas e

negativas. As tecnologias direcionam a sociedade, cada vez mais, para um mundo ágil, posto

que as descobertas e desdobramentos supervalorizam a esfera intelectual de ideias e inovações

que impulsionam o mundo global contemporâneo.

Destarte, esta velocidade, como mencionada acima, faz com que o mundo caminhe de

forma conjunta, de tal magnitude, que o planeta passou a ser mais globalizado, comum a

capacidade dialógica mais expressiva e intensa, facilitando e auxiliando os Estados com maior

aproximação e familiaridade do conhecimento e, concomitantemente, distanciando alguns

países somenos desenvolvidos e com uma precariedade na fecundidade dos processos de

conhecimento sem um acesso mais robusto às tecnologias que impulsionam a modernidade.

1.1 CONCEITOS E ASPECTOS GERAIS SOBRE A GLOBALIZAÇÃO

Malgradoa globalização deixe para trás alguns Estados com um desenvolvimento

tardio, ela também incomoda e provoca um animus de fertilidade nestes mesmos Estados com

pouco ou em fase de desenvolvimento. Desta feita, a globalização pode gerar um efeito

bumerangue, ou seja, estagnando ou impulsionando o progresso de determinados e específicos

Estados.

Nos últimos trinta anos, as comunicações e relações internacionais passaram a

conhecer uma verdadeira incrementaçãodramática da globalização dos sistemas de produção e

das cessões financeiras, à disseminação, a uma escala mundial, de informação e imagens

através dos meios de comunicação social ou às mudanças em massa de pessoas, sejam turistas

ou trabalhadores migrantes ou refugiados. A incrível profundidade e amplitude destas

comunicações transnacionais fizeram com que alguns autores as colimassem como fissão em

relação às anteriores formas de comunicações transfronteiriças, um novo fenômeno

denominado de “globalização” (SANTOS, 2011).

17

A globalização pode ser definida como a intensificação de relações mundiais que

consubstanciam localidades distantes de forma que os acontecimentos locais são

condicionados por ocorrências que sucedem a muitas milhas de distância e vice-versa

(GIDDENS, 1990a).

Uma visão mais aprofundada no tocante aos processos de globalização mostra que se

está diante de um movimento multifacetado com dimensões econômicas, sociais, políticas,

culturais, religiosas e jurídicas envolvidas através de uma complexificação estrutural, ipso

facto, as justificações e esclarecimentos monocausais e os sentidos monolíticos deste

fenômeno parecem pouco adequados (SANTOS, 2011).

Proferir acerca de peculiaridades dominantes da globalização pode comunicar a ideia e

o entendimento de que a globalização não é somente um processo linear, mas, outrossim, um

processo que é construído e formulado com alicerces petrificados por intermédio de práticas

consensuais (SANTOS, 2011).

Claro está que a globalização não se propaga com um viés consensual, posto que é um

vasto eintenso campo de conflitos entre os diversos grupos sociais, Estados e interesses

hegemônicos, por um lado, e, por uma outra vertente, grupos sociais, Estados e interesses

subalternos e, mesmo no bojo dos interesses hegemônicos, há, demasiadamente, divisões e

facções mais ou menos substanciais (SANTOS, 2011).

A partir dos conflitos oriundos da construção da globalização, várias transformaçõese

vertentes têm perpassado por todo o sistema mundial, ainda que com intensidade díspar

conforme o posicionamento dos diversos países formadores consubstanciados no arcabouço

mundial.

Com efeito, diante da vertente globalização econômica, as consequências destas

transformações para as economias nacionais, faz com que estas se abram ao mercado mundial

e os preços domésticos devam se inclinar, de forma, que se adequem, propositalmente, aos

preços internacionais e que todas as medidas, sejam elas políticas, econômicas e jurídicas se

entrelacem à movimentação do mercado mundial (SASSEN, 1994).

Assim, a globalização econômica é sustentada por uma hegemonianeoliberal cujas três

precípuas inovações institucionais são: restrições didáticas à regulação estatal da economia;

novos direitos de propriedade internacional para investidores estrangeiros, inventores e

criadores de inovações suscetíveis de serem, de fato, objeto de propriedade intelectual;

18

subordinação dos Estados nacionais às agências multilaterais, tais como o Banco Mundial,

Fundo Monetário Internacional e a Organização mundial do comércio (ROBINSON, 1995).

No que toca às relações sócio-políticas, no que tange à vertente da globalização social,

defende-se que uma classe capitalista transnacional está hoje a eclodir cujo campo de

reprodução social é o globo enquanto tal e que facilmente ultrapassa as organizações e

estruturasnacionais de trabalhadores, bem como os Estados externamente insuficientes da

periferia e da semiperiferia do arcabouço mundial (SANTOS, 2011).

As empresas multinacionais são a principal forma institucional deste estrato capitalista

transnacional e a magnitude das conversões que elas estão a motivar na economia mundial

está patente no fato de que mais de um terço do produto industrial mundial é confeccionado e

realizado por estas empresas. Embora a novidade organizacional dos conglomerados

multinacionais possa ser criticada e, até certo ponto, questionada, parece inegável que a sua

supremacia na economia mundial e o grau e eficácia da direção centralizada que elas abarcam

as distingue das formas precedentes de empresas internacionais(BECKER e SKLAR,1987).

O impacto das empresas multinacionais nas novas formações de classe e na

desigualdade a nível mundial tem sido amplamente discutido nos últimos anos. O ramo

internacional, a burguesia internacional, é composta pelos administradores das empresas

multinacionais e pelos dirigentes dos conglomerados financeiros internacionais (EVANS,

1979).

Sob a vertente da globalização política, uma nova e moderna divisão internacional do

trabalho, ligada com uma nova economia política em favor do mercado, aduziu também

algumas importantes vicissitudes para o sistema interestatal, a estrutura política do sistema

mundial moderno. Por um lado, os Estados predominantes comprimiram a autonomia política

e a soberania dos Estados periféricos e semiperiféricos com uma intensidade ímpar, inobstante

a capacidade de resistência e negociação por parte destes últimos poderes variar

imenso(STALLINGS, 1995). Por outro lado, inclinou-se a tendência para os acordos políticos

interestaduais (DRAND; LÉVY; RETAILLÉ, 1993).

Outrossim, um tema crucial nas elucidações das dimensões políticas da globalização é

o papel crescente e progressivo das instituições políticas internacionais, das agências

financeiras multilaterais, dos blocos político-econômicos supranacionais, dos

19

thinktanksglobais, das distintas formas de direito global – da nova Lex mercatória aos direitos

humanos - (SANTOS, 2011).

Novo é a extensão considerável e o poder da institucionalidade transnacional que se

tem vindo a edificar nas últimas três décadas; esse é um dos sentidos que se tem versado da

urgência e premência de um “governo global” ou global governance (MURPHY, 1994).

Do ponto de vista de uma vertente cultural, ou seja, globalização cultural, estase

posicionounum patamar especial com a denominada “viragem cultural”1suscitada na década

de oitenta, com uma transmudação de ênfase nas ciências sociais, dos fenômenos

socioeconômicos para os fenômenos culturais (SANTOS, 2011).

Não obstante a questão da matriz original da globalização se ponha em relação a cada

uma das dimensões da globalização, é no domínio da globalização cultural que ela se põe com

mais acuidade ou com mais frequência. O ponto é entender se o que se determina por

globalização não deveria ser mais corretamente denominado de ocidentalização, já que os

valores e aspectos culturais e simbólicos que se globalizam são ocidentais (RITZER, 1995).

Neste contexto, os meios de comunicação, mormente a televisão, têm sido um dos

grandes temas de debate, a despeito de a grande importância da globalização dos meios de

comunicação social seja acentuada por todos, nem todos retiram dela os mesmos consectários.

Appadurai(1997) vislumbra nestes consectários um dos dois fatores responsáveis pela

fissão entre o período que se acaba de deixar (o que justificaria uma modernização) e o

período em que se está prestes a adentrar (justificação criteriosa de um mundo, devidamente,

pós-eletrônico).

Este novo período caracteriza-se e distingue-se pelo “trabalho da imaginação” devido

o fator imaginação ter se convertido num fato social, coletivo, o ter deixado de estar insulado

no indivíduo romântico e no espaço expressivo da arte, do mito e da liturgia para passar a

perfazer parte da vida comedida, normal e quotidiana dos cidadãos comuns (APPADURAI,

1997).

O imaginar pós-eletrônico, em parceria com a desterritorializaçãoprovocada pelas

migrações, torna possível a criação de mundos simbólicos transnacionais, identidades

1 A expressão “viragem cultural” veio reavivar a questão da primazia causal na explicação da vida social e a questão do impacto da globalização cultural (APPADURAI, 1990)

20

prospectivas, partilhas de gostos, prazeres e aspirações, em síntese, o que se denomina de

“esferas públicas diaspóricas” (APPADURAI, 1997).

Com efeito, a peculiaridade atômica da cultura global é hoje a política do esforço

mútuo da mesmidade e da disparidade para se canibalizarem uma à outra e assim

proclamarem o êxito do sequestro das duas ideias gêmeas do iluminismo, o universal

triunfante e o particular resistente (APPADURAI, 1997).

A cultura é por conceito um processo social planejadosobre a interceptação entre o

amplo e o específico, o universal e o particular. Desta feita, a arte de delimitar e definir uma

cultura é, inelutavelmente, uma questão precisa de definir e especificar fronteiras

(WALLERSTEIN, 1991).

Na preponderância cultural, o consenso neoliberal é muito seletivo. Os

fenômenosculturais só lhe interessam na medida em que se tornam mercadorias que como tal

devem perseguir o caminho da globalização econômica. Destarte, o consenso diz,

especialmente, respeito aos suportes técnicos e jurídicos da produção e circulação de produtos

das fábricas culturais, tais como, as tecnologias de comunicação e da informação e os direitos

de propriedade intelectual (SANTOS, 2011).

Aquilo que normalmente se designa como globalização são, de fato, conjuntos

diferenciados de relações sociais, isto é, diferentes conjuntos de relações sociais que dão

origem a diferentes fenômenos de globalização. Assim, não existe especificamente uma única

instituição intitulada globalização; isto quer dizer que, não obstante, subsistem globalizações,

cada uma pontificando determinados campos de aplicação, o que dá a perceber que esta

nomenclatura deveria ser utilizada, categoricamente, no plural (SANTOS, 2011).

Santos (2011) assevera que os processos de globalização resultam da confluência das

práticas interestatais (perpetrada pelos Estados, organizações internacionais, instituições

financeiras multilaterais, blocos regionais e a organização mundial do comércio); Práticas

capitalistas globais (formado pelas empresas Multinacionais); Práticas sociais e culturais

transnacionais (organizações não governamentais, movimentos sociais, redes e fluxos).

Santos (2011) ainda preleciona que as tensões e contradições, no interior de cada uma

dessas práticas ou constelações,decorrem das formas de poder e das desigualdades quando da

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distribuição efetiva e dinâmica do próprio poder2 o qual é a permuta desigual em todas elas,

mas assume aspectos estritos em cada uma das práticas que derivam dos recursos e artefatos

que são objeto desta permuta desigual.

Assim, é plausível identificar em cada prática um conflito estrutural, isto é, um

imbróglio que organiza as lutas em torno dos recursos que são objeto de permutas díspares.

Por exemplo, no caso de práticas interestatais, a celeuma trava-se em torno da posição relativa

no grau de hierarquia do sistema mundial, já que é este que dita os tipos de permutas e graus

de disparidades (SANTOS, 2011).

Caminhando, Santos (2011) ainda demonstra que nodomínio das práticas sociais e

culturais transnacionais, as permutas desiguais dizem respeito a recursos não mercantis cuja

transnacionalidade se enraíza na diferença do local, como etnias, identidades, culturas,

tradições, sentimentos de pertença e etc. Incontáveis são os grupos sociais amalgamados

nestas permutas díspares e as suas lutas gravitam em torno do reconhecimento da valorização

não mercantil destes recursos.

A intensificação das influências recíprocas econômicas, políticas e culturais

transnacionais dos últimos anos assumiu proporções cavalares que é permitido arvorar a

questão de saber se com isso veio à tona um novo período e um novo arquétipo de

desenvolvimento social.

A globalização, em seus vários pontos e modelos, produz uma inspiração de criação

que, de certa forma, faz exsurgir pontos de mudança capazes de traçar leituras alternativas

acerca das variações atuais do arcabouço mundial em transição, quais sejam: a leitura

paradigmática e a leitura subparadigmática (SANTOS, 2011).

A leitura paradigmática profere que o final dos anos sessenta e o início dos anos

setentamarcaram o tempo de transição paradigmática na estrutura mundial, um período de

crise final da qual eclodirá um novo paradigma social (SANTOS, 2011). Nesse contexto,

Wallerstein (1991) sustenta que o arcabouço mundial adentrou num período de crise

sistemática no ano de 1967e que se estenderá até meados do século XXI.

2Ao elucidar o mapa estrutural das sociedades capitalistas, Santos pontifica que a permuta desigual era a forma de poder do espaço-tempo mundial. Os processos da globalização são constituídos pelo espaço-tempo mundial. Ou seja, em cada uma das práticas versadas acima, tais como, interestatais, capitalista globais e sociais e culturais transnacionais, há uma forma estrita e determinada de permuta desigual.

22

A leitura subparadigmática diagnostica o contemporâneo período como um importante

processo de ajustamento estrutural onde o capitalismo não parece dar mostra de falta de

recursos ou de imaginação adequados e este ajustamento possui um exorbitante significado

porquanto implica a transição de um regime de acumulação para outro, ou de um modo de

regulação para outro, como sustentado pelas teorias da regulação3 (AGLIETA, 1979).

O embate entre as leituras paradigmáticas e leituras subparadigmáticas abarca dois

principais registros, quais sejam, o analítico e o ideológico-político. O analíticoé a formulação

mais precisa e robusta do embate sobre se a globalização é um fenômeno novo ou velho

porquanto se versa queo novo de hoje é sempre o prenúncio do novo de amanhã e os autores

que consideram a globalização algo novosão os mesmos que propugnam as leituras

paradigmáticas, enquanto que os que consideram a globalização algo velho, são os mesmos

que propugnam leituras subparadigmáticas4.

As duas leituras são de fato os dois argumentos essenciais a respeito da ação política

nas condições turbulentas dos dias atuais. Os argumentos paradigmáticos apelam a atores

coletivos que dão ensejo a ação de conversão enquanto que as balizas subparadigmáticas

apelam a atores coletivos que dão ensejo à ação adaptativa (SANTOS, 2011).

Os atores que priorizam a leitura paradigmática tendem a ser mais apocalípticos na

análise dos medos, riscos, perigos e colapsos do tempo atual e a ser mais ambiciosos no

tocante ao campo de possibilidades e escolhas históricas que está a ser desvendado. Para os

que priorizam a leitura subparadigmática, as atuais mudanças globais na economia, política e

cultura, não obstante sua relevância, não estão a forjar um novo mundo utópico ou uma

catástrofe; demonstram somente as intercorrências episódicas que acompanham qualquer

mudança nos sistemas rotinizados (SANTOS, 2011).

De outro modo, inclinando-se sob outra vertente ideológica, alguns depreendem que o

fenômeno da globalização é o que deve se fazer para ser feliz e outros versam que é a causa

3A teoria da regulação tem sido objeto de estudos de muitas pesquisas e Michel Aglietta iniciou suas pesquisas sobre o tema no ano de 1976, que suscitou o que poderia denominar de “ramo investigativo em inúmeras escolas marxistas associadas à teoria da política econômica”. Aglietta procurou investigar aspectos como: a relação salarial, o impacto das novas tecnologias, o regime de acumulação, o modo de regulação e a tendência às crises. Obtendo algumas variações, muitos conceitos foram revisitados e aglutinados às pesquisas da escola parisiense da regulação, na qual se destacaram Robert Boyer e Alain Lipietz, estabelecendo uma fidedignidade com o eixo teórico de Aglietta. 4Wallerstein, a despeito de ser um teórico e pesquisador do sistema mundial e considerar a globalização um fenômeno velho, perfilha leituras paradigmáticas a partir de elucidações sistêmicas, partindo da análise da sobreposição de pontos de ruptura nos distintos processos de longa duração que constituem o sistema mundial moderno.

23

da infelicidade global. O que não se pode olvidar é que a globalização é o destino irreversível

do mundo e um processo que atinge a todos na mesma medida e da mesma maneira, o que

significa perceber que todos estão sendo globalizados (BAUMAN, 1999a).

O mundo está em movimento. Está-se em movimento mesmo que fisicamente o

homem permaneça estático. O problema é que os efeitos dessa nova condição são

exageradamentediscrepantes. Ser local e privado num mundo global, por exemplo, é o mesmo

que ser degradável socialmente falando e privados dentro de casulos retrógrados.

Parte integrante das formas de processos de globalização é a progressiva e crescente

forma de dissociação que se encontram e se distanciam de outras unidades consideradas

distintas ou discrepantes concomitantemente. Os mimetismos neotribais e fundamentalistas,

que reverberama experiência das pessoas na ponta receptora da globalização, são fruto tão

legítimo da globalização quanto a “hibridização”5, extremamente, louvada pela alta cultura

globalizada (BAUMAN, 1999a).

A globalização evocou velocidade e uma capacidade de relacionamento demasiada

com pessoas, lugares e acontecimentos. A avalanche de informações que se passou a ter

acesso gerou, concomitantemente, uma facilidade e uma ortopetização do saber e do

conhecimento, tornando as pessoas mais superficiais, frágeis, voláteis, consumistas, frívolas e,

paradoxalmente, privadas.

A segregação do deslocamento da informação no tocante ao deslocamento dos seus

portadores e objetos franqueou, de per si, a diferenciação de suas velocidades; o deslocamento

da informação ganhava velocidade num ritmo exageradamente veloz e mais rápido que a

viagem dos corpos ou a modificação da situação sobre a qual se informava. O aparecimento

da internet pôs um ponto final (no que se refere à questão da informação) à própria noção de

viagem – distância a ser percorrida – convertendo a informação em matéria instantaneamente

disponível em todo o globo terrestre, tanto na prática quanto na teoria (BAUMAN, 1999a).

Nesta máxima, o espaço quedou-se “processado-centrado-organizado-normalizado” e,

sobretudo, emancipado da finitude e limitação do corpo humano. Com efeito, foram a

capacidade técnica, a sua velocidade de ação e o seu custo de utilização que, neste diapasão,

“organizaram o espaço”; espaço este que é radicalmente distinto: planejado; artificial; 5O conceito de hibridação passou a ser viabilizado com uma certa frequência, no campo sociológico, a partir da dos anos noventa. Este conceito foi utilizado nas ciências sociais por intermédio da evidenciação de Nestor Garcia Canclini na obra Culturas Híbridas (2008) e orientado para abordar processos no tocante à relação entre modernização e modernidade, bem como tradição e modernidade na América Latina.

24

mediado pelo hardware, não imediato ao wetware; racionalizado, não comunitário; nacional,

não local (LUKE, 1996).

No detalhamento poético da globalização, as distâncias não significam mais nada e os

territórios, segregados pela distância, acabam por perder todo o significado. Entrementes, isso

profetiza para alguns a liberdade face à criação de significado, mas para outros auspicia a

substancial falta de significado.

A informação passa a escorrer abundantemente independente dos seus portadores, ela

passa a ter uma espécie de vida própria. A transformação e a recolocação dos corpos no

espaço físico são menos que nunca necessárias para uma nova ordenação de significados e

relações.

É a experiência da não terrestrialidade do poder realizada por essa nova elite, uma

combinação fantástica entre o etéreo e a onipotência, daquilo que não é físico com um poder

conformador da realidade, que está sendo registrada no elogio comum da nova liberdade

corporificada no ciberespaço eletronicamente sustentado (Bauman, 1999a).

Conforme salienta Werthein (1997), assim como os primeiros cristãos elucubravam o

paraíso como o reino idealizado para além da desordem e confusão do mundo terreno,

tangível e material, outrossim, nos tempos de desintegração social e ambiental, os prosélitos

contemporâneos do ciberespaço prelecionam seu domínio como uma idealização que se

sobreleva dos problemas do mundo material e tangível. Como os primeiros cristãos

promulgavam o paraíso como um lugar de recompensa no qual a alma humana seria libertada

do corpo terreno corruptível, contemporaneamente, os vencedores do ciberespaço saúdam-no

como o lugar onde o “eu” será libertado das limitações e finitudes da encarnação física.

Os clássicos e ortodoxos espaços públicos são cada vez mais sobrepujados por espaços

de produções privadas, onde impera a exclusividade, garantindo os altos níveis de controle

necessários para obstar que a intercorrência, imprevisibilidade e falta de eficiência interfiram

no fluxo ordenado do comércio (FLUSTY, 1997).

As elites elegeram o isolamento e pagam por ele esbanjadoramente, e com muita boa

vontade, o resto da população se vê afastado e forçado apagar um grandioso preço cultural,

psicológico e político do seu novo e belo isolamento (BAUMAN, 1999a).

25

Dentro da concepção de espaços públicos e espaços privados, vislumbra-se a ideia de

poder e domínio sobre os diversos territóriosformadores das diversas sociedades. A

globalização, também, faz eclodir a ideia de domínio, autoridade e vigilância sobre as

pessoas.

Por exemplo, o modelo panóptico do poder hodierno concebido por Foucault, está

nesta posição de vigilância. O ponto decisivo deste poder de vigilância fomentado pelas

sentinelas ocultas posicionadas na torre do Panóptico sobre os internos mantidos nas celas do

edifício com o formato de estrela é, exatamente, a perpétua visibilidade dos internos com a

absoluta invisibilidadedas respectivas sentinelas (FOUCAULT, 2011). Assim o mundo é

guiado e supervisionado na globalização. As sociedades quedam-se diuturnamente vigiadas e

controladas sem, sequer, abarcarem um ponto de compreensão e razoabilidade.

O Panópticoera um espaço artificial. A artificialidade era uma suntuosidade

impenetrável aos poderes voltados para a manipulação do espaço numa amplíssima escala

estatal. O que importava no panóptico era que, efetivamente, os encarregados estivessem,

sempre, próximos, na torre de controle.

Foucault utilizou o projeto do Panóptico de Bentham como arquimetáfora do poder

moderno. Lá, os internos estavam presos ao lugar e estorvados de qualquer locomoção,

confinados entre muros grossos e densos. Os internos não podiam simplesmente se mover em

função da robusta vigilância (BAUMAN, 2001b).

O que dizer do big brother, o olho que tudo vê! Todo mundo possuía um aparelho de

TV particular, mas ninguém jamais tinha permissão de desligá-lo e ninguém podia saber em

que momento o aparelho era utilizado como câmera. Winston vivia aprisionado numa

engrenagem exorbitante totalmente subjugada pelo Estado; ninguém conseguia fugir à

vigilância, todos estavam vigiados, presos e dominados pelo poder (ORWELL, 2009).

A globalização domina a humanidade ao ponto de ditar as tendências, direcionando o

modo de viver, as regras vitais, o direcionamento da moda, o desenrolar da economia, os

princípios da cultura e a formalidade da sociedade. Tudo isso, sob uma vigilância austera e

direcionada,sem que haja qualquer ductilidade por parte do conjunto de pessoas que

fomentam a mesma função social ou que abarquem uma certa aptidão de influenciar

determinado setor.

26

Ao mesmo tempo em que a globalização aduz a ideia de vigilância em relação a este

mundo globalizado, paradoxalmente falando, ninguém parece estar no controle agora; algo

ainda demasiadamente pior, não está clarificado na situação atual o que é, verdadeiramente,

ter o efetivo controle, ou seja, não há mais uma localidade com orgulho sobrelevado para ditar

regras essenciais em nome da humanidade ou para ser ouvida e obedecida pela humanidade,

nem há uma singular questão que possa atrair a totalidade dos assuntos do globo terrestre e

impor uma aceitação e um consenso deste globo (BAUMAN, 1999a) .

A nova percepção das coisas vigiadas, mas fugindo ao controle, é que foi pronunciada

num conceito atualmente da moda. O significado mais intenso articulado e difundido pela

essência da globalização é o do caráter de indeterminação, de um cariz indisciplinado e de

uma autopropulsão dos assuntos mundiais, isto é, uma ausência de centralidade, de painel de

controle; quase que uma “desordem mundial”6, no interior de uma visãometafórica

(BAUMAN, 1999a).

Dentro desta ausência de controle global e centralidade, a globalização concedeu mais

privilégios e prerrogativas aos exageradamente ricos e abastados de ganhar dinheiro muito

mais rápido. Esses “senhores feudais” utilizam esta nova tecnologia para mover uma grande

quantia de dinheiro por todo o planeta de forma versátil e negociar com eficiência cada vez

mais ampla. É triste vislumbrar que a tecnologia oriunda deste mundo global e dinâmico não

causa um impacto no dia a dia dos pobres do mundo o que faz da globalização um paradoxo:

é muito positiva para muito poucos, mas marginaliza e estereotipa dois terços da população

mundial (BAUMAN, 1999a).

Diante desta questão paradoxal, a globalização puxa as economias para a produção do

efêmero e do volátil - reduzindo universalmente a durabilidade dos produtos e serviços - e do

precário - perpetração de empregos temporários que são flexíveis e de meio expediente –

(PETRELLA, 1997).

Dentro desse panorama, a globalização caminha moldando e tencionando os

parâmetros formadores de cada tipo de sociedade.Este mundo volátil evocou complexidades,

riscos e uma gama exageradamente profunda no que diz respeito ao estudo da informação. A

evolução foi tão grandiosa que a essência do conceito de comunidade passou a ser deturpada e

vislumbrada de uma forma multifacetada. Ou seja, a comunidade passou a ser cunhada por

6Expressão retirada do livro de Kenneth Jowitt cujo nome é “A nova desordem mundial”, no qual ele baseia que a desordem global é reflexa da nova consciência da natureza.

27

múltiplas faces, muitos lados e com várias facetas, proporcionando diversos significados e

estudos.

Os significados e sensações que as palavras levam não são, obviamente, independentes

e autônomos. A comunidade produz um sentimento bom em função dos sentidos que a própria

palavra “comunidade” aduz. A comunidade é um lugar cálido, abrasador, esbraseante. Nela,

pode-se relaxar, entendem-se muito bem os fatores, há um estado de confiança e dificilmente

ocorre algum desconcerto. Numa comunidade se pode contar com a boa vontade dos demais.

A expressão comunidade apregoa uma coisa boa e cristalina onde as pessoas vivem

muito bem, harmonicamente e muito positivamente intencionadas para a construção de um

mundo cada vez melhor e cheio de esperança e paz. Verdadeiramente, isso é tudo o que este

mundo globalizado necessita para viver seguro e confiante, mas que, realmente, sente falta.

Inelutavelmente,esta comunidade é o tipo de mundo que não está, tristemente, ao

alcance das pessoas, mas que se quer viver e se anseia por lograr. Nos dias contemporâneos, a

comunidade é um paraíso perdido ou outro nome que se queira dar, mas que se espera

ansiosamente por retornar ou descobrir o mapa estratégico do caminho correto e eficaz para se

levar até a terra prometida (BAUMAN, 2003c).

Paga-se um preço pelo privilégio de viver em comunidade e este preço é módico

somente enquanto a comunidade for um sonho. Esse preço é absolutamente pago em forma de

liberdade, que também pode ser denominada de “autonomia”, “independência”, “identidade”

e “direito à auto-afirmação”. O humano não será humano sem os atributos da liberdade e da

segurança; isso não é razão para que se deixe de tentar, mas serve para recordar (e recordar é

viver) que nunca se deve crer que qualquer das sucessivas soluções episódicas não mereceria

mais ponderação nem se beneficiaria de alguma outra correção (BAUMAN, 2003c).

Não se vive nessa tão sonhada comunidade, mas, sim, em sociedades com diversas

nomenclaturas e formas de se ditar este mundo que caminha a passos largos para um

descortinado e explícito mundo tenebroso. Sociedades multifacetadas, abarrotadas de

complexidades, informações e riscos em todos os seus patamares.

É neste cenário globalizado, complexo e projetado por riscos, formado por sociedades

complexas, dominadas e evolvidas pela informação e propagadoras de riscos,

demasiadamente distante da essência que desmistifica o verdadeiro cariz da nomenclatura

comunidade, que as organizações criminosas vêm atuando através dos seus poderosos

28

empreendimentos ilícitos e subversivos à lei, sob a liderança de mentes que perfazem uma

gestão pormenorizada, crescente, lucrativa e que, muitas das vezes, míngua os cofres

públicos, atrofia os empreendimentos públicos locais e regionaise embaraçam, até mesmo, o

desenvolvimento de uma nação. Sem contar com o prejuízo tétrico causado na economia

nacionale os danos ou perdas com a desaceleração econômica.

Com efeito, depois de uma análise abrangente sobre a globalização e alguns aspectos a

ela suscitados, insta perfazer uma abordagem acerca das sociedades dentro deste arcabouço

globalizado para se depreender o contexto no qual se posicionam os aparatos de poder das

organizações criminosas, perfazendo, portanto, um diagnóstico preciso sobre o campo de ação

destas organizações.Assim, faz-se necessário ser elucidado o diagnóstico de cada uma destas

sociedades.

1.2 SOCIEDADE DE INFORMAÇÃO E SUA ABORDAGEM: O PARADIGMA DO APRENDIZADO

A sociedade moderna e contemporânea tem sido taxada e caracterizada como uma

sociedade da informação em função da aproximação direta que a informação tem assumido

com as hodiernas tecnologias de informação e comunicação, principalmente a partir da

criação e propagação da internet que vem provocando e instigando cavalares transformações

de diferentes ordens nas relações econômicas, sociais, políticas, culturais e filosóficas.

Essas mudanças não são estanques, pois elas se transformam à medida que o mundo se

destaca, se desenvolve e que a própria internet evoca uma nova definição em seu escopo. A

vida, depois da internet, passou a ter uma outra realidade e com características e

particularidades elevadas de mudanças céleres que podem ter, mutatis mutandis, um cariz

precário e perene.

O novo paradigma tecnológico evocou novas determinações aos atributos dos

trabalhadores e exige uma maior especialização e uma educação contínua para o desempenho

de atividades que se quedam em permanente mudança. Este novo paradigma, eclodido a partir

da fomentação de novas técnicas organizacionais é, indubitavelmente, uma peculiaridade dos

dias presentes.

29

Na sociedade da informação preponderará o direito de uso, e não o direito de

propriedade e que o princípio da competição dará lugar ao princípio da sinergia o qual será o

princípio basilar da sociedade e os indivíduos, dentro desse panorama fenomênico, terão um

propósito e um escopo social, diametralmente, comum e singular (MASUDA, 1996).

Ao revés, preconiza-se que a sociedade de informação pode se converter num espaço

extremamente desigual do que se poderia esperar e que corre o risco de se fechar em feudos,

onde preponderarão os objetivos dos mais abastados 7, ambiciosos em lograr lucros

exagerados sacrificando os menos abastados e os direcionando grandes prejuízos (DRAHOS,

1995).

A era das redes tornou clarificado que razão instrumental e razão crítico-reflexiva não

são pontos contrapostos, mas racionalidades que se conjugam e se complementam. A

expansão das linguagens digitais fez com que se levasse ao surgimento claro e manifesto da

sua incompletude. Os algoritmos recursivos e genéticos se transformaram imprescindíveis na

denominada “computação evolucionária”8. Os falsos impasses do antigo sonho da chamada

linguagem perfeita permaneceram notórias e se percebeu, outrossim, a insuficiência operativa

da pura reflexão crítica (ECO, 1993).

A expressão sociedade da informação deve ser compreendida como abreviação de um

aspecto da sociedade que quer versar a presença cada vez mais pujante das novas tecnologias

da informação e da comunicação. Não serve para destacar ou qualificar a sociedade em seus

aspectos relacionais mais precípuos. Com efeito, do conceito de sociedade da informação,

caminhou-se sem as devidas cautelas teóricas, ao de knowledgesociety(sociedade do

conhecimento) e learningsociety(Sociedade aprendente). Em francês versam em

SocietéCognitive. Há alguma conveniência para se aceitar em português a expressão

sociedade aprendente (ASSMANN, 2000a).

7Estes menos abastados ou mais pobres no mundo contemporâneo são denominados por Peter Drahos em InformationFeudalism in theInformationSociety. The InformationSociety, como “barões da mídia” em uma alusão veemente aos senhores detentores do poder e do domínio; verdadeiros “senhores feudais”.8Computação evolucionária é um ramo de pesquisa emergente da inteligência artificial que propõe um novo e moderno paradigma para a resolução de questões e problemas absolutamente inspirado na seleção natural (DARWIN, 1859). A computação evolucionária alberga um conjunto de técnicas de busca e otimização com inspiração na evolução natural das espécies. Assim, gera-se uma população de indivíduos que reproduzirão e competirão pela sobrevivência. Os mais fortes sobrevivem e enviam suas características a novas gerações (BANZHAF, 1998). Atualmente, as técnicas incluem: Programação evolucionária, estratégias evolucionárias, algoritmos genéticos e programação genética. Tais métodos são viabilizados, cada vez mais, pela comunidade da inteligência artificial para obter modelos de inteligência computacional (BARRETO, 1997).

30

Faz-se importante ressaltar que o conceito de sociedade da informação alberga e

acolhe diversos significados e sintomas (FLÜCKIER, 1995). O caminho a ser percorrido da

informação ao conhecimento é um ato prolongado e contínuo em que há uma sequência

constante, um procedimento relacional humano e nunca mera operação tecnológica.

A sociedade da informação é a sociedade que está moderna e contemporaneamente a

se constituir. Nela, utiliza-se amplamente tecnologias de armazenamento e transferência de

dados. Esta generalização da utilização da informação e dos dados é escoltada por inovações

organizacionais, empresariais, sociais e jurídicas que modificarão de forma robusta o modo de

vida na sociedade em geral, albergando todos os segmentos (ASSMANN, 2000b).

As modernas tecnologias da informação e da comunicação já não são meros

instrumentos no sentido técnico tradicional, mas feixes de prioridades ativas; são apetrechos

tecnologicamente novos e diferentes. As tecnologias ortodoxas serviam como instrumentos

para aumentar o alcance dos sentidos e as novas tecnologias expandem o potencial cognitivo

do ser humano e dão ensejo a misturas cognitivas complexas e cooperativas (ASSMANN,

2000b).

A sociedade da informação aduz uma série de oportunidades e ensejos. A presente

época seria aquela em que é concedida ao ser humano a oportunidade de ter acesso ao seu

próprio eu linguístico; não quer dizer que seja o produtor de tais proposições ou dos próprios

conteúdos textuais, mas a experiência da representação dimensional linguística da sua

existência simbólica (AGAMBEM, 2001).

Sociedade da informação poderia ser compreendida como aquela em que o regime de

informação9 caracteriza e condiciona todos os demais regimes sociais, econômicos e culturais,

das comunidades e do Estado. Com efeito, a centralidade da comunicação e da informação

produziria a maior dissipação das questões políticas da informação, perpassada por todas as

outras políticas, quais sejam: as públicas e as informais, as tácitas e as explícitas, as diretas ou

indiretas (GONZALEZ DE GOMEZ, 2002).

A expressão sociedade da informação passou a ser utilizada como substituto para o

conceito complexo de “sociedade pós-industrial” e como forma de transmitir o estrito

9O conceito de regime de informação fora fomentado por Frohmann, a partir de Foucault e seria o modo de produção informacional dominante em uma formação social que determina quem são os sujeitos, as organizações, as regras e as autoridades da informação e quais os recursos cabíveis e preferenciais de informação, os padrões de excelência e os modelos de sua organização e distribuição, andante em certo tempo, circunstância, de acordo com certas possibilidades culturais e relações de poder.

31

conteúdo do “novo paradigma técnico-econômico”. A realidade que os conceitos das ciências

sociais procuram demonstrar possui referência às transformações técnicas, organizacionais e

administrativas que têm como ponto nodal não mais os insumos pobres de energia (como era

instituído na sociedade industrial), mas os insumos pobres de informação propiciados pelos

avanços tecnológicos na microeletrônica e telecomunicações(WERTHEIN, 2000b).

Dentro das transformações em direção à sociedade da informação, evidentemente num

estágio avançado nos países industrializados, constituem uma aptidão dominante, até mesmo,

para economias menos desfavorecidas ou menos industrializadas e definem um novo

paradigma, o da tecnologia da informação, que prelecionam a essência da presente

transformação tecnológica em suas relações com a economia e a sociedade (WERTHEIN,

2000b).

Castells (2000) sustenta que esse novo paradigma abarca as seguintes características: a

informação é a sua matéria prima, ou seja, as tecnologias se desenvolvem para permitir o

homem agir sobre a informação propriamente dita; os efeitos das novas tecnologias têm alta

penetrabilidade, isto é, porque a informação é parte integrante em toda a atividade humana,

individual ou coletiva e, conseguintemente, todas essas atividades tendem a ser tocadas por

esta tecnologia; predomínio da lógica de redes que é característica de todo tipo de relação

complexa; flexibilidade, pois permite modificação por reorganização de componentes;

crescente convergência de tecnologias.

