A EDUCAÇÃO INFANTIL FOI PARA A ESCOLA, E AGORA?
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Marta Fresneda Tomé
A EDUCAÇÃO INFANTIL FOI PARA A ESCOLA, E AGORA?
Ensaio de uma teoria para a gestão institucional da
educação infantil
Marília – SP
2011
Marta Fresneda Tomé
A EDUCAÇÃO INFANTIL FOI PARA A ESCOLA, E AGORA?
Ensaio de uma teoria para a gestão institucional da
educação infantil
Tese apresentada ao programa de pós-graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Marília, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Educação. Área de concentração: Políticas Públicas e Administração da Educação Brasileira. Orientadora: Profª. Drª. Lourdes Marcelino Machado
Marília – SP
2011
Ficha Catalográfica Serviço de Biblioteca e Documentação – UNESP - Campus de Marília
Tomé, Marta Fresneda. T656e A educação infantil foi para a escola, e agora?: ensaio de
uma teoria para a gestão institucional da educação infantil / Marta Fresneda Tomé. – Marília, 2011.
298f. ; 30 cm. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, 2011. Bibliografia: f. 262-272. Orientador: Lourdes Marcelino Machado. 1. Educação de crianças. 2. Gestão democrática. 3. Escolas – Organização e administração. 4. Creches e pré-escolas. I. Autor. II. Título.
CDD 372.21
A EDUCAÇÃO INFANTIL FOI PARA A ESCOLA, E AGORA?
Ensaio de uma teoria para a gestão institucional da educação infantil
Esta tese foi julgada e aprovada no programa de pós-graduação da Faculdade
de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus
de Marília, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Educação na área
de concentração de “Políticas Públicas e Administração da Educação Brasileira”.
Marília, 24 de fevereiro de 2011.
Banca Examinadora:
_________________________________________________ Profª. Drª. Lourdes Marcelino Machado
Universidade Estadual Paulista – Campus Marília
_________________________________________________ Prof. Dr. Moysés Kuhlmann Júnior
Fundação Carlos Chagas – São Paulo
_________________________________________________ Prof. Dr. Cleiton de Oliveira
Universidade Metodista de Piracicaba
_________________________________________________ Prof. Dr. Alonso Bezerra de Carvalho
Universidade Estadual Paulista – Campus Assis
_________________________________________________ Profª. Drª. Graziela Zambão Abdian Maia
Universidade Estadual Paulista – Campus Marília
Aos educadores que, apesar das dificuldades enfrentadas no cotidiano escolar, continuam acreditando que podem fazer melhor e, por isso, buscam sempre se aperfeiçoar.
AGRADECIMENTOS
Durante mais de quatro anos dediquei-me na construção deste trabalho, que
somente foi possível de ser concluído graças ao apoio e incentivo de amigos que souberam a
hora de estender a mão ou mesmo de motivar nos instantes de cansaço e incerteza.
Agradeço a Deus pela oportunidade de ter cursado o doutoramento na Universidade
Estadual Paulista – câmpus de Marília, onde fui aluna de professores pelos quais tenho
profunda admiração. Infelizmente, no Brasil, ainda são poucos os que têm esse privilégio.
Sou grata aos meus pais, Anizio e Mercedes, e à minha irmã, Janete, que sempre
torceram por mim e me incentivaram a continuar fazendo o que mais gosto, mesmo que isso
tenha significado o meu distanciamento deles por longos períodos.
Obrigada à Profª. Drª. Lourdes Marcelino Machado por suas palavras sábias nas
horas certas. Aprendi não apenas com seu profundo conhecimento sobre a administração da
educação brasileira, mas, também, com sua experiência de vida, que me mostrou como é
importante valorizar a convivência com as pessoas que amamos.
Meus agradecimentos, também, à Profª. Drª. Graziela Zambão Abdian pelas
conversas francas e companheirismo. Admiro sua coragem e dedicação para defender
teoricamente e na prática profissional suas convicções.
Aos professores Dr. Celestino Alves da Silva Júnior e Drª. Elianeth Dias Kanthack
Hernandes pelas valiosas contribuições intelectuais. Aos membros do Centro de Estudos e
Pesquisas em Administração da Educação (CEPAE) pelas discussões que cooperaram para a
reflexão sobre o pensamento em gestão da escola. À amiga Drª. Valéria Cristiane Validório,
pela leitura atenta e sugestões que contribuíram para o aperfeiçoamento estilístico deste
texto.
Aos amigos Viviane Borda, Dona Zélia e Seu Maércio por terem me acolhido em suas
casas com tanto carinho durante minhas estadas em Marília.
Aos funcionários Tadeu, do Departamento de Administração e Supervisão Escolar,
Maria Luzinete, Telma e Vânia, da Biblioteca, Cintia e Paulo, da Seção de Pós-graduação, por
serem sempre tão prestativos e eficientes em tudo o que precisei.
Aos diretores das escolas onde trabalhei, Seu Roberto e Dona Léa, Prof. Carrara, Prof.
Jalmar e Prof. Nonô, por apoiarem e possibilitarem meus afastamentos em virtude das
atividades do doutorado.
Agradeço, em especial, àquele que mais esteve ao meu lado e apoiou este
empreendimento, meu marido Marcos. Somente por amor foi possível abdicar de tantos
finais de semana, feriados, presença em momentos importantes e adiar alguns dos nossos
sonhos.
Encerro agradecendo aos meus alunos da licenciatura por serem a razão desta tese. O
desejo de saber mais e a coragem de fazer perguntas simples, porém de respostas nem
sempre tão fáceis, foi o que me motivou durante o percurso de construção deste trabalho.
A todos, os meus sinceros agradecimentos!
Sem teoria, na verdade, nós nos perdemos no meio do caminho. Mas por outro lado, sem prática, nós nos perdemos no ar. Só na relação dialética, contraditória, prática-teoria, nós nos encontramos e, se nos perdemos, às vezes, nos encontramos por fim.
Paulo Freire (1991)
TOMÉ, Marta Fresneda. A educação infantil foi para a escola, e agora? Ensaio de uma teoria para a gestão institucional da educação infantil. Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2011.
RESUMO
A partir da LDBEN (1996), o atendimento em creches e pré-escolas passou a ser regulamentado pela legislação educacional concernente à Educação Básica. O que se observou, desde então, foi que a integração desses estabelecimentos aos sistemas de ensino municipais desconsiderou a especificidade do trabalho pedagógico e administrativo dessas instituições educativas. Este estudo buscou verificar a viabilidade de se ensaiar uma teoria para a gestão de creches e pré-escolas públicas brasileiras, a partir da produção legal e científica do pensamento em gestão educacional e educação infantil. A relevância social deste trabalho justificou-se pela necessidade de ampliar o conhecimento para subsidiar a formação específica dos atores sociais envolvidos com a gestão de instituições da educação infantil no país e, além disso, aproximar dois campos teóricos, a gestão escolar e a educação infantil, ainda pouco explorados conjuntamente pela pesquisa educacional. O material analisado nesta pesquisa foi composto por publicações do Ministério da Educação sobre gestão educacional e educação infantil e por artigos científicos que trataram dessas mesmas temáticas, publicados nos periódicos: “Cadernos de Pesquisa”, “Educação e Sociedade”, “Educação e Pesquisa”, “Revista Brasileira de Educação” e “Pro-Posições”, no período de 1999 a 2009. Para a análise do material, utilizou-se a técnica desenvolvida por Bardin (1995), a Análise de Conteúdo, no modo das categorias temáticas. As abordagens teóricas da pedagogia histórico-crítica e da sociologia das organizações escolares orientaram os percursos de análise promovidos. Os resultados encontrados mostraram que o padrão de gestão presente em creches e pré-escolas brasileiras, na primeira década do século XXI, caracterizou-se pelo hibridismo entre as lógicas gerencial e democrática mostrando, desse modo, que a educação infantil promoveu uma gestão institucional semelhante à encontrada nas escolas dos demais níveis da educação básica. A partir de 2005, com a promulgação da Política Nacional de Educação Infantil, observou-se um movimento nas políticas educacionais de valorização da especificidade do trabalho em educação infantil, fundamentado na Pedagogia da Educação Infantil, defendida pelos pesquisadores desse nível da educação. No entanto, esse aperfeiçoamento em nível legal não foi constatado na prática social de creches e pré-escolas públicas analisadas por esses mesmos pesquisadores. Nesse cenário, concluiu-se que a teoria para a gestão democrática das unidades de educação infantil encontra-se inconclusa no Brasil. Além disso, apontou para a necessidade de maior investigação das relações no interior de creches e pré-escolas e, também, sobre os atores sociais envolvidos nessa prática.
Palavras-chave: Educação infantil. Gestão democrática. Gestão escolar. Pedagogia da educação infantil.
TOMÉ, Marta Fresneda. Early childhood education went to school. Now what? Essay of a theory for institutional management of early childhood education. PhD Dissertation presented to Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista (University of the State of São Paulo), Marília, 2011.
ABSTRACT
From LDBEN (1996), attendance at nurseries and preschools began to be regulated by education legislation concerning the Elementary Education. Since then it was verified that the integration of these establishments to municipal education systems ignored the specificity of the pedagogical and administrative work of these educational institutions. This study aimed at evaluating the feasibility of thinking a theory for the management of Brazilian nurseries and public preschools, from the legal and scientific production of the thought in educational management and early childhood education. The social relevance of this work was justified by the need to improve the knowledge to provide the specific training of the social actors involved in the management of early childhood education institutions in the country, as well as approach two theoretical fields, school management and early childhood education, both not sufficiently explored by educational research. The material analyzed in this study was composed by publications of the Ministry of Education on educational management and early childhood education and by scientific articles related to these same issues, published in the journals: “Cadernos de Pesquisa”, “Educação e Sociedade”, “Educação e Pesquisa”, “Revista Brasileira de Educação” and “Pro-Posições”, during the period from 1999 to 2009. In order to analyze the material it was used the technique developed by Bardin (1995), Content Analysis, concerning the thematic categories. The theoretical approaches of historical-critical pedagogy and the sociology of school organizations guided the analysis in the present work. The results showed that the management pattern in nurseries and preschools in Brazil, in the first decade of the XXI century, was characterized by hybridism between the logic of management, supported by the state, and of democracy, supported by educators and educational researchers, showing, thereby, that early childhood education promoted an institutional management similar to that found in schools of other basic education levels. Since 2005, with the promulgation of the National Early Childhood Education Policy, there was a movement in educational policies of enhancement of the specific work in early childhood education, based on childhood pedagogy advocated by the researchers of this education level. However, this improvement in legal level was not observed in the social practice of nurseries and preschools analyzed by these researchers. In this scenario, it was concluded that the theory for the democratic management of the early childhood education units is inconclusive in Brazil. Moreover, it pointed to the need for further investigation of the relationships within nurseries and preschools, as well as on the social actors involved in such practice. Keywords: Early childhood education. Democratic management. School management. Pedagogy of early childhood education.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
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FIGURA 1 – Esquema de descrição do processo da pesquisa qualitativa ................. 69
GRÁFICO 1 – Periodicidade das publicações em gestão educacional do Ministério da Educação...............................................................................................................
GRÁFICO 2 – Periodicidade das publicações científicas sobre gestão da educação..
GRÁFICO 3 – Métodos empregados nas pesquisas referentes à gestão da educação ...................................................................................................................
GRÁFICO 4 – Periodicidade das publicações do Ministério da Educação sobre educação infantil .......................................................................................................
GRÁFICO 5 – Notas da Provinha Brasil segundo a frequência na educação infantil, por faixa etária...........................................................................................................
GRÁFICO 6 – Periodicidade das publicações científicas sobre educação infantil no período ......................................................................................................................
GRÁFICO 7 – Métodos empregados nas pesquisas referentes à educação infantil .
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QUADRO 1 – Dimensões do modelo de accountability.............................................
QUADRO 2 – Disponibilidade de brinquedos e materiais pedagógicos nas pré-escolas do município de São Paulo no período entre 1996 e 1998 ..........................
QUADRO 3 – Categorias e itens avaliados na escala de Iters-R ................................
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225
LISTA DE TABELAS
Página
TABELA 1 – Categorias de análise e as unidades de registro que as compuseram...
TABELA 2 – Unidades de registro encontradas nos documentos sobre gestão da educação produzidos pelo Ministério da Educação..................................................
TABELA 3 – Unidades de registro encontradas nos artigos analisados sobre gestão da educação ..............................................................................................................
TABELA 4 – Unidades de registro encontradas nos documentos sobre educação infantil publicados pelo Ministério da Educação.......................................................
TABELA 5 – Unidades de registro encontradas nos artigos analisados sobre Educação Infantil.......................................................................................................
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104
134
173
201
SIGLÁRIO
ABE – Associação Brasileira de Educação
ANDE – Associação Nacional de Educação
Anpae – Associação Nacional de Política e Administração da Educação
ANPEd – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
ANPOCS – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais
ANPUH – Associação Nacional de História
Bird – Banco Mundial
Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEDES – Centro de Estudos Educação e Sociedade
CEEs – Conselhos Estaduais de Educação
CEPAE – Centro de Estudos e Pesquisas em Administração da Educação
CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
CNE – Conselho Nacional de Educação
CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
CONTEE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino
COEDI – Coordenação Geral de Educação Infantil
CONSED – Conselho Nacional de Secretários da Educação
DNCr – Departamento Nacional da Criança
DPE – Departamento de Políticas de Educação Infantil e do Ensino Fundamental
Fiep – Federação das Indústrias do Paraná
FNCEE – Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação
Fundeb – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização
dos Profissionais da Educação
Fundef – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério
FUNDESCOLA – Fundo de Fortalecimento da Escola
FURB – Universidade Regional de Blumenau
GAE – Grupo Ambiente-Educação
GIFE – Grupo de Institutos, Fundações e Empresas
IBASA – Instituto Benemérito Angelina Salvatore
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
Inep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
IUPERJ – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro
LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC – Ministério da Educação do Brasil
MIEIB – Movimento Interfóruns pela Educação Infantil no Brasil
MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
Naeyc – Developmentally Appropriate Practice In Early Childhood Programs Serving Children
Frombirth Through
OEA – Organização dos Estados Americanos
OEI – Organização dos Estados Ibero-americanos
OMEP – Organização Mundial de Educação Pré-escolar
ONU – Organização das Nações Unidas
OMEP – Organização Mundial para a Educação Pré-escolar
PAR – Plano de Ações Articuladas do Município
PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação
PDDE – Programa Dinheiro Direto na Escola
PNE – Plano Nacional de Educação
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PPV – Pesquisa sobre Padrões de Vida
PRADIME – Programa e Apoio aos Dirigentes Municipais de Educação
Pró-Conselho – Programa de Capacitação de Conselheiros Municipais de Educação
Pró-Funcionário – Programa de Formação Técnica para os Funcionários da Educação
Pró-Gestão – Programa Nacional Escola de Gestores
Pró-Infância – Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a
Rede Escolar Pública de Educação Infantil
Pró-Infantil – Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício na Educação
Infantil
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira
PT – Partido dos Trabalhadores
PUC – Pontifícia Universidade Católica
RCNEI – Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
Seed – Secretaria de Estado da Educação
Seesp – Secretaria de Educação Especial
Sesu – Secretaria de Educação Superior
Setec – Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica
Scielo – Scientific Electronic Library Online
TGA – Teoria Geral da Administração
UFG – Universidade Federal de Goiás
UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais
UFPE – Universidade Federal de Pernambuco
UFPR – Universidade Federal do Paraná
UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina
UNB – Universidade Nacional de Brasília
UNCME – União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação
Undime – União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
Unesp – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
Unicamp – Universidade Estadual de Campinas
Unicef – Fundo das Nações Unidas para a Infância
USAID – United States Agency for International Development
USP – Universidade de São Paulo
SUMÁRIO
Página
INTRODUÇÃO A ESPECIFICIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO CONTEXTO ESCOLAR ...................
15
CAPÍTULO 1 PERCURSOS DO PENSAMENTO EM GESTÃO ESCOLAR E EDUCAÇÃO INFANTIL NO
BRASIL: encontros e desencontros ....................................................................
1.1 A gestão de enfoque jurídico e a instalação das primeiras instituições de atendimento à infância desvalida..........................................................................
1.2 A organização da educação pública e o primeiro encontro das instituições de atendimento à infância com a lógica da organização escolar................................
1.3 A gestão sistêmica e os primeiros estudos sobre o desenvolvimento infantil dos pesquisadores da educação no Brasil.....................
1.4 A gestão democrática e a compreensão da criança como sujeito de direitos ......
22
24
27
39
47
CAPÍTULO 2 CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA PARA A INVESTIGAÇÃO DAS IDEIAS SOBRE A GESTÃO DA INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO INFANTIL .................... 2.1 O contexto teórico de inserção da pesquisa em gestão da instituição de educação infantil ......................................................................................................... 2.2 Procedimentos para a apreensão do conhecimento em gestão escolar e organização das instituições de educação infantil .................................................... 2.3 Procedimentos para a análise de conteúdo dos documentos legais e científicos sobre gestão da escola e educação infantil ................................................................
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90
CAPÍTULO 3 O HIBRIDISMO DAS LÓGICAS DEMOCRÁTICA E GERENCIAL NO CONTEXTO DA GESTÃO DA ESCOLA PÚBLICA NO BRASIL............................................................... 3.1 A gestão escolar na legislação educacional brasileira do século XXI ....................
3.1.1 Materialidade da prática social da gestão escolar nos documentos oficiais.. 3.1.2 Processos e métodos da gestão e seus atores na legislação educacional......
3.2 O pensamento científico em gestão escolar na primeira década do século XXI.... 3.2.1 A materialidade da prática social em gestão das instituições educativas no pensamento científico ........................................................................................... 3.2.2 Os instrumentos da gestão para os pesquisadores da administração educacional ............................................................................................................. 3.2.3 Os atores sociais da gestão escolar no pensamento científico ......................
100 101 108 121 127
139
144 157
CAPÍTULO 4 A ESPECIFICIDADE DO TRABALHO EM CRECHES E PRÉ-ESCOLAS NO PENSAMENTO EM EDUCAÇÃO INFANTIL ...................................................................................... 4.1 A especificidade da educação infantil na legislação educacional brasileira...........
4.1.1 A materialidade da gestão de creches e pré-escolas nos documentos legais sobre educação infantil...........................................................................................
167 168
176
4.1.2 Processos e métodos de gestão presentes na legislação educacional específica em educação infantil.............................................................................. 4.1.3 Os atores sociais da educação infantil na legislação educacional .................
4.2 O pensamento científico em educação infantil na primeira década do século XXI ...............................................................................................................................
4.2.1 A materialidade da gestão institucional na produção científica em educação infantil do Brasil...................................................................................... 4.2.2 Processos e métodos de gestão no pensamento científico em educação infantil ..................................................................................................................... 4.2.3 Os atores sociais da educação infantil na perspectiva de seus pesquisadores .........................................................................................................
187 192
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CAPÍTULO 5 GESTÃO DEMOCRÁTICA EM CRECHES E PRÉ-ESCOLAS NO BRASIL: um conhecimento inconcluso....................................................................................... 5.1 A materialidade da prática social em gestão institucional na educação infantil... 5.2 Processos e métodos em gestão das instituições de educação infantil................. 5.3 Atores sociais envolvidos na gestão de instituições da educação infantil ............
231 232 239 245
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 254
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 262
APÊNDICES ............................................................................................................ APÊNDICE A – Referência dos artigos pesquisados .................................................... APÊNDICE B – Referência dos documentos produzidos pelo Ministério da Educação pesquisados .................................................................................................................
273 273
294
INTRODUÇÃO
A ESPECIFICIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO
CONTEXTO ESCOLAR
[...] enquanto a escola tem como sujeito o aluno, e como o objeto fundamental o ensino nas diferentes áreas, através da aula; a creche e a pré-escola têm como objeto as relações educativas travadas num espaço de convívio coletivo que tem como sujeito a criança de 0 a 6 anos de idade.
Eloisa Acires Candal Rocha (2001)
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educação de crianças menores de seis anos em ambiente escolar é
bastante recente em nossa sociedade. No Brasil, até o século XVIII, não
existiam sequer instituições coletivas de atendimento à infância pequena,
visto que as funções de socialização e educação eram compreendidas como restritas ao
âmbito familiar. O pensamento de que era necessário educar o ser humano nos primeiros
anos de vida nasceu juntamente com o sentimento de infância. Ariès (1996) revelou que, até
a Idade Média, o conceito de criança não existia, pois a sociedade compreendia o ser
humano nessa fase da vida como um adulto em miniatura, que não necessitava de qualquer
atenção especial para inserir-se na vida social. No Brasil, Trindade (1999) explicou que, até o
século XIX, a mortalidade infantil era tão elevada, que no imaginário social os bebês eram
idealizados como anjos, para minimizar a repercussão de sua morte.
A invenção da instituição escolar, do modo como é organizada atualmente, também
ocorreu somente na modernidade. De acordo com Boto (1996, p. 190), a partir da revolução
burguesa do século XIX, “havia que se demarcar a distância do Antigo Regime mediante a
criação institucional de um sujeito inteiramente novo”, assim, a escola tornou-se um “[...]
instrumento privilegiado para capacitar as novas gerações para a transformação de valores,
crenças, tradições e utopias” (p. 190).
No Brasil, foi apenas no século XX que a organização de instituições coletivas de
educação para crianças menores de seis anos começou a ser estruturada. A urbanização da
população e a entrada da mulher no mercado de trabalho geraram a demanda por
estabelecimentos que compartilhassem com a família as funções de educação e cuidado da
criança pequena.
A partir da década de 1960, devido a acordos internacionais assumidos pelo Brasil, a
organização de creches e pré-escolas orientou-se por determinações de organizações
multilaterais como a USAID, Unesco e Unicef. Desse modo, as creches assumiram um perfil
mais assistencialista, ao passo que as pré-escolas empenharam-se na preparação das
crianças de quatro a seis anos para o ingresso na primeira etapa da educação básica. Ambas
as perspectivas, assistencialista e escolarizadora, entendiam a infância como uma fase de
preparação do ser humano para a vida adulta.
No final dos anos de 1970 teve início o processo de redemocratização do Brasil, o que
promoveu a mobilização e organização da sociedade civil em movimentos sociais que
exigiram a educação escolar como um direito de toda criança desde o seu nascimento. Desse
A
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modo, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, foi dado o primeiro passo no
sentido da universalização da educação infantil no país, com a responsabilização do Estado
pela oferta desse atendimento de maneira complementar a família.
No entanto, o cenário de crise econômica que se intensificou no país, na década de
1990, legitimou um Plano de Reforma do Aparelho do Estado (1995), proposto durante o
governo de Fernando Henrique Cardoso. A partir de então, a União passou a promover a
Nova Gestão Pública na educação, defendida pelos países centrais e organismos
internacionais de financiamento. A nova lógica de gestão, imposta pelo Estado aos
estabelecimentos de educação, fundamentou-se na perspectiva gerencial. Nesse sentido, as
políticas educacionais minimizaram o papel do Estado e promoveram a responsabilização
social pela educação pública.
É nesse cenário de mudanças na organização da gestão das instituições de
atendimento à infância, hoje legalmente definidas como escola, que se inseriu esta pesquisa.
Assim, a inspiração para a realização deste ensaio teórico nasceu em 2005, ano em
que havia recém concluído o curso de mestrado, com um trabalho sobre a especificidade da
formação de professores para a educação infantil e, também, trabalhava em equipe de
coordenação pedagógica na secretaria da educação de um município do interior de São
Paulo. Em virtude dessas experiências fui procurada por uma colega, professora, que havia
assumido, havia pouco tempo, o cargo de coordenadora pedagógica na educação infantil.
Esta função, no município, existia anteriormente apenas no ensino fundamental e médio e,
portanto, não havia experiência acumulada sobre o seu fazer no primeiro nível da educação
básica.
Esta professora apresentou a seguinte indagação: “__ Em qual teoria devo me basear
para fundamentar minha prática como coordenadora pedagógica na educação infantil?” A
princípio a discussão transitou pelas teorias da educação e a importância de se enfatizar a
especificidade da educação infantil na formação do professor, de modo a construir práticas
pedagógicas que promovessem a emancipação da criança. Logo percebemos que havia uma
inadequação entre as condições materiais concretas de organização das creches e pré-
escolas para o estabelecimento de uma prática social, fundamentada na valorização da
cultura infantil e na democratização das relações no interior da escola, que defendíamos.
Essas constatações advinham da percepção de que a integração das instituições de
educação infantil na educação básica, nos sistemas de ensino do país, estava tomando como
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padrão de organização os anos iniciais do ensino fundamental; o que desconsiderava a
especificidade da educação e cuidado característicos do trabalho das instituições de
educação infantil (KISHIMOTO, 2001; CORRÊA, 2003; TOMÉ, 2005; CAMPOS; FÜLGRAF;
WIGGERS, 2006).
Estimulada por essas indagações iniciei uma pesquisa bibliográfica com a finalidade
de revisar o conhecimento científico acerca da gestão de instituições de educação infantil e
pude constatar como essa produção era bastante restrita no país. Em uma das raras
pesquisas sobre o assunto, Kramer (2005) demonstrou a precariedade das condições de
trabalho dos diretores de creches e pré-escolas e defendeu a necessidade de se produzir
novos conhecimentos, que fundamentassem a especificidade do fazer pedagógico e
administrativo na educação infantil, para aperfeiçoar a formação desses educadores.
Machado (2005), em artigo sobre a nova lógica de gestão imposta às instituições de
educação infantil pela última reforma educacional, argumentou que as legislações
educacionais potencializaram as ações do Ministério da Educação nesse nível da educação
básica. Além disso, mostrou que a organização do trabalho nessas escolas possui múltiplas e
complexas determinações que transitam pela cultura e realidade concreta que não são
possíveis de serem conhecidas sem tomar esses estabelecimentos como objeto de estudo.
Somente assim seria possível a construção de um novo conhecimento, que poderia
promover maior participação dos atores locais nos processos decisórios, o que ampliaria a
autonomia dessas instituições e promoveria a emancipação de toda a comunidade escolar.
Mediante essas considerações, o objetivo desta pesquisa consolidou-se pela análise
da viabilidade de se ensaiar uma teoria para a gestão de creches e pré-escolas, a partir do
pensamento predominante sobre gestão educacional e educação infantil nos documentos
publicados pelo Ministério da Educação e em periódicos da área educacional, na primeira
década do século XXI.
No contexto de produção teórica da gestão educacional, Machado (2000) defendeu
que existe um embate entre duas lógicas contraditórias de gestão escolar: a administração
gerencial e a gestão democrática. A pesquisadora, fundamentada na abordagem da
pedagogia histórico-crítica, defendeu a necessidade de “curvar a vara da administração” e
encontrar um ponto de inflexão para mapear um novo padrão de gestão, que considere a
participação da comunidade nos processos decisórios e o fortalecimento da autonomia das
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instituições escolares por meio do estabelecimento de objetivos educacionais e de gestão
claros e francos.
O embate entre essas lógicas de gestão da escola também foi constatado por Maia
(2004; 2008) na análise dos percursos desse pensamento. A pesquisadora demonstrou que,
na década de 1990, o uso dos termos “administração” e “gestão” nas publicações científicas
apresentaram significações diferentes, “o primeiro foi associado às formas antidemocráticas
de trabalho, ao individualismo, à hierarquia e à centralização das decisões; ao segundo
designou-se a possibilidade de horizontalidade das relações, da coletividade, da participação
e da descentralização das ações no sistema educacional e nas unidades escolares” (MAIA,
2008, p. 40).
Atenta a esses sentidos que emergiam do conhecimento em construção sobre a
gestão educacional, chamo a atenção para o fato de que, nesse estudo, posicionei-me a
favor do uso dos termos “administração” e “gestão” como sinônimos. A definição do
conceito de administração/gestão da escola que utilizo caracteriza-se pelo “[...] conjunto de
atividades voltado para a materialidade da educação, criando as condições necessárias para
que a ação pedagógica se realize [...]” (MACHADO, 2000, p. 76). Dessa maneira, considero
que a prática social da gestão institucional na educação infantil organiza-se como meio
político e administrativo, para assegurar que sejam cumpridos os fins de valorização cultural
da infância e emancipação social da comunidade escolar.
A relevância social desta investigação justifica-se pela necessidade de produção sobre
conhecimento científico que aproxime os campos teóricos da gestão escolar e da educação
infantil, de modo a contribuir para a reflexão sobre a práxis da administração institucional
em educação infantil. Nessa linha de pensamento, Rosemberg (2002) justificou que o
conhecimento científico é muito valorizado socialmente e, por isso, pode servir para iluminar
o processo democrático de discussões e debates que conduzem o fazer das políticas públicas
na contemporaneidade.
Outro panorama de discussões que justificou a efetivação deste ensaio encontra-se
relacionado à redução de estudos teóricos no campo da gestão escolar a partir da década de
1990, como constatado na tese de Maia (2004) e na pesquisa coordenada por Machado
(2007). Em um contexto em que tantas mudanças têm sido impostas à gestão da educação
infantil, provavelmente muitas práticas inovadoras foram observadas pelos pesquisadores
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deste campo e podem contribuir com a ampliação das construções teóricas em gestão
escolar.
As abordagens teóricas que iluminaram os percursos desta investigação foram a
pedagogia histórico-crítica e a sociologia das organizações escolares. Os materiais, objeto de
análise, foram os documentos publicados pelo Ministério da Educação sobre gestão
educacional e educação infantil e os artigos publicados sobre essas temáticas nas revistas
científicas brasileiras: “Cadernos de Pesquisa”, “Educação e Pesquisa”, “Educação e
Sociedade”, “Pro-Posições” e “Revista Brasileira de Educação”, no período de 1999 a 2009.
Para apresentar os resultados encontrados nesse percurso de investigação, este
trabalho foi organizado em quatro capítulos. No primeiro, empreendi uma revisão histórica
acerca dos percursos dos pensamentos em gestão da escola e educação infantil no país.
Demonstrei, assim, como esses pensamentos encontraram-se nos períodos em que mais se
defendeu a democratização da educação no país, ao longo do processo de instalação,
organização e expansão do atendimento em educação infantil.
No segundo capítulo, contextualizei as perspectivas teóricas que embasaram as
decisões metodológicas desta pesquisa. Na primeira parte, defini os principais conceitos das
abordagens da pedagogia histórico-crítica e da sociologia das organizações escolares, que
utilizei para interpretar as informações coletadas nos materiais que compuzeram o objeto
de investigação. Na segunda parte, apresentei os procedimentos e decisões utilizados na
recolha das produções científicas e legislativas. Por último, demonstrei os procedimentos de
análise de conteúdo, fundamentados na técnica desenvolvida por Bardin (1995), que
auxiliaram na construção de uma rede de sentidos delineada a partir das categorias
“Materialidade da prática social em gestão de instituições educativas”, “Processos e
métodos em gestão” e “Atores sociais envolvidos com a gestão de instituições educativas”.
Foi a partir dessas categorias que se organizaram os capítulos terceiro, quarto e quinto.
No terceiro capítulo discuti os sentidos que emergiram da legislação educacional e do
pensamento científico em gestão da educação sobre a administração escolar e caracterizei
as lógicas de gestão defendidas pelo Estado e pelo meio científico. Já no quarto capítulo
procurei apresentar a especificidade do trabalho pedagógico e administrativo presente nas
publicações do Ministério da Educação e dos pesquisadores em educação infantil.
No quinto capítulo realizei um exercício de síntese quanto ao pensamento em gestão
escolar e educação infantil observado neste estudo. Com isso, defendi que a teoria da gestão
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democrática em creches e pré-escolas brasileiras encontra-se em um estado inconcluso e,
além disso, sinalizei para a necessidade de maior investigação de alguns aspectos da gestão
institucional para que as bases desse padrão de gestão, que conduz à emancipação de seus
atores sociais, pudessem ser elaboradas.
Enfim, este trabalho pode trazer contribuições para a reflexão quanto ao
pensamento em gestão escolar e educação infantil, pois analisou o estado do conhecimento
desses dois campos da educação, ainda pouco explorados conjuntamente, até a primeira
década do século XXI. Além disso, apresentou subsídios do conhecimento legal e científico
que podem instrumentalizar educadores, pais, comunidade e pesquisadores da educação
infantil para a reflexão da prática social em gestão de creches e pré-escolas, auxiliando,
assim, a construção da gestão democrática.
CAPÍTULO 1
PERCURSOS DO PENSAMENTO EM GESTÃO ESCOLAR E
EM EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL: encontros e desencontros
A história não é uma única história, mas o produto de muitas outras. A história da educação infantil, das suas instituições, dos seus profissionais, das crianças pequenas que se encontram nas instituições e de suas famílias, em cada uma das cidades do país estão em permanente intersecção com muitas outras histórias: a da infância, da família, da população, da urbanização, do trabalho, das relações de produção e das demais instituições educacionais. Nessa trajetória as instituições articulam-se, ainda, com a história da assistência, a do discurso pedagógico e a das mentalidades.
Moysés Kuhlmann Júnior (2001)
P á g i n a | 23
ara compreender como a gestão tem se concretizado nas instituições de
educação infantil do Brasil atualmente, é necessário, conforme Kuhlmann
Júnior (2001) advertiu, compreender as diferentes histórias que
contribuíram para a formação do pensamento social do país e cruzaram o percurso de
organização da educação infantil.
Neste capítulo, apresento o pensamento em gestão escolar que contextualizou a
organização da educação pública e as ideias que permearam a instalação, organização e
expansão dos estabelecimentos coletivos de atendimento à infância (de zero a seis anos) no
país, até a década de 1990.
Constitui objetivo apresentar ao leitor o contexto histórico de organização dessas
instituições, para possibilitar a construção de um olhar crítico sobre a lógica de gestão que
vem sendo imposta aos atores sociais que atuam diretamente com o fazer pedagógico e
administrativo de creches e pré-escolas públicas no início do século XXI.
Para contextualizar este percurso de organização da educação infantil e do
pensamento em gestão escolar, busquei compreender as lógicas que estruturaram o fazer
nesses campos, em cada momento histórico-social do país. Desse modo, essa tarefa permitiu
a estruturação deste capítulo em quatro tópicos, que ilustram as ideias mais marcantes da
gestão escolar e da educação infantil ao longo da história social do Brasil. Faz-se importante
destacar que as lógicas apresentadas em cada fase não desapareceram nas posteriores,
chegando, até mesmo, a ocorrer o retorno de algumas em fases posteriores. Não pretendo
transmitir, com esta exposição, uma impressão de desenvolvimento das lógicas, mas sim o
contexto histórico de organização dessas teorias. Dessa forma, esta parte do texto foi
estruturada a partir dos seguintes tópicos:
1) A gestão de enfoque jurídico e a instalação das primeiras instituições de atendimento
à infância desvalida;
2) A organização da educação pública e o primeiro encontro das instituições de
atendimento à infância com a lógica da organização escolar;
3) A gestão sistêmica e os primeiros estudos sobre o desenvolvimento infantil dos
pesquisadores da educação no Brasil;
4) A gestão democrática e a compreensão da criança como sujeito de direitos.
P
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Pretende-se, desse modo, que o leitor possa compreender o cenário teórico da
gestão escolar e da educação infantil até a década de 1990, período anterior às publicações
dos materiais normativos e científicos analisados nos capítulos subsequentes desta tese.
1.1 A gestão de enfoque jurídico e a instalação das primeiras instituições de
atendimento à infância desvalida
A teoria em gestão escolar sempre esteve relacionada ao pensamento em gestão da
educação no Brasil que, de acordo com Sander (2007), caracterizou-se pela influência dos
meios políticos, econômicos, científicos e culturais, pela adoção acrítica a modelos
internacionais, com consequente maior valorização da dimensão econômica do que da
humana e pela inseparabilidade da política e administração na vida das instituições escolares
públicas.
Sander (Ibid.) argumentou que, no período colonial brasileiro, a organização da
educação teve um enfoque fortemente jurídico, que se aproximou do direito administrativo
romano, interpretado a partir do código napoleônico adotado pelos intelectuais
portugueses, franceses e espanhóis. Essa tradição trouxe consequências significativas para a
construção da gestão educacional no país,
Foi a tradição do direito romano, de natureza antecipatória, dedutiva, normativa, prescritiva e regulatória, que retardou a adoção de princípios e técnicas de administração educacional fundamentados em outras tradições filosóficas e jurídicas, como, por exemplo, as do direito anglo-americano, de natureza experimental, empírica e indutiva que somente se consolidaram no Brasil em fins do século XIX. A partir de então, a dialética entre o legalismo de origem eurolatina e o experimentalismo anglo-americano, assim como entre seus respectivos enfoque dedutivo e indutivo, caracterizou toda a trajetória educacional e administrativa no Brasil (SANDER, 2007, p. 19).
O legalismo eurolatino enfatizava a ordem, a regulação e a codificação, o que
impunha um sistema fechado de conhecimento à gestão das instituições públicas. Essa
tradição valorizou a legislação antecipatória e não baseada na experimentação,
consequentemente, a lei era compreendida como um ideal a ser “alcançado e não um
parâmetro a ser aplicado em circunstâncias concretas. O resultado [...] é o formalismo,
P á g i n a | 25
definido como a discrepância entre lei e realidade, entre norma prescrita e conduta
concreta” (SANDER, Ibid., p. 19).
No começo da colonização portuguesa os valores que permearam a educação
brasileira eram próprios do cristianismo, em especial da Igreja Católica Romana. Essa
influência teve início com a Ordem Franciscana, que chegou ao país na caravela de Pedro
Álvares de Cabral. Posteriormente, em 1549, o sacerdote Manuel da Nóbrega, da
Companhia de Jesus, que tinha o apoio da coroa portuguesa (D. João III) e das autoridades
locais, principalmente de Mem de Sá, promoveu rapidamente a extensão da atuação dos
jesuítas “[...] desenvolvendo assim o primeiro esboço de um sistema educacional brasileiro.”
(MATTOS, 1958 apud SANDER, 2007, p. 22).
Essa experiência jesuítica foi suspensa após duzentos anos, em 1759, devido à
reforma pedagógica promulgada pelo Marquês de Pombal1, primeiro ministro do rei de
Portugal, D. José I. As diretrizes dessa reforma educacional, que vigorou entre 1759 até
1834, foram fundamentadas no absolutismo e no iluminismo português, que buscou afastar
as decisões políticas da religião e valorizou o engajamento político-social dos homens livres.
Sander (2007) esclareceu que
A interpretação da educação como expressão da política e da sociedade como um todo, historicamente definidas, confere às reformas pombalinas elevada significação política na história da educação brasileira. No entanto, o estudo do impacto real de seu sistema estatizado e secularizado de administração do ensino não foi capaz de traduzir seus ideais filosóficos e pedagógicos para a realidade, devido ao isolamento cultural da colônia, à falta de recursos e à própria influência da Igreja de Roma, que formara os poucos mestres residentes no Brasil através da ação pedagógica dos jesuítas (SANDER, 2007, p. 22).
Assim, não é de se estranhar que a pedagogia escolástica, caracterizada pelo
pensamento dedutivo e normativo, tenha historicamente influenciado a organização da
educação brasileira.
Quanto à organização da atenção à criança pequena, no período colonial, não se
configurou como preocupação da metrópole Portugal e nem da elite nacional. Tal situação
deve-se ao fato de que a infância da nobreza era cuidada por escravas ou amas de leite e as
crianças escravas ou pertencentes às famílias mais pobres recebiam tratamento igual ao de
um “adulto em miniatura”. Outro grupo da infância significativo, também presente neste
1 Sebastião de Carvalho e Melo era conhecido como o Conde de Oeiras em 1759; somente em 1770 adquiriu o
título de Marquês de Pombal e foi desse modo que se tornou conhecido na história do Brasil.
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cenário, foi composto pelos bebês abandonados2, que eram recolhidos, geralmente, por
pessoas caridosas, que não contavam com qualquer apoio do governo para cuidar e educar
essas crianças (ARIÈS, 1986; DEL PRIORE, 1995; TRINDADE, 1999).
Apenas no século XVIII, a Coroa Portuguesa autorizou a criação das primeiras
instituições coletivas de amparo à criança abandonada, as quais se caracterizaram como
hospitais, rodas de expostos ou casas de recolhimento (asilos), que eram em pequeno
número e, portanto, não atendiam a demanda existente de crianças. A gestão dessas
instituições era configurada pelo legalismo e forte influência de valores do cristianismo,
como a caridade para a “redenção das almas ao céu”. Esse valor foi bastante corrente entre
as pessoas que trabalhavam nesses estabelecimentos, na maior parte das vezes
voluntariamente (MARCÍLIO, 1998).
A filosofia positivista e a sociologia organicista somente começaram a influenciar o
atendimento nessas instituições a partir de meados do século XIX, pois, com o
desenvolvimento da estatística foi possível tomar consciência do “massacre de inocentes”3,
que ocorria nessas instituições. Isso gerou uma forte indignação por parte da sociedade
internacional, principalmente a europeia, e levou à discussão e à busca de soluções
cientificamente mais apropriadas para o problema, em nível internacional. Essas mudanças
somente começaram a afetar o fazer local quando o Estado brasileiro formou-se e buscou o
reconhecimento internacional de sua soberania.
Em síntese, durante o período colonial, a gestão da educação e a atenção à criança
pequena no Brasil estruturaram-se influenciadas pelo pensamento da elite local e da
nobreza de Portugal. Assim, o legalismo e a lógica dedutiva da filosofia jurídica, promovidos,
em grande parte, pela Igreja Católica Romana e nobreza de Portugal, dominaram a
estruturação da gestão educacional na época. A filosofia positivista e a sociologia
organicista, a partir do século XIX, introduziram o método científico empírico, a lógica
indutiva e as noções de equilíbrio e ordem para o progresso da nação, o que ofereceu
2 O abandono de crianças era uma prática comum desde o século XVII na sociedade brasileira. De acordo com
Kishimoto (1990), em São Paulo, entre 1800 e 1830, cerca de 14% a 25% das crianças batizadas eram
abandonadas nas ruas.