A flexibilidade que caracteriza a base do novo paradigma é, talvez, a particularidade

que mais veementemente justifica e fundamenta as especulações positivas da sociedade de

informação. É ela que incorpora a ideia de aprendizagem. A capacidade de reconfiguração do

sistema refere-se a uma maior disponibilidade para a inclusão de mudanças.A noção de

aprendizagem passa a ser empregada em vários níveis, sendo o organizacional sua aplicação

de grande significado na reconstrução capitalista do novo paradigma.

A flexibilidade também dá fundamento às expectativas de contínua adaptação de

trabalhadores e consumidores, produtos e usuários, o que, de fato, coloca o contínuo e perene

aperfeiçoamento intelectual e, igualmente, técnico como um requisito essencial e premente

para a fomentação da sociedade de informação (WERTHEIN, 2000b).

Os desafios da sociedade da informação são diversos e incluem desde os de caráter

técnico, econômico, cultural, social e legal, até os de natureza psicológica e filosófica.As

32

transformações caminham, de tal magnitude, que o ser humano almeja a informação de forma

rápida e precisa; razão pela qual, a informação passa a ser essencial para os dias atuais.

Leal (1996) suscita os desafios éticos da sociedade da informação em termos de uma

múltipla perda: perda da qualificaçãoassociada à automação, e desemprego; de comunicação

interpessoal e grupal, transformada pelas novas tecnologias ou mesmo solapadas por elas; de

privacidade, pela invasão de espaço privado e efeitos da violência visual e poluição acústica;

de controle sobre a vida pessoal e o mundo circundante; e do sentido da identidade, associado

à profunda intimidação pela crescente complexidade tecnológica.

De outra forma, Brook e Boal (1995) se dedicam a diagnosticar estratagemas de

resistência para, como umnovo “luddismo”10, pugnar em face dos aspectos perniciosos da

tecnologia virtual acusada de disseminar na sociedade a utilização de um simulacro de

relacionamento como substituto de interações face a face e contra a alegada usurpação pelo

capital do direito a definir a espécie de automação que desqualifica trabalhadores, alarga o

controle gerencial sobre trabalho, intensifica as atividades e desgasta a solidariedade.

No espírito da declaração Universal dos Direitos do Homem que constitui a base dos

direitos à informação na sociedade da informação, o mundo caminha para uma sociedade da

informação mais global e com práticas e consectários éticos, legais e societárias do uso das

tecnologias de informação e comunicação.

Assim, deve-se prover um arcabouço para a elaboração e realização de uma

colaboração internacional, parcerias e um apoio no que diz respeito à fomentação de

ferramentas e instrumentos comuns, métodos e estratagemas para a perpetração e a projeção

de uma sociedade de informação global, equânime e justa.

Os aparatos organizados de poder11, dentro das mais diversas organizações criminosas,

capitaneadas pelas mentes fecundas dos seus líderes, caminham dentro desta concepção de

sociedade da informação. Esta sociedade de aprendizado e aprimoramento faz, não somente,

as estruturas lícitas se desenvolverem sadiamente, mas, outrossim, as estruturas ilícitas a

ganharem informação e labutarem por um aprendizado contínuo, avançado e criativo.

10“Luddismo” é definida como expressão sinônima de medo da tecnologia e resistência ao avanço e ao progresso. Foi um movimento contra a mecanização do trabalho fomentado pelo surgimento da revolução industrial. O nome deriva de Ned Ludd, um dos líderes do movimento Luddista.11A expressão “aparatos organizados de poder” será explicada oportunamente no capítulo dedicado inteiramente aos estudo da Teoria do domínio da organização, suas peculiaridades e ensinamentos à luz da temática do seu criador, o eminente doutrinador Claus Roxin.

33

Dentro do aspecto criminológico e fazendo um cotejo entrea sociedade da informação

e a teoria fomentada por Sutherland, percebe-se uma aproximação teóricana questão do

aprendizado. Sutherlandperpetrou uma elucidação das formas de aprendizagem do

comportamento criminoso, sendo o responsável pelo desenvolvimento da teoria das

associações diferenciais direcionada à delinquência do colarinho-branco, o denominado white

color crime(BARATTA, 2002).

Sutherland perpetrou tal elucidação com o desiderato de prelecionar que a

criminalidade não era única e exclusivamente praticada pelas classes desfavorecidas e que

ortodoxamente são percebidas como perigosas. Ele desafiou, por intermédio dos seus estudos,

a tendência eminentemente biologicista da época e procedeu a uma fissão com os ditames

positivistas que orientavam os tirocínios criminológicos até os anos 30 do século XX e que

tinham enfoque nas teorias patológicas da criminalidade. Tal aprendizado do comportamento

criminoso, a partir das estruturações de Sutherland, deixou de estar coadunado a um problema

de socialização (ANITUA, 2008).

Alguns autores proferem que Gabriel Tarde foi uma das grandes influências para as

pesquisas frutíferas de Edwin H. Sutherland. Para Tarde, os atos precípuos da vida social são

realizados a partir do império do exemplo. Tarde na obra “As leis da imitação” (1890)

corroboraram que a imitação é crucial à vida social, assim, um grupo social é o conjunto de

seres humanos no qual uns imitam os demais.

Com efeito, sob esta ótica e vertente, o criminoso se manifesta como alguém que, de

fato, imita outrem cuja suposta originalidade se desfaz no confronto com as leis da imitação

(GARCÍA - PABLOS DE MOLINA; GOMES, 2002).

As três leis pensadas por tarde são: os homens se imitam a partir de um grau de

afinidade e intimidade; a imitação acontece principalmente nas camadas mais baixas;

existência de uma contradição entre dois modelos de internalização de comportamento, onde

o novo expurga o mais antigo.

Destarte, dentro desse panorama de aprendizado, seguindo a esteira de pensamento de

Sutherland, o criminoso poderia se tornar um criminoso a partir do aprendizado, isto é,

quebrando e pulverizando os paradigmas de Lombroso12, de forma, que o criminoso não nasce 12Para a maioria dos autores, CesareLombroso foi o grande fundador da criminologia moderna, com a edição do “Homem delinquente”, em 1876 (SHECAIRA, 2012). Num sentido estrito, a criminologia é uma disciplina científica, com uma base empírica, que exsurge quando a intitulada Escola Positiva , ou seja, o positivismo criminológico, cujos representantes mais conhecidos foram Lombroso, Garofalo e Ferri, ampliou o método de

34

criminoso e pode passar a sê-lo através de um discipulado, levando em consideração a

informação e os estudos aplicados para tal atividade ilícita.

Assim, no interior dessa perspectiva da sociedade de informação, as organizações

criminosas nascem, crescem, desenvolvem-se e, também, morrem. Tudo isso, dentro de uma

expectativasedimentadana ótica da informação e do aprendizado, transformando as

organizações em círculos constantes de aprendizado e aprimoramento.

1.3 AS SOCIEDADES COMPLEXAS NA ERA MODERNA: UMA REFLEXÃO SOBRE O

MUNDO DENTRO DO PRÓPRIO MUNDO

A partir do momento que a Antropologia foi reconhecida como disciplina acadêmica,

uma vigorosa tendência foi sempre relacioná-la ao estudo das sociedades ora denominadas de

“primitivas”, “tribais” ou “simples”. Durante muitas décadas, as sociedades modernas foram

consideradas áreas de preocupação de ramos distintos das Ciências Sociais, ou seja, da

sociologia, Ciência Política ou História (PEIRANO, 1983).

A divisão do trabalho entre as muitas Ciências Sociais se realizava através da

definição de um objeto de estudo concreto e se considerava que as sociedades simples

deveriam ser uma matéria privilegiada da Antropologia. Evans-Pritchard (1951) conceituavao

campo da Antropologia social como o ramo dos estudos sociológicos que se dedicava

primordialmente às sociedades primitivas.

Pode-se afirmar que somente nos anos sessenta se deu início ao processo de inserção

das “sociedades complexas” como objeto legítimo e claro da Antropologia, processo este que

teve como cenário um sentimento de crise que abarcou os antropólogos da época.

Preteritamente, nas décadas de quarenta e cinquenta, algumas pesquisas haviam abordado

temas verossímeis às denominadas “antropologia das sociedades complexas” sob a

designação de “estudos da comunidade” (PEIRANO, 1983).

Na década de sessenta, os antropólogos, diante de um problema, percebiam que se

acreditava que as sociedades tribais tendiam a um rápido expurgamento. Verdadeiramente,

investigação empírico-indutivo (GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2000b).

35

desde a época das grandes expedições germânicas do século XIX às Américas que os

etnólogos se preocupavam com o término das sociedades tribais (PEIRANO, 1983).

A preocupação com o desaparecimento da Antropologia era demasiadamente grande

que Lévi-Strauss (1962) - batizando a preocupação da época como “a crise moderna da

Antropologia” - dizia na medida em que a consciência se liga fundamentalmenteao estudo das

populações “primitivas”, pode-se se indagar se, na circunstância em que a opinião pública lhe

reconhece o valor, a Antropologia não corre o perigo de se tornar uma ciência sem o seu

devido objeto.

A Antropologia social, na medida em que definia seu objeto como as sociedades

“simples” ou “primitivas”, fracassava em se ajustar a uma circunstância na qual estas

sociedades deixaram de ser primitivas e, mormente, insuladas. “Primitivas”, “simples” ou

“triviais”, seja a nomenclatura que se queira dar, as comunidades módicas passaram a fazer

parte das redes sociais muito mais amplas e robustas (PEIRANO, 1983).

Procurando soluções para a crise, duas tendências foram realizadas. Preliminarmente,

enfatizou-se um caráter metodológico sui generis da Antropologia, reduzindo a importância

dada à especificidade de um determinado e estrito objeto de estudo. Secundariamente, a

tendência constitui-se em avocar uma dilatação dos horizontes empíricos da Antropologia,

anexando novos tipos de sociedade como objeto de estudo (PEIRANO, 1983).

O primeiro tipo de solução, a metodológica, não é de grande valia e importância para o

conceito de “sociedades complexas”, o que não aduz uma necessidade imperiosa de

pormenorização quanto ao seu objetoproposto.

É o segundo tipo de solução que, de fato, faz eclodir no pensamento antropológico os

estudos denominados de “Antropologia das sociedades complexas”, estudos estes que

demonstravam uma variedade de temas como: estudos micros sociológicos em sociedades

modernas; temas tradicionais da Antropologia como parentesco, em contextos urbanos;

tópicos acerca da Antropologia rural; estudos acerca das intituladas “grandes civilizações”

(EISENSTADT, 1976).

Portanto, dentro desta ratio, considerava-se “sociedade complexa” qualquer sociedade

“não tribal”, ou “não simples”, ou “não trivial”. O próprio conceito de “sociedade complexa”

começava a abarcar um caráter de categoria residual (PEIRANO,1983).

36

A visão dicotômica, amiúde, demonstra um cariz paradoxal e o maniqueísmo

sociedade simples versus sociedade complexa não foge a este raciocínio. O maniqueísmo

sugere um panorama evolucionista de um lado e, de outro, um panorama a-histórico, aplicado

indistintamente a contextos discrepantes (PEIRANO, 1983).

A perspectiva evolucionista implícita no maniqueísmo sociedade simples versus

sociedade complexa tem enfoque na teoria da modernização, fomentada a partir dos anos

cinquenta. Esta indicava que, na forma em que as sociedades se modernizassem, eclodiria um

fenômeno global único corporificado numa convergência das sociedades industriais

(EISENSTADT, 1976).

Nesta concepção, ser “moderno” significa ser “complexo” e a complexidade, nesta

esteira, refere-se, primordialmente, aos aspectos institucionais da organização social. Dentro

desse panorama estrutural, as sociedades simples se converteriam em sociedades “complexas”

na medida em que fomentassem uma maior racionalidade e um processo de mobilidade social

mais efetivo e eficaz. Com efeito, nesse processo de evolução, as sociedades que estivessem a

meio caminho para a modernização seriam consideradas “sociedades em transição”

(TAMBIAH, 1972).

Não é tarefa hercúlea para os antropólogos descartar implicações evolucionistas.

Talvez, pela mesma razão por que é fácil questionar as estruturas e esquemas evolucionistas a

partir de um panorama sincrônico, a a-historicidade implícita no maniqueísmo “simples”

versus “complexo” apresente um grau de dificuldade maior de apreensão; neste diapasão, a

questão se coaduna ao pressuposto de que é pela eliminação dos elementos e pontos

tradicionais que se chega às sociedades complexas (PEIRANO, 1983).

Segundo Tambiah (1972), tradição é um termo utilizado, tanto pelo cientista social

quanto pelo homem político. Este termo é usado, sobretudo, em um sentido a-histórico e

evoca a ideia de algum tipo de herança coletiva que supostamente fora transferida de forma

muito pouca transmudada; concebendo tradição desta forma, dois pontos se quedam

olvidados: o primeiro é que o passado fora, quiçá, tão aberto e tão dinâmico aos atores

daquele tempo como esta época parece aos homens deste tempo; o segundo é que as normas e

regras do passado não foram necessariamente tão consistentes como se tende a imaginar.

O reconhecimento da historicidade das “sociedades complexas” implica em versar

que, em sua maioria, estas sociedades são nações-estados, formações sociais recentes que

37

cumprem o papel de atores abastados ou com privilégios e prerrogativas no cenário

internacional e estes atributos dão às sociedades complexas do mundo globalizado moderno

um cariz de universalidade que, entrementes, diagnosticado detidamente, fluidifica-se em uma

cavalar diversidade; isto quer proferir, que as nações-Estados, ao invés de serem algo

estanque, fechado e acabado, representam mais uma tendência, ou um processo (PEIRANO,

1983).

Desde o século XVI que gradualmente Estados nacionais se tornaram as formações

sociais globalmente dominantes e, paulatinamente sub-rogaram as igrejas, clãs e etc. Neste

moroso processo, a formação e a consolidação dos Estados nacionais se fizeram de maneiras

variadas, e seria um grande erro pensar que esta modificação foi, ou é, unidirecional, tanto

quanto seria errôneo concebê-la como uma perfunctória substituição do que é considerado

“tradicional” pelo “moderno” (BLOK, 1975).

Tal perspectiva não é nova e recebeu reconhecimento por intermédio de conceitos

como, por exemplo, state-formationenation-building. Estes conceitos caminham para o fato

de que o engendramento das nações-Estados se perpetroue se perpetra, por intermédio de um

processo em que, durante os tempos, robustos sistemas sociais se tornaram e se tornam mais

integrados e seus “pedaços” contraem um semblante de maior interdependência (PEIRANO,

1983).

Dois tipos de processo de integração podem ser visualizados, quais sejam: os

processos de integração territorial ou regional e processos de integração social.

Como profere Norbert (1972),estes processos sucedem em conexão com estritas

mudanças na distribuição de poder no interior de uma sociedade estatal: entre os diferentes

estratos sociais, e entre governantes e governados. Com efeito, nenhum dos grandes impérios

da Antiguidade possuía a personalidade de nação.

Este tirocínio leva à questão de que as nações, ou Estados-nações, têm ideologias e

comumente representam-nas como uma coisa muito antiga, quase que imortal; estas

representações sugerem que as nações são formações sociais alicerçadamente integradas,

contudo, países industrializados contemporâneos, inobstante se acharem nações

terminantemente acabadas, ainda podem estar nas fases inicias do processo de nation-building

(PEIRANO, 1983).

38

O conceito de “sociedade complexa” foi cunhado em um determinado momento e

apreendido em um específico âmbito do desenvolvimento da Antropologia para dar conta dos

estudos de sociedades “não simples” e na medida os antropólogos passarem a não enxergar as

sociedades complexas como um fenômeno residual e se passarem a tecer novas análises

incluindo as variáveis históricas, o conceito de “sociedade complexa” sofrerá mudanças

(PEIRANO, 1983).

Como bem pontificado por Pletsch (1981), nem mesmo os missionários cristãos que

labutavam nos séculos XVI e XVII eram tão incautos a ponto de adstringir sem entendimento

o império Inca e as tribos de caçadores e coletores.

O significado do conceito de “sociedades complexas” alberga outras vertentes que

transcendem a mera suposição de sociedade “simples”. Seu conceito se metamorfoseia

alcançando as variações, mudanças e transformações do mundo modernoe globalizado.

No bojo dos tentáculos sustentadores das sociedades complexas, pode-se vislumbrar as

organizações criminosas e seus aparatos organizados de poder. Dentro da ótica da

modernização, aglutinada à perspectiva das sociedades complexas, as organizações

criminosas se modernizam, convertendo-se em estruturas sociais globalizadas, até mesmo,

fundamentadas sob uma égide lícita e legal, mas adimplindo, de forma camuflada e cirúrgica,

crimes contra uma sociedade local, regional e, quiçá, global como, por exemplo, organizações

criminosas que orquestram suas atividades em vários Estados do globo terrestre através dos

delitos de cunho econômico

1.4 SOCIEDADE DE RISCO E GLOBALIZAÇÃO: POR UMA REFLEXÃO ACERCA DO

MAL QUE SE POSSA CAUSAR A UMA SOCIEDADE

O mundo caminha a passos largos para um avanço astronômico. Descobertas são

realizadas, invenções são engendradas e novos horizontes e perspectivas são veiculadas para

um mundo melhor e gerador de oportunidades para todos os povos. Pelo menos, essa sempre

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foi a grande máxima estabelecida pelasmetas mundiais a partir da proposição de projetos e

confecções de propósitos por parte das Nações13.

A produção do conhecimento é intensa e a busca pela informação rápida e solidificada

se torna uma aspiração para todo o Estado que trabalha por novas conquistas, planejamentos e

realizações.Programas fundamentais estabelecidos e elaborados para as mais diversas áreas se

tornou o tema primevo tanto das Nações desenvolvidas quanto das Nações em

desenvolvimento. Não importa a dificuldade, tem-se que construir e modernizar. Essa é a

máxima abalizada nas sociedades contemporâneas.

Com a modernidade o mundo avança, produz, prolifera “oportunidades”, mas aduz,

consigo, concomitantemente, uma produção obscura, sombria e um ceticismo dilatado acerca

do que, indubitavelmente, seria o conceito de felicidade.

Muitos compactuam e flertam com a modernidadepara alcançar uma suposta

felicidade. Acreditam que as consequências produzidas pela modernidade são geradoras dessa

tal felicidade. Dentro deste horizonte levantam a bandeira do consumismo, deixando

transparecer que o comprar é algo bom e satisfatório, expurgador dos pensamentos

depressivos e draconianos da alma.

O problema é que, juntamente com o avanço, com a prosperidade e os benefícios

proporcionados pela modernidade, advêm os medos e riscos geradores deste tão intenso

fenômeno. A modernidade pode evocar prejuízos substanciais e riscos assombrosos

dependendo do seu grau de efetividade e penetração.

13Por exemplo, faz-se mister aduzir a carta das Nações unidas, quando o seu preâmbulo assevera que: “Nós, os povos das nações unidas, resolvidos a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla. E para tais fins, praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos, e unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum, a empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos. Resolvemos conjugar nossos esforços para a consecução desses objetivos. Em vista disso, nossos respectivos Governos, por intermédio de representantes reunidos na cidade de São Francisco, depois de exibirem seus plenos poderes, que foram achados em boa e devida forma, concordaram com a presente Carta das Nações Unidas e estabelecem, por meio dela, uma organização internacional que será conhecida pelo nome de Nações Unidas” (United Nations, 1945).

40

Ocorre que a crescente potencialidade de destruição que a humanidade fomentou sobre

ela própria não provocou uma reflexão interessante sobre o medo e os riscos gerados pela

modernidade. O medo é um sentimento atinente ao ser humano que aduz inquietações e

angústias e que os riscos fazem parte do cotidiano, mas podem ser agravados.

No diagnóstico da modernidade, características como incerteza, inquietude,

insegurança e riscos estão sempre presentes. Na análise deste diagnóstico é possível perceber

e vislumbrar que os processos que enfatizam e dão eloquência à modernidade geram um

mecanismo de intranquilidade e riscos, proporcionando o medo e a angústia (BRITO; BARP,

2008).

Com o despertar do século XX, os enfoques acerca da modernidade tinham por escopo

evidenciar o progresso com foco no domínio da natureza, porém, contemporaneamente, a

elucidação da modernidade enfatiza, sobremaneira, a noção de risco e de perigo.

Na esfera da política, a concentração dos meios de poder deu origem a um dos mais

eficazes meios de controle social. O pensamento social clássico caminhou com o despotismo

como uma manifestação pré-moderna e acreditou que na modernidade não haveria espaço

para a arbitrariedade de poder. O problema é que a arbitrariedade se valeu como ferramenta

de controle social(BRITO; BARP, 2008).

Na visão de Giddens (1991b), o totalitarismo é distinto do despotismo tradicional, mas

é muito mais ameaçador como resultado. O governo totalitário converge poder político,

militar e ideológico de forma mais concentrada do que jamais foi possível preteritamente à

emergência dos Estados-nação modernos.

Giddens (1991b) demonstra ainda que as mentes pensantes sociais do século XIX e do

início do século XX acreditavam que a emergente ordem moderna seria diametralmente

pacífica e esse foco teria obstado de visualizar uma conexão perigosa entre organização e

inovação industrial com o poder militar.

O que se passa a compreender é que a modernidade trocou o sentimento de aventura

pelo sentimento do medo; o que um dia era denominado de segurança acabou se tornando um

instrumento de exorbitante controle social; o que era a fé inabalável no avanço e no progresso

converteu-se em uma real ameaça à vida e à existência da humanidade. Destarte, parece que

se está na fímbia de uma sociedade de risco.

41

Com efeito, pode-se pensar que o risco deriva de uma incerteza, de uma

impossibilidade de controlar o futuro que já é incerto. Disso resulta queas muitas

interrogações concernentes ao fecundo conceito de risco e as mais variadas concepções a

respeito das suas consequências.

Brüseke (2001) já declara que se se arrisca algo, corre-se o perigo de perder algo; não

existe nenhum risco sem a tal valorização positiva de algo, não existe nenhum risco sem algo

que algum ser humano possa, de fato, perder; o risco é um evento futuro, um momento

esperado ou temido no qual essa perda pode suceder; um perigo perpetrado é um verdadeiro

desastre, terminando um percurso perigoso e o risco, ao revés, é algo que abre uma dada

situação e separa o trajeto da história de forma inconvertível.

A concepção de risco está vinculada aos perigos futuros de uma determinada

civilização e de uma concreta ação, seja ela social ou individual e, ipso facto, acaba não

deixando de ter uma concatenação com a concepção de medo.

Aristóteles (2005) já afirmavaque o medo é uma dor ou uma grande agitação

desenvolvida pela perspectiva de algo que venha a suceder no futuro que tenha a capacidade

de produzir de maneira grandiosa e verdadeiramente um significativo sentimento de dor ou

morte.

Dentro dos estertores da moderna filosofia ocidental, Heiddeger (1997)avaliao

fenômeno do medo constitutivo da existência inautêntica, ou seja, das coisas que são lançadas

no mundo e abandonadas aos infortúnios desse mundo. Já no tocante à angústia, Heiddeger

pontifica que ela subsiste pelo simples fato de se estar no mundo, pela circunstância inicial e

fundamental da existência humana.

Pode-se pensar, desta feita, que o medo é algo ameaçador, mas que pode ser travado e

mudado, ao passo que a angústia só pode ser sentida diante do mundo como tal, como ele

próprio.

Quando se pensa na história da modernidade, não se pode deixar de sentir a força de

um deslocamento. Essa força, esse deslocamento, é o momento em que Habermas (1990)

preleciona que ocorre a formação de um novo arranjo social que objetiva olvidar o passado,

posto que não é mais possível, na modernidade desencantada, alimentar as utopias

reconciliadoras.

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No universo da concepção denominada comunidade, o indivíduo é abarcado e

envolvido pela sua subjetividade. Segundo as ideias construídas e pormenorizadas por Mattei

(2002), o nascimento do “eu” é a grande contribuição do Cristianismo para a modernidade;

ele não trabalha com a perspectiva de ruptura, mas vai buscar na agricultura a imagem de uma

mistura que transforma as espécies iniciais, qual seja, o enxerto; ele ainda enfatiza que a busca

da interioridade do homem que marca o pensamento ocidental clássico é herança do

cristianismo, particularmente dos escritos e ensinamentos Paulinos14.

No seu diagnóstico, Mattei (2002) indaga que homem novo é esse que não é mais

judeu ou bárbaro ou grego que se retira do mundo corruptível. A resposta, em sua concepção,

seria a descoberta deste homem interior, que se renova na medida que pulveriza o “homem

exterior”.

Mattei (2002) externa que a imagem do enxerto haurida da agricultura é uma metáfora

que auxilia a entender por que a civilização não teve a capacidade de sublimar a barbárie,

posto que a civilização europeia se edificou paulatinamente a partir de uma sucessão de

enxertos de um cerne básico inicial, tal como uma pérola cultivada, a partir de um corpo

parasita, secreta pouco a pouco suas camadas sob a casa da ostra: o enxerto grego, o enxerto

romano sobre o enxerto grego e o enxerto agostiniano sobre o enxerto romano formam a

substância dura e irisada da Europa cristã que asfixiou o elemento inicial sem o aniquilar.

Inequivocamente, a barbárie não foi deixada fora do limiar da civilização romana,

visto que ela não fora convertida ao cristianismo, foi a alma individual concomitantemente

com a alma do mundo que fora expulsa da comunidade o que dentro desse movimento de

separação, ocorrera o processo de interiorização, doravante, o bárbaro estará dentro do “eu”,

insulado num mundo sepulcral e escuro (MATTEI, 2002).

Com efeito, a solução precípua deste desenrolar é a confirmação da existência do “eu”

universal, mas, de forma, diametralmente, abstrata, aberta, completamente privado de

substância lacunosa, que nada contém e absolutamente entregue e destinada às vicissitudes e

às tocais da sua autodeterminação.

14Mattei traz à baila a carta do apóstolo Paulo escrita à igreja de Colossos. De acordo com esta carta, prevista no novo testamento no livro denominado de Colossenses adstrito ao compêndio bíblico, no capítulo 3, versículo 11,o apóstolo assevera: “Aí não há mais grego e judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro, cita, escravo, livre, mas Cristo é tudo em todos”.

43

Dentro de uma perspectiva incisiva da modernidade tardia, o surgimento da fabricação

social de riquezas acaba trazendo, a reboque, uma demasiada, envolvente e tétrica fabricação

social de riscos.

Visualizando associedadescontemporâneas,percebe-se que o visceral desenvolvimento

econômico, o intenso crescimento industrial e a recrudescente produção de riquezas desperta,

de tal magnitude, um certo hedonismo e um despertar da luta pelo poder, da luta pela

hegemonia dos ganhos de capital e do viver numa sociedade sedenta pelos riscos.

Com efeito, a mudança de paradigma social no que tange às cargas de produção,

sobretudo no que diz respeito ao processo evolutivo do fenômeno da modernização15, tem

desatado riscos extremante potenciais numa proporção, até certo ponto da humanidade,

inimagináveis (BECK, 2008a).

Nas sociedades de risco, as consequências dos êxitos da modernização se convertem

na causa de sua velocidade e radicalidade; o risco adquire um novo caráter porquanto parte

das condições de seus cálculos e processamento institucional, o que em tais circunstâncias se

fomenta um novo clima moral de política em que as valorações das diferentes culturas e

15Na dicção do dicionário Houaiss da língua portuguesa, o vocábulo modernização se forma partindo do verbo modernizar com o sufixo “cão” (ação). “É o ato ou efeito de modernizar [...] é tornar (-se) moderno, acompanhando a evolução e as tendências do mundo atual” (Houaiss e Villar, 2001, p. 1941). Prosseguindo, de acordo com este dicionário, moderno é um período histórico que teve início com o fim da Idade Média. De acordo com Gray (2004), a palavra “moderno” apareceu na língua inglesa no final do século XVI. “De início significava pouco mais que ser do tempo presente, mas lentamente veio a trazer um senso de novidade. ‘Modern’ significava alguma coisa que jamais existiria antes” (Gray, 2004, p. 121). Na análise da expansão territorial, a modernização tem dois pontos fulminantes: um que alberga a infraestrutura econômica, a base técnica e os meios de produção e outro que alberga os aspectos políticos e ideológicos. De acordo com Hobsbawm (1996), se a Revolução Industrial britânica forneceu o modelo para as fábricas, rodovias, cidades, infraestrutura, emprego das técnicas etc., a Revolução Francesa forneceu o modelo político e ideológico do processo de modernização. Para Giddens (1984, p. 111), “a teoria da modernização está associada diretamente à teoria da sociedade industrial”. O conceito de modernização, nesse sentido, é amplo, já que está coadunado a um conjunto de transformações que se processam nos meios de produção, mas também na estrutura econômica, política e cultural de um território. Para se expandir espacialmente, a modernização entra no jogo dos debates teóricos e geralmente é justificada ideologicamente nas instituições acadêmicas, no universo político e nos meios de informações. Assim, modernização não se refere, única e exclusivamente, às transformações que se processam nos meios de produção e nas bases técnicas, pois envolve um conjunto de valores que, advindos de uma determinada classe social, se apresenta com forte caráter ideológico. Autores como Eisenstadt (1968), Black (1971), Germani (1974), Habermas (1990) e Schwartzman (2004) demonstram uma discussão sobre a dinâmica da modernização. Este último autor reza que o termo “existe no mundo das ideias como valores e afirmações morais sobre a vida humana [...] e como interpretação de um amplo processo de mudança social” (2004, p.16). Schwartzman (2004) afirma ainda que a expansão da modernidade era descrita a partir de termos como progresso e evolução. Trata-se da expansão da própria modernidade do ponto de vista territorial. A sua expressão pode ser identificada nas ruas, nas formas urbanas, nos sistemas de transporte, nos contrastes das cidades, nos diferentes lugares, na velocidade, na circulação de mercadorias etc. Marx e Engels (1998), no Manifesto comunista, observam como a burguesia vai tomando conta dos lugares a partir de uma contínua expansão do capital em nível mundial por meio do desenvolvimento tecnológico, da mercantilizarão etc. Para os autores, essa referida classe cria um mundo à sua imagem em um processo que promove a captura dos lugares e que pode ser chamado de modernização.

44

países fomentam um papel nuclear e os prós e contras das consequências possíveis e reais de

decisões técnicas e econômicas se debatem em público (BECK, 2008a).

A luta por definir e, de fato, conceituar a culpa e a responsabilidade dos riscos

exorbitantes que assolam alguns conflitos sociais não é exatamente uma verdadeira

necessidade antropológica (DOUGLAS, 1966).

A história das instituições políticas eclodidas com o desdobramento da sociedade

moderna nos séculos XIX e XX pode ser entendida como entreveros de informação de um

sistema de regras para tratar as inseguranças e riscos industriais, ou seja, dependentes de

decisões (BECK, 2008a).

Responder à aventura da radical abertura e conquista de novos mercados e ao

desenvolvimento e implantação de novas tecnologias com um verdadeiro contrato de risco, é

um invento social que se remonta ao início das navegações mercantes intercontinentais, se

estende com o desdobramento do capitalismo nacional a quase todos os problemas da vida

social (BECK, 2008a).

O cálculo do risco envolve ciências naturais, técnicas e ciências sociais e pode ser

aplicado a fenômenos completamente diversos como a gestão sanitária, a economia, o

desenvolvimento, os acidentes de tráfico e o envelhecimento da grande população (BECK,

2008a).

Como preleciona Ewald (1993), no que tange ao aspecto de um futuro aberto e incerto,

o cálculo do risco permite ao Estado institucionalizar uma promessa de seguridade com

arrimo na aplicação universal de práticas estatísticas ou do princípio do intercâmbio.

A sociedade de risco tematiza o questionamento de ideias centrais do contrato de risco

como o ponto de controle e compensação das inseguranças e perigos provocados pela

indústria, o que significa proferir que a dinâmica da sociedade de risco não consiste,

exatamente, em assumir que no futuro que se terá que viver num mundo cheio de riscos que

não existem até hoje, como em assumir que se terá de viver em um mundo que deverá decidir

seu futuro em condições de insegurança que o próprio mundo terá produzido e fabricado

(BECK, 2008a).

Sem embargo, o mundo já não pode controlar os perigos que a modernidade gera, mas

exatamente, a fé em que a sociedade moderna poderia controlar os perigos que gera se

45

desvanece (BECK, 2008a). Com efeito, o mundo caminha envolto pela modernidade

destrutiva geradora dos riscos e dos medos dentro da sociedade de riscos.

Risco não é uma expressão sinônima de catástrofe, mas significa a antecipação da

catástrofe. Os riscos expressam a possibilidade vindoura de certos acontecimentos e

processos. Enquanto que uma catástrofe está definida e determinada de forma especial,

temporal e social, a catástrofe antecipada não conhece a concretude dos fatos dentro de um

panorama temporal nem social. Assim, os riscos são sempre eventos futuros e vindouros

possíveis de acontecer e que ameaçam, a todo instante, a sociedade, tendo em vista que esta

ameaça permanente determina as expectativas externas, invade as mentes das pessoas e guia

os atos praticados no seio social (BECK, 2008a).

Cada vez mais, vislumbra-se uma diversidade de riscos. O conteúdo teórico e a

referência axiológica dos riscos condicionam outros componentes como a conflitiva

pluralização e diversidade definitória de riscos civilizacionais, o que acaba atingindo uma

superprodução de riscos, que em parte se relativizam, e em parte se complementam, e em

outra parte invadem o terreno uns dos outros (BECK, 2011b).

Como suscitado e diagnosticado por Beck (BECK, 2011b), a relação de causalidade

que se produz nos riscos entre as influências draconianas atuais e o sistema de produção

industrial introduz uma verdadeira diversidade quase que perpétua e infinita de hermenêuticas

específicas.

A sociedade de risco é, deveras, uma sociedade catastrófica,posto que, nela, o estado

de exceção ameaça transformar-se em absoluto estado de inteira normalidade (BECK, 2011b).

Observa-se que o Estado de Exceção se caracterizamuito mais um estado “Kenomatico”, um

verdadeiro vazio de direito, um nada, e a ideia de uma indistinção e de uma plenitude

originária do poder deve ser considerada como um “mitologema” jurídico, concernente ao

entendimento de estado de natureza (AGAMBEN, 2011).

Dentro deste cenário de cunho catastrófico, onde a proliferação dos riscos sucede com

uma velocidade exorbitante, tendo em vista o avanço das sociedades, o apelo pela

modernização e a inquietude, impaciência e sofreguidão pelos ganhos de capital, é que as

organizações criminosas têm propagado e cultivado aspectos de risco, sofrimento e

desconsolação.

46

Com a modernização, as organizações criminosas (juntamente com seus aparatos

organizados de poder), outrossim, modernizaram-se e elevaram seus índices de excelência e

competência no trato das questões criminosas gerando verdadeiros empreendimentos globais

propulsoresde práticas ilícitas.

Com efeito, num mundo globalizado, as organizações criminosas se difundem e são

criados verdadeiros tentáculos como pontos de apoio espargidos por quase todos os cantos do

mundo, o que traz à baila a ideia de legítimos empreendimentos de sucesso, mutatis mutandis,

parecidos com as grandes empresas voltadas para um segmento lícito, tais como, por

exemplo: Google, Facebook, General Motors e etc.

O ponto nevrálgico destas organizações não é mais a prática de homicídios em massa

ou, literalmente, a subtração de determinadas coisas mediante violência, mas, sim, o ato do

crescimento e multiplicação da corrupção que tem assolado nações por todo o mundo.

Estes atos têm evocado grandiosos e maléficos riscos para a sociedade mundial

afetando, a reboque, camadas específicas da sociedade, governos em todas as suas esferas,

sociedades empresariais até certo ponto lícitaseos Poderes legislativo, executivo e

judiciário,formadores da cúpula de um solidificado Estado Democrático de Direito. Em suma,

a sociedade como um todo tem se angustiado com a produção destes riscos.

Faz-se necessário a elucubração fecunda de novas reflexões sobre este mundo

globalizado gerador de riscos. É de inteira importância saber que se vive hodiernamente numa

sociedade voltada para modernização e produtora de riscos. Desta forma, por conseguinte,

torna-se clarificado compreender que as organizações criminosas avançam

concomitantemente com esteprocesso de modernização avassalador no mundo fenomênico

contemporâneo gerando riscos e afetando toda uma sociedade.

É hora de desmistificaralguns conceitos jurídicos para se alcançar a essência e o saber

delimitador das organizações criminosas e os seus aparatos organizados de poder.

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O UNIVERSO DO CONCURSO DE PESSOAS

47

2.1 NARRATIVA HISTÓRIA SOBRE A QUESTÃO: UM DIAGNÓSTICO SOBRE O PANORAMA GLOBAL E BRASILEIRO

Após a dissecação sobre os pontos relevantes no tocante ao estudo da globalização, os

tipos de sociedades que dão forma e admoestam o todo global, a influência que estes

diagnósticos têm para com a formação das organizações criminosas,faz-se necessário

depreender, dogmaticamente, o estudo da cooperação criminosa entre pessoas, posto que é a

partir destes ensinamentos dogmáticos introdutórios e históricos que se alcançará e atingirá a

compreensão intelectual concernente à estrutura da organização criminosa e sua cooperação

entre seus diversos membros formadores do respectivo arcabouço.

Com arrimo nesta linha de raciocínio,elucidar-se-ão pontos de cunho histórico sob

uma perspectiva ampla, ou seja, sob uma visão geral de mundo e, outrossim, vislumbrando

sinteticamente o painel brasileiro, isto é, buscando um olhar investigativo no que tange aos

pontos brasileiros relevanteseatinentes à cooperação criminosa entre pessoas.

Assim, preliminarmente, vislumbrar-se-ão os aspectos mais amplos concernentes aos

estudos sobre a ideia de causa, autoria e cumplicidade global para, secundariamente, adentrar-

se ao panorama brasileiro.

2.1.1 Uma visão histórica global acerca da questão

Com efeito, a máxima labutada na ideia de causa, tendo em vista que não somente o

autor, mas, igualmente, todas as pessoas que, de certa forma, agem no desenvolvimento de

uma ação criminosa devem ser responsabilizados pelo resultado da ação produzida, tem sido

observado e confirmado em todos os tempos e aquiescido em todos os sistemas jurídicos, mas

se as inúmeras formas de coparticipação se diferenciam de uma forma ideal e como se devem

diferenciar, se a parte de cada indivíduo na culpa e no fato se determina dissemelhantemente e

como deve ser determinada, e como nessa conformidade deve ser sopesada a pena, são

elucubrações a respeito das quais há discrepâncias até os dias atuais(LISZT, 2003).

Não foi exclusivamente pelo modelo ordinário das legesdo tempo das Questiones

perpetuoeque o Direito romano infligiupena aos cúmplices (auctores, socii, ministri, fautores,

participes), mas somente o posicionamento mais livre do magistrado no processo extra-

48

ordinemconverteu em possível e concreto aquele determinado juízo crítico, que era a conditio

sinequanom da fomentação ulterior da doutrina; entrementes, o Direito romano ulterior não

veiculou princípios gerais e na Alemanha da Idade Média, equiparou-se quanto à pena a

figura do instigador à figura do autor, de certa forma em um determinado número de crimes

(LISZT, 2003).

No que toca, todavia, à punição do cúmplice por assistência, diversificava a

fomentação diametralmente de acordo com o crime. Neste diapasão, Liszt (2003) pontificava

que o concurso prestado por intermédio do conselho e ato era punido tal qual a autoria, isto é,

da mesma forma, ora somente o verdadeiro auxiliar, sem cuja cooperação a realização do

crime não teria sido possível, era tão punido quanto o autor, ao passo que os outros cúmplices

recebiam penas inferiores e sobre o investigador recaía a pena exatamente igual da autoria,

quando não pena mais gravosa.

Neste último ponto de análise, de acordo com a lavra de Liszt (2003), achava-se, tal

qual, a ciência da Itália medieval, a qual diferenciava da autoria o consilium, o auxiliume o

mandatum, qui causam datdelictoe ela, outrossim, não alcançou efeitos definitivos e

geralmente recebidos, o que, destarte, demonstrou que a ciência e a legislação do Direito

corriqueiro e comum não conseguiram lograr ideias firmes e as distinções que estabeleceram

(cumplicidade anterior, concomitante e posterior ao fato, cumplicidade geral e especial,

principal e acessória, física e psíquica) são tão desapossadas de precisão quanto de viabilidade

prática.

Posteriormente, na legislação do século XIX, o progresso e avanço da doutrina têm,

mormente, necessitado da solução de dois pontos extremamente fundamentais.

Liszt (2003), num primeiro ponto, assevera que a concepção de instigação se presta a

uma dupla essência. Neste ponto ele demonstra que a instigação pode ser pensada como uma

fabricação mediatado resultado, como uma causação, o que demonstra que a instigação seria

uma autoria mediata16. Entretanto, a conclusão que Liszt alberga é que se admite, por um lado,

a interrupção do nexo causal entre a ação do instigador e o resultado devido à ação livre e

dolosa do autor imputável, resistindo-se, desta forma, a concepção e pensamento da instigação

como autoria mediata e, de outra forma, entende-se a instigação como participação no fato

praticado pelo autor.

16O conceito, ideias e peculiaridades no que diz respeito à autoria mediata serão tratadas em momento oportuno desta pesquisa.

49

Num segundo momento, ainda dentro da legislação do século XIX, Liszt (2003)

demonstra que um indivíduo que põe uma condição para a produção do resultado se

compromete com esta produção, isto é, torna-se responsável. Quem deu causa é autor e

quando alguém dá causa com outros é coautor e quem põe apenas uma condição é cúmplice.

Assim, Liszt (2003) preleciona que a cumplicidade por assistência é transmudada em

coparticipação não autonômica no fato de outrem, mas como a diferenciação entre a autoria e

a cumplicidade não se sustenta, falta igualmente à diferenciação entre a autoria e a

cumplicidade uma pujante base objetiva.

Diferentemente da legislação do século XIX, Liszt (2003) assevera que a ciência do

século XIX foi mais feliz, insuflando na legislação, sob um viés, a diferenciação entre a

conspiração e a associação de malfeitores, e, sob outro viés, separando o favorecimento dos

diversos meios de coparticipação de inúmeras pessoas no mesmo delito.

Dentro desta máxima, Liszt (2003) considera que conspiração é o concerto de diversas

pessoas para a realização de um ou mais delitos específicos e determinados e associação de

malfeitores é a agregação ou reunião de diversas pessoas com o desiderato de praticarem

delitos individualmente não determinados.

Liszt profere (2003) que a vetusta doutrina responsabilizava pelo resultado total todos

os sócios como uma espécie de “instigadores recíprocos” ou infligia o concerto até mesmo

como tentativa do crime em questão. Contrariamente, a moderna ciência defendia a ideia de

que sendo vários os agentes, o delito realizado só lhes poderia ser transferido, de acordo com

cada um deles pelo seu procedimento no caso dado tenha perpetrado as ideias da autoria da

instigação ou da cumplicidade por assistência, deixando de lado o objeto da tentativa,

enquanto não se dá o início da execução.

Ademais, de acordo com a lavra de Liszt (2003), o favorecimento não é, de fato, uma

modalidade de concurso de inúmeras pessoas para a prática de um específico e determinado

delito, o que demonstra, por consectário, que em virtude do favorecimento só ser

absolutamente possível após ter praticado o fato, falta-lhe o único caráter que é comum a

todas as demais modalidades de cumplicidade, a colocação de uma condição para o resultado

que se produziu.

50

Segundo Liszt (2003), a concepção de concursusnecessarius ou cumplicidade

necessária17, que se daria nos crimes em cuja realização é idealmente melhor, o concurso de

inúmeras pessoas é um pensamento diametralmente fracassado, posto que os que a defendem,

olvidam que nesta parte têm, outrossim, diametral emprego as regras a respeito da

cumplicidade, assim como a culpabilidade de um cúmplice não é atingida pela falta de

punibilidade do outro.

Por derradeiro, em seguida,realizar-se-á um diagnóstico preciso no que concerne aos

pontos relevantes da legislação brasileira e os momentos políticos vividos pelo Brasil como

ponto de estudo histórico de desenvolvimento da cooperação criminosa entre pessoas. Serão

abordados, a posteriori, pontos de extrema relevância sobre o mosaico brasileiro.

2.1.2 O concurso de pessoas: uma elucidação investigativa sobre o cenário brasileiro

Depois de uma análise rápida e sucinta referenteaos estudos sobre a ideia de causa,

autoria e cumplicidade, tendo como ponto atômico uma visão histórica a partir das

conjecturas e estruturasdeLiszt em seu tratado de Direito Penal Alemão, cumpre trazer à baila,

algumas investigações acerca da cooperação criminosa entre pessoas, desde os seus

primórdios18.

Com efeito, seguindo esta máxima investigativa, tem-se o Código Criminal do Império

do Brazil19 que já abarcava no seu bojo entendimentos atinentes aos institutos da autoria e da

cumplicidade. O artigo 4º já enfatizava e orientava suscitando que são autores os que

cometerem, constrangerem ou mandarem algum outro indivíduo praticar crimes.

Diferentemente, os artigos 5º e 6º arrazoavam sobre os criminosos cúmplices, ensinando que

são todos os demais que de uma forma direta compactuam para se praticar crimes.

O Código ainda apregoava que aqueles que receberem, ocultarem ou comprarem

coisas logradas por meios criminosos, logo, ilícitos, ou devendo sabê-lo em virtude da

17A expressão concurso de pessoas, ocorrendo quando duas ou mais pessoas perpetram delito em comum é a utilizada. Há quem prefere denomina de concurso de agentes como demonstrado por Nilo Batista em cujo livro delimitou e acrescentou esta nomenclatura 18Não serão tratados nesta pesquisa pormenores quaisquer no que diz respeito ao diagnóstico sobre o trato da matéria criminal dos aborígenes e, outrossim, no que toca às Ordenações Filipinas e o Direito que conduziu durante o Brasil Holandês. 19O Código Criminal do Império do Brazil teve seu nascimento em 16 de dezembro de 1830. Ele possuía 313 artigos que regiam as questões criminais durante o império.

51

qualidade ou, até mesmo, condição das pessoas de quem as receberam ou compraram e os que

proporcionarem asilo ou utilizarem sua residência para o encontro de assassinos ou

roubadores, tendo em vista discernimento de que cometem ou têm a intenção de cometerem

tais delitos, também eram considerados cúmplices.

O Código criminal do Império, ademais, tratou dos delitos de imprensa de uma forma

precípua asseverando a exclusão da cumplicidade, conforme demonstrado nos artigos 7º, 8º e

9º20.

Outro ponto relevante para a cooperação criminosa entre pessoas encontrava-se

consubstanciada no assunto concernente às agravantes, vez que o art. 16, parágrafo 11 aduzia

o delinquente que cometera crime por meio de paga ou esperança de alguma recompensa e o

parágrafo 17 do mesmo artigo o qual versava acerca do prévio ajuste.O artigo 18, parágrafo

sétimo aduzia uma atenuante que reverberava, igualmente, no assunto da cooperação

criminosa entre pessoas, qual seja, o delinquente ter cometido o crime sob ameaça.

Mais um ponto relevante para o estudo da cooperação criminosa entre pessoas era o

preceituado no artigo 35 o qual sustentava o entendimento de que a cumplicidade seria punida

com as penas de tentativa e a cumplicidade da tentativa com as mesmas penas destas.

Num cômputo geral, o arcabouço jurídico era bem aceitável pela doutrina daquele

período histórico. Araújo (1889) entendia subsistir entre autores e cúmplices uma espécie de

mera diferenciação do ponto de vista quantitativo, algo genuinamente nominal e não atinente

a uma verdade das coisas.

20Art. 7º Nos delictos de abuso da liberdade de communicar os pensamentos, são criminosos, e por isso responsaveis: 1º O impressor, gravador, ou lithographo, os quaes ficarão isentos de responsabilidade, mostrando por escripto obrigação de responsabilidade do editor, sendo este pessoa conhecida, residente no Brazil, que esteja no gozo dos Direitos Politicos; salvo quando escrever em causa propria, caso em que se não exige esta ultima qualidade. 2º O editor, que se obrigou, o qual ficará isento de responsabilidade, mostrando obrigação, pela qual o autor se responsabilise, tendo este as mesmas qualidades exigidas no editor, para escusar o impressor. 3º O autor, que se obrigou. 4º O vendedor, e o que fizer distribuir os impressos, ou gravuras, quando não constar quem é o impressor, ou este fôr residente em paiz estrangeiro, ou quando os impressos, e gravuras já tiverem sido condemnados por abuso, e mandados supprimir. 5º Os que communicarem por mais de quinze pessoas os escriptos não impressos, senão provarem, quem é o autor, e que circularam com o seu consentimento: provando estes requesitos, será responsável sómente o autor. Art. 8º Nestes delictos não se dá complicidade; e para o seu julgamento os escriptos, e discursos, em que forem commettidos, serão interpretados segundo as regras de boa hermeneutica, e não por phrazes isoladas, e deslocadas. Art. 9º Não se julgarão criminosos: 1º Os que imprimirem, e de qualquer modo fizerem circular as opiniões, e os discursos, enunciados pelos Senadores, ou Deputados no exercicio de suas funcções, com tanto que não sejam alterados essensialmente na substancia. 2º Os que fizerem analysesrazoaveis dos principios, e usos religiosos. 3º Os que fizerem analysesrasoaveis da Constituição, não se atacando as suas bases fundamentaes; e das Leis existentes, não se provocando adesobediência á ellas. 4º Os que censurarem os actos do Governo, e da Publica Administração, em termos, posto que vigorosos, decentes, e comedidos.

52

Seguindo a lavra de Araújo (1889), autoria direta e instigação eram equiparadas, tendo

em vista a terminologia utilizada pela lei, qual seja, mandato criminal. Verifica-se que Barreto

(1892) empregava a nomenclatura “mandato”, o que hodiernamente é denominado de

instigação.

Ponto interessante no estudo de Barreto (1892) é a instituição do caráter acessório da

participação, posto que deixa clarificado em momentos que profere acerca da exigência

conceitual da instigação – mas que ele denominava à época de mandato –; ele introduz que o

mandatário tenha perpetrado a respectiva ação e tocante à tentativa do mandato, o código não

o taxou de um crime independente do ato principal, da ação principal.

Prosseguindo na história, adveio, secundariamente, o Código Penal da República dos

Estados Unidos do Brasil, de 11 de setembro de 1890. Este Código, basicamente, administrou,

protegeu e conservou no seu artigo 17 que as pessoas que praticassem crimes seriam autores

ou cúmplices.

O artigo 18, parágrafo primeiro versava que os autores seriam aqueles que diretamente

resolvessem e executassem o delito. O parágrafo segundo do art. 18 tratava da figura dos

instigadores, o parágrafo terceiro que tratava do instituto da cumplicidade necessária, ou seja,

aqueles em que a doutrina denomina de cúmplices necessários e oparágrafo quarto que

norteava a respeito dos que diretamente executassem o delito por outrem resolvido.

O artigo 19 evocava uma regra peculiar no tocante ao mandato criminal que

responsabilizava como autor o mandante por qualquer outro delito que o executor

cometessepara executar o de que se havia encarregado e por qualquer outro crime que daquele

resultasse.

O artigo 20 aduzia a possibilidade de cessar a responsabilidade do mandante se fosse

retirada a tempo o seu auxílio no delito. O artigo 21 delimitava as pessoas que poderiam ser

consideradas cúmplices, quais sejam, os que, não tendo solucionado ou provocado de

qualquer forma o crime, disponibilizarem instruções para cometê-lo, e prestarem ajuda para

execução; os que, antes ou durante o ato executório, prometerem ao criminoso coadjuvação

para evadir-se, ocultar ou destruir os instrumentos do crime ou, de certa forma, expurgar os

seus vestígios; e os que concederem asilo ou prestarem sua casa para reunião de assassinos e

roubadores, conhecendo-os como tais e o escopo para que se reúnem.

53

No artigo 22, nos crimes de abuso de liberdade de comunicação (ou crimes de

imprensa), instituiu-se uma responsabilidade solidária entre o autor, o proprietário da

tipografia, litografia ou jornal e, outrossim, o editor. Neste diapasão, tal responsabilidade

albergava os gerentes e administradores da respectiva sociedade. O parágrafo segundo do

artigo 22 também afirmava a responsabilidade do vendedor ou distribuidor de impressos

quando não estiver demonstrado quem é o dono da tipografia ou jornal e o vendedor de

escritos não impressos que foram distribuídos a mais de 15 pessoas, se não provar que é o

autor ou que a venda fora efetuada sem a aquiescência deste.

O artigo 23 apresenta os delitos em que não se há cumplicidade e a ação criminal

respectiva poderia ser demandada contra qualquer dos responsáveis solidários. Assim, quando

a condenação recaísse no dono da tipografia, litografia ou jornal, ser-lhe-iam aplicadas, tão só,

a pena pecuniária elevada ao dobro.

No esclarecimento das agravantes, com fulcro no tirocínio da cooperação criminosa

entre pessoas, percebe-se no artigo39 parágrafo 10 a paga ou promessa de recompensa e o

parágrafo 13, também do mesmo artigo, versando acercado ajuste prévio entre dois ou mais

indivíduos.

Quanto às atenuantes,também afetas ao campo de aplicação da cooperação criminosa

entre pessoas, identifica-se no artigo 42, parágrafo sétimoprelecionando a respeito do crime

impelido por ameaças ou constrangimento físico vencível. E o parágrafo oitavo do mesmo

artigo asseverando sobre o crime em obediência à ordem de superior hierárquico.

O artigo 64, tal qual o Código do Império como vislumbrado em outrora, versava que

a cumplicidade seria punida com as penas da tentativa e a cumplicidade da tentativa com as

penas desta, menos a terça parte. O caput continuava proferindo que, no entanto, quando a lei

obrigasse à tentativa pena especial, seria aplicada diametralmente essa pena à cumplicidade.

A doutrina da época não labutou com demasiada profundidade a respeito do tema, o

que acabou gerando um tratamento não tão intenso e fecundo, ou seja, a matéria se deu de

maneira quase que perfunctória e superficial, o que foi uma pena, tendo em vistaa matéria ser

tão rica, instigante e sobejamente variada (BATISTA, 2004).

Neste diapasão, percebem-se avanços dentro do tema, não obstante Siqueira

(1932)suscitar a dependência que o imbróglio da cooperação criminosa entre pessoas abriga

54

da resolução que a tal problema registra o direito positivo; introduz-se o debate jurídico entre

teorias diferenciadoras objetivas e teorias diferenciadoras subjetivas.

A cumplicidade necessária era diagnosticada levando em consideração a contribuição

evocada ao crime no momento em que se perpetrou, pelo aspecto em que se examinou

(Garcia, 2008). Quanto à cumplicidade necessária, Siqueira (1932), outrossim, compartilhava

do mesmo pensamento e propósito.

Avançando, posteriormente, adveio o projeto de código penal de 1893 da lavra de João

Vieira de Araújo que mantinha o arcabouço diferenciador. O seu artigo 15 ensinava que os

autores seriam os executores e cooperadores imediatos de fato punível, assim como aquele

que tivesse especificado outra pessoa a cometê-lo; O artigo 16 pontificava que os cúmplices

eram todos os mais que concorressem para o delito; o artigo 17 dizia que o culpado por

algum fato de codelinquência seria moldado com autor e, não, cúmplice se sem o seu

concurso o delito não pudesse se realizar; o artigo 18 evocava as pessoas que poderiam ser

consideradas cúmplices (ARAUJO, 1896).

No projeto do ano de 1913, Siqueira (1913) aduz a exposição de motivos e tem por

fito concatenar a teoria da participação com a teoria da equivalência dos antecedentes causais;

ele inaugura uma vertente de paridade. Neste projeto, previa a responsabilidade nos crimes de

imprensa, o conteúdo do artigo 18 não poderia ser veiculado como regra de comunicabilidade

de circunstâncias, o artigo 20 e seus parágrafos trazia agravantes referente ao estudo da

cooperação criminosa entre pessoas, o artigo 42 veiculava que a concorrência entre vários

agentes no cometimento de um crime geraria punição com a mesma pena para os agentes,

excepcionando o artigo 7º que trabalhava as circunstância pessoais e o artigo 99 determinando

que seriam agentes do delito os que tivessem determinado outro indivíduo a cometê-lo, os

executores e os que por outra forma não houvessem concorrido cientemente para sua

perpetração.

O projeto de Sá Pereira – em sua primeiríssima versão do ano de 1927 - também

labutava alguns pontos concernentes ao estudo. O artigo 46 ensinava que o autor de crime não

era somente aquele que realizava, mas outrossim aquele que determinava outra pessoa a

executá-lo ou por qualquer forma concorresse para que ele se executasse. O artigo 47

pontificava que a responsabilidade se fiasse e a pena se graduasse levando em consideração a

temibilidade de cada meliante, os motivos para a prática do delito e a participação de sua

importância na construção do crime.

55

Na segunda versão do projeto de Sá Pereira realizada em 1928, o artigo 129, número 5

ensinava que responderia pelo delito, como se o tivesse realizado, aquele que determinou

outro indivíduo a cometê-lo, ou à execução do mesmo prestasse assistência e as relações,

qualidades e circunstâncias especiais que favorecessem ou prejudicassem a alguns dos

coautores, aos outros não se comunicavam. Este artigo seria um conjunto de critérios para a

delimitação de uma pena base e determinava que o juiz atentasse à importância da

participação do crime. O artigo 130, parágrafo XI labutava a atenuante no caso do indivíduo

agir sob a pressão da natural obediência ou da dependência.

No ano de 1938 veio à lume o projeto de Alcântara Machado. Segundo a lavra de

Batista (2004) este projeto concentrou pontos atinentes à cooperação criminosa entre pessoas

no capítulo II do título III, sob a denominação errônea “Da co-autoria”. A partir do artigo 18 e

seguintes são encontrados um arrolamento de condutas de autoria e participação igualando no

tocante à pena cominada, no entanto concatenada a um arcabouço agravador e atenuador

específico. No artigo 18 e seus respectivos incisos vislumbravam-se temas como autoria

direta, instigação, cumplicidade necessária e uma equação mais ampla que albergava o

instituto da cumplicidade e o instituto da coautoria. No parágrafo primeiro do artigo 18

eclodia o que Batista (2004) denominava de medida de segurança pré-delitual no tocante ao

ajuste e determinação que não resultassem em execução do crime e o parágrafo segundo do

artigo 18 trazia à baila a possibilidade de comunicação das circunstâncias.

Posteriormente, no ano de 1940, com absoluta inclinação no sistema do código

italiano, vez que a própria exposição de motivos número 22 asseverava tal coisa, foram

disponibilizadas normas menos complexas ainda não percebidas na fomentação histórica do

direito penal brasileiro. O título IV, “Daco-autoria”, possuía três artigos. No artigo 25 havia

narrado o conceito extensivo, com uma essência causal, de autoria. O artigo 26 versava acerca

da comunicabilidade das circunstâncias e o artigo 27 tratava do ajuste, determinação ou

instigação e o auxílio. Somavam-se a este bojo os artigos 45 e 48 os quais, respectivamente,

proferiam sobre agravantes e atenuantes.

Nenhuma das enunciações teórica consubstanciadas na exposição de motivos do

código de 1940 logrou aceitação uníssona ou foi-se esposada incontestavelmente (BATISTA,

2004).

Tempos se passaram e no ano de 1969 - que teve sua vigência várias vezes postergada,

até ser de uma vez por todas revogado –fora promulgado um novo código penal, fulcrado no

56

projeto de Nélson Hungria de 1963; este código suportara transmudações em 1973, mas seria

pulverizado quando da importante modificação do código de 1940, através da lei n. 6,416, de

24 de maio de 1977 que admoestou para os pontos positivos de reestruturar o diploma

pretérito (BATISTA, 2004).).

Redizia-se no código de 1969 a mesma matéria do código de 1940 no que tange ao

ponto referente à cooperação criminosa entre pessoas, que nele era a denominação do título,

devidamente apropriada (BATISTA, 2004).).

O artigo 35, parágrafo primeiro, primeira parte, versava que a punibilidade de

qualquer dos concorrentes independe da dos outros, determinando-se de acordo com a sua

própria culpabilidade. Na segunda parte do já mencionado parágrafo, o dispositivo legal

ratificava que não se comunicavam as condições ou circunstâncias de caráter pessoal, salvo se

elementares do crime.

Um estado de apoquentação pode ser vislumbrado na leitura detida da exposição de

motivos número 18 do código de 1969, posto que o seu redator exprime ser possívelque a

unificação de absolutamente todas as modalidades de participação e autoria seja,

inelutavelmente, inconciliável com um Direito Penal da culpa21.

Batista (2004) ensina que mesmo com o posicionamento do Código de 1940, dos

critérios drásticos de sua Exposição de Motivos e do venerável raciocínio de Hungria, a

doutrina brasileira questionou, de forma incipiente e perfunctória, a causalidade como critério

central, proferiu a teoria da acessoriedade, engendrou as formas de participação e admitiu a

autoria mediata. No tocante à causalidade, Marques (1957) entendera que se a relação causal

possuísse um escopo observador e elevado, a tipicidade estaria mitigada a um papel

subalterno, quando não inofensivo e abnóxio. Marques (1957) ainda preleciona, no que tange

à teoria da acessoriedade, que a essência unitária e singular do concursusdelinquentiumnão

faz sumir o caráter acessório da participação. Alguns pensamentos divergiram quando o

assunto era, exatamente, a construção de modalidades. Autores como Hungria (1958)

preferiam desconhecer as várias formas de participação, enquanto que outros autores como

Furquim (1971) versavam que não era irrelevante diferenciá-las entre si malgrado a

unificação, tendo em vista a existência de um arcabouço ora agravador, ora atenuador

concernente,estritamente, às condutas participativas.

21A exposição de motivos número 18 do código de 1969 fora redigida pelo saudoso Professor e Advogado dos fracos e carentes, Heleno Fragoso.

57

Por intermédio da lei n.º 7.209, de 11 de julho de 1984, adveio a reforma da parte geral

fomentada em 1984. Como sua vacatiose delongou pelo interregno de seis meses, versa-se,

costumeiramente, como “reforma de 1985”.

A reforma de 1984 teve grande relevância no progresso do estudo das penas e medidas

de segurança, como, outrossim, no campo e aplicação da famigerada e mencionada teoria do

delito; haja vista a matéria concernente à cooperação criminosa entre pessoas não ter sofrido

uma mutação substancial, é notório que ocorrera um belo aperfeiçoamento (BATISTA, 2004).

No artigo 29 pode ser verificada a regra parificadora de fundo causal com alusão à

culpabilidade de cada corrente; o parágrafo primeiro do artigo 29 aduz a participação de

somenos importância como causa especial de diminuição de pena, uma minorante;em relação

à participação em crime menos grave, de acordo com o parágrafo segundo do artigo 29, passa

a carecer de solução mais atenta às exigências do princípio da culpabilidade; o artigo 30

manteve o rito sobre a comunicabilidade das circunstâncias; o artigo 31 versando a respeito da

impunibilidade dos atos preparatórios compartilhados referentes aos princípios da

acessoriedade e da executividade; o artigo 62 aduz ensinamentos sobre o sistema agravador; o

artigo 20 parágrafo segundo tratando do erro determinado por terceiro; e o artigo 22

introduzindo a coação irresistível e a obediência hierárquica.

Sob a égide da estrutura de 1940, os pensadores penalistas brasileiros já se

amotinavam em face da obrigatoriedade intelectual do simplismo causal, mas posterior à

reforma do ano de 1984 era absolutamente inevitávelque o nível das pesquisas acerca dos

institutos da autoria e participação (juntamente com o movimento intelectual que albergava a

totalidade da teoria do delito) não se sobrelevasse.

2.2 CRITICANDO OS DIVERSOS MODELOS TEÓRICOS NORTEADORES DA DOGMÁTICA PENAL: UM MERGULHO NO UNIVERSO DA COOPERAÇÃO CRIMINOSA ENTRE PESSOAS

No que diz respeito ao estudo concernente à cooperação criminosa entre pessoas, faz-

se necessário uma perquirição holística acerca dos pontos primordiais e centrais, das teorias

tradicionais no tocante à autoria e à participação, suas diferenças e discrepâncias para se

alcançar o raciocínio mais pormenorizado dos aparatos organizados de poder.

58

É consabido que subsistem várias teorias referentes à cooperação criminosa entre

pessoas que guiaram, conduziram e nortearam o Direito Penal nuclear até o alcance da

famigerada teoria do domínio do fato. Construções que, até os dias fenomênicos

contemporâneos, justificam e fundamentam todo um Standard penal no trato desta matéria tão

envolvente dentro do universo da ciência criminal.

Com efeito, seguir-se-á no reconhecimento destas teorias até a moderna teoria do

domínio do fato com o escopo de diagnosticar os pontos relevantes sobre o estudo da

cooperação criminosa entre pessoas, de tal magnitude, que se possa quase que,

cirurgicamente, justificar e fundamentar os seus conceitos e propósitos.

2.2.1 O olhar tradicional sobre as teorias que norteiam o concurso de pessoas

Ao ser aprofundado os ortodoxos ensinamentos acerca do estudo da cooperação

criminosa entre pessoas, faz-se mister aduzir, preliminarmente, o célebre debate intelectual

entre as teorias monista ou unitária, dualista e pluralista, isto é, se no tocante à cooperação

criminosa entre pessoas, considerar-se-á um único delito perpetrado por todos ou dois delitos,

seja um realizado pelos autores e outro pelo partícipe ou, ademais, tantos crimes quantos

autores e partícipes.

Para a corrente doutrinária defensora da teoria pluralista, cada concorrente efetua um

injusto próprio, ocorrendo a punição de forma diferenciada (delictum sui generis). Assim,

dentro desta máxima, existem tantos ilícitos quantos forem os participantes do fato

determinado (SOUZA; JAPIASSÚ, 2012). Assevera-se que esta teoria não fora corroborada

pela generalidade das legislações construídas22.

No que toca à teoria dualística, outrossim denominada de teoria da acessoriedade, não

obstante existir apenas um único acontecimento delituoso, efetua-se a punição em dois

patamares diferenciados, tendo em vista um patamar mais elevado ou menos elevado de

contribuição ao fato, trazendo ao mundo fenomênico, destarte, a existência de uma atividade

principal (respondendo que a executa como autor ou coautor) e uma atividade acessória

(respondendo quem a perfaz a título de partícipe), o que de forma quase que automática

22O Código Penal brasileiro, de maneira excepcional, alberga a teoria pluralista no que tange aos seguintes crimes, quais sejam: artigos 124 e 126; artigos 217-A e 218; artigo 235 e o seu parágrafo primeiro; artigos 317 e 333; artigos 318 e 334; artigos 342 e 343.

59

suscita o raciocínio de uma pena mais branda para o partícipe e mais intensa para o

autor23(SOUZA; JAPIASSÚ, 2012).

A teoria monista ou unitária refuta a diferenciação entre autor e partícipe, visto que

para os seus seguidores, se o delito é único, todos que para ele se direcionam devem ser

considerados seus responsáveis, logo, só há que se pensar em autores ou coautores e, ademais,

tal teoria firma-se nas concepções doutrinárias e intelectuais de Von Buri o qual trabalhava

com a ideia de resistência a qualquer diferenciação entre os participantes, tendo em vista que

cada crime é pensado e esquematizado dentro de um emaranhado complexo de circunstâncias

(SOUZA; JAPIASSÚ, 2012).

Pelo fato do seu excessivo rigor, a teoria monista demonstrou possuir impossibilidade

na aplicabilidade prática, mas com a reforma Penal de 1984, mitigou-se a teoria monista

doCódigo de 1940, franqueando, conforme o artigo 29, caput, em sua parte final, a punição

dos codelinquentes na medida de suas culpabilidades, o que se leva a concluir que,

contemporaneamente, o Direito Penal Brasileiro observa e adota a teoria monista

temperada24(SOUZA; JAPIASSÚ, 2012).

Seguindo lavra de Batista (2004), esta valiosa e famigerada discussão intelectual

jurídica entre as teorias monista, dualista e pluralistacom fulcro na cooperação criminosa entre

pessoas, conforme diagnosticado nos parágrafos pretéritos,em verdade não deixa de ser uma

construção epifenomênica, isto é, algo que eclode, mas que não influencia ou modifica,

malgrado retire o foco, em si, do problema nodal, da pedra angular concernente ao raciocínio

do tirocínio da cooperação criminosa entre pessoas, quais sejam,as teorias formal-objetiva,

material-objetiva e material-subjetiva.

Pela análise da teoria formal-objetiva, autor seria todo o indivíduo que executa, de

forma total ou parcialmente, a conduta que realiza o tipo (Dias, 2007). Assim, seguindo este

raciocínio, o autor é aquele que comete, por si mesmo, a ação típica, a ação precípua do delito

(JESCHECK; WEIGEND, 2002). Para esta teoria o que é decisivo é somente e sempre a

realização de todos ou alguns dos atos executivos com previsão expressa ou (literal) no tipo

23Os códigos do império, mais especificamente no tocante aos artigos 4º, 5º e 6º do CC de 1830, assim como o primeiro da república, mais especificamente os artigos 17 e 18 do CP de 1890, abarcaram essa teoria, criando uma diferenciação entre autores e cúmplices, de acordo com uma atuação maior ou principal e a menor ou secundária .24Com fulcro na teoria monista temperada (também denominada de eclética), a primeira parte do caput do artigo 29 do código penal denota a ideia da teoria monista e a sua parte final, assim como os parágrafos primeiro e segundo além das espécies agravantes consubstanciadas no artigo 62, reconhecem a teoria dualista no que concerne à da pena de cada concorrente (Souza; Japiassú, 2012, p. 289).

60

legal (MIR PUIG, 2011). Assim, trata-se de um conceito restritivo de autor, o que quer dizer

que o autor é o indivíduo que, deveras, perpetra a conduta que se encontra delimitada ou

determinada na norma: autor é aquele que alberga os caracteres ônticos e reais da figura

determinada de autor, sendo a cumplicidade e a instigação formas de extensão da punibilidade

(ZAFFARONI; PIARANGELI, 2004).

Para a teoria subjetivo-material, a diferenciação entre autor e partícipe se direciona na

ideia de que o primeiro age com vontade de autor (Täterwille ou animus de autor) e aspira a

ação como própria, ao passo que o segundo age com vontade de ser partícipe (animus socii),

seja atuando como instigador ou atuando como cúmplice (Anstfiterwille ou Gehilfenwille), e

aspira a ação como alheia (BATISTA, 2004). Com efeito, cuidar-se-ia a teoria subjetivo-

material de um modelo ou, até mesmo, de uma fórmula, de intenção, fulcradas numa espécie

de motivação para a perpetração do fato delituoso.

2.2.2 – Algumas construções teóricas sobre a autoria: a teoria da instigação-autoria e a teoria da coautoria delitiva

Seguindo o estudo e análise das teorias, faz-se profícuo a observação quanto à teoria

da instigação-autoria insculpido no Direito Português. Assim, esta teoria,fulcrada no artigo 26

do código Penal Português25, fora fomentada por Dias (2007) prelecionando que o autor seria

aquele que, de forma dolosa, orienta no realizador direto do ato, determinantemente, a decisão

de praticar o ato ilícito.

Dentro desta seara, oinstigador eclode como verdadeiro senhor e dominador se não do

ilícito típico, ao menos da decisão do instigador de o praticar; determinação que, destarte,

integra, de forma antecipada, a totalidade dos elementos constitutivos do ilícito e, outrossim,

do conteúdo material de ilícito (DIAS, 2007).

Logo, por mais que seja atividade pessoal do homem da frente, o acontecimento

aparece como atividade do instigador e concede ao seu contributo para o fato a ideia de co-

realizaçãode um ilícito e, não, de uma possível participação no ato ilícito de outrem (DIAS,

2007).25Artigo 26 do Código Penal Português: É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.

61

Ao revés, a teoria da coautoria delitiva busca suprir algumas insuficiências teóricas e

transferir responsabilidade de autor aos indivíduos diretores ou que fazem parte como

membros de respectivos conselhos de administração de pessoas jurídicas de direito privado,

havendo, obviamente, determinação por parte destes para que seus liderados dentro de uma

esfera hierarquicamente inferior cometam certos delitos, gerando, destarte,uma transmudação

de valores (CONDE, 2002).

Com efeito, dentro da previsão da Teoria da coautoria delitiva da lavra de Francisco

Muñoz Conde, a dogmática penal precisa buscar subsídios e estratagemas para fundamentar

como autor os indivíduos que tomam decisões e controlam o equacionamento de delitos, seja

no âmbito empresarial ou no âmbito de uma organização de delinquência (CONDE, 2002).

Muñoz Conde (2002) refuta considerar absolutamente plausível uma coautoria entre os

integrantes da cúpula e aqueles indivíduos que realizam efetivamente a ação, mesmo que os

indivíduosexecutoressejam diametralmente responsáveis.

Muñoz Conde (2002) demonstra que no marco de um aparato de poder não estatal e

não a margem do Direito, como são sobre as empresas e, outrossim, em relação aos crimes

econômicos que nelas são equacionados tendo em vista a influência dos conselhos de

administração, não pode ser franqueado um domínio da vontade em função de um aparato

organizado de poder e, tampouco, a autoria mediata baseada neste dado e seu lugar vem,

portanto, em consideração uma coautoriamediata quando as decisões, portanto, são levadas ao

fim por um indivíduo executor ou quando este executor é apenas um mero responsável e, não,

um mero instrumento; o que se pode imputar a título de coautores as pessoas que, sem

perpetrar ações executivas, mas de fato controlando um grupo determinado de pessoas,

decidem a realização de um delito na seara de delinquência organizada e empresarial.

Ambas as teorias supratranscritas podem ser transladadas para o âmbito da

criminalidade empresarial, sendo que na teoria da investigação-autoria observa-se que o

dirigente determina o seu inferior hierárquico a praticar o ato ilícito dentro de uma relação de

verticalidade. Diferentemente do que sucede com a teoria da coautoria delitiva em que o nível

de responsabilização entre os integrantes da cúpula e aqueles que, efetivamente, executaram é

exatamente o mesmo, onde ambos são coautores.

Com efeito, realizados os comentários atinentes às construções teóricas de Jorge de

Figueiredo Dias e Francisco Muñoz Conde, suas perspectivas, tendo em vista a importância

62

do tema e a pujança das características,insta trazer à baila a pormenorização da teoria do

domínio do fato e as suas vertentes delimitadoras, como anseio de demonstração daquilo que,

contemporaneamente, é o engendramento mais rico e moderno em doutrina.