3 Marcílio (1998) revelou os números quanto ao massacre de crianças nesse tipo de instituição na Europa, no
fim do século XIX: “Taxas de 80% a 90% de mortes de bebês, antes de atingirem a idade de doze meses, eram
comuns nos Hospitais de Expostos” (p. 306-7).
P á g i n a | 27
antecedentes para a organização da educação pública e expansão do atendimento das
crianças desvalidas em instituições coletivas.
1.2 A organização da educação pública e o primeiro encontro das instituições
de atendimento à infância com a lógica da organização escolar
No início do século XX, os princípios políticos do patrimonialismo e liberalismo e da
administração científica, que começava a ser investigada nos Estados Unidos por Taylor,
influenciaram o pensamento em gestão da educação no Brasil. Em 1900, 65,3% da
população brasileira com 15 anos ou mais era analfabeta (INEP, 2003). As poucas escolas
primárias existentes eram financiadas pela iniciativa privada e por instituições religiosas, às
quais a maior parte da população não chegava a ter acesso.
Nesse contexto, alguns estados começaram a promover reformas no ensino com o
objetivo de adequarem-se às novas demandas da sociedade em expansão e, cada vez mais,
urbanizada:
A primeira delas foi empreendida em 1920, por Sampaio Dória, em São Paulo; em 1922/23, no Ceará, Lourenço Filho empreendeu a segunda. Depois, seguiram-se a do Rio Grande do Norte, por José Augusto (1925/28), as do Distrito Federal (1922/26) e as de Pernambuco (1928), empreendidas ambas por Carneiro Leão, a do Paraná (1927/28), por Lysímaco da Costa, a de Minas Gerais (1927/28), por Francisco Campos; a do Distrito Federal (1928), por Fernando de Azevedo
4; e a da
Bahia (1928), por Anísio Teixeira [...] (ROMANELLI, 2007, p. 129).
Esse cenário de reformas suscitou um grupo de educadores, interessado em
reivindicar mudanças em nível nacional, a fundar a Associação Brasileira de Educação (ABE),
em 1924, no Rio de Janeiro. Fizeram parte desse grupo Heitor Lira, José Augusto, Carneiro
Leão, Venâncio Filho, Everaldo Backeuser, Edgard Süssekind de Mendonça e Delgado de
Carvalho. Romanelli (2007) explicou o significado dessa organização:
[...] Se a Associação Brasileira de Educação não foi a origem do movimento, foi, todavia a medida prática tomada pelo movimento para objetivar os seus propósitos e ganhar forças junto às autoridades competentes e evidenciar a extensão daqueles problemas. Ela representava, antes, a tomada de consciência e o
4 Fernando de Azevedo foi redator e primeiro signatário do Manifesto dos Pioneiros em 1932.
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compromisso assumido por um grupo engajado por uma luta que iria perdurar alguns decênios (ROMANELLI, 2007, p. 129).
Mais tarde, baseado na doutrina da Carta Magna de 1946, o então ministro da
educação, Clemente Mariani, constituiu, em 1948, uma comissão de educadores para
elaborar a proposta de reforma educacional. Essa comissão, presidida por Lourenço Filho,
elaborou um projeto para a democratização da educação no país. No entanto, após treze
anos de discussões entre educadores, Igreja Católica e defensores do ensino privado, foi
aprovada a lei 4.024, de dezembro de 1961, que privilegiou o ensino privado e o
pensamento conservador, propondo um sistema nacional de ensino que objetivava o
fortalecimento da unidade nacional sem o financiamento público. Enfatizou o ensino
tecnológico para a formação de mão de obra às indústrias, propôs uma educação infantil,
composta por escolas maternais e jardins de infância e criou os conselhos estaduais e federal
de educação. Apesar de a educação ser considerada um direito dos cidadãos, não se
configurou, nessa lei, uma obrigação do Estado assegurá-la (ROMANELLI, 2007).
É nesse cenário de embate das ideias políticas, administrativas e pedagógicas que a
gestão educacional e a educação infantil foram organizadas no país, em uma perspectiva
modernista. Sander (2007) denominou essa fase de “organizacional”, em virtude do
movimento de reforma orgânica do ensino, em âmbito nacional, promovido pelos ministros
da educação Francisco Campos (1930 – 1932) e Gustavo Capanema (1934 – 1945).
O pensamento sobre a gestão escolar começou a ser teorizado e sistematizado pelos
educadores brasileiros a partir de 1930. Antes desse período, a maior parte das publicações
sobre a organização educacional e sua gestão pública “[...] eram memórias, relatórios e
descrições de caráter subjetivo, normativo, assistemático e legalista” (LOURENÇO FILHO,
1963 apud SANDER, 2007, p. 21). Isso permitiu afirmar que, até esse momento histórico, a
teoria sobre a gestão escolar não tinha sido pensada pelos intelectuais brasileiros.
Machado (2007, p. 14) explicou que esse pensamento foi marcado pela
interdisciplinaridade em sua composição, isso porque os “pioneiros da Administração
Escolar” eram educadores com experiência no fazer da gestão pública da educação e
formação intelectual variada. Os intelectuais que mais contribuíram para a teoria da
administração escolar, nessa fase inicial de organização do conhecimento, foram: Antônio
Carneiro Leão, Anísio Spinola Teixeira, José Querino Ribeiro e Manuel Bergström Lourenço
Filho.
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Carneiro Leão, formado em direito, era professor de Administração Escolar e
Educação Comparada, na Universidade do Rio de Janeiro, quando assumiu a direção geral da
educação no Distrito Federal5 (de 1922 a 1926) e empreendeu uma reforma na educação.
No final da década de 1920, voltou ao Recife, sua cidade natal, e exerceu a função de
Secretário do Interior, Justiça e Educação de Pernambuco (de 1929 até 1930), promovendo
uma reforma que tornou a instrução nesse estado uma das mais modernas do país.
É de autoria deste educador uma das primeiras obras publicadas no Brasil sobre a
administração escolar, a “Introdução à administração escolar”, de 1939. Neste trabalho,
Carneiro Leão apresentou um estudo comparativo dos conceitos de administração escolar
em diferentes países. A influência da Teoria da Administração Clássica, elaborada por Fayol,
e da relação entre teoria e prática para a formação continuada de professores, pensada por
John Dewey, foi marcante em sua obra. Para ele, os princípios da administração empresarial
poderiam ser aplicados em qualquer organização, pois “acreditava que, no caso da escola, os
princípios poderiam ser positivos no sentido de alcançar agilidade e eficiência, libertando da
burocratização existente e atingindo qualidade na educação” (LUZ, 2007, p. 33).
Essa obra apresentou como deveria ser a organização de um sistema de ensino,
explicitando as funções, descrição de tarefas e relações hierárquicas, que deveriam estar
condicionadas à organização política do Estado. O diretor da escola foi colocado como figura
central para o bom andamento das atividades nesta instituição:
[...] o diretor é a alma da escola. Diz-me quem é o diretor que te direi o que vale a escola. [suas funções são de] administrador do edifício da escola; responsável pela escolha e fornecimento de material, pela higiene escolar e infantil, pelas relações sociais com a escola, pela observação e interpretação do ambiente escolar (CARNEIRO LEÃO, 1953, p. 134-5).
Apesar do reconhecimento da importância da figura do diretor para a administração
da escola, Carneiro Leão lembrou que essa era uma função que deveria estar a serviço do
professor e do estudante para que a aprendizagem, objetivo principal da escola, ocorresse,
tendo em vista que, a origem do seu fazer encontrava-se na ação pedagógica (SOUZA, 2006).
No entanto, o diretor representa o poder do Estado na escola, por conseguinte, era
importante que se tivessem claros os objetivos da administração escolar, a saber:
5 O Distrito Federal, nessa época, localizava-se na cidade do Rio de Janeiro. Esta foi a capital do país de 1763 até
21 de abril de 1960, quando Brasília foi inaugurada.
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1º.) Estabelecer uma finalidade precisa ao professor. 2º.) Traçar condições seguras e justas para admissão, promoção e graduação dos programas. 3º.) Tornar possível a construção de objetivos definidos. 4º.) Assegurar melhor classificação de alunos. 5º.) Assegurar melhor coordenação entre os professores. 6º.) Estabelecer um uso mais econômico de tempo do professor e do aluno. 7º.) Buscar condições para realizar uma educação mais econômica e mais eficiente (CARNEIRO LEÃO, 1953, p. 138).
Anísio Teixeira, educador, que também foi Secretário da Educação (Bahia, 1928) e
Diretor de Instrução Pública (Distrito Federal, 1931 – 1936), planejou a reforma educacional
que promoveu na Bahia, em viagem à Europa e aos Estados Unidos, onde buscou
compreender a organização da educação nesses países.
Em 1927 teve contato com as ideias do filósofo liberal e pragmático John Dewey, com
as quais teve afinidade. Chaves (1999, p. 88) encontrou pelo menos três pontos principais
que aproximaram o pensamento desses dois educadores. O primeiro era a compreensão de
que a função social da escola estava a serviço da reconstrução da sociedade. Outro aspecto
era o fato de querer conhecer, por meio de diagnósticos e pesquisas, a realidade das escolas
que administrava. O último ponto de congruência encontrava-se na valorização da ação para
a equalização de problemas cotidianos. Por essa razão, criticava a ação centralizadora do
Estado, que governava através de leis e decretos e desvalorizava a autonomia das escolas.
Nunes (2001) acrescentou que Anísio Teixeira foi além, pois sua “[...] meta ainda é a
maioridade do povo brasileiro, não só pela valorização da cultura popular, mas também pela
sua transformação em instrumento efetivo de construção da sua autonomia, entendida
como um valor da educação” (p. 16). Assim, esse educador foi um dos principais
divulgadores do movimento da Escola Nova no país. A defesa pela qualidade da educação
para todos, entendida como a efetiva promoção da aprendizagem, foi sua bandeira. Para
isso, denunciou a necessidade de investimento na formação de professores, pois essa
constituía uma condição para a qualidade em educação.
Em 1936, em virtude das pressões políticas que sofreu, principalmente por parte da
Igreja Católica, contra a reforma que promovia na educação do Distrito Federal, foi demitido
e, então, publicou o livro “Educação para a democracia: introdução à administração
educacional”. Nesta obra composta por duas partes, apresentou os princípios para a
educação brasileira e o relato de sua experiência como dirigente da educação no Distrito
Federal. Assim, compreendeu que a sociedade brasileira “[...] se apoia e se apoiará, cada vez
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mais, nas aplicações da ciência. E, como tal, em uma civilização técnica” (TEIXEIRA, 1997, p.
42), por isso, era necessário instrumentalizar as escolas urbanas e rurais para que
oferecessem uma educação mais próxima da realidade dos estudantes, que precisavam
encontrar utilidade prática naquilo que aprendiam. Desse modo, era preciso investigar,
diagnosticar essa realidade, pois somente assim seria possível construir escolas que
atendessem às demandas da sociedade brasileira.
Mais tarde, mostrou que para esse empreendimento os educadores deveriam
administrar a escola, pois
Há no ensino, na função de ensinar, em gérmen, sempre ação administrativa. Seja a lição, seja a classe envolve administração, ou seja plano, organização, execução, obediente a meios e a técnicas. De modo geral, o professor administra a lição ou a classe, ensina, ou seja, transmite, comunica o conhecimento, função antes artística do que técnica, e orienta ou aconselha o aluno, função antes moral, envolvendo sabedoria, intuição, empatia humana. Alguns serão mais administradores, outros mais professores, outros mais conselheiros, todos, porém, terão de algum modo de exercer as três funções (TEIXEIRA, 1968, p. 14).
Dessa forma, diferentemente de Carneiro Leão, Teixeira defendia a especificidade da
escola, afirmando que o objetivo da empresa era oposto ao da escola “[...] em educação, o
alvo supremo é o educando a que tudo mais está subordinado; na empresa, o alvo supremo
é o produto material” (TEIXEIRA, 1968, p. 15). Assim, dada a especificidade da tarefa da
escola, a função de administração escolar não é de mando, mas de mediação:
O administrador escolar não é um capitão, mas um mediador-inovador, [...] a tentar coordenar e melhorar um trabalho de equipe de peritos de certo modo mais responsáveis do que ele próprio pelo produto final da escola ou do ensino. Se alguma vez a função de direção faz-se uma função de serviço e não de mando, esse é o caso do administrador escolar (TEIXEIRA, 1968, p. 17).
José Querino Ribeiro, professor de Administração e Legislação escolar da
Universidade de São Paulo e autor do livro “Ensaio de uma Teoria da Administração Escolar”
(1952), trouxe, para o pensamento sobre a administração da escola, uma das contribuições
mais bem fundamentadas da época. As ideias de Querino Ribeiro estavam embasadas,
principalmente, na Teoria Clássica da Administração. O autor reconheceu que os princípios e
métodos da teoria geral de administração (TGA) podiam ser aplicados na escola, apesar da
especificidade dessa organização. Para o educador, a administração escolar podia ser
entendida a partir da distinção entre os termos “direção” e “administração”:
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[...] uma cousa é ser diretor, outra é ser administrador. Direção é função do mais alto nível que, como a própria denominação indica, envolve linha superior e geral de conduta, inclusive capacidade de liderança para escolha de filosofia e política de ação. Administração é instrumento que o diretor pode utilizar pessoalmente, ou encarregar alguém de fazê-lo sob sua responsabilidade. Por outras palavras: direção é um todo superior mais amplo do qual a administração é parte, aliás relativamente modesta. Pode-se delegar função administrativa; função diretiva, parece-nos, não se pode, ou pelo menos, não se deve delegar (QUERINO RIBEIRO, 1952, p. 22).
Opostamente a Anísio Teixeira, Querino Ribeiro entendia que o trabalho da
administração escolar não deveria ser exclusividade dos educadores pois, por se tratar de
uma atividade técnica, poderia ser aprendida em cursos de formação por profissionais de
qualquer especialidade.
Os princípios da administração científica, conforme Querino Ribeiro, podiam ser
empregados na administração da escola, pois seus fundamentos eram os mesmos, ou seja,
racionalização do trabalho, isto é, a busca do menor esforço para se atingir um determinado
fim (educação para todos); divisão do trabalho, caracterizada pela repartição funcional das
tarefas (departamentalização) e dificuldades de organização crescente devido ao aumento
da complexidade das grandes empresas (sistemas nacionais de ensino) (QUERINO RIBEIRO,
1968, p. 28 – 30).
Assim, a administração buscava a realização de quatro objetivos: 1) unidade da ação
(metas claras); 2) economia da ação (rendimento pleno e mínimo dispêndio de trabalho) e,
finalmente, 3) prosperidade do empreendimento (inovação constante em busca de
melhoria). Com esses fundamentos e objetivos claros, a Administração Escolar poderia
desenvolver as atividades específicas da escola, segundo Querino Ribeiro.
Manuel Bergström Lourenço Filho, educador e advogado, foi Diretor de Instrução
Pública (Ceará, 1922 e São Paulo 1931-1932), participou ativamente no movimento que
resultou no Manifesto dos Pioneiros, foi chefe de gabinete de Francisco Campos no Distrito
Federal (1932) e organizou o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), do qual foi
diretor (1938 – 1946).
No campo teórico da Administração Escolar publicou o livro “Organização e
Administração Escolar: curso básico”, em 1963, fundamentando suas bases nas Teorias
Gerais da Administração Clássica, Burocrática ou Estruturalista e das Relações Humanas.
Para Lourenço Filho o estudo da teoria era fundamental para o desenvolvimento de uma
área de investigação, pois
P á g i n a | 33
Dá-se o nome de teoria a uma série ordenada de generalizações, que procure explicar fatos e situações entre si relacionados. Por definição, a teoria é uma construção abstrata, que fornece um modelo simplificado da realidade a que se reporte. Essa é a razão por que dois nomes, teoria e modelo, são frequentemente usados como sinônimos. Ainda que tenham apresentação abstrata, as teorias desempenham incontestável função prática. Permitem uma visão de síntese, que leva a compreender relações de dependência entre os fatos que nos inserem em situações concretas (LOURENÇO FILHO, 2007, p. 65).
Com isso, a organização da escola podia ser entendida a partir das teorias sociais e
econômicas. A Teoria Geral da Administração, conforme Lourenço Filho, poderia ser aplicada
em qualquer empreendimento, inclusive a escola, que oferecia à sociedade um serviço e,
por isso, estaria mais relacionada às atividades-meios das organizações.
Para a coordenação da educação com eficiência sugeriu a departamentalização
(modelo que persiste até os dias de hoje na organização das universidades públicas do
Brasil) e a aplicação do modelo administrativo baseado nas ações de: “[...] planejar,
organizar, formar pessoal, dirigir, coordenar, relatar resultados parciais e conferir
resultados gerais” (LOURENÇO FILHO, 2007, p. 66, grifos nossos).
Da Teoria das Relações Humanas, Lourenço Filho chamou atenção para “certas
distorções do treinamento em serviço, das técnicas de controle e das relações de poder, isto
é, do exercício da autoridade, consideradas as posições formais dos administradores e as
condições naturais de liderança [...]” (LOURENÇO FILHO, op. cit., p. 66). Desse modo, o autor
concluiu que para compreender a teoria da administração escolar seria necessário examinar
a ação dos administradores, ou seja, dos diretores escolares.
Assim, Lourenço Filho elaborou o pensamento sobre a função social da escola: “[...]
As escolas existem para produzir serviços de desenvolvimento e ajustamento social. Desde a
unidade básica, a classe de ensino, os serviços escolares se fundam em relações humanas”
(LOURENÇO FILHO, op. cit., p. 87). Para isso, os diretores de escolas deveriam estar atentos
ao próprio comportamento, pois ele organizaria as relações de poder na escola. As tarefas
do administrador escolar caracterizar-se-iam pelas ações de: planejar e programar; dirigir e
coordenar; comunicar e inspecionar; controlar e pesquisar. Lourenço Filho conclui sua obra,
então, defendendo: “quando todas essas funções se propagarem num grande número de
escolas, de diferentes tipos, para que atendam aos diferentes aspectos da vida social, cria-se
um sistema escolar consistente” (p. 87).
Um importante acontecimento para a gestão da educação, ocorrido também nessa
fase, foi o I Simpósio Brasileiro de Administração Escolar, em fevereiro de 1961, na
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Universidade de São Paulo, organizado por Querino Ribeiro, Anísio Teixeira, Antônio Pithon
Pinto, Paulo de Almeida Campos e Carlos Corrêa Mascaro. Esse simpósio delimitou o campo
de investigação da administração escolar da seguinte maneira:
A administração escolar supõe uma filosofia e uma política diretoras pré-estabelecidas; consiste no complexo de processos criadores de condições adequadas às atividades dos grupos que operam na escola em divisão de trabalho; visa à unidade e economia da ação, bem como o progresso do empreendimento. O complexo de processos engloba atividades específicas – planejamento, organização, assistência à execução (gerência), avaliação dos resultados (medidas), prestação de contas (relatório) – e se aplica a todos os setores da empresa – pessoal, material, serviços e financiamento (ANPAE, 1961 apud SANDER, 2007, p. 35, grifos nossos).
Percebe-se, dessa maneira, a influência das Teorias Clássica e Burocrática no
pensamento dos educadores da época. O resultado desse simpósio, que trouxe muitas
contribuições ao pensamento da gestão educacional até os dias de hoje, foi a fundação da
Associação Nacional de Professores de Administração Escolar (ANPAE).
Quanto à organização do atendimento das crianças menores de seis anos em
instituições coletivas, nessa fase, uma nova modalidade de instituição infantil, que ficou
conhecida como jardim de infância (Kindergarten), foi criada por Froebel6 (28 de julho de
1840) na Alemanha. Conforme Kishimoto (1988), esse novo tipo de estabelecimento tinha
um caráter eminentemente educativo, que podia ser compreendido através da escolha do
nome dessa instituição:
[...] Ao escolher esse nome para sua escola, Froebel serviu-se de uma metáfora do crescimento da planta. Assim, atribuiu-se à jardineira, a professora de educação infantil, e aos esforços conjuntos da escola e família, a tarefa de propiciar o desenvolvimento intelectual, emocional, físico, social e moral da criança, principalmente pelo uso de jogos, à semelhança de um jardineiro que cuida carinhosamente de suas plantas (KISHIMOTO, 1988, p. 58).
Os jardins de infância europeus eram destinados às crianças com idades de três a
sete anos, das famílias mais ricas, no Brasil, a iniciativa privada foi responsável pela
instalação dos primeiros estabelecimentos deste tipo. A primeira unidade foi criada em 1875
por Menezes Vieira, no Rio de Janeiro, e, dois anos mais tarde, em São Paulo, o Colégio
Mackenzie, escola particular destinada à elite oligárquica do país, inaugurou seu
6 Friedrich Wilhelm August Fröbel (1782 —1852) foi um pedagogo (escola de Pestalozzi) alemão, que defendia
um ensino sem obrigações, pois o aprendizado dependeria dos interesses de cada criança e se faria por meio
da prática.
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Kindergarten. Ambos os estabelecimentos utilizavam a pedagogia froebeliana (KISHIMOTO,
op. cit.).
Quanto às instituições destinadas às crianças abandonadas e pobres, um movimento
de reformulação começou a se formar na França. Em 1848, a inspetora francesa Paper-
Carpantier lutou pela substituição do nome dos asilos infantis, destinados a órfãos e crianças
carentes, para “escola maternal”. Apesar da promulgação do decreto, a tradição prevaleceu
e estes estabelecimentos continuaram a ser conhecidos como “asilos”, mas suas práticas já
eram bem diferentes. No Brasil, Kishimoto (1988) descreveu a prática pedagógica nesses
asilos, do início do século XX:
[...] Longos exercícios de leitura coletiva, em sucessão monótona, ensurdecedora e ininteligível de letras, sílabas e palavras. Enfim, a “ladainha” presente também no cotidiano escolar de crianças brasileiras do período imperial. Por essa razão, ela transformou-se em escola infantil alfabetizadora, rígida, que desconsiderou as necessidades das crianças (KISHIMOTO, 1988, p. 59).
Os legisladores desse período associavam os asilos infantis às instituições de
caridades, mas um pequeno grupo de parlamentares como Rui Barbosa, Souza Bandeira,
Joaquim Teixeira de Macedo e Maria Guilhermina Loureiro de Andrade defenderam uma
reforma na instrução primária em que esses estabelecimentos seriam a “[...] fórmula
definitiva de educação preliminar à escola” (REFORMA DO ENSINO PRIMÁRIO, 1883 apud
KISHIMOTO, 1990, p. 58). Tal situação demonstrou indícios de uma preocupação com o
caráter educativo dessas instituições, já nessa época.
Ainda nesse período, o Movimento Higienista, formado por intelectuais que
intencionavam melhorar as condições de saúde coletiva da população, fortaleceu-se e
promoveu uma verdadeira revolução nos métodos de trabalho dos estabelecimentos que
atendiam essa infância pobre. Comportamentos de assepsia para prevenir doenças, o
surgimento da medicina pediátrica, da puericultura e a descoberta de Pasteur foram
algumas das mudanças (KUHLMANN JÚNIOR, 2001).
Nesse cenário, houve o fortalecimento do pensamento relativo ao cuidado com a
saúde e a educação dos pequenos, a partir de uma crescente valorização da instituição
familiar e da relação mãe–bebê, entendida, a partir de então, como um fator importante
para o desenvolvimento saudável da criança. Marcílio (1998) complementou,
Nessas novas condições, o fenômeno do abandono de bebês, pouco a pouco, foi deixado de ser tolerado, de ser aceito como mal menor. Se a criança é o futuro da
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nação, é preciso que ela cresça sadia, feliz, bem-educada, dentro de um lar [...]. Instituíam-se creches e asilos diversos, onde a mãe é conhecida e identificada. E o melhor: criam-se políticas públicas de assistência às mães pobres e trabalhadoras, por meio de auxílios pecuniários e temporários às famílias, para que deixem de abandonar os filhos [...] (MARCÍLIO, 1998, p. 307).
Kuhlmann Júnior (2000) também constatou a ênfase do papel materno na educação
dos bebês e justificou esse fenômeno em virtude dos altos índices de doenças e mortalidade
da infância institucionalizada. Apenas no final do século XIX as descobertas da microbiologia
tornaram possível a amamentação artificial. Assim, concluiu
que a creche encontra condições mais efetivas para se difundir interna e internacionalmente, chegando também ao Brasil. Primeiramente, como idéia, ainda no período do Império, no jornal do médico Carlos Costa, A Mãi de Familia, e também referida no processo de criação da Associação Protetora da Infância Desamparada (KUHLMANN JÚNIOR, 2000, p. 7-8).
Rizzini (1997) analisou as concepções de infância presentes no Brasil na passagem do
regime monárquico ao republicano (período de 1870 até 1930) e demonstrou o nascimento
de um novo sentimento em relação à infância, o de que a criança constituir-se-ia na “chave
do futuro” da nação:
A infância é aqui entendida de forma abstrata e específica como uma fase da vida sobre a qual se incute o bem ou o mal. Era o caso do Brasil, visto em sua infância, com sua nacionalidade em formação, e seu povo-criança, ainda por fazer... Como um pai que se vê diante da tarefa de criar os filhos, a elite, do alto de seu inabalável Pátrio Poder, estabelecia as normas, ditava as regras e prometia sanear, civilizar, moralizar o país (RIZZINI, 1997, p. 252-253).
Nesse contexto, os grupos hegemônicos que detinham o poder estatal,
compreendiam que a criança originária dos segmentos pobres da população era um
problema social, que se não fosse educada, constituiria o “embrião da criminalidade” e a
construção de uma sociedade pacífica seria impossível ao futuro do país (RIZZINI, Ibid.).
Dessa maneira, as instituições de atendimento às crianças necessitadas, segundo
Kuhlmann Júnior (2001), foram influenciadas por ideias médico-higienistas, jurídico-policiais
e religiosas. Os intelectuais médico-higienistas associavam a assistência à infância à
preocupação com a mortalidade infantil. As influências jurídico-policiais vieram com a
inquietação do abandono moral de crianças que ficavam nas ruas, pois no futuro elas
poderiam tornar-se marginais. Por último, a tendência religiosa trazia a Igreja Católica como
sendo “[...] a única instituição capaz de salvar a ordem social e fazer a felicidade dos povos”
através de um trabalho caritativo (p. 95).
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Mais tarde, Kishimoto (1988) mostrou que os imigrantes recém-chegados ao país
colaboraram, também, para o fortalecimento da ideia de reformulação da organização dos
asilos infantis:
[...] os imigrantes contribuíram com algumas escolas infantis, de tendência froebeliana, no início da República. Provenientes de vários países mais desenvolvidos que já haviam incorporado até o jardim de infância em seu sistema de ensino, os imigrantes ressentiam-se do baixo nível de educação no Brasil. A valorização da educação de seus filhos levou-os a organizar diversos tipos de escolas. Entre elas estava o jardim de infância. Têm-se notícias, por exemplo, de estabelecimentos como a Escola Alessandro Manzoni (1900) e o Collegio Convitto Dio e Patria (1898) que ofereciam o jardim froebeliano, em língua italiana, para os rebentos dos imigrantes (KISHIMOTO, 1988, p. 58).
As primeiras escolas maternais destinadas ao atendimento dos filhos de operários
foram criadas em 1902, pela espírita Anália Franco. Fundamentadas no modelo francês,
essas escolas adotaram uma pedagogia baseada na alfabetização a partir de exercícios de
memorização.
Carneiro Leão defendeu, nessa época, que as escolas maternais eram instituições que
contribuíam para a modernização do país. Em um relato afirmou: “quem não conhece os
serviços prestados pelas escolas maternais [...] Uma multiplicidade de tipos de escolas com
os melhores métodos e os mais orientados cuidados pela infância, difundem-se
definitivamente nos povos superiores” (CARNEIRO LEÃO, 1917 apud KISHIMOTO, 1988, p.
59).
Na década de 1920, o empobrecimento da classe operária, “as péssimas condições de
vida e de trabalho do industriário com jornadas diárias de quinze horas, a utilização maciça
de menores e mulheres em trabalhos industriais, [...] transformam a vida do operário [...]
que se refletem no abandono das crianças e na má produtividade” (KISHIMOTO, 1990, p.
60). Essa transformação conduziu os legisladores, em nome do crescimento da
industrialização do país, a instalar em empresas e indústrias, creches e escolas maternais
com a participação do governo. O idealizador desse convênio, Sampaio Dória, Diretor da
Instrução Pública de São Paulo, na época concebia a creche como um “‘mal necessário’,
fruto do desajustamento moral e econômico, oriundo da urbanização e industrialização [...]”
(KISHIMOTO, 1990, p. 61). Novamente, a escola maternal teve reforçado seu caráter
moralizador (KISHIMOTO, 1990; KUHLMANN JÚNIOR, 2000).
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Logo, essa ideologia do progresso, foi amparada pelos dispositivos legais da década
de 1920. O decreto 3.708, de 30 de abril de 1924, definiu que as escolas maternais seriam
destinadas aos filhos de operários e deveriam iniciar física, intelectual e moralmente essas
crianças e, além disso, servir como intermediários entre a família e a escola primária
(KISHIMOTO, 1988).
Kuhlmann Júnior (2000) mostrou que, a partir desse momento, houve um
deslocamento da influência europeia para a norte-americana quanto aos ideários de atenção
à criança pequena. Um marco desse fenômeno foi a “[...] criação do Dia da Criança, no 3º
Congresso Americano da Criança, realizado no Rio de Janeiro em 1922, juntamente com o 1º
Congresso Brasileiro de Proteção à Infância [...]” (KUHLMANN JÚNIOR, 2000, p. 8). Desse
modo, associou-se a ideia da descoberta de um “Novo Mundo”, cuja infância seria educada
de acordo com o espírito americano (KUHLMANN JÚNIOR, 2000).
As primeiras tentativas de expansão do número de estabelecimentos, de caráter
educacional, para atender as crianças de três a sete anos foram promovidas por
escolanovistas como Lourenço Filho, Fernando de Azevedo e Almeida Júnior, que buscaram
instalar classes de jardins de infância anexas a grupos escolares, mas fracassaram, pois ações
políticas promoveram a instalação de classes do ensino primário nessas salas (KISHIMOTO,
1990, p. 62).
Kishimoto (1990) afirmou, que embora pouco expressiva7, a expansão das
instituições públicas de educação infantil ocorreu aliada à força do movimento da Escola
Nova. “Ao propagarem a metodologia de expoentes do movimento como Montessori,
Decroly, Dewey, Kilpatrick e outros, os jardins de infância e as escolas maternais recebem
aplausos do escolanovismo brasileiro” (p. 62).
O Manifesto dos Pioneiros (1932) sugeriu a criação de espaços de brincadeiras e de
valorização cultural das classes populares em praças públicas para as crianças pré-escolares.
De 1935 até 1938, o município de São Paulo, na gestão de Mário de Andrade no
Departamento de Cultura, criou espaços não escolares de valorização da cultura infantil em
praças da cidade. Através de brincadeiras eram discutidos o folclore nacional e o modo de
7 Em 1941, em São Paulo apenas 37 jardins de infância eram mantidos pelo Estado, enquanto 277 pertenciam à
rede privada. (KISHIMOTO, 1990, p. 62).
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vida da sociedade e, além disso, eram oferecidas atividades físicas e assistência médica e
alimentar (KISHIMOTO, 1990; FARIA, 1999).
Fernando de Azevedo foi Diretor Geral de Instrução Pública no Rio de Janeiro (1926 –
1930) e no estado de São Paulo (1933), onde promoveu reformas substanciais na educação
que propiciaram a expansão dos jardins de infância, que a partir de então passaram a ser
anexos em escolas normais e grupos escolares. Com esse aumento no número de
estabelecimentos, novos problemas emergiram na organização dessa educação. Kishimoto
(1990) caracterizou essas principais dificuldades:
[...] A inexistência de organismos estaduais para fiscalizar as quinhentas classes recém-criadas exigiu que a secretaria de Educação instituísse um precário Serviço de Educação Pré-primário. Não dispondo de infraestrutura administrativa, com poucos técnicos emprestados de outros setores, sem instalações e desprovido de verba própria, o setor defronta-se com problemas diversos, como a falta de professores especializados, ausência de recursos materiais e generalizado descrédito em relação à importância da educação pré-escolar. Essa situação redunda na sistemática rejeição das classes de jardins de infância, denominadas, na época , sintomaticamente, “classes de decepção infantil” e estimulando a prática de desativação das unidades infantis (KISHIMOTO, 1990, p. 63).
Com isso, pode-se observar que essa fase foi marcada pela organização da educação
pública e expansão das instituições coletivas de educação infantil. O pensamento em gestão
escolar começou a ser sistematizado pelos educadores brasileiros, que também tiveram
importante participação no processo de valorização e expansão das instituições de educação
infantil, principalmente as pré-escolas. Pelas mãos dos escolanovistas tornou-se possível o
primeiro encontro da gestão escolar com o pensamento em educação infantil no país.
1.3 A gestão sistêmica e os primeiros estudos sobre o desenvolvimento
infantil dos pesquisadores da educação no Brasil
Desde o começo da Segunda Guerra Mundial, os pensadores da educação pública no
Brasil passaram a receber crescente influência internacional, que criticava os princípios e
práticas da escola clássica de administração bem como resgatou a dimensão humana na
gestão institucional. De acordo com Sander (2007), esse movimento foi incentivado por
psicólogos sociais como Follet, Mayo, Dickson, Simon e Barnard que mostraram a
centralidade das relações humanas para o pensamento em gestão.
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O texto clássico que caracterizou esse pensamento no Brasil foi “O papel do diretor
na administração escolar”, escrito por Myrtes Alonso8, em 1976. A fundamentação teórica
dessa obra encontrou-se nas abordagens Comportamental, Sistêmica e do Desenvolvimento
Organizacional. Desse modo, “[...] o objetivo principal da administração escolar passa a ser
interpretado como sendo o de assegurar o equilíbrio interno e externo da organização
escolar, mantendo, para tanto, estreita relação com o meio ambiente” (ALONSO, 1978, p.
171). Cabia à administração escolar preparar as condições, estimular e organizar as
mudanças, ou seja, não bastava apenas executar as determinações legais prescritas pelo
governo estatal. Assim, a participação do diretor na formulação das políticas exigia o
conhecimento dos problemas educacionais da sociedade e das limitações da estrutura do
sistema de ensino, agora entendido como sistema aberto, o que requeria dele “disposição
para a mudança” (ALONSO, 1978, p. 135).
Alonso (Ibid.) considerava a administração escolar um ramo da TGA, por isso, seus
conceitos poderiam ser aplicáveis na escola. Por outro lado, devido à especificidade de seu
trabalho, composto por elementos abstratos, de difícil mensuração, essa abordagem tinha
dificuldade para penetrar nesse contexto. Para a pesquisadora, toda escola era composta
por uma estrutura formal, representada pelas determinações legais relativas à sua função
social e uma estrutura informal, que se manifestava nas relações entre os participantes
dessa organização. Assim, o papel do diretor era “[...] como líder do corpo docente,
estabelecer a tônica predominante no processo educacional global, transmitindo o seu
entusiasmo e o interesse pelo progresso do ensino, estimulando o trabalho de equipes e
assegurando as condições básicas para um desempenho efetivo das funções essenciais [...]”
(ALONSO, 1978, p. 151).
Com tudo isso, a administração escolar era compreendida como um instrumento que
deveria conduzir à realização dos objetivos sociais da escola na sociedade. Assim, deveria
levar em conta que:
8 Myrtes Alonso graduou-se em Pedagogia pela Universidade de São Paulo (1953), realizou o mestrado em
Educação pela George Peabody College for Teachers (1964), nos Estados Unidos, e doutorado em Psicologia da
Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1974), onde, atualmente, é professora da pós-
graduação. Desenvolve pesquisa na área de formação de professores e gestores com o uso de tecnologias da
informação e comunicação. Faz parte, também, da comissão de especialistas do Conselho Estadual de
Educação de São Paulo (PLATAFORMA LATTES, 2010).
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• As funções da administração escolar variam de um sistema escolar para outro;
• Para cada sistema escolar é preciso estabelecer um conjunto de objetivos antes de estabelecer as suas funções. Em todos os casos, tais funções incluirão sempre:
1. Planejamento e coordenação de programas de relações públicas; 2. Manutenção de regimentos do pessoal escolar; 3. Coordenação de atividades e recursos didáticos para a aprendizagem; 4. Supervisão do pessoal profissional; 5. Aquisição de suprimento e equipamento necessário (ALONSO, 1976, p. 131).
Posteriormente, com a reabertura política do país na década de 1980 ocorreram, de
acordo com Arf (2007), as críticas sobre essa abordagem que, ao se destacar como a gestão
escolar fora compreendida somente como instrumento, uma técnica, fato que teria gerado a
desvinculação dos determinantes políticos, econômicos e sociais da prática da administração
escolar.
Também nessa fase do pensamento em gestão da educação, Sander (2007) destacou
o significado da reunião dos Ministros da Educação do continente Americano em Santiago,
em 1962, patrocinada pela Unesco, Organização dos Estados Americanos (OEA) e pela
Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), que consagrou “[...] o papel
da educação como fator de desenvolvimento econômico, como instrumento de progresso
técnico e como meio de seleção e ascensão social” (p. 46). Na prática, a partir de então, a
educação passou a ser compreendida por esses países como instrumento para a efetivação
do crescimento econômico.
As características relativas ao aumento da influência internacional e à valorização das
relações humanas também foram observadas no pensamento em educação infantil, nesse
período.
Na década de 1940, educadores como Anísio Teixeira defenderam a necessidade de
se investigar o desenvolvimento psicológico da criança brasileira para pensar o atendimento
à criança pequena em instituições coletivas. Em São Paulo, a organização “Cruzada da Pró-
Infância”, juntamente com o Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, organizou
classes de jardim de infância com o objetivo de estudar o desenvolvimento infantil. Em
Minas Gerais, o convênio MEC-USAID promoveu a implementação de programas infantis
com ênfase no desenvolvimento infantil. Com a inexistência de órgãos oficiais responsáveis
pela orientação da educação infantil, houve a penetração da Organização Mundial de
Educação Pré-escolar (OMEP) que manteve a discussão sobre a expansão, mesmo que
precária, desse nível da educação (KISHIMOTO, 1990, p. 63).
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Simultaneamente, o pensamento em educação infantil ainda estava muito
relacionado ao Movimento Higienista. Kuhlmann Júnior (2000) mostrou como o governo
federal criou órgãos para supervisionar a educação de modo a refletir essa concepção
contraditória entre caridade e educação:
No nível federal, a Inspetoria de Higiene Infantil, criada em dezembro de 1923, é substituída em 1934 pela Diretoria de Proteção à Maternidade e à Infância, criada na Conferência Nacional de Proteção à Infância, em 1933. Em 1937, o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública passa a se chamar Ministério da Educação e Saúde, e aquela Diretoria muda também o nome para Divisão de Amparo à Maternidade e à Infância. Em 1940, cria-se o Departamento Nacional da Criança (DNCr), em todas essas fases dirigido por Olinto de Oliveira, médico que havia participado do congresso de 1922. Entre outras atividades o DNCr encarregou-se de estabelecer normas para o funcionamento das creches, promovendo a publicação de livros e artigos (KUHLMANN JÚNIOR, 2000, p. 8).
Aos poucos, essas mudanças promoveram alterações na nomenclatura, relacionada a
esse nível da educação, e se “deixa de considerar a escola maternal como se fosse aquela
dos pobres, em oposição ao jardim de infância, passando a defini-la como a instituição que
atenderia a faixa etária dos 2 aos 4 anos, enquanto o jardim seria para a de 5 a 6 anos”
(KUHLMANN JÚNIOR, 2000, p. 9).
Kuhlmann Júnior (2000) explicou, além disso, que o pensamento sobre a educação
infantil, na década de 1950, foi representado pela obra de Heloísa Marinho9 publicada em
1952, “Vida e educação no jardim de infância”. Fundamentada em Dewey, a autora elaborou
o planejamento da expansão da educação infantil no estado do Rio de Janeiro. Nesse
documento propôs que a ampliação da pré-escola priorizasse as crianças mais pobres, filhas
de mães trabalhadoras, moradoras perto de parques industriais ou favelas. Para ela, “as
instituições pré-escolares não podem nem devem substituir o lar, [...] sendo preferível
educar a criança em casa, do que enviá-la a um jardim superlotado” (MARINHO, 1952 apud
KUHLMANN JÚNIOR, 2000, p. 10). Essa declaração tornava claro o crescimento da demanda
por educação infantil e a ineficiência do Estado em garantir esse atendimento.
9 Heloísa Marinho (1903 – 1994) foi uma educadora brasileira, com formação em filosofia e psicologia pela
Universidade de Chicago, que lecionou no Instituto de Educação do Rio de Janeiro, como assistente de
Lourenço Filho. Em 1942 tornou-se catedrática em Psicologia Educacional na Universidade Estadual do Rio de
Janeiro. Em 1952 foi escolhida pelo Departamento de Educação Primária da Secretaria Geral de Educação e
Cultura da prefeitura do Distrito Federal para elaborar um guia para a educação pré-primária (LEITE FILHO,
2000).
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A proposta pedagógica defendida por Heloísa Marinho priorizou o desenvolvimento
natural da criança, portanto, a orientação educativa não deveria tolher a criatividade e o
desenvolvimento intelectual da infância. Para isso, sugeria atividades como “[...] excursões,
vivências com alimentos, confecção de biscoito para lanche, observação de insetos, coleções
de folhas, experiências com água, ar, luz, entre outras” (KUHLMANN JÚNIOR, 2000, p. 15),
que deveriam ser organizadas em conjunto entre a professora e a turma.
Nos berçários, que atendiam crianças de zero até dezoito meses, passou-se a
valorizar o envolvimento afetivo entre “pajem”10 e bebê e as atividades propostas
constituíam-se em estimulação para se alcançar comportamentos previstos em escalas
padrão (KUHLMANN JÚNIOR, 2000).
Outra concepção que também ganhou força nesse período foi a da carência cultural
descrita por Patto (1997). Esse pensamento defendia que os jardins de infância deveriam
oferecer uma educação compensatória às crianças pobres, visto que o ambiente no qual
viviam não as estimulava adequadamente, provocando seu fracasso no ensino primário.