Assim, com fulcro no assinalado acima, detalhar-se-á os pontos relevantes e atômicos

acerca da teoria do domínio do fato, suas vertentes e a sua aplicabilidade no Direito Penal

brasileiro.

2.2.3 – A Teoria do domínio do fato e suas vertentes: um olhar detido sobre o que há de mais moderno na cooperação criminosa entre pessoas

Pensar o Direito Penal, atualmente, em matéria de cooperação criminosa entre pessoas

é meditar a respeito da moderna teoria do domínio do fato que norteia todo o arcabouço penal

e serve de standard para posteriores avanços na estrutura penal contemporânea.

A moderna teoria do domínio do fato é reconhecida pela doutrina em geral como a

teoria objetivo-finale, como proferido alhures, queda-se como a principal forma de aplicação

de estudo crítico referente à autoria e à participaçãoamplamente.

Segundo a esteira petrificada pela teoria do domínio do fato, o indivíduo taxado como

autor é aquele que se encontra no epicentro da ocorrência e como senhor do fato e,

consequentemente, tem o domínio do fato (Tatherrschaft),controla, administra e direciona o

agir e engenho criminoso, de tal magnitude, que as características, pormenores, efeitos,

equacionamentose escopo ficam a cargo do autor (ROXIN, 2000).

Nem uma teoria puramente objetivae nem tampouco uma subjetiva podem,

inelutavelmente, justificar e fundamentar convincentemente a essência do instituto da autoria

e, concomitantemente, delimitar reciprocamente a autoria e a participação de forma

clarificada, pois o que deve se alcançar é uma síntese das doutrinas e que cada uma

desenvolva acertadamente um aspecto do problema porquanto o emprego isolado faz infirmar

a aplicação conjunta (JESCHECK; WEIGEND, 2002).

63

A teoria do domínio do fato fora fundada por Lobe e essencialmente promovida por

Roxin26e logrou, contemporaneamente, uma posição destacada na ciência; e o ponto de partida

para a solução do problema é exatamente o conceito restritivo de autor com a conexão ao tipo

legal (JESCHECK; WEIGEND, 2002).

Utilizando-se da expressão autoria direta, Batista (2004) preleciona que o autor direto

é aquele que possui o domínio do fato, na absoluta estrutura do domínio da ação

(Handlungsherrschaft), pela pessoal e dolosa execução da conduta típica e o domínio do fato

é somente o elemento geral do autor (das generalleTätermerkmal) associando-se aos

elementos especiais de autoria.

Diferenciando o instituto da participação do instituto da autoria27 no diagnóstico da

teoria do domínio do fato, insta pontificar que o autor domina a execução do fato típico, ou

seja, por parte dele há o efetivo controle e a administração dos atos, ao passo que o partícipe,

absolutamente, não controla, não domina e não logra poderes na administração da ação

criminosa (SANTOS, 2006).

A Teoria do domínio do fato fora corroborada pela doutrina brasileira28e, outrossim,

pela jurisprudência29. Em algumas leis esparsas30, percebe-se com clareza ampla que o 26Segundo esteira de Dias (2007): “Na tentativa, em todo caso, de se ir mais longe na determinação do sentido normativo da figura em apreço, não deixa de constituir um bordão preciso – como sempre – o estudo da sua história dogmática. A ideia terá sido preconizada pela primeira vez por Lobe, o qual, partindo embora das teorias subjectivas, acentua que não basta à autoria uma vontade de realização do tipo (elemento subjectivo), mas é preciso (elemento objectivo). O passo seguinte – sem dúvida de maior ressonância – foi dado por Welzel que, lançando o conceito mesmo no centro da doutrina da acção final. Um enriquecimento e ao mesmo tempo uma inflexão decisivos do conceito ocorrem depois por obra de Gallas – que sustentava que a concepção do domínio do facto não é, ao contrário do que pensava Welzel e como a evolução posterior demonstrou, nada de consubstancial à doutrina da acção final , ao colocar um elemento declaradamente objectivo como ponto de partida do conceito de domínio do facto que o vincula ao tipo de ilícito. É todavia com Roxin e a sua monumental investigação dogmática, justamente intitulada de Autoria e Domínio do facto, que o conceito é largamente desenvolvido e precisado, conduzindo a conclusões claras, se bem que não conceitualmente “fechadas”, e se arvora, assim, em uma verdadeira teoria”.27Em momento oportuno, estabelecer-se-á as diferenças entre as modalidades de autoria e participação juntamente com as suas vertentes 28Por exemplo, Damásio de Jesus em seu livro Teoria do domínio do fato no concurso de pessoas em 2001, pela editora Saraiva; Luiz Régis Prado no seu Curso de Direito Penal Brasileiro pela editora RT; Miguel Reale Jr. em seu livro Instituições de Direito Penal pela editora Forense em 2009; Cezar Roberto Bitencourt em seu Tratado de Direito Penal em 2009 pela editora Saraiva; Juarez Cirino dos Santos em seu Direito Penal Parte geral; Nilo Batista em seu monumental Concurso de Agentes pela Lumen Juris.29“Agente que não atuou na execução material dos delitos. Possibilidade de ser considerado coautor se, na empreitada criminosa concertada por prévio acordo de vontades, lhe foi incumbida atividade complementar para a obtenção da meta optata, cabendo-lhe parte do ‘domínio do fato’. Divisão do trabalho que importa na responsabilidade pelo todo, independentemente de não ter o agente atuado na execução material dos crimes em sua totalidade, mas todos conducentes à realização do propósito” (TJSP, APn 179.126, 3ª Câm., rel. Segurado Braz. Boletim IBCCrim 20/99. 1995).30Art. 25 da lei 7492 de 1986: São penalmente responsáveis, nos termos desta lei, o controlador e os administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores, gerentes. Art. 11 da lei 8137 de 1990: Quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta lei,

64

tirocínio direcionador da Teoria do domínio do fato encontra-se veementemente delimitado.

Não poderia ser diferente com o Código Penal de 1984, o qual adota firmemente a Teoria

Finalista da ação para buscar estratégias de resolução de imbróglios diversos atinentes à teoria

do crime e eufemizouno artigo 2931, caput, a teoria extensiva e unitária no estudo da

cooperação criminosa entre pessoas, teoria que vigorava no texto originário do Código penal

de 1940 no seu artigo 2532, atando-se, desta feita, aos aspectos doutrinários de Roxin e seus

discípulos.

Os apontamentos de Roxin foram tão significativos e expressivos que, a partir do

desenvolvimento sólido da teoria do domínio do fato, ele conseguiu assegurar e proporcionar

o surgimento de variações teóricas da teoria do domínio do fato, quais sejam: as teorias do

domínio funcional do fato e a teoria do domínio daorganização.

Neste capítulo, visualizar-se-á, tão somente, a vertente teórica do domínio funcional

do fato, posto que em momento oportuno será pormenorizado de forma intensa a teoria do

domínio da organização (que é o ponto nevrálgico desta pesquisa, já que se tentará demonstrar

sua viabilidade e aplicação junto à administração pública).

Com efeito, a famigerada teoria do domínio do fato eclodiu, preliminarmente, com o

desiderato de aduzir uma fundamentação da punição, a título de autor, do indivíduo que se

vale de uma pessoa interposta, tal qual um instrumento direcionado para uma tarefa

específica, qual seja, a prática de um ato ilícito, entrementes, não se nega que muitas vezes os

interventores cumprem ações que são indispensáveis ao resultado finalístico, de forma

absolutamente responsável, comprometida e racional (SOUZA; JAPIASSÚ, 2012).

incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade. Art. 75 da lei 8078 de 1990: Quem, de qualquer forma, concorrer para os crimes referidos neste código, incide as penas a esses cominadas na medida de sua culpabilidade, bem como o diretor, administrador ou gerente da pessoa jurídica que promover, permitir ou por qualquer modo aprovar o fornecimento, oferta, exposição à venda ou manutenção em depósito de produtos ou a oferta e prestação de serviços nas condições por ele proibidas. Art. 2º da lei 9605 de 1998: Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la. Art. 2ºda lei 12850/2013 parágrafos primeiro, segundo e terceiro:  Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas. § 1o  Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa. § 2o  As penas aumentam-se até a metade se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo. § 3o  A pena é agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução.31Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade32Art. 25 . Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas.

65

Diante de tal reflexão, pensou-se e fomentou-se a vertente teórica do domínio

funcional do fato, determinando a concatenação de proposições no sentido de enfatizar a

punição de todos os indivíduos que atuam sob a senda da divisão racional de tarefas tanto

como autor quanto como coautor o que traria diferenças, de certa forma, da teoria do domínio

do fato onde, necessariamente, ter-se-ia a figura de um agente que controla, administra e

equaciona o ilícito penal e a figura de outro agente que não controla, não administra e,

tampouco, equaciona o ilícito penal, isto é, respectivamente, o autor e o partícipe (SOUZA;

JAPIASSÚ, 2012).

Destarte, vislumbrando-se a teoria do domínio funcional do fato, verifica-se, em casos

tais, aquilo que se denomina de coautoria delitiva. Além da divisão funcional do exercício das

tarefas, o instituto da coautoria traz o ensejo de que subsista uma espécie de vínculo ou

ligadura subjetivo entre os membros da cooperação criminosa e, por corolário, ocorrendo um

domínio conjunto do percurso causal. A vinculação subjetiva pode ocorrer por intermédio de

um ajuste ou acordo prévio entre os membros da cooperação criminosa no tocante à dinâmica

da prática do ato ilícito ou, ademais, pela perfunctória e singela consciência de agir

conjuntamente(SOUZA; JAPIASSÚ, 2012).

Assim se fomenta e se perpetra a teoria do domínio funcional do fato, dentro de uma

perspectiva de horizontalidade, onde há a divisão de funções, tarefas e atividades a serem

realizadas. Nesta senda, Roxin (ROXIN, 2000a) profere que requer para o coautor, se bem

não a presença no lugar do fato, sem ao menos uma cooperação no momento do fato que pode

consistir, por exemplo, em transmitir ou direcionar ordens ou em cobri-las.

Com efeito, nesta perspectiva de horizontalidade, percebe-se a importância da

contribuição, não necessariamente ocorrendo uma fragmentação da ação, mas tal

fragmentação queda-se indispensável e imprescindível na fase de execução, posto que, sem

isso, estaria descaracterizada a ação dominante conjunta (ROXIN, 2000a).

A outra faceta da Teoria do domínio do fato é a teoria do domínio da organização que,

conforme expressado anteriormente, será desmistificado em momento oportuno, já que é um

direcionamento específico do objeto de pesquisa e carece de uma demonstração

pormenorizada.

66

Assim, seguir-se-á na análise de algumasnomenclaturase enfoques acerca do estudo da

autoria objetivando um diagnóstico maior no tocante à dogmática penal e com isso,

desbravar-se-á o senso (in)comum.

2.2.4 As várias formas e nomenclaturas de autoria: um alcance para além da dogmática

Como verificado alhures, não resta dúvida de que há um domínio do fato a partir do

instante que um indivíduo equaciona, singular e individualmente, a absoluta conduta

detalhada no tipo penal. Não se deve confundir este critério com a ideia labutada no

desenvolvimento da teoria formal-objetiva, posto que nesta, bastava, somente, que o indivíduo

realizasse a parte externa objetiva da conduta, vez que se pautava numa essência

eminentemente objetiva do tipo, diferente do que ocorre na teoria do domínio do fato que

requer que o tipo seja subjetivamente preenchido, além de, outrossim, ser preenchido

objetivamente (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2002).

Quando o indivíduo preenche objetiva e subjetivamente as peculiaridades e requisitos,

pessoal e diretamente, não oferece qualquer dúvida no que diz respeito de que tem em suas

mãoso curso do desenvolvimento atômico do tipo, mas pode suceder que também o realize,

valendo-se de alguém que não execute a conduta(ZAFFARONI; PIERANGELI, 2002).

A essa forma de autoria denominada de direta, contradita-se a autoria indireta ou

também denominada de mediata que se realiza por uma pessoa que se vale de outra, que não

pratica o injusto porque agiu sem dolo atipicamente. A autoria mediata não tem por fim

pressupor uma autoria direta por intermédio de uma terceira pessoa, tendo em vista que aquele

indivíduo que atua sem dolo não poder ser autor doloso do crime. Com efeito, a denominação

autoria mediata demonstra uma autoria mediante determinação de outro, mas não uma espécie

de autor mediante outro autor, posto que geralmente a interposta pessoa não é o autor

(ZAFFARONI; PIERANGELI, 2002).

Afirma-se que a autoria mediata é quando a pessoa se aproveita de outra que é

inculpável, ou seja, que outra pessoa realiza um injusto inculpável, v.g., como sucede com

quem se aproveita de um inimputável, de alguém em erro de proibição invencível ou de

alguém em situação de necessidade exculpante. O determinador tem o domínio do fato

quando o determinado não perpetra uma conduta, o que dispensa maiores exposições.

67

Outrossim, tem o domínio do fato aquele que se aproveita de quem age sem dolo, porquanto é

clarividente que é o único que tem o domínio do fato, já que não domina o fato que quem não

conduz a conduta até o resultado buscado pelo outro(ZAFFARONI; PIERANGELI, 2002).

Os casos em que só existe uma mera ausência de reprovabilidade do injusto não dão

ao determinador o domínio do fato, posto que o único que dá a ele configuração central é o

autor do injusto. Com efeito, nos casos em que o determinador não possui o domínio do fato

porquanto o único elemento que opera a favor do determinado é uma causa de

inculpabilidade, não haverá autoria mediata, mas, sim, uma instigação, ou seja, uma forma de

participação no delito doloso de que o outro indivíduo é autor (ZAFFARONI; PIERANGELI,

2002).

Seguindo ainda os ensinamentos doutrinários, Jescheck e Weigend (2002) prelecionam

que o autor mediato é quem realiza o tipo de outrem como instrumento para a execução da

ação típica. Na autoria mediata o domínio do fato concede a ideia que o acontecimento global

se apresenta como atividade da vontade direcionada do homem de trás e, este, controla a ação

do executor por intermédio de sua monumental influência sobre o homem da frente, isto é,

aquele que desenvolve a execução.

Faz-se profícuo trazer à baila os ensinamentos de Mir Puig (2011) quando expende

que o decisivo é veicular a relação existente entre o autor mediato e o indivíduo que,

veementemente, executa o ato, o que significa versar, que a relação passa a ser tão relevante e

instigante que os papeis que normalmente correspondem ao realizador material e a pessoa de

trás se inverte. Se, a priori, o autor é o executor material e a pessoa de trás é somente o

partícipe, na autoria mediata ocorre, diametralmente, o inverso.

Ainda dentro das várias nomenclaturas dentro do instituto autoria, vislumbra-se o que

se denomina de autoria de escritório. Neste diapasão, Zaffaroni e Pierangeli (2004) expendem

que talnomenclatura não deve ser confundida com a nomenclatura autoria mediata taxada

como simples ou convencional, posto que aquela trata-se de uma autoria mediata particular ou

especial em que o indivíduo que concorre para o delito e também o é aquele determinado por

este.

A autoria de escritório é uma forma de autoria já utilizada pela doutrina alemã há

pouco mais de 20 anos e que pressupõe uma verdadeira máquina de poder, em que pode

ocorrer tanto num Estado fora da legalidade, como uma organização paraestatal, ou seja, um

68

Estado dentro do Estado, ou como uma máquina de poder autônoma dirigida para atos ilícitos.

Não se trata de qualquer associação para praticar delitos criminosos, mas, sim, de uma

organização caracterizada pela estrutura de poder hierarquizado e, outrossim, pela

fungibilidade de seus membros (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2002).

Faz-se interessante evocar os ensinamentos sobre a autoria colateral a qual sucede

quando duas ou mais pessoas, ignorando uma ação e contribuição da outra, perpetram

condutas convergentes com o fito de realizar a mesma infração penal. Seria o agir conjunto de

diversos agentes, inexistindo uma reciprocidade consensual na empresa criminosa que

identifica a autoria colateral. A ausência do liame vínculo subjetivo entre os intervenientes é o

elemento que caracteriza, sobejamente, a autoria colateral (BITENCOURT, 2013).

Segundo Stratenwerth (1982), na autoria colateral, não é exatamente a adesão à

resolução criminosa comum que veicula os limites da responsabilidade jurídico-penal dos

autores, mas o dolo dos participantes, individualmente considerados, até pelo fato de não

existir a resolução criminosa comum.

Na autoria colateral é indispensável saber quem produziu de fato o quê. Os

comportamentos são isolados, mas quando somados, acarretam o resultado delituoso, ipso

facto, faz-se profícuo elucidar a conduta de cada autor, pois não há como incorrer na

responsabilidade conjunta de ambos. Desta forma, verifica-se que o instituto da autoria

colateral não se confunde com a coautoria, posto que não há liame subjetivo ligando os

agentes (SOUZA; JAPIASSÚ, 2012).

Seguindo a esteira da autoria colateral, insta versar sobre a autoria incerta que seria um

instituto derivativo da autoria colateral, observada quando não há a possibilidade de se

identificar qual das condutas, consideradas insuladamente, deu causa ao resultado. Muito

embora ocorra a junção ignorada de ação em sede de atos executórios, remanesce a dúvida a

respeito da qual delas chegou à consumação (SOUZA; JAPIASSÚ, 2012).

Sendo impossível de se determinar qual das condutas fora a responsável pelo resultado

morte e, evidentemente, por não haver o liame entre os autores colaterais, a resposta dada pela

doutrina é a da imputação a ambos de crime tentado, malgrado, no caso concreto, ter havido a

efetivação do homicídio, tudo isso decorrendo do princípio do in dúbio pro reo (SOUZA;

JAPIASSÚ, 2012).

69

Por fim, importante ressaltar o fenômeno da multidão criminosa. Essa forma sui

generis da cooperação criminosa entre pessoas pode assumir proporções substancialmente

graves, pela facilidade de manipulação de massas que, em acontecimentos de grandes

excitações, anulam sensivelmente a capacidade de nortear-se com base em padrões éticos,

morais e, outrossim, sociais (DOTTI,1988).

A realização coletiva do delito, dentro desta temática, inobstante ocorrerem

circunstância normalmente com um viés traumático, não deixa de lado a existência de

vínculos psicológicos entre os integrantes da multidão, caracterizadores da cooperação

criminosa entre pessoas. Com efeito, nos delitos realizados por multidão delinquente faz-se

desnecessário que se descreva pormenorizadamente a participação de cada um dos

intervenientes, sob pena de se inviabilizar a aplicação da lei. A maior ou menor participação

de cada um será matéria de instrução criminal (BITENCOURT, 2013).

De acordo com a lavra de Bruno (1984), multidões são agregados humanos, informes,

inorgânicos, que se fomentam de maneira espontânea e, dessa mesma forma, se dissolvem,

mas sempre engendrados por uma psicologia particular.

2.2.5 Dos Pontos relevantes sobre a participação: apontamentos sobre instigação e cumplicidade

Após ter sido clarificado alguns direcionamentos referentes ao instituto da autoria, faz-

se premente avançar e estabelecer pontos dinâmicos sobre os critérios de aprendizado e a do

instituto da participação e seus pontos de aplicação. Assim, elucidar-se-ão as questõesmais

contundentes e robustas no tocante ao instituto da participação para se dar fortalecimento às

doutrinas norteadoras e direcionadoras da dogmática penal e convicção para que se tente

demonstrar, a posteriori, as balizas que explicam a teoria do domínio da organização (a outra

vertente da teoria do domínio do fato) e a sua possibilidade de aplicação na administração

pública. Assim, faz-se mister que estes conceitos se petrifiquem para a ulterior esfera de

aprendizado dos aparatos organizados de poder.

A participação, em suas formas, viabiliza-se a partir da contribuição dolosa que se faz

ao injusto doloso de outrem (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2002). Ela consiste numa livre e

70

dolosa colocação no delito doloso de outrem e se manifesta, no direito brasileiro, pelas

seguintes formas, quais sejam: instigação e cumplicidade (BATISTA, 2004).

A expressão participação denota que o mundo fenomênico se encontra diante de uma

convicção referenciada, ou seja, um conceito depende de outro, visto que a participação, de

per si, não explica nada técnico e científico, se não houver um esclarecimento em que se

participa, posto que participação sempre indica uma relação participativa em

algoindicandoque este caráter referencial, relacionado com algo, é o que dá à participação

uma natureza de acessoriedade(ZAFFARONI; PIERANGELI, 2002).

Há alguns doutrinadores que negam que a participação tenha natureza acessória e

corroboram que se trata de tipos independentes, uma espécie de autoria de participação com

um raciocínio de desvalor próprio, de forma completamente independente do desvalor da

conduta de que se participa. Todavia, esta teoria encontra-se doutrinariamente desvalorizada e

sem qualquer credibilidade. Se a participação consistisse em tipos independentes, admitir-se-

ia a tentativa da participação, ou seja, seria punível a mera proposição que uma determinada

pessoa fizesse para convencer um outro indivíduo a praticar um crime – tentativa de

instigação – ou no caso de um indivíduo (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2002) ou, ademais,

numa tentativa de cumplicidade, o simples fato de uma determinada pessoa emprestar uma

faca a um terceiro para que este mate o seu desafeto, mesmo quando a primeira pessoa rejeite

a proposição e o segundo utilize a faca para uma outra tarefa qualquer.

A base de conteúdo no que tange à punibilidade da participação foi objeto de

controvérsia e exorbitante discussão no campo doutrinário (BATISTA, 2004). Muitas teorias

foram formuladas entro da celeuma atinente ao instituto da participação, e entre elas, logrou

com destaque requinte a famigerada Schuldteilnahmetheoriea qual deduzia a questão da

punibilidade do partícipe de haver ele trazido à reboque o autor à culpa e à pena. Outra teoria

que poderia ser denominada de algo como tutela, ou mesmo, proteção, fomentada por Lange,

aduz a concepção de que na participação a caracterização dos tipos encontrava-se em segundo

plano e se almejava uma proteção de bens jurídicos por intermédio da penalidade de condutas

e ações que buscassem representar uma colaboração às formas típicas de ofensa (WELZEL,

1969).

Hodiernamente, o entendimento do fundamento da punibilidade no que tange à

participação não está direcionada na corrupção do autor e, tampouco, na causação do

71

resultado, mas no desvalor intrínseco da coadjuvação prestada a um fato ou acontecimento

tolerado pela sociedade, denominado de teoria da promoção(WELZEL, 1969).

A participação é conduta puramente dolosa e deve ser direcionada à ingerência

também num delito doloso.O dolo do instigador ou do cúmplice alberga conhecer, entender e

querer a coadjuvação prestada à prática se um ilícito doloso no âmbito geral, podendo,

simplesmente, haver um dolo eventual. Não é pensável uma participação culposa

(JESCHECK; WEIGEND, 2002).

Bockelmann (1960) já prelecionava que toda tese que, de algum jeito, admita possível

a instigação a um atuar que não seja doloso, não está em condições de distinguir o instituto da

instigação da autoria mediata. Destarte, quando há a participação dolosa direcionada a um tipo

culposo, viabiliza-se um panorama de autoria mediata (BATISTA, 2004).

Fragoso (2004) expende que o instituto da participação solicita um ato volitivo que é

livre e consciente de auxílio na ação delituosa de outro indivíduoe desenvolve o diagnóstico

da ausência de dolo no partícipe e no autor direto.

A punibilidade da participação está baseada no desvalor imanente à promoção de um

fato social o qual não seja tolerável, ou seja, fato, essencialmente criminoso. Assim, descarta-

se a consideração da participação como entidade delituosa autônoma (BATISTA, 2004).

A instigação e a cumplicidade são formas de empreendimento do delito, entretanto

num grau inferior nas relações com autoria, o que acaba constituindo formas dependentes de

empreendimento do delitoo que traz o entendimento que os institutos da instigação e da

cumplicidade são sob esta concepção subordinadas ao fato principal com uma, diametral,

natureza acessória (HERGT, 1909).

Forte doutrina caminhou na contramão da teoria da acessoriedade, com certa pujança

na Itália. Segundo Nuvolone (1969), só se vislumbrava técnicas de catalogação no que tange

às condutas. Alguns autores como Battaglini (1973) aventava que a teoria da acessoriedade

deveria ser, diametralmente, refutada. No Brasil, Hungria (1958) já proferia que tal teoria

deveria ser consignada em local para sua guarda e, praticamente, ser lembrada na história.

Ao que parece, o princípio da acessoriedade não é uma subfunção do princípio da

tipicidade no âmbito da cooperação criminosa entre pessoas. Bockelmann (1960) afirmou,

72

com inteiro brilhantismo, que a acessoriedadenão é produto exatamente da lei, posto que ela

encontra-se na natureza quase que literal da coisa.

Desta feita, firmado o entendimento e compreensão, falar em natureza acessória da

participação seria, guardadas as devidas proporções, a mesma coisa que falar da natural

acessoriedade da participação (BATISTA. 2004).

A acessoriedade admite uma gradação que traz a ideia de um certo grau de

dependência da participação. Com efeito, Mayer (2007) fomenta uma classificação versando

em acessoriedade mínima, a qual assevera que a punição do partícipe depende de uma simples

conduta típica do autor direto; acessoriedade limitada, a qualensina que a punição do partícipe

depende da condutatípica e antijurídica do autor direto; acessoriedade máxima, extrema ou

rigorosa, a qual reza o entendimento de que a punição do partícipe depende de uma conduta

típica, antijurídica e culpável; e a hiperacessoriedade, a qual preconiza que a punição do

partícipe depende até das circunstâncias pessoais com efeitos de majoração ou minoração da

pena do autor principal.

Jescheck e Weigend (2002) prelecionam que a teoria da acessoriedade extrema

perdurou até 1943, ano em que a teoria da acessoriedade limitada fora introduzida e teve por

desiderato colmatar algumas supostas lacunas de punibilidade relacionadas à delinquência

juvenil, as quais não podem ser sanadas pela técnica da autoria mediata.

Contemporaneamente, há uma notória predileção pela teoria da acessoriedade

limitada, uma vez que a participação é acessória do ato principal, mas depende deste ato até

certo momento e circunstância, o que nesta senda, Jescheck e Weigend (2002) pontificam que

a doutrina e a jurisprudência exigem para a punição do instigador oucúmplicea fomentação de

um fato principal típico e antijurídico de caráter doloso.

Outros princípios costumam ser verificados no que tange ao tema da participação,

direta ou indiretamente coadunados à acessoriedade, o que traz relevância para o fundamento

da pesquisa.

Pelo princípio da executividade, fala-se em um entendimento para exprimir que a

relevância penal de qualquer conduta participativa, mesmo que aquelas, de certa forma,

tenham significação causal indiscutível, está condicionada a que certo ato de certo

concorrente tenha logrado por si somente um nível de relevo jurídico penal autônomo como

atividade de execução do ilícito. O princípio da executoriedade oferece apenas um critério

73

seguro para a redução da acessoriedade no que tange aos casos concretos. A lei penal

brasileira o contempla no artigo 31 e na ausência de tentativa do crime que fora idealmente

ajustado, instigado e auxiliado, partícipe algum pode sofrer punição (BATISTA, 2004).

Tem-se o princípio da convergência que aduz a ideia de que a vontade de todos os

concorrentes tenha uma orientação à realização conjunta de um mesmo tipo penal. Tal

princípio reside unicamente em labutar um critério que estabeleça uma limitação entre a

instigação ou auxílio e os casos de autoria mediata e, ademais, entre a coautoria e a autoria

colateral (BATISTA, 2004).

Versa-se em Princípio da irredutibilidade que tem por escopo demonstrar a resistência

das condutas participativas em apreender fórmulas mais ou menos limitadas ou

estreitas.Neste, percebe-se que a concatenação com a acessoriedade eclode e a participação se

edifica como colaboração em ilícito alheio (BATISTA, 2004).

Outro princípio que merece atenção é o denominado princípio da comunicabilidade,

regulado no cenário brasileiro no artigo 3033 do Código Penal brasileiro. A doutrina brasileira

exprobrou a questão da responsabilidade objetiva na supostamente incondicional

comunicabilidadee circunstâncias reais34; assim não há responsabilidade objetiva, posto que o

artigo 30 do Código Penal não dispõe acerca da responsabilidade concernente à circunstância

que se comunicou ao partícipe, vez que tal responsabilidade continua vinculada e submetida

aos princípios gerais que são dedutíveis do compendio penal, mormente, no que diz respeito

ao princípio da culpabilidade devidamente taxado no artigo 29 do Código Penal (BATISTA,

2004).

Mastieri (1970) ainda preleciona que a comunicabilidade das circunstâncias, sejam ela

de qualquer natureza, presume-se que a informação referente à causa ou ao caso haja,

peremptoriamente, adentrado no ângulo de conhecimento e discernimento do agente.

Ainda no estudo da participação, convém trazer à baila os conceitos referentes à

instigação e à cumplicidade para uma percepção mais ampla e detida. Instigador é quem,

dolosamente, consegue convencer um outro indivíduo ao cometimento de um injusto doloso.

O instituto da instigação deve ser cometido por intermédio de um meio psíquico, todavia não

constituem instigação os meios sutis ou as simples insinuações.Com efeito, entende-se que 33Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime34Nesta razão, Hungria versava que não haveria a responsabilidade objetiva, posto se o indivíduo se imiscua numa operação criminosa, este indivíduo aceita, de antemão, os riscos (Hungria, 1958).

74

por meio psíquico e direto não se deve depreendera penas a palavra clarificada e

determinante, mas qualquer outro artifício simbólico como, por exemplo, gestos e atitudes.

Pode ser uma conduta distinta do falar (ZAFFARONI; PIERANGELI; 2004).

A instigação deve ter por escopo o convencimento do autor à realização do fato, posto

que se o autor já está com a contundente decisão de realizar o respectivo ato, não poderá

suceder a instigação, vez que a contribuição realizada a partir do momento que o autor já está

decidido é taxada como cooperação ou cumplicidade psíquica, diferentemente da instigação.

Assim, é essencial que se diferencie a ideia do injusto e a decisão pelo injusto(ZAFFARONI;

PIERANGELI; 2004).

A instigação ainda não é punível com a decisão do sujeito – autor – em cometer o

injusto, mas solicita que este o tenha perpetrado, o que acaba sendo consectário da

acessoriedade da participação, de que a instigação não passa de uma das formas. Se da

instigação não resultou o puro convencimento do autor à execução e que esta tenha sido

peremptoriamente começada, o fenômeno da instigação permanecerá atípico, tendo em vista a

atipicidade geral da tentativa de instigação no direito penal brasileiro conforme o artigo 3135

(ZAFFARONI; PIERANGELI; 2004).

A instigação é dolosa, mas como se trata de uma tipicidade de natureza acessória, o

dolo do instigador segue, ou seja, está necessariamente referido ao dolo do autor, malgrado

dele seja distinto, vez que o dolo de instigação é o querer que outro equacione dolosamente o

tipo. Dentro desta temática eclode o entrevero quanto à figura do agente provocador (agente

provacateur), que é aquele indivíduo que instiga outro a praticar o determinado crime para

que, quando se encontre na fase de tentativa, possa ser detido e colocado à disposição da

justiça (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004).

Afirma-se que o agente provocador não é punível porquanto não instiga ao

cometimento de um crime, mas, sim, ao cometimento de uma tentativa de delito. Entretanto,

segundo a maioria da doutrina, o agente provocador é punível como instigador, tendo em

conta que não há distinção entre dolo do crime e dolo da tentativa – que é o mesmo – e que a

lei penal exige apenas que o instigador convença outrem a praticá-lo (ZAFFARONI;

PIERANGELI; 2004).

35Art. 31 - O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado.

75

Avançando, segue-se a ideia de cumplicidade que tem eclodido a partir de um método

de exclusão. Com efeito, cúmplice é o indivíduo que auxilia, coadjuva ou coopera

dolosamente para o injusto doloso de outrem e a sua contribuição pode ser de qualquer

natureza, até mesmo uma cooperação intelectual, o que significa proferir que aquele indivíduo

que evoca ideias intelectuais para o melhor equacionamento do injusto doloso de outrem seja,

outrossim, cúmplice (ZAFFARONI; PIERANGELI; 2004).

A cumplicidade necessária é a que resulta de limitações legais ao princípio do domínio

do fato, que tem o seu devido lugar quando o indivíduo coopera de forma indispensável e

imprescindível para a perpetração do plano concreto por parte do autor ou, também, dos

autores, mas não pode ser autor, posto que não apresenta certos requisitos os quais a lei

determina ao autor no delicta própria, ou não realiza, pessoalmente, a ação típica nos delitos

de mão própria. Nessas duas situações, as quais caracterizam a cumplicidade necessária, o

indivíduo não é taxado como autor, mesmo que a ele seja determinada a pena do autor, tendo

em vista a participação de maior importância(ZAFFARONI; PIERANGELI; 2004).

Em doutrina alienígena a discussão gravita em torno do caso da promessa prévia ao

crime. No Direito Penal brasileiro, a promessa prévia de um auxílio ulterior para a

consumação do delito é atípica, salvo quando a promessa de auxílio tenha influenciado o autor

que, então, seria instigador; se a promessa executada preteritamente à realização do delito

fosse adimplida após o seu esgotamento, seria uma ação típica do crime de favorecimento, e,

se, fosse adimplida preteritamente ao seu esgotamento, seria taxada como típica de

cumplicidade, mas neste último caso, típico seria o auxílio e não a promessa (ZAFFARONI;

PIERANGELI; 2004).

Faz-se profícuo versar que o estudo detido e pormenorizado dos institutos da autoria e

da participação, bem como, os fatos históricos tanto na esfera nacional quanto na esfera

internacional, corrobora e aduz poderio para que se depreenda a teoria do domínio do fato e,

mormente, sua vertente domínio da organização, a qual será destrinchada a posteriori.

Tais conceitos norteiam o(s) sentido(s) da autoria, quem é, realmente, autor dentro de

uma empreitada criminosa, levando-se em consideração a cooperação criminosa entre

pessoas, quem é o partícipe e quando ele exsurge dentro do empreendimento criminoso e qual

o seu posicionamento dentro da cadeia criminosa e, obviamente, sua importância dentro do

estudo da cooperação criminosa entre pessoas.

76

É de suma importância que, como fora perpetrado, transite-se por entre as nuanças

destes institutos e desmistifique os campos mais obscuros e profundos acerca destes

importantes institutos referentes à cooperação criminosa entre pessoas.

A partir do próximo capítulo, elucidar-se-ãotodos os tirocínios relevantes à teoria do

domínio da organização, a outra vertente da teoria do domínio do fato e objeto precípuo da

presentepesquisa.Discutir-se-á, pensar-se-á e analisar-se-á quando, como e o porquê do

desenvolvimento desta teoria e, outrossim, o seu desiderato.

Assim, por derradeiro, penetrar-se-á no universo das organizações criminosas, no

universo do direito penal econômico e nas curvas e vielas do pensamento desta sobejamente

considerada teoria, tão intensamente aplicada e desenvolvida, para se tentar novas

perspectivas e alcances para além do que ela já perpetua e arrazoa.

Avante para novos horizontes e possibilidades.E aquilo que seja criado para inovação,

que venha, deveras, repercutir para novas portas de pensamento e novos questionamentos,

tanto na dogmática, quanto na prática penal. Eis a questão!

3 A TEORIA DO DOMÍNIO DA ORGANIZAÇÃO: UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE A ATMOSFERA DOS APARATOS ORGANIZADOS DE PODER

Como proferido nos capítulos anteriores, a partir de agora, visualizar-se-á a vertente da

Teoria do domínio do fato cuja denominação é definida e rotulada pela doutrina36 como

Teoria do Domínio da Organização.

3.1 A ORIGEM DA CRIAÇÃO: UM BREVE COMENTÁRIO A RESPEITO DOS PRIMEIROS PASSOS SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA TEORIA DO DOMÍNIO DA ORGANIZAÇÃO

36Esta vertente, juntamente com a escolha e especificação da respectiva nomenclatura foram pensadas e articuladas por Claus Roxin que, com perspicácia, obrou e revolucionou o universo investigativo da cooperação criminosa entre pessoas. Diante destes estudos, o Direito Penal pode avançar no campo da organização criminosa, principalmente, no que diz respeito ao denominado de Direito Penal Econômico. Sobre estes pontos, posteriormente, verificar-se-ão os segmentos mais necessários para a fomentação desta pesquisa. Em doutrina brasileira, a maioria dos autores observa positivamente a investigação perpetrada por Roxin no tocante à Teoria do Domínio da organização, quais sejam: Nilo Batista; Cezar Roberto Bitencourt; Rogério Greco; Artur de Brito Gueiros Souza; Carlos Adriano Japiassú, entre outros.

77

Segundo Roxin (2006b), a Teoria do Domínio da Organização fora cunhada,

estritamente, no ano de 1963, com o monumental julgamento de Otto Adolf Eichmann37 em

Jerusalém (Israel).

Eichmann, filho de Karl Otto Eichmann e Maria, em solteira Schefferling, capturado

em um subúrbio de Buenos Aires na noite de 11 de maio de 1960, voou para Israel,

exatamente nove dias após, e levado a julgamento na Corte Distrital de Jerusalém em 11 de

abril de 1961 objeto de onze acusações (ARENDT, 2013a).