Após a Segunda Guerra Mundial, o movimento internacional em defesa da infância,
iniciado em 1924 com a publicação da Primeira Carta de Direitos Universais da Criança pela
Liga das Nações Unidas, ampliou-se e deu origem à Declaração Universal dos Direitos da
Criança11, que foi aprovada por unanimidade na assembleia geral da Organização das Nações
Unidas (ONU). Assim, o Brasil assumiu internacionalmente o compromisso com a integração
social de suas crianças de modo a reconhecê-las como sujeitos de direito. O Unicef,
organismo internacional responsável pela fiscalização quanto ao cumprimento desses
princípios, tornou esse compromisso critério para aprovação de empréstimos internacionais,
o que abriu as portas do país para a influência internacional direta na organização da
educação infantil, a partir desse período. Nogueira (1999 apud ROSEMBERG, 2002)
comprovou essas influências através das dotações financeiras recebidas pelo Brasil na
década de 1960:
10
Pajem era o nome atribuído à profissão das pessoas que cuidavam e educavam as crianças de zero a dezoito
meses, em meados do século XX.
11 A Declaração Universal dos Direitos da Criança defende os princípios de igualdade, proteção, nacionalidade,
alimentação, moradia, assistência médica, amor e compreensão, convivência em família, educação e lazer
gratuitos, proteção contra o abandono e a exploração no trabalho e o direito da criança crescer dentro de um
espírito de solidariedade, amizade, compreensão e justiça.
P á g i n a | 44
No rol de sete instituições, a Unesco foi responsável por 1%, o Unicef por 1,6% e a Usaid por 73% das dotações recebidas pelo Brasil naquele período. Além de reduzidas, as dotações efetuadas pela Unesco entre 1960-1965 destinaram-se, em sua totalidade, ao Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, tendo sido empregadas para a vinda de experts, orientação de técnicos e profissionais e para a realização de pesquisas. Isto é, as dotações destinaram-se à circulação de idéias (NOGUEIRA, 1999 apud ROSEMBERG, 2002, p. 31).
Rosemberg (2002) chamou a atenção para a preocupação dessas instituições com a
difusão de ideias sobre a importância de se organizar estabelecimentos de atendimento
infantil para conter a pobreza, através de programas de baixo custo. Kuhlmann Júnior (2000,
p. 10) também constatou esse fenômeno ao analisar o Plano de Assistência ao Pré-Escolar,
publicado em 1967 pelo Departamento Nacional da Criança (DNCr), que indicava as igrejas
de diferentes denominações para a implantação de Centros de Recreação que atenderiam
crianças de 2 a 6 anos, em caráter de emergência. “[...] A elaboração do plano segue as
prescrições do Unicef e parece ter sido feita apenas para cumprir exigências relacionadas a
empréstimos internacionais” (KUHLMANN JÚNIOR, 2000, p. 10).
Constatou-se, dessa maneira, que em meados da década de 1960 a educação infantil
no Brasil passou a integrar as políticas para o desenvolvimento econômico, elaboradas a
partir de imposições das organizações internacionais aos países subdesenvolvidos, que
solicitaram financiamento internacional. Rosemberg (2002) sintetizou as principais
características do modelo internacional proposto ao país, da seguinte maneira:
• a expansão da educação infantil constitui uma via para combater a pobreza (especialmente desnutrição) no mundo subdesenvolvido e melhorar o desempenho do ensino fundamental, portanto, sua cobertura deve crescer;
• os países pobres não dispõem de recursos públicos para expandir, simultaneamente, o ensino fundamental (prioridade número um) e a educação infantil;
• a forma de expandir a educação infantil nos países subdesenvolvidos é por meio de modelos que minimizem investimentos públicos, dada a prioridade de universalização do ensino fundamental;
• para reduzir os investimentos públicos, os programas devem se apoiar nos recursos da comunidade, criando programas denominados “não formais”, “alternativos”, “não institucionais”, isto é, espaços, materiais, equipamentos e recursos humanos disponíveis na “comunidade”, mesmo quando não tenham sido concebidos ou preparados para essa faixa etária e para seus objetivos (ROSEMBERG, 2002, p. 34).
O resultado desse modelo para a educação infantil significou, na prática, uma
expansão rápida desse atendimento através da contratação de professores leigos que, na
maioria das vezes, não tinham sequer o 2º grau (ensino médio) completo, salários reduzidos,
espaços precários (improvisados), escassez de brinquedos e livros, uso quase que
P á g i n a | 45
exclusivamente de papel, tinta e sucata. Para Rosemberg (2002) “a educação infantil para os
países subdesenvolvidos tornou-se a rainha da sucata” (p. 35). Constituindo-se em
ambientes educacionais inadequados para a vivência das experiências infantis.
A produção científica sobre a educação de crianças pequenas menores de seis anos
em instituições coletivas começou a crescer no Brasil somente na década de 1970, com um
grupo de pesquisadores liderados pela psicóloga Ana Maria Poppovic, que tinha a
preocupação de investigar o desenvolvimento infantil e suas relações com a alfabetização no
início da escolarização (CAMPOS e HADDAD, 1992).
Desse modo, as instituições pré-escolares foram as mais investigadas e os
conhecimentos científicos produzidos perpassaram os movimentos em defesa dos
programas de educação compensatória. Dois pressupostos teóricos embasaram esse
pensamento:
• As influências ambientais exercem papel relevante e determinador no desenvolvimento intelectual do indivíduo;
• Os primeiros anos de vida constituem-se na etapa mais importante desse desenvolvimento (CAMPOS; HADDAD, 1992, p. 14).
Esses fundamentos sobre a importância do ambiente para o desenvolvimento
cognitivo da criança, posteriormente, motivaram as investigações de Maria Clotilde Rossetti-
Ferreira que demonstrou como a relação mãe-bebê, nos primeiros anos de vida, era
importante para o desenvolvimento emocional e intelectual da criança. O baixo nível
socioeconômico que pressionou a mulher das camadas populares a trabalhar fora do lar,
exigiu que fossem encontrados adultos substitutos para cuidar dessa criança para, dessa
maneira, minimizar os prejuízos causados pela separação da mãe. “É por essa via que a
creche entra em cena, como uma necessidade não desejada que é preciso ser aperfeiçoada,
através de um modelo de intervenção interativo, chamado de “substituto materno””
(CAMPOS; HADDAD, 1992, p. 14).
Também na década de 1970, um novo ideário, motivado pelo crescimento da
urbanização, altas taxas de natalidade, aumento da pobreza dos operários e o despertar do
pensamento feminista contemporâneo, encontrou terreno fértil no país e envolveu o
atendimento das crianças pequenas. Rosemberg (2002) explicou que devido à Guerra Fria
(1945 – 1991), a Doutrina de Segurança Nacional, durante a ditadura militar no país,
considerava a pobreza como “bolsões de ressentimento”, pois essas pessoas eram mais
P á g i n a | 46
propensas à expansão do comunismo internacional. Para combater esse “perigo” era
necessário envolver a comunidade na implementação das políticas sociais.
Essa concepção orientou a teoria e prática do Desenvolvimento de Comunidade, e
foi empregada nas políticas públicas de combate à pobreza no país, desde o término da
Segunda Guerra Mundial. Ammann (1982 apud ROSEMBERG, 2002, p. 36) justificou, com
isso, o caráter preventivo desses programas em detrimento de uma política social que
atendesse aos direitos dos cidadãos. Buscava-se, dessa forma, o equilíbrio e a harmonia para
o progresso da nação. Rosemberg (2002) evidenciou como essa estratégia foi utilizada no
discurso político da época, empregando os estudos de Ammann (1982) e Germano (1994):
Em 1970, a Coordenação dos Programas de Desenvolvimento de Comunidade (CPDC) assim conceituava o DC: “instrumento de participação popular e um sistema de trabalho destinado a facilitar a conjunção dos recursos da população e do governo, e obter a maior rentabilidade destes” (CPDC apud AMMANN, 1982, p. 117). Em outras palavras, o DC e a participação comunitária constituíam, no período, estratégias propostas para integração social e nacional de pessoas ou regiões “desintegradas” do processo de desenvolvimento. Assim, os II e III Planos Nacionais de Desenvolvimento, entre 1977 e 1985, emitiram apelos redistributivos e participativos como estratégias para o enfrentamento da crise de legitimidade do governo militar nesse período. “O Estado se apropria de boa parte do vocabulário crítico da sociedade civil, expropriando, assim, seu poder latente de contestação e de crítica ao Regime” (GERMANO, 1994 apud ROSEMBERG, 2002, p. 37).
Entre 1977 e 1985, dois grandes programas de massificação da educação infantil
foram administrados pelo governo federal: o Projeto Casulo (1977), implantado pela Legião
Brasileira de Assistência (LBA) e o Programa Nacional de Educação Pré-escolar (1981),
organizado pelo Ministério da Educação. Esses programas objetivaram atender com baixo
investimento financeiro a infância. Kuhlmann Júnior (2000) caracterizou esse atendimento
como salas anexas nas escolas primárias, “[...] instituições que deixassem de lado critérios de
qualidade “sofisticados” dos países desenvolvidos, “distantes da realidade brasileira”.
Tratava-se de evitar que os pobres morressem de fome, ou que vivessem em promiscuidade,
assim como o seu ingresso na vida marginal [...]” (p. 11).
De acordo com Rosemberg (1999), tanto a LBA como o MEC adotaram modelos de
educação infantil convergente, ou seja, promoveram a expansão de creches e pré-escolas
com redução de investimentos governamentais e, assim, subordinaram a educação à
assistência, através do caráter compensatório que creches e pré-escolas assumiram. O
resultado dessas políticas foi o aumento espetacular de 991,8% nas matrículas em educação
infantil, no período de 1970 a 1983. O crescimento ocorreu principalmente na pré-escola, e
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houve um aumento significativo da entrada de educadores nessas instituições com formação
menor do que o ensino médio.
O resultado da adoção desse modelo acarretou impactos nefastos à educação
infantil, pois não significou a sua democratização, mas a “demografização”, isto é, as
crianças que tinham o atendimento mais precário, em geral, eram as mais pobres. Além
disso, a infância que mais reprovava na pré-escola (com a justificativa de falta de maturidade
para ingressar no ensino fundamental) era frequentemente a pobre, negra e residente no
nordeste do país (ROSEMBERG, 1999).
A mesma pesquisadora complementou esse quadro argumentando que esses
programas retardaram o processo de construção nacional de um modelo de educação
infantil democrático, atento às necessidades da criança e sua cultura.
Com isso, observou-se que, nessa fase, os pensamentos em gestão escolar e
educação infantil sofreram importantes influências internacionais e que, devido ao processo
ditatorial instalado na política do país, os pesquisadores brasileiros focaram suas
investigações no estudo dos instrumentos da gestão escolar e no desenvolvimento infantil
afastando-se, assim, temporariamente das questões políticas.
1.4 A gestão democrática e a compreensão da criança como sujeito de
direitos
Com a efervescência política e mobilização social do final da década de 1970, que
exigiu a urgente democratização das instituições públicas no país; o pensamento em gestão
da educação ensaiou, de acordo com Sander (2007), uma perspectiva sociocultural
concebida “[...] a partir da intersecção de contribuições conceituais e analíticas das ciências
sociais aplicadas, mais afinadas com a cultura brasileira e a própria idiossincrasia brasileira e
latino-americana” (p. 49).
Desse modo, na década de 1980, a discussão teórica sobre a gestão da escola passou
a contrapor o tecnicismo à especificidade da educação. Sander (2007) sintetizou as
contribuições dos principais pesquisadores da área neste contexto:
P á g i n a | 48
[...] Sander (1983; 1984; 1990) enuncia o confronto entre o paradigma positivista de administração do consenso e o paradigma interacionista de administração do conflito e seus esforços superadores de mediação dialógica. Arroyo (1983, p. 122-129) concebe o paradigma de administração da educação como processo político em oposição ao processo tecnológico. Wittmann (1983) propõe o paradigma de administração da educação como prática social transformadora para fazer frente ao autoritarismo burocrático. Frigotto (1984) dá forma ao paradigma do ato educativo como prática política e social que se opõe à concepção da educação como fator de produção econômica. Finalmente, Cury (1983; 1985) e Gadotti (1983, p. 38-45) defendem um paradigma de administração como processo democrático em oposição à administração burocrática (SANDER, 2007, p. 64).
A partir de então, a concepção democrática de gestão escolar tornou-se a mais
defendida pelos pesquisadores da área. Maria de Fátima Costa Félix , em 1984, publicou a
obra “Administração escolar: um problema educativo ou empresarial?”12 em que mostrou
como a escola não tem uma função autônoma na sociedade, pois está inserida em um
contexto econômico, político e social que a determina. No Brasil, “a administração escolar
tem que ser compreendida no quadro das relações entre a estrutura econômica e a
superestrutura jurídico-política e cultural como elemento de mediação entre as exigências
do capital em relação à educação das diferentes classes sociais.” (p. 93). Destarte, na
perspectiva empresarial, que privilegia as racionalidades técnica e econômica, a gestão da
escola tem servido aos interesses da classe hegemônica para a formação de mão de obra
para o capitalismo e manutenção da desigualdade entre as classes sociais.
Nesse contexto de discussão, em 1986, Vitor H. Paro, em “Administração Escolar:
introdução crítica”, posicionou-se contra a aplicação da lógica empresarial no contexto
escolar, pois o trabalho educativo tem uma especificidade que é contrária a essa lógica
capitalista, assim “[...] o aluno é, não apenas o beneficiário dos serviços que ela [escola]
presta, mas também participante de sua elaboração.” (p. 126)13. Para o autor, é possível
construir uma administração escolar para a transformação social levando-se em conta os
seguintes pontos:
1. A questão da especificidade da Administração Escolar. Em oposição à
administração de empresas que visa à dominação, a Administração Escolar
12
A edição utilizada neste trabalho de “Administração Escolar: um problema educativo ou empresarial?”, de
Maria de Fátima Costa Félix, foi a publicada em 1989 (4. ed.).
13 A edição utilizada neste trabalho de “Administração escolar: introdução crítica”, de Vitor Henrique Paro, foi
publicada em 1987 (2ª. ed.).
P á g i n a | 49
deve buscar a emancipação social, comprometendo-se com os interesses das
camadas dominadas da população;
2. Administração Escolar e racionalidade social. Os responsáveis pela gestão da
escola não podem aceitar incondicionalmente as determinações que são
impostas à escola pela classe hegemônica, é necessário desvelar os
verdadeiros propósitos de dominação por trás das políticas educacionais à
comunidade escolar. “É através dessa apropriação do saber e desse
desenvolvimento da consciência crítica que os membros da classe
trabalhadora têm condições de entrar em contato e participar de uma nova
concepção de mundo, revolucionária e articulada aos seus interesses de
classe” (p. 155);
3. A racionalidade interna da escola. Para que a Administração Escolar
efetivamente contribua à transformação social (racionalidade externa da
escola) é preciso que no nível da práxis (racionalidade interna da escola)
ocorra a “utilização racional de recursos para a realização de fins” (p. 156). Ou
seja, as pessoas envolvidas na gestão da escola precisam conhecer a
instituição, seus aspectos pedagógicos e, também, os métodos e técnicas
relativos à atividade administrativa (competência técnica). Quanto mais
aberta e participativa for a administração da escola, mais reflexiva será sua
prática e, portanto, conduzirá à emancipação social;
4. Administração e participação coletiva. A vinculação orgânica entre teoria e
prática é inerente à prática transformadora. Desse modo, para a gestão
democrática da escola é necessário abandonar o modelo de concentração de
autoridade em apenas uma pessoa, o diretor. “[...] Para que isso aconteça, é
preciso que a coordenação do esforço humano coletivo seja função de grupos
e não de indivíduos [...]” (p. 161). Assim, toda a comunidade escolar deve ter
claro os princípios e métodos da nova administração para atender as
demandas da classe trabalhadora. A gestão colegiada oferece mais vantagens
para a administração participativa, pois com as decisões tomadas em grupo, a
instituição escolar fica mais fortalecida interna e externamente.
5. A Administração Escolar e a consideração das condições concretas. Para
promover a gestão democrática é necessário partir das condições concretas
P á g i n a | 50
encontradas na escola. É preciso criar condições de participação, para isso, os
educadores devem ter uma consciência crítica da realidade social e buscar
como objetivo a transformação. Na prática isso envolve “desde o
desenvolvimento de um clima amistoso e propício à prática de relações
humanas cordiais e solidárias no interior da escola, até a luta pelos direitos
humanos de toda ordem no nível da sociedade global, desde as reivindicações
por aumento do salário de professores e funcionários e por melhoria de suas
condições de trabalho na escola [...]” (p. 166).
Assim, na década de 1980, o pensamento em gestão escolar refletiu o movimento
social de luta pela democratização do país, promovendo a politização da administração da
escola na perspectiva da gestão democrática que foi, assim como o direito à educação
infantil, promulgada na Carta Magna de 1988, como princípio para a administração das
instituições escolares públicas brasileiras (CF, 1988, art. 206).
Um novo contexto marcou a administração pública na década de 1990. As crises
econômica e estrutural do Estado brasileiro foram as justificativas para o lançamento do
“Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado” (1995) pelo governo federal, que
reformulou a administração das instituições públicas do país.
O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, publicado em 1995, foi
elaborado pela Câmara da Reforma do Estado, presidida por Luiz Carlos Bresser Pereira14,
ministro da Administração Federal e Reforma do Estado, e composta por Clovis Carvalho,
ministro da Casa Civil, Paulo Paiva, ministro do Trabalho, Pedro Malan, ministro da Fazenda,
José Serra, ministro do Planejamento e Orçamento e pelo Gen. Benedito Onofre Bezerra
Leonel, ministro Chefe do Estado Maior das Forças Armadas.
Esse documento, como justificativa para suas propostas, responsabilizou a
administração pública burocrática hierarquizada pela ineficiência do Estado brasileiro em
14
Luiz Carlos Bresser Pereira nasceu em São Paulo em 1934, cursou a Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo, é mestre em administração de empresas pela Michigan State University, doutor e livre docente em
economia pela Universidade de São Paulo, é professor emérito da Fundação Getúlio Vargas. Foi diretor
administrativo do grupo Pão de Açúcar (1965-1983), secretário do governo de São Paulo (1985-1987), ministro
da Administração Federal e da Reforma do Estado (1995-1998) e presidente do CNPq (1999). Atualmente, é
editor chefe da Revista de Economia Política e escreve semanalmente uma coluna para o jornal Folha de São
Paulo. A maior parte de seus textos está disponível no site: www.bresserpereira.org.br.
P á g i n a | 51
atender as demandas da sociedade civil e, então, apresentou um novo modelo de
administração pública:
É preciso, agora, dar um salto adiante, no sentido de uma administração pública que chamaria de “gerencial”, baseada em conceitos atuais de administração e eficiência, voltada para o controle dos resultados e descentralizada para poder chegar ao cidadão, que, numa sociedade democrática, é quem dá legitimidade às instituições e que, portanto, se torna “cliente privilegiado” dos serviços prestados pelo Estado. É preciso reorganizar as estruturas da administração com ênfase na qualidade e na produtividade do serviço público; na verdadeira profissionalização do servidor, que passaria a receber salários mais justos para todas as funções. Esta reorganização da máquina estatal tem sido adotada com êxito em muitos países desenvolvidos e em desenvolvimento (BRASIL, 1995, p. 7).
Nesse novo padrão da administração pública houve uma redefinição do papel do
Estado, que deixou de ser o promotor do desenvolvimento econômico e social para assumir
as funções de regulador, coordenador e avaliador da modernização no país. Isso significou a
transferência para o setor privado das atividades do Estado que poderiam ser controladas
pelo mercado e a responsabilização da sociedade civil pela oferta dos direitos, agora
nomeados de “serviços sociais”.
Para isso, o Plano de Reforma propôs a criação de um novo tipo de instituição
pública, a não-estatal, caracterizada pelo hibridismo do pensamento político desse
momento histórico. As instituições públicas não-estatais seriam aquelas geridas pela
sociedade civil organizada e subsidiadas pelo Estado. Enquadravam-se nesse tipo de
instituição “os serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa científica.” (Ibid., p. 13).
Assim, os objetivos que foram impostos a esses serviços então caracterizados como “não-
exclusivos” ao Estado foram:
• Transferir para o setor público não-estatal estes serviços, através de um programa de “publicização”, transformando as atuais fundações públicas em organizações sociais, ou seja, em entidades de direito privado, sem fins lucrativos, que tenham autorização específica do poder legislativo para celebrar contrato de gestão com o poder executivo e assim ter direito a dotação orçamentária.
• Lograr, assim, uma maior autonomia e uma consequente maior responsabilidade para os dirigentes desses serviços.
• Lograr adicionalmente um controle social direto desses serviços por parte da sociedade através dos seus conselhos de administração. Mais amplamente, fortalecer práticas de adoção de mecanismos que privilegiem a participação da sociedade tanto na formulação quanto na avaliação do desempenho da organização social, viabilizando o controle social.
• Lograr, finalmente, uma maior parceria entre o Estado, que continuará a financiar a instituição, a própria organização social, e a sociedade a que serve e
P á g i n a | 52
que deverá também participar minoritariamente de seu financiamento via compra de serviços e doações.
• Aumentar, assim, a eficiência e a qualidade dos serviços, atendendo melhor o cidadão-cliente a um custo menor (Ibid., p. 46-7).
Observou-se, com tudo isso, a real intenção política de desresponsabilizar o Estado
pela oferta dos direitos sociais promulgados na Constituição de 1988. O cidadão foi
transformado em cliente que, se quisesse ter seus direitos assegurados, deveria exigi-los
através da participação na gestão e no custeio da manutenção dos “serviços sociais”. Além
disso, o funcionário público tornou-se um profissional, o que significou, com a publicização,
a perda da estabilidade funcional, a redução de salários e a precarização das condições de
trabalho, através da intensificação das tarefas de controle, em condições materiais precárias
e culpabilização pelo fracasso nos resultados da organização.
Uma característica importante da nova administração pública, proposta pelo Plano
de Reforma do Estado, foi o emprego dos princípios da administração empresarial no setor
público. Esse conceito foi definido no texto da Reforma da seguinte maneira:
Na administração pública gerencial a estratégia volta-se (1) para a definição precisa dos objetivos que o administrador público deverá atingir em sua unidade, (2) para a garantia de autonomia do administrador na gestão dos recursos humanos, materiais e financeiros que lhe forem colocados à disposição para que possa atingir os objetivos contratados, e (3) para o controle ou cobrança a posteriori dos resultados. Adicionalmente, pratica-se a competição administrada no interior do próprio Estado, quando há a possibilidade de estabelecer concorrência entre unidades internas. No plano da estrutura organizacional, a descentralização e a redução dos níveis hierárquicos tornam-se essenciais. Em suma, afirma-se que a administração pública deve ser permeável à maior participação dos agentes privados e/ou das organizações da sociedade civil e deslocar a ênfase dos procedimentos (meios) para os resultados (fins) (Ibid., p. 16).
Nesse contexto, a reflexão sobre a gestão da escola pública caracterizou-se pelo
embate entre o uso das lógicas democrática e empresarial, para a promoção do direito à
educação no país. Duas obras destacaram-se, nesse período, por relatar a experiência de
educadores à frente de secretarias da educação no país. Paulo Freire, em “A Educação na
Cidade” (1991)15, apresentou sua experiência como Secretário da Educação do município de
São Paulo, de 1988 a 1990, na gestão de Luiza Erundina, do Partido dos Trabalhadores (PT).
E, também, Guiomar Namo de Mello, no livro “Cidadania e competitividade: desafios
15
A edição utilizada neste trabalho de “A educação na cidade”, de Paulo Freire, foi a publicada em 2006 (7.
ed.).
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educacionais do terceiro milênio” (1993)16, que retratou o padrão de gestão que implantou
como Secretária da Educação do município de São Paulo (1982 – 1985), como Deputada
Estadual de São Paulo (1986 – 1990) e consultora do Banco Mundial na região nordeste do
Brasil e no estado de Minas Gerais (1990-1991) (MACHADO, 2007).
Paulo Freire (Ibid.) mostrou que seu sonho era mudar a cara da escola e, para isso,
seria preciso lutar contra o elitismo autoritário, através da gestão democrática. Desse modo,
os objetivos da reorganização política e administrativa que propôs foram: garantir o acesso e
permanência dos setores populares no sistema de ensino, democratizar o poder pedagógico,
melhorar a qualidade da educação e eliminar o analfabetismo.
Na prática, Paulo Freire buscou investir na reforma dos prédios escolares, que
estavam em péssimas condições quando assumiu, implantou os Conselhos Escolares,
promoveu um aumento salarial para os professores de mais de 300%, investiu na formação
continuada de professores, estimulou uma reforma curricular (interdisciplinaridade) com a
participação popular, implementou os Projetos Políticos Pedagógicos com a participação de
toda comunidade escolar (Sindicatos, Grêmios Estudantis, Associação de Pais e Mestres) e
defendeu a avaliação formativa através da dialogicidade. Sua política administrativa
priorizou os princípios da descentralização, autonomia da escola e participação da
comunidade escolar. Sua perspectiva sobre o trabalho do educador era:
Para o educador progressista coerente, o necessário ensino dos conteúdos estará sempre associado a uma “leitura crítica” da realidade. Ensina-se a pensar certo através do ensino dos conteúdos. Nem o ensino dos conteúdos em si, ou quase em si, como se o contexto escolar em que são tratados pudesse ser reduzido a um espaço neutro em que os conflitos sociais não se manifestassem, nem o exercício do “pensar certo” desligado do ensino dos conteúdos (FREIRE, 2006, p. 29).
Em uma perspectiva contrária a de Paulo Freire, Guiomar Namo de Mello defendeu
que o padrão de gestão burocrático das escolas públicas não atendia mais as demandas da
sociedade global, que exigia a formação de indivíduos cada vez mais competitivos para
enfrentar os problemas da modernidade.
O novo padrão de gerenciamento da educação assumido pelo Brasil em compromisso
assinado na Conferência Mundial de Educação para Todos (1990), promovida pela CEPAL e
Unesco, teve a finalidade de priorizar as Necessidades Básicas de Aprendizagem Sociais
16
A edição utilizada neste trabalho de “Cidadania e competitividade: desafios educacionais do terceiro
milênio”, de Guiomar Namo de Mello, foi a publicada em 1997 (6. ed.).
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(NEBAS), isto é, oferecer através da escola instrumentos aos cidadãos para participarem do
desenvolvimento social do país e, consequentemente, melhorar a qualidade de vida.
Para concretizar essa política, Mello (1997) propôs dez políticas educacionais para o
país:
1. Rever o padrão de financiamento e alocação de recursos. Propôs uma
reforma tributária que aumentasse o repasse de recursos para a educação e
promovesse um sistema de colaboração entre os setores público e privado.
Para que o investimento fosse efetivo, defendeu a construção de um sistema
de informação sobre a educação mais confiável no país e o repasse de verbas
mediante o cumprimento de metas pelas escolas;
2. Rever o planejamento para expansão e ocupação da rede física.
Descentralizar a gestão da educação através da municipalização dos sistemas
de ensino. Defendeu, ainda, a racionalização da ocupação dos espaços físicos
na escola e a redistribuição dos funcionários. Apontou, além disso, para a
necessidade de ampliar a jornada escolar nos anos iniciais para cinco horas;
3. Qualificar a gestão escolar. A definição de um Plano de Desenvolvimento da
Escola direciona o pensamento e as ações em seu interior. Nesse sentido, “o
fortalecimento da função do diretor ou diretora escolar, seu treinamento para
exercer uma liderança democrática e responsável, sua autoconfiança e
conhecimentos técnicos, vão constituir o melhor ponto de partida” (MELLO,
1997, p. 97). Além disso, consultorias para assistência técnica, promovidas por
organizações não-governamentais, também poderiam trazer contribuições
importantes;
4. Instituir sistemas de avaliação externa da aprendizagem dos alunos. Utilizar
a avaliação interna e externa da escola para instrumentalizar as decisões de
melhoria da educação no país;
5. Estimular e criar modelos alternativos de formação dos professores. A
formação dos professores deveria ser constantemente avaliada para
aperfeiçoar a qualidade da educação. Ao mesmo tempo, seria necessário
investir em parcerias com universidades, cursos a distância e construção de
centros de capacitação para os professores, para promover a formação em
serviço;
P á g i n a | 55
6. Capacitar os docentes em serviço. Formar o professor para atender as
demandas do Plano de Desenvolvimento da Escola. “[...] O novo enfoque teria
em vista capacitar o professor não em quaisquer conteúdos, mas naqueles
requeridos para participar efetivamente da formulação e execução do projeto
pedagógico da escola, mantida a especificidade da área ou disciplina de
ensino” (MELLO, 1997, p. 104).
7. Levantar dificuldades e alternativas de solução para a questão salarial.
Alocar mais recursos para a educação e racionalizar o já existente. Para isso,
era preciso repensar os contratos dos professores efetivos, que acarretavam
em ônus pesado ao setor público. Desse modo, propôs que a remuneração
dos professores deveria ser vinculada à aprendizagem efetiva dos alunos
(meritocracia);
8. Optar por uma política do livro didático. Descentralizar a compra e
distribuição do material didático e assegurar que os estudantes recebessem
os livros em tempo hábil, capacitar as escolas para selecionar os melhores
livros paradidáticos, ampliar a variedade dos livros de literatura e apoiar os
materiais didáticos que fornecessem livros destinados ao professor para
capacitação em serviço (MELLO, 1997, p. 110);
9. Qualificar a demanda. Instrumentalizar a sociedade para que demande
ensino de qualidade, nesse sentido, os meios de comunicação em massa têm
uma importante função;
10. Estabelecer diretrizes para articular a escola aos equipamentos de saúde,
lazer e cultura. Ao invés de atribuir funções à escola, que prejudicam o ensino
aprendizagem dos conteúdos curriculares básicos, estimular a interação da
comunidade escolar com outros equipamentos sociais. “Soluções de
atendimento integral pensadas a partir da cúpula do sistema e
implementadas de forma homogênea para todo o país são contraindicadas
neste caso [...]” (MELLO, 1997, p. 112).
Como foi possível constatar, nas obras de Paulo Freire e Guiomar Namo de Mello, no
final do século XX, o pensamento em gestão escolar encontrava-se em construção em meio
a duas lógicas opositoras, a democrática e a empresarial. Foi possível assinalar a defesa da
P á g i n a | 56
perspectiva democrática pelos pesquisadores e trabalhadores da educação, enquanto a
lógica mercantil foi mais promovida pelo Estado.
Silva Júnior (2002) e Machado (2006) mostraram como a lógica de mercado se
sobrepôs à lógica do direito à educação, o que desqualificou a especificidade do trabalho
educativo e, como consequência, esvaziou o campo teórico da administração/gestão escolar.
Para Silva Júnior,
Há que se lutar, finalmente, contra um efeito dominó perverso que se abateu já há alguns anos sobre a relação teoria e prática em administração escolar no Brasil e que pode ser expresso nos termos seguintes: se não é necessário saber administração escolar para dirigir uma escola, então, não é necessário estudar administração escolar; se não é necessário estudar administração escolar, então, não é necessário ensinar administração escolar; e se, finalmente, não é necessário ensinar administração escolar, então, também não é necessário pesquisar em administração escolar. Por esse caminho tortuoso chegamos à quase estagnação na produção de conhecimento específico sobre administração escolar em nosso país. A idéia de administração se reduz à idéia de gestão e ambas se diluem no universo da política, que é chamada de educacional, mas desconsidera os resultados da investigação científica e se assenta, quase exclusivamente, no arbítrio de pessoas ocupantes de posições estratégicas na estrutura de poder (SILVA JÚNIOR, 2002, p. 210-1).
Também Pereira e Andrade (2005), em um levantamento sobre a produção teórica e
prática da administração da educação, no período de 1983 até 1996, evidenciaram que foi a
perspectiva política que introduziu maior profundidade às reflexões teóricas da área. A
análise assegurou que a gestão escolar no Brasil ainda se configura como um campo teórico
a ser construído, apontando para a necessidade de investimento na pesquisa teórica dessa
área.
Um estudo da arte sobre a produção científica de 1991 a 1997 em gestão da
educação, coordenado por Lauro Carlos Wittmann e Regina Vinhais Gracindo (2001),
demonstrou que as categorias de análise mais utilizadas para a investigação da gestão
escolar, nesse período, foram: 1) democratização e autonomia; 2) organização do trabalho
escolar; 3) função e papel do gestor e a 4) gestão pedagógica (PAZETO; WITTMANN, 2001).
Maia (2008), que também investigou o percurso teórico dessas pesquisas na década
de 1990, constatou o uso dos termos “administração” e “gestão”, nas publicações científicas
desse campo, com significações diferentes:
[...] o primeiro foi associado às formas antidemocráticas de trabalho, ao individualismo, à hierarquia e à centralização das decisões; ao segundo designou-se a possibilidade de horizontalidade das relações, da coletividade, da participação e
P á g i n a | 57
da descentralização das ações no sistema educacional e nas unidades escolares (MAIA, 2008, p. 40).
No início do século XXI, Souza (2006) buscou compreender o perfil da gestão escolar
e explicou que nas escolas públicas do país a administração tem seguido a direção do
alargamento da democratização da política escolar, “[...] mas há ainda forte presença do
patrimonialismo e do controle político institucional sobre as escolas e seus dirigentes” [...]
(SOUZA, 2006, s. p.). Além disso, mostrou que as instituições nas quais o cargo de diretor
fora preenchido através do processo de eleição, a comunidade escolar tornou-se mais ativa
na construção coletiva de seu projeto pedagógico, sugerindo uma educação política mais
intensa nas escolas cujas relações configuram-se como democráticas.
Por fim, em projeto de pesquisa coordenado por Martins (2009), ainda em
andamento, sobre o estado da pesquisa em gestão escolar no Brasil foram encontradas as
seguintes categorias de análise nas produções desse campo, na primeira década do século
XXI: 1) espaços e canais de participação intraescolar; 2) relações e práticas intraescolares; 3)
políticas, programas e projetos governamentais e não governamentais e 4) teorias e
conceitos.
Com tudo isso, foi possível constatar que o pensamento da gestão escolar encontra-
se em construção em meio ao embate de duas lógicas contraditórias: a da gestão gerencial,
imposta pelo Estado, e a da gestão democrática, defendida pelos educadores e
pesquisadores brasileiros. O caminho apontado pelos investigadores da gestão escolar para
a consolidação da gestão democrática encontra-se no aperfeiçoamento das investigações no
nível meso da escola, ou seja, das relações entre seus atores e deles com as políticas
educacionais públicas.
Quanto à organização das instituições de educação infantil, o processo de reabertura
política do país possibilitou a organização de movimentos sociais e, principalmente, o
Movimento “Pró-Constituinte”, que elaborou a proposta aprovada em 1988, reconhecendo
a educação infantil como um direito de toda criança a partir do seu nascimento (CF, 1988,
art. 208).
Após a promulgação da Carta Magna de 1988, uma nova equipe assumiu no MEC a
Coordenação de Educação Infantil (Coedi) para propor a reformulação do atendimento da
infância com até seis anos no país. Rosemberg (2002) destacou duas diretrizes do
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documento “Política de Educação Infantil” (1993), que evidenciaram a ruptura com o
modelo anterior de subordinação da educação à assistência:
• equivalência de creches e pré-escolas, ambas tendo por função cuidar e educar das crianças pequenas como expressão do direito à educação; • formação equivalente para o profissional de creche e pré-escola em nível secundário e superior (ROSEMBERG, 2002, p. 53).
No entanto, essa proposta elaborada com ampla participação social foi interrompida
no início do governo de Fernando Henrique Cardoso (1994), que incorporou nas políticas
educacionais do país as estratégias do Banco Mundial. Assim, o Estado passou a priorizar o
ensino fundamental e retomou as propostas de programas de baixo investimento público
para o atendimento na educação infantil (ROSEMBERG, 2002).
Na década de 1990, a priorização do ensino fundamental, regulamentada pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (LDBEN) e financiada pelo Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério
(Fundef), desacelerou o processo de expansão das matrículas na educação infantil no Brasil.
Rosemberg (op. cit.) mostrou que a adoção pelo Estado da política de educação infantil do
Banco Mundial, pode ser constatada na primeira versão do Plano Nacional de Educação
(1997), pois:
• definiu metas diferentes para creches e pré-escolas, tanto quantitativas quanto qualitativas. Destaco a previsão de um nível de formação educacional inferior para o trabalhador de creche em relação ao trabalhador de pré-escola, voltando, portanto, à cisão histórica entre ambas instituições (creche para pobres); • postulou que as creches públicas devem destinar-se a compensar carências de famílias pobres; • defendeu a manutenção de crianças de até 3 anos no ambiente familiar, prevendo, para tanto, “programas alternativos” destinados a criar condições para essa permanência (BRASIL, MEC, 1997 apud ROSEMBERG, 2002, p. 54 ).
A pesquisadora mostrou, ainda, como essa concepção foi divulgada na ocasião da
campanha eleitoral, que reelegeu o então presidente da república Fernando Henrique
Cardoso:
Não se deve subestimar a capacidade das mães de família, mesmo aquelas com pouca escolaridade, de realizar muitas das tarefas próprias da creche, desde que cuidadosamente orientadas. Por isso mesmo, em nenhum país se pretende universalizar o atendimento das crianças em creche; ao contrário, a permanência junto à mãe tem sido estimulada por programas de apoio e de orientação materno-infantis (PSDB, 1998 apud ROSEMBERG, 2002).
Desse modo, os programas para a educação infantil no final do século XX no Brasil
repetiram a história dos anos de 1960 e 1970, pois utilizaram a educação infantil como
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estratégia de controle da pobreza e promoção da subordinação de gênero. À mulher
continuou sendo atribuída a responsabilidade de cuidar e educar seus filhos sozinha e, além
disso, as com escolaridade incompleta “[...] merecem “cursos para mães”, com verbas da
educação infantil e não uma formação completa como cidadãs no contexto da educação de
jovens e adultos” (ROSEMBERG, 2002, p. 58).
O percurso das pesquisas em educação infantil das décadas de 1980 e 1990 no país
foi investigado por Campos e Haddad (1992), no mapeamento dessa produção no periódico
Cadernos de Pesquisa, de 1970 até o final da década de 1980; por Rocha (1998), que avaliou
a produção da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd)
entre 1990 e 1996.
No final da década de 1970 e início de 1980, uma nova concepção de educação
infantil no campo da pesquisa educacional foi sistematizada. Essa linha de investigação,
liderada por Maria Malta Campos e Sonia Kramer, tratou conjuntamente dos atendimentos
em creche e pré-escola e fundamentou um posicionamento político-ideológico em bases
sócio-históricas, que defendeu o direito das mulheres trabalhadoras e mães de crianças
pequenas à educação infantil pública (CAMPOS; HADDAD, 1992, p. 15).
Com a intensificação do processo de reabertura política do país, o texto publicado
por Saviani em 1982, “Educação e Marginalidade na América Latina”, apresentou uma crítica
sobre os interesses dominantes na organização do atendimento à infância, nos países
subdesenvolvidos do continente americano. Dessa maneira, Saviani (apud CAMPOS;
HADDAD, 1992, p. 16) evidenciou que os programas compensatórios apenas contornavam o
problema, ao invés de atacá-lo de frente.
Esse raciocínio encontrou respaldo nos movimentos sociais da época, que passaram a
defender a educação infantil (desde o nascimento da criança) em instituições coletivas como
complementar à educação familiar. Dessa forma, o direito de acesso da criança e da mulher
trabalhadora à educação infantil configurou-se como bandeira de luta desses movimentos
sociais.
Em meados na década de 1980, Fúlvia Rosemberg empreendeu uma crítica à
concepção de que a educação infantil, em creches e pré-escolas, deveria ser destinada
apenas às crianças das camadas mais pobres da população, como defendido pelo Estado e
organizações multilaterais (Unesco e Unicef) pois, assim, esses estabelecimentos estariam
promovendo uma educação para a subordinação. A educação infantil de qualidade deveria
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ser encarada, então, como um direito de toda criança, independentemente de sua classe
social.
Essa indagação inspirou a pesquisa promovida por Zilma de Oliveira e Maria Clotilde
Rossetti-Ferreira em três instituições de educação infantil no município de São Paulo, com
diferentes modelos de gestão, sendo elas: uma creche construída e gerida pela prefeitura,
outra construída pela prefeitura e administrada por uma entidade não governamental e a
última construída por entidades de caridade e mantida com subsídios da prefeitura. Os
resultados apontaram para condições de educação e cuidado bastante diferentes nas três
entidades, o que motivou uma revisão dos pressupostos do grupo de pesquisa de Rossetti-
Ferreira sobre o modelo materno substituto proposto às creches.
A partir de então, duas características marcaram as pesquisas da segunda metade da
década de 1980: “[...] a análise das políticas públicas que incidem sobre a faixa etária de 0 a
6 anos e o uso de dados históricos sobre esse atendimento no país” (CAMPOS; HADDAD,
1992, p. 17).
Os estudos sobre as políticas públicas constataram a expansão exorbitante do
número de instituições de educação infantil, com um baixo investimento do Estado, fato que
sucateou esse atendimento. As pesquisadoras mais representativas dessa linha de
investigação foram Fúlvia Rosemberg, Sonia Kramer e Miriam Abramovay, que reforçaram a
defesa do caráter de educação e cuidado desses estabelecimentos (CAMPOS; HADDAD,
1992, p. 17).
Quanto à linha da pesquisa histórica, os trabalhos fundamentaram a crítica ao
modelo de organização das instituições de educação infantil a partir da construção histórica
e social das concepções de infância e educação, estabelecidas pelas classes hegemônicas do
país sobre a criança pobre. Os pesquisadores que se destacaram nessa linha foram: Tizuko
Morchida Kishimoto e Moysés Kuhlmann Júnior (CAMPOS; HADDAD, 1992).