Entre outros, o acusado praticara crime contra o povo judeu, crimes contra a

humanidade e crimes de guerra, durante todo o período do regime nazista e, sobretudo,

durante o período da segunda guerra mundial. A lei de punição dos nazistas e colaboradores

dos nazistas do ano de 1950, sob a qual Eichmann estava sendo julgado, trazia a previsão de

que uma pessoa que praticasse um desses delitos estaria sujeita à pena de morte. Mas

Eichmann declarou-se inocente em detrimento de todas as acusações (ARENDT, 2013a).

Eichmann se considerava culpado diante de Deus e, não, perante a lei. Sua defesa teria

preferido que ele se declarasse absolutamente inocente com fulcro no fato de que, para o

sistema legal nazista existente à época,não fizera nada errado e que aquelas acusações não

constituíam crimes, mas atos de Estado, sobre os quais nenhum outro Estado possuía

jurisdição (par in parem imperium non habet) e de que era seu absoluto dever e obrigação

obedecer e que praticara atos pelos quais seriam condecorados (caso vencessem) e

condenados à prisão (caso perdessem) (ARENDT, 2013a).

No ano de 1945, iniciaram em Nuremberg os julgamentos dos grandes criminosos de

guerra e o nome de Eichmann começou a ser comentado com intensa regularidade e em 1946,

Wisliceny surgiu como testemunha de acusação e consignou suas danosas provas e, assim,

Eichmann decide que era o momento de desaparecer(ARENDT, 2013a).

No início de 1950, Eichmann consegue entrar em contato, com uma organização

clandestina de veteranos da SS cuja denominação é ODESSA, e em maio deste mesmo ano

atravessa a Austráliaaté a Itália, onde um padre franciscano, detalhadamente informado acerca

de sua identidade, lhe consegue um passaporte de refugiado com o nome clandestino de

Richard Klement e o direciona para Buenos Aires, quando chega em meados de julho e sem

37Faz-se necessário ressaltar que a atuação de Eichmann ocorrera num literal Estado de Exceção.

78

qualquer imbróglio obtém documentos de identificação e uma permissão de trabalho

(ARENDT, 2013a).

Em 29 de junho de 1961, dez semanas após a abertura do julgamento em 11 de abril, a

acusação encerrou seu caso e fora aberto o caso da defesa e em 14 de agosto, depois de 114

sessões, os trabalhos principais chegaram ao fim. A corte fora suspensa durante 4 meses e em

11 de dezembro fora retomada para pronunciar a sentença (ARENDT, 2013a).

Durante dois dias, divididos em cinco sessões, os três juízes leram o relatório das 244

sessões do julgamento e desprezando a acusação de conspiração encaminhada pela

promotoria, que o transformaria num potencial e grandioso criminoso de guerra

automaticamente responsável por tudo que tivesse a ver com a solução final, Eichmann fora

por eles condenado em todas as quinze acusações, mas absolvido em alguns particulares

(ARENDT, 2013a).

Ele havia cometido crime contra os judeus com a intenção de destruir as pessoas,

divididos em quatro acusações: provocar o assassinato de milhões de judeus; levar milhões de

judeus a condições que poderiam levar à destruição física; causar sérios danos físicos e

mentais a eles; determinar que fossem proibidos os nascimentos e interrompidas as gestações

de mulheres judias em Theresienstadt. Mas Eichmann fora absolvido de todas as acusações

concernentes ao período anterior a agosto de 1942, quando fora informado da ordem do

Führer; em suas primeiras atividades em Berlim, Viena e Praga, ele não teve por intenção

destruir o podo judeu. Esses eram os quatro primeirositens da acusação(ARENDT, 2013a).

Daí tudo, efetivamente, que Eichmann perfez antes da ordem do Führere todos os seus

atos contra os não-judeus serem englobados como delitos contra a humanidade, aos quais

foram acrescentados mais uma vez todos os seus crimes ulteriores contra os judeus, vez que

estes eram delitos comuns também (ARENDT, 2013).

Depois do longo discurso promovido pela acusação requerendo a pena de morte, a

defesa reitera que Eichmann havia realizado atos de Estado e o que sucedera com ele poderia

suceder com qualquer um, pois todo o mundo civilizado enfrenta esse problema. Eichmann,

como sugerido pela defesa, era, tão somente, um bode expiatório que o governo alemão havia

abandonado perante à corte de Jerusalém, contrariando a lei internacional com o objetivo de

se livrar de responsabilidade (ARENDT, 2013a).

79

É dentro deste marco histórico e filosófico que Roxin desenvolve a Teoria do Domínio

da Organização, colimando, justamente, o julgamento de Eichmann, diagnosticando os

pormenores da forma de pensamento do julgamento e da essência da prática dos delitos que,

na ocasião, foram percebidos e analisados.

Roxin não se pautou em questões como irregularidades e anormalidades do

julgamento, tampouco, nas complexidades legais decorrentes dos trabalhos ali desenvolvidos.

Muito menos, quis vislumbrar as questões processuais, políticas e de soberania dos Estados

envolvidos na questão, mas procurou tentar perceber a essência dos acontecimentos.

Roxin aproveitou o ensejo para buscar uma forma mais plausível de se compreender a

estrutura criminosa, ou seja, a cooperação criminosa entre pessoas dentro de um aparato

organizado de poder para, a partir disso, dar uma nova dinâmica no que diz respeito ao avanço

e alcance do Direito Penal.

Sendo assim, após os breves escritos sobre a origem do pensamento da Teoria do

Domínio da Organização, cumpre a análise e detalhamento de sua estrutura e balizas, segundo

o pensamento de Claus Roxin para o aprofundamento da cooperação criminosa entre pessoas

no âmbito da organização criminosa.

3.2 A CONSTRUÇÃO TEÓRICA E FILOSÓFICA: UMA VISÃO HOLÍSTICA SOBRE OS

APARATOS ORGANIZADOS DE PODER

A teoria do domínio da organização seria outra orientação que decorre da teoria do

domínio do fato, ou seja, aquela seria uma vertente desta. Em que pese existir este

posicionamento, parcela da doutrina entende que a Teoria do Domínio do fato não tem

consonância ou não se confundiria com a Teoria do Domínio da Organização, posto que esta

seria, em verdade, uma entre inúmeras outras efetivações da ideia reitora de que autor do

crime é a figura central, figura nuclear do acontecer típico (GRECO; LEITE, 2013).

Como visto em outrora, verificando que a edificação da Teoria do Domínio Funcional

do Fato traria como ideia a divisão racional do trabalho ou de tarefas sob uma perspectiva

horizontal, distintamente, a Teoria do Domínio da Organização (também denominada de

80

domínio por aparato organizado de poder) traria uma concepção similar, mas sob uma ótica de

verticalidade (SOUZA; JAPIASSÚ, 2012).

A ideia da teoria do Domínio da Organização fora viabilizada com o objetivo de

fundamentar a punição, a título de autor mediato, dos indivíduos que se encontram no ápice

ou em posições intermediárias que passam adiante uma determinação ou ordem para

delinquir, dentro de um arcabouço organizado de poder à margem do Estado de Direito. Seria

uma espécie, a depender do caso, de uma moderna estrutura criminosa diametralmente

organizada.

Por exemplo, pode-se trazer à baila as organizações fascistas e autoritárias, bem como

as organizações criminosas com uma rígida e indestrutível cadeia de comando, pouco

importando se a determinação é oriunda de um ditador, ou seja, adimplida por qualquer

subalterno. Com efeito, não haveria um equilíbrio e uma razoabilidade em atribuir aos

integrantes da posição hierárquica de maior relevo dentro da organização criminosa a

condição de mero instigador ou cúmplice (SOUZA, 2013a).

Diante deste raciocínio técnico, reflete-se que o indivíduo que se encontra na ponta

final da cadeia de comando pertencente à organização criminosa, equacionando a conduta

com um intuito de responsabilidade, deve ser taxado como autor imediato (SOUZA, 2013a).

O domínio da organização é um tema nodal na discussão da autoria em Direito Penal.

Os aparatos organizados de poder se fundamentam na tese de que uma organização

fomentadora de delitos os homens de trás (Hintermäner), os quais ordenam específicos delitos

com um comissionamento autônomo, podem, neste caso estrito, ser responsabilizados como

autores mediatos dos respectivos delitos, mesmo quando os executores imediatos sejam,

mesmo assim, apenados como autores absolutamente responsáveis. Na língua alemã, de forma

coloquial, esses autores são denominados de Schreibtischtäter, uma espécie de autor de

escritório ou de despacho (ROXIN, 2006b).

A construção da Teoria do Domínio da Organização começa a se difundir nas décadas

posteriores com mais substância na doutrina alemã com admissão pujante no ano de 1994

pelo Tribunal Supremo Federal Alemão (Bundesgerichtshofes) que, nesta sentença, decidiram

que os membros do conselho de segurança nacional do anterior governo da Alemanha fossem

condenados como reais autores mediatos de homicídios dolosos porquanto haviam

determinado o impedimento de fugitivos que almejavam ultrapassar o muro que dividia o

81

Estado Alemão e, caso fosse necessário, de acordo com a decisão desses homens de trás,

poderia haver a concretização destes impedimentos mediante disparos mortais. De fato, foi o

que ocorrera e os soldados de fronteira – Mauerschützen -, os denominados soldados de muro,

realizaram os disparos e foram condenados, semelhantemente, por homicídio doloso.(ROXIN,

2006b).

A jurisprudência do Bundesgerichtshofesse perpetuou em ulteriores sentenças, o que

gerou uma profusão de posições doutrinarias. Ademais, em âmbito internacional, houve uma

demasiada aceitação a respeito da Teoria do Domínio da organização. Nos anos oitenta, os

aparatos organizados de poder foram invocados na Argentina38, é objeto de reflexão dentro

dos apontamentos do moderno Direito Penal Internacional (Völkerstrafrecht) e muito

discernido em doutrina espanhola e latino-americana. Por exemplo, no Peru, a condenação do

ex-Presidente Alberto Fujimori, e outros mais, pela Sala Especial da Corte Suprema da

Justiça, como real autor mediato, pelo fato de comprovação do domínio da organização, em

virtude da carnificina de La Cantuta e Barrios Altos, que gerou a morte de dezenas pessoas

que eram taxadas como contrárias aquele então governo (ROXIN, 2006b). Não se deve

esquecer que a Teoria em comento, outrossim, as cortes supranacionais a adotam como, por

exemplo, o próprio Tribunal Penal Internacional39.

Entrementes, há quem critique a efetivação do domínio da organização no âmbito do

Tribunal Penal Internacional, versando que a sua utilização não seria coerente com o campo

de aplicação e raciocínio deste colendo Tribunal e que a essência seria exatamente outra

(WEIGEND, 2011).

Não obstante a dilatada aceitação e correspondência frente à Teoria do Domínio da

Organização, não somente na Alemanha, mas, também, em outros locais pelo mundo,

conforme suscitado anteriormente, ela recebe críticas quanto ao seu fundamento e escopo40.

O entendimento de que os indivíduos de trás em atos criminosos dentro da essência

dos aparatos organizados de poder não são autores mediatos, mas coautores, tem ganhado, nos

últimos anos, um certo prestígio. Entrementes, segue sendo majoritariamente refutado

(ROXIN, 2006b).38Os comandantes das forçasmilitares que foram condenados pordeterminarem a prática de crimes de sequestro, desaparecimento de indivíduos, torturas e homicídios, porintermédio da estrutura de poderem face de milhares de sereshumanos.39Os artigos 25 e 28 do Estatuto de Roma corroboram o entendimento da aplicação da Teoria do Domínio da Organização. 40Kai Ambos pondera críticas quanto ao alcance e delimitação da Teoria do Domínio da Organização (Ambos, 2002, p. 46)

82

Tem-se que excluir, outrossim, a indução. A circunstância descrita mediante o

domínio da organização tem uma situação em comum com a indução, visto que o homem de

trás provoca o indivíduo que fomenta a execução imediata do fato. O indivíduo que perfaz a

indução não executa o fato e deixa para aquele que atua imediatamente a decisão acerca de si

mesmo e como será executado o respectivofato. Ao revés, em uma organização criminosa o

homem de trás é aquele que toma a decisão acerca do fato enquanto que aquele que executa

imediatamente, quase sempre, chega somente de forma casual à concreta situação do ato. Este

não pode mudar algo essencial no sucesso do trajeto perpetrado pelo aparato organizado,

senão, trazer alguma modificação (ROXIN, 2006b).

A aceitação de uma autoria mediata orquestrada por Roxin caminha com certa pujança

e predominância na discussão científica. Os que se opõem à figura da autoria mediata no

âmago dos aparatos organizados de poder sustentam a solução das questões com fulcro na

coautoria ou na indução, não por força de uma convicção, mas por um recurso de urgência,

vez que escolhem esta saída porquanto compreendem que a aceitação de uma autoria mediata

entra em conflito com um princípio irrefutável da teoria da autoria (ROXIN, 2006b).

O referido princípio encontra base na aceitação de que não pode haver um autor

mediato na retaguarda de um ator plenamente responsável. Se o que atua imediatamente como

detentor do domínio do fato é plenamente responsável como autor, seria, desta feita,

impensável atribuir concomitantemente ao homem da retaguarda o domínio do fato. Um autor

detrás do autor(TäterhinterdemTäter) acaba sendo uma construção jurídica irrealizável que se

apoia em três erros, cujo conhecimento abre o caminho a uma substancial fundamentação

referente à autoria mediata (ROXIN, 2006b).

Assim, primeiramente, a ferramenta que possibilita ao homem de trás a execução de

suas ordens e determinações não é aquele com as suas próprias mãos dá ensejo à morte de

uma específica pessoa, mas a principal ferramenta é, de fato, o aparato como tal, o qual é

formado por uma pluralidade de pessoas integradas em arcabouços já desenvolvidos que têm

cooperação em diversas funções concernentes à organização e que assegura,

peremptoriamente, ao homem de trás o domínio e fomentação do resultado. Com efeito, o que

atua individualmente não desempenha um papel de decisão para a atuação da organização

(ROXIN, 2006b).

Num segundo momento, dentro desta perspectiva de visão, vislumbra-se que o

executor e o homem de trás possuem diferentes formas de domínio do fato, que não se

83

excluem de maneira mútua. O indivíduo que tira a vida de outrem com as suas próprias mãos,

por exemplo, desempenha, conforme denominado por Roxin, o domínio da ação

(Handlungsherrschaft), um domínio derivado da consumação de um específico ato do fato;

diferente do homem de trás, o qual possui o domínio da organização, uma possibilidade de

influenciar, que assegura a produção do resultado sem a devida execução do fato orquestrado

pela própria mão por intermédio do aparato organizado de poder que se encontra sob sua

orientação (ROXIN, 2006b)

Num terceiro ponto, dentro do que fora mencionado em outrora, é basicamente

coerente e plausível uma autoria mediata. Com efeito, não se pode deduzir autoria e domínio

do fato a partir de quaisquer déficits do instrumento, como existem, por certo, no domínio

mediante coação e erro do instrumento, como existem, por certo, no domínio mediante coação

e erro do instrumento, mas sim, deve-se fundamentá-las de forma positiva a partir da posição

do autor em todo o evento. Significa dizer que no caso concreto da direção da organização, o

domínio do homem de trás se fulcra em que pode por intermédio do aparato que se encontra à

sua disposição produzir o resultado com maior segurança que, inclusive, no caso de domínio

com arrimo na coação e erro, que são conhecidos quase de forma unânime como casos de

autoria mediata (ROXIN, 2006b)

3.2.1 A fundamentação para incidência da punição, como autor mediato, na seara do domínio da organização (Organizationsherrschaft)

Reconhecendo-se o domínio da organização (Organizationsherrschaft) como uma

forma independente de autoria mediata, faz-se premente compreender acerca das condições as

quais fundamentam e justificam este domínio. Segundo Roxin (2006b), subsistem quatro

pontos de discussão que podem atribuir o domínio do fato aos homens de trás, na esfera de

comando da organização, são eles: poder de comando; desvinculação do ordenamento

jurídico; a fungibilidade do executor imediato; a considerável disposição do executor para

atuar.

No poder de mando (Anordnungsgewalt), o autor mediato somente pode ser o

indivíduo que esteja dentro da organização rigidamente fomentada, tenha autoridade para dar

ordens e a exerça para gerar realizações de algum tipo. Dentro desta perspectiva, por exemplo,

o comandante de um campo de concentração nazista era, destarte, autor mediato dos

84

assassinos por ele ordenados. Daí que se podem encontrar nos distintos níveis da hierarquia de

mando e controle os diversos autores mediatos. Contrariamente, as pessoas de serviço de um

campo de concentração semelhante, somente podem ser penalizadas por cumplicidade

(Beihilfe) se, deveras, tenha promovido de forma consciente os delitos mediante qualquer

ação, mas não tendo ordenado pessoalmente homicídios e, muito menos, trabalhado na

cooperação da sua execução (ROXIN, 2006b).

A outra condição para a fundamentação do domínioda organização como autoria

mediata é a desvinculação do ordenamento jurídico (Rechtsgelöstheit). Esta condição talvez

seja a mais polêmica dentre todas.

Num primeiro plano, o aparato de poder tem que haver se desvinculado do Direito não

em toda relação, mas somente no marco dos tipos penais por ele praticados. As medidas, por

exemplo, da República Democrática Alemã e inclusive do Estado nacional-socialista se

moveram em muitos conceitos no interior de um Direito vigente válido, mas quando o que se

trata, de fato, é a valorização como a de ações de obstar a fuga da República Democrática

Alemã disparando contra aqueles indivíduos que pretendiam pular o muro de Berlim, então se

trata, apenas, de atividades diametralmente fora do Direito (ROXIN, 2006b).

Num segundo plano, essa desvinculação ao Direito não depende da forma como se

julgue o sistema político pretérito, mas da atual valorização jurídica. Os assassinos do muro

de Berlim foram, desta feita, ações desvinculadas do Direito, mesmo que o comando do

Estado da República Democrática Alemã tenha pensado em outra opinião acerca. Os

assassinos do regime nazista, outrossim, teriam sido, portanto, desvinculados do Direito se o

comando do Estado da época tivesse ordenado a eles não de uma forma secreta, mas

legalmente (ROXIN, 2006b).

Entrementes, sobre a base dessas duas explanações fica clarividente que a

desvinculação ao Direito do aparato organizado de poder é uma conditio sinequanonpara o

total domínio do fato dos homens de trás. Por exemplo, se o homicídio de fugitivos no Muro

estivesse, veementemente, proibido, no cômputo geral, e tivesse sido apenas o resultado de

ordens de funcionários sem qualquer autorização, os respectivos fatos teriam sido, desta

maneira, ações individuais e tratados de acordo com as regras da indução e da autoria. O

sistema parcial de um Estado tem, assim sendo, que trabalhar delitivamente como um todo,

desvinculado do Estado (rechtsgëlost) se a segurança do resultado que justifica uma autoria

mediata deve ser atribuída às instruções e atividades dos homens de trás (ROXIN, 2006b).

85

Como terceira condição vislumbra-se a fungibilidade do executor imediato. A

fungibilidade seria a substitutibilidade dos indivíduos no atuar delitivo dos aparatos

organizados de poder. A execução dos homens de trás se assegura, em grande parte, de forma

precisa porquanto muitos executores com grande potencial de envergadura estão disponíveis,

de modo que a negativa ou, até mesmo, a falha de um ser humano não pode infirmar a

realização do tipo (ROXIN, 2006b).

A quarta condição, a considerável disposição do executor para atuar, não fazia parte da

construção originária da teoria do domínio da organização, sendo introduzida a partir das

influências das elucubrações de Schroeder e Heinrich quando tentam explicar a autoria

mediata em organizações delitivas e, outrossim, de forma especial, após o julgamento do

Bundesgerichtshof (Tribunal Supremo Federal).

Schroeder (1965) profere em uma espécie de disposição condicionada para uma

atuação. Heinrich (2002) trabalha com o raciocínio de uma inclinação para o fato típica da

estrutura organizacional por parte do indivíduo que perfaz a execução. O Tribunal Federal

Alemão versa, ancorado no pensamento de Schroeder, entre os argumentos para a

fundamentação da autoria mediata dos homens de trás em estruturas organizacionais, a

disponibilidade incondicional do indivíduo que age e atua imediatamente para a perpetração

da ação (ROXIN, 2006b).

Tais situações não podem justificar controle algum daquele que atua de forma

imediata porquanto, inclusive, por muito disposto, decidido ou inclinado ao fato que possa

estar, isso não altera, absolutamente, a liberdade responsável de seu agir. Distinto é, todavia,

que depreendam tais posturas como elementos da maneira de atuar específica de uma

organização promovedora de delitos. Logo, não apenas resultam decisivos para a aceitação da

autoria mediata, mas outrossim, constituem, junto aos três requisitos já citados, um aspecto do

domínio da organização (ROXIN, 2006b).

Aquele indivíduo que em um aparato organizado de poder, totalmente desvinculado do

Direito, e leva a cabo seu último ato que concretiza o tipo, tem uma posição diferenciada à de

um autor individual que deve fomentar o fato por si mesmo. Aquele indivíduo se encontra

submetido a inúmeras influências estritas da estrutura organizacional que de modo algum

excluem sua efetiva responsabilidade, mas o convertem, entretanto, mais preparado para o

fato que outros criminosos em potencial, e que, como uma visualização conjunta,

86

incrementam o possível êxito de uma ordem e contribuem para o domínio dos homens de trás

(ROXIN, 2006b).

O fato de pertencer à organização traz a ideia de uma tendência à adaptação. Há uma

esperança que os membros individuais se integrem. Isso pode levar a uma participação

irrefletida em ações que nunca ocorreriam a uma pessoa não integrada em uma organização

assim. Entretanto, um fenômeno típico de uma estrutura organizacional é, também, um

empenho pujante em prestar serviço, seja por notoriedade ou por causa de impulsos criminais,

seja qualquer for o tipo, aos quais o membro da estrutura organizacional tal crê poder ceder de

forma impune. Concomitantemente, há uma participação de membros também interiormente

contrários como consequência do resignado pensamento: se eu não faço, outro fará de

qualquer forma (ROXIN, 2006b).

Encontram-se casos que, inclusive, não fundamentam um domínio da coação ou do

erro dos homens de trás, mas que deixam mais próximo um pouco mais a tais situações: o que

executa disposto ao que lhe mandem teme, como exemplo, em caso de negativa, a perda de

sua posição, o desprezo de seus colegas de organização ou outros prejuízos sociais; ou conta,

a despeito de ter graves dúvidas a respeito do caráter injusto de sua atuação, com a

impunidade, já que malgrado todas as coisas, sua conduta é determinada pelos indivíduos que

se encontram nos patamares hierarquicamente superiores (ROXIN, 2006b).

Todos estes pontos de apoio que aparecem mesclados de inúmeras formas que não

excluem a culpabilidade (Schuld) e responsabilidade (Verantwortlichkeit) do indivíduo que

age e pratica os fatos de forma direta e imediata, reduzem outrossim sua medida somente um

pouco e até a arvoram em algumas manifestações, encontram, entretanto, um ponto de

coincidência: conduzem a uma disposição dos membros condicionada à estrutura organizada

que, junto à sua intercambiabilidade para os indivíduos de trás, é um requisito precípuo da

segurança com que podem confiar na execução de suas determinações (ROXIN, 2006b).

Visto os requisitos que fundamentam e justificam a incidência da punição, como autor

mediato, no campo dos aparatos organizados de poder, faz-se necessário perceber se os

apontamentos concernentes à teoria do domínio da organização podem ser aplicados e

direcionados aos delitos praticados em empresas.

Assim, desta feita, vislumbrar-se-á, sucintamente, o âmbito de estudo do denominado

Direito Penal Econômico e se, verdadeiramente, na visão de Roxin, é possível ou não a

87

utilização das regras da Teoria do Domínio da organização no campo de aplicação dos Delitos

realizados em empresas e, conseguintemente, dentro do panorama do Direito Penal

Econômico.

3.2.2 Uma sucinta investigação sobre o Direito Penal Econômico e a possibilidade ou não de aplicação da Teoria do Domínio da Organização

Para o aprofundamento do Direito Penal econômico, faz-se mister entender como ele

eclodiu e, também, qual o seu ponto de alcance. Mas para haver tal direcionamento, cumpre

estabelecer alguns parâmetros de apoio, tais como: análise do conceito, origem, contexto

histórico e algumas abordagens específicas.

É importante ressaltar, antes de tudo, que o Direito penal Econômico integra o Direito

Penal no seu sentido lato, possuindo especificidades, mormente no que diz respeito ao bem

jurídico tutelado e aos sujeitos, destacados por uma irrefutável supraindividualidade.

Pelo fato de o Direito Penal econômico estar incorporado ao Direito Penal nuclear, isto

é, ao Direito Penal em sentido amplo, torna-se possível vislumbrar pontos comuns entre eles,

em que pese a conformidade de princípios e normas gerais ser ainda tema de diametral

controvérsia na doutrina.

O Direito Penal Econômico constitui um amplo e completo ramo do Direito que goza

de uma especial atualidade e de grande interesse, por exemplo, na Alemanha, desde o início

dos anos 70 do século XX, interesse que se limitava, a priori, ao legislador e à prática

judicial, mas que, entrementes, estendeu-se, outrossim, à ciência jurídico-penal

(TIEDEMANN, 2010).

Numa visão global com fulcro nos alcances deste ramo, pressupõe, num primeiro

momento, o conhecimento de Direito Econômico, mas, deve-se conhecer juntamente, o

Direito comercial (hoje denominado de Direito empresarial), bem como outros ramos do

Direito como, por exemplo, o Direito do Trabalho e o Direito atinente a bens imateriais

(propriedade intelectual e propriedade industrial); e nos últimos tempos, soma-se aos ramos

supracitados o Direito da União Europeia (TIEDEMANN, 2010).

88

O Direito Penal econômico tem sua definição em relação com um objeto de caráter

político-criminal, qual seja, a prevenção da criminalidade econômica. A criminalidade

econômica constitui um fenômeno amplo e completo que requer, outrossim, o conhecimento

de aspectos que não são exatamente jurídico-políticos num sentido estrito (STAMPA E

BACIGALUPO, 1980).

Neste sentido, o desenvolvimento das sociedades modernas tem produzido não

somente uma elevação da criminalidade tradicional frente à propriedade e o patrimônio, que

em si mesmas, não têm motivo hábil para estarem elencadas no bojo de aplicação do Direito

Penal Econômico, mas, também, uma multiplicação das formas de delinquência possíveis

(VALLE, 2005).

Partindo do ponto de vista criminológico, pode referir-se, por um lado, ao aumento de

situações para delinquir em uma sociedade moderna, de tal magnitude, que certas

transformações sociais de uma economia em franca expansão afetariam a um maior número

de oportunidades. De outra parte, é indiscutível que a mudança de estruturas socioeconômicas

implica que a prática de delitos econômicos há de se fomentar por intermédio dessas

estruturas e que essas estruturas motivam novas formas de delinquência em si mesma

(VALLE, 2005).

Tiedemann (1983b) torna o conceito mais amplo, dando um destaque claro no que

tange à característica da tutela de bens jurídicos supra individuais. Num sentido estrito, ele

aborda um viés de intervenção estatal no domínio econômico. Entrementes, com uma

abrangência maior, compreende-se o Direito Penal Econômico como construído por um

conjunto de normas jurídicas promulgadas com o escopo de regular a produção, fabricação e o

repasse de bens econômicos, sendo supra individuais.

Destarte, delito econômico em sentido amplo é a infração que, atingindo um bem

jurídico patrimonial supraindividual, gera lesão ou põe em perigo, da mesma maneira, a

regulação jurídica da produção, distribuição e o consumo de bens e serviços (BAJO;

BACIGALUPO, 2010).

Seguindo a máxima supratranscrita, tem-se visualizado o Direito Penal Econômico

como ramo do Direito Penal, com a função premente e estrita de tutelar a ordem econômica

que sofre intervenção estatal, a qual provocaria uma exacerbada diminuição dos limites de

ingerência do próprio Direito Penal Econômico, que ficaria vinculado a infrações fiscais,

89

monetárias, de contrabando ou que afetem drasticamente a economia popular, mantendo

distante de sua incidência e aplicação as específicas hipóteses em que o Estado decide,

irrefutavelmente, não intervir; e em sentido oposto, menciona-se a fomentação de uma

concepção mais ampla, consequência de múltiplos fatores, por exemplo, o predomínio de uma

economia de mercado, o dirigismo estatal e outros (CERVINI, 2008).

Segundo pontifica Fragoso (1982), no interior da perspectiva científica do Direito

Penal Econômico, o Delito econômico tem objetividade jurídica residente na ordem

econômica, isto é, em bem-interesse supra individual, o qual se expressa no funcionamento

regular do processo econômico de produção, circulação e consumo de riqueza. O Direito

penal econômico corresponde ao Direito Econômico, o qual eclode com a primeira grande

guerra mundial e com o término da economia liberal, por intermédio da ingerência Estatal no

processo econômico, que é fenômeno majestoso dos tempos modernos.

Comparato (1968) apregoa de forma clara e significativa que o novo Direito

Econômico passa a eclodir como o conjunto das técnicas jurídicas de que lança mão o Estado

hodierno e contemporâneo no equacionamento de sua política econômica; o Direito

Econômico constituía disciplina normativa de ação estatal sobre as balizas do sistema

econômico.

O Direito Penal Econômico é, portanto, o que se refere a fatos e acontecimentos que

lesam, danificam ou expõem a perigo todo o sistema econômico e suas balizas

correspondentes a uma determinada ordem econômica (WALTER, 1963).

Há quem demonstre o conceito de Direito Penal Econômico, versando que é o

conjunto de normas jurídico-penais com o escopo de tutelar e salvaguardar a ordem

econômica; a chave para desmistificar a profundidade, intensidade e alcance desta afirmação

de delimita no escopo da proteção, qual seja, a ordem econômica (BAJO E BACIGALUPO,

2010).

Com efeito, conceitua-se, ademais, o Direito Penal Econômico tendo por base o seu

aspecto de alcance legislativo, no que toca à relevância dos bens jurídicos tutelados, isto é, o

Direito Penal Econômico como o conjunto de normas que tem por fito sancionar, com as

penas que lhe são próprias, determinadas condutas que, no âmbito das relações econômicas,

ofendem e, de certa forma, coloquem em perigo bens ou interesses jurídicos relevantes

(PIMENTEL, 1973).

90

Prosseguindo, depois da análise conceitual, faz-se necessário um apanhado do

desenvolvimento histórico do Direito Penal Econômico. Esse breve resumo sobre a evolução

histórica do Direito Penal Econômico deve caminhar da base que já na antiguidade todos os

Estados, especialmente em tempos de crise, mas, outrossim, para a tutela de abusos de poder

econômico no acontecer econômico normal, sancionavam penalmente as intervenções estatais

no livre desenvolvimento econômico. Assim, o Direito Romano Clássico castigava com pena

as especulações para garantir o provisionamento de cereais e as infrações referentes à

proibição de exportação de armas e aço (TIEDEMANN, 2010).

No século IV retornou à legislação penal não tão elaborada na seara econômica; a

idade média trouxe consigo um conceito global de alcance geral de falsum que reuniu, até a

idade moderna e num primeiro momento sem uma fomentação de um tipo estrito de trapaça,

aspectos de proteção os quais se encontram, contemporaneamente, no Direito Penal acessório

e em tipos específicos e especiais de fraude, tais como, falsificação de alimento, moedas e

pesos(TIEDEMANN, 2010).

No século XX, o desenvolvimento moderno do Direito Penal Econômico corre em

paralelo com o Direito Econômico, ou seja, as disposições do intervencionismo estatal,

fomentadas durante a Primeira grande guerra mundial, para a intensa satisfação das suas

necessidades vitais e que se voltavam a usura e a elevação artificial dos preços, permaneceram

como técnica legislativa após o fechamento da guerra, nos anos vinte. A transformação das

concepções sociais e econômicas, sob uma finalidade expressa de se desenvolver uma

economia geral, levou, a partir de 1919, a uma legislação socializadora no campo da

eletricidade e outros ramos importantes da economia. É exatamente aqui, no cômputo gral,

que ocorre o surgimento do Direito Penal Econômico moderno (TIEDEMANN, 2010).

De forma especial, o regulamento de Cárteles de 1923 fazia uso da divisão em penas

ordenadoras e criminais, que já se havia introduzido por intermédio da Lei a respeito da União

Aduaneira de 1869, que se constitui, posteriormente, de Ordenança Tributária do Reich. Após

os excessos das forças de administração e o totalitarismo do regime nazista, a partir de 1939

com sua força sancionatória no campo administrativo, o Poder Legislativo desenvolve

sensíveis esforços, uma vez concluída a segunda grande guerra, para, finalmente, reduzir e

eliminar a economia de planejamento com suas amplas normas penais (TIEDEMANN, 2010).

A lei de infrações administrativas do ano de 1952 introduziu uma reordenação de

cômputo geral das contravenções com uma diferenciação crucial, exposta, pela primeira vez,

91

entre delito de cunho ético-social e infrações ético-socialmente neutras. Com efeito, de forma

primeva, a antiga mistura consistente de infrações de ordem administrativo-peal foi posta

sobre uma nova base assegurada constitucionalmente, qual seja, os funcionários da

administração pública só poderiam (e podem) impor multas, mas não penas pecuniárias

(TIEDEMANN, 2010).

A lei penal econômica de 1954 trouxe consigo outra espécie de simplificação do

Direito Penal Econômico, mas também teve como consequência que a atual lei penal

econômica se permaneceu, tão somente, como um tronco constituído por alguns tipos penais e

contravenções (TIEDEMANN, 2010).

As diretivas da comunidade Europeia aduziram consigo novos complementos ao

Direito Penal Econômico e outras novas questões, fulcradas em medidas da União Europeia e

nas Convenções do Conselho Europeu (com o objetivo de harmonizar e equilibrar o Direito

Penal Econômico nacional) estão sendo produzidas, preliminarmente, no campo da proteção

dos meios de pagamento e no da propriedade intelectual, posteriormente no Direito

Informático e do meio-ambiente e, mais recentemente, no campo da corrupção econômica

(TIEDEMANN, 2010).

Avançando no estudo do Direito Penal Econômico, sua abordagem criminológica se

faz interessante, tendo em vista a importância profunda sobre as considerações de Edwin H.

Sutherland e, mais anteriormente, as concepções de Gabriel Tarde, pois este influenciou

demasiadamente aquele.

Assim, Gabriel Tarde foi um desbravador na fomentação das elucubrações científicas

acerca da criminalidade. Tarde buscou formas para a influente perspectiva antropológica do

comportamento criminoso. Tarde demonstra que as tatuagens, o que na visão de Lombroso

era uma marca criminosa, demonstrar-se-iam como fruto de um convívio de determinados

grupos e, não, como marcas quase que hereditárias do crime (SOUZA, 2011b).

As incisões nas peles de determinadas pessoas não eram particularidades e

prerrogativas de meliantes, sendo algo, também, realizado por militares, marinheiros e outros

como, por exemplo, advogados, operários, maçons, comerciantes, ladrões e meliantes de um

grau drástico como assassinos (TARDE, 1890).

92

Tarde assevera que não há uma comprovação científico-causal entre anomalia e

delinquência e a explicação para a proliferação de ilícitos no mundo fenomênico do ser

humano é a imitação (NEVES, 2009).

Tarde fomentou o pensamento de que os dogmas, sentimentos, costumes e as ações

são transferidas por intermédio do exemplo, o que acaba trazendo à baila que que os atos que

são importantes no cotidiano da sociedade são realizados sob o auspício do exemplo, uma

pessoa seguindo o exemplo do outro indivíduo (BONGER, 1905).

Deixando de lado fatores atávico-biológicos, Tarde abriu uma cisão na nascente

escola, franqueando que frutificassem correntes criminológicas baseadas em variáveis sociais

que operariam como verdadeiras etiologias criminais e, em função disso, pode-se corroborar

que antecipou os fundamentos e justificações da denominada associação diferencial que,

décadas posteriores, fora desenvolvida por Sutherland que tratava o comportamento criminoso

como algo bem complexo que seria o aprendizado e, não, simplesmente, de uma concepção de

imitação (SOUZA, 2011b).

Nesta máxima, Sutherland dedicou seus esforços ao desenvolvimento de um estatuto

epistemológico que pudesse, de certa maneira, salvaguardar a criminologia de seus

difamadores e, destarte, foi necessário a estimulação de uma teoria que buscasse explicar

todas as espécies de delitos e delinquentes (SOUZA, 2011b)

Com fulcro nas leis da imitação de Tarde, Sutherland busca uma forma fecunda de

criação de um novo paradigma científico com o escopo de evocar melhores ensinamentos

acerca da essência dos crimes e dos delinquentes realizadores destes crimes (MANNHEIM,

1985).

Há posição doutrinaria sustentando que há apenas uma certa semelhança entre as

explicações de Tarde e Sutherland e que essas teorias partem dos mesmos pressupostos,

porém, seguindo trajetos diferenciados com conclusões semelhantes e, por isso, são distintos

(NEVES, 2009).

A elucubração de Sutherland culminou na teoria da associação diferencial

(Theoryofdifferentialassociation) e, segundo ele, o comportamento criminoso é consequência

de um processo que se fomenta no meio de determinado grupo da sociedade, isto é, produz-se

através da interação com os outros seres humanos. Seria pautado na aprendizagem e não num

processo formal pedagógico (SOUZA, 2011b).

93

Baseado no princípio da associação diferencial, um indivíduo se torna criminoso no

momento que as definições favoráveis ä inobservância da lei suplantam sobre as definições

favoráveis `lei, à norma (Sutherland; Cressey, 1992).

O que é relevante é a prioridade com que o indivíduo está em contato com as

determinações favoráveis ou não à norma; a criminalidade não é consequência de um

problema de socialização, mas, ao contrário, de uma socialização diferencial, o que resultou

numa mudança visceral de paradigma no que tange ao fenômeno da criminalidade, seja com

patologias individuais, seja como patologias sociais (SOUZA, 2011b).

Sutherland (1983) decide perfazer uma investigação sobre as infrações perpetradas

pelos integrantes da alta classe econômica através do apanhado de 980 decisões de cortes

judiciais e, também, administrativas em face das 70 maiores empresas comerciais e industriais

norte-americanas.

O estudo de Sutherland se pautou nos seguintes ilícitos: concorrência desleal,

publicidade enganosa, violação de patentes, marcas e direitos autorais, violações de leis

trabalhistas, fraudes financeiras, abusos de confiança, violações de embargos de guerra, dentre

outros, e após coligir e agrupar todos estes dados, fora constatado que os empresários e

homens de negócios realizaram tais ações contra consumidores, concorrentes, acionistas,

investidores, inventores e, ademais, contra o próprio Estado, não obstante não figurassem nas

estatísticas oficiais e nem fosse taxados como verdadeiros delinquentes por membros

pertencentes à academia ou órgãos de repressão penal (SOUZA, 2011b).

A elucidação da teoria da associação diferencial aduziu a ideia firme de não existir

uma relação empírica direta entre os fatores de patologias sociais e a criminalidade. O que se

demonstra é que a criminalidade é um fenômeno que se revelava em todas as classes sociais,

incluindo aquelas em que o poder aquisitivo econômico é mais favorecido, malgrado as

agências formais versassem exatamente o contrário (SOUZA, 2011b).

Com efeito, Sutherland desenvolveu uma teoria que buscasse uma compreensão da

delinquência perpetrada pelos grandes empresários, sendo assim, elaborara uma teoria com o

escopo de compreender este fenômeno específico visando expender o comportamento

delinquente econômico (SOUZA, 2011b).

94

Assim, originou-se a expressão White-collar crime41 (crime de colarinho branco). As

violações da norma por parte das pessoas pertencentes à alta classe socioeconômica são

denominadas de crimes do colarinho-branco. São, normalmente, crimes que não são incluídos

dentro do âmbito da criminologia. Podem ser definidos como delitos praticados por um

indivíduo detentor de um grande respeito na sociedade com um elevadíssimo padrão social e

notória ocupação profissional (SUTHERLAND, 1983).

Dentro desta perspectiva e de uma forma didática, esta nova categoria de delito abarca

como elementos os seguintes pontos: ser um crime, ser cometido por pessoas respeitáveis,

pessoas com elevado padrão social e no exercício de sua profissão (MANNHEIM, 1985).

Além dos elementos supratranscritos, agregam-se às características a danosidade

social (com a concretização de uma vitimização difusa), impunidade da conduta e diametral

ausência de notoriedade do fato, além de outros aduzidos e suscitados pela doutrina científico-

criminológica (NEVES, 2009).

A teoria do crime do colarinho-branco foi um desenrolar da teoria da associação

diferencial, uma vez que os transgressores pertencentes àquela camada são integrantes da alta

classe social que, como quaisquer outras, transgridem a norma penal em razão deum um

processo de aprendizagem no seu campo social (SOUZA, 2011b).

Saindo da abordagem criminológica e caminhando para a abordagem dogmática do

Direito Penal Econômico, pode-se destacar que este seria uma especialização do Direito penal

clássico, mas, em verdade, em torno dele gravitam e reúnem-se profundos

problemasreferentes à dogmática, cuja resolução se faz relevante para o sistema normativo

penal como um todo (SOUZA, 2011b).

Tiedemann (2007) preleciona que o Direito penal Econômico demonstra algumas

especificidades que são tradicionais e, concomitantemente, relevantes para a dogmática da

parte geral e que, desta feita, o Direito Penal Econômico, não de maneira tímida, converte-se

em mola propulsora de desenvolvimentos penais e na legislação penal.

Percebe-se que há especificidades científicas no que diz respeito ao Direito Penal

Econômico e, por isso, que se busca explicar a insistência da doutrina em trazer uma 41White-collar crime foi uma expressão utilizada por Sutherland inspirada nas palavras de Alfred Sloan Jr. (então Presidente da Genral Motors), uma dentre as 70 empresas investigadas por ele, justamente no título do livro autobiográfico Adventuresof a White-Collar man (Sutherland, 1983, p. 7). De forma contrária, afirma-se que a expressão eclodira em 1932, no momento em quem Sutherland publicou um artigo e fez referência às White-collar classes, influenciado pelas ideias de Veblen (Aller, 2005).

95

individualização desse setor do Direito Penal e, paralelamente, a forte tendência de lhe

configurar como um objeto de estudo que pode ser elucidado separadamente do Direito penal

nuclear (MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, 2007).

De uma forma bem ampla, a doutrina especializada no assunto traz à baila bens

jurídicos supraindividuais ou coletivos e concernentes à utilização de delitos de perigo

abstrato, técnicas específicas de tipificação e erro de proibição, critérios de autoria e

participação nos delitos empresariais, responsabilidade penal da pessoa jurídica e, por

derradeiro, a escolha da pena adequada ao criminoso nos delitos econômicos (SOUZA,

2011b).

Avançando, tem-se por oportuno a análise da abordagem político-criminal ao Direito

Penal Econômico. Bruno (1984) demonstra que a política criminal é um conjunto de

princípios que norteiam o Estado na luta contra a criminalidade, por intermédio de medidas e

requisitos aplicáveis aos criminosos.

Dentro do processo de mudança social, dos resultados que orientam novas tendências

ou novas e antigas propostas do Direito Penal, das revelações do ponto de vista empírico

trabalhadas pelo desempenho das instituições que integram o sistema penal, eclodem

princípios e recomendações para uma reforma ou metamorfose da legislação criminal e dos

órgãos encarregados de sua aplicação e a esse conjunto de princípios e recomendações dá-se o

nome de política criminal (BATISTA, 2011).

A nomenclatura Política Criminal (Kriminalpolitik) fora cunhada no final do século

VII através dos juristas alemães Kleischroad e Feuerbach, com o escopo filosófico do alcance

de uma sabedoria para o Estado legislador (POLAINO NAVARRETE, 2004).

Entrementes, com os estudos e pesquisas de Liszt, a nomenclatura deixou de servir a

algo abstrato, ou seja, a uma abstrata arte legiferante para compreender um racional

pensamento de uma disciplina científica, mas, não autônoma, pautada em duas questões, quais

sejam, a crítica e a reforma do Direito Penal (SOUZA, 2011b).

Liszt já pontificava de forma contundente que a política criminal, uma ciência,

incumbe conceder o critério para se apreciar o valor do Direito que vigora e termina por se

revelando o Direito que deve, deveras, vigorar (LISZT, 1899).

96

Ainda há quem demonstra no mesmo sentido e essência que, malgrado subsistir uma

exorbitante divergência sobre sua natureza científica, há uma ideia uníssona doutrinária no

sentido de adimplir à política criminal o ortodoxo legado de crítica e reforma das leis penais

(SERRANO GÓMEZ, 1980).

Silva Sanches (2010) corrobora que a política criminal continua com o escopo de

nortear a evolução da legislação penal (no que diz respeito à perspectiva de lege ferenda) ou a

sua perpetração no presente (perspectiva de lege lata) concatenando-se aos fins materiais do

Direito Penal.

O debate político-criminal refere-se a uma legitimidade lata et ferenda do Direito

Penal Econômico, ou seja, sua movimentação longitudinal de extensão vagarosa do âmbito

interventivo, através da criação ou aumento de categorias delitivas (SOUZA,2011b), no

interior de um mimetismo que o deixaria distante do que, dentro de uma perspectiva histórica,

constitui o núcleo do Direito penal (MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, 2007).

Dentro das perspectivas do Direito Penal Econômico, há três sensíveis proposições

político-criminais que o envolvem, quais sejam: uma posiçãodeslegitimadora da regulação

penal de novas áreas, particularmente econômicas; uma matriz intermediária que reconhece

como inevitável tal regulação, mas, entrementes, propõe que seja realizada dentro de uma

disjuntiva punitiva; e uma posição legitimadora dessa propensão interventivo-penal

econômica (SOUZA, 2011b).

Contemporaneamente, vislumbra-se que o debate é encarado, justamente no momento

em que grandes homens de negócios já podem perceber os efeitos de violentos ventos

condizentes com uma persecução penal mais forte e uma atuação judicial que, não raramente,

é muito drástica (TIEDEMANN, 2007).

Seguindo o debate, subsiste a posição deslegitimadora do Direito Penal Econômico e a

Escola de Frankfurt do Direito Penal. Souza (2011b) demonstra que esta ideia advém da

produção científica do Instituto Científico Criminal de Frankfurt ou também denominado

como grupo de professores ou, tão somente, Escola de Frankfurt do Direito Penal e sua

preocupação nodal seria a de que, numa tendência expansiva e reguladora de atividades que

até então não tratava, a disciplina venha a se tornar determinada coisa absolutamente diferente

do que foi, na medida em que, diferentemente da conservação da nomenclatura Direito Penal,

97

a prática será distinta de tudo aquilo que representou efetivamente o entendimento jurídico-

penal.

Ocorreria com o Direito Penal uma espécie de autonegação, uma real e concreta

transmutação em que tudo mudaria, ou seja, sofrer-se-ia um efetivo e potencial

metamorfoseamento dos valores jurídicos (SILVA SÁNCHES, 2010b).

A Escola de Frankfurt busca como essência restringir a seleção de bens jurídico-penais

àqueles outros bens que se determinam como clássicos, na medida em que se pronunciam

sobre a base de tutela dos direitos simplórios do indivíduo e, de outro modo, observar e

respeitar todas as regras concernentes à imputação e, também, todos os princípios político-

criminais de garantia característicos do Direito Penal da ilustração (MARTÍNEZ-BUJÁN

PÉREZ, 2007).

Ainda no que tange à Escola de Frankfurt, conforme perfeitamente preleciona Souza

(2011b), Hassemer e, como regra, os outros integrantes daquela célebre Escola, não

aconselham uma absoluta desregulamentação de condutas que terminam por vulnerar a ordem

econômica, o que acaba por orientar que não se trata de uma orientação abolicionista;

entretanto, Hassemer assevera que deveria recuar-se para onde há um bom e correto

funcionamento, o que significa dizer, Direito Penal nuclear, ao campo das infrações que mais

atingem os interesses fundamentais de determinado indivíduo, ao passo que as infrações que

alberguem esses novos interesses sociais, por exemplo, ordem econômica, deveriam ser

tratadas e prevenidas por um Direito da Intervenção, uma espécie de Direito de cunho

sancionador estabelecido no interregno entre as normas penais e extrapenais.

Hassemer (2007) pondera que seria mais favorável a retirada do campo de aplicação

do Direito Penal as dificuldades que lhe foram evocadas nos últimos tempos. Ele demostra

que o Direito Civil, o Direito Administrativo e o mercado e as preocupações das próprias

vítimas são problemas que o Direito Penal Moderno não gerencia de uma forma exemplar, e

seria melhor que, ao invés da modernização do Direito Penal, essas questões seriam melhor

disciplinadas por um específico Direito da Intervenção, estabelecido entre o Direito Penal e o

Direito Administrativo, por exemplo.

A proposta do Direito da Intervenção busca sofrear garantias menos rigorosas do que o

Direito Penal e sanções absolutamente mais moderadas, menos lesivas e nocivas para o

respectivo indivíduo. Destarte, cumpre trazer o entendimento de que há pensadores que

98

associam a Escola de Frankfurt (e, consequentemente, o pensamento de Hassemer) ao

Garantismo Penal produzido por Ferrajoli(2011), visto que há um compartilhamento de

premissas restritivas dos excessos punitivistas do Estado. Porém, o discurso da Escola de

Frankfurt encontra-se direcionado a um pensamento ultraliberal do Direito Penal, ao passo

que o Garantismo Penal se fia na tutela de Direitos fundamentais e nos deveres fundamentais

Estatais (SOUZA, 2011b).

Numa posição intermediária, tem-se o modelo penal dual ou Direito Penal de duas

velocidades promovido por Jesús-Maria Silva Sánchez. Souza (2011b) preleciona que,

colocando-se numa posição entre o abolicionismo e a total legitimação do Direito Penal

Econômico, é uma construção intermediária que merece muitíssimo destaque, tendo em vista

o seu alto grau de rigor científico.

Levando em consideração a nomenclatura Direito Penal dual, cunhada por Silva

Sanchéz (2010), ter-se-ia como divisão a pena privativa de liberdade imposta, tão somente,

em caso de afetação concreta no que tange aos bens jurídicos individuais ou supra individuais

e, por conseguinte, a impossibilidade de qualquer tipo de flexibilização de Direitos e

garantias; e a pena alternativa em casos de afetações que não se adequem aos parâmetros

atinentes à pena privativa de liberdade, com a consequente possibilidade de relativização para

a garantia dos bens jurídicos coletivos e, outrossim, um processo penal mais rápido, tendo em

vista o perecimento de provas.

Dentro do diagnóstico do Direito Penal dual, percebe-se que este fenômeno expõe

sobre o aparecimento de novos interesses ou novas valorações, como o meio ambiente e a

economia; o efetivo surgimento de uma sociedade de riscos; a institucionalização de uma

sociedade de insegurança objetiva; o surgimento de uma sociedade de insegurança subjetiva;

a configuração de uma sociedades de classes passivas; o sentimento de identificação dos

indivíduos com a vítima do crime mais do que com o criminoso em si (especialmente o

delinquente poderoso); o ceticismo quanto a outras instâncias de proteção; a ingerência

daqueles taxados como gestores atípicos da moral, por exemplo, movimentos feministas.

Souza (2011b) ainda demonstra que Silva Sánchez admite a corrente reducionista

tendo em vista a expansão implicar naquilo que se denomina de desnaturalização ou

administrativização do Direito Penal. Entrementes, inobstante considerar plausível o

pensamento acadêmico de uma devolução ao Direito da Intervenção de todo o novo Direito

Penal, um viés puramente de intervenção e extrapenal mostrar-se-ia utópico.Com efeito, Silva

99

Sánchez oferece como solução a bipartição do sistema jurídico-penal de imputação do fato ao

autor, bem como do sistema geral de garantias, concernente à natureza das consequências

jurídicas cominadas aos tipos penais incriminadores, isto é, pena privativa de liberdade ou

pena alternativa, isso pelo fato do verdadeiro problema não ser a expansão do Direito Penal,

mas, estritamente, a expansão da pena privativa de liberdade.

Uma terceira posição luta pela legitimação do Direito Penal Econômico, versando que

aquilo que por muitos doutrinadores é taxado como uma perversa ou maléfica expansão do

Direito Penal, adequa-se à completa urgência no que toca à modernização do Direito Penal

ou, até mesmo, ao denominado novo Direito Penal. Não obstante alguns fundamentos, os que

se filiam a tal pensamento entendem que não se pode, deveras, prescindir do Direito Penal no

combate e enfrentamento das drásticas questões econômicas (SOUZA, 2011b).

Segundo Gracia Martín (2005)a modernização do Direito Penal é a luta em busca da

integração na exposição de ideias de cunho penal da criminalidade material das classes sociais

detentoras do poder que elas mesmas lograram êxito até agora em excluir daquela exposição

de ideias graças à sua posição de poder de disposição absoluto sobre o princípio da legalidade

penal desde a sua criação pelo ideário político liberal da burguesia capitalista.

Assim, o surgimento do novo Direito Penal não se efetivaria caso se criasse uma

limitação à introdução de catálogos de novos tipos penais da modernidade, posto que para se

produzir a ruptura total com o antigo, obriga-se, materialmente, que a criminalização de

condutas das classes que detém o poder tenha uma dimensão mais ampla (SOUZA, 2011b).

Seguindo esta linha, Garcia Martín (2005) pontifica que deve ser erigido e arquitetado

um sistema que tenha por escopo classificar em tipos delitivos ordenados segundo os bens

jurídicos, o cômputo total do universo de ações ético-socialmente prejudiciais próprias e

características do sistema de ação das classes mais abastadas.

Após a sucinta elucidação do Direito Penal Econômico, após a observação dos

conceitos, contextos históricos e as diversas abordagens, cumpre registrar se, com fulcro no

pensamento de Roxin, cabe a aplicação das regras da Teoria do Domínio da Organização aos

delitos em empresas, dentro da seara de aplicação do Direito Penal Econômico.

Seguindo baliza norteadora de Roxin (2006), a teoria do domínio da organização pode

ser utilizada, por exemplo, a atividades terroristas e específicas formas de criminalidade

organizada, desde que observado as particularidades em cada caso concreto.

100

Mas a questão é depreender se é, realmente, possível anunciar autores mediatos,

igualmente, aos superiores de empresas que levam os empregados de seus empreendimentos a

praticarem crimes.

Roxin (2006) profere que não se pode justificar a regra da autoria mediata dos

superiores hierárquicos estribada nos requisitos da Teoria do Domínio da Organização, que

levam os empregados a praticar delitos, posto que das quatro condições do Domínio da

Organização faltam ao menos três: as empresas não fomentam seus trabalhos, no cômputo

geral, desvinculados do Direito, enquanto não se propõem desde a gênese, à prática de

atividades criminosas; falta a intercambialidade daqueles que, de fato, estão prontos para a

ação criminosa; tão pouco, pode-se versar de uma disponibilidade substancialmente alta dos

membros da empresa porquanto, na realidade, a comissão de delitos econômicos leva consigo

um sensível risco de punibilidade e o risco da perda da posição na empresa.

Roxin (2006) ainda demonstra que, ao revés, não se pode desconhecer que há, sim,

uma necessidade político-criminal de punir como autores os diretores ou executivos que

promovem ou apenas autorizam ações criminosas em seus empreendimentos.

Schünemann (2000), de forma robusta e distinta ao ambiente restante da

criminalidade, prega pensamento concernente a uma coautoria entre indivíduos de direção e

execução conforme já elucidado em alhures.

Entrementes, Roxin (2006) reputa mais adequado a utilização da figura por ele criada

e denominada de delitos consistentes na infração de um dever (Pflichtdelikte) e, com seu

auxílio, justiçar uma autoria dos diretores, desde que lhes atribua uma posição de garantia

para a tutela da legalidade das ações da empresa.

3.2.3 A doutrina doJoint Criminal Enterprise: uma explicação necessária em relação à Teoria do Domínio da Organização

O estudo direcionado da Teoria do Domínio da Organização leva à investigação e

reflexão sobre Teorias e posicionamentos acerca da imputabilidade penal nos delitos

perpetrados por intermédio de estruturas organizadas de poder, o que deve, desta feita, ser

investigado para um melhor aprimoramento.

101

Com efeito, faz-se oportuno evocar, através da averiguação suscitada, a doutrina

internacional do Joint Criminal Enterprise, posto que no cenário mundial é indicada como

uma Teoria que está entre as principais vertentes concernentes à responsabilização penal em

crimes realizados por intermédio de aparatos de poder.

A doutrina do Joint Criminal Enterprise, também conhecida como a doutrina da

Empresa Criminal Conjunta, teve seu nascimento de forma desbravadora pelo International

Criminal Tribunal for theformerYugoslavia (ICTY), mais precisamente, no julgamento do

caso de DuskoTadic42, com arrimo em julgados que trabalhavam com o raciocínio e o

pensamento da doutrina do common purposeou common design (propósito comum delitivo).

Após o desbravamento do caso DuskoTadic, a construção doutrinaria fora aprovada

pela jurisprudência de inúmeros tribunais internacionais. Como exemplo de Tribunais

Internacionais que aderiram à construção doutrinaria do Joint Criminal Enterprise, têm-se: o

Tribunal Internacional para a Ruanda (ICTR), a Corte Especial do Timor Leste (SPSC) e a

Corte Especial de Serra Leoa (SCSL) (DUTRA, 2012).

Nesta temática, seguindo na investigação, pode-se versar que a construção doutrinária

do Joint Criminal Enterprise incorpora o Direito Consuetudinário Internacional, não obstante

haver previsão normativa, mesmo que de forma subentendida nos artigos 7 (1) do

International Criminal Tribunal for theformerYugoslavia(ICTY)43, no artigo 6 (1) do Estatuto

do Tribunal Internacional para Ruanda (ICTR)44, no artigo 6 (1) do Estatuto da Corte Especial

de Serra Leoa (SCSL)45, e no artigo 14.3 (a) e (d) do Regulamento 2000/ 15 da

Administração Transicional das Nações Unidas no Timor Leste (UNTAET)46.

42Caso IT-94-1-A, julgadoem 15/07/99 pelaCâmara de Apelação do ICTY .Cf. <http://www.icty.org/x/cases/tadic/acjug/en/tad-aj990715e.pdf>Acessoem 31 março 2016.43Art. 7 Individual criminal responsibility (1) A person who planned, instigated, ordered, committed or otherwise aided and abetted in the planning, preparation or execution of a crime referred to in articles 2 to 5 of the present Statute, shall be individually responsible for the crime.44Art. 6 Individual criminal responsibility (1) A person who planned, instigated, ordered, committed or otherwise aided and abetted in the planning, preparation or execution of a crime referred to in Articles 2 to 4 of the present Statute, shall be individually responsible for the crime.45Art. 6 Individual criminal responsibility (1) A person who planned, instigated, ordered, committed or otherwise aided and abetted in the planning, preparation or execution of a crime referred to in articles 2 to 4 of the present Statute shall be individually responsible for the crime.46Art. 14.3 In accordance with the present regulation, a person shall be criminally responsible and liable for punishment for a crime within the jurisdiction of the panels if that person: (a) commits such a crime, whether as an individual, jointly with another or through another person, regardless of whether that other person is criminally responsible; [...] (d) in any other way contributes to the commission or attempted commission of such a crime by a group of persons acting with a common purpose. Such contribution shall be intentional and shall either: (i) be made with the aim of furthering the criminal activity or criminal purpose of the group, where such activity or purpose involves the commission of a crime within the jurisdiction of the panels; or (ii) be made in the knowledge of the intention of the group to commit the crime

102

Quando do caso DuskoTadic, a Câmara de Apelação do International Criminal

Tribunal for theformerYugoslavia(ICTY) observou e reconheceu três modalidades na doutrina

do Joint Criminal Enterprise, quais sejam: forma básica; forma sistêmica; forma estendida47.

A primeira modalidade, qual seja, a forma básica ou como, comumente, denominada

de Joint Criminal Enterprise I, diz respeito aos casos de coautoria no sentido em que vários

indivíduos, com o mesmo desiderato, partilham o dolo em relação a um resultado delitivo

específico, em que pese alguns destes indivíduos não praticarem, pessoalmente, o fato

criminoso (DUTRA, 2012).

A segunda modalidade, qual seja, a forma sistêmica ou como, comumente,

denominada de Joint Criminal Enterprise II institui-se como uma variação da Joint Criminal

Enterprise I, por isso, que algumas decisões do International Criminal Tribunal for

theformerYugoslavia(ICTY) intitulam as duas primeiras modalidades de Joint Criminal

Enterprise de formas básicas. Alberga os casos concernentes aos campos de concentração da

Segunda Grande Guerra Mundial em que a autoridade hierárquica superior é coautora dos

delitos pela participação da execução do sistema de repressão, com o ato volitivo e o ato de

consciência para a realização do engenho criminoso de maus-tratos dos detentos.

Amplamente, a referida modalidade é utilizada para qualquer tipo de campo de detenção em

que seja orquestrado um projeto delitivo comum em face dos detentos48 (Dutra, 2012).

A terceira modalidade, qual seja, a forma estendida ou como, comumente, denominada

de Joint Criminal Enterprise III, evoca a ideia de responsabilidade ou encargo penal em

virtude dos atos os quais, conquanto não fizessem parte do plano criminal comum,

estabeleceriam um corolário natural do cumprimento daquele, ocorrendo a incorporação do

risco de produção do resultado que não fora aquiescido por parte de alguns integrantes da

Joint Criminal Enterprise(DUTRA, 2012).

No caso pioneiro de DuskoTadic, a modalidade utilizada pela Câmara de Apelação do

International Criminal Tribunal for theformerYugoslavia(ICTY) foi a terceira, qual seja, a

forma estendida ou como, comumente, denominada de Joint Criminal Enterprise II com o

47Caso IT-94-1-A, §§ 196 a 220. Cf. <http://www.icty.org/x/cases/tadic/acjug/en/tad-aj990715e.pdf>Acessoem : 31 março 2016.48Caso IT-98-30/1-A, julgadoem 28/02/05 pelaCâmara de Apelação do ICTY , § 182. Cf. < http://www.icty.org/x/cases/kvocka/acjug/en/kvo-aj050228e.pdf>Acessoem: 31 março 2016

103

escopo de firmar a responsabilidade penal em razão do homicídio de cinco homens na aldeia

de Jaskici. A despeito de DuckoTadic não ter adimplido direta e pessoalmente os delitos, a

Câmara supratranscrita chegou à conclusão de que Tadic assumiu o risco de produzir os

referidos homicídios ao fazer parte da Empresa Criminal Conjunta com o desiderato de retirar

os não-sérvios do local determinado (DUTRA, 2012).

Ambos (2008) entende que a Joint Criminal Enterprise III não é uma modalidade de

coautoria, mas uma ampliação da punibilidade no sentido da responsabilização por pertencer a

um organismo criminal, um preciso arcabouço criminal, o que acaba sendo criticável.

No que diz respeito às duas primeiras modalidades da doutrina do Joint Criminal

Enterprise, a básica e a sistêmica, registre-se que o International Criminal Tribunal for

theformerYugoslavia(ICTY) tem concordância e aceitação quanto a três modos de

participação do indivíduo na Joint Criminal Enterprise, seja executando diretamente o delito

que fora aquiescido, seja permanecendo presente no momento da realização do crime, dando

coragem, ou, ademais, por intermédio de sua autoridade, imprimindo sua posição de mando e

determinação ou, por fim, da sua posição no campo sistêmico onde o crime é perpetrado.

A Câmara de julgamento do International Criminal Tribunal for

theformerYugoslavia(ICTY), em 02 de agosto de 2001, observou e chegou à conclusão que o

General Krstic49 arquitetara a transferência forçada da população bósnia de Srebrenica o que

perfez o tribunal a condenar como membro do Joint Criminal Enterprise que efetivara a

remoção de mulheres, crianças e idosos daquele específico e delimitado local. Faz-se

premente proferir que o General Krstic atuava como autoridade política e militar do Corpo de

Drina pertencente ao Exército Sérvio da Bósnia (DUTRA, 2012).

Mesmo não tendo perpetrado diretamente o delito, o General Krstic fora condenado

como um integrante da Joint Criminal Enterprise que tinha como desiderato principal o

genocídio dos homens muçulmanos bósnios de Srebrenica, posto que perfez a gestão e

administração do massacre pelos seus subordinados hierarquicamente (DUTRA, 2012).

O vice-comandante do Campo de detenção cujo nome é Kvocka, fora condenado em

dois de novembro de 2001 pela Câmara de julgamento do International Criminal Tribunal for

theformerYugoslavia(ICTY) como coautor dos crimes cometidos em detrimento dos

49Caso IT-98-33-T. Cf. <http://www.icty.org/x/cases/krstic/tjug/en/krs-tj010802e.pdf>Acesso em: 04 maio 2016.

104

prisioneiros não-sérvios50 tendo em vista sua contribuição de forma contundente para a

realização e desenvolvimento da Joint Criminal Enterprisenaquele campo de detenção

(DUTRA, 2012).

A Câmara de apelação do International Criminal Tribunal for

theformerYugoslavia(ICTY), que corroborou a sentença versada pelo órgão judicial a quo,

externara que a coautoria delitiva nos moldes da Empresa Criminal Conjunta independe da

perpetração pessoal do elemento objetivo do delito por intermédio de todos os indivíduos que

fazem parte da empresa (DUTRA, 2012).

É importante trazer à baila que a Câmara de julgamento do International Criminal

Tribunal for theformerYugoslavia(ICTY) em dezesseis de junho de 2004, no caso Slobodan

Milosevik, não reconheceu e indeferiu o pedido de absolvição em virtude de ter observado

que, deveras, havia justa causa para as acusações em face do ex-presidente da Sérvia à

época51. Neste caso, o tribunal depreendeu haver lastro probatório mínimo, posto que

Milosevik fizera parte da Joint Criminal Enterprisecom outros líderes sérvios da Bósnia,

tornando-se coautor do genocídio perpetrado à comunidade muçulmana no país.

Observando-se o que fora proferido anteriormente, percebe-se que o International

Criminal Tribunal for theformerYugoslavia(ICTY) evoca uma concepção dominante no

sentido da aplicação da Joint Criminal Enterprise quando da realização de crimes através de

estruturas grandiosas organizadas de poder e que este posicionamento, igualmente, fora

incorporado por outros tribunais internacionais, consolidando o Direito Costumeiro

Internacional.

Perfazendo uma diferenciação direta e pragmática entre a doutrina do Joint Criminal

Enterprise e a Teoria do Domínio da Organização, para aquela, o gestor ou qualquer outra

nomenclatura semelhante que se queira dar, deve ser responsabilizado como coautor,

concomitantemente, com aquele que pratica diretamente o delito, evidentemente que a sua

participação na Joint Criminal Enterprise deve estar bem clara e precisa.

Já no que tange à Teoria do Domínio da Organização, diferentemente do que sucede

na Joint Criminal Enterprise, o homem de trás da estrutura criminal organizada é

50Caso IT - 98-33-A, julgado em 19/04/04 pela Câmara de Apelação do ICTY . C f. <http://www.icty.org/x/cases/krstic/acjug/en/krs-aj040419e.pdf>Acessoem 10/11/11.51Caso IT-02-54-T. Cf.< http://www.icty.org/x/cases/slobodan_milosevic/tdec/en/040616.htm>Acessoem10 novembro 2011.

105

responsabilizado como autor mediato do delito que fora por ele arquitetado e pensado quando

houver comprovação dos pontos que atestem e corroborem esta vertente da Teoria do

Domínio do Fato, conforme já pormenorizado anteriormente nesta pesquisa, vislumbrando-se,

sem embargos, a responsabilidade dos atos do executor imediato.

Não se pode olvidar a concepção propugnada por Kai Ambos (conforme preconizado

acima) o qual preleciona, adotando a teoria objetivo-subjetiva, que somente o que faz parte da

mais alta cúpula da estrutura do poder poderia abarcar uma responsabilização como autor

mediato do crime por ele orquestrado e os indivíduos delimitados no escalão mediano

deveriam ser taxados como coautores, de acordo com a Teoria do Domínio Funcional do fato

conforme e, outrossim, àJoint Criminal Enterprise, ou mesmo, como legítimos partícipes,

caso o auxílio fosse caracterizado como acessório.

Internacionalmente, não subsiste uma unanimidade de entendimento no tocante à

questão jurisprudencial no sentido de qual seja a melhor edificação dogmática para definir a

responsabilização penal dos indivíduos que estão no ápice da organização e são superiores

hierarquicamente que definem e direcionam o cometimento de crimes através da estrutura

organizada de poder que exercem a gestão e comando.

Como vislumbrado anteriormente, prevalece nos tribunais internacionais já

mencionados a implementação da doutrina daJoint Criminal Enterprise, em especial, no

International Criminal Tribunal for theformerYugoslavia(ICTY), mas, há pouco tempo, o

International Criminal Court (ICC), ou, simplesmente, Tribunal Penal Internacional, tem

aceito e corroborado a teoria do Domínio da Organização, onde há a definição e construção da

autoria mediata em virtude do aparato organizado de poder, deixando de aplicar a doutrina da

Empresa Criminal Conjunta.

Com efeito, há uma divergência doutrinária no âmbito internacional quanto à forma e

à técnica de alcance penal do dirigente da estrutura da organização criminosa. Entrementes, há

momentos em que se utiliza a doutrina da Empresa Criminal Conjunta e há momentos

distintos em que a Teoria do Domínio da Organização é a preferida.

Após o diagnóstico sucinto sobre a Doutrina da Joint Criminal Enterprise, suas

modalidades e alguns julgamentos, tentar-se-á alcançar a possibilidade de aplicação da Teoria

do Domínio da Organização na esfera da Administração Pública. Sabe-se que, segundo o

raciocínio de Roxin, os aparatos organizados de poder não podem ser utilizados no interior de

106

um arcabouço legal, no campo de uma legalidade, mas, sim, diametralmente fora dessa esfera

jurídica e governamental.

Nesta máxima, buscar-se-ãopontosque tentem demonstrar a possibilidade de aplicação

da Teoria do Domínio da Organização junto à Administração Pública através de

apontamentos doutrinários, investigações específicas e pela própria jurisprudência dos

Tribunais superiores.

Por derradeiro, insta salientar a importância de se albergar novas sendas de pesquisa

com o escopo de tornar o Direito mais aplicado e dinâmico à sociedade objetivando a

flexibilização de determinadas teorias, tendo em vista o bem comum.

4 A TEORIA DO DOMÍNIO DA ORGANIZAÇÃO E A CRIMINALIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: UMA DISCUSSÃO SOBRE A REALIDADE BRASILEIRA E A POSSIBILIDADE OU NÃO DE APLICAÇÃO DOS APARATOS ORGANIZADOS DE PODER

Após um diagnóstico sobre o cenário brasileiro, o avanço das teorias a respeito da

cooperação criminosa entre pessoas e o detalhamento concernente à Teoria do Domínio da

Organização - sendo uma das vertentes da Teoria do Domínio do Fato – faz-se necessário se

há, de fato, a possibilidade de aplicação dos aparatos organizados de poder junto à

Administração Pública brasileira ou não.

Com efeito, tem-se por interessante uma análise breve e sucinta a respeito de alguns

crimescontra a administração pública; de como os tribunais superiores têm decidido e pensado

a Teoria do Domínio da Organização; se já a utilizam ou não e em quais circunstâncias e

acontecimentos; se há ou não uma coerência com os ditames prescritos por Roxin.

Será, brevemente, elucidado a ação penal 470, vulgarmente denominada de

“mensalão” onde fora constatado um grande esquema de corrupção envolvendo a compra de

votos de parlamentares e, outrossim, o afamado caso da “operação lava jato” abarcando um

grandioso esquema de corrupção reverberando nos mais altos escalões da administração

pública.

Assim, neste último capítulo da investigação, tratar-se-ão de assuntos que façam

refletir sobre o atual estado da criminalidade junto à administração pública brasileira e, até

107

que ponto de alcance e efetividade, há um real aparato organizado de poder e se, realmente, há

este tipo de estrutura voltada para crimes.

Como bem demonstrado anteriormente, a Teoria do Domínio da Organização é bem

justificada nos escritos que retratam o Direito Penal Econômico, não obstante Roxin a

fundamentar fora de uma estrutura de Direito, fora de uma criminalidade de empresa.

O que se tentará, especificamente, demonstrar é a possibilidade de utilização da Teoria

do Domínio da Organização dentro de uma estrutura jurídica reconhecida e, ademais, no

interior da administração pública, o que, veementemente, é um arcabouço legalmente

reconhecido e desejado num Estado Constitucional de Direito52.

4.1 BREVE ANÁLISE SOBRE OS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Para um alcance mais completo e inteligível acerca da aplicação da Teoria do Domínio

da Organização neste campo de aplicação, faz-se necessário uma análise sucinta no tocante a

alguns crimes contra a administração pública, observando aqueles que têm uma congruência

com os aparatos organizados de poder e que tenham um viés direto com este ponto de estudo.

A parte que versa acerca dos crimes contra a administração pública abarca os crimes

praticados por funcionário público contra a administração em geral; os crimes praticados por

particular contra a administração em geral; os crimes praticados por particular contra a

administração pública estrangeira; crimes contra a administração da justiça; crimes contra as

finanças públicas.

O peculato53 inicia a parte dos crimes praticados por funcionário público e pode ser

definido como a apropriação, desvio ou subtração de coisa móvel pública ou particular,

realizado pelo funcionário público, em virtude do seu cargo ou, até mesmo, valendo-se dessa

peculiaridade (NORONHA, 1981).

52ExpressãomuitoutilizadaporZaffaroni no livro “Direito Penal Brasileiro” livro I, onderetrata a verdadeiraessência do Direito Penal Brasileiro. 53Art. 312 - Apropriar-se o funcionáriopúblico de dinheiro, valor ouqualquer outro bemmóvel, públicoou particular, de que tem a posse emrazão do cargo, oudesviá-lo, emproveitoprópriooualheio.

108

Somente com o Direito Romano (peculatus) que se obteve a atual denominação,

quando se definia pela subtração das coisas. A partir da fomentação do crime de prevaricação,

surgiram os crimes peculatos e crimenconcussionis(PRADO, 2014).