Em um balanço crítico sobre essa produção das décadas de 1970 e 1980, Campos e
Haddad (1992) mostraram que
[...] o conhecimento de práticas modernas de cuidado e educação da criança pequena ficou em segundo plano, sendo pouco debatidas e aprofundadas questões relacionadas à qualidade do atendimento aos currículos adotados explícita ou implicitamente, ao tipo de formação dos educadores e técnicos, à organização interna dos serviços existentes, ou seja, questões que incidem sobre a natureza das experiências vividas pelas crianças nas creches e pré-escolas. Por outro lado, o esforço de compreender criticamente os contextos históricos e políticos, que
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forjavam as políticas sociais para a infância, permitiu a construção de um consenso a respeito de posições básicas, fundamentais para uma revisita aos teóricos do desenvolvimento infantil (CAMPOS; HADDAD, 1992, p. 18-9).
No início da década de 1990, Rocha (1998) mostrou que a preocupação dos
pesquisadores voltou-se, então, para as relações travadas no interior das instituições de
educação infantil. A ampliação do número de creches e pré-escolas públicas mobilizou os
cientistas da educação para a análise de temas como a formação de professores, a prática
pedagógica na educação infantil e a organização das instituições com atendimento em
período integral. A pesquisadora notou, ainda, um afastamento das questões relacionadas
às políticas educacionais e uma maior aproximação com estudos que avaliavam experiências
regionais e locais, “[...] chegando a apresentar proposições quanto ao atendimento da
demanda, qualidade e formas de gestão, numa participação cada vez mais crescente do
conjunto dos pais na definição destes aspectos” (ROCHA, 1998, p. 97).
A pesquisadora revelou que, na temática sobre formação de professores, os
profissionais que trabalham em creches eram os com menor nível de escolarização, fator
que influencia a prática pedagógica nessas instituições, as quais desconsideram a criança
como elemento central na construção de suas propostas pedagógicas. Além disso, tais
profissionais são, também, mais permeáveis a modelos educativos exportados de realidades
diversas.
Quanto à prática pedagógica, o jogo e a brincadeira foram considerados como os
elementos mais favoráveis para a construção de relações entre crianças e entre criança e
adulto, que propiciam um ambiente educativo em creches e pré-escolas. Além disso, alguns
estudos apontaram para a importância de se criar estratégias para dar voz à criança,
chamando a atenção para as práticas autoritárias frequentes nessas escolas, que têm
buscado mais a disciplina dos corpos infantis do que a educação para a emancipação.
A pesquisadora concluiu que estava em andamento no país a construção teórica de
uma nova disciplina, a Pedagogia da Educação Infantil, que concebia a educação e o cuidado
das crianças pequenas “[...] do ponto de vista histórico, antropológico e sociológico,
psicológico, linguístico, médico e nutricional [...]” (ROCHA, 1998, p. 159). Não se constituía
como objetivo dessa disciplina a fragmentação do conhecimento sobre os processos de
aprendizagem da criança pequena em especialidades, mas sim a consolidação de uma
“Pedagogia que contemple todas as dimensões do humano e a diversidade sociocultural que
P á g i n a | 62
as constituem, evitando a exacerbação da imposição cultural, em detrimento da criação e
recriação da produção humana a ser conduzida pela criança” (ROCHA, 1998, p. 160). A
construção teórica dessa disciplina vem sendo incentivada e elaborada, principalmente, pelo
grupo de pesquisadores liderado pela professora da Unicamp, Ana Lúcia Goulart de Faria.
Em suma, a partir do final da década de 1970 o pensamento científico em gestão
escolar posicionou-se contrário à concepção da administração clássica da educação,
justificando que havia uma impossibilidade de efetivação dessa lógica em ambiente escolar
em virtude da especificidade do trabalho educativo. Educadores e pesquisadores
progressistas passaram a defender, então, a gestão democrática da educação que foi,
posteriormente, promulgada na Constituição Federal de 1988. Em movimento contrário a
esse pensamento, em 1995, o Estado brasileiro propôs a reforma na gestão das instituições
públicas e, com isso, retomou e impôs, através das políticas educacionais, a concepção de
gestão empresarial para a educação. Desde então, pesquisadores como Silva Júnior (2002) e
Machado (2006) constataram um declínio na produção teórica sobre gestão escolar no país.
Em relação ao pensamento científico sobre a educação infantil foi possível observar
três movimentos: no primeiro houve a defesa da educação infantil como direito de toda
criança desde seu nascimento, também promulgado na Carta Magna de 1988; no segundo
momento, constatou-se o fortalecimento da influência internacional e a retomada de
princípios economicistas para a expansão e organização das instituições de educação
infantil; e o movimento mais recente mostrou que está em andamento a construção de uma
nova disciplina, a Pedagogia da Educação Infantil, que objetiva investigar a especificidade da
criança desse nível da educação básica.
Neste capítulo, defendeu-se que os percursos dos pensamentos em gestão escolar e
da educação infantil estiveram mais próximos nas fases em que a ideia de democratização
da educação fortaleceu-se.
Foi possível constatar que essas construções teóricas não se deram de modo linear,
muitas vezes as fases se sobrepuseram e em outras se distanciaram e, além disso, o
pensamento dominante de um momento histórico não desapareceu na fase seguinte,
ocorrendo até mesmo, em outras ocasiões, o retorno em fases posteriores. Também tornou-
se evidente como esses pensamentos sofreram influências dos contextos político e
econômico de cada momento histórico-social de construção do Brasil.
P á g i n a | 63
Com esse cenário, foi possível concluir que no início do século XXI tanto o
pensamento em gestão escolar como em educação infantil encontram-se em processo de
reformulação. Nesse contexto de construção teórica, tem ocorrido o embate entre as lógicas
democrática e empresarial no campo da gestão escolar e a construção de uma nova
disciplina, a Pedagogia da Educação Infantil, que evidencia a importância de se reconhecer a
especificidade do processo de constituição da criança pequena na organização do
atendimento de creches e pré-escolas.
CAPÍTULO 2
CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA PARA A
INVESTIGAÇÃO DAS IDEIAS SOBRE A GESTÃO DA
ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
A educação é uma produção não-material, isto significa que a atividade que a constitui se dirige a resultados que não são materiais [...]. No entanto, nós sabemos que a ação que é desenvolvida pela educação é uma ação que tem visibilidade, é uma ação que só se exerce a partir de um suporte material e, portanto, ela se realiza num contexto de materialidade.
Dermeval Saviani (1994)
P á g i n a | 65
compreensão acerca das práticas e ideias que emergem de um contexto
social em transformação é difícil de ser construída. Nesse sentido, apoiar-se
em um quadro teórico é imprescindível para direcionar os procedimentos
de coleta e análise das informações extraídas da realidade.
Neste capítulo apresento as linhas de pensamento e o material de análise que
guiaram o olhar deste estudo pelo conhecimento em gestão da escola e educação infantil no
Brasil, na primeira década do século XXI. Para isso, estruturei esta seção em três tópicos. No
primeiro, contextualizo o pensamento científico que fundamenta esta investigação. No
segundo tópico, demonstro as decisões e os procedimentos de levantamento do
conhecimento em gestão escolar e educação infantil. Por fim, no último tópico, são
explicados os procedimentos de análise dos dados coletados.
2.1 O contexto teórico de inserção da pesquisa em gestão da instituição de
educação infantil
A partir da década de 1990, as pesquisas educacionais no Brasil distanciaram-se dos
estudos teóricos. Gatti (2001) constatou uma tendência ao imediatismo quanto à escolha
dos problemas de pesquisa pelos cientistas da educação, o que trouxe um empobrecimento
teórico a esta área do conhecimento. A autora explicou que
Isso não quer dizer que não devamos nos voltar para os problemas concretos que emergem do cotidiano na história da educação vivida por nós – é aí que os problemas tomam corpo –, mas a pesquisa não pode estar a serviço de solucionar pequenos impasses do dia-a-dia, porque ela, por sua natureza e processo de construção, parece não se prestar a isso, vez que o tempo da investigação científica, em geral, não se coaduna com as necessidades de decisões mais rápidas. A busca da pergunta adequada, da questão que não tem resposta evidente, é que constitui o ponto de origem de uma investigação científica (GATTI, 2001, p. 71).
A provável razão desse afastamento das investigações teóricas, de acordo com
Warde (1990), deve-se à dupla natureza do conhecimento em educação, constituído pela
normatização e a multiplicidade de determinantes que estão em mudança na sociedade, o
que dificulta a construção de um quadro teórico conciso que comporte toda essa
complexidade.
A
P á g i n a | 66
Gatti (2005) explicou que a compreensão dos processos educacionais, atualmente,
demanda o questionamento sobre a possível superação da modernidade e a constituição do
espaço da pós-modernidade. A modernidade, segundo a autora, caracterizou-se pela quebra
dos vínculos metafísicos que explicavam o homem e o mundo pela elevação da razão como
fonte de saber confiável. Assim,
A modernidade caracteriza-se como a era da racionalidade, a qual fundamenta não só o conhecimento científico, como as relações sociais, as relações de trabalho, a vida social, a própria arte, a ética, a moral. Cria, por sua vez, condições de verdade que enclausuram a própria razão e que geram formas de poder e homogeneízam contextos e pessoas, impondo-se como instrumento de controle (HABERMAS, 1990 apud GATTI, 2005, p. 597).
Os críticos da modernidade posicionam-se em oposição à razão que se coloca como
absoluta e objetivada, que impôs o abandono dos ideais e fins humanos como a liberdade e
a emancipação. “A descoberta das instabilidades em vários sistemas, o uso do conceito de
caos, de probabilidade, a consideração da irreversibilidade do tempo, entre tantas mutações
em conceitos antes formulados como certezas, trazem uma nova perspectiva da natureza”,
que faz emergir a heterogeneidade e a transdisciplinalidade (GATTI, 2005, p. 601).
Gatti (2005) posicionou-se, nessa discussão, mostrando que a sociedade encontra-se
em uma fase de transição, a afirmar que “[...] não saímos totalmente das asas da
modernidade e nem estamos integralmente em outra era [...]” (GATTI, op. cit., p. 601-602).
Esse contexto de debates da pesquisa educacional na contemporaneidade propôs
algumas indagações a esta investigação: será que é ético pensar em uma teoria para a
gestão das instituições de educação infantil no século XXI? Haveria uma aplicação edificante
para esse tipo de pesquisa na sociedade brasileira?
Neste ensaio teórico, a defesa é a favor da tarefa investigativa que faz emergir
tendências e significados da prática social sobre a gestão de creches e pré-escolas, sem a
pretensão de homogeneizar ou prescrever qualquer práxis a essas instituições. Entende-se
que o mapeamento do conhecimento é relevante em virtude da insuficiência de pesquisas
nesse campo e sustenta-se neste estudo que é necessário o desafio de “conhecer o já
construído e produzido para depois buscar o que ainda não foi feito [...]” (FREITAS, 2002, p.
259). É importante a compreensão dessa prática social para, então, transformá-la e
promover a ação emancipatória na educação infantil.
P á g i n a | 67
O filósofo hispano-mexicano Adolfo Sánchez Vázquez (2003) definiu a prática social
como práxis, isto é, como o ato ou conjunto de atos em virtude dos quais o homem age
objetivamente sobre o mundo e, assim, modifica-o.
Mayoral (2006, p. 312), especialista nas obras desse filósofo, explicou que “[...] a
práxis é, pois, subjetiva e coletiva; revela conhecimentos teóricos e práticos (supera
unilateridades). Além do mais, e isto é básico, o trabalho de cada ser humano entra nas
relações de produção relativas a um âmbito sócio-histórico.” Nesse sentido, teoria e prática
têm uma relação complexa, marcada por idas e vindas, em que
[...] A prática amplia os horizontes teóricos (os descobrimentos das forças produtivas caem sob o controle do intelecto), sem que se reconheça sua origem. Não só aporta critérios de validade, mas também fundamentos e novos aspectos e soluções de um que fazer, e até meios ou instrumentos inovadores. É certo que existem diferenças específicas ou autonomia entre teoria e prática. Não são idênticas: não sempre a segunda torna-se teórica; tampouco a primazia da prática dissolve a teoria: às vezes a teoria adianta-se à prática, e existem teorias ainda não elaboradas como práticas. O que diz que a prática não obedece direta e imediatamente as exigências da teoria, mas sim suas próprias contradições, e que somente em última instância, depois de um desenvolvimento histórico, a teoria responde a práticas e é fonte destas (MAYORAL, 2006, p. 315).
Sánchez Vázquez (2003, p. 528) explicou que a sociedade encontra-se em “dias
incertos e obscuros” em que não se escreveu um novo capítulo do capitalismo e nem se
chegou ao socialismo. O homem está reeditando a filosofia da prática, de acordo com as
condições materiais do seu tempo, e cabe à ciência perceber o movimento transacional
entre teoria e prática para, assim, compreender a atividade transformadora no mundo. 17
Para essa difícil tarefa, André (2001) e Alves-Mazotti (2001) defenderam que é
preciso rigor na elaboração dos métodos da pesquisa em educação pois, somente assim, o
conhecimento da área poderia ser objetivamente debatido pela comunidade científica e,
consequentemente, haveria a construção de um corpo de conhecimento mais confiável e
amplo que contribuiria para uma práxis emancipatória.
A pesquisa qualitativa é a mais utilizada na área da educação e sua identidade
encontra-se em debate. Brito e Leonardos (2001) propuseram um esquema descritivo que
17
Diferentemente do posicionamento assumido nesta pesquisa, em 1989, o nipo-americano Francis Fukuyama
publicou um ensaio teórico, “O fim da História”, em que anunciou a vitória da democracia liberal ocidental
sobre as ideologias do fascismo e do socialismo para o governo da humanidade. Sua obra foi publicada no
Brasil em 1992, pela editora Rocco, com o título “O fim da história e o último homem”.
P á g i n a | 68
auxilia na compreensão das diversas práticas desse tipo de investigação, no início do século
XXI, e que também representa a perspectiva deste estudo:
FIGURA 1 – Esquema de descrição do processo da pesquisa qualitativa
Fonte: Brito e Leonardos (2001, p. 15).
A figura geométrica do triângulo equilátero simboliza a complexidade do
conhecimento crescente das ciências humanas, em oposição ao pensamento binário da
modernidade. Os vértices da figura apresentam os elementos que compõem o processo de
pesquisa – o pesquisador, a literatura científica e o objeto de pesquisa. A relação que se
estabelece entre os três elementos caracteriza-se pela mediação. Além disso, o triângulo
está inscrito em um círculo que representa o processo de pesquisa globalmente, cujo
interior irradia as relações de poder e preocupações éticas que regulam práticas e
interações.
Desse modo, o esquema permite diversas interpretações que descrevem a prática de
pesquisa e a síntese das várias relações de força presentes nos diferentes momentos da
investigação. É a abordagem teórica que o pesquisador adota para ler os fenômenos
P á g i n a | 69
educacionais que orienta os contornos dessas relações e eixos de tensão estabelecidos
(BRITO; LEONARDOS, 2001, p. 13).
Nesta pesquisa, a perspectiva histórico-crítica é a orientadora dos posicionamentos
assumidos. Dermeval Saviani, precursor dessa abordagem, defende a especificidade das
pesquisas pedagógicas (ciência da educação) que se interessam, principalmente, pela
identificação dos elementos culturais e naturais necessários para a constituição da
humanidade em cada ser humano e pela busca das maneiras mais adequadas de se alcançar
esse objetivo através da educação (SAVIANI, 1994).
A educação é inerente à natureza humana e sua origem coincide com a do próprio
homem. Saviani (2007a) justificou que
Se a existência humana não é garantida pela natureza, não é uma dádiva natural, mas tem de ser produzida pelos próprios homens, sendo, pois, um produto do trabalho, isso significa que o homem não nasce homem. Ele forma-se homem. Ele não nasce sabendo produzir-se como homem. Ele necessita aprender a ser homem, precisa aprender a produzir sua própria existência. Portanto, a produção do homem é, ao mesmo tempo, a formação do homem, isto é, um processo educativo [...] (SAVIANI, 2007a, p. 154).
A escola, nesse sentido, é a instituição criada na modernidade, que mais contribui
para a formação do homem contemporâneo. Assim, compreender a sua organização
favorece ao entendimento da própria sociedade.
Saviani (1995) explicou que a escola moderna está organizada em atividades-fins, que
são referentes aos objetivos educacionais da escola, aos procedimentos de ensino para
atingir suas finalidades e atividades-meio, relativas à administração da instituição. As teorias
pedagógicas relacionam-se com as atividades-fins, é a função política delas que configura o
objeto de análise desse pesquisador.
A inspiração de Saviani (Ibid.) para explicar o estado do conhecimento em educação
no país partiu de uma fala enunciada por Lênin, em resposta às críticas por assumir posições
extremistas e radicais no governo da União Soviética, após a Revolução de 1917: “[...]
quando a vara está torta, ela fica curva de um lado e se você quiser endireitá-la, não basta
colocá-la na posição correta. É preciso curvá-la para o lado oposto” (LÊNIN apud SAVIANI,
1995, p. 48-9). A partir dessa perspectiva Saviani desenvolveu três teses:
1. Do caráter revolucionário da pedagogia da essência (pedagogia tradicional) e
do caráter reacionário da pedagogia da existência (pedagogia nova) – para
Saviani a pedagogia tradicional legitima a dominação e a sociedade de classes,
P á g i n a | 70
enquanto a pedagogia nova defende a “igualdade essencial entre os homens”
(1995, p. 53). Contraditoriamente, nos tempos modernos, a classe que busca
a revolução (igualdade) não é mais a burguesia, mas sim aquela que a
burguesia explora. Assim, a pedagogia tradicional é que tem
instrumentalizado intelectualmente a classe dominada, enquanto a pedagogia
nova tem servido para formar as elites do país;
2. Do caráter científico do método tradicional, e do caráter pseudocientífico dos
métodos novos – no ensino tradicional a incursão pelo desconhecido faz-se
através do conhecido, ou seja, para ser pesquisador é necessário antes
conhecer o saber produzido pela sociedade para depois buscar inovações. Na
pedagogia nova o ensino é confundido com pesquisa, isto é, o desconhecido é
definido em termos individuais, busca-se conhecer aquilo que o sujeito não
sabe, mas a humanidade em seu conjunto já descobriu. É nesse sentido que
se pode distinguir “[...] a pesquisa da pseudopesquisa, da pesquisa de
“mentirinha”, da pesquisa de brincadeira, que em boa parte, me parece,
constitui o manancial dos processos novos de ensino [...]” (SAVIANI, 1995, p.
58-9). O autor demonstra, então, que o enriquecimento cultural da sociedade
somente acontece através do caráter científico proposto pelo método
tradicional.
3. É aquela conclusão segundo a qual quando mais se falou em democracia no
interior da escola, menos democrática foi a escola; e, quando menos se falou
em democracia, mais a escola esteve articulada com a construção de uma
ordem democrática – Saviani explicou que a burguesia criou os sistemas
nacionais de ensino e formulou a pedagogia da essência (tradicional) para
consolidar a ordem democrática. Embora no interior da escola houvesse
autoritarismo, os professores conseguiam manter a disciplina e fazer com que
os estudantes ascendessem na assimilação da cultura da humanidade. Quanto
à pedagogia nova, ela foi a responsável pela proclamação da democracia na
escola. Esta perspectiva propôs o tratamento diferencial, respeitando a
multiplicidade e o abandono da busca da igualdade em nome da
democratização das relações no interior das escolas. Como resultado essa
experiência legitimou as diferenças e quem usufruiu dessa vivência
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democrática no interior das escolas foram pequenos grupos, tornando-se “em
privilégios para os já privilegiados” (SAVIANI, 1995, p. 59). É nesse sentido que
o autor defende que “quando mais se falou em democracia no interior da
escola, menos democrática ela foi, e quando menos se falou em democracia,
mais ela esteve articulada com a construção de uma ordem democrática” (p.
60).
A partir dessas teses, Saviani anunciou a sua teoria da “curvatura da vara” para a
educação no Brasil:
[...] a ênfase que dei, invertendo a tendência corrente, decorre da consideração de que, na tendência corrente, a vara está torta; está torta para o lado da pedagogia da existência, para o lado dos movimentos da Escola Nova. [...] Creio ter conseguido fazer curvar a vara para o outro lado. A minha expectativa é justamente que com essa inflexão a vara atinja o seu ponto correto, vejam bem, ponto correto esse que não está também na pedagogia tradicional, mas está justamente na valorização dos conteúdos que apontam para uma pedagogia revolucionária; pedagogia revolucionária esta que identifica as propostas burguesas como elementos de recomposição de mecanismos hegemônicos e se dispõe concretamente contra a recomposição desses mecanismos de hegemonia, no sentido de abrir espaço para as forças emergenciais da sociedade, para as forças populares, para que a escola se insira no processo mais amplo de construção de uma nova sociedade (SAVIANI, 1995, p. 67-8).
Na década de 1980, essas constatações fizeram emergir as ideias sobre a relevância
política da educação e a desconsideração da especificidade da prática educativa
(competência técnica) pelo pensamento político. Saviani alertou, assim, para o perigo da
identificação da educação com a política, a partir de slogans como “educar é um ato
político”, isso porque embora educação e política sejam inseparáveis, não são iguais. São
práticas diferentes, dotadas de especificidades próprias.
Na prática pedagógica o professor deveria estar a serviço dos interesses dos
estudantes e acreditar naquilo que ensina, pois “ensinar é um ato de convencimento”
(SAVIANI, 1995, p. 93), diferentemente da prática política em que se busca vencer os
adversários. Além disso, a educação tem uma dimensão política na medida em que se
apropria “dos instrumentos culturais que serão acionados na luta contra os antagônicos”
(Ibid., p. 94). Desse modo, educação e política sustentam uma relação de dependência, pois
[...] a educação depende da política no que diz respeito a determinadas condições objetivas como a definição de prioridades orçamentárias que se reflete na constituição-consolidação-expansão da infraestrutura dos serviços educacionais etc; e a política depende da educação no que diz respeito a certas condições subjetivas como a aquisição de determinados elementos básicos que possibilitem o
P á g i n a | 72
acesso à informação, a difusão das propostas políticas, a formação de quadros para os partidos e organizações políticas de diferentes tipos etc (SAVIANI, 1995, p. 95).
Assim, Saviani defendeu a constituição histórica dessa relação, cujos determinantes
somente podem ser compreendidos a partir das manifestações sociais. Essas práticas
inseparáveis são compreendidas como modalidades de um todo, a prática social.
É a partir dessas considerações que Saviani fundamentou as bases de uma nova
teoria educacional, que valoriza a escola e está articulada com os interesses populares, por
isso, está “interessada em métodos de ensino eficazes” (SAVIANI, 1995, p. 79), que
estimulam a iniciativa e atividade dos estudantes e valoriza a iniciativa do professor;
favorece o diálogo entre alunos e desses com o professor, sem deixar de lado o diálogo com
a cultura acumulada historicamente; leva em consideração os “[...] interesses dos alunos, os
ritmos de aprendizagem e o desenvolvimento psicológico mas sem perder de vista a
sistematização lógica dos conhecimentos, sua ordenação e gradação para efeitos do
processo de transmissão-assimilação dos conteúdos cognitivos” (SAVIANI, op. cit., p. 79).
Saviani sustentou esta abordagem na publicação “Pedagogia histórico-crítica:
primeiras aproximações”, editada em 199118. Ela nasceu no contexto de discussões teóricas
e políticas da década de 1980, que expressavam a hegemonia do pensamento progressista,
ou seja, do ideário de esquerda, cujo marxismo constituía-se na sua expressão mais forte no
campo educacional (SAVIANI, 2008, p. XVII).
Por esse motivo, Saviani demonstrou preocupação com os modismos pedagógicos,
isto é, a “adesão acrítica e, por vezes, sectária” (Ibid., p. XVII) a uma corrente de
pensamento. Assim, buscou situar a base teórica da pedagogia histórico-crítica no terreno
do materialismo histórico e sintetizou os objetivos dessa abordagem em relação à educação
escolar em:
a) Identificação das formas mais desenvolvidas em que se expressa o saber objetivo produzido historicamente, reconhecendo as condições de sua produção e compreendendo as suas principais manifestações, bem como as tendências atuais de transformação.
b) Conversão do saber objetivo em saber escolar, de modo que se torne assimilável pelos alunos no espaço e tempo escolares.
c) Provimento dos meios necessários para que os alunos não apenas assimilem o saber objetivo enquanto resultado, mas apreendam o processo de sua produção, bem como as tendências de sua transformação (SAVIANI, 2008, p. 9).
18
Neste texto, faço referência à décima edição do livro “Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações”,
publicada em 2008.
P á g i n a | 73
Com isso, Saviani delineou o campo teórico e a prática pedagógica da pedagogia
histórico-crítica, valorizando a especificidade do saber escolar e da função social da escola,
que é compreendida como relacionada ao ensino do conhecimento elaborado,
sistematizado e erudito.
Saviani argumentou, além disso, que a pedagogia histórico-crítica, enquanto
movimento pedagógico, veio para atender a necessidade de encontrar alternativas à
pedagogia dominante. Suas primeiras ideias emergiram no final da década de 1970 e, por
isso, teve as marcas das análises críticas da educação elaboradas por Althusser, Bourdieu e
Passeron, Baudelot e Establet. Essas críticas evidenciaram que a cultura não tem força para
mudar a sociedade pois, na verdade, é a sociedade que determina a cultura. Com isso, ficava
claro que “toda proposta pedagógica, qualquer que ela seja, sempre desempenhará esse
papel [função de reprodução], quer os agentes tenham ou não consciência disso. Portanto,
não haveria saída no campo educacional” (SAVIANI, 1991, p. 135). Entretanto, os educadores
buscavam alternativas, discutindo essas teorias, com o objetivo de encontrar seus limites e
atingir a sua superação. Na França dois trabalhos ilustraram esse movimento, o de Vicent
Petit, “Les contradiction de ‘La reproduction’”, em 1973, e o de Georges Snyders, “École,
classe et lutte de classes”, em 1976. No Brasil, Saviani aprofundou essa crítica cunhando a
expressão “crítico-reprodutivismo” e elaborando a “teoria da curvatura da vara”, já
apresentada anteriormente.
Essa busca por alternativas suscitou a constituição das três principais entidades da
área de educação no Brasil, tratam-se da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação
em Educação (ANPEd), fundada em 1977, do Centro de Estudos em Educação e Sociedade
(CEDES), articulado em 1978, e da Associação Nacional de Educação (ANDE), organizada em
1979. Essas três entidades organizaram-se e, em 1980, promoveram a I Conferência
Brasileira de Educação, que refletiu esse espírito de luta pela educação e contestação contra
a ditadura militar ainda vigente no país.
Saviani, a partir de então, formulou as bases de sua teoria, que nomeou de histórico-
crítica, pois
[...] traduzia de modo pertinente o que estava sendo pensado. Porque exatamente o problema das teorias crítico-reprodutivistas era a falta de enraizamento histórico, isto é, a apreensão do movimento histórico que se desenvolve dialeticamente em suas contradições. A questão em causa era exatamente dar conta desse
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movimento e ver como a pedagogia se inseria no processo da sociedade e de suas transformações. Então, a expressão histórico-crítica, de certa forma, contrapunha-se a crítico-reprodutivista. É crítica como esta, mas diferentemente dela, não é reprodutivista, mas enraizada na história. [...] (SAVIANI, 2008, 140-1).
Marx teve contribuição fundamental para as bases teóricas da pedagogia histórico-
crítica, com a elaboração do conceito da dialética do mundo real. Saviani explicou que trata-
se de uma dialética histórica apresentada no materialismo histórico, “[...] que é justamente a
concepção que procura compreender e explicar o todo desse processo, abrangendo desde a
forma como são produzidas as relações sociais e suas condições de existência até a inserção
da educação nesse processo” (SAVIANI, 2008, p. 141).
A educação, nesse contexto das relações sociais, é entendida como mediação que
possibilita às novas gerações a incorporação dos elementos culturais produzidos
historicamente pela humanidade, de maneira a possibilitar a formação de agentes ativos do
processo de “desenvolvimento e transformação das relações sociais” (SAVIANI, Ibid., p. 143).
Nessa abordagem, o educando é a criança concreta, “síntese de múltiplas
determinações definidas enquanto relações sociais” (Ibid., p. 143). Portanto, seus interesses
estão relacionados às suas condições materiais de vida, frutos não de sua escolha, mas
herdados desde o nascimento. Isso significa, na prática, que ela pode transformar essas
condições herdadas. Toda criança é capaz de expressar sua criatividade na forma como
assimila e transforma essas relações sociais.
Nesse sentido, o conhecimento sistematizado, que é produzido historicamente,
integra o contexto da prática social desse estudante concreto. O conhecimento pode não ser
do interesse dele, em termos imediatos, mas é tarefa da educação viabilizar o acesso a esse
tipo de saber valorizado pela sociedade em que ele está inserido (SAVIANI, 2008, p. 144).
O professor, nesse contexto, é compreendido como alguém que apreendeu as
relações sociais e está em condições de viabilizar essa apreensão por parte de seus
educandos, “realizando a mediação entre o aluno e o conhecimento que se desenvolveu
socialmente” (Ibid., p. 144). Assim, o processo pedagógico promoveria a ascensão da
assimilação das relações sociais pelo educando, de modo a aproximar-se da concepção do
professor sobre o conhecimento da sociedade.
Para isso, o método de ensino da pedagogia histórico-crítica considera que há uma
relação dialética entre conteúdo e método. Isso significa que é muito importante trabalhar a
educação de forma concreta e articular os conteúdos às realidades materiais dos educandos,
P á g i n a | 75
conforme advoga Saviani (2008): “a lógica dialética é uma lógica concreta. É a lógica dos
conteúdos. Não, porém, dos conteúdos informes, mas dos conteúdos em sua articulação
com as formas” (Ibid., p. 144). Este método propõe, então, o conhecimento entendido de
maneira global, articulando-se em uma visão de totalidade que supera as especializações. Na
creche, por exemplo, o professor ensina a criança a expressar seus sentimentos e
pensamentos através de práticas de educação e cuidado, durante atividades como
alimentação, banho, sono, jogo e brincadeira.
A aprendizagem, nessa perspectiva, dá-se através de um processo de síncrese e
síntese do conhecimento concreto. De acordo com Saviani, antes da aprendizagem a
percepção do educando sobre as práticas sociais é sincrética, isto é, tudo é mais ou menos
caótico e confuso. O processo educativo efetivado a partir da mediação do professor conduz
o estudante a um entendimento sintético, ou seja, “[...] a visão do todo com a consciência e
a clareza das partes que o constituem” (Ibid., p. 146).
Nas instituições de educação infantil do Brasil, principalmente na primeira década do
século XXI, a prática pedagógica tem se organizado fundamentada na chamada Escola de
Vygotsky19 que, de acordo com Scalcon (2002), tem afinidades filosóficas com a pedagogia
histórico-crítica de Saviani, visto que ambas compartilham da mesma matriz teórica, o
materialismo histórico-dialético. Isso significa “[...] tomar os problemas educacionais a partir
das determinações socioistóricas que os envolvem e considerar as variações e contradições
presentes em toda realidade humana” (p. 2). Desse modo, a teoria histórico-cultural
contribui para a fundamentação das bases psicológicas da pedagogia histórico-crítica, “[...]
por ser uma teoria capaz de explicar a natureza social dos processos psicológicos e por
entender a realidade do indivíduo como síntese de múltiplas determinações sociais,
psicológicas e biológicas, conforme preconiza a pedagogia histórico-crítica.” (p. 9).
Suely Amaral Mello (1999) elaborou uma reflexão sobre as contribuições da teoria
histórico-cultural para a educação infantil no Brasil e mostrou que nessa abordagem a
criança constrói-se a partir da apropriação da cultura relativa ao momento histórico e à
19
Lev Semenovitch Vygotsky (1896 – 1934) foi um psicólogo russo que construiu sua teoria a partir da premissa
de que o indivíduo é a síntese do processo sócio-histórico, e que a linguagem e a aprendizagem têm elevada
importância nesse processo. Faleceu aos 38 anos por tuberculose. Suas ideias somente foram reconhecidas no
meio acadêmico muitos anos após sua morte, e foram desenvolvidas por pesquisadores como Alexei N.
Leontiev e Alexander R. Luria.
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sociedade em que vive. “Assim, o homem se torna humano à medida que atua sobre a
realidade [...] apropriando-se dela e transformando-a. Nesse processo o ser humano
reproduz, para si e em si próprio, a humanidade criada socialmente ao longo da história” (p.
17).
Para que a escola de educação infantil contribua com a formação social da infância,
precisa propiciar experiências sociais que desafiem a criança e a façam progredir no que já
sabe, ou no que ela faz com auxílio de outros (Ibid., p. 19). Para isso, a função de mediador
do professor é essencial, de maneira a apresentar ao educando o conhecimento acumulado
através de técnicas de ensino que considerem o nível de conhecimento real e o potencial de
crescimento.
Nessa linha de pensamento, Vygotsky (1984) explicou que para compreenderem-se
essas dimensões do aprendizado escolar é necessário levar em conta o conceito de zona de
desenvolvimento proximal:
Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VYGOTSKY, 1984, p. 97).
Assim, Vygotsky ensinou que o educador pode compreender o desenvolvimento da
criança de modo dinâmico, visto que está relacionado ao conhecimento real e potencial. Ou
seja, “o aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo
através do qual as crianças penetram na vida intelectual daquelas que as cercam” (Ibid., p.
99).
Mello (1999, p. 23) alertou que essa abordagem não propõe um ensino autoritário,
centrado na figura do professor, mas sim em atividades significativas para o educando. Estas
comporiam o elemento central do processo de aprendizagem. Porém, como elaborar
atividades significativas para a infância, de modo a responder aos seus desejos e interesses,
uma vez que estes são restritos devido a sua curta existência social? A pesquisadora
respondeu a essa questão, mostrando que o professor precisa compreender que “os
motivos e interesses são aprendidos com base nas condições concretas de vida e educação
e, assim sendo, os já existentes podem ser modificados, e novos motivos podem ser
ensinados” (p. 23).
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A partir desses conceitos, Scalcon (2002) apresentou uma síntese do estado das
bases psicológicas da pedagogia histórico-crítica, atualmente:
• O ensino promove o desenvolvimento integral do educando à medida que utiliza estratégias metodológicas coerentes com os níveis reais e potenciais de capacidade de compreensão e atuação do aluno na realidade através da solução de problemas da prática, na prática.
• A prática pedagógica tem sua atividade mediadora fundada nas intervenções realizadas na zona de desenvolvimento proximal e mediante a identificação do nível de desenvolvimento real e potencial do aluno. É uma atividade que se concretiza pela identificação por parte do professor dos elementos culturais essenciais e principais produzidos “histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens” (SAVIANI, 1991) e através da seleção dos objetivos, conteúdos, metodologias e formas de avaliação do processo de ensino-aprendizagem.
• A zona de desenvolvimento proximal, como um espaço dinâmico no qual pairam temporariamente as funções psicológicas ainda não amadurecidas, torna-se um instrumento que permite ao professor acompanhar o curso do desenvolvimento dos alunos. Desse modo, as formas e os meios planejados para a prática pedagógica acionam o processo ensino-aprendizagem do ponto de vista histórico-crítico porque impulsionam o desenvolvimento psicológico para frente.
• O conhecimento sistematizado produzido histórica, cultural e cientificamente pela humanidade, como objeto específico da educação escolarizada, é psicologicamente aprendido e assimilado historicamente (em seu processo de transformação) pelo aluno à medida que os conceitos espontâneos são substituídos por conceitos científicos, ou seja, à medida que, através de exercício do ato de pensamento, ocorre a evolução dos significados envolvidos no conteúdo da aprendizagem.
• O saber escolar, como saber objetivo oriundo do conhecimento científico e pedagogicamente transformado, é apropriado pelo aluno quando, pela internalização das bases dos sistemas científicos processadas pelo desenvolvimento de modalidades de pensamento conceitualmente definidas, ocorre uma elevação do nível de consciência de si mesmo e da realidade vivida (SCALCON, 2002, p. 137-8).
É nessa perspectiva pedagógica que são fundamentadas as atividades-fins da escola
de educação infantil desta investigação. As atividades-meio, relativas às funções de
administração/gestão da instituição, em 1986, foram analisadas por Paro, que propôs a
administração escolar voltada para a transformação social, como já apresentado no primeiro
capítulo deste texto.
Machado (2000), também motivada pela perspectiva histórico-crítica, definiu que
[...] pensar a organização do trabalho na escola, na sua gestão é pensar a materialidade da educação. Assim, proponho que se possa admitir a administração escolar como o conjunto de atividades voltado para a materialidade da educação, criando as condições necessárias para que a ação pedagógica se realize, destacando, como o faz Saviani, a importância das condições materiais a partir das quais e nas quais se desenvolve a ação educativa [...] (MACHADO, 2000, p. 76).
A partir desse conceito de administração escolar, a pesquisadora empreendeu uma
análise do estado da teoria em gestão escolar do final do século XX e constatou que,
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Nos meados dos anos 90, decorrida mais de uma década daqueles escritos de Saviani, parece-me oportuno retomar aquela idéia aplicando-a à administração escolar e perguntar: Para que lado pende, hoje, a “vara da administração”? Para o lado do participacionismo seria a resposta mais rápida. Entretanto, a meu ver, mais que pender para um lado, a “vara da administração” acha-se retorcida por “modismos”, por “aventuras administrativas” patrocinadas pelas instâncias oficiais, pelas descontinuidades da política educacional. É até possível que a “vara” não esteja “torta” para lado nenhum, mas apenas tombada junto ao chão, retorcida... Apenas?! (MACHADO, 2000, p. 78).
Com isso, mostrou que a efervescência política, provocada pela redemocratização do
país na década de 1980, gerou um “modismo” em torno da gestão democrática, promulgada
na educação pela Constituição de 1988 e, além disso, a responsabilização da administração
escolar tradicional, fundamentada na Teoria Geral da Administração (TGA), pelos percalços
da educação (MACHADO, 2000).
Esse movimento do conhecimento em gestão escolar provocou o esvaziamento das
pesquisas teóricas nesse campo e, na prática escolar, o que ocorreu foi
Em síntese, uma profusão de comissões, colegiados e conselhos; não importa a denominação que tenham recebido, mas quase todos microcolegiados discutidores de microproblemas, dando aos seus membros a sensação de participação... quantas vezes ilusória? Do mesmo modo que a centralização e a verticalização das decisões resultaram no enfraquecimento, na falta de autonomia da unidade escolar, a departamentalização excessiva, a horizontalidade burocratizada redundaram na morosidade, na falta de decisão, nesse “parece que vai mas não vai” da escola. Isso equivale a dizer que resultaram no mesmo enfraquecimento e falta de autonomia (MACHADO, 2000, p. 79).
Com essa crítica à gestão democrática, a pesquisadora propôs uma reflexão que
ambicionou a inflexão da “vara da administração escolar” para, então, encontrar o seu
“ponto correto”. Nesse sentido, mostrou que o primeiro passo seria a investigação da
prática social da gestão democrática no interior das escolas, com o objetivo de encontrar
meios para conquistar maior autonomia para a escola.
A abordagem sociológica da organização educativa dedica-se ao estudo das relações
sociais que compõem a escola (nível meso), por isso contribui para a compreensão do estado
dessa teoria, atualmente. Canário (1996) defendeu que a escola é um objeto de estudo em
construção que necessita ser descoberto pelos pesquisadores sociais e
[...] Se a constituição da escola como objecto de estudo corresponde a superar um tradicional enfoque, quer na relação individual (nível micro), quer na relação sistema/sistema social (nível macro), essa superação só será inteiramente produtiva se não conduzir a negar a pertinência de, permanentemente, tentar estabelecer articulações fecundas entre diferentes níveis de análise (CANÁRIO, 1996, p. 128).
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Com isso, Canário (op. cit.) chamou a atenção para a “transversalidade” da escola,
que não permite encerrá-la no domínio científico ou mesmo em uma disciplina da educação,
o que torna obrigatória a reformulação da agenda de investigação sobre a escola. Para isso,
a “porta de entrada” dessa nova perspectiva poderia ser o projeto educacional.
Sobre esse tema, Barroso (1999) mostrou que o projeto educacional configurou-se no
centro das políticas da reforma educacional dos anos de 1980 e 1990 nos países centrais do
mundo. Os sentidos dessa política tem sido paradoxal, pois ao mesmo tempo em que se
visou controlar a prática social da escola, através da normatização e racionalização de sua
gestão, foi utilizado como estratégia de mobilização da autonomia da escola, contribuindo
para a construção de mais relações democráticas, que fortaleceram a identidade desses
estabelecimentos.
O Novo Padrão de Gestão centrado na escola imposto pelas reformas educacionais
promoveu uma “autonomia decretada”, caracterizada por elementos como a
descentralização, desburocratização dos processos de controle, estímulo à participação da
comunidade escolar nas tomadas de decisões e valorização da meritocracia (BARROSO,
1996, 173).
Essas políticas educacionais promotoras da “autonomia decretada”, quando
fundamentadas em uma perspectiva político-gestionária neoliberal, tiveram três objetivos
essenciais: 1) tentativa de conciliação dos conceitos, não consensuais, de eficiência e
equidade no funcionamento da escola, o que significou na prática a definição de padrões de
qualidade que deveriam ser alcançados pela escola, respeitando a igualdade de
oportunidades para todos; 2) introdução da lógica de mercado no sistema público de ensino,
a partir da premissa de que o Estado burocrático era ineficiente na gestão da escola; 3)
apesar da criação do quase-mercado20 educacional, o Estado necessitou manter o controle
sobre esse sistema para assegurar sua legitimidade, dessa maneira, reforçou os processos de
avaliação externa para o “controle de qualidade” e a prestação de contas, associando a essa
ideia a concessão de maior autonomia à escola (BARROSO, 1996, p. 182).
20
O conceito de quase-mercado foi cunhado por Le Grand (1991). Em educação significa a introdução dos
mecanismos de regulação do mercado na organização das escolas públicas (AFONSO, 2001, p. 27).
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Barroso (op. cit.) esclareceu, ainda, que a autonomia não preexiste à ação dos atores
sociais, desse modo, mesmo que as políticas reformistas pretendam regular a partilha de
poder no interior dos estabelecimentos de ensino, são incapazes de criar ou destruí-la, pois
[...] a “autonomia da escola” resulta, sempre, da confluência de várias lógicas e interesses (políticos, gestionários, profissionais e pedagógicos) que é preciso saber articular, através de uma abordagem que podemos designar de “caleidoscópica”. A autonomia da escola não é a autonomia dos professores, ou a autonomia dos pais, ou a autonomia dos gestores. A autonomia, neste caso, é o resultado do equilíbrio de forças, numa determinada escola, entre diferentes detentores de influência (externa e interna), dos quais se destacam: o governo e os seus representantes, os professores, os alunos, os pais e outros membros da sociedade local (BARROSO, 1996, p. 185-6).
Esse funcionamento do nível meso da escola foi analisado por Lima (2003) em “A
escola como organização educativa”. O pesquisador argumentou que as atuais reformas
educacionais seguiram uma orientação neotaylorista, que buscou racionalizar a gestão
através de contextos centralizadores, que propuseram conceitos de descentralização como
“controle remoto” e autonomia como “delegação política”.
Nesse cenário, a organização da escola contemporânea configurou-se pelo
funcionamento díptico. Isto é, a prática social da comunidade educativa tem se localizado no
eixo entre a ordem burocrática (conexão) e a ordem anárquica (desconexão), pois “[...] não
sendo exclusivamente uma coisa ou a outra poderá ser simultaneamente as duas” (LIMA,
2003, p. 47).
Quando a escola aproxima-se mais do modo da Anarquia Organizada, as
características que se evidenciam são o de uma organização ambígua como arena política,
com sistema debilmente articulado e valorização da cultura e subjetividade, cujos conceitos
predominantes são as da articulação fraca, disjunção, ambiguidade e desordem. Por outro
lado, quando a escola aproxima-se mais do modo burocrático, caracteriza-se pelo
organicismo e mecanicismo, como um sistema social cujos conceitos evidenciados são a
forte articulação, conjunção, certeza, objetividade e ordem. A organização da escola não é
fixa podendo aproximar-se mais do modo anárquico ou burocrático dependendo dos
interesses dos atores sociais e suas condições materiais concretas.
Uma característica recorrente desse modo de funcionamento díptico da escola é que,
apesar de todo aparato normativo que as reformas têm imposto hierarquicamente às
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escolas, a “infidelidade normativa” tornou-se um fenômeno típico da ação organizacional da
escola atualmente. Lima (Ibid.) defendeu que
Na verdade, a infidelidade seria mais correctamente compreendida se considerada enquanto fidelidade dos atores aos seus objetivos, interesses e estratégias. Admitindo-se, porém a infidelidade normativa como contraponto ao normativismo burocrático, podem desenhar-se diferentes formas de infidelidade [...] (LIMA, 2003, p. 64).
O governo central conhecendo essa característica da organização escolar, cada vez
mais, vem aprimorando seus equipamentos de fiscalização/avaliação da eficiência da escola.
Nesse sentido, entregou aos professores a gestão da escola, o que significou a atribuição de
maior poder de decisão a este ator social da comunidade escolar para gerir a unidade de
ensino de acordo com a direção do Estado. Lima (Ibid.) designou esse fenômeno de
autonomia relativa do sistema educativo.
A autonomia da escola também foi objeto de investigação de Afonso (2010), que
analisou os modelos de gestão das escolas em Portugal, da revolução de 1974 até 2010. O
pesquisador constatou que logo após a revolução, as escolas conquistaram autonomia para
organizarem-se e, com isso, construíram um novo modelo de gestão que foi consagrado pelo
decreto-lei nº 769-A/76 como “gestão democrática das escolas”. Esse tipo de gestão
caracterizou-se pela eleição de um conselho diretivo responsável pela promoção da gestão
democrática na escola.
No entanto, com o passar dos anos, a autonomia das escolas foi sendo cerceada
gradualmente por uma crescente regulamentação legislativa que
[...] acabou por induzir a desmobilização crescente dos actores escolares. Gradualmente desinteressados de uma participação meramente ritual e ritualizada na eleição de um órgão que, embora vocacionado para representar a escola perante o Ministério da Educação, cada vez mais se configurava como representante do Ministério da Educação na escola, muitos actores escolares vão aceitando (sem grandes resistências ou oposições) a despolitização da vida das escolas e a desvalorização da participação e da autonomia [...] (AFONSO, 2010, p. 17).
Desse modo, na década de 1990, o fortalecimento dos ideais neoliberais e
neoconservadores no governo do Estado português promoveu a primeira experimentação
da Nova Gestão Pública (New Public Management) divulgada e defendida por organismos
internacionais e países centrais do mundo. A novidade trazida por este padrão de gestão à
escola pública foi a criação da figura do diretor executivo, como órgão de gestão unipessoal.
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Esse aparato, no entanto, não teve grande aderência nos sistemas de ensino, que
permaneceram com a gestão colegiada na maioria das escolas.
Em 1998, uma nova reforma na gestão da educação de Portugal criou os “contratos
de autonomia”, inspirados em um estudo anterior de Barroso (1997). Assim, a gestão da
escola foi, então, organizada em conselho pedagógico, conselho administrativo, conselho
executivo (ou diretor) e assembleia. A assembleia, que deveria definir as linhas de ação da
escola, como era de se esperar, na verdade não se configurou como órgão diretivo da escola,
visto que a direção continuou sendo ditada pelo Conselho Geral de Educação, ficando os
órgãos locais com a tarefa de gestão das atividades internas da escola.
Outra mudança na configuração da autonomia escolar ocorreu em 2008 (decreto-lei
nº 75/2008), através de uma nova reforma educacional que se caracterizou
[...] no sentido do reforço da participação das famílias e comunidades na direcção estratégica dos estabelecimentos de ensino e no favorecimento da constituição de lideranças fortes. A ênfase discursiva na colegialidade parece recair de novo na direcção – órgão colegial de direcção designado conselho geral. No entanto, algumas das ideias mais repetidas neste normativo vão no sentido de reforçar as lideranças das escolas e criar condições para que se afirmem boas lideranças e lideranças eficazes. Segundo a nova legislação, o rosto da escola é agora o director. É este o líder forte que deve ser “dotado de autoridade necessária para desenvolver o projecto educativo da escola e executar localmente as medidas de política educativa” (AFONSO, 2010, p. 20).
A partir de então, o diretor escolar (com características tecnocráticas) tornou-se o
responsável (e não os conselhos) pela prestação de contas dos resultados educacionais
alcançados pela escola (accountability) transformando-se, assim, no principal agente
fiscalizador do cumprimento das metas e objetivos definidos pelo poder central e pelo
projeto educativo da escola.
O conceito de accountability, investigado mais a fundo por Schedler (apud AFONSO,
2009), é estruturado em três dimensões: 1) informação, 2) justificação e 3) imposição ou
sanção, que se sustentam no direito do cidadão de pedir informações e na obrigação das
instituições públicas de atenderem a essa solicitação com transparência. O objetivo desse
equipamento de avaliação da eficácia dos serviços públicos deveria ser o aperfeiçoamento
das instituições. O quadro abaixo sintetiza as dimensões desse conceito:
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QUADRO 1 – Dimensões do modelo de accountability
Fonte: Afonso (2009, p. 60).
Nos Estados capitalistas democráticos, como o Brasil, têm sido comum a adoção de
formas parcelares da accountability, caracterizando-se pelo uso de testes estandartizados
para avaliar o desempenho de alunos e professores e pela publicação dos resultados no
formato de rankings, que são utilizados como instrumento para gerar um quase-mercado
educacional. De acordo com Afonso (2009a, 2009b), esse modelo atende a uma agenda
educacional ditada pelos países centrais que seguem orientações político-ideológicas de
uma nova direita, visando à mercadorização da educação.
É neste cenário teórico, elaborado a partir das perspectivas da pedagogia histórico-
crítica e da sociologia das organizações escolares, que foram construídos os procedimentos
de coleta e análise de dados nesta investigação.
2.2 Procedimentos para a apreensão do conhecimento em gestão escolar e
organização das instituições de educação infantil
O objetivo de ensaiar sentidos para uma teoria da gestão institucional da educação
infantil, na primeira década do século XXI no Brasil, trouxe um grande desafio ao processo
de elaboração do método desta pesquisa, que foi marcado por muitas idas e vindas.
Inicialmente, a intenção de compreender a teoria da gestão de creches e pré-escolas
conduziu esta investigação a uma busca por referências sobre o assunto nas bibliotecas das
faculdades públicas do país, com o auxílio de uma bibliotecária da Unesp – câmpus Marília.
Para a procura foram utilizadas as palavras-chave: “Educação Infantil” combinada com
P á g i n a | 84
“Administração” e “Gestão”. Foram encontradas apenas três publicações: “Educação
Infantil: uma proposta de gestão municipal”, de Ana Maria Costa e Sousa (1996); “Educação
Infantil: desenvolvimento, currículo e organização escolar”, de Teresa Lleixás Arribas et al.
(2004) e “Profissionais de educação infantil: gestão e formação”, organizada por Sônia
Kramer (2005).
O texto de Sousa (1996) caracterizou-se por um relato de experiência sobre a
integração de instituições de educação infantil em uma cidade de médio porte do estado de
Minas Gerais. Foram apresentadas a perspectiva do gestor municipal e as indagações
provocadas com a Constituição Federal de 1988, como também as dúvidas sobre como se
organizaria a educação depois que a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional -
LDBEN (1996) fosse sancionada.
O livro coordenado por Arribas (2004) apresentou-se no formato de um manual para
a organização de instituições de educação infantil, de acordo com o currículo nacional da
educação na Espanha. O olhar sobre a criança era desenvolvimentista e a organização da
escola, apresentada de forma a contribuir para o desenvolvimento biopsicossocial da
infância.
Por último, o livro organizado por Kramer (2005) apresentou os resultados de uma
pesquisa com diretores de instituições de educação infantil no estado do Rio de Janeiro. O
estudo demonstrou como a formação desses profissionais era insuficiente (exigência apenas
de ensino médio) e que a maioria não tinha experiência na educação infantil antes de
assumir o cargo. Denunciou as condições precárias de trabalho desses diretores com a falta
de infraestrutura e pessoal para auxiliar. Evidenciou que suas conquistas deviam-se muito
mais ao esforço pessoal para se aprimorarem na prática do que pelos cursos de formação
oferecidos pela secretaria estadual de educação. Apontou, por fim, para a necessidade da
realização de pesquisas que auxiliassem na organização de cursos de formação para esses
profissionais, que considerassem a especificidade do trabalho na educação infantil.
Observada a necessidade de aprofundamento na teoria da gestão escolar relacionada
à educação infantil, o seguinte problema colocou-se: qual material melhor apresentaria a
teoria da gestão da educação infantil nos dias de hoje?
A partir dessa indagação, foi realizada uma busca na produção científica sobre
educação infantil, a partir da década de 1980, quando esse atendimento passou a fazer
parte da educação básica para, então, “pinçar” os sentidos da gestão da educação nessas
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produções. Esse exercício de “pinçamento de sentidos” foi proposto, anteriormente, por
Lima (2006), em um estudo sobre a administração da educação em Paulo Freire.
No entanto, a produção teórica sobre gestão da escola, a partir da década de 1990,
sofreu um declínio, como já mostrado anteriormente no estudo coordenado por Machado
(2007). Assim, como apreender na educação infantil uma teoria que poderia ter se
modificado no século XXI? Logo se constatou a necessidade de investigar, também, as
produções científicas sobre esse campo, nesse mesmo período, para entender os percursos
do pensamento e verificar se novas categorias de análise estavam emergindo nesse
conhecimento.
Mapear o conhecimento científico sobre educação infantil e gestão da escola propõe
o desafio de se traçar um viés representativo nas produções desses campos, tendo em vista
que a extensão dessa produção inviabilizaria um estudo com as limitações de tempo e
pessoal como este. Ferreira (2002) mostrou que a maior parte das pesquisas, que buscam o
mapeamento do conhecimento de uma área, baseiam-se em catálogos bibliográficos ou
resumos de trabalhos apresentados em congressos ou de dissertações e teses. Esse material,
como a mesma autora argumentou, é limitado, pois traz enunciados que são recortes das
pesquisas originais e nem sempre são passíveis de uma interpretação única e objetiva.
Desse modo, para a escolha do viés de investigação recorreu-se à Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que é uma instituição pública
brasileira responsável pelo acompanhamento e avaliação dos cursos de pós-graduação
strictu sensu que são, também, os maiores produtores de pesquisas científicas educacionais
do país.
A cada triênio, a Capes realiza uma avaliação da produção intelectual dos programas
de pós-graduação e disponibiliza uma lista com a classificação dos veículos utilizados por
esses programas para a divulgação desse conhecimento. Essa avaliação é denominada Qualis
e se caracteriza por aferir
[...] a qualidade dos artigos e de outros tipos de produção, a partir da análise da qualidade dos veículos de divulgação, ou seja, periódicos científicos. A classificação de periódicos é realizada pelas áreas de avaliação e passa por processo anual de atualização. Esses veículos são enquadrados em estratos indicativos da qualidade - A1, o mais elevado; A2; B1; B2; B3; B4; B5; C - com peso zero (CAPES, MEC, 2010, s.p.).
De acordo com o relatório da avaliação do triênio entre 2007 e 2009 (SOUSA;
MACEDO, 2010), na área da educação 1070 periódicos foram avaliados, sendo que 130
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receberam classificação A (52-A1 e 78-A2) e 940 classificação B (119-B1; 123-B2; 169-B3;
204-B4 e 325-B5).
Para esta pesquisa considerou-se a relevância da publicação, o viés de recorte para o
mapeamento da produção científica na área da educação infantil e da gestão da educação.
Foram consideradas as revistas científicas com avaliação A1 na área da educação, editadas
por instituições de pesquisa brasileiras.
Conforme o relatório de Sousa e Macedo (2010), a classificação A1 é definida como:
Publicação amplamente reconhecida pela área, seriada, arbitrada e dirigida prioritariamente à comunidade acadêmico-científica, atendendo às normas editorias da ABNT ou equivalente (no exterior). Ter ampla circulação por meio de assinaturas/permutas para a versão impressa, quando for o caso e on-line. Periodicidade mínima de 3 números anuais e regularidade, com publicação de todos os números previstos no prazo. Possuir conselho editorial e corpo de pareceristas formado por pesquisadores nacionais e internacionais de diferentes instituições. Publicar, no mínimo, 18 artigos por ano, garantindo ampla diversidade institucional dos autores: pelo menos 75% devem estar vinculados a no mínimo 5 instituições diferentes daquela que edita o periódico. Garantir presença significativa de artigos de pesquisadores filiados a instituições estrangeiras reconhecidas (acima de dois artigos por ano). Estar indexado em, pelo menos, 6 bases de dados, sendo, pelo menos 3 internacionais (SOUSA; MACEDO, 2010, s.p.).
De acordo com os dados da plataforma WebQualis, publicados em 2009, os
periódicos classificados como A1, editados por instituições brasileiras foram: Cadernos de
Pesquisa (Fundação Carlos Chagas); Ciência e Educação (Universidade Estadual Paulista);
Dados (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro); Educação e Sociedade (Centro
de Estudos Educação e Sociedade - CEDES); Educação e Pesquisa (Universidade de São
Paulo); História, Ciências, Saúde - Manguinhos (Casa de Oswaldo Cruz); Pro-Posições
(Universidade Estadual de Campinas); Psicologia: Reflexão e Crítica (Universidade Federal do
Rio Grande do Sul); Revista Brasileira de Ciências Sociais (Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais); Revista Brasileira de Educação (Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação) e Revista Brasileira de História
(Associação Nacional de História).
Apesar da redução no número de periódicos para investigação, fez-se necessário
ainda mais um recorte, o da relevância para os campos da educação infantil e da gestão da
escola. Assim, foram selecionados os periódicos que apresentavam maior frequência na
P á g i n a | 87
publicação de artigos sobre o assunto desta investigação21, que foram: “Cadernos de
Pesquisa”; “Educação e Sociedade”; “Educação e Pesquisa”; “Pro-Posições” e “Revista
Brasileira de Educação”.
Mesmo com a reconhecida relevância desses periódicos para o conhecimento
científico na área da educação no país, não se pode afirmar que suas publicações
contemplam todo o conhecimento, visto que inúmeras produções são descartadas pelas
comissões editoriais, que possuem diferentes critérios para análise e aceite de artigos.
Destaca-se, novamente, que a opção desta pesquisa foi pelas produções científicas com
maior relevância, em virtude da circulação do meio em que são divulgadas e, consequente,
influência sobre a teoria da gestão da instituição de educação infantil no Brasil.
A seleção dos artigos para análise passou por dois momentos. No primeiro, realizou-
se um levantamento daqueles publicados no período entre 1980 e 2000. A seleção foi feita
manualmente na versão impressa dos periódicos22 visto que, nesse período, a maioria não
era registrada em bancos de dados informatizados. O critério para seleção dos artigos foi a
existência dos termos “educação infantil” ou “administração” ou “gestão” no título, resumo
ou palavras-chave. O material selecionado foi xerocado e arquivado em ordem cronológica.
Paralelamente à tarefa de seleção do material para esta investigação, uma revisão
bibliográfica era empreendida e, com isso, foram encontrados estudos do tipo “estado da
arte” importantes. Entre aqueles relacionados com a educação infantil encontrava-se o
trabalho de Campos e Haddad (1992), que analisaram as publicações desse campo da
educação nos Cadernos de Pesquisa, no período de 1970 até o final da década de 1980;
Rocha (1998), que investigou a trajetória das pesquisas sobre educação infantil na Anped, no
período de 1990 até 1996; o estudo de Kappel, Carvalho e Kramer (2001), que analisaram as
pesquisas produzidas no Brasil nos últimos 20 anos, à luz dos dados relativos às crianças de
zero a seis anos na Pesquisa sobre Padrões de Vida (PPV) realizada pelo IBGE em 1996 e
1997; o trabalho de Campos, Füllgraf e Wiggers (2006), que realizaram um levantamento
referente ao período de 1996 a 2003 e localizaram estudos publicados nas principais revistas
de educação brasileiras e apresentados nas reuniões anuais da Anped. 21
Foram selecionados os periódicos que publicaram no mínimo 10 artigos sobre educação infantil e/ou gestão
da educação no período de 1999 a 2009.
22 A pesquisa bibliográfica foi feita na biblioteca da Faculdade de Filosofia e Ciências – Universidade Estadual
Paulista, câmpus Marília.
P á g i n a | 88
Sobre administração e gestão da educação foram encontrados os trabalhos: de
Wittmann e Gracindo (1999), que realizaram um estudo da arte em política e gestão da
educação no Brasil de 1991 a 1997; de Maia (2004) e Pereira e Andrade (2005), que
investigaram a construção da administração da educação nas publicações da Anpae, no
período de 1983 a 2000; de Sousa (2006), que analisou a pesquisa brasileira sobre gestão
escolar apresentada nos bancos de dados da Anped, Capes e PUC – SP, no período de 1987
até 2004; e de Sander (2007), que apresentou uma genealogia do conhecimento em
administração da educação no Brasil.
Ciente das descobertas dessas produções, um novo recorte foi realizado no material
para investigação desta pesquisa, que se limitou às produções científicas sobre educação
infantil e gestão da educação, do período de 1999 até 2009. Esse intervalo foi selecionado
tendo em vista a atualidade e não cobertura pelos estudos da arte. Iniciou-se, assim, o
segundo momento de seleção de artigos para análise.
Nesta etapa, foi utilizada a plataforma Scientific Electronic Library Online (Scielo –
Brasil)23 para a busca de artigos. Os critérios usados para a seleção foram:
1. Existência dos termos: “educação infantil” ou “administração” ou “gestão” no
título, resumo ou palavras-chave do artigo;
2. Publicação obrigatória em um dos seguintes periódicos: “Cadernos de
Pesquisa”, “Educação e Sociedade”, “Educação e Pesquisa”, “Pro-Posições” e
“Revista Brasileira de Educação”;
3. Data de publicação ocorrida no período entre 1999 e 2009.
Os periódicos Pro-Posições e Revista Brasileira de Educação não têm indexado na
plataforma Scielo os artigos de todo o período desta investigação. O Pro-Posições somente
tem publicações após 2008 e a Revista Brasileira de Educação após 2002. Assim, foi
necessário acessar as plataformas dessas revistas24 para fazer o download dos volumes
faltantes. Nesses casos, a seleção dos artigos fez-se sem o auxílio de ferramentas de busca
informatizadas, mas os critérios de seleção foram semelhantes.
23
A plataforma Scielo – Brasil está disponível em: <http://www.scielo.br/?lng=pt>.
24 A plataforma da revista científica Pro-Posições está disponível em:
<http://mail.fae.unicamp.br/~proposicoes/edicoes/sobre_a_revista.html>. A plataforma da Revista Brasileira
de Educação está disponível em: <http://www.anped.org.br/rbe/rbe/rbe.htm>.
P á g i n a | 89
Foram selecionados para análise 53 artigos sobre educação infantil e 14225 sobre
administração e gestão da educação, totalizando 195 publicações. Sete artigos apareceram
nas buscas sobre educação infantil e gestão, então, optou-se por contabilizá-los somente
como pertencentes à educação infantil. Como essas produções podem promover a
interlocução desses dois campos de pesquisa, considerou-se importante diferenciar o
registro delas. Compõem esse grupo as produções: “A contribuição dos parques infantis de
Mário de Andrade para a construção de uma pedagogia da educação infantil”, de Faria
(1999); “A educação infantil no contexto das políticas públicas”, de Barreto (2003);
“Educação e políticas de combate à pobreza”, de Campos (2003); “Pedagogia e a formação
de professores (as) de educação infantil”, de Kishimoto (2005); “Gestão pública, formação e
identidade de profissionais de educação infantil”, de Kramer e Nunes (2007); “Órfãos
tutelados nas malhas do judiciário (Bragança-SP, 1871-1900)”, de Bastos e Kuhlmann Júnior
(2009) e “A educação das famílias pobres como estratégia política para o atendimento das
crianças de 0 – 3 anos: uma análise do Programa Família Brasileira Fortalecida”, de Campos e
Campos (2009). No Apêndice A encontra-se disponível a bibliografia completa dos artigos
analisados nesta pesquisa.
Analisar as produções científicas sobre educação infantil e gestão da educação
possibilita o conhecimento das múltiplas determinações dessa área, mas não demonstra
adequadamente a normatização deste campo que, como já defendi, é uma característica
importante da natureza da educação (WARDE, 1990). Portanto, incluiu-se neste estudo a
investigação dos documentos produzidos pelo Ministério da Educação (MEC) sobre a
organização da educação infantil e a gestão da educação, no período de 1998 até 2009. O
período escolhido marca a organização da educação infantil, após a reforma iniciada em
1996 pela LDBEN. Os documentos selecionados para análise foram:
• Educação Infantil: Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998, vol.
1, 2, 3); Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Docentes da Educação
Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, em Nível Médio, na Modalidade
Normal (1999); Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (1999);
25
O artigo “A educação do Movimento dos Sem-Terra: Instituto de Educação Josué de Castro” de Neusa Maria
Dal Ri e Candido Giraldez Vieitez foi publicado, em 2004, nos periódicos Educação e Sociedade e Revista
Brasileira de Educação. Para efeito desta pesquisa ele foi contabilizado apenas uma vez, com a versão da
Revista Brasileira de Educação.
P á g i n a | 90
Integração das Instituições de Educação Infantil aos Sistemas de Ensino: um estudo
de caso de cinco municípios que assumiram desafios e realizaram conquistas (2002);
Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício na Educação Infantil
(PROINFANTIL): guia geral (2005); Parâmetros Básicos de Infraestrutura para
Instituições de Educação Infantil (2006); Parâmetros Nacionais de Qualidade para a
Educação Infantil (2006, vol. 1 e 2); Política Nacional de Educação Infantil: pelo
direito das crianças de zero a seis anos à educação (2006); Critérios para um
Atendimento em Creches que Respeite os Direitos Fundamentais das Crianças (2009);
Indicadores da Qualidade na Educação Infantil (2009); Orientações sobre Convênios
entre Secretarias Municipais de Educação e Instituições Comunitárias, Confessionais
ou Filantrópicas sem fins Lucrativos para a Oferta de Educação Infantil (2009);
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2009).
• Gestão Educacional: Plano Nacional de Educação (2001); Documento Norteador para
Elaboração do Plano Municipal de Educação (2005); Subsídios para o Planejamento
da Rede Escolar com Base na Experiência em Minicenso Educacional (2005);
Subsídios para o Planejamento da Conferência Municipal de Educação (2005); Anais
do Seminário Internacional “Gestão democrática da educação e pedagogias
participativas” (2006); Pradime: Programa de Apoio aos Dirigentes Municipais de
Educação (2006, vol. 1, 2, 3); Plano de Metas – Compromisso Todos pela Educação
(2007); Piso Salarial Profissional Nacional para os Profissionais do Magistério Público
da Educação Básica (2008).
Dos materiais publicados pelo MEC, e analisados nesta pesquisa, 15 documentos são
relativos à organização da educação infantil e 10 referentes à gestão escolar. No Apêndice B,
encontra-se uma lista com a bibliografia desses 25 documentos.
2.3 Procedimentos para a análise de conteúdo dos documentos legais e
científicos sobre gestão da escola e educação infantil
Concluída a etapa da coleta de materiais, iniciou-se um processo de análise
documental. Chaumier (1974 apud Bardin, 1995) definiu esta técnica como “uma operação
P á g i n a | 91
ou um conjunto de operações visando representar o conteúdo de um documento sob uma
forma diferente da original, a fim de facilitar num estado ulterior, a sua consulta e
referenciação” (p. 45). Pimentel (2001) complementou que
[...] trata-se de um processo de “garimpagem”; se as categorias de análise dependem dos documentos, eles precisam ser encontrados, “extraídos” das prateleiras, receber um tratamento que, orientado pelo problema proposto pela pesquisa, estabeleça a montagem das peças, como num quebra-cabeça [...] (PIMENTEL, 2001, p. 180).
Para a análise dos documentos selecionados foram criadas pastas informatizadas,
que continham os arquivos dos artigos científicos e dos documentos do MEC salvos na
íntegra, pelo título e ano de publicação. Foram elaboradas duas pastas base: a “Publicações
Científicas” e a “Documentos do MEC”.
A análise de conteúdo, de acordo com Franco (2005), é uma técnica de utilização
cada vez mais frequente nas pesquisas educacionais, especialmente, naquelas com interesse
por questões teóricas.
Rocha e Deusdará (2006) lembram, no entanto, que a origem dessa técnica, no início
do século XX nos Estados Unidos, sofreu influências do behaviorismo e da psicologia social,
por isso, a interpretação é sempre legitimada através de técnicas de quantificação,
justificadas como que para superar a subjetividade do pesquisador. Para esses autores,
[...] Ao pesquisador cabe encontrar meios para levantar o véu que encobre o texto, ultrapassar o plano das aparências de superfície, desvendar o verdadeiro conteúdo. A materialidade linguística é, dessa forma, entendida como algo que indiretamente remete a um outro espaço, a um outro lugar que representaria o foco de interesse do pesquisador: o das condições (psicológicas, sociológicas, etc.) em que se produzem os textos submetidos à investigação (p. 43).
Portanto, apesar dos cuidados exigidos pela técnica da análise de conteúdo, é
impossível impedir a ação da subjetividade do pesquisador. Por isso, é tão importante que as
decisões tomadas ao longo do processo de investigação sejam desveladas ao leitor.
Bardin (1995, p. 95) explicou que a análise de conteúdo organiza-se em três
momentos distintos: 1) a pré-análise, 2) a exploração do material e 3) o tratamento dos
resultados, a inferência e a interpretação.
A pré-análise tem como objetivo a construção de indicadores que fundamentem a
interpretação final, para isso o pesquisador realiza um primeiro contato com os documentos
da investigação para verificar regularidades entre eles, a representatividade e pertinência de
P á g i n a | 92
alguns materiais. Essa atividade caracteriza-se como apreciativa e auxilia na elaboração de
estratégias para a exploração do material de maneira mais eficiente.
Ao pesquisador cabe a empreitada de elaborar indicadores coerentes com o seu
problema e perspectiva teórica. Para isso, esta investigação teve o auxílio de uma
categorização previamente elaborada e apresentada em projeto de pesquisa financiado pela
Capes e coordenado por Machado (2009), o “Vocabulário usual da área: percepção e
compreensão dos profissionais dirigentes das escolas públicas de educação básica”.
Dessa forma, as unidades de registro primárias, usadas nesta pesquisa, foram
extraídas da atividade de pré-análise do material coletado e das categorias apresentadas por
Machado (op. cit.). Fizeram parte dessas unidades primárias de registro: Administração;
Autonomia; Avaliação; Burocracia; Conselhos; Controle; Coordenação; Cultura;
Democratização; Descentralização; Direito à educação; Diretor; Financiamento; Formação
dos profissionais da educação; Funcionário Administrativo; Gestão; Infância; Influências
Internacionais; Infraestrutura; Inovação; Instituição de educação infantil; Legislação;
Mediação; Municipalização; Organização do trabalho; Padrão de gestão; Participação;
Planejamento; Poder; Prática Pedagógica; Política pública; Privatização; Professor; Projeto;
Qualidade; Racionalização; Reforma educacional; Relação com família e comunidade,
Sistema e Teoria.
Não se constituiu em objetivo, nesse momento, engessar a análise nessas unidades
de registro, visto que se buscava, principalmente, a emergência de novas. Essas unidades
alinhavaram uma rede de significados que auxiliaram na interpretação e direcionamento da
leitura dos materiais coletados.
A última etapa da pré-análise configurou-se na preparação do material, para isso foi
elaborada uma planilha de coleta de dados para utilização no processo de exploração do
material. Este formulário continha as seguintes colunas para preenchimento: Ano de
publicação, Título do documento, Autor(es), Instituição de origem do(s) autor(es), Origem da
publicação (nome do periódico ou MEC), Método de pesquisa anunciado (somente para os
artigos científicos), Bibliografia citada (os autores citados mais de duas vezes nas referências
bibliográficas ou, quando isso não ocorria, eram selecionados os autores mais citados ao
longo do texto), Unidade de registro que aparece, Citação e página (para copiar a parte do
documento em que a unidade de registro apareceu e o número da página, quando havia).
Foram criadas quatro planilhas com essas informações:
P á g i n a | 93
1. Planilha – Artigos científicos sobre educação infantil;
2. Planilha – Artigos científicos sobre gestão da educação;
3. Planilha – Documentos sobre educação infantil do MEC;
4. Planilha – Documentos sobre gestão educacional do MEC.
Dessa maneira, iniciou-se a etapa de exploração do material, que conforme Bardin
(1995),
Se as diferentes operações da pré-análise foram convenientemente concluídas, a fase de análise propriamente dita não é mais do que a administração sistemática das decisões tomadas. Quer se trate de procedimentos aplicados manualmente ou de operações efetuadas pelo ordenador, o decorrer do programa completa-se mecanicamente. Esta fase, longa e fastidiosa, consiste essencialmente de operações de codificação, desconto ou enumeração, em função de regras previamente formuladas (BARDIN, 1995, p. 101).
Essa fase do trabalho foi bastante cansativa, visto a quantidade e densidade dos
materiais investigados. Ao longo desses procedimentos um novo olhar quanto à gestão da
instituição de educação infantil foi sendo construído pela pesquisadora e novas unidades de
análise foram emergindo dos documentos. A persistência e trabalho metódico quanto ao
registro dos materiais que iam sendo analisados foi essencial para a conclusão dessa etapa.
A terceira fase da análise de conteúdo, segundo Bardin (1995, p. 101), é caracterizada
pela manipulação dos dados coletados de modo que eles se tornem significativamente
“falantes”. Para essa tarefa, a autora propôs algumas técnicas como: a análise categorial, a
análise de avaliação, a análise da enunciação, a análise da expressão, a análise das relações e
a análise do discurso. O emprego de cada técnica depende do material da investigação.
Neste caso, a técnica que melhor permitiu a leitura dos documentos analisados foi a
categorial.
Na análise categorial a primeira etapa das atividades caracteriza-se por operações
estatísticas, que objetivam codificar as unidades de registro encontradas. Dessa maneira,
nesta investigação, foram realizadas operações de quantificação das unidades de registro e
das variáveis propostas no momento da pré-análise. Atualmente, existem programas
estatísticos que auxiliam na validação dos dados nessa etapa da pesquisa. No entanto,
optou-se pela não utilização desses instrumentos, visto que o objetivo, nesta investigação, é
verificar a emergência de sentidos para uma teoria da gestão institucional em educação
infantil. Não se interessa pela maior ou menor frequência de aparecimento das unidades de
sentido, mas sim, pelo modo como elas foram sendo construídas historicamente e, em
P á g i n a | 94
alguns casos, até mesmo inventadas. Buscou-se compreender a prática social apresentada
tanto pelos pesquisadores como pelos legisladores e, assim, verificar a possibilidade de se
ensaiar uma teoria para a gestão de creches e pré-escolas.
A operação de categorização das unidades de registro caracterizou-se por um
procedimento de classificação, cujos critérios foram definidos pela abordagem teórica da
pesquisa. “As categorias são rubricas ou classes, as quais reúnem um grupo de elementos
(unidades de registro, no caso da análise de conteúdo) sob um título genérico, agrupamento
esse efetuado em razão dos caracteres comuns destes elementos” (BARDIN, 1995, p. 117).
Bardin (1995, p. 120) mostrou, além disso, que boas categorias temáticas possuem as
seguintes qualidades: a exclusão mútua, pois cada elemento não pode existir em mais de
uma categoria; a homogeneidade, ou seja, em cada categoria somente podem existir
elementos que propiciem análise idêntica; a pertinência, que se refere à importância da
categoria para o quadro teórico da análise; a objetividade e a fidelidade, que significa
construir uma grelha de categorias que represente com transparência o material
investigado; e a produtividade, que representa a inovação, as categorias de análise férteis
para inferências novas.
Dessa forma, para costurar a rede de unidades de registro que emergiu dos artigos
científicos e das legislações analisadas, realizou-se um exercício de síntese, que teve como
guia a teoria histórico-crítica de Saviani. Foram, então, elaboradas três categorias de análise,
que serviram de rede interpretativa às unidades de registro encontradas. Essas categorias
foram definidas como:
• Materialidade da prática social em gestão da instituição educativa –
englobam os fundamentos filosóficos, pedagógicos, políticos e
administrativos, o contexto sócio-histórico e as condições materiais concretas
das instituições educativas no Brasil;
• Processos e métodos de gestão – compõem os conteúdos instrumentais, que
se caracterizam pela ação da mediação e objetivam concretizar a função
social das instituições educacionais;
• Atores sociais da educação – abrange os estudos sobre os sujeitos que de
algum modo participam da prática social da gestão no interior das instituições
escolares.
P á g i n a | 95
Para auxiliar no procedimento de classificação das temáticas encontradas foram
utilizadas três interrogativas: o quê? – para indicar a categoria “Materialidade da prática
social em gestão da instituição educativa”; como? – para “Processos e métodos de gestão”;
quem? – para “atores sociais da educação”. Desse modo, as principais unidades de registro
que compuseram a discussão em cada uma das categorias de análise foram:
TABELA 1 – Categorias de análise e as unidades de registro que as compuseram
Categorias de
análise
Unidades de registro
encontradas nos artigos científicos
sobre educação infantil
Unidades de registro
encontradas nos artigos científicos
sobre gestão da
educação26
Unidades de registro
encontradas nos documentos sobre educação infantil e gestão educacional,
publicados pelo MEC27
Materialidade da prática social em
gestão da instituição educativa
Creche Cultura
Currículo Direito à educação
Diversidade Educação inclusiva
Escolarização Estatísticas
Financiamento Função social da
escola Gênero História
Influências internacionais Infraestrutura
Legislação Material pedagógico
Padrão de gestão Pedagogia da
infância Políticas públicas
Administração Autoritarismo
Carreira Cidadania
Competitividade Conflito Controle
Crise estrutural Cultura
Currículo Democracia
Desigualdade Direito à educação
Educação básica Educação inclusiva Educação infantil
Ensino rural Estado
Estatísticas Exclusão social
Federalismo Financiamento
Administração Alimentação
Aprendizagem Atendimento em período integral
Autoridade Carreira
Cidadania Conflito
Conteúdos Cultura
Currículo Democracia
Desenvolvimento Direito à educação
Diversidade Educação inclusiva Educação infantil
Estado Estatísticas
Financiamento Função social das
26
As unidades de registro: ensino fundamental, ensino médio, educação de jovens e adultos e ensino superior
não foram expressas, na presente tabela, por se distanciarem do objetivo dessa investigação, que é analisar a
gestão na educação infantil.
27 As unidades de registro presentes nos documentos publicados pelo Ministério da Educação sobre educação
infantil e gestão educacional mostraram coerência entre si, desse modo, optou-se por apresentá-las em uma
mesma coluna nesta tabela.
P á g i n a | 96
Prática pedagógica Pré-escola
Produção de conhecimento –
pesquisa Qualidade
Reforma educacional Relação pesquisa e
política Sociologia da
infância Tecnologia
Valores
Gênero Globalização Hierarquia
História Influência
internacional Infraestrutura
Legislação Materiais
Pedagógicos Meritocracia
Padrão de gestão Perda da
legitimidade institucional
Política pública Prática pedagógica
Precarização do trabalho
Privatização Programas federais
Qualidade Quase-Mercado
Reforma educacional Regulação
Relação entre pesquisa e políticas
públicas Sistema Teoria
Terceira via Terceiro setor
instituições de educação infantil
Hierarquia História
Ideologia Influência
internacional Infraestrutura Integração das instituições de
educação infantil à educação básica
Interdisciplinalidade Legislação Materiais
pedagógicos Meio ambiente
Meta Município educador
Organização da educação
Padrão de gestão Pedagogia da
infância Pedagogia
participativa Política pública
Prática pedagógica Produção de
conhecimento – pesquisa
Qualidade Regime de
colaboração Regime de
cooperação Regime federativo
Relação entre educação infantil e
ensino fundamental Responsabilidade
Sistema Sucesso
Tecnologia Teoria
Valores
P á g i n a | 97
Processos e
métodos de gestão
Autonomia Avaliação
Descentralização Formação de professores
Organização do trabalho na instituição
Participação Planejamento
Projeto pedagógico Rede de apoio à
infância Relação de poder Relação adulto e
criança Relação entre
crianças Relação entre
educação infantil e ensino fundamental
Relação entre escolas
Relação escola e comunidade
Relação escola e família
Relação escola e universidade
Relação instituição e criança
Relação professor e monitor
Autonomia Avaliação
Competência Comunicação
Conselhos Descentralização
Diálogo Flexibilização Formação de professores
Governabilidade Inovação Liderança Mediação
Organização do trabalho
Parceria público-privada
Participação Planejamento
Plano de Carreira Profissionalização
Projeto pedagógico Racionalização
Rede de apoio à infância
Relação de poder Relação entre escola
e universidade Relação entre
escolas Relação entre Ministério da
Educação e Conselho de secretários de
educação (CONSED) Relação escola e
comunidade Relação escola e
família Relação público e
privado Sindicato
Tecnologia Transparência
Autonomia Avaliação
Competência Comunicação
Conselho Desburocratização Descentralização
Emancipação Flexibilização Formação de professores
Formação política da comunidade
Fortalecimento institucional
Inovação Liderança Mediação
Movimentos sociais Organização do
trabalho Parceria público-
privada Participação
Planejamento Projeto pedagógico Rede de proteção social à infância
Regimento escolar
Relação entre os profissionais das instituições de
educação infantil Relação escola e
comunidade Relação escola e
família Secretaria municipal de ensino - função
Transparência
P á g i n a | 98
Atores sociais da educação
Coordenador pedagógico
Criança Diretor Família
Professor
Coordenador pedagógico
Diretor Família
Professor Profissionais não-docentes e não-administrativos Secretários de
educação Sociedade civil
Comunidade Coordenador Pedagógico
Criança Diretor
Dirigente municipal Família
Funcionários técnico-administrativos
Professor
A caracterização dos sentidos e significados dessas categorias analíticas e suas
respectivas unidades de registro foi feita nos capítulos três e quatro deste texto quando,
também, foi apresentada a análise formal dos artigos e documentos legais investigados, a
partir das variáveis: ano de publicação, autor(es), instituição de origem do(s) autor(es),
periódico da publicação, método de pesquisa anunciado, bibliografia citada e quantificação
das unidades de registro. No capítulo cinco foi elaborada uma síntese dos resultados desta
pesquisa, que discutiu a viabilidade de construção de uma teoria para a gestão de
instituições de educação infantil, a partir da legislação educacional e da produção científica
brasileira.
O modelo de investigação proposto neste trabalho responde a um bom nível de rigor,
mas apresenta limitações que são importantes de serem conhecidas pelo leitor. A primeira
delas diz respeito ao material utilizado. Apesar de sua representatividade comprovada, de
modo algum expressa a totalidade do conhecimento, tanto da produção científica como das
políticas públicas para a educação infantil e gestão da educação no país. Além do mais, esse
é um conhecimento em construção, portanto, as informações trabalhadas neste estudo têm
suas marcas no contexto histórico e social de produção.
Outro ponto a ser considerado é a inexistência da neutralidade nas decisões que
foram tomadas nesta pesquisa. O referencial teórico adotado aponta para essa
impossibilidade e alerta para os erros e “cegueiras” da racionalidade. Dessa forma, os
procedimentos metodológicos adotados tiveram o objetivo de minimizar esses erros, mas de
modo algum os impediram. Neste ensaio sobre a teoria em gestão da instituição de
educação infantil são apresentados os sentidos que emergiram das produções científicas e
P á g i n a | 99
normativas da educação no Brasil, objetivando trazer contribuições para uma prática social
edificante e emancipatória nessa área.
CAPÍTULO 3
O HIBRIDISMO DAS LÓGICAS DEMOCRÁTICA E GERENCIAL
NO CONTEXTO DA GESTÃO DA ESCOLA PÚBLICA NO BRASIL
Sem escola democrática não há regime democrático; portanto, a democratização da escola é fundamental e urgente, pois ela forma o homem, o futuro cidadão.