O artigo 312, parágrafo primeiro54 evoca a figura do peculato-furto, o qual ocorre

quando o funcionário público, inobstante não dispondo da posse do dinheiro, valor ou

qualquer bem móvel pertencente à administração pública ou a particular, o subtrai, ou

concorre para que outrem realize a subtração, tendo por objetivo o proveito próprio ou alheio,

e valendo-se, para tanto, da facilidade propiciada pela condição de funcionário (PRADO,

2014).

Ao romper com o modelo legislativo preferido que é o Código Penal Italiano (1930), a

lei brasileira adotou a figura do peculato culposo consubstanciado no artigo 312, parágrafo

segundo55 do código penal, recebendo inegável influência do Direito espanhol anterior às

últimas reformas penais. Conceitua-se como a conduta do funcionário público que, faltando

com o dever de cuidado a que estava determinado pelas circunstâncias, dá causa ao peculato

definido no caput ou no próprio parágrafo primeiro, ou mesmo, `a subtração realizada por um

terceiro, agindo, desta forma, com imprudência, imperícia ou negligência (PRADO, 2014).

No artigo 31356 do código penal vislumbra-se o peculato mediante erro de outrem. O

delito em exame é conhecido pela doutrina como peculato impróprio ou peculato-estelionato57

e pode ser conceituado como a conduta do funcionário público que, aproveitando-se do erro

alheio, apropria-se do dinheiro ou de qualquer outra utilidade que fora recebida de forma

inadequada por força do cargo, colimando lograr proveito econômico para si ou para outrem

(Prado, 2014, p. 84). Diferencia-se do peculato próprio posto que no peculato mediante erro

de outrem não se encontra na prévia posse da coisa, como está configurado naquela figura.

O artigo 313-A58 fora inserido pela lei 9.983, de 14 de julho de 2000 e aduz a ideia do

peculato eletrônico. Ela visa normatizar a conduta do funcionário público consistente na

54§ 1º - Aplica-se a mesmapena, se o funcionáriopúblico, emboranãotendo a posse do dinheiro, valor oubem, o subtrai, ouconcorrepara que sejasubtraído, emproveitoprópriooualheio, valendo-se de facilidade que lheproporciona a qualidade de funcionário.55§ 2º - Se o funcionárioconcorreculposamentepara o crime de outrem:56Art. 313 - Apropriar-se de dinheiroouqualquerutilidade que, no exercício do cargo, recebeuporerro de outrem:57Estadenominaçãoencontrasuaessêncianamanutençãoouutilização do erro de outrapessoa. Entrementes, essaconduta tem umaaproximaçãomuitomaiorcom o delito de apropriaçãoindébita, previsto no artigo 169 do código penal. 58Art. 313-A. Inseriroufacilitar, o funcionárioautorizado, a inserção de dados falsos, alterarouexcluirindevidamente dados corretosnossistemasinformatizadosoubancos de dados da AdministraçãoPública com o fim de obtervantagemindevidaparasiouparaoutremouparacausardano

109

inserção de dados falsos, alteração ou exclusão indevida de dados corretos nos sistemas

informatizados ou bancos de dados da administração pública, com o escopo de obter

vantagem para si ou para outrem ou para causar dano.

No artigo 313-B59, também introduzido pela lei 9.983, de 14 de julho de

2000,encontra-se o delito de modificação ou alteração não autorizada de sistema de

informações. Com a evolução tecnológica, o computador passou a ser utilizado pela ampla

maioria do setor privado e, igualmente, pelos entes estatais, com o escopo de se alcançar a

eficiência, o que faz necessário a incorporação do referido tipo penal.

O artigo 31460 do código penal aduz o delito de extravio, sonegação ou inutilização de

livro ou documento. O legislador de 1940 obteve sua inspiração no artigo 200 do código penal

holandês (PRADO, 2014).

O artigo 31561 do código penal traz o delito de emprego irregular de verbas ou rendas

públicas. Não há nesta infração dano patrimonial ao ente estatal, visto que as verbas ou rendas

são aplicadas tendo por escopo o interesse da administração pública, mas em

desconformidade com a lei orçamentária ou lei especial.

O artigo 31662 do código penal evoca o delito de concussão que teve sua origem no

Direito Romano, posto que, segundo o costume desse povo, não se concebia que altos

funcionários do Estado recebessem alguma recompensa por adimplirem seus deveres de

cidadão (MONMSEN, 1991).Assim, o funcionário público não pode exigir para si, vantagem

indevida dentro dos moldes suscitados pelo tipo legal.

No artigo 316, parágrafo primeiro63, observa-se o crime de excesso de exação, o qual

constitui um tipo especial de concussão e cuja atual redação fora determinada pelo artigo 20

da lei número 8.137, de 27 de dezembro de 1990.

Exação representa a ideia de arrecadação ou mesmo cobrança rigorosa e drástica de

tributo ou dívida, de tal magnitude que o tipo de injusto penal alberga na referida norma a

59Art. 313-B. Modificaroualterar, o funcionário, sistema de informaçõesouprograma de informáticasemautorizaçãoousolicitação de autoridadecompetente60Art. 314 – Extraviarlivrooficialouqualquerdocumento, de que tem a guardaemrazão do cargo; sonegá-lo ouinutilizá-lo, total ouparcialmente61Art. 315 - Dar àsverbasourendaspúblicasaplicaçãodiversa da estabelecidaem lei62Art. 316 - Exigir, parasiouparaoutrem, diretaouindiretamente, ainda que fora da funçãoou antes de assumi-la, mas emrazãodela, vantagemindevida63§ 1º - Se o funcionárioexigetributooucontribuição social que sabeoudeveria saber indevido, ou, quandodevido, empreganacobrançameiovexatórioougravoso, que a lei nãoautoriza

110

conduta do funcionário que comete excesso no exercício da específica função, sem que, a

priori, almeje lograr, para si ou para outrem, qualquer vantagem.

A segunda modalidade refere-se à exação fiscal vexatória, em que o exator emprega

meios vexatórios não franqueados em lei, ou seja, não permitidos por lei. A questão precípua

não seria o excesso da exigência, mas a maneira coativa empregada pelo agente. Meio

vexatório é aquele inserido no meio tributário no rol das sanções políticas, não autorizadas por

lei, com o intuito de obrigar o contribuinte, indiretamente, ao pagamento do tributo,

humilhando-o, expondo-o à vergonha, como a cobrança que o submete ao escárnio, a

interdição ilegal de estabelecimento comercial e etc. (PRADO, 2014).

A figura delitiva tipificada no artigo 316, parágrafo segundo64 seria uma forma

qualificada do excesso de exação, na qual o agente devia, em proveito próprio ou de terceiro,

o que logrou de maneira indevida.

Este tipo objetivo reveste-se de uma particularidade em que o agente, depois de

praticar a conduta prevista no artigo 316, parágrafo primeiro, desvia em proveito próprio ou

de terceira pessoa o que recebera ilicitamente, deixando, por consequência, de recolhê-lo aos

cofres públicos. Percebe-se que a ação típica se desdobra em dois momentos

consubstanciados no recebimento indevido do tributo ou da contribuição social e no posterior

desvio da res.

O artigo 31765 do código penal traz o delito de corrupção passiva. A origem do

vocábulo ‘corrupção” está vinculada à ideia de degradação, deterioração, seja natural, seja

valorativo. Trata-se de um fenômeno de inúmeras facetas e múltiplas formas de apreensão.

Na corrupção pública, questão aqui investigada, há relação quase sempre com a ideia

de uso indevido da condição que ostenta o agente público, ou seja,com desvio de finalidade a

que está vinculado, de acordo com os princípios constitucionais da legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (MENDES; BRANCO, 2014), com o

escopo de obter vantagem indevida de cunho particular.

No artigo 31866 do código penal encontra-se o crime de facilitação de contrabando ou

descaminho. A motivação deste delito não está somente sedimentada no grave ato de 64§ 2º - Se o funcionáriodesvia, emproveitopróprioou de outrem, o que recebeuindevidamentepararecolheraoscofrespúblicos65Art. 317 – Solicitaroureceber, parasiouparaoutrem, diretaouindiretamente, ainda que fora da funçãoou antes de assumi-la, mas emrazãodela, vantagemindevida, ouaceitarpromessa de talvantagem66Art. 318 - Facilitar, com infração de deverfuncional, a prática de contrabandooudescaminho (art. 334)

111

improbidade administrativa como, outrossim, nos efeitos destrutivos que essa ação acarreta,

tanto no âmbito da arrecadação tributária quanto na estabilização financeira e econômica do

país e, igualmente, na área de segurança e saúde públicas, por exemplo, no caso de

contrabando de armas ou produtos nocivos à saúde.

No artigo 31967 do código penal, observa-se o delito de prevaricação. Prevaricação

provém da palavra latina praevaricatio, que trabalha com a ideia do indivíduo que possui as

pernas tortas ou cambaias, eclodindo, a partir disso, a expressão praevaricator, que dá o

sentido de quem caminha de forma oblíqua ou não está caminhando no caminho correto

(HUNGRIA, 1958).

O artigo 319-A68 aduz o delito de prevaricação de agente penitenciário, onde o agente

deixa de cumprir alguns deveres referentes a questões internas da penitenciária. A aplicação e

a execução da pena constituem funções de absoluta e exclusiva competência do Estado. Na

execução da pena intervêm o órgão judiciário, o Parquet, e o órgão administrativo. Assim, na

execução da pena há um legítimo processo de interação, onde os vários órgãos estatais estão

articulados no intuito de adimplir todos os objetivos constitucionais e infraconstitucionais

relativos a ela (PRADO, 2014).

No artigo 32069 encontra-se o delito de condescendência criminosa o qual constitui

uma modalidade de prevaricação que foi enfocada separadamente por compreender o

legislador que a extensão do injusto, no caso, não é tão expressiva como nos casos previstos

no artigo 319. O tratamentomais brando é compreensivo em função de que é um dever não

agradável o de trazer uma responsabilização a alguém pelas faltas cometidas, e esse dever é

tanto mais penoso se a pessoa responsável é um colega, embora de categoria hierarquicamente

inferior (TEIXEIRA, 1951).

Pode-se entender a condescendência criminosa como a omissão praticada pelo

funcionário público que, envolvido pelo sentimento de clemência e tolerância, deixa de

responsabilizar inferior hierárquico que cometeu infração administrativa ou criminal no

exercício do cargo ou não efetua a devida comunicação à autoridade competente para puni-lo.

67Art. 319 – Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal68Art. 319-A.  Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo69Art. 320 - Deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente

112

Ao seu turno, o artigo 32170 do código penal traz o delito denominado de advocacia

administrativa que pode ser conceituado como a conduta do funcionário público que,

aproveitando-se dessa qualidade, patrocina interesse privado perante o ente público ou

paraestatal.

Por sua vez, a lei número 8.137, de 27 de dezembro de 1990 que define os crimes

contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, aduziu uma

modalidade peculiar e específica de advocacia administrativa no seu artigo terceiro71, inciso

III, onde o agente patrocina interesse privado perante a administração fazendária em matéria

fazendária.

A lei número 8.666, de 21 de junho de 1993, a qual dispõe sobre licitações e contratos

administrativos, introduziu uma figura especial de advocacia no artigo 9172, objetivando

reprimir penalmente o patrocínio privado perante a Administração com o escopo de

desencadear a licitação ou celebração do contrato, instituindo como condição objetiva de

punibilidade, a invalidação do ato pelo juiz (PRADO, 2014).

Saltando para o artigo 32473 do código penal, tem-se o delito de exercício funcional

ilegalmente antecipado ou prolongado, quando o indivíduo entra no exercício da função

pública sem ter agido de maneira satisfatória as exigências consubstanciadas em lei, ou, até

mesmo, se continuar a exercer a específica função, sem autorização, após ter a ciência oficial

que foi exonerado, removido ou suspenso da função correspondente.

No artigo 32574 do código penal, tem-se o crime de violação de sigilo funcional. A

proteção penal do segredo profissional é relativamente recente. Entrementes, nas leis mais

antigas encontram-se dispositivos que trazem uma punição à violação do dever de manter os

segredos conhecidos no exercício funcional (PRADO, 2014). Logo, revelar segredo que tenha

ciência, configura crime nos moldes do artigo 325, conforme aduzido acima.

70Art. 321 - Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário71III - patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração fazendária, valendo-se da qualidade de funcionário público72Art. 91.  Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a Administração, dando causa à instauração de licitação ou à celebração de contrato, cuja invalidação vier a ser decretada pelo Poder Judiciário73Art. 324 - Entrar no exercício de função pública antes de satisfeitas as exigências legais, ou continuar a exercê-la, sem autorização, depois de saber oficialmente que foi exonerado, removido, substituído ou suspenso74Art. 325 – Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação

113

O artigo 32675 do código penal evoca o delito de violação do sigilo de proposta de

concorrência. A lei número 8.666, de 21 de junho de 1993, no artigo 9476aduz o delito de

devassar sigilo de proposta quando demonstrada em procedimento de licitação, ou fazer com

que uma terceira pessoa possa fazê-lo.

Mostra-se inegável que o legislador especial tratou toda a matéria penal contida no

artigo 326 do código penal, concedendo, somente, ao novo dispositivo legal maior alcance,

vez que a licitação é gênero, do qual a concorrência é espécie. A partir daí, chega-se `a

conclusão que o artigo 326 fora inteiramente revogado (tacitamente) pelo artigo 94 da lei de

licitações e contratos, posto que a lei posterior revoga a lei anterior quando de forma expressa

declarar, quando for incompatível ou quando venha regular na sua inteireza matéria que a lei

anterior já tratava (PRADO, 2014).

Caminhando, agora, para o artigo 33277 do código penal, vislumbra-se o delito de

tráfico de influência inspirado no código penal italiano (1930), paradigma do legislador de

1940, sendo oportuno proferir, que a legislação brasileira anterior desconhecia o referido

delito (PRADO, 2014).

Os glosadores e os práticos, no âmago de suas perspectivas e investigações, foram os

primeiros a definir doutrinariamente esse crime, que no Direito intermédio cingia-se aos

interesses do poder judiciário, sendo classificado entre os crimes de injúria e corrupção

(PRADO, 2014).

A salvaguarda penal tem por objetivo garantir o correto e normal funcionamento da

Administração Pública, obstando, desta feita, que seja motivado pela corrupção ou facilmente

influenciável por ingerências ilícitas em relação às suas decisões.

O crime em exame é um dos mais vis e odiosos, não somente pelo fato de promover o

descrédito dos órgãos públicos em geral, como também ofende insidiosamente a honra dos

homens probos e idôneos, que permanecem alheios da torpe especulação que o velhaco fez,

valendo-se do seu tão precioso nome (MANZINI,1961). Com efeito, como o próprio tipo

penal explicita, dirige-se, mormente, à tutela da imparcialidade e da objetividade no trato da

atividade pública (PRADO, 2014).75Art. 326 - Devassar o sigilo de proposta de concorrênciapública, ouproporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo76Art. 94.  Devassar o sigilo de propostaapresentadaemprocedimentolicitatório, ouproporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo77Art. 332 - Solicitar, exigir, cobrarouobter, parasi ou para outrem, vantagemoupromessa de vantagem, a pretexto de influirematopraticadoporfuncionáriopúblico no exercício da função

114

No artigo 33378 do código penal, tem-se o delito de corrupção ativa, quando um

determinado indivíduo oferece uma vantagem de cunho indevido a funcionário público para a

propositura de determinado atos que prejudiquem a administração pública.

Recai sobre o interesse de se preservar o normal e correto funcionamento da

administração pública, com o objetivo de assegurar o primado dos interesses gerais na

atividade pública, conforme os princípios da administração pública, conforme já preconizado

na análise sucinta do delito do artigo 317 do código penal, qual seja, corrupção passiva.

No artigo 33479 do código penal, observa-se o crime de contrabando ou descaminho e,

neste, verifica-se que o bem tutelado, além do correto e regular exercício da atividade pública,

abarca-se, também, o interesse econômico-estatal. Repare-se que neste delito o interesse

econômico-estatal é diametralmente afetado.

O artigo 334-A80 do código penal aduz como delito a conduta de exportar ou importar

mercadoria proibida. Este artigo fora incluído pela lei número 13.008, de 26 de junho de 2014

e, além de ter introduzido o já citado artigo 344-A, deu nova redação ao artigo 344 do código

Penal.

O artigo 33581 do código penal evoca o delito de impedimento, perturbação ou fraude

de concorrência. Com o surgimento da lei número 8.666, de 21 de junho de 1993, foram

inseridos tipos penais na aludida lei, referentes a atentados ao bem jurídico por ela tutelado.

Pode ser verificado pelos artigos8290, 93, 95, 96 e 98 da lei supracitada, que o tipo de

injusto penal suscitado no artigo 335 do código penal encontra-se inteiramente previsto

78Art. 333 – Oferecerouprometervantagemindevida a funcionáriopúblico, paradeterminá-lo a praticar, omitirouretardarato de ofício79Art. 334.  Iludir, no todoouem parte, o pagamento de direito ou impostodevidopelaentrada, pelasaídaoupeloconsumo de mercadoria80Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida81Art. 335 - Impedir, perturbar ou fraudar concorrência pública ou venda em hasta pública, promovida pela administração federal, estadual ou municipal, ou por entidade paraestatal; afastar ou procurar afastar concorrente ou licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem82Art. 90.  Frustraroufraudar, medianteajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o carátercompetitivo do procedimentolicitatório, com o intuito de obter, para si ouparaoutrem, vantagemdecorrente da adjudicação do objeto da licitação; Art. 93.  Impedir, perturbaroufraudar a realização de qualquerato de procedimentolicitatório; Art. 95.  Afastarouprocurarafastarlicitante, pormeio de violência, grave ameaça, fraudeouoferecimento de vantagem de qualquertipo; Art. 96.  Fraudar, emprejuízo da FazendaPública,licitaçãoinstauradaparaaquisiçãoouvenda de bens oumercadorias, oucontratodeladecorrente:I – elevandoarbitrariamente os preços; II - vendendo, comoverdadeiraouperfeita, mercadoriafalsificadaoudeteriorada;III – entregandoumamercadoriaporoutra;IV – alterandosubstância, qualidadeouquantidade da mercadoriafornecida; V - tornando, porqualquermodo, injustamente, maisonerosa a propostaou a execução do contrato; Art. 98.  Obstar, impediroudificultar, injustamente, a inscrição de qualquerinteressadonosregistroscadastraisoupromoverindevidamente a alteração, suspensãooucancelamento de registro do inscrito

115

naqueles dispositivos legais.Com efeito, resta versar que o artigo 335 fora inteiramente

revogado tacitamente pelos artigos previstos na lei número 8.666, de 21 de junho de 1993.

O artigo 33683 do código Penal traz o crime de inutilização de Edital ou de Sinal. O

bem jurídico tuteladoem ambas as modalidades é o normal funcionamento da Administração

Pública que não pode ser turbado, quer com a inutilização de edital, quer com a inutilização

de selo ou sinal.

Saltando, caminha-se para o artigo 337-A84, incluído pela lei número 9.983, de 14 de

julho de 2000, de tal forma, que os tipos penais nele inseridos representam a evolução de

outros já tratados em leis anteriores.

Primeiro convém trazer à baila que a lei número 3.807, de 26 de agosto de 1960, com

a redação dada pelo decreto-lei 66, de 21 de novembro de 1966, dispõe sobre a lei orgânica da

Previdência Social. A lei número 8.137, de 27 de dezembro de 1997 também tratou de crimes

previdenciários em seu capítulo primeiro85. Com o surgimento da lei número 8.212, de 24 de

83Art. 336 – Rasgarou, de qualquer forma, inutilizarou conspurcareditalafixadoporordem de funcionáriopúblico; violarouinutilizarseloousinalempregado, pordeterminação legal ouporordem de funcionáriopúblico, paraidentificaroucerrarqualquerobjeto:84Art. 337-A. Suprimiroureduzircontribuição social previdenciária e qualquer acessório, mediante as seguintescondutas: I – omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informaçõesprevistopelalegislaçãoprevidenciáriaseguradosempregado, empresário, trabalhadoravulsooutrabalhadorautônomoou a esteequiparado que lheprestemserviços; II – deixar de lançarmensalmentenostítulospróprios da contabilidade da empresa as quantiasdescontadas dos seguradosou as devidaspeloempregadoroupelotomador de serviços; III – omitir, total ouparcialmente, receitasoulucrosauferidos, remuneraçõespagasoucreditadas e demaisfatosgeradores de contribuiçõessociaisprevidenciárias85Art. 1° Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação..Art. 2° Constitui crime da mesmanatureza: I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo; II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal; IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento; V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública..Art. 3° Constitui crime funcional contra a ordemtributária, além dos previstosnoDecreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal (Título XI, Capítulo I): I - extraviar livro oficial, processo fiscal ou qualquer documento, de que tenha a guarda em razão da função; sonegá-lo, ou inutilizá-lo, total ou parcialmente, acarretando pagamento indevido ou inexato de tributo ou contribuição social; II - exigir, solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de iniciar seu exercício, mas em razão dela, vantagem indevida; ou aceitar promessa de tal vantagem, para deixar de lançar ou cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente. Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa. III - patrocinar, direta ou indiretamente,

116

julho de 1991, a qual instituiu a lei orgânica da seguridade social, foram inseridas no artigo 95

tipos penais concernentes a condutas atentatórias aos interesses da previdência social. A lei

número 9.983, de 14 de julho de 2000 que derrogou expressamente o artigo 95 da lei número

8.212.

Atesta-se, que com o advento do artigo 337-A, não há mais dúvida quanto à

derrogação do artigo primeiro, inciso I da lei 8.137, de 27 de dezembro de 1997. Além da

tutela de bens jurídicos tradicionais, o Direito Penal contemporâneo passou a tutelar, também,

bens jurídicos transindividuais, por exemplo, saúde, meio ambiente, a ordem econômica e etc.

Poder-se-ia detidamente visualizar todos os delitos que envolvam a Administração

Púbica, mas este não é o intento. Poder-se-ia, igualmente, detalhar algumas leis, como, por

exemplo: lei de licitações e contratos86, a lei definidora dos crimes contra a ordem tributária,

econômica e contra as relações de consumo87, a lei que determina os crimes contra o sistema

financeiro nacional88, a lei definidora do mercado de valores mobiliários, pois o bem tutelado

não seria, tão somente, o público em geral, pois o mercado de títulos representa o setor

delicado do sistema econômico nacional (Bitencourt; Breda, 2014, p. 356), mas o escopo é

trazer a reflexão da Teoria do Domínio da Organização para o interior da Administração

Pública, nada melhor, que citar o código penal na parte que pertine aos crimes contra a

Administração Pública, como fora feito anteriormente.

Com efeito, dentro deste panorama jurídico, observa-se que a estrutura criminosa

organizada pode ser bem definida e delimitada dentro da Administração Pública, exatamente

nos moldes da Teoria dos aparatos organizados de poder, conforme prescrito por Roxin,

salvo, obviamente, quando versa que a Teoria do Domínio da Organização não poderia estar

adstrita a uma estrutura legal e juridicamente reconhecida.

Percebe-se que, perfeitamente, pode-se vislumbrar a construção de verdadeiros

aparatos organizados de poder dentro da Administração Pública brasileira e que, através da

prática de alguns crimes já delimitados acima, essas estruturas criminosas podem ser bem

fomentadas.

interesse privado perante a administração fazendária, valendo-se da qualidade de funcionário público. Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.868.666, de 21 de junho de 1993878.137, de 27 de dezembro de 199088Lei 7.492, de 16 de junho de 1986

117

Assim, demonstrar-se-á, posteriormente, que os tribunais brasileiros já têm utilizado

de maneira sólida a Teoria do domínio do fato, tanto na vertente do domínio funcional do fato

quanto na vertente do domínio da organização que é o ponto central desta investigação.

Por derradeiro, passar-se-á as análises e diagnósticos a partir das jurisprudências dos

Tribunais Regionais Federais como ponto de apoio para a possibilidade de aplicação da

Teoria do Domínio da Organização de forma mais pontual e sólida, contrariando, data vênia,

o posicionamento de Roxin quanto à questão da referida Teoria ser aplicada a estruturas fora

de um padrão legal reconhecido.

4.2 O QUE OS TRIBUNAIS BRASILEIROS PENSAM ACERCA DO DESENVOLVIMENTO DAS ESTRUTURAS CRIMINOSAS? A JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS QUANTO À APLICAÇÃO DA TEORIA DO DOMÍNIO DA ORGANIZAÇÃO

A despeito de Roxin não corroborar com a aplicação da Teoria do Domínio da

Organização para os delitos praticados por uma organização criminosa dentro de uma

estrutura reconhecidamente legal e jurídica, vislumbra-se que a jurisprudência de alguns

tribunais brasileiros tem caminhado para o reconhecimento da Teoria do Domínio do Fato nas

suas duas vertentes, quais sejam: o Domínio Funcional (conforme explorado em momento

anterior) e o Domínio da Organização (ponto nevrálgico da pesquisa).

Nesse sentido, percebe-se que os Tribunais brasileiros têm se inclinado para o

desenvolvimento mais apurado e dinâmico da Teoria do Domínio do Fato, especificamente no

que tange aos ditames dos aparatos organizados de poder. Demonstra-se, destarte, que a busca

por conceitos mais precisos e atinentes a questões criminais, torna-se cada vez mais clara e

precisa.

Na investigação sobre a jurisprudência dos tribunais, constatou-se que na esfera dos

Tribunais Regionais Federais a Teoria do Domínio do Fato, em ambas as vertentes já

suscitadas anteriormente, tem sido propagada, especialmente no que se refere à

responsabilização dos mentores ou dirigentes intelectuais de grandes grupos empresariais e,

também, de grandes instituições financeiras. Ademais, observa-se que, dentro das estruturas,

mais especificamente nos patamares inferiores e intermediários, aqueles que fazem parte da

respectiva estrutura são responsabilizados e taxados como autores imediatos. Aqueles que se

118

encontram na liderança, no mais alto escalão da pirâmide estrutural organizacional, são

responsabilizados como coautores ou, até mesmo, como autores mediatos.

Após investigação acerca do tema, a oitava turma do Tribunal Regional Federal da

quarta região pode ser apontada como pioneira na utilização técnica da Teoria do Domínio do

Fato e suas respectivas vertentes. Segundo a oitava turma deste Tribunal, a criminalidade

atual, principalmente no que diz respeito aos crimes empresariais, é sedimentada e envolvida

por um sistema de divisão de tarefas delituosas entre os indivíduos que fomentam os delitos

com o desiderato de alcançar o fim almejado; as figuras de coautor e partícipe já não se

externam como categorias que alcancem o avanço estrutural das organizações criminosas

dentro da modernidade e não são diametralmente eficientes para a demonstração da

responsabilidade individual. A oitava turma ainda continua expendendo que a teorização

desenvolvida por Roxin por intermédio da monografia TäterschaftundTatherrschaft – autoria

e domínio do fato –aduziu o sentido de responsabilizaçãoque partiu dos crimes realizados pelo

Estado nacional-socialista alemão, daqueles que atuam na cúpula da associação criminosa

como autores mediatos, ou seja, determina ou dirige a intenção do indivíduo responsável pela

prática direta do delito89.

A quarta seção do Tribunal Regional Federal da quarta região, de maneira expressa e

literal, certificou a utilização da Teoria dos Aparatos Organizados de Poder na criminalidade

financeira, em Embargos Infringentes, demonstrando que a responsabilidade do embargante

como incurso nas sanções consubstanciadas do artigo 19, parágrafo único, da lei de delitos

contra o Sistema Financeiro, em virtude da atuação com dolo eventual, visto que ocorrera a

permissão no envio de certidão negativa de débito falsificada por fax ao agente financeiro,

propiciando, desta maneira, a equivocada liberação do financiamento junto ao Banco

Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, caracterizando a autoria

mediata, ou seja, abarcando como se fosse o agente que não possui, de maneira própria, o

domínio do fato, mas, sim, o domínio da organização, o domínio da estrutura organizacional90.

O Tribunal Regional Federal da terceira região, na quinta turma, cujo relator foi o

Ministro André Nekatschalow, diagnosticou um caso em que a acusação de coautoria

direcionada à esposa do corréu que havia falecido, a qual não lograva um controle dos atos

ilícitos perpetrados pela empresa comercial. A quinta turma demonstra que, em que pese ter

89BRASIL. Tribunal Regional Federal (4. Região) Apelação Criminal no. 003514690BRASIL. Tribunal Regional Federal (4. Região) Apelação Criminal no. 2001.70.09.001504-1. Relator: Tadaaqui Hirose, DJ 23.07.2007

119

havido a participação do agente no delito e sido provada, não resultou comprovado que a

esposa (do corréu) tivesse domínio da organização criminosa pelo fato do registro de quatro

ocorrências policiais91.

Há de se observar que a quinta turma do Tribunal Regional Federal da terceira região

trabalha, peremptoriamente, a essência da Teoria do Domínio da Organização, estabelecendo

os pontos alinhavados por Roxin, mas aduzindo a teorização para a realidade brasileira, isto é,

compartilhando uma Teoria alemã junto à cultura de corrupção brasileira.

Em dois casos, um deles bem emblemático, o Tribunal Regional Federal da segunda

região trouxe à baila a aplicação dos Aparatos Organizados de Poder. Num deles, por

exemplo, pode se observar o delito de sonegação fiscal, onde dois sócios, os quais detinham o

poder de mando, o poder de cisão na respectiva sociedade, franquearam seus subordinados

hierarquicamente a utilizarem notas fiscais falsas com o desiderato de reduzir o pagamento de

tributos. Na Apelação Criminal 1996.50.01.002232-8, de relatoria do juiz Aluisio Gonçalves

de Castro Mendes, o Tribunal Regional Federal da segunda região entendeu que os acusados

não falsificaram diretamente as notas equivocadamente contabilizadas, mas franquearam o

uso para o intuito de supressão ou redução dos tributos devidos pela empresa, ressaltando,

destarte, a aferição de uma autoria do delito com fulcro no domínio do fato, verificando entre

os sócios e administradores quem, deveras, possuía o poder de mando e decisão para os rumos

da empresa92.

No caso mais emblemático conhecido como “escândalo do Papa-tudo”, o Tribunal

Regional Federal da segunda região atestou a presença de um Aparato Organizado de Poder.

Nesta estrutura organizada, o Tribunal diagnosticou divisão de funções e tarefas entre os

dirigentes, de tal magnitude, que alguns possuíam um poder de mando sobre os demais,

enquanto que outros não, mas todos os indivíduos como coautores dos crimes de gestão

fraudulenta e emissão e negociação de títulos de capitalização sem lastro. O Tribunal

constatou uma situação clara de perigo, registros contábeis deficientes e não comprovados que

não foram capazes de encobrir a insuficiência de ativos e consequente circunstância de

inadequação da instituição. Prosseguindo, condutas diferenciadas que acabaram

comprometendo a saúde da instituição de forma perigosa foram destacadas; na elucidação

perpetrada pelo colendo Tribunal, verificou-se que o indivíduo que agia como uma espécie de 91BRASIL. Tribunal Regional Federal (3. Região) Apelação Criminal no. 2000.03.99.018297-4, 5. T. Relator: André Nekatschalow, DJ 25.11.200392BRASIL. Tribunal Regional Federal (2. Região) Apelação Criminal no.ACR 1996.50.01.002232-8, 1 Turma.Relator: AluisioGonçalves de Castro Mendes, DJ 13.11.2009.

120

planejador do orçamento e encarregado de auditar as questões técnicas para a

operacionalização da entidade exercia parcela funcional para o sucesso do engenho criminoso.

O Tribunal ainda proferia acerca da subordinação de um dos concorrentes ao dono da empresa

que não se confunde com a participação de menor importância, posto que, até mesmo, o

subordinado hierarquicamente pode agir de maneira preponderante nos acontecimentos e fatos

delituosos93.

Desta maneira, com efeito, vislumbra-se que o pensamento dos Tribunais, mormente o

Tribunal Regional Federal, tem se inclinado para as razões norteadoras da Teoria do Domínio

do Fato nas suas duas vertentes, quais sejam: o olhar da divisão de tarefas, isto é, o domínio

funcional do fato; e no que tange à aplicabilidade do Domínio da Organização, no sentido

discernir a construção teórica da estrutura organizada voltada para a prática de delitos, isto é,

as grandes instituições empresárias, até com um grande nome no mercado nacional e

internacional, agindo com a intenção da prática delituosa.

Cada vez mais, os meios tecnológicos têm impulsionado a sociedade. Nesta pesquisa,

refletiu-se, no primeiro capítulo, acerca das diversas sociedades dentro da sociedade mais

ampla e macro. Com efeito, tratou-se das sociedades da informação, complexas e de risco.

Dentro deste panorama, as organizações empresariais evoluem e, concomitante com a

tecnologia, estudam e descobrem meios artificiosos para cometerem delitos. Estruturas

organizadas que se utilizam do elevado prestígio dentro da sociedade para, como uma

metamorfose, movimentar práticas ilícitas.

Observa-se, por intermédio desta investigação, que os Tribunais e seus respectivos

magistrados caminham analisando o andamento social, compreendendo estas práticas ilegais,

e buscando doutrinas que corroborem e atestem estas práticas que, a cada dia, aumentam

demasiadamente.

Em que pese a Teoria do Domínio da Organização exsurgir numa cultura alemã, nada

obsta que se possa perfazer transmudações e específicas adequações no cenário brasileiro,

bem distinto da cultura alemã. Assim, faz-se plausível a linha de pensamento buscada pelos

Tribunais brasileiros, no sentido de cercar todos os meios de praticar o delito, seja na seara do

Direito Penal clássico, na seara do Direito Penal Econômico, seja na seara da Administração

Pública. Esta reflexão se faz atual e importante.

93BRASIL. Tribunal Regional Federal (2. Região) Apelação Criminal no. 1999.51.01.046687-8, 1 Turma.Relator: Abel Gomes, DJ 21.07.2006

121

Nesta senda, após a análise sucinta dos Tribunais realizada acima, faz-se necessário

buscar a compreensão do Supremo Tribunal Federal quanto ao seu entendimento no que diz

respeito à Teoria do Domínio do Fato, nas suas vertentes, conforme já prescrito para os

demais Tribunais.

Com efeito, interessante trazer à baila o célebre caso denominado de “mensalão” na

Ação Penal 470, já que alberga o objeto desta investigação, qual seja, a Administração

Pública. Destarte, na análise que será, a seguir, feita, buscar-se-á a maneira como o Supremo

Tribunal Federal caminhou e direcionou a referida ação penal e se houve a demonstração de

apontamentos doutrinários no tocante à Teoria do Domínio do Fato e suas vertentes,

sobretudo a vertente dos Aparatos organizados de Poder.

Por derradeiro, perceber-se-á que entender se o Supremo Tribunal Federal adota ou

não a Teoria em comento, já será um termômetro para se trabalhar com uma construção

doutrinaria de possibilidade para o envolvimento dos Aparatos Organizados de Poder na

Administração Pública.

4.3 O STF E A TEORIA DO DOMÍNIO DA ORGANIZAÇÃO: BREVE COMENTÁRIO SOBRE A AÇÃO PENAL 470

Conforme expressado ao final do item anterior, a Ação Penal 470 ficou grandemente

conhecida e taxada como o “caso Mensalão”, onde fora constatado um grande esquema, uma

verdadeira organização com o escopo de comprar votos de parlamentares.

Esta Ação teve sua gênese no dia 30 de março de 2007, com denúncia oferecida pelo,

então, Procurador-Geral da República, Antônio Fernando de Souza. Como é de notório

conhecimento, na referida ação, ocorrera a imputação de quarenta pessoas arroladas neste

enorme esquema de compra de votos.

A ação Penal 470 teve seu desenrolar no primeiro mandato do, à época, Presidente da

República Luís Inácio Lula da Silva e os crimes consubstanciados no oferecimento da

denúncia foram formação de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa,

corrupção passiva, gestão fraudulenta e, por derradeiro, evasão de divisas.

122

Conforme demonstrado, à época, por todos os meios de comunicação, e sendo da

ciência de todos, o Supremo Tribunal Federal aceitou o oferecimento da denúncia e no mês de

novembro do ano posterior ao oferecimento do Procurador-Geral da República, instaurou o

processo contra os quarenta indivíduos envolvidos naquele esquema de compra de votos dos

parlamentares.

Diante do pronunciamento do Procurador-Geral da República, naquela ocasião,

Roberto Gurgel, o Supremo Tribunal Federal passa a refletir acerca da Teoria do Domínio do

Fato nos seus dois campos: Domínio Funcional e Domínio da Organização. O Ex-Procurador-

Geral da República fora enfático ao determinar o desenvolvimento da Teoria e delimitar, de

maneira substancial, as matrizes e metodologias da Teoria do Domínio do Fato e suas

vertentes ao caso concreto, qual seja, a compra de votos dos parlamentares.

Roberto Gurgel, quase que de maneira cirúrgica, expendeu os conceitos, motivos e

possibilidades para o enquadramento da Teoria em comento ao caso concreto. Não restaram

dúvidas para que a maior corte do Estado brasileiro parasse para uma busca profunda acera

dacompreensãopormenorizada da Teoria aqui destacada. O despertamento para a elucidação

da teoria alemã começa a surgir.