Lúcia Bruno (2008)
P á g i n a | 101
conhecimento sobre a gestão da escola, na primeira década do século XXI
no Brasil, caracterizou-se pelo embate entre as lógicas democrática e
gerencial, presentes no contexto das relações de poder no interior da
escola pública.
Neste capítulo, apresento o discurso oficial e a análise dos pesquisadores do campo
da gestão da educação sobre o novo padrão de administração para as escolas públicas,
proposto na reforma educacional, iniciada no final da década de 1990.
A tese que defendo neste capítulo é a de que a Reforma do Aparelho de Estado do
Brasil (1995) impôs à escola pública uma lógica de gestão gerencial, que teve a finalidade de
minimizar o papel do Estado na garantia do direito à educação ao cidadão. No entanto,
devido ao recente processo de redemocratização do país e, consequente, movimento da
sociedade civil, no sentido de exigir a expansão dos direitos sociais, essa lógica não teve
legitimidade perante a comunidade escolar, desse modo, a gestão da escola pública
configurou-se pelo hibridismo entre as lógicas democrática e gerencial no primeiro decênio
desse século.
Para apresentar esse raciocínio, o capítulo foi estruturado em dois tópicos: no
primeiro apresento as políticas educacionais para a gestão da escola pública de educação
básica nos governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, presentes nos
documentos publicados pelo Ministério da Educação (MEC) sobre gestão educacional; no
segundo tópico mostro a perspectiva do conhecimento científico em gestão da educação
sobre os impactos da lógica gerencial no contexto concreto de gestão da escola pública
brasileira.
3.1 A gestão escolar na legislação educacional brasileira do século XXI
Inicialmente é apresentada a análise formal dos documentos sobre gestão
educacional publicados pelo MEC. Na segunda parte deste tópico são apresentadas as
perspectivas presentes nesse material acerca da lógica de gestão escolar defendida pelo
Estado brasileiro, a partir das categorias analíticas: “materialidade da prática social em
O
P á g i n a | 102
gestão da instituição educativa”; “processos e métodos de gestão” e “atores sociais
envolvidos com a gestão”.
A primeira variável relativa à análise formal investigada nos documentos divulgados
pelo MEC, a periodicidade das publicações, pode ser relacionada aos momentos eleitorais
pelos quais o país passou na primeira década desse século. No gráfico seguinte, são
apresentadas essas variações na produção:
GRÁFICO 1 – Periodicidade das publicações em gestão educacional do Ministério da Educação
No governo de Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2002), do Partido da Social
Democracia Brasileira (PSDB), a legislação educacional introduziu a lógica da Nova Gestão
Pública na organização das escolas, principalmente nos documentos da LDBEN (1996), dos
Parâmetros Curriculares Nacionais para a Educação Básica (1998) e das Diretrizes para a
Formação de Professores (1999). O material desse governo, analisado nesta pesquisa, que
caracterizou sua perspectiva, foi o Plano Nacional de Educação (2001).
Em 2003, foi eleito Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), cujo
mandato estendeu-se até 31 de dezembro de 2010, devido à reeleição em outubro de 2006.
Nos dois primeiros anos de seu mandato, observou-se uma inexistência de publicações na
área dessa investigação, o que pode indicar uma continuidade da política do governo
anterior ou mesmo uma não atenção do Estado para essa área. Nos dois anos seguintes,
P á g i n a | 103
2005 e 2006, houve aumento nas publicações cuja temática central foi a gestão da
educação, a partir do planejamento participativo e representativo.
Quanto às publicações relativas ao segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva,
percebeu-se maior ênfase às temáticas de financiamento (Fundeb (2007), Proinfância
(2007), Programa Dinheiro Direto na Escola (2008 para a Educação Infantil) e Piso salarial do
professor da Educação Básica (2008)) e fortalecimento dos programas de formação dos
profissionais da educação (Pró-Gestão (2001), Pró-Conselho (2005), Pró-infantil (2005),
Pradime (2006), Pró-Funcionário (2007)).
A segunda variável de investigação, “autoria dos documentos oficiais”, foi possível
ser avaliada somente em poucos materiais, visto que a maior parte não apresentava
indicação dessa variante. Os autores expressos nos materiais sobre gestão educacional
publicados pelo MEC foram:
Alaídes Alves Mendieta, presidente do Fórum dos Conselhos Estaduais de Educação;
Cândido Grzybowski, diretor do IBASA (instituto em prol da inclusão de deficientes
visuais); Clodoaldo José de Almeida Souza; deputado federal Carlos Abicalil; Emir
Sader; Enrique Roca Cobo, do ministério da educação da Espanha; Fernando Haddad,
ministro da educação; Genuíno Bordignon, da Universidade de Brasília (UNB); Hannu
Uusi, embaixador da Finlândia; Horácio Francisco Reis; Ivandro Sales, consultor do
programa de capacitação de conselheiros municipais de educação (Pró-Conselho);
Jamil Cury, membro do Pró-Conselho; João Monlevade, assessor legislativo do
senado federal; Jorge Pavez Urrutia, professor do Chile; Juçara Maria Dutra, da
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE); Ladislau Dowbor;
Lauro Carlos Wittmam, professor da FURB, de Santa Catarina; Maria Auxiliadora
Seabra Rezende, vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários da Educação
(CONSED); Maria Cristina Vargas, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
(MST); Paulo Eduardo dos Santos, presidente da União Nacional dos Conselhos
Municipais de Educação (UNCME); Moacir Gadotti, diretor geral do Instituto Paulo
Freire; Regina Vinhais Gracindo, professora da UNB; Wilfredo Machado, da
embaixada da Venezuela; Bird; Unicef; Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep); Unesco; Organização dos Estados Ibero-
americanos (OEI); Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD),
Undime.
P á g i n a | 104
Um aspecto relevante nesses dados foi a presença constante de organizações
internacionais como colaboradoras; as mais frequentes foram a Unicef e a Unesco, dado que
comprova a influência internacional na elaboração desses documentos. Além do mais, nos
últimos anos, houve um aumento expressivo da participação da Undime e do CONSED, o que
demonstrou aproximação entre esses diferentes níveis do poder executivo nessa tarefa.
A terceira variável, referência teórica, relaciona-se intimamente com a autoria dos
documentos. Os teóricos citados nesse material, quando expressos, foram: Abramowicz;
Abreu; Apple; Arroyo; Bordignon; Cury; Demo; Didonet; Frigotto; Gatti; Machado; Soares;
Monlevade; Nosella; Paro; Saul; Soares; Sousa; Thurler e Waiselfisz.
Os documentos publicados pelo MEC utilizaram como referencial, sobretudo, as
legislações para a educação e os acordos internacionais assinados pelo Brasil (Declaração do
Milênio (2000); Declaração Mundial de Educação para Todos (1990) e Marco de Ação de
Dacar (2000)). Nos últimos anos, houve um aumento significativo da presença de dados
estatísticos produzidos pelo Inep e IBGE, para justificar as ações propostas.
Os documentos sobre gestão da educação, em sua maioria, não tem referencial
teórico expresso, porém, nos livros usados para a formação de dirigentes municipais, há
citações de obras editadas pela Unicef, Unesco e pesquisadores brasileiros que investigam a
gestão escolar e as políticas públicas em uma perspectiva emancipatória.
O vocabulário encontrado nesses documentos apresenta coerência entre os
materiais da educação infantil e os da gestão educacional, em especial nas publicações a
partir de 2005, quando ocorreu uma preponderância dos conceitos da gestão sobre os da
educação infantil. Na tabela abaixo são apresentadas as unidades de registro encontradas
nos documentos sobre gestão da educação.
TABELA 2 – Unidades de registro encontradas nos documentos sobre gestão da educação produzidos pelo Ministério da Educação
Unidade de Registro Frequência de citação Termos relacionados
Administração 1
Alimentação 1
Aprendizagem 2
Atendimento em período integral 3
Autonomia 11 Financeira da escola, Dos Conselhos
Autoridade 1
Avaliação 24 Da política, Da gestão, Da qualidade social,
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Transformação, Mudança, Institucional
Carreira 9 Plano de carreira, Estatuto, Progressão,
Piso salarial
Cidadania 2
Competência 1 Da Secretaria de Educação Básica
Comunicação 1
Comunidade 2 Formação política da comunidade escolar
Conselho 27 Escolar, Municipal, Nacional, Função,
Composição, Formação dos conselheiros,
Fórum, Conferências, Atribuições, Presidência,
Pró-Conselho, Programa de
Fortalecimento dos Conselhos Escolares
Currículo 6 Conteúdo
Democracia 12 Participativa, Liberdade,
Representativa
Desburocratização 1
Descentralização 5
Desenvolvimento 4 Social, Sustentável, Econômico, Local,
Com igualdade
Direito à educação 1
Diretor 12 Formação, Programa Nacional Escola de Gestores, Eleição,
Condições de trabalho
Dirigente municipal 5 Ações, Papel, Programa de Apoio aos Dirigentes
Municipais
Diversidade 3 Igualdade social
Educação Infantil 8
Emancipação 1
Estado 4 Estadania, Função, Assistência técnica e financeira da União, Complementação da
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União
Estatística 13 Minicenso, Diagnóstico, Matrículas, Cobertura
de atendimento
Financiamento 31 Gestão orçamentária, Orçamento
participativo
Flexibilização 1
Formação de professores 24 Formação em serviço, A distância, Centro de
Formação e Desenvolvimento
Profissional
Fortalecimento Institucional 1
Função social da educação 7 Escola unidade de formação de cidadãos
autônomos
Funcionários técnico-administrativos
6 Pró-funcionário, Direitos, Gestão de
pessoas
História 9
Ideologia 1 Emancipação, Formação do cidadão,
Formação para o trabalho
Inclusão escolar 2
Individualizar 1
Influência internacional 12 Marco de Ação de Dacar, Acordos Internacionais
Infraestrutura 8 Condições materiais e Manutenção
Inovação 1
Legislação 17 Função normativa complementar do
município
Liderança 1 Estratégias para delegação
Materiais pedagógicos 11 De consumo, De apoio, Gestão de recursos
materiais
Mediação 1 Entre Estado e sociedade civil
Metas 8 Objetivos
Movimentos sociais 2
Município educador 1
P á g i n a | 107
Organização da educação 10
Padrão de gestão 52 Gestão democrática, Sistema aberto, Autogestionário
Participação 23 Mobilização, Síndrome da Desistência
Pedagogia Participativa 1
Planejamento 27 Plano Municipal de Educação, Plano
Nacional de Educação, Participativo
Política pública 6
Prática pedagógica 9 Gestão pedagógica, Gestão do saber
Produção do conhecimento – pesquisa
1
Professor 10 Valorização do magistério, Gestão de
pessoas
Projeto Pedagógico 1 Projeto Político Pedagógico da Escola
Qualidade 14 Indicadores, Qualidade social
Regime de colaboração 7
Regime Federativo 6
Responsabilidade 1
Sistema 8 De ensino, Municipal de Ensino, Nacional de
Educação
Sucesso 1
Tecnologia 2
Teoria 2 Gestão gerencial
Transparência 1
Valores 3 Solidariedade, Tolerância,
Diversidade, Igualdade, Liberdade,
Trabalho em equipe
Como é possível observar na tabela, o vocabulário encontrado no material sobre
gestão da educação produzido pelo MEC valorizou mais as unidades de registro: autonomia,
avaliação, competência, conselho, desburocratização, descentralização, desenvolvimento,
flexibilização, formação profissional (professores, coordenadores, diretores e funcionários
P á g i n a | 108
administrativos), influência internacional (globalização), liderança, metas (objetivos claros),
participação (profissionais da educação, família e comunidade), planejamento, qualidade
social, sistema (aberto, regime colaborativo e regime federativo), tecnologia e transparência.
Destaca-se que esse vocabulário apresentou aproximação com o encontrado no texto do
Plano de Reforma do Estado (1995), o que pode indicar coerência entre essas perspectivas.
Porém, somente o vocabulário não expressa toda a complexidade do pensamento em gestão
escolar presente no material, é necessário, também, compreender os sentidos e usos
atribuídos a esse vocabulário a partir das categorias analíticas investigadas nesta tese.
3.1.1 Materialidade da prática social da gestão escolar nos documentos
oficiais
As políticas públicas para a educação constituem-se em instrumento do Estado para a
materialização de seu ideário político. Nesse sentido, conhecer essa normatização é
imprescindível para compreender criticamente como o campo da gestão da escola pública
vem se organizando.
A Constituição Federal de 1988, em seção especial dedicada ao direito social da
educação (art. 205 – art. 214), definiu os princípios para a organização e oferta do ensino
escolar no país, da seguinte maneira:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade. VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal (CF, 1988, art. 206, grifos nossos).
Esses princípios seriam assegurados através do regime de colaboração entre União,
estados, municípios e distrito federal; ficando os municípios prioritariamente responsáveis
pela organização da educação infantil e ensino fundamental (CF, 1988, art. 211).
P á g i n a | 109
A regulamentação desses princípios ocorreu somente em 1996, um ano após a
divulgação do Plano de Reforma do Aparelho do Estado e oito anos depois da promulgação
da Constituição Federal, com a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN).
De acordo com essa legislação, a gestão democrática da educação seria normatizada pelos
sistemas municipais de ensino, considerando suas peculiaridades regionais e os princípios
de: “I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da
escola e II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou
equivalentes” (LDBEN, art. 14). Além disso, promulgou que aos estabelecimentos de ensino
deveriam ser assegurados graus progressivos de “autonomia pedagógica e administrativa e
de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público” (art. 15).
A partir desse padrão de gestão, foram atribuídas as seguintes obrigações às escolas,
conforme a LDBEN (1996, art. 12):
I - elaborar e executar sua proposta pedagógica; II - administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros; III - assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidas; IV - velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente; V - prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento; VI - articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola; VII - informar pai e mãe, conviventes ou não com seus filhos, e, se for o caso, os responsáveis legais, sobre a frequência e rendimento dos alunos, bem como sobre a execução da proposta pedagógica da escola; VIII – notificar ao Conselho Tutelar do Município, ao juiz competente da Comarca e ao respectivo representante do Ministério Público a relação dos alunos que apresentem quantidade de faltas acima de cinquenta por cento do percentual permitido em lei (LDBEN, 1996, art. 12).
Essas incumbências para as creches e pré-escolas trazem algumas indagações sobre
sua organização. O primeiro aspecto observado foi o cumprimento dos dias letivos (inciso
III). Essa mesma legislação estabeleceu o mínimo de duzentos dias letivos e oitocentas horas
apenas para os níveis fundamental e médio da Educação Básica, não fazendo qualquer
menção sobre esse tema à etapa da educação infantil.
Portanto, aos sistemas de ensino municipais é dada autonomia para o
estabelecimento do calendário do ano letivo das instituições de educação infantil públicas.
Esse aspecto é importante, pois cada localidade pode organizar o currículo e suas práticas
pedagógicas de acordo com as características de sua população. Por outro lado, também,
possibilita uma diversidade de rearranjos do calendário escolar que, na maior parte das
vezes, resultam no enxugamento desse atendimento. Pontes em feriados e períodos de
P á g i n a | 110
recesso superiores aos permitidos pela Lei Trabalhista (CLT) são ocorrências que prejudicam
as crianças mais carentes, cujas famílias não têm com quem deixá-las enquanto trabalham
ou estudam.
Outro aspecto do artigo 12 da LDBEN considerado foi a incumbência da escola de
informar ao poder público a ausência em 50% dos dias letivos de seus educandos. Como
obrigar os pais ou responsáveis a trazerem seus filhos na escola se a matrícula e
consequente presença não são obrigatórias? Obviamente a instituição de educação infantil é
responsável por seus educandos e deve comunicar ao Ministério Público sempre que
suspeitar de abandono e/ou maus tratos da criança, mas, nessa faixa etária, a legislação
prioriza a educação familiar em detrimento ao ensino escolar.
Em 9 de janeiro de 2001, treze anos após a promulgação da Constituição Cidadã, o
governo federal sancionou a lei nº. 10.172, que estabeleceu o Plano Nacional de Educação,
com diretrizes e metas para até 2011. Os objetivos propostos para a administração do
ensino escolar enfatizaram o padrão de gestão gerencial, justificando, para isso, que esse
modelo asseguraria o uso eficiente dos recursos financeiros dessa área. Assim, as estratégias
de gestão foram apresentadas como um receituário que os sistemas de ensino deveriam
cumprir para receber a contrapartida financeira da União no regime de colaboração.
A desburocratização e a descentralização foram enfatizadas por meio do incentivo ao
aumento da autonomia das escolas. Essa autonomia foi definida pelo planejamento da
progressiva independência da gestão nas dimensões pedagógica, administrativa e financeira
dessas instituições. Para isso, “devem as unidades escolares contar com repasse direto de
recursos para desenvolver o essencial de sua proposta pedagógica e para despesas de seu
cotidiano” (PNE, 2001, p. 111).
Na prática, essa meta somente se concretizou para a educação infantil em 2008, com
o Fundeb e o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE, 2009), muito mais tarde do que no
ensino fundamental (Fundef, 1998 e PDDE, 2005) fato que,uma vez mais, demonstrou a
displicência em relação ao financiamento da educação infantil por parte do governo federal.
Vê-se, assim, que a proposta de gestão para a escola contida no PNE promoveu a
responsabilização da comunidade escolar pelos resultados da educação, através da
obrigação em participar do planejamento, controle e avaliação de seu financiamento. A
esses procedimentos administrativos e políticos o MEC denominou de gestão democrática
da escola. Vale destacar, também, que no nível da educação infantil o financiamento
P á g i n a | 111
supletivo da União somente ocorreu 20 anos após a promulgação desse direito da criança na
Constituição Federal do país.
Em 2005, a Secretaria de Educação Básica editou três documentos norteadores para
a elaboração do planejamento da educação municipal. Compôs esse grupo de documentos:
o “Documento Norteador para Elaboração do Plano Municipal de Educação” (2005a), os
“Subsídios para o Planejamento da Rede Escolar com Base na Experiência em Minicenso
Educacional” (2005b) e os “Subsídios para o Planejamento da Conferência Municipal de
Educação” (2005c). Esse material, em formato de apostilas, trouxe orientações para as
secretarias municipais de educação elaborarem o planejamento de suas ações, para tanto,
apresentou exemplos de municípios nordestinos que implantaram o Plano Municipal de
Educação com sucesso através da gestão democrática proposta pelo MEC.
Além disso, esses materiais apresentaram, em anexo, modelos de procedimentos que
a secretaria da educação poderia utilizar no processo de elaboração do Plano Municipal de
Educação. Compunham o conjunto de anexos: “Sugestão para Elaboração do Anteprojeto de
Lei do Plano Municipal de Educação”, “Sugestão de Mensagem à Câmara Municipal”,
“Sugestão de Procedimento de Mobilização”, “Planilha do Minicenso Educacional”,
“Sugestão de decreto”, “Sugestão de composição para indicação de delegados (as) para a
Conferência” e “Sugestão de regimento interno da Conferência”. Nessas apostilas, a
Secretaria de Educação Básica (SEB) justificou seu trabalho a partir de atribuições legais, que
se configuravam em “planejar, orientar e coordenar, em âmbito nacional, o processo de
formulação de política para a educação infantil, o ensino fundamental e para o ensino
médio” [...] (SOUZA, 2005 a, p. 7).
O Plano Municipal de Educação, elaborado com a participação da sociedade civil,
quando transformado em legislação através da aprovação do poder legislativo e da sanção
do chefe do executivo, “confere poder de ultrapassar diferentes gestões” (Ibid., p. 8),
evitando, assim, a descontinuidade das ações em educação devido à mudança de governos,
de acordo com essas apostilas, de acordo com esse material (SOUZA, 2005a).
O padrão de gestão proposto nesse material apresentou características como:
valorização dos princípios de autonomia e colaboração, mobilização para a participação da
sociedade civil organizada na elaboração do plano de educação, formação dos profissionais
da educação, busca de parceria com o setor privado, financiamento público da educação
(infraestrutura, recursos materiais e plano de carreira para os profissionais da educação),
P á g i n a | 112
avaliação com o estabelecimento de padrões mínimos de qualidade e exaltação de valores
como solidariedade, inclusão, visão humanística, democracia, ética, compromisso,
igualdade, dialogicidade, responsabilização e liberdade.
Esses documentos chamaram a atenção, também, aos compromissos internacionais
assumidos pelo Brasil para a educação, o que demonstrou, uma vez mais, a influência
internacional na gestão da educação no país. Entre esses compromissos internacionais,
pode-se mencionar:
• A Conferência de Dakar sobre a Educação para Todos;
• A Declaração de Cochabamba, dos Ministros da Educação da América Latina e Caribe, sobre a Educação para Todos;
• A Declaração de Hamburgo, sobre a Educação de Adultos;
• A Declaração de Paris, sobre a Educação Superior;
• A Conferência de Durban (SOUZA, 2005 a, p. 16).
Em 2006, o MEC, com o patrocínio da Petrobrás, publicou os Anais do Seminário
Internacional “Gestão democrática da educação e pedagogias participativas”. Os objetivos
anunciados nesse material foram 1) promover a socialização das ideias e consequente
discussão sobre as políticas públicas da gestão da educação escolar, 2) proporcionar o
intercâmbio das políticas de gestão da educação entre os países participantes, 3) analisar
formas de participação social na gestão da educação, bem como suas implicações na
melhoria da qualidade social da educação e 4) buscar estratégias de articulação entre
políticas educativas e outras políticas de promoção do desenvolvimento com igualdade
social (SEMINÁRIO INTERNACIONAL, 2006, p. 5).
No referido Seminário o professor Horácio Francisco Reis, como representante do
MEC, revelou que uma das preocupações do governo Luiz Inácio Lula da Silva era a
pendência em relação ao artigo 23 da Constituição Federal, que tratava do pacto federativo,
cuja regulamentação ainda não tinha se efetivado. Também o regime de colaboração
proposto pela LDBEN (1996, art. 8) entre União, Estado e Municípios “[...] tem se
materializado, em ações, em programas, em atividades, mas não está consolidado
legalmente, não está regulamentado para que, de fato, os gestores possam definir com mais
consistência os seus planos educacionais” (SEMINÁRIO INTERNACIONAL, 2006, p. 35). Desse
modo, as ações do MEC se concretizaram a partir dos programas: Programa de Apoio aos
Dirigentes Municipais (PRADIME), Programas de Articulação dos Sistemas de Ensino,
Material de Apoio para gestores (Plano Municipal e Estadual de educação), Programa
Nacional de Capacitação dos Conselheiros Municipais de Educação, Programa de
P á g i n a | 113
Fortalecimento dos Conselhos Escolares, Programa Nacional Escola de Gestores e o Pró-
Funcionário. Mostrando, assim, a ênfase do MEC na profissionalização da comunidade
educacional como sinônimo de pacto federativo.
A questão do federalismo também foi o tema da participação do professor Jamil
Cury, que era membro do Programa de Fortalecimento dos Conselhos Escolares. Para ele,
O Brasil é uma República federativa, a organização da educação nacional é federativa. Não é uma organização unitária, centralizada, como seria o caso, por exemplo, da França, ou do Uruguai. Também não chega a ser uma organização federativa nos moldes bastante autonomistas, como ocorre com os Estados Unidos da América. Então, a nossa organização federativa, o regime federativo, contém, ao mesmo tempo, uma concentração de poderes. De um lado, temos poderes concentrados na União, e, nesse sentido, tem-se para todos os sistemas, orientação, diretrizes de caráter nacional e os estados, os municípios e o Distrito Federal, têm poderes próprios autônomos, e que podem dar uma dimensão própria, mais ou menos adequada e adequável às suas situações regionais, às suas situações locais [...] (SEMINÁRIO INTERNACIONAL, 2006, p. 106).
Observou-se, desse modo, a concepção do regime federativo no Brasil como um
sistema aberto, em que cada elemento, União, estados, distrito federal, municípios e
escolas, estavam relacionados entre si e com o ambiente em que se inseriam. Do mesmo
modo que esses elementos modificam seus ambientes, também eles têm sua organização
impactada pela comunidade e pelos aspectos ambientais dos locais em que estão inseridos.
A última temática debatida no Seminário Internacional foi a gestão da escola. Regina
Vinhais Gracindo, professora da UNB, defendeu que o objetivo da escola deveria ser a busca
pela qualidade no ensino, de modo a se empenhar que todos os educandos efetivamente
tivessem sucesso na aprendizagem. Alcançar essa meta somente seria possível em nossa
sociedade através da gestão democrática da escola. A pesquisadora citou o trabalho de um
orientando seu, Adilson, que identificou as principais características desse modelo de
gestão:
Ele identifica na literatura quatro aspectos que são comuns nas vozes dos reivindicadores, nos movimentos, que são fundamentalmente a participação, a autonomia, a transparência e a pluralidade, ou seja, participação como eixo básico, indispensável para que uma gestão democrática funcione. O segundo eixo, autonomia é a construção de uma autonomia na escola. Uma autonomia que tem duas facetas, ela é autonomia institucional e ela é também uma autonomia dos sujeitos sociais que participam desse projeto. Não é apenas a autonomia da escola dentro do sistema, mas uma autonomia desses sujeitos, para que eles se construam autonomamente, de forma emancipada. A terceira é uma transparência, que é uma condição básica de uma gestão democrática. Como trabalhar em uma escola sem deixar transparecer para a sociedade o que fazemos nela, o que alcançamos, o que não alcançamos. A transparência é fundamental.
P á g i n a | 114
E a quarta, a última é a pluralidade. O que vem a ser a pluralidade? É a garantia do espaço da diferença e da diversidade na escola. Mas não como um mero respeito a essas diferenças, no sentido apático de respeito, mas de respeito ativo, de garantia, de construção de espaços para que essas diferenças surjam e, a partir do surgimento das diferenças, a escola pode construir caminhos para que todos se emancipem como cidadãos brasileiros (SEMINÁRIO INTERNACIONAL, 2006, p. 199).
Gracindo discutiu que para a concretização dessa gestão democrática na escola dois
aspectos precisariam ser garantidos pelo Estado, o financiamento e o fortalecimento
institucional da escola.
Em março de 2010, o então ministro Fernando Haddad divulgou que o orçamento
para a educação neste ano tinha sido de R$51 bilhões, o que significou o investimento de 5%
do PIB do Brasil.28 O crescimento do aporte financeiro em educação vem ocorrendo, mas
não é o suficiente para garantir sua manutenção com qualidade. Gracindo mostrou que os
movimentos sociais defendem que é necessário 10% do PIB para que se consiga uma
educação de qualidade no país, mas nem os 7% propostos no PNE (2001) foram aprovados
pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso e nem posteriormente por Luiz Inácio
Lula da Silva. Em 2006, ano do Seminário Internacional, o investimento em educação era de
4,4% do PIB.
Quanto ao fortalecimento institucional, Gracindo analisou que era preciso consolidar
a autonomia da escola, de modo que ela se tornasse um espaço de decisão e deliberação
coletiva sobre o seu fazer. Defendeu, ainda, que os conselhos estaduais, municipais e
escolares deveriam ser reconhecidos “não apenas como espaços consultivos, mas como
espaços deliberativos das políticas públicas educacionais.” (SEMINÁRIO INTERNACIONAL,
2006, p. 201). Observou-se, com isso, como a educação vem sendo dirigida pelo Estado e
apenas gerenciada pelos sistemas municipais de ensino e instituições escolares.
Nesse cenário, Lauro Wittmam, professor da FURB, definiu que a gestão democrática
da escola, nada mais era do que
[...]a garantia do respeito e da realização do direito subjetivo de cada cidadão ao bem público da educação. Portanto, a universalização de uma educação de qualidade é o substantivo da democratização da educação e a gestão democrática é uma mediação para que se construa isso. E a democratização da educação no sentido de educação de qualidade social, só é possível, vinculada ao processo amplo de democratização da sociedade e de construção da emancipação humana (SEMINÁRIO INTERNACIONAL, 2006, p. 201).
28
Dados publicados em reportagem no site do Ministério da Educação. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=15186. Acesso em: jul 2010.
P á g i n a | 115
Essa ideia de Wittman sintetizou o pensamento sobre a gestão democrática da escola
que foi apresentada no Seminário Internacional “Gestão democrática da educação e
pedagogias participativas” organizado pelo MEC (2006). As ideias apresentadas e debatidas
nesse seminário não refletiam os princípios da política governamental, mas demonstraram o
contexto de discussões dos movimentos sociais em defesa da educação e que o Estado
conhecia essas demandas.
Em 2006 o MEC editou, também, o material do “Programa de Apoio aos Dirigentes
Municipais de Educação” (Pradime). Para esta investigação empreendeu-se a análise de três
cadernos de textos com as orientações aos secretários municipais de educação sobre os
conteúdos do curso. Não se constitui em objetivo aqui apresentar esses conteúdos, visto que
o foco desta investigação não se encontra no nível da secretaria municipal de educação, mas
no nível meso das relações da escola. A relevância deste material encontra-se na
importância dos gestores escolares conhecerem a política do MEC em relação à secretaria
municipal de ensino, para que possam compreender a lógica das demandas desse órgão em
relação à escola.
O Pradime retomou a experiência do “Programa de Apoio aos Secretários Municipais
de Educação” (Prasem), realizado pelo MEC em 1997, 1999 e 2001. A versão do Pradime foi
elaborada em parceria com a Undime, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a Organização dos Estados Ibero-
americanos (OEI) e o Banco Mundial (Bird).
Esse programa foi justificado a partir dos objetivos de desenvolvimento do milênio e
pelas metas estabelecidas no Marco de Ação de Dacar (2000) e no PNE (2001). O curso
enfatizou a “[...] dimensão educacional do desenvolvimento humano e sustentável e chama
a atenção do dirigente para o papel da educação no processo de desenvolvimento local.”
(PRADIME, 2006, v. 1, p. 10). Os conteúdos foram organizados em torno de três eixos
transversais: (a) a educação como agente propulsor do desenvolvimento local, regional e
nacional; (b) a qualidade social da educação como marco diferencial da ação pedagógica do
Estado; e (c) a gestão democrática como caminho condutor de novas práticas do poder
público.
Esses eixos foram trabalhados em oito temas de estudo: 1) A educação no contexto
da política de desenvolvimento com igualdade social, 2) Organização da educação nacional
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no contexto do fortalecimento da Educação Básica: o papel do município, 3) Avaliação de
políticas educacionais, 4) Políticas educacionais para um Brasil de todos, 5) Financiamento e
gestão orçamentária da educação, 6) Gestão de recursos materiais, 7) Gestão democrática
da educação e 8) Gestão pedagógica da educação escolar. Os principais conceitos
trabalhados foram:
• A educação como meio para melhorar o desenvolvimento humano do
município, isto é, uma comunidade com maior escolaridade tem melhor
qualidade de vida e renda e, com isso, pode alcançar a emancipação social;
• A qualidade social é definida como a garantia de acesso, permanência e
sucesso no sistema educacional para todo cidadão. O programa definiu esse
conceito para o nível da educação infantil da seguinte maneira:
[...] a qualidade social da educação associa a ética ao conhecimento e ao saber, procura promover a inclusão social, superar as desigualdades sociais, valorizar a diversidade cultural, preservar o meio ambiente e promover o desenvolvimento local. [...] a família não tem obrigação de enviar seus filhos a creches e pré-escolas, mas tem o direito de exigi-lo do poder público. Pois, com a falta de acesso à educação infantil, a empregabilidade dos pais pode ficar comprometida. Mas este argumento não é bastante. As crianças que estão fora da educação infantil são precisamente as crianças de renda mais baixa uma vez que quase todas as crianças de classe média estão na escola a partir dos dois anos de idade. Ao se negar o acesso a essas crianças, aumenta-se a desigualdade social. Mas isso não ocorre apenas porque as crianças não foram para a escola. Acontece porque lhes é negado o acesso ao conhecimento e ao desenvolvimento infantil no momento em que ele é mais crítico, ou seja, sem acesso à educação infantil, não há qualidade social da educação (PRADIME, 2006, v. 2, p. 112-4).
• A gestão democrática nasce do conceito de democracia representativa e
seus princípios estão alicerçados na participação social nos processos de
tomada de decisão e no fortalecimento da autonomia das escolas. As
estratégias para a consolidação da gestão democrática passa pela
formação política da comunidade educativa, fortalecimento do Conselho
Municipal de Educação e do Conselho Escolar, fortalecimento institucional
por meio da autonomia financeira das escolas e avaliação dos resultados
das políticas municipais de educação.
• A avaliação é uma das funções mais importantes do gestor, segundo o
Pradime, pois visa verificar os resultados atingidos pelas políticas
municipais de educação, oferecer subsídios à tomada de decisões bem
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informadas, orientar a melhoria do sistema e contribuir para a prestação
de contas à sociedade com transparência.
Com tudo isso, foi possível constatar que este material apresentou indícios de um
hibridismo entre as lógicas gerencial e democrática, pois defendeu a função da educação
escolar de emancipação social e, por outro lado, valorizou procedimentos de gestão que
enfatizaram o controle e domínio da comunidade pelo Estado.
No início do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o MEC lançou o
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE, 2007). De acordo com o ministro Fernando
Haddad, este plano caracterizou-se por um conjunto de ações que visaram cumprir as
propostas do PNE (2001). O Plano de Desenvolvimento da Educação caracterizou-se por 41
ações e programas, assim definidos resumidamente: 1) publicação do livro “Plano de
Desenvolvimento da Educação: razão, princípios e programas”, 2) aumento de recursos para
a educação básica com o Fundeb, 3) incentivo à ciência, com a diminuição da tributação para
o investimento em pesquisa, 4) transporte escolar para alunos da zona rural, 5) criação de
um índice para medir o acesso, permanência e sucesso da aprendizagem na educação básica
(Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB), 6) Programa Brasil Alfabetizado, que
priorizou os estados do Nordeste, 7) Programa Luz para Todos, que teve a finalidade de
garantir energia elétrica para todas as escolas do país, 8) Piso salarial do magistério de
R$850,00, para 40 horas de trabalho semanal do professor com formação em nível médio,
até 201029, 9) Universidade Aberta do Brasil para oferecer cursos a distância aos professores,
10) duplicação das vagas nas universidades federais, com prioridade para cursos de
licenciatura, 11) facilitação e expansão do financiamento estudantil (FIES), 12) Programa
Biblioteca na Escola, com prioridade para as escolas de ensino médio, 13) educação
profissional, aliando ensino médio a cursos profissionalizantes, 14) Programa institucional de
bolsas para iniciação à docência (PIBID), que se caracteriza pelo oferecimento de bolsas a
discentes de licenciatura que estagiarem em escolas públicas da educação básica (com
prioridade para as áreas de biologia, física, matemática e química), 15) Projeto de Lei para
estabelecer novas normas de estágio, que facilitem a entrada do jovem no mercado de
trabalho, 16) Programa Salas Multifuncionais – os municípios receberam equipamentos para
29
De acordo com o Ministério da Educação (2010), o piso salarial do professor em 1 de janeiro de 2010 foi de
R$ 1024,00.
P á g i n a | 118
a organização de salas para educação especial, 17) Pós-doutorado – doutores recebem
incentivo do governo para continuarem no Brasil, 18) Educacenso – diretores de escolas têm
acesso pela internet a dados da educação no país, 19) Programa Saúde nas Escolas: os
alunos receberem atendimento de profissionais da saúde na escola, 20) Programa Olhar
Brasil – as crianças com dificuldades visuais receberem óculos gratuitamente, 21) Programa
Mais Educação – atividades culturais, esportivas e de reforço escolar no contraturno das
aulas, 22) Acompanhar a frequência na escola dos beneficiários dos programas de ação
social, 23) Professor equivalente – medida que agiliza a contratação de docentes nas
universidades federais, 24) Elaboração do material didático “Guias de Tecnologias” para a
educação básica, 25) Coleção educadores – obras de mestres da educação enviadas para
todas as escolas, 26) Programa Dinheiro Direto na Escola para as escolas da educação básica,
27) Concursos públicos para ampliar o quadro de servidores do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação, 28) Criação nas universidades federais de núcleos para
definir ações de inclusão, 29) 150 novas escolas profissionais em cidades-polos do país, 30)
Inclusão digital – todas as escolas públicas devem receber computadores do Estado, 31)
Programa Escrevendo o Futuro – incentivo à aprendizagem da língua portuguesa, 32)
Programa Conteúdos Educacionais – universidades recebem incentivos financeiros para
contribuir na elaboração de materiais didáticos para a educação básica, 33) Selo “Livre do
Analfabetismo” – MEC certifica municípios que reduzirem o analfabetismo, 34) PDE Escola –
cada escola pública deve elaborar seu próprio plano de ação para melhorar a educação
ofertada, 35) Formação da Saúde – programa para melhorar a formação dos profissionais da
área da saúde, 36) Concurso literário “Literatura para Todos”, 37) Pró-Ext – financiamento
de projetos e programas de extensão universitária, 38) Pró-Docência – projeto que apoia a
formação do professor de educação básica, 39) Nova Capes – instituição para colaborar na
qualificação dos professores, 40) Provinha Brasil – para verificar a alfabetização dos alunos
de 8 anos e 41) Pró-Infância, para financiar reformas e construção de prédios de escolas da
educação infantil30.
Todos esses programas, de acordo com o Ministro da Educação Fernando Haddad,
foram sustentados em seis pilares conceituais:
30
Informações colhidas no site do Ministério da Educação. Disponível em: <
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=content&task=view&id=593&Itemid=910&sistemas=1>. Acesso
em: 20 nov. 2007.
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i) Visão sistêmica da educação, ii) Territorialidade, iii) Desenvolvimento, iv) Regime de colaboração, v) Responsabilização, vi) Mobilização social que são desdobramentos consequentes de princípios e objetivos constitucionais, com a finalidade de expressar o enlace necessário entre educação, território e desenvolvimento, de um lado, e o enlace entre qualidade, equidade e potencialidade, de outro (BRASIL, PNE, 2007, p. 17).
Saviani (2007) contextualizou o processo de criação do PDE. Segundo o autor, o PT,
em 1998, encabeçou o projeto do Plano Nacional da Educação, que foi aprovado pela
Câmara dos Deputados, mas que sofreu nove vetos do então presidente Fernando Henrique
Cardoso, o que afetou, principalmente, o financiamento das ações do PNE, como já
mostrado anteriormente por Gracindo (2006). Em 2003, quando Luiz Inácio Lula da Silva, do
PT, assumiu a presidência, esperava-se que esses vetos fossem derrubados, porém tal
situação não ocorreu.
Na verdade, quando o Partido dos Trabalhadores assumiu o poder, sua ideologia
afastou-se do movimento dos trabalhadores da educação, que antes defendia, e se
aproximou do ideário empresarial do país. Saviani (Ibid.) demonstrou essa aproximação
através da semelhança das metas do PDE com a agenda do movimento “Compromisso Todos
pela Educação”, lançado em 6 de setembro de 2006, durante o período eleitoral, no Museu
do Ipiranga, em São Paulo.
Esse movimento foi patrocinado por entidades como o Grupo Pão de Açúcar,
Fundação Itaú-Social, Fundação Bradesco, Instituto Gerdau, Grupo Gerdau, Fundação
Roberto Marinho, Fundação Educar-DPaschoal, Instituto Itaú Cultural, Faça Parte-Instituto
Brasil Voluntário, Instituto Ayrton Senna, Cia. Suzano, Banco ABN-Real, Banco Santander,
Instituto Ethos, entre outros, e definiu cinco metas para a educação no Brasil:
1. Todas as crianças e jovens de 4 a 17 anos deverão estar na escola; 2. Toda criança de 8 anos deverá saber ler e escrever; 3. Todo aluno deverá aprender o que é apropriado para sua série; 4. Todos os alunos deverão concluir o ensino fundamental e o médio; 5. O investimento necessário na educação básica deverá estar garantido e bem gerido (COMPROMISSO TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2006 apud SAVIANI, 2007, p. 1244).
Esses objetivos estavam subjacentes ao Plano de Metas “Compromisso Todos pela
Educação”, lançado pelo governo em 24 de abril de 2007, no decreto presidencial 6.094. O
Plano de Metas e o Piso Salarial do Professor foram os “carros-chefe” do PDE que, segundo
Saviani (Ibid.), teve grande aceitação pela sociedade civil desde seu lançamento.
P á g i n a | 120
Com o decreto 6.094, o Estado, em regime de colaboração com estados, municípios e
Distrito Federal e com a participação das famílias e comunidades, promoveu programas e
ações de assistência técnica e financeira visando à mobilização social pela melhoria da
qualidade da educação. A promoção da educação infantil (PLANO DE METAS, art.2, inciso X)
foi caracterizada através do Programa Pró-Infância (financiamento de reforma e construção
de instituições escolares) e não se configurou como foco de atenção nesse documento, que
priorizou o ensino fundamental.
Para participar dos programas propostos nesse Plano de Metas, cada município
precisava assinar um termo de adesão em que se comprometa melhorar a qualidade da
educação, através do cumprimento das metas do IDEB31; como contrapartida, receberia um
aumento no aporte financeiro da União para a educação. Os municípios que não
cumprissem as metas estabelecidas receberiam apoio técnico e financeiro, quando
necessário, do Estado para melhorarem seus resultados. Observou-se, dessa maneira, uma
nova configuração na política de responsabilização social pela educação (accountability).
Saviani (2007) avaliou como positiva a iniciativa do MEC de capitalizar a opinião
pública em defesa da educação de qualidade para propor ações nesse sentido. Mas afirmou
que não adiantava propor mudanças, falar em qualidade da educação e responsabilização
social, se o financiamento público continuar insuficiente para garantir salários, formação e
condições de trabalho dignas para os professores. O autor lembrou que a Coréia do Sul, para
organizar seu sistema de educação, investiu 10% do seu PIB ao longo de vinte anos para
assegurar padrões mínimos de qualidade na educação. Atualmente, países desenvolvidos
que já apresentam padrões de qualidade avançados investem mais de 7% do PIB na
educação (Estados Unidos - 7,5%, Canadá - 7,6%, Noruega - 8,7% e Suécia - 8,8%), enquanto
isso, o Brasil investe pouco mais que 5% do seu PIB.
O autor lembrou, ainda, que os grupos de empresários do movimento “Compromisso
Todos pela Educação” são resistentes quanto ao financiamento público da educação.
31
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) avalia os índices de promoção, reprovação e evasão
escolar através do censo educacional (Educacenso) e dos níveis de aprendizagem em matemática e português
avaliados através da Prova Brasil. Em 2005, os estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental atingiram
média 3,8 no IDEB (a escala vai de zero a dez). A meta, segundo o ministro da educação, é que o país atinja a
média 6,0 no IDEB até 2022, ano em que o país comemorará 200 anos de sua independência. O objetivo é que
o país alcance o nível médio de desenvolvimento da educação básica dos países integrantes da Organização
para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) (BRASIL, PDE, 2007, p. 28).
P á g i n a | 121
Defendem propostas como o trabalho voluntário e a privatização do ensino superior. Mas
como investir na formação continuada de professores com qualidade se não houver
investimento na expansão das universidades públicas e na pesquisa por elas produzidas?
Saviani (Ibid.) fez um alerta:
[...] sob a égide da qualidade total, o verdadeiro cliente das escolas é a empresa ou a sociedade e os alunos são produtos que os estabelecimentos de ensino fornecem a seus clientes. Para que esse produto se revista de alta qualidade, lança-se mão do “método da qualidade total” que, tendo em vista a satisfação dos clientes, engaja na tarefa todos os participantes do processo, conjugando suas ações, melhorando continuamente suas formas de organização, seus procedimentos e seus produtos. É isso, sem dúvida, que o movimento dos empresários fiadores do “Compromisso Todos pela Educação” espera do Plano de Desenvolvimento da Educação lançado pelo MEC (SAVIANI, 2011, p. 1253).
Outro dado concreto importante de ser destacado sobre a política nacional para a
educação, foi que o Plano Nacional de Educação (2001) estabeleceu duzentos e noventa e
cinco objetivos para nortear as ações da área educacional no país. No entanto, quase uma
década depois e três anos após o PDE, muitos desses objetivos deixaram de ser cumpridos,
principalmente, em relação à educação infantil, cujo atendimento das crianças com até três
anos em creches, que era previsto para 50% somente alcançou 18%; já o atendimento das
crianças com idades entre 4 e 5 anos teve sua meta cumprida (80% de cobertura da
população), segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD32.
Assim, fica evidente que o atendimento das crianças com até três anos ainda é privilégio de
poucos no país.
3.1.2 Processos e métodos da gestão e seus atores na legislação educacional
Nos materiais sobre gestão educacional publicados pelo MEC, analisados nesta
pesquisa, as unidades de registro relativas à categoria analítica “atores sociais envolvidos na
gestão de instituições educativas” estiveram muito próximas da categoria “processos e
métodos da gestão”, isto é, nesses documentos não houve uma caracterização desses
32
AGÊNCIA BRASIL. Para especialistas, Plano Nacional de Educação 'fracassou'. Rio de Janeiro: O Globo,
reportagem publicada em 29/03/2010. Disponível em:
<http://oglobo.globo.com/educacao/mat/2010/03/29/para-especialistas-plano-nacional-de-educacao-
fracassou-916198747.asp>. Acesso em: 30/03/2010.
P á g i n a | 122
personagens (criança, professor, família, diretor, coordenador pedagógico, comunidade,
funcionários não docentes), sendo que somente apareceram nas legislações como
responsáveis pelos processos de gestão. Desse modo, optou-se por apresentar as
perspectivas das políticas educacionais dessas duas categorias analíticas em conjunto nesta
parte do texto.
No Plano Nacional de Educação (2001), a tecnologia foi um aspecto valorizado para a
gestão escolar, pois deveria ser empregada na elaboração de censos e diagnósticos das
condições concretas dos sistemas municipais de ensino e, também, aprimorar a
comunicação entre instituições, secretarias da educação e a comunidade. A meta 33 do PNE
caracterizou essa intenção da seguinte maneira: “Informatizar, gradualmente, com auxílio
técnico e financeiro da União, a administração das escolas com mais de 100 alunos,
conectando-as em rede com as secretarias de educação, de tal forma que, em dez anos,
todas as escolas estejam no sistema” (PNE, 2001, p. 114). Essa meta, se cumprida, traria
benefícios importantes para creches e pré-escolas que, por possuírem condições precárias
de instalação, não contam com essa tecnologia.
Um aspecto central na lógica de gestão proposta pelo PNE (2001) foi a avaliação de
resultados. A meta 40 definiu: “estabelecer nos municípios, em cinco anos, programas de
acompanhamento e avaliação dos estabelecimentos de educação infantil”. O padrão de
avaliação proposto envolvia a elaboração de padrões mínimos de qualidade de
aprendizagem para as crianças atendidas em creches e pré-escolas.
O estabelecimento desses padrões deveria contar com a participação de professores,
funcionários administrativos e as famílias dos educandos. Ao mesmo tempo, deveria
promover a criação de conselhos de acompanhamento e de controle social dos recursos
financeiros destinados à educação (Conselho Municipal de Educação, Conselho de Escola,
Associação de Pais e Professores) e incluir levantamentos estatísticos ou censo escolar, para
auxiliar no planejamento das ações em educação.
A participação da comunidade escolar nos processos de gestão das instituições
educacionais foi analisada por Cury, no Seminário Internacional “Gestão democrática da
educação e pedagogias participativas”, em 2006. O pesquisador revelou que a sociedade civil
tem encontrado muitas dificuldades concretizar a participação nos processos de gestão da
educação. Para o pesquisador, as razões disso encontram-se na formação cultural da
sociedade brasileira, visto que,
P á g i n a | 123
Se de 1824 a 1834 nós tivemos um regime centralizado; diga-se de passagem, a lei de 1827 era a primeira lei geral de educação no Brasil. Ela é do dia quinze de outubro, por isso o dia do professor é dia quinze de outubro. Ela previa, desde a Constituição de 1924, que teriam acesso à educação apenas os cidadãos. Neste sentido estavam declaradamente fora ou subrepticiamente fora os escravos; por razões de um sistema patriarcal, boa parte das mulheres. Além disso, a lei falava que haveria a oferta da instrução primária apenas nas vilas populosas. Isso significa que as zonas rurais estavam descartadas. O nosso sistema, então, nasceu sob um signo, muito mais de uma seletividade oligárquica, do que sob o signo de uma abertura democrática. [...] Isto fez com que, por várias razões, as nossas populações tivessem uma cultura de pouco apetite em relação à participação na gestão escolar (Ibid., p. 106-107, grifos nossos).
Na educação infantil a presença dos pais ou responsáveis legais pela criança nas
creches e pré-escolas é muito mais intensa do que nos outros níveis da educação, visto a
idade das crianças que têm de ser acompanhadas por pelo menos um adulto na chegada e
na saída do estabelecimento escolar. Em geral, as famílias têm um contato diário com a
professora e/ou outros funcionários da escola; o objetivo principal desses encontros é
sempre a aprendizagem e o bem estar da criança. Porém, a constante presença não significa
necessariamente a participação nos processos decisórios da instituição. No próximo tópico
esse tema será mais aprofundado.
O professor Ivandro Sales, consultor do Programa de Capacitação de Conselheiros
Municipais de Educação, defendeu que era necessário oferecer formação política para a
sociedade civil, para que efetivamente os cidadãos aprendessem a participar dos processos
decisórios que envolvem a sua vida. Nesse sentido, definiu participação da seguinte forma:
[...] participação para mim é ter poder, ter poder de definir o que se quer e o modo de querer. Nesse sentido, a colaboração não é participação. Se eu colaboro no que eu defini, no que a minha categoria definiu, é participação. Agora eu colaborar no que outros definiram para mim, ai é negação da participação. [...] Para mim a participação seria tomar gosto para ter poder, se fazer tomar em consideração, se dar importância, não entregar os destinos a “salvador da pátria” nenhum, nem a governo [...], é ser governo, já que todos somos Estado (SEMINÁRIO INTERNACIONAL, 2001, p. 131).
Na Nova Gestão Pública o cidadão é entendido como um cliente que paga, através
dos impostos, pelos serviços públicos, desse modo, tem o direito de exigir um atendimento
que atenda às suas demandas. No entanto, o que ocorre na educação infantil é bem
diferente. Não há creches para todos, assim, muitos pais, principalmente os mais pobres,
têm a compreensão de que a vaga para seu filho é um privilégio e que ele deve ser grato ao
poder público por esse “favor”, mesmo que organizado de forma bastante precária.
P á g i n a | 124
Na lógica gerencial o cliente/cidadão é ouvido com a finalidade de se compreender as
suas demandas em relação ao serviço prestado para que o mesmo seja aperfeiçoado. Dessa
maneira, o cidadão é entendido como fonte de capital intelectual, que pode ser captado
pelos profissionais da instituição escolar, com competência técnica para agregar valor ao
produto que é colocado no mercado (a criança educada).
Outro aspecto quanto aos processos de gestão da escola, discutido no Seminário
Internacional (2006), foi a forma de provimento do cargo de diretor. A professora Maria
Auxiliadora Seabra Rezende, vice-presidente do CONSED, apresentou os resultados de uma
pesquisa promovida pelo conselho de secretários de educação, em 2003, quanto às formas
de escolha dos dirigentes escolares no país:
Na verdade, estou mostrando um quadro em relação à forma de escolha dos diretores. Nos números (como disse, o último levantamento do Conselho foi de 2003) já temos várias mudanças. Vários que estavam no grupo de eleição direta pela comunidade estão trabalhando e já passaram para o segundo grupo: trabalhando uma eleição direta, mas com uma seleção técnica. Então, temos Estados que trabalham com o processo de eleição direta. Alguns Estados começaram com esse processo da eleição direta e já migraram, compondo primeiro, uma prova para uma avaliação técnica, em termos de competências e atribuições. Depois os selecionados têm os seus nomes colocados à disposição para a eleição. Temos alguns Estados que trabalham com a seleção técnica, e aí a seleção técnica vai desde um concurso público como o estado de São Paulo. O cargo de direção é de concurso e é um cargo. Não é nem um concurso no sentido temporário; é uma função de cargo definido. Há até a seleção com critério técnico e político ainda. Infelizmente, o critério de seleção político ainda é muito presente na maioria dos municípios e em muitos estados também (SEMINÁRIO INTERNACIONAL, 2006, p. 119-20).
Moacir Gadotti, diretor geral do Instituto Paulo Freire, posicionou-se em relação a
esse tema mostrando que para a efetivação da gestão democrática na escola era obrigatória
a existência de lideranças democráticas. Para ele, o diretor não é o único gestor da escola;
merendeiras, secretários, auxiliares, vigias, professores, educandos e pais também podem
ser gestores. O diretor escolar é fundamental para estimular as relações democráticas
dentro da escola, por isso, afirma ser a favor de um sistema de escolha de diretores misto,
que envolva a avaliação da competência técnica dos candidatos e eleição, para medir a
liderança dos mesmos, pois o diretor tem que ter as duas coisas. Nenhuma forma é perfeita,
evidentemente. “[...] o importante é que não há escola democrática sem liderança
democrática” (SEMINÁRIO INTERNACIONAL, 2006, p. 177).
As atitudes esperadas dos gestores da educação pública pelo MEC foram tratadas no
volume 3 do PRADIME (2006), neste material defendeu-se que para a promoção da
P á g i n a | 125
qualidade social nos estabelecimentos educacionais, o dirigente municipal da educação
precisaria:
• entender que a aprendizagem, considerada a aquisição de conhecimentos, a sua reconstrução e o seu contínuo avanço são o fim de todo o processo educacional;
• interagir com os demais gestores e defender as possibilidades de melhoria contínua das condições materiais de trabalho para os profissionais da educação;
• defender as possibilidades de melhoria contínua das condições e as possibilidades de estudo para todos os membros de sua comunidade;
• manter-se atualizado e assegurar o contínuo aperfeiçoamento dos profissionais da educação;
• respeitar as condições socioeconômicas e culturais da comunidade;
• entender que o processo educacional é suprapartidário;
• portar-se com ética e transparência;
• manter o clima de trabalho favorável ao crescimento coletivo;
• respeitar leis, decretos, portarias e as normas estabelecidas;
• ser flexível para implementar mudanças necessárias;
• saber ouvir seus colaboradores e agir com dignidade, incentivando o desenvolvimento de lideranças proativas;
• resgatar e saber valorizar o conhecimento da comunidade, da sua história oral e das suas tradições, sem contudo prendê-la ao passado, levando-a a aumentar a sua participação na sociedade, a divulgar a sua história, inserindo-a no contexto mundial;
• identificar o potencial das tecnologias da comunicação e da organização de secretarias para oferecer serviços educacionais compatíveis com as necessidades e com a realidade social;
• valorizar o profissional da educação, o trabalho coletivo, os conselhos, a participação e a contribuição juvenil;
• criar condições básicas para que os conselhos realmente representem seus membros (PRADIME, 2006, v. 3, p. 67-8).
Quanto à formação dos profissionais da educação, o então ministro da educação,
Fernando Haddad, na ocasião da realização do Seminário Internacional, posicionou-se a
favor da profissionalização do educador através da formação inicial e continuada para a
melhoria da qualidade em educação no país. Nesse sentido, a estratégia era o investimento
no ensino superior:
Só para vocês terem uma idéia, em quatro anos, contratamos nove mil docentes nas universidades públicas federais, contra quatro mil dos oito anos anteriores. [...] Dois mil desses novos professores são professores que vão atuar nos novos quarenta e dois campus universitários no interior do país, levando a universidade pública para o interior do país, ou seja, aproximando do professor da Educação Básica. A maioria desses campus contam com cursos de licenciatura, a grande maioria, quase a totalidade deles. Ou seja, para permitir, ao professor em serviço, ter a oportunidade de completar a sua formação ou de enfrentar um ciclo de formação continuada, de atualização permanente (SEMINÁRIO INTERNACIONAL, 2006, p. 193).
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A maior aproximação do Ensino Superior público da Educação Básica foi entendida
pelo MEC como vantajosa para ambos os níveis, isso porque a educação básica pode
aproximar suas práticas do conhecimento científico, o que pode favorecer inovações na
organização dessas escolas. Quanto às universidades, estas poderiam “[...] aumentar o seu
grau de porosidade, para ouvir o que está acontecendo no chão da escola, porque muitas
vezes o pesquisador não está ciente do que está acontecendo no chão da escola” (Ibid., p.
194). A expansão do número de universidades federais no país e a oferta de cursos de
formação de professores têm sido incentivadas pelo MEC, mas o investimento em pesquisa
na área da educação não foi na mesma proporção. Um dos riscos que se corre com essa
prática é a especialização dessas novas universidades apenas na área do ensino, sem a
produção de conhecimentos novos para a ampliação de sua complexidade.
O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE – 2007) contribuiu para o
pensamento quanto aos processos de gestão escolar, ao ressaltar a importância de valorizar
os profissionais da educação, através do estabelecimento de plano de carreira, de salários
dignos e da melhoria nas condições de trabalho. O Piso Salarial do Magistério foi
regulamentado em 16 de julho de 2008, pela lei n. 11.738 e ficou estabelecido em R$950,00
mensais (menos de dois salários mínimos)33, para os profissionais do magistério com
formação em nível médio, na modalidade Normal, com jornada de trabalho semanal máxima
de 40 horas. Na composição dessa carga horária deveria ser respeitado o limite máximo de
dois terços da jornada para o desenvolvimento das atividades de interação com os
educandos (LEI 11.738, art. 2). Compõem o grupo dos profissionais abrangidos por essa
legislação
[...] aqueles que desempenham as atividades de docência ou as de suporte pedagógico à docência, isto é, direção ou administração, planejamento, inspeção, supervisão, orientação e coordenação educacionais, exercidas no âmbito das unidades escolares de educação básica, em suas diversas etapas e modalidades, com a formação mínima determinada pela legislação federal de diretrizes e bases da educação nacional (LEI 11.738, art. 2, parágrafo 2º).
Os municípios que não puderem pagar o piso receberiam complementação da União
e assessoria técnica para planejar e aperfeiçoar a aplicação dos seus recursos em educação,
de acordo com essa lei (LEI 11.738, art. 4º). O piso deveria ser reajustado anualmente, no
33
Em 2010 o Salário Mínimo Nacional era de R$ 510,00.
P á g i n a | 127
mês de janeiro, levando-se em conta o mesmo percentual de crescimento do valor anual
mínimo por aluno, referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano (LEI 11.738, art.
5º). A União, os estados, os municípios e o Distrito Federal tiveram até 31 de dezembro de
2009 para adequarem seus Planos de Carreira e Remuneração do Magistério a essa
legislação (LEI 11.738, art. 6º).
Em síntese, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, durante o primeiro mandato, o
MEC deu continuidade às ações propostas pelo governo anterior no Plano Nacional de
Educação (2001), mas iniciou um processo de aproximação com a sociedade representada
pelo CONSED e UNDIME, principalmente, e com grupos de empresários do país.
Posteriormente, durante o segundo mandato, a partir das ações do Plano de
Desenvolvimento da Educação (2007), foi possível constatar mais claramente um hibridismo
na lógica para a gestão da escola. Isso se justificou a partir do posicionamento do Estado,
que ao mesmo tempo promoveu ações para propiciar a maior participação da sociedade na
definição das políticas educacionais (fóruns, conferências) e melhoria nas condições de
financiamento (Fundeb, Pró-Infância, PDDE, Piso salarial, formação para os profissionais da
educação, aumento da porcentagem do PIB para o investimento em educação) e continuou
priorizando a lógica gerencial para a administração da educação.
Assim, esse contexto político híbrido possibilitou a existência de fenômenos técnicos
e políticos contraditórios para a gestão da escola pública, como: as parcerias público-
privadas; o Projeto Político Pedagógico e o Plano de Desenvolvimento da Escola; a educação
para a emancipação e a valorização da competitividade e da meritocracia na organização das
instituições públicas; a valorização do trabalho coletivo e a responsabilização individual do
diretor escolar pela qualidade social da educação.
3.2 O pensamento científico em gestão escolar na primeira década do século
XXI
A produção científica sobre gestão da educação publicada nos periódicos analisados
por esta investigação, no período de 1999 até 2009, corresponde a 142 artigos, como já
apontado no capítulo segundo. O mapeamento dessa produção foi feito a partir das
P á g i n a | 128
variáveis: produção dos periódicos, periodicidade, instituições de pesquisas com mais
publicações, métodos de pesquisa empregados, pesquisadores com maior índice de
publicações, referenciais teóricos citados e vocabulário da área encontrado.
A distribuição das publicações sobre gestão educacional entre os periódicos
analisados configurou-se da seguinte maneira: Educação e Sociedade (43% dos artigos
analisados); Cadernos de Pesquisa (22% dos artigos analisados); Revista Brasileira de
Educação (15% dos artigos analisados); Educação e Pesquisa (13% dos artigos analisados);
Pro-Posições (7% dos artigos analisados). Observou-se, desse modo, que a revista Educação
e Sociedade e os Cadernos de Pesquisa concentraram a maior parte das publicações sobre a
gestão da educação no período analisado.
A produção científica sobre gestão da educação configurou-se por uma média de 13
artigos publicados anualmente no conjunto de periódicos investigados. Veja a representação
da periodicidade dessa produção no gráfico a seguir:
GRÁFICO 2 – Periodicidade das publicações científicas sobre gestão da educação
Essa elevada produção deveu-se ao fato de que, para conseguir compreender o
pensamento sobre gestão da escola no meio científico do país, foi necessário utilizar os
termos “administração” e “gestão” da educação como palavras-chave nas buscas pelos
bancos de dados, pois, quando se concentrou as buscas no unitermo “gestão escolar”, foram
encontrados apenas cinco artigos em todo o material investigado34, que não representavam
34
Dos cinco artigos encontrados sobre gestão da escola, três foram publicados na revista Educação e Sociedade
e foram eles: “A gestão escolar: um campo minado... Análise das propostas de 11 municípios brasileiros” de
P á g i n a | 129
integralmente o movimento desse pensamento no país. É importante destacar, ainda, que a
maior parte dos artigos encontrados (94 publicações) apresentaram apenas o termo
“gestão” como identificador. Os demais (48 artigos) trouxeram as palavras “administração” e
“gestão” simultaneamente nos elementos de identificação para a busca (título ou resumo ou
palavras-chave). Observou-se, desse modo, o predomínio no emprego do vocábulo “gestão”
nos artigos que tratam da administração da educação no país, como já fora comprovado
anteriormente por Maia (2004, 2008).
Cabe destacar, ainda, a maior frequência de publicações com os termos
“administração” e “gestão” nas edições especiais da revista Educação e Sociedade sobre
“Políticas educacionais” (ago. 2001, n. 75) e “Políticas públicas de regulação: problemas e
perspectivas da educação básica” (número especial 2005, v. 26 n. 92). Na primeira década do
século XXI houve, então, o predomínio na produção do conhecimento científico sobre a
gestão da educação de investigações de nível macro (política e políticas públicas) em relação
aquelas de nível meso (processos administrativos na escola, relações dos atores sociais no
interior da escola).
Quanto às instituições de pesquisa com maior índice de publicações no material
analisado, foi encontrado: Universidade de São Paulo (18,5% do total das publicações);
Fundação Carlos Chagas (7,5% do total das publicações); Universidades de Portugal (7,5% do
total das publicações); Universidade Estadual de Campinas (7,5% do total das publicações);
Universidade Estadual Paulista (7% do total das publicações); Universidade Federal de Minas
Gerais (5,5% do total das publicações); Pontifícia Universidade Católica SP e MG (4% do total
das publicações); Universidade Federal do Paraná (4% do total das publicações);
Universidade Federal do Rio de Janeiro (4% do total das publicações); Universidades da
França (4% do total das publicações); Universidade Federal de Goiás (3,5% do total das
publicações) e Universidade Federal de Pernambuco (3,5% do total das publicações).
Esses dados demonstraram que as maiores divulgadoras de pesquisas sobre gestão
da educação eram as universidades públicas, com ênfase para as estaduais de São Paulo
Nora Krawczyk (1999), “A reestruturação do trabalho docente: precarização e flexibilização” de Dalila Andrade
Oliveira (2004) e “A utilização do conhecimento em política: o caso da gestão escolar em Portugal” de João
Barroso (2009). Um artigo foi publicado na revista Educação e Pesquisa: “Implicações do caráter político da
educação para a administração da escola pública” de Vitor Paro (2002) e um artigo foi publicado nos Cadernos
de Pesquisa: “Gestão de escola pública: análise de uma proposta de intervenção” de Ângela Maria Martins
(2007).
P á g i n a | 130
(USP, Unicamp e Unesp que concentraram quase 35% do total de produções) e para as
federais (Goiás, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, com 20,5% do total de
produções), confirmando, desse modo, a relevância das universidades públicas do país na
produção científica deste campo. Foi significativo, também, o número de produções de duas
instituições privadas sem fins lucrativos, a Fundação Carlos Chagas e a Pontifícia
Universidade Católica (Minas Gerais e São Paulo). Houve destaque, ainda, para a presença
expressiva de universidades portuguesas e francesas (total de 11,5% das publicações). Com
isso, foi possível constatar que a produção científica do país sobre a gestão da educação era
financiada exclusivamente pelo setor público, e como pode ser perigoso para o
fortalecimento desse conhecimento se o Estado negligenciar o investimento em pesquisa no
processo de expansão das universidades públicas que vem ocorrendo.
Quanto aos métodos de pesquisa declarados pelos autores dos artigos analisados
foram encontrados: Análise Documental e Análise de Conteúdo (60 artigos); Revisão
Bibliográfica (30 artigos); Estudo de Caso (17 artigos); Estudo Comparativo (12 artigos);
Pesquisa-ação (9 artigos); Pesquisa Quantitativa (5 artigos); Entrevista (5 artigos); Pesquisa
Histórica (3 artigos); Estudo Etnográfico (apenas um artigo). A representação destes dados
encontra-se no gráfico a seguir:
GRÁFICO 3 – Métodos empregados nas pesquisas referentes à gestão da educação
P á g i n a | 131
Os métodos de pesquisa empregados na investigação da gestão da educação têm
sido predominantemente os documentais. A razão para isso pode estar relacionada às
condições de produção do trabalho científico no país. André (2001) mostrou que, cada vez
mais, o aporte das agências financiadoras não tem crescido na mesma medida que a
expansão das universidades públicas do país.
Além disso, a maior parte dos pesquisadores educacionais brasileiros são professores
de universidades públicas, que desenvolvem atividades de ensino e extensão paralelamente
à pesquisa, o que gera uma sobrecarga de atividades, em que nem sempre a pesquisa pode
ser considerada prioridade, visto as políticas públicas de expansão do ensino superior com
redução de investimentos e, consequente, aumento da precarização do trabalho desses
pesquisadores.
Há, ainda, a cobrança, por parte da Capes, pelo aumento de produtividade
(publicação de trabalhos científicos), para classificar a qualidade dos cursos de graduação e
pós-graduação das instituições superiores de ensino, o que tem gerado uma verdadeira
corrida por parte dos pesquisadores para publicarem trabalhos que exijam menos tempo e
financiamento para elaboração.
Por último, há que se considerar que as pesquisas realizadas em campo (dentro da
instituição de educação infantil, nas secretarias municipais e estaduais de educação, nos
conselhos escolares, nas diretorias de ensino...) exigem maior tempo de permanência do
pesquisador no local da investigação, para que se possa estabelecer relações de confiança
com os colaboradores e encontrar informações confiáveis. Além disso, no campo da gestão
da educação é cada vez mais difícil conseguir autorização para a realização desse tipo de
pesquisa. Isso ocorre porque os responsáveis por esses espaços públicos, na maioria das
vezes, ocupam cargos políticos e não autorizam que suas práticas sejam investigadas, pois
temem o uso político dos resultados que possam ser encontrados. Com tudo isso, foi
possível constatar que as condições de produção da pesquisa sobre a gestão escolar no país
têm influenciado os métodos empregados pelos pesquisadores, o que, consequentemente,
afeta a expansão e o aprofundamento do conhecimento neste campo da educação.
Na gestão da educação os pesquisadores com maior número de artigos publicados
nos materiais analisados foram: Krawczyk (5 artigos); Martins (4 artigos); Adrião (3 artigos);
Arelaro (3 artigos); Toschi (3 artigos); Portela de Oliveira (2 artigos); Lian de Sousa (2
artigos); Peroni (2 artigos); Afonso (2 artigos); Ratto (2 artigos); Davis (2 artigos); Zibas (2
P á g i n a | 132
artigos); Andrade de Oliveira (2 artigos); Saviani (2 artigos); Semeraro (2 artigos); Velloso (2
artigos); Rezende Pinto (2 artigos); Dourado (2 artigos); Aguiar (2 artigos); Tardif (2 artigos);
Jacobi (2 artigos); Perrenoud (2 artigos) e Paro (2 artigos).
Os objetos de estudo desses autores caracterizaram-se da seguinte maneira: plano
municipal de educação, ensino médio, mercantilização da educação, sistemas educacionais
do Brasil, Argentina, Chile e México (KRAWCZYK), descentralização, municipalização,
autonomia e reforma na educação e gestão da escola pública (MARTINS), Programa Dinheiro
Direto na Escola e gestão da educação, o modelo de ensino fundamental em São Paulo,
privatização da educação pública através da compra de Sistemas Apostilados de Ensino
(ADRIÃO), política educacional e ensino fundamental, parcerias público-privado, privatização
da educação pública através da compra de Sistemas Apostilados de Ensino (ARELARO),
reforma e currículo no ensino médio, tecnologias da informação (infovias), programa
FUNDESCOLA e gestão dos sistemas educacionais públicos (TOSCHI), mercado educacional e
direito à educação, educação como mercadoria (PORTELA DE OLIVEIRA), currículo e
avaliação, quase-mercado educacional (LIAN DE SOUZA), terceiro setor e políticas
educacionais (PERONI), globalização, reforma do estado e políticas educacionais em Portugal
(AFONSO), disciplina na escola de ensino fundamental e relação escola - família (RATTO),
avaliação no estado de São Paulo, metacognição (DAVIS), reforma da educação na Espanha,
parcerias público-privadas no ensino técnico brasileiro (ZIBAS), flexibilização e precarização
do trabalho docente e regulação das políticas educacionais na América Latina (ANDRADE DE
OLIVEIRA), teorias da educação no Brasil (SAVIANI), conhecimento e subjetividade em
Gramsci (SEMERARO), ensino superior na América Latina, financiamento do ensino superior
(VELLOSO), acesso ao ensino superior, financiamento da educação (REZENDE PINTO), política
e gestão da educação, ensino superior a distância (DOURADO), reforma educacional e
CONSED, formação docente (AGUIAR), formação e prática docente, trabalho técnico nas
escolas (TARDIF), cidadania e participação (JACOBI), profissionalização do professor através
da prática reflexiva e aquisição de competências (PERRENOUD), implicações da política na
administração da escola e formação de gestores escolares (PARO).
Apesar da variabilidade de objetos de pesquisa nos estudos sobre gestão da
educação, foi possível perceber que elementos importantes da administração pública
gerencial foram abordados nesses estudos, como a globalização e a consequente influência
internacional nas políticas públicas para a educação no Brasil, a profissionalização do
P á g i n a | 133
professor e do gestor escolar (diretor), financiamento, terceirização e parcerias público-
privadas, mercadorização da educação, avaliação e responsabilização social (acountability),
usos da tecnologia da informação e comunicação, flexibilização na organização da escola e
participação nos processos de gestão. Destacou-se, ainda, que a educação infantil não se
configurou como objeto de investigação de nenhum desses pesquisadores.
Os referenciais teóricos mais utilizados pelos estudiosos da gestão da educação
foram: Saviani (citado em 19 artigos); Bourdieu (citado em 17 artigos); Cury (citado em 17
artigos); Tardif (citado em 17 artigos); Paro (citado em 14 artigos); Sousa Santos (citado em
13 artigos); Afonso (citado em 12 artigos); Lima (citado em 12 artigos); Dourado (citado em
11 artigos); Adrião (citada em 10 artigos); Barroso (citado em 10 artigos); Ball (citado em 9
artigos); Freire (citado em 9 artigos); Bobbio (citado em 8 artigos); Foucault (citado em 8
artigos); Cunha (citado em 8 artigos); Giddens (citado em 8 artigos); Kuenzer (citada em 8
artigos); Nóvoa (citado em 8 artigos); Andrade de Oliveira (citada em 8 artigos); Portela de
Oliveira (citado em 8 artigos); Peroni (citada em 8 artigos); Perrenoud (citado em 8 artigos);
Bresser Pereira (citado em 7 artigos); Carnoy (citado em 7 artigos); Dale (citado em 7
artigos); Frigotto (citado em 7 artigos); Gatti (citada em 7 artigos); Marx (citado em 7
artigos); Tedesco (citado em 7 artigos); Arroyo (citado em 7 artigos); Apple (citado em 6
artigos); Gramsci (citado em 6 artigos); Ianni (citado em 6 artigos); Mészáros (citado em 6
artigos); Rosar (citada em 6 artigos); Sacristán (citado em 6 artigos); Bernstein (citado em 5
artigos); Cassassus (citado em 5 artigos); Castro (citado em 5 artigos); Catani (citada em 5
artigos); Ezpeleta (citada em 5 artigos); Krawczyk (citada em 5 artigos); Martins (citada em 5
artigos); Mello (citada em 5 artigos); Schön (citado em 5 artigos); Touraine (citado em 5
artigos); Weber (citado em 5 artigos) e Zibas (citada em 5 artigos).
A grande variedade de referenciais teóricos comprovou a multiplicidade de temáticas
que foram trabalhadas no campo da gestão educacional no Brasil. Além disso, chamou a
atenção para a intensa presença de autores estrangeiros, principalmente portugueses,
franceses e ingleses, o que indicou um movimento de ampliação da complexidade desse
pensamento pelos pesquisadores da gestão educacional do país. A partir desses referenciais
teóricos, a compreensão sobre a gestão educacional elaborada enfatizou mais as políticas
públicas para a educação ao invés da organização da escola.
Os autores brasileiros Saviani, Cury, Paro, Adrião e Dourado destacaram-se por terem
produzido estudos que tornaram-se referência para os pesquisadores da gestão da educação
P á g i n a | 134
no país. Desses autores, apenas Carlos Roberto Jamil Cury não estava na lista dos
pesquisadores com maior número de publicações no material analisado por esta
investigação. Esse autor tem apenas um artigo no periódico Educação e Sociedade (2009).
Suas publicações citadas constituíram-se em capítulos de livros em que discutiu as políticas
públicas para a educação, enfatizando os aspectos da relação público-privado e a gestão
democrática nos conselhos municipais de educação. Destacou-se, ainda, que, entre 1996 e
2004, este pesquisador foi membro da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação, o que comprovou sua relação e conhecimento aprofundados da política estatal.
Ressalta-se, também, que Saviani, Cury, Paro, Adrião e Dourado foram autores
citados como referência nas apostilas do PRADIME, editadas pelo MEC, mostrando o
conhecimento dessa produção pelos membros que compõem a Secretaria de Educação
Básica. É um dado interessante, visto que estes autores fazem duras críticas às políticas
educacionais promovidas pelo Estado através da gestão pública gerencial.
O vocabulário encontrado nas produções relativas à gestão da educação demonstrou
que os pesquisadores identificaram a influência do novo padrão de gestão pública na
organização da educação do país. Na tabela abaixo se encontram as frequências de uso das
unidades de registro encontradas nos artigos sobre gestão da educação analisados e o
vocabulário usual dos pesquisadores desse campo da educação no Brasil:
TABELA 3 – Unidades de registro encontradas nos artigos analisados sobre gestão da educação
Unidade de Registro Frequência de citação Termos relacionados
Administração 9 Da escola, Da educação, Mediação
Adolescência 1
Aluno 1
Autonomia 26 Emancipação
Autoritarismo 2 Dominação
Avaliação 17
Carreira 2 Plano de Carreira, Piso Salarial
Cidadania 5
Competência 5 Técnica, Política
Competitividade 3
Comunicação 1
Conflito 1
Conselho 15 Assembleia, Colegiado, Tutelar, Escolar,
Municipal de Educação,
P á g i n a | 135
Representatividade
Controle 8 Social, Do Estado
Coordenador pedagógico 2 Coordenação
Correção do fluxo escolar 1
Crise estrutural 1
Cultura 19 Escolar, Organizacional
Currículo 9
Democracia 4 Democratização
Descentralização 15
Desenvolvimento 2 Profissional, Sustentável
Diálogo 2
Direito à educação 2
Diretor 11 Preenchimento do cargo, Perfil, Formação,
Gestor escolar, Papel do diretor (9 citações)
Disciplina 4 Gestão do comportamento e da
subjetividade, Indisciplina
Diversidade 3
Educação Básica 5
Educação de Jovens e Adultos 5
Educação inclusiva 7 Inclusão, Individuação
Educação Infantil 3
Ensino a distância 1
Ensino Fundamental 23 6 citações sobre Anos Iniciais, 3 sobre Anos
Finais, e 2 sobre Ensino Fundamental de 9 anos
Ensino Médio 17 2 citações de Educação profissionalizante
Ensino Rural 1
Ensino Superior 19
Estado 9 Liberal, Mínimo, Neoliberal, Patrimonial
Estatísticas 12 Diagnóstico, Matrícula, Oferta escolar, Evasão
Exclusão social 7 Desigualdade, Lógica de exclusão, Racismo,
Mobilidade social
Família 6
Federalismo 1
Financiamento 36 Fundeb, Fundef, Financeirização da
P á g i n a | 136
educação, Mercado, Mercantilização,
Mercadorização do conhecimento,
Mercado financeiro, Economia
Flexibilidade 1
Formação de professores 27 Em serviço, Ensino superior, A distância
Fundações de apoio ao ensino superior
1
Gênero 5
Globalização 5
Governabilidade 2
Hierarquia 2
História 16 Contexto da pós-modernidade
Influência Internacional 38
Infraestrutura 2
Inovação 3
Interdisciplinaridade 1
Legislação 10 Normas, Imposição normativa
Liderança 2
Materiais pedagógicos 1
Mediação 1
Meritocracia 1
Organização do trabalho 22 Do tempo, Na escola, Trabalho Coletivo
Padrão de gestão 45 18 citações sobre Gestão Democrática,
10 sobre Padrão Gerencial,
3 sobre padrão gerencial do Quase
Mercado; 2 sobre Qualidade
Total, Accountability,
Autogestão, Autogovernação,
Burocrática, Conselhos,
Eficientilista, Emancipatória,
Horizontalizada,
P á g i n a | 137
Modelo de Desenvolvimento
Keynesiano, Pensamento Complexo,
Projetismo, Oligopólio
Parceria público-privada 14 Convênio, Público não-estatal
Participação 26
Perda da legitimidade Institucional 1
Planejamento 10 Plano Nacional de Educação, Plano de
Desenvolvimento da Educação
Poder 5 Estado, Local
Política pública 31
Prática pedagógica 22 Prática de ensino, Reflexiva, Produtivista
Precarização do trabalho 8 Desprofissionalização, Desvalorização,
Intensificação do trabalho,
Autorresponsabilização
Privatização 10
Produção de conhecimento - pesquisa
10
Professor 15 Papel, Função, Identidade
Profissionais não-docentes e não administrativos
1 Psicólogos, Psicoeducadores,
Trabalhadores sociais, Orientadores pedagógicos
Profissionalização 3
Programas Federais 2
Projeto Pedagógico 12 Político pedagógico, Proposta pedagógica
Qualidade 13 Eficiência
Quase-mercado 5
Racionalização 2 Racionalidade Instrumental
Rede de apoio à infância 1
Reforma educacional 30
Regulação 6 Estatal, Supranacional
Relação entre escola e universidade 3
Relação entre escolas 2
P á g i n a | 138
Relação entre Ministério da Educação e Conselho de Secretários
de Educação (CONSED)
1
Relação entre pesquisa e políticas públicas
1
Relação escola e comunidade 6
Relação escola e família 4
Relação público e privado 1
Secretários de educação 1
Serviço 2
Sindicato 1
Sistema 6 De ensino, 2 citações sobre Sistemas
Apostilados
Sociedade Civil 1
Subjetividade 1
Tecnologia 3
Teoria 7 Da administração, Das organizações,
Pedagógica, Filosofia, Ideologia, Socialismo
Libertário
Terceira Via 3
Terceiro setor 2 Terceirização
Transparência 4
O conhecimento sobre a gestão da educação, produzido na primeira década do
século XXI, publicado nas revistas analisadas por esta investigação, tem em comum a
reflexão sobre as políticas educacionais elaboradas a partir da Reforma do Aparelho do
Estado (1995) no Brasil. Essa produção científica apresentou uma multiplicidade de objetos e
referenciais teóricos, o que demonstrou o aprofundamento da complexidade sobre a
discussão do fenômeno da gestão da educação pública na contemporaneidade. Os temas
mais pesquisados em gestão educacional na primeira década do século XXI foram: os
padrões de gestão nas políticas públicas, a influência internacional, o financiamento para a
educação, a importância de se assegurar maior autonomia para as instituições educacionais,
a participação da comunidade escolar nos processos de gestão (Conselhos), a avaliação
como processo de responsabilização social (accoutability) e a formação dos profissionais
docentes da educação para uma prática pedagógica emancipatória.
P á g i n a | 139
Faz-se importante destacar a inexpressiva produção sobre as famílias das crianças
usuárias da educação básica e sobre o perfil dos funcionários não docentes das escolas.
Foram encontradas poucas pesquisas, também, sobre a educação infantil, educação de
jovens e adultos, educação inclusiva e ensino rural.
O mapeamento dessa produção focalizou os principais elementos para a análise da
gestão da escola pública brasileira, portanto, não se pretendeu neste estudo abranger a
totalidade do conhecimento presente nessas publicações, mas apenas compreender o
pensamento sobre a gestão da escola que emergiu desse material, a partir das categorias
analíticas: “Materialidade da prática social em gestão das instituições educativas”, “Atores
sociais da educação” e “Processos e métodos de gestão”.
3.2.1 A materialidade da prática social em gestão das instituições educativas
no pensamento científico
Para os pesquisadores da gestão educacional, que publicaram em revistas científicas
brasileiras, o fortalecimento e consequente expansão do fenômeno de globalização
contextualizou as influências internacionais recebidas pelo Estado brasileiro para a formação
de sua política de governo para a educação.
No cenário internacional, a partir da década de 1980, houve um intenso movimento
de reforma da educação para a implementação da Nova Gestão Pública (New Public
Management) imposta por uma regulação supranacional, que enfraqueceu o papel das
nações na elaboração dessas políticas (ZIBAS, 1999; HORTALE e MORA, 2004; ANTUNES,
2005).
A Nova Gestão Pública, segundo Afonso (2001), foi o resultado do projeto político de
neoliberais e neoconservadores, que formaram a ideologia político-partidária da nova direita
no governo dos países centrais. Desse modo, as políticas para a educação passaram a
objetivar a modernização e a desburocratização das escolas para melhorar a eficiência dos
serviços públicos e minimizar a responsabilidade do Estado por sua oferta. Barroso (2003)
explicou que essa agenda foi imposta aos países devedores do FMI, no entanto, a
apropriação dessa política ocorreu de maneira bastante diversificada nos diferentes países,
P á g i n a | 140
que atenuaram ou mesmo aprofundaram essa regulação mercantil da educação. Barroso
(op. cit.) nomeou este fenômeno de “efeito de contaminação”.
O impacto dessa regulação estatal na prática social das escolas europeias foi
analisado por Afonso (2003), Zanten (2005) e Cardoso (2009), que caracterizaram o
surgimento do quase-mercado educacional, definido pela concorrência entre escolas
públicas, agora não-estatais, pelo financiamento público e privado de suas atividades.
Na América Latina, Bueno (2004) investigou o padrão de gestão para a educação
proposto pelo Banco Mundial, a partir da década de 1990, aos seus países devedores. A
pesquisadora demonstrou que a Nova Administração Pública foi fundamentada em uma
visão econômica e empresarial que promoveu a despolitização da gestão escolar. Chaui
(2003) e Bueno (2004) defenderam, ainda, que a estratégia do Estado para aplicar o novo
padrão de gestão público foi a transformação das instituições em organizações. Isso
significou que a instituição, constituída através da legitimidade social interna e externa,
marcada pela existência de conflitos e universidade de ideias, foi desqualificada em nome da
adoção da organização social que, de outro modo, definiu a sua prática através de uma
instrumentalidade que buscou o consenso em nome da maior eficiência.
Martinic (2001) também pesquisou a reforma da educação na América Latina e
percebeu que houve três movimentos distintos nas políticas educacionais que
caracterizaram as atuais reformas nesses países:
Com base em Oscar Oslak, podemos distinguir duas “gerações” nesse movimento reformista. A primeira delas voltou-se para a reorganização da gestão, do financiamento e do acesso aos sistemas. A segunda abordou os problemas que afetam a qualidade dos processos e os resultados. Em se tratando da educação, encontramo-nos hoje no início de uma “terceira geração” de reformas, que redefine as relações entre o Estado e a sociedade e entre as responsabilidades públicas e o direito à educação (MARTINIC, 2001, p. 30).
Esse terceiro movimento foi observado mais de perto por Andrade Oliveira (2005),
que demonstrou como as reformas da educação na América Latina foram caracterizadas
pelo afastamento do Estado da responsabilidade pela oferta de educação pública. Na
prática, isso significou o incentivo às parcerias público-privadas, a eliminação de níveis
intermediários de regulação (descentralização da gestão) e o estímulo “[...] à administração
por objetivos, ao incentivo à pedagogia de projetos, à cultura da eficiência e demonstração
de resultados” (p. 763). As consequências dessas políticas para a escola foram explicadas
pela autora:
P á g i n a | 141
O fosso entre o discurso e as condições materiais faz com que o trabalho coletivo seja reduzido muitas vezes à soma de trabalhos ou tarefas individuais e que outras noções, tão caras ao movimento social, não mais se somem à luta pela emancipação social [...]. É neste contexto latino-americano, em que a democratização da educação vem sendo confundida com a massificação do ensino, em que a política educacional é muitas vezes tomada por política social compensatória, que assistimos mais uma vez à importação de idéias fora do lugar. Diante de uma realidade tão etérea, tão global, em que cada tentativa de extrapolação para dimensões mais amplas é inibida pela atração em sentido contrário, exercida pelas condições objetivas, o sentimento reinante é de que se está calçado com sapatos de chumbo, que nos obrigam a permanecermos tão locais (ANDRADE OLIVEIRA, 2005, p. 772).
A desconsideração do contexto de organização das escolas públicas na América
Latina e a imposição de políticas de gestão orientadas por organismos internacionais,
também foram constatadas por Krawczyk e Viera (2006), que denominaram esse processo
no Brasil como “continuidade conservadora” das propostas de modernização do país. Nesse
sentido, tornou-se visível nas políticas da educação um processo de transição da gestão
pública burocrática para a gerencial (AZEVEDO, 2002; FERREIRA, 2004).
Desse modo, o debate teórico sobre o novo padrão de gestão que o Estado passou a
impor para a educação brasileira, configurou-se como objeto de uma multiplicidade de
estudos, com diferentes referenciais teóricos, que criticaram, principalmente, a inserção da
lógica empresarial na escola e a minimização do papel do Estado (KRAWCZYK, 1999; ROSAR,
1999; PARO, 2002; MARTINS, 2007; CURY, 2009).
Rosar (1999) denunciou que a concepção de gestão democrática do Estado teve em
seu cerne a finalidade de homogeneizar a educação, para formar mão de obra atualizada aos
novos modos de produção do capitalismo contemporâneo. Na prática, professores e
diretores podem até reproduzir a terminologia veiculada pelo MEC, mas não estão
convencidos que essa lógica promoverá a melhoria da educação no país. Nesse sentido, a
pesquisadora apresentou uma proposta progressista para a educação, que afirmou derivar
dos movimentos sociais no país:
[...] trata-se de recuperar as possibilidades de se aprovar e implementar um Plano Nacional de Educação que permita concretizar-se um sistema educacional que seja: a) financiado integralmente com recursos públicos; b) administrado pela conjugação de formas de gestão, em que os segmentos da sociedade implicados no seu funcionamento sejam também os seus gestores; c) avaliado pela sua capacidade de realizar os objetivos em relação à educação básica das classes populares, assegurando-lhes a possibilidade real de progressão no sistema educacional, no âmbito do Ensino Médio e do Ensino Superior (ROSAR, 1999, p. 174).
P á g i n a | 142
Percebeu-se, portanto, que Rosar (1999) antecipou o embate entre as propostas de
conservadores e progressistas sobre o Plano Nacional de Educação, que foi aprovado em
2001 e, como apresentado no tópico anterior, teve a perspectiva conservadora como
vencedora.
Dessa forma, mais tarde, Paro (2002) retomou a discussão teórica sobre a gestão
democrática, defendendo que a educação tem uma dupla dimensão política, pois é por meio
dela que o homem se constrói em sua historicidade e, por outro lado, aprende o jogo da
convivência social, que se inclina em favor da democracia. Essa dimensão política da
educação pode contribuir para a teoria da administração escolar na medida em que
contrapõe a administração da escola à administração de empresas. Para o autor,
A crítica que se pode fazer à concepção conservadora de administração escolar que aceita a aplicação na escola dos mesmos princípios e métodos da empresa mercantil (porém com as devidas adaptações, pois se reconhece tratar-se de "empresas" diferentes) é a observação de que os objetivos da escola não são apenas diferentes, mas antagônicos aos da empresa capitalista. Nesta, é possível ser administrativamente eficiente, utilizando métodos de dominação, a partir do controle autoritário do trabalho alheio, sem que isso contrarie seu objetivo que é a realização do lucro. O próprio lucro capitalista só se dá por uma relação de dominação sobre o trabalhador, pela apropriação do valor excedente que este produz com seu trabalho. Na escola, todavia, a utilização de métodos de dominação nega o objetivo emancipador de sujeitos humanos, negando ipso facto a própria administração. Além disso, é preciso considerar a própria especificidade do produto escolar que, mais que um bem ou serviço, como ocorre na empresa capitalista, trata-se do ser humano constituído pela educação, um sujeito histórico, de cuja vontade depende a própria realização do produto e, portanto, a eficiência da administração (PARO, 2002, p. 21-2).
O caráter político do fazer pedagógico da escola, então, foi apresentado como uma
alternativa para a gestão da escola democrática. Nesse sentido, Jacobi (2000), Monfredini
(2002) e Motta (2003) discutiram que, atualmente, a escola tem uma autonomia delegada
pelo Estado, que precisa ser imediatamente transformada pelo fortalecimento da cultura de
participação nos processos decisórios da escola, através do fazer pedagógico. Isso significa
tornar a escola um espaço privilegiado para a construção da cidadania ativa (participativa).
Pereira e Andrade (2005), em um levantamento sobre a produção teórica e prática da
disciplina acadêmica de Administração da Educação, no período de 1983 até 1996,
mostraram que foi a perspectiva política que introduziu maior profundidade às reflexões
teóricas desse campo. Presente nos currículos universitários brasileiros desde 1940, essa
disciplina sempre ocupou uma posição de submissão no espectro do currículo da educação.
Além disso, sua proximidade com os poderes temporais do Estado, responsáveis pela
P á g i n a | 143
indicação dos cargos de administração pública, gerou uma heteronomia na produção dessa
área. Apesar disso, a partir da década de 1980, as publicações começaram a apresentar
elementos de politização “[...] alçando-a ao polo dominante da reflexão erudita (a teórica) e,
a jusante, definir tanto o perfil técnico do administrador da educação quanto os valores e
crenças, tácitas e explícitas, às vezes até ambíguas, dos agentes aptos e dispostos à inserção
prática na administração da educação.” (p. 1407). A análise assegurou que a Administração
da Educação no Brasil ainda configura-se como um campo teórico a ser construído, daí a
necessidade de investimento na pesquisa teórica nesse campo.
A tentativa de construção desse corpo teórico pode ser observada na produção de 11
ensaios que refletiram os conceitos de educação, democracia, cultura, luta de classes e
autonomia. Compõem esse grupo de publicações os artigos de Semeraro (1999 e 2001), que
analisou a teoria do conhecimento da classe operária (filosofia da práxis) em Gramsci;
Chaves (1999) e Nunes (2001) que apresentaram a atualidade do pensamento de Anísio
Teixeira sobre a descentralização da administração da educação, seu financiamento e
importância de valorizar a cultura popular para construir, através do diálogo, a autonomia da
escola; Araújo (2000) que se utilizou dos conceitos da teoria da complexidade de Edgar
Morin para mostrar como a democracia pode ser construída na escola; Batista (2000) que
defendeu a proximidade dos conceitos de administração e cultura na Teoria Crítica de
Adorno e Horkheimer; Saviani (2001, 2007) que analisou a construção histórica e a
especificidade da ciência pedagógica no Brasil; Valverde (2008) que apresentou o socialismo
libertário de Jaime Cubero; Silva e Bruno (2008) que discutiram a Revolução Russa na
perspectiva de Maurício Tragtenberg; Marques (2008) que afirmou como há outros sentidos
para a democracia e, por isso, apresentou as conceituações de Boaventura de Sousa Santos
e Ernesto Laclau e Chantall Mouffe.
Com isso, constatou-se que o pensamento teórico sobre a gestão escolar ainda foi
pouco explorado pelos pesquisadores da gestão educacional, que têm concentrado seus
estudos nas políticas públicas (nível macro da educação). Além disso, esses teóricos
posicionaram-se em favor da lógica democrática para a gestão das instituições educativas.
Esse padrão de gestão foi caracterizado pela importância de se considerar o contexto
concreto de organização das escolas públicas brasileiras, pelo financiamento público da
educação, pela participação de toda comunidade escolar nos processos de gestão
P á g i n a | 144
educacional e pela busca da emancipação das classes populares através da garantia de
acesso e progressão nos sistemas de ensino.
3.2.2 Os instrumentos da gestão para os pesquisadores da administração
educacional
Após a última reforma educacional brasileira, os pesquisadores analisados
constataram que o governo federal conduziu a regulação dos processos de gestão escolar.
Aguiar (2002) destacou que para a implementação das mudanças necessárias à lógica
gerencial, o MEC promoveu maior aproximação com órgãos representativos da educação no
poder executivo nos níveis estadual (CONSED) e municipal (UNDIME).
Desse modo, as secretarias estaduais de educação passaram a incentivar a
descentralização da gestão, a partir de um discurso de promoção da autonomia dos sistemas
de ensino, que teve forte aderência pelos municípios (ROSSI, 1999; MARTINS, 2003a). Na
prática, isso significou o processo de municipalização35 do ensino fundamental, que foi
conduzido de maneiras múltiplas em todo o país. No estado de São Paulo, unidade
federativa com maior número de pesquisas publicadas sobre a organização do seu sistema
de ensino, o processo de municipalização ocorreu por meio de convênios firmados com os
municípios. Dessa maneira, o estado passou a financiar este nível da educação, com o
regime de colaboração, e a definir os parâmetros da educação para posterior avaliação dos
resultados da aprendizagem (MARTINS, 2001; MARTINS, 2003b; ADRIÃO, 2008).
Na passagem do governo Fernando Henrique Cardoso para o de Luiz Inácio Lula da
Silva, Sguissardi (2006) empreendeu um estudo sobre a política para a educação nos dois
governos e constatou que, apesar do discurso de oposição ao governo anterior durante as
eleições, na prática houve uma continuidade da política gerencial pelo Estado brasileiro.
Nesse sentido, fortaleceu-se o movimento de descentralização da gestão da educação, que
35
O processo de municipalização de creches e pré-escolas teve início no país na década de 1970, sob o signo da
desresponsabilização da União com o financiamento público dessas instituições (BUENO, 2004). Em São Paulo,
a conclusão do processo de municipalização de creches e pré-escolas ocorreu em 1983, com o decreto 21.810
do governador Franco Montoro, que estabeleceu o convênio entre estado e municípios para o financiamento e
formação dos profissionais dessas instituições (SANTOS, 2004).
P á g i n a | 145
se desenhou em três dimensões, de acordo com Krawczyk (2005, p. 799): “descentralização
entre os diferentes órgãos de governo (municipalização), descentralização para escola
(autonomia escolar) e descentralização para o mercado (responsabilidade social).” O
significado efetivo dessas descentralizações foi a restrição dos direitos proclamados na
Constituição de 1988 e a redução das atribuições e responsabilidades do Estado, ou seja, por
trás de um discurso de promoção da autonomia em âmbito local, através da gestão
democrática, houve a redução ao mínimo possível das responsabilidades do Estado. De
acordo com Krawczyk (2005),
Esta proposta de liberdade e "autonomia", ainda que se defina pela ausência de uma ação governamental, é profundamente sedutora para os diferentes atores educativos. Sua sedução está amparada na idéia de poder e justiça que o senso comum costuma lhe outorgar: poder para fazer o que consideram melhor (para elaborar seus próprios projetos) e premiação ao esforço pessoal (ou institucional). E, quando os efeitos desejados não são produzidos, o fracasso é interpretado como fracasso pessoal dos atores da escola, tirando do Estado qualquer tipo de responsabilidade na gestão dos problemas educacionais (p. 809).
Um exemplo desse modelo de política foi a regulamentação do ensino fundamental
de 9 anos. Arelaro (2005) e Paixão Santos e Vieira (2006) analisaram essa legislação e
provaram que sua motivação foi muito mais econômica (angariar mais recursos do Fundef)
do que pautada em conhecimentos científicos sobre a cognição e o desenvolvimento
infantil. Através do discurso da promoção da autonomia, o Estado transferiu aos municípios
a responsabilidade pela implementação dessa política e não assegurou que haveria
condições materiais para isso. O que se viu, na prática, foram crianças de seis anos em
escolas de ensino fundamental que não tinham infraestrutura (banheiros, bebedouros,
parques, mobiliário), materiais pedagógicos adequados e nem professores com formação
para atendê-las. O resultado foi a culpabilização da comunidade escolar pelo insucesso dessa
política36 que, a partir de 2010, passou a vigorar em âmbito nacional.
Essa desarticulação entre o meio científico e os órgãos legislativo e executivo do
Estado também foi demonstrada no trabalho de Sousa e Bianchetti (2007), que analisaram a
história de luta dos participantes da ANPEd no sentido de promover a educação no país e o
modo como o jogo político tem priorizado mais aos interesses economicistas do que a
emancipação social.
36
De acordo com Gois e Takahashida (2010), 79,3 mil crianças com seis anos de idade foram reprovadas, em
2008, no primeiro ano do ensino fundamental de nove anos.
P á g i n a | 146
Os programas do governo federal, Fundo de Fortalecimento da Escola
(FUNDESCOLA), o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) e o Programa de
Fortalecimento de Conselhos Escolares, lançados com o Plano de Desenvolvimento da
Educação (PDE), foram investigados por Dourado (2007), que constatou como a lógica
gerencial do Estado não atendeu às demandas da escola, pois essa instituição tem uma
lógica organizativa marcada por fins políticos e pedagógicos que extrapolam a lógica custo-
benefício empresarial. Para o pesquisador
[...] a articulação e a rediscussão de diferentes ações e programas, direcionados à gestão educacional, devem ter por norte uma concepção ampla de gestão que considere a centralidade das políticas educacionais e dos projetos pedagógicos das escolas, bem como a implementação de processos de participação e decisão nessas instâncias, balizados pelo resgate do direito social à educação e à escola, pela implementação da autonomia nesses espaços sociais e, ainda, pela efetiva articulação com os projetos de gestão do MEC, das secretarias, com os projetos político-pedagógicos das escolas e com o amplo envolvimento da sociedade civil organizada (DOURADO, 2007, p. 924).
É somente respeitando a especificidade da escola que seria possível construir-se uma
educação com qualidade social no país. Dourado (2007) explicou que o conceito de
qualidade é complexo e envolve múltiplas dimensões, por isso a qualidade em educação não
poderia ser compreendida apenas a partir da definição de recursos materiais e humanos
para a escola ou através do ranqueamento da aprendizagem dos estudantes. É necessário
que o Estado se responsabilize pela melhoria das condições de vida das comunidades,
assegurando saneamento básico, segurança e saúde, para dizer o mínimo.
Krawczyk (1999) realizou um extenso estudo sobre a descentralização da educação
através da análise dos planos municipais de ensino para a gestão democrática das escolas
em 11 municípios de diferentes regiões do país. A pesquisadora descobriu que os aspectos
fundamentais para a consolidação da política de gestão democrática das escolas passou pela
normatização de 1) metas de atendimento e aprendizagem aos estudantes, 2) estratégias
para superar a heterogeneidade das condições institucionais e sociais do conjunto de escolas
do sistema e 3) da distribuição das responsabilidades e espaços de poder de decisão, com a
explicitação das expectativas implícitas ao conceito de autonomia. Com isso, concluiu que
[...] ao pensar a gestão escolar, estamos necessariamente erguendo uma ponte entre a gestão política, a administrativa e a pedagógica. Ou seja, a gestão escolar não começa nem termina nos estabelecimentos escolares, tanto que não se trata de unidades autossuficientes para promover uma educação de qualidade com equidade (KRAWCZYK, 1999, p. 147).
P á g i n a | 147
Mendonça (2001) também investigou a regulamentação da gestão democrática da
escola nos 27 sistemas estaduais de educação do país e constatou que o patrimonialismo é
muito forte no interior das instituições públicas brasileiras. “A escola pública ainda é vista
pelos usuários como propriedade do governo ou do pessoal que nela trabalha” (p. 87).
Assim, a lógica empresarial tem promovido o maior afastamento das comunidades e famílias
dos processos de gestão da escola, ao invés do aumento da participação, como o anunciado
pelas políticas públicas.
Um estudo que trouxe mais contribuições para a reflexão sobre o tema do
patrimonialismo foi o elaborado por Portela Oliveira (1999), que avaliou o uso social do
sistema de justiça pela sociedade civil brasileira, com vistas à garantia do direito à educação.
O pesquisador constatou que a população entendia o sistema judiciário como um aliado
para assegurar a matrícula na educação básica. No entanto, a organização e a qualidade da
educação oferecida pelo setor público raramente foi objeto de ações judiciais vencedoras,
pois o país não dispunha de indicadores de qualidade para fundamentar as decisões judiciais
e, portanto, o trabalho dos agentes do Estado dificilmente poderia ser questionado quanto à
qualidade técnica.
Essa relação entre escola, pais e comunidade na lógica gerencial, imposta pela
reforma educacional da década de 1990, foi investigada por Carvalho (2000), Mendonça
(2001), Ratto (2006, 2007) e Bruschini e Ricoldi (2009). Os pesquisadores demonstraram
como a escola ainda é um campo de pouca infiltração para as famílias pobres. A lógica
empresarial reforçou o patrimonialismo do Estado que, cada vez mais, tem utilizado a escola
como instrumento de controle e vigilância da pobreza.
Além disso, Carvalho (2000), que promoveu um estudo comparativo das políticas
educacionais dos Estados Unidos e do Brasil, constatou semelhanças entre as lógicas de
gestão da educação em ambos os países. A pesquisadora discutiu que a cobrança pela
participação dos pais na gestão da escola pública “[...] pressupõe um modelo de família com
capital econômico e simbólico e com uma mãe disponível e prioritariamente dedicada à
educação dos filhos” (p. 143). Essa política, portanto, desconsiderou as mudanças na
organização familiar contemporânea e, também, a assimetria de gênero “[...] que faz recair a
responsabilidade pela educação infantil sobre as mulheres” (p. 143). A Nova Gestão Pública
impõe contradições à organização da escola, nesse sentido:
P á g i n a | 148
Por um lado, amplia o escopo de atuação da escola ao pressupor a reeducação dos pais/mães (para a participação na escola controlando o currículo, o orçamento escolar e o desempenho docente, e para a participação no lar monitorando o dever de casa) como precondição para a educação das crianças. Por outro lado, ao sugerir que os pais atuem como professores em casa, diminui o status profissional, o saber e a formação especializada da professora e do professor. Finalmente, ao assinalar aos pais o papel de inspetores das escolas e dos professores, pode contribuir para minar a confiança e acentuar a animosidade entre professores/as, diretores/as e pais/mães (CARVALHO, 2000, p. 149).
Nesse contexto, a pesquisadora alertou para uma implicação perversa dessa política:
ao se desconsiderar a organização e cultura das famílias mais pobres, as crianças
provenientes desses lares eram penalizadas nas avaliações, cada vez mais competitivas, pelo
desempenho de seus pais no apoio à escola. “Ora, a missão da escola democrática é
precisamente compensar o peso desigual das condições familiares, impedindo que estas
repercutam sobre as condições de aprendizagem e, principalmente, sobre a avaliação dos
alunos” (CARVALHO, 2000, p. 151). Com isso, pode-se concluir que o modelo oficial de
gestão da escola consagrou a iniquidade educacional nos países investigados pela cientista.
Ghanem (2004) complementou esse pensamento, apresentando os resultados de um
estudo exploratório sobre o tema da participação nas pesquisas científicas produzidas pelas
universidades da região sudeste do Brasil, entre 1995 e 2003, mostrando que havia lacunas
que precisavam ser preenchidas nesse conhecimento, as principais eram: 1) a categoria pais
– ideário político, cultura, formas de agrupamento, estratégias para o relacionamento com a
escola; 2) estudos comparativos sobre os processos de participação em escolas públicas e
privadas e 3) a influência na gestão democrática da baixa estabilidade das funções de
diretores e coordenadores pedagógicos nas escolas. Destaca-se que esses objetos de
investigação foram, ainda, pouco explorados pelos pesquisadores educacionais até 2009.
Sobre esse processo de implementação da nova gestão nos sistemas de ensino e,
consequentemente, nas escolas, no material analisado foram encontrados seis relatos de
experiência. Caracterizaram esse grupo os trabalhos de Portugues (2001), que investigou a
educação de adultos presos no sistema penitenciário de São Paulo; Gazzinelli et al. (2001),
que apresentaram uma experiência de gestão do lixo na zona rural com a parceria das
escolas públicas do estado de Minas Gerais; Cavaliere e Coelho (2003), que estudaram a
experiência de educação em período integral dos Centros Integrados de Educação Pública
(CIEPS) do estado do Rio de Janeiro; Dal Ri e Vieitez (2004), que analisaram a organização de
uma escola técnica vinculada ao Movimento dos Sem Terra (MST); Sorrentino et al. (2005),
P á g i n a | 149
que pesquisou o ensino de educação ambiental na Bahia; e Negreiros (2005), que discutiu a
organização do ensino fundamental em Belo Horizonte nas escolas públicas e privadas.
Um elemento inovador da recente reforma da educação foi a possibilidade de
parcerias público-privadas nos sistemas de ensino do país. Esse fenômeno tornou-se o foco
das publicações sobre gestão da educação somente a partir de 2007. Arelaro (2007) discutiu
que essas parcerias público-privadas constituíram-se na resposta imediata do Estado à
demanda social pela democratização e melhoria da qualidade na educação. As
consequências dessa política, de acordo com a autora foram:
[...] cada vez mais, o Estado buscará "parceiros" para dividir sua responsabilidade educacional, tanto com relação ao atendimento da demanda e da oferta, em especial, por meio do estabelecimento de contratos com creches comunitárias, ou convênios para o atendimento em educação especial, ou mesmo para o funcionamento de classes de educação de jovens e adultos em associações filantrópicas ou comunitárias, quanto com relação à qualidade, com contratos e convênios com escolas e sistemas privados de ensino para "transferência" sumária de métodos e técnicas de ensino e de compra de materiais "unificados" e adequados para o "sucesso" nas provas ou exames nacionais – reservando-se ao Estado a função exclusiva de definir o "produto esperado" (educação para a cidadania?) e os mecanismos de aferição da qualidade do "produto efetivamente produzido" (aluno "civilizado" e cidadão?) (ARELARO, 2007, p. 917).
Peroni, Cestari de Oliveira e Fernandes (2009) defenderam, também, que com essas
parcerias a estratégia do Estado foi a separação entre o econômico e o político na gestão das
escolas públicas. O resultado dessa reforma foi o esvaziamento dos movimentos sociais no
interior das escolas. A Reforma do Aparelho do Estado (1995), de acordo com as
pesquisadoras, responsabilizou a gestão burocrática pelos problemas da educação pública.
Diante disso,
[...] para a gestão da educação básica, configurou-se a gestão gerencial da educação, mediante a substituição da incipiente gestão democrática da educação disposta na Constituição Federal de 1988 e normalizada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/1996). Tal dispositivo de gestão engendra os ditames do projeto hegemônico, quando coloca outra concepção de participação da sociedade civil, pautada no controle social, com vistas à construção de uma pedagogia da hegemonia (Neves, 2006), que busca o consenso e a conciliação entre as classes sociais (PERONI; CESTARI DE OLIVEIRA; FERNANDES, 2009, p. 774).
Um exemplo da materialização das parcerias público-privadas no contexto das
escolas foi a ampliação do uso de “sistemas apostilados de ensino”. Adrião, Garcia, Borghi e
Arelaro (2009) investigaram esse processo e constataram o aumento da dependência dos
sistemas municipais de ensino do setor privado, na medida em que houve o aumento das
P á g i n a | 150
responsabilidades dessa esfera pela oferta e manutenção da educação básica, sem a prévia
organização técnico-política dos gestores locais. A justificativa da maior parte dos gestores
municipais para a adoção dos sistemas apostilados foi o ganho eleitoral, visto que a
população
[...] tenderia a identificar como indicador de qualidade educativa a vinculação da educação municipal a logotipos e marcas de escolas privadas. Em muitos casos, essa vinculação é associada a uma suposta democratização do acesso à educação de qualidade, uma vez que, aparentemente, são minimizadas as diferenças entre os mais ricos, que podem pagar pelos estudos, e os mais pobres, que precisam recorrer ao poder público (ADRIÃO; GARCIA; BORGHI; ARELARO, 2009, p. 813).
As mesmas pesquisadoras comprovaram que nos municípios onde foram adotados os
sistemas apostilados a preocupação com a padronização da qualidade do ensino público
gerou uma “supervalorização dos meios, alienados de fins desejados” (p. 812). Isso é, na
ausência de debates com os profissionais da educação e com a população, a contratação de
empresas privadas para a prestação de serviços públicos gerou duas consequências: 1) “a
padronização do que sabidamente é diverso” e 2) “a centralização de poder nas mãos do
prefeito municipal” (p. 812).
Essa tese foi comprovada, igualmente, nos estudos de Gonçalves Junior (2008) e
Zibas (2008), que apresentaram estudos de caso sobre as parcerias público-privada entre o
MEC e a empresa Fiat, e o governo do Ceará e uma Organização da Sociedade Civil de
Interesse Público (OSCIP), consecutivamente. Em ambos os casos houve a sobreposição dos
interesses privados aos públicos. Zibas (op. cit.) explicou que essa parceria não promoveu a
criação de um quase-mercado, como aconteceu no setor educacional europeu, mas gerou
um hibridismo organizacional, em que a burocracia do setor público e a privatização das
relações de trabalho promoveram a precarização das condições de trabalho dos profissionais
da educação. A autora relatou que “[...] o caso parece configurar-se como planejada omissão
estatal, que pode resultar em privatização crescentemente descontrolada e voraz do espaço
público [...]” (p. 477).
Do mesmo modo, Cunha (2003) e Arelaro (2005) concordam que as parcerias
público-privadas significaram na prática um deslocamento da fronteira entre o público e o
privado em que, em nome do aumento da eficiência na educação, autorizou-se o
financiamento público de serviços privados e a consequente privatização da educação
pública.
P á g i n a | 151
Um grupo de pesquisas significativo observou essas mesmas consequências na
Educação de Jovens e Adultos. Pierro (2001), Loureiro, Cristóvão (2008), Hinzen (2009) e
Aitchison (2009) encontraram esses resultados em Portugal, na Alemanha e na África do Sul,
consecutivamente.
Outra característica da Nova Gestão Pública bastante presente na reforma da
educação foi a intensificação do uso de ferramentas estatísticas para a produção de
conhecimento. Lindblad (2001) explicou como as estatísticas têm produzido uma rede
conhecimento sobre a população mundial, que tem sido utilizada pelos governos dos países
centrais e agências internacionais para a “administração social da liberdade individual”. As
estatísticas padronizam classes sociais através do estabelecimento de limites para a
normalidade, sendo o conceito de normal caracterizado a partir das culturas dos países
centrais. Desse modo,
Quando falamos nas discussões atuais a respeito do assim chamado 'encolhimento do Estado' que foi a marca registrada das políticas neoliberais e do Terceiro Caminho de modo a encontrar uma nova relação entre políticas de bem-estar social e reestruturação econômica do Estado, o foco recai sobre uma sociologia de instituições e organização. Contudo, quando examinamos os sistemas de razão que temos discutido em relação aos relatórios estatísticos, não há esse encolhimento de governo, apenas mutações. Existem cada vez mais distinções nacionais e internacionais mais sutis e uma elaboração de estatísticas de política. Assim, podemos chegar a uma conclusão contrária à intuição em relação ao problema de governança. Se pensarmos nas estatísticas como integrando a idéia de administração social, houve um crescimento dramático de governança por meio da elaboração de distinções mais sutis das classes de pessoas governadas (LINDBLAD, 2001, p. 141-2).
Esse aumento do controle social através do uso de estatísticas foi analisado no Brasil
por Ferraro (1999), Carvalho (2001) e Rezende Pinto (2004), que constataram como os
diagnósticos nacionais sobre a educação não dão conta das especificidades das realidades
concretas nas diferentes regiões do país. Além disso, muitos dos dados dessas estatísticas
eram maquiados pela ação dos próprios atores sociais da escola, que não tinham condições
dignas de trabalho e nem formação em avaliação institucional. Carvalho (2001) materializou
esse fato mostrando como os dados sobre a “correção de fluxo escolar” apontaram para a
queda da repetência e foram justificados a partir do sucesso do trabalho na escola nos
últimos anos. No entanto, isso não significou a melhoria na qualidade do ensino e nem o
sucesso da aprendizagem dos alunos aprovados automaticamente (CARVALHO, 2001).
Quanto ao fenômeno da responsabilização social (accountability) pela educação,
Brooke (2006) argumentou que a avaliação externa da qualidade da educação na escola vem
P á g i n a | 152
crescendo no país, utilizando, para isso, a estratégia de culpabilização dos professores e seus
dirigentes pelos resultados dos estudantes. Ressaltou, no entanto, que, quando bem
fundamentada politicamente, a responsabilização social promove a melhoria da educação.
Isso porque os resultados das avaliações podem ser utilizados para orientar as políticas de
melhorias dos aspectos que precisam efetivamente ser aprimorados, por outro lado, o que
ocorreu, na verdade, configurou-se pela mera avaliação da aprendizagem dos alunos e
publicação dos resultados.
Krawczyk (2008) justificou, com essa mesma constatação, que com a criação do IDEB
o Estado assumiu um novo papel, o de “Estado avaliador”, cuja função não deveria
restringir-se ao acompanhamento e publicação do desempenho acadêmico dos estudantes.
A função do Estado, a partir de então, seria ampliada visto que deveria responsabilizar-se
pela elaboração de políticas que promoveriam o aumento da participação social na gestão
da educação e maior eficiência na resolução de problemas sociais.
Os trabalhos de Lian de Sousa (2003), Gomes (2003), Portela Oliveira e Lian de Sousa
(2003) apresentaram os resultados de pesquisas acerca dos impactos na escola dos
instrumentos de avaliação instituídos pelo Estado (SAEB, ENEM, ENC, ENADE). A
meritocracia e a competitividade implantada por esses instrumentos gerou uma lógica de
quase-mercado, ou seja, acirrou as disputas entre as instituições escolares públicas para
conseguirem prestígio e, consequentemente, maior financiamento público e privado. Portela
Oliveira e Lian de Sousa (2003) explicaram que
O princípio é o de que a avaliação gera competição e a competição gera qualidade. Nesta perspectiva assume o Estado a função de estimular a produção dessa qualidade. As políticas educacionais ao contemplarem em sua formulação e realização a comparação, a classificação e a seleção incorporam, consequentemente, como inerente aos seus resultados a exclusão, o que é incompatível com o direito de todos à educação. [...] A noção de educação como direito é reduzida à condição de mercadoria, administrada com uma lógica produtivista e sob o pressuposto de padrões diferenciados de qualidade de ensino (p. 188).
Nessa lógica, as escolas, para alcançarem colocações melhores nos rankings, têm
promovido a homogeneização de seus currículos para atender mais as demandas dos
exames do que as necessidades sociais de seus estudantes. Além disso, outra consequência
é a de que as escolas com os piores desempenhos quase sempre eram aquelas localizadas
em comunidades pobres, sem infraestrutura, materiais pedagógicos adequados e preteridas
P á g i n a | 153
pelos professores nos processos de atribuição de aulas. Aqueles que mais precisavam do
Estado, desse modo, tinham o direito à educação de qualidade cerceado (KRAWCZYK, 2003;
LIAN DE SOUSA, 2003).
Freitas (2007) alertou, por outro lado, que a avaliação não era promotora de
desigualdade, mas sim o uso que feito dela pelo Estado é que gerou um efeito contrário ao
seu fim. A avaliação formativa, quando bem elaborada, contribui à gestão democrática da
escola. Para isso, “[...] requer que a avaliação opere como mediação em processos/práticas
de gestão colegiada e participativa em todas as instâncias educacionais” (p. 516). Assim, a
avaliação tornar-se-ia instrumento de orientação às escolhas relativas à vivência
democrática na escola.
Cury (2009) lembrou que a utilização da lógica empresarial na educação brasileira
não era uma inovação. Em um estudo histórico, o pesquisador demonstrou que a Reforma
Rivadávia (1911-1915), promovida pelo governo federal, na época defensor de uma doutrina
positivista, buscou o fim da oficialização do ensino no país através de um processo de
transformação das escolas de ensino secundário e superior em entidades autônomas. O
resultado dessa reforma mostrou que
Ficou a lição de que a saída ou o recuo do Estado em matéria de educação abre o campo para alguns setores sadios da sociedade civil. Mas, ao mesmo tempo, abre o flanco para transformar a educação, serviço público e bem público, em um serviço identificado com um bem qualquer, mercadoria vendável no mercado (CURY, 2009, p. 99).
Quando a educação torna-se mercadoria, a escola deixa de ser um instrumento de
emancipação da sociedade civil e se torna um mecanismo de alargamento das desigualdades
sociais. A flexibilização da função do Estado, quando entendida como diminuição do dever
em oferecer educação de qualidade, gera a precarização da escola pública, pois abre o
caminho para o aumento da exploração do setor privado (CURY, op. cit.).
Na atualidade, a tese histórica defendida por Cury (2009) materializou-se nos
resultados da pesquisa publicada por Portela Oliveira (2009), que constatou como a reforma
educacional propiciou ao setor privado a expansão de suas atividades comerciais sobre a
educação como a comercialização de “pacotes” educacionais caracterizados como franquias
de escolas privadas (Anglo, COC, Objetivo, Positivo, Pitágoras, por exemplo), que incluem o
aluguel da marca, materiais apostilados (alguns deles já avaliados pelo Programa Nacional do
Livro Didático – PNLD), avaliação e formação em serviço de professores. O autor mostrou,
P á g i n a | 154
também, que até modelos de gestão para a rede municipal de ensino já chegaram a ser
comercializados. Este foi o caso do pacote desenvolvido pelo Grupo Pitágoras, financiado
pelo Instituto EMBRAER, que foi aplicado em São José dos Campos e Sorocaba, no estado de
São Paulo (p. 741). O lucro desse setor vem crescendo a cada ano, nas palavras de Portela
Oliveira (2009)
Segundo dados divulgados pela revista Exame, em 22/12/2008, estima-se que o ensino privado movimente, por ano, R$ 90 bilhões, o equivalente a aproximadamente 3% do PIB. Ainda não ultrapassa os gastos públicos em educação, mas é importante lembrar que, em 2004, movimentou R$ 15 bilhões e este montante já era 50% maior do que em 2001. Ou seja, de 2001 a 2008 o setor do ensino privado aumentou seu movimento de capitais de R$ 10 bi para 90! Nenhum setor na economia brasileira cresceu tanto no período (p. 752).
Outro aspecto importante discutido por Portela Oliveira (2009, p. 752) foi a
internacionalização do mercado interno da educação. O autor lembrou que a legislação
brasileira não impede que capitais internacionais comprem produtos educacionais no país.
Além disso, apresentou o exemplo de grandes grupos de empresários brasileiros que vêm
comprando diversas universidades e faculdades, promovendo a profissionalização da gestão
delas e formando verdadeiros oligopólios no ensino superior privado, que depois foram
transformados em ações nas bolsas de valores quando, então, foi autorizada a participação
estrangeira em até 30% do capital total dessas escolas.
Nesse contexto de debates, o financiamento da educação pública configurou-se
como tema de investigação de um número crescente de pesquisas, que buscaram relacionar
o padrão de gestão imposto pelo Estado a partir de seus programas de financiamento.
No primeiro quinquênio do século XXI, o Fundef introduziu uma lógica sistêmica no
financiamento da educação pública no país. Duarte (2005) e Esteves (2007) mostraram que
apesar de não ter ocorrido um aumento concreto no financiamento da educação, esse
modelo proporcionou maior autonomia de gestão aos sistemas municipais de educação.
Porém, Velloso (2000) e Velloso e Marques (2005) mostraram como a prioridade ao ensino
fundamental desconsiderou o processo de expansão dos demais níveis da educação e,
principalmente, nas universidades federais, isso significou a precarização do ensino,
pesquisa e extensão ofertados.
O FUNDESCOLA (Fundo de Desenvolvimento da Escola) caracterizou-se como um
programa oriundo de um acordo de financiamento entre o Banco Mundial e o MEC. Sua
meta foi definida pela profissionalização da gestão escolar, para melhorar a qualidade das
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escolas de ensino fundamental nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Ferreira de
Oliveira, Fonseca e Toschi (2005) mostraram que esse programa buscou implantar a lógica
do gerenciamento estratégico, definido no Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) no
país. No estado de Goiás o FUNDESCOLA promoveu o conflito entre duas lógicas de gestão, a
da gestão democrática, proposta nos Projetos Político Pedagógico das escolas, e a
empresarial proposta no PDE. Os autores caracterizaram esse contexto na organização da
escola pública da seguinte maneira:
No tocante ao trabalho escolar, imprime-se uma organização que se aproxima da racionalidade taylorista, na medida em que recupera princípios e métodos da gerência técnico-científica: facilita a divisão pormenorizada do trabalho escolar, com nítida separação entre quem decide e quem executa as ações; diluem-se as atividades escolares, muitas entre elas preexistentes ao PDE, em inúmeros projetos desarticulados e com "gerências" próprias. De par com a fragmentação do trabalho, ocorre a "diluição de poderes" entre os membros da mesma coletividade, onde cada um é responsável apenas por uma parte do poder decisório. A concepção teórica já vem definida por "instâncias superiores", como costumam referir-se os membros da escola. Fica evidente que, dentro da mesma esfera governamental, convivem duas concepções antagônicas de gestão educacional, provenientes de diferentes matrizes teóricas. Uma de caráter burocrático, que internaliza modelos concebidos por agências financeiras internacionais e outra que sinaliza a aspiração da comunidade educativa por uma escola mais autônoma e de qualidade e que conhecemos como "Projeto Político-Pedagógico" (FERREIRA de OLIVEIRA; FONSECA; TOSCHI, 2005, p. 143).
Essa ambivalência no padrão de gestão no interior da escola também foi constatada
por Adrião e Peroni (2007) ao investigarem o PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola).
Por um lado, esse programa promoveu a descentralização da gestão, diminuiu as esferas
intermediárias de decisão, atribuindo à escola maior autonomia para gerir seus recursos
financeiros. No entanto, o controle social dos gastos desses recursos, que deveria contar
com a participação de toda a comunidade escolar, limitou-se à equipe de professores,
coordenadores e diretor, havendo a participação controlada, ou mesmo a restrição, para
outros funcionários da escola ou membros da comunidade. As autoras mostraram que a
maior preocupação dos sistemas municipais de ensino estava em elaborar a correta
prestação de contas, motivada pelo temor das diligências do Tribunal de Contas. Não houve,
portanto, a preocupação em estimular a sociedade civil para controlar as ações do Estado,
como se proclamava nas diretrizes da gestão democrática desses sistemas de ensino.
Um estudo histórico produzido por Fracalanza (1999) sobre o sistema de ensino
fundamental gerido pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, no período entre
1980 e 1993, constatou que o volume de recursos para esse sistema não evoluiu
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positivamente no período. De outra parte, houve um aumento bastante expressivo no
número de matrículas, rede física e recursos humanos. O resultado dessa política de
expansão foi a brutal perda de poder aquisitivo dos professores e a consequente baixa
eficiência do sistema causada pela falta de motivação desses profissionais, condições
precárias de trabalho (superlotação de salas de aula, sem infraestrutura e materiais
pedagógicos adequados), altas taxas de repetência dos estudantes e gestão autoritária do
sistema.
Esse achatamento dos salários dos profissionais da educação básica também foi
constatado por Rezende Pinto (2005), que mostrou como a média salarial dos professores da
educação básica é menor do que a de outras profissões públicas do país. Além disso,
observou que quanto menor a idade das crianças atendidas na educação básica, menor é a
média salarial de seus professores. Assim, com exceção da região Centro-Oeste, em que os
professores da educação infantil têm uma média salarial maior que os do ensino
fundamental, nas demais regiões do país esses educadores eram os que tinham a média
salarial mais baixa.
O mesmo pesquisador explicou que a educação não se configurou como prioridade
para o Estado, visto que, enquanto o gasto com a educação estava entre 4,5 e 5% do PIB, a
União consumiu o equivalente a 11% do PIB com encargos financeiros, isto é, “enquanto os
governantes do país não enfrentarem os poderosos