Com arrimo na explanação do ex-Procurador-Geral da República, expondo todos os

apontamentos, a maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal se manifestaram

favoráveis à encampação da Teoria do Domínio da Organização juntamente com as suas

vertentes, seja na seara funcional, seja na seara dos Aparatos Organizados de Poder. Desta

forma, este Tribunal reconhece a utilização da Teoria na seara da criminalidade empresarial.

Na denúncia, pôde se perceber que havia uma associação de caráter estável e

completamente organizada e os seus integrantes viabilizavam as ações a partir de uma divisão

de tarefas. Através desta divisão de tarefas foram arquitetados e praticados delitos contra a

Administração Pública, contra o Sistema Financeiro e, outrossim, lavagem de dinheiro;

conforme a denúncia, essa estrutura organizada com uma divisão de tarefas voltadas para o

cometimento de delitos agiu entre o período de, aproximadamente, ao final do ano de 2002 e

início de 2003 até o mês de junho do ano de 2005, quando as autoridades competentes

obtiveram a ciência do desenvolvimento dos ilícitos. Esta estrutura era bem dividida, em

grupos estritos, e os indivíduos pertencentes a estes núcleos específicos compactuavam para o

conjunto do todo criminoso. Na demanda, a acusação denominou estes grupos estritos ou

núcleos de atuação da seguinte maneira: núcleo político, núcleo operacional ou publicitário e

123

núcleo financeiro ou Banco Rural. Essa divisão em núcleos caracteriza, essencialmente, a

divisão de tarefas, ou seja, diversas funções substancialmente divididas e pensadas, com ações

e omissões, objetivando o alcance do sucesso da associação criminosa94.

Na elucidação da Ação Penal 470, o ministro relator, Joaquim Barbosa, trouxe à baila

a crítica acerca das vertentes da Teoria do Domínio do Fato. Em dois momentos, o Ministro

relator asseverou acerca do Domínio Funcional do Fato e do Domínio da Organização. Com

efeito, a partir desta demonstração, o Supremo Tribunal Federal passa a lograr um

discernimento mais apurado no tocante às referidas Teorias, trazendo a importância da

compreensão destes fundamentos. Esta linha de raciocínio acaba se convertendo num marco

referente ao uso das teorias alemãs.

O Ministro relator, ao observar a imputação de gestão fraudulenta aos gestores do

Banco Rural, utilizou a vertente do Domínio Funcional, corroborando a divisão de tarefas.

Neste diapasão, o Ministro relator compreende que os gestores do referido Banco agiram a

partir de uma divisão de tarefas diametralmente típicas de uma verdadeira quadrilha

organizada e bem estruturada, de maneira livre, bem arquitetada e com unidade de desígnios,

agindo na simulação dos empréstimos bancários e também utilizando mecanismos

fraudulentos para camuflar o caráter simulado das operações de crédito95.

Assim como a vertente do Domínio Funcional do Fato, o Ministro relator também

chamou a atenção para os Aparatos Organizados de Poder, desmistificando que havia uma

espécie de controle, uma espécie de gestão no denominado “núcleo político”, onde era

perpetrada esta administração.

Com a peça inicial da Ação Penal, vislumbrou-se que o acusado Roberto Jefferson

detinha um vasto conhecimento e detalhou o esquema de compra de apoio político,

comprovado nos autos. O Procurador-Geral da República enfatizou que o crime era dirigido e

operacionalizado pelo ex-Ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-Tesoureiro do Partido dos

Trabalhadores, Delúbio Soares, e pelo empresário Marcos Valério que possuía a função da

distribuição dos valores. A partir da inicial acusatória, verificou-se pelo Ministro Relator que

para a realização dos crimes de corrupção ativa, estabeleceu-se um grande concurso de

agentes, numa espécie de quadrilha, hierarquicamente dividida. O ex-Ministro Chefe da Casa

94BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Ação Penal 470/MG, Pleno, Relator: Min. Joaquim Barbosa, DJE 22.04.201395BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Ação Penal 470/MG, Pleno, Relator: Min, Joaquim Barbosa, Folha 54185.

124

Civil fora taxado como o mandante e organizador dos crimes de corrupção ativa e os demais,

Marcos Valério e Delúbio Soares, como executores diretos das ordens do ex-Ministro e,

ainda, o acusado José Genuíno, dentro desta cadeia organizacional, era uma espécie de

negociador das quantias; os acusados Cristiano Paz, Ramon Hollerbach e Rogério Tolentino

eram responsável pelo repasse das quantias; a acusada Simone Vasconcelos era uma

executora material da maior parte das quantias; a acusada Geiza Dias era uma espécie de

informante, posto que concedia os nomes dos beneficiários aos funcionários do Banco Rural

com o escopo de viabilizar os pagamentos das quantias em espécie96.

A ação penal 470 foi um grande marco na discussão a respeito da Teoria do Domínio

do Fato e as suas respectivas vertentes: o Domínio Funcional do Fato e o Domínio da

Organização.O Ministro relator, à época, Joaquim Barbosa, transitou intensamente pelos

institutos com o objetivo de configurar a aplicação das respectivas Teorias à problemática da

corrupção orquestrada por uma, bem estruturada, quadrilha dentro do próprio arcabouço

legislativo.

Malgrado nem todos os Ministros concordarem com o esboço acerca da Teoria do

Domínio do fato quando da propositura da Ação Penal 470, uma coisa deve ser dita e

reiterada, todos discutiram e pensaram a respeito das possibilidades, desenvolvimentos e

aplicações da tão celebrada Teoria e suas vertentes.

Na ocasião foram levantados e sustentados argumentos contra e a favor da aplicação

da Teoria do Domínio do Fato. Mas a grande questão é que o momento fora ímpar para que se

discutisse acerca da possibilidade ou não das ramificações teóricas do Domínio do Fato. Por

isso, a Ação Penal 470 trouxe um marco de aplicação teórica da referida Teoria e suas

ramificações junto à realidade cultural brasileira através do Supremo Tribunal Federal. Logo,

hoje, pode-se depreender que há um pensamento construído pela mais alta corte deste país

acerca da Teoria do Domínio do Fato e suas vertentes.

Por mais que já se tenha proferido nesta investigação que Roxin não reconhece a

aplicação da Teoria do Domínio da Organização, deve-se analisar que a realidade brasileira é

bem distinta e que algumas práticas criminosas são bem diferentes das práticas perpetradas no

Estado Alemão, o que convém pensar a aplicação da Teoria dos Aparatos Organizados de

Poder de acordo com a realidade brasileira, o que o Supremo Tribunal Federal, deveras, o fez.

96BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Ação Penal 470/MG, Relator: Min, Joaquim Barbosa, Folha, 56264

125

4.4 A TEORIA DO DOMÍNIO DA ORGANIZAÇÃO E A OPERAÇÃO “LAVA JATO”: A SUCINTA DEMONSTRAÇÃO REFERENTE À EFETIVA CONTINUIDADE DA APLICAÇÃO DOS APARATOS ORGANIZADOS DE PODER NA SOCIEDADE JURÍDICA BRASILEIRA

A operação “lava jato” é a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro já

desenvolvida no Estado brasileiro. O Ministério Público Federal estima que a quantidade de

recursos desviados da maior Estatal brasileira, a Petrobras, esteja no patamar de bilhões de

reais97.

Embora a investigação tenha se ramificado para outras estruturas criminosas, a

utilização da expressão “lava jato” eclodiu em virtude da movimentação de recursos ilícitos

por meio de uma rede de postos de combustíveis e lava a jato de automóveis que fora,

originariamente, investigada. Daí a consagração da nomenclatura “lava jato”98.

A investigação se fomentara em várias etapas, sendo que o primeiro momento, com

trabalhos iniciados a partir do mês de março de 2014, junto à justiça federal em Curitiba,

quatro estruturas organizacionais criminosas administradas por doleiros99 foram investigadas

e, também, processadas. Após o momento inicial da investigação, o Ministério Público coligiu

as provas necessárias de uma vultosa estrutura criminosa de corrupção envolvendo a

Petrobras, uma empresa estatal, Sociedade de Economia Mista, entidade integrante da

Administração Pública indireta, dotada de personalidade jurídica de Direito Privado, cuja

criação é autorizada por lei, como um instrumento de ação do Estado. Não obstante sua

personalidade de Direito Privado, a Sociedade de Economia Mista, como qualquer empresa

estatal, submete-se a regras especiais decorrentes de sua natureza de integrante da

Administração Pública100.

97Disponível em: <http://www.lavajato.mpf.br/entendaocaso> Acesso em: 10 maio 2016.98Disponível em: <http://www.lavajato.mpf.br/entendaocaso> Acesso em: 10 maio 2016.99Doleiroseria um indivíduocom a incumbência de comprar, vender ounegociardólaresem Mercado, diametralmente, paralelo. Não obstante o doleiroagirem Mercado, reconhecidamente, paralelo, suaexistência é oficial.100Segundo o artigo 4 do Decreto-Lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967: A Administração Federal compreende:I - A AdministraçãoDireta, que se constitui dos serviçosintegradosnaestruturaadministrativa da Presidência da República e dos Ministérios.II - A AdministraçãoIndireta, que compreende as seguintescategorias de entidades, dotadas depersonalidadejurídicaprópria: a) Autarquias; b) EmpresasPúblicas; c) Sociedades de Economia Mista d) fundações públicas.Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se:III - Sociedade de EconomiaMista - a entidadedotada de personalidadejurídica de direito privado, criadapor lei para a exploração de atividadeeconômica, sob a forma de sociedadeanônima, cujasações com direito a votopertençamemsuamaioria à Uniãoou a entidade da AdministraçãoIndireta.

126

Este esquema vultoso alberga grandes empreiteiras reconhecidas pela sociedade em

geral, e alinhavadas dentro de uma estrutura organizada notória e de grande respeitabilidade

pública. Este grande esquema criminoso funciona através de uma espécie de cartel, isto é, as

empreiteiras organizadas em cartel pagando uma propina altíssima pata altos executivos da

Empresa Estatal e outros agentes públicos. Nesta distribuição, o valor da propina variava em

torno de 1% a 5% do cômputo total referente aos contratos bilionários superfaturados e era

repassado por intermédio dos operadores financeiros do grandioso esquema, envolvendo,

outrossim, doleiros investigados na primeira etapa101.

Neste diapasão, dentro de um cenário absolutamente normal, as empreiteiras

concorreriam entre si, por intermédio de um procedimento licitatório, com o objetivo de

lograr êxito no alcance dos contratos da Petrobras e, consequentemente, esta perfaria os

contratos com a respectiva empresa que aceitasse executar a obra por um preço inferior.

Entretanto, as empresas organizaram uma espécie de cartel, através de um “clube” fechado,

para substituir uma concorrência que deveria ser real por uma completamente aparente,

vilipendiando toda a estrutura idônea licitatória. Com efeito, havia toda uma estratégia para a

perpetuação do fato, visto que os preços concedidos à Empresa Estataleram calculados e

arregimentados em reuniões secretas onde era definido o ganhador do contrato e qual,

verdadeiramente, seria o preço, trazendo prejuízos sensíveis aos cofres da Estatal102.

Para garantir que somente as empresas inseridas no cartel fossem convidadas para o

procedimento licitatório, agentes públicos, funcionários da Petrobras, eram aliciados para que

informações relevantes pudessem ser direcionadas as empresas pertencentes ao cartel, de tal

magnitude, que se restringissem convidados, incluindo a empresa ganhadora entre os

participantes. Eram feitas transações diretas sem qualquer justificação, aditivos desnecessários

eram determinados e com preços extremamente descomunais, dando velocidade às

contratações com a retirada de etapas relevantes, vazando, evidentemente, informações

sigilosas103.

Os operadores financeiros tinham como responsabilidade a distribuição ou o

pagamento de valores. Esses valores são, como se sói dizer, vulgarmente, denominados de

propina. Essa propina era disponibilizada,camufladamente, como dinheiro limpo aos

respectivos beneficiários. Esses valores eram fornecidos em espécie através de movimentação

101Disponível em: <http://www.lavajato.mpf.br/entendaocaso> acesso em: 10 maio 2016102Disponível em: <http://www.lavajato.mpf.br/entendaocaso> acesso em: 10 maio 2016103Disponível em: <http://www.lavajato.mpf.br/entendaocaso> acesso em: 10 maio 2016

127

financeira perpetrada no exterior e, outrossim, através de contratos simulados com empresas

denominadas de “fachada”. Posteriormente, o valor era direcionado do operador até o

indivíduo beneficiário do esquema, todo em espécie, por intermédio de transferência no

exterior ou, até mesmo, pagamento de bens104.

Caminhando e buscando outros pontos de alcance na investigação, no mês de março

do ano de 2015, o Procurador-Geral da República apresentou ao Supremo Tribunal Federal,

exatos, vinte e oito petições para a abertura de inquéritos criminais com o desiderato de apurar

acontecimentos específicos atribuídos a cinquenta e cinco pessoas, sendo que destas, quarenta

e nova indivíduos possuem foro por prerrogativa de função e estão relacionados ou fazem

parte de Partidos Políticos, os quais são responsáveis pela indicação de nomes dos Diretores

da Petrobras. Estes indivíduos foram citados em colaborações premiadas fomentadas em

primeira instância com delegação do Procurador-Geral da República e a própria primeira

instância passou a investigar, na área cível, os agentes políticos por improbidade e, na área

criminal, os demais indivíduos não albergados pelo foro por prerrogativa de função105.

Para o Procurador-Geral da República, de acordo com as investigações, os grupos

políticos desenvolviam suas atividades em associação criminosa, em comunhão de esforços e

unidade de desígnios, objetivando a prática de vários delitos, como corrupção passiva e

lavagem de dinheiro. Essa divisão de atividades e tarefas envolveu a diretoria de

abastecimento, administrada por Paulo Roberto Costa entre os anos de 2004 e 2012, com

indicação do Partido Progressista (PP) e posterior apoio do Partido do Movimento

Democrático Brasileiro (PMDB); diretoria de serviços administrada por Renato Duque, entre

os anos de 2003 e 2012, com indicação do Partido dos Trabalhadores (PT); diretoria

internacional, administrada por Nestor Cerveró, entre os anos de 2003 e 2008, como indicação

do partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). No outro segmento da estrutura,

Fernando Baiano e João Vacari Neto, agiam como operadores financeiros, em nome e com

total apoio de integrantes do Partido do movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e do

Partido dos Trabalhadores (PT)106.

A operação “lava jato” demonstra o desenvolvimento estruturado e organizado da

prática de ilícitos que albergam tanto a esfera privada quanto, mormente, a Administração

Pública. Estes traços fundamentais externam o quão pormenorizado foi o esquema pensado

104Disponível em: <http://www.lavajato.mpf.br/entendaocaso> acesso em: 10 maio 2016105Disponível em: <http://www.lavajato.mpf.br/entendaocaso> acesso em: 10 maio 2016106Disponível em: <http://www.lavajato.mpf.br/entendaocaso> acesso em: 10 maio 2016

128

para dilapidar o patrimônio público, vilipendiar as instâncias governamentais e ridicularizar as

instituições democráticas.

O detalhamento trazido pela força tarefa do Ministério Público Federal corrobora que,

para as respectivas práticas criminosas em faceda Administração Pública, necessitou-se de um

completo e vasto domínio da organização, ou seja, algo excessivamente delimitado e pensado

para que empreiteiras, agentes políticos, funcionários da Petrobras e operadores financeiros

engendrassem aparatos organizados de poder com o escopo de lesar o erário.

De acordo com as investigações, o Ministério Público Federal norteou sua Força-

Tarefa em compreender a estrutura criminosa que lesou, sensivelmente, a Petrobras e que

reverberou em toda a Administração Pública e, consequentemente, no normal andamento do

Estado Democrático de Direito. De toda forma, constatou-se nas investigações uma

verdadeira organização criminosa que deu dinamismo a toda evolução criminosa. Com efeito,

buscou-se os conceitos petrificados pela Teoria do Domínio do Fato e as suas respectivas

vertentes, quais sejam: o Domínio Funcional e o Domínio da Organização.

Desta feita, o Ministério Público Federal, por intermédio de sua Força-Tarefa, perfaz a

averiguação desta estrutura criminosa organizada, e em alegações finais atesta e sustenta a

Teoria do Domínio do Fato e suas frentes. Com efeito, no item 3.1.2, cujo título corresponde à

autoria, os Procuradores Federais reconhecem que os delitos consequentes desta criminalidade

moderna possuem particularidades especiais, trazendo consigo questões inovadoras, incluindo

discussões que gravitam em torno do instituto da autoria, como, por exemplo, questões

atinentes à Teoria do Domínio do Fato e, outrossim, apontamentos acerca da “denúncia

genérica”107.

Dentro desta perspectiva, os Procuradores proferem que a Teoria do Domínio do Fato

seria a melhor maneira de se alcançar uma ideal distinção, do ponto de vista Penal, entre autor

e partícipe, aduzindo uma compreensão mais aprofundada no tocante às figuras da coautoria e

do autor mediato. Nesta senda, o Ministério Público Federal versa que a referida Teoria pode

se manifestar através do domínio da vontade, o que significa proferir, que aquele que pratica o

fato criminoso é reduzido por alguma motivação à vontade de terceiro, o que, neste caso, isso

pode eclodir diante do domínio da organização108.

107BRASIL, 13ª. Vara Federal Criminal, Alegações Finais 5083258-29.2014.404.7000 108BRASIL, 13ª. Vara Federal Criminal, Alegações Finais 5083258-29.2014.404.7000

129

Seguindo esta máxima, os Procuradores da República ainda trouxeram à baila, como

forma de fundamentação, a Ação penal 470, ação que externou o caso “mensalão”,conforme

já suscitado nesta investigação, e citaram a Ministra Rosa Weber, demonstrando que esta,

quando do esquema do “mensalão”, destacara a compreensão de que em crimes empresariais,

há, verdadeiramente, presunção relativa da autoria dos respectivos dirigentes. Neste ponto, a

Ministra em seu voto ilustra que, mutatis mutandis, nos crimes de guerra, a punição, em geral,

é direcionada aos generais estrategistas que, em seus gabinetes, pensam e arquitetam os

ataques e, não, simplesmente, os soldados os fomentam, os quais agem num regime de total

subordinação, o que sucede, da mesma maneira, nos crimes empresariais quando os delitos

são orquestrados pelos dirigentes e, sobre estes, a imputação deve recair109.

O Ministério Público Federal ainda chama a atençãopara o Direito positivado, o

qualreconhece o agir por domínio do fato em crimes que possuem uma natureza

diametralmente complexa, como, por exemplo, o anunciado no artigo segundo, parágrafo

terceiro da lei número 12.850, de 2 de agosto de 2013110, posto que reconhece a majorante

àquele que realiza o comando da organização, mesmo que não realize de forma pessoal os

atos executórios111.

Em alegações finais, o Ministério Público Federal ainda expressa que a criminalidade

empresarial se resumia a práticas ilícitas dentro de uma estrutura empresarial legal,

entrementes, as empreiteiras agruparam-se em conluio para, inicialmente, com o intuito de

fraudar a concorrência dos certames da Petrobras. O ajuste frustrou a livre concorrência,

princípio que pertence à ordem econômica, fundado na livre iniciativa; a corrupção de

parlamentares arruinou o tratamento igualitário dos cidadãos, vez que os executivos das

empresas transacionaram com políticos interesses próprios e individuais em detrimento de

uma coletividade112.

Sem embargos, vislumbra-se que a operação “lava jato”, conforme dito em outrora, é a

maior investigação de corrupção já perpetrada no Estado brasileiro, e identificou uma

estrutura criminosa organizada grandiosa. E seguindo o raciocínio proposto nas elucidações

anteriores (Tribunais Regionais Federais e “Mensalão”), outrossim, seguiu a máxima

pormenorizada na Teoria do Domínio do Fato e suas vertentes.

109BRASIL, 13ª. Vara Federal Criminal, Alegações Finais 5083258-29.2014.404.7000110§ 3o A pena é agravada para quemexerce o comando, individual oucoletivo, da organizaçãocriminosa, ainda que nãopratiquepessoalmenteatos de execução111BRASIL, 13ª. Vara Federal Criminal, Alegações Finais 5083258-29.2014.404.7000, p. 65112BRASIL, 13ª. Vara Federal Criminal, Alegações Finais 5083258-29.2014.404.7000, p. 66

130

Assim, na operação “lava jato”, o raciocínio concernente à Teoria do Domínio do Fato

continua a ser seguido, demonstrando, desta feita, que, não obstante o regramento

especificado por Roxin, o Direito Penal brasileiro, levando em consideração a sua cultura

perpetrada na sociedade, busca sempre, a adoção da Teoria do Domínio do Fato,

especificamente na vertente da Teoria dos Aparatos de Poder, para fundamentar e justificar o

combate às práticas de corrupção tão proliferadas na sociedade brasileira.

Por derradeiro, malgrado as teses defensivas corroborarem a impossibilidade da

sustentação da Teoria do Domínio do Fato na vertente do Domínio da Organização, percebe-

se que tanto os Tribunais quanto o próprio Supremo Tribunal Federal vêm incorporando este

raciocínio e entendendo pela sua aplicação.

A operação “lava jato”, mesmo longe de chegar ao seu término, já demonstra

diametral aceitação à Teoria do Domínio do Fato e suas vertentes corroborando a linha de

compreensão já petrificada nos Tribunais regionais Federais e, sobretudo, nos fundamentos

justificados pelo Supremo Tribunal Federal, mesmo com teses defensivas rechaçando sua

aprovação, tendo em vista a não observação dos critérios utilizados por Roxin na vertente

Domínio da Organização.

4.5 A TEORIA DO DOMÍNIO DA ORGANIZAÇÃO E SUA UTILIZAÇÃO JUNTO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: POSSIBILIDADE DE UMA REAL APLICAÇÃO OU VERDADEIRA INCOERÊNCIA NA INTERPRETAÇÃO DA SUA ESSÊNCIA?

O Direito Penal constitui, deveras, um saber que possui o extremo dever de veicular

seus limites, isto é, estabelecer o seu alcance e aplicação, de tal maneira, que consiga

distinguir o universo de entes que albergue e, por consectário, daqueles excluídos

(ZAFFARONI; BATISTA; ALAGIA; SLOCAR, 2003).

Com efeito, toda a estrutura de um saber se adequa a uma certa regra de intenção,

posto que quando se procura saber ou se almeja compreender determinada situação, e isso

ocorre com as descobertas penais de modo amplo, não pode ser por simples curiosidade ou

por um determinado estado de ânimo (MALINOWSKI, 1994).

A intencionalidade do saber ou de algo que se aspire é o que franqueia a compreensão

de alguns entes, limitado a uma certa perspectiva, simulando um horizonte de conhecimento,

131

ou de uma certa justificação, a partir de uma perspectiva totalmente individual com arrimo no

macro horizonte (SZILASI, 1980).

Vive-se em tempos de globalização e, inelutavelmente, as questões acerca do Estado e

questões políticas devem ser rediscutidas, assim como, questões que tenham como

consideração de análise de pensamento a democracia, os Direitos Fundamentais, os regimes

que direcionam um determinado Estado, as doutrinas totalitárias e a própria jurisdição

constitucional. Isto é, faz-se premente que todas essas matérias sejam revisitadas sob uma

nova ótica e sob uma nova hermenêutica (STRECK, 2014).

A modernidade deu ensejo a mais de uma possibilidade para a humanidade, de tal

forma, que através de uma delas, a efetivação da razão seria a fomentação universal para um

sistema social que realizasse o princípio da igualdade formal, por intermédio da redução de

desigualdades no mundo contemporâneo e moderno. Ao revés, não foi isso que sucedeu,

posto que o que se difundira fora exatamente a irracionalidade, o aumento das diferenças e a

solidificação de relações alienadas, sem uma reflexão acerca das circunstâncias que dão

dinamismo à sociedade (GENRO, 1996).

Diagnosticar e entender o processo é função da crítica do Direito. Faz-se interessante

ressaltar que os sentidos jurídicos, entendidos como normas, não estão organizados por regras

expressas, mas atribuídos por uma espécie de regra de formação no sentido de partilhar o

poder mediante a distribuição da palavra (ENTELMAN, 1982).

Ser capaz de partir para onde quiser é o sinal prototípico do ser humano ser livre,

assim como a limitação da liberdade de movimento, desde tempos imemoriais, tem sido a pré-

condição da escravidão. A liberdade de movimento é também a condição essencial para a

ação, e é exatamente na ação que o ser humano, a priori, experimenta a liberdade no mundo

(ARENDT, 2008).

A liberdade faz o indivíduo refletir sobre aspectos difundidos na sociedade, quando

este mesmo indivíduo não esteja preso à “liberdade”. Quando se não está preso à liberdade,

pode-se pensar e refletir sobre os acontecimentos que dão dinâmica à determinado contexto

social e cultural. Afinal de contas, cada sociedade age de uma maneira, pensa de uma certa

forma e caminha conforme seus próprios ideais.

Se se está dentro desta sociedade, deve-se pensar e, também, criticar como ela tem

caminhado, como as normas jurídicas estão sendo veiculadas e, ademais, com qual sentido as

132

doutrinas e teorias jurídicas, sociais e de quaisquer ramos da ciência estão sendo utilizadas. A

utilização de certas doutrinas e teorias sem uma filtragem cultural e social, ou seja, sem o

olhar crítico para a própria sociedade, torna-se canhestra e inócua.

Assim, muitos criticam a utilização da Teoria do Domínio da Organização (vertente a

Teoria do Domínio do Fato) em solo brasileiro, versando que a forma e a colocação da

referida Teoria é quase que uma heresia aos apontamentos teóricos propugnados por Roxin.

Renomados autores apontam que desde a sustentação oral do Procurador-Geral da

República, à época, na Ação Penal 470 (já proferida nesta investigação), diversas

manifestações sobre a renomada Teoria surgiram e, igualmente, generalizou-se o estado de

desorientação acerca da profundidade desta. De acordo com parcela da Doutrina, tem-se a

impressão de que parte daqueles que se dizem conhecedores da Teoria em comento, de fato,

não a conhecem (GRECO; LEITE, 2013).

Como detalhado nesta investigação, fica evidente que Roxin defende que a Teoria do

Domínio da Organização não deve ser aplicada em uma estrutura ou em uma organização

legalmente reconhecida, juridicamente reconhecida. Pelo contrário, a aplicação doa Aparatos

Organizados de Poder deve ocorrer dentro de uma estrutura completamente a parte de uma

estrutura legalmente reconhecida.

Sendo assim, Roxin defende que a Teoria do Domínio da Organização não deve ser,

simplesmente, utilizada para a criminalidade empresarial, refutando, por completo, que sua

máxima de aplicação nos crimes que alberguem empresas juridicamente reconhecidas e

legalmente constituídas.

Ao perceber essa construção, poder-se-ia chegar à conclusão que, em solo brasileiro, a

aplicação dos aparatos organizados de Poder tem sido realizada de forma equivocada, com a

absoluta inobservância dos apontamentos Teóricos de Roxin. Verdadeira incoerência ou uma

nova forma de pensar a Teoria do Domínio da Organização em uma cultura diferente da qual

fora criada?

Há cinco décadas, no ano de 1963, Roxin publicava sua excelente monografia a

respeito da “Autoria e domínio do fato” dando a expressão mais acabada sobre a Teoria do

Domínio do Fato. Hodiernamente, vive-se num mundo completamente globalizado em que a

criminalidade tem se aperfeiçoado e buscado outros meios e métodos para o sucesso da

empresa criminosa e, diferentemente, do que ocorria no ano de 1963, em uma sociedade

133

diametralmente distinta, hoje, as empresas têm se superado no quesito criminalidade e, não

somente, as empresas no âmbito privado como, outrossim, na Administração Pública, a

prática criminosa tem se perpetuado de maneira frutífera, gerando lesões catastróficas para a

sociedade em geral.

Olhando para a sociedade brasileira, percebe-se que reina a cultura da corrupção

irradiada por todos os setores, inclusive na Administração Pública. Logo, a sociedade

brasileira é bem distinta da época de 1963 e da sociedade Alemã. No Brasil, Empresas no

setor privado cometem muito mais delitos que estruturas organizadas voltadas para o

cometimento de delitos fora de uma estrutura juridicamente reconhecida, por exemplo, o

primeiro comando da capital, vulgarmente conhecido como PCC.

Ademais, com o aumento da corrupção, os delitos foram se proliferando na

Administração pública e a necessidade de se buscar uma interpretação doutrinária à luz da

nova realidade cultural brasileira se fez necessário, gerando uma leitura crítica e inclusiva da

Teoria do Domínio da Organização.

A necessidade fora intensa que, conforme investigado e analisado anteriormente, as

instituições brasileiras passaram a adotar a Teoria do Domínio da Organização

à luz desta nova realidade social brasileira. Foi exatamente o que sucedeu com os Tribunais

Regionais Federais, com a Ação Penal 470 no caso “mensalão” e, agora, com a operação

“lava jato”, todos estes apontamentos elucidados nesta investigação.

Não se quer com esta investigação demonstrar que há algum equívoco na construção

da Teoria do Domínio da Organização, muito pelo contrário, esta é absolutamente a frente do

seu tempo e Roxin fora extremamente técnico e ousado. O que se quer trazer à baila para uma

salutar reflexão é a possibilidade de aplicação da referida Teoria junto à Administração

Pública, visto que houve uma evolução quanto à forma de se praticar determinados delitos,

uma vez que, na sociedade brasileira, o índice de corrupção aumentara sobremaneira ao ponto

de a Administração Pública ser um veículo para a realização de tal criminalidade.

Incoerência ou falta de crítica jurídica quanto à realidade social de um povo? Libertos

ou presos a uma liberdade? Engessados ou flexíveis a uma nova estrutura cultural? Será que

não se deveria inserir um novo requisito para os Aparatos Organizados de Poder além dos

quatro já estabelecidos por Roxin? Será que ao olhar para a realidade brasileira não se deveria

cogitar numa possível reformulação da Teoria do Domínio da Organização?

134

Vale lembrar que a teoria do Domínio da Organização fora erigida em outro contexto

social e cultural e a sociedade brasileira contemporânea vive chafurdada num mar de

corrupção onde a própria Administração Pública não consegue se desenvolver, tendo as

práticas corruptivas, práticas que atrofiam, sensivelmente, o avanço do Estado Democrático

de Direito.

Possibilidade de aplicação ou incoerência na interpretação da Teoria do Domínio da

Organização junto à Administração pública? Faz-se necessário vislumbrar o hoje, o atual e

perceber que é necessário um novo olhar e novas perspectivas, dentro de uma crítica

construtiva. Faz-se necessário dar uma oportunidade para o Direito Penal repensar um novo

Direito Penal.

Muitas são as formas de se pensar acerca da sociedade brasileira. Faz-se razoável

tentar depreender a teoria do Domínio da Organização dentro de um ordenamento com

idiossincrasias próprias. Não se quer impor absolutamente um conceito ou uma forma única

de compreensão, mas, o que se quer, é criticar, através do Direito, o atual direcionamento e

aplicação do Direito Penal.

Por isso, vale trazer à baila a importante construção de Arendt (2001b, p.13): “trata-se

apenas de refletir o que estamos fazendo”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não restam dúvidas que, hodiernamente, vive-se em uma sociedade veloz e dinâmica,

onde o acesso à informação se tornou rápido, versátil e ao alcance de todos. Esse fácil acesso

à informação ocorre muito em função do fenômeno da globalização, tendo em vista as novas

tecnologias que direcionam as sociedades e que trazem novas oportunidades de crescimento e

desenvolvimento para todos os povos, pelo menos deveria ser assim.

Desta feita, com esse dinamismo, as sociedades, em tese, avançaram e evoluíram,

transformando-se em legítimas sociedades da informação, ocorrendo a predominância do uso

da informação em todos os segmentos da sociedade. Neste sentido, o aprendizado se tornou

mais fácil, tangível e a perspectiva por novos horizontes do conhecimento real e atingível.

135

A internet, dentro da perspectiva de sociedade da informação, foi um instrumento

essencial para que todos pudessem compartilhar ensinamentos, estudos e proliferar novas

tecnologias e ideias. Através da Internet, pôde-se criar, inventar e reinventar novas

tecnologias e, a partir disso, originaram-se várias organizações que mudaram as perspectivas

de mercado, de sociedades e do próprio mundo. Algumas ditam e vigiam o que todas as

pessoas do planeta fizeram, fazem e o que estão pensando em fazer. São quase que

onipresentes, onipotentes e oniscientes.

Com efeito, em funçãodo poder da informação, algumas destas organizações

cresceram, de tal magnitude, que se tornaram maiores que alguns países, com um poder

econômico extremamente elevado e significativo, ao ponto de desenvolverem um poder

exacerbadamente grande devido ao acesso à informação. Isto quer dizer que, hodiernamente,

quem detém o acesso à informação estará sempre na frente e com o monopólio do poder.

Destarte, em decorrência dessa informação, e da própria globalização, as sociedades se

tornaram mais complexas, tendo em vista a avalanche de modernidade direcionada sobre as

sociedades hodiernas atuais. Malgrado a modernidade ter valorado e beneficiado as

sociedades, trazendo, supostamente, novas oportunidades, os indivíduos passaram a estar mais

privados e presos nos seus próprios casulos, insulados nos seus mundos particulares dentro

desse mundo complexo da informação.

Por consequência dos dados anteriormente destacados, a sociedade contemporânea

transformou-se numa verdadeira sociedade de risco, posto que a própriamodernidade,

juntamente com o acesso fácil e dinâmico à informação, trouxeram verdadeiros riscos para o

desenvolvimento do ser humano.

Ao mesmo tempo que as diversas modalidades de tecnologia compactuaram para um

avanço meteórico da sociedade e das suas diferentes comunidades, ao revés, aduziram

malefícios que atingiram drasticamente o dia a dia do homem.

Doenças como depressão, e sentimentos como angústia, se proliferaram numa

velocidade cavalar e o que deveria ser benéfico ou produtivo para o crescimento e avanço da

sociedade, ou seja, a tecnologia, passou a ser pauta de discussões, desenvolvimento de teorias

e análises acadêmicas sobre o mal que assola a humanidade.

A Psicanálise passou a ser demasiadamente requisitada e os fármacos, prescritos

através dos diversos psiquiatras, aproveitados e consumidos.O tempo passou a ser escasso e o

136

próprio ser humano despiciendo, um plástico, simplesmente um número, uma verdadeira

moeda de troca. O que era oportunidade passou a ser risco.

Dentro desta perspectiva, em decorrência da globalização, do acesso à informação, a

criminalidade mudou, chegando à esfera das grandes organizações, grandes conglomerados,

com certa notoriedade e respeito dentro do cenário social. O que antes jamais se pensava

como meio de se praticar determinados delitos, hoje passou a fazer parte da criminalidade

moderna e contemporânea.

A corrupção passou a ser o cerne da questão e o ponto nevrálgico dos debates. A

sociedade da informação passou a ser a sociedade da corrupção onde interesses escusos

passaram a ser mais importantes do que os interesses sociais. O bom andamento de um

correto Estado Democrático de Direito passou a estar em segundo plano, posto que o interesse

individual escuso em detrimento da sociedade passou a estar em primeiro lugar.

A criminalidade empresarial, detentora da informação, aproveitadora da globalização,

iniciou sua expansão, tendo em vista a facilidade no aspecto do aprendizado e da informação.

O criminoso do colarinho branco se aperfeiçoou e compreendeu que ter o poder, ter a

informação, seria essencialpara dominar o mercado da delinquência empresarial.

Neste panorama catastrófico da corrupção, o Direito Penal Econômico, como objeto

de caráter político-econômico, tornou-se essencial, pois os seu conceitos e aspectos são

primordiais para a contenção do avanço da criminalidade empresarial que, sobejamente, vem

crescendo em função da globalização.

Como não bastasse, essa criminalidade empresarial tem alcançado e trazido

substanciais malefícios para a Administração Pública. Através da informação e do poderio

econômico, a Administração Pública brasileira tem sido vilipendiada e desvalorizada,

gerando, por conseguinte, uma série de mazelas para a sociedade.

O grande problema e malefício é os problemas que atingem a Administração

reverberam na sociedade e no bom e correto andamento do Estado Democrático de Direito,

atrapalhando o equilíbrio da política e da economia, refletindo, de maneira negativa, no

cenário internacional.

137

A ideia é alcançar meios de se conter essa corrupção através destas práticas

criminosas. E uma forma de contenção é saber identificar corretamente, dentro da estrutura

criminosa, aquele que possui a função de delimitador e pensador das ideias criminosas.

Com isso, nesta investigação, como forma de se investigar e constatar aquele que

direciona a estrutura criminosa, buscou-se um amparo no arcabouço evolutivo do concurso de

pessoas, até chegar na essência do trabalho que foi a Teoria do Domínio da Organização.

A Teoria do Domínio da Organização fora trabalhada e pensada na possibilidade de

ser aplicada junto à Administração Pública como maneira estratégica de se alcançar aquele

indivíduo que administra a estrutura criminosa organizada, mesmo sabendo que Roxin pensa

de forma diametralmente distinta.

Assim, por derradeiro, pode-se concluir que há, deveras, a possibilidade de aplicação

da Teoria do Domínio da Organização, visto que ela deve ser pensada, de uma forma

diferente, pensada na sociedade brasileira onde a corrupção se alastra de maneira rápida e

preocupante.

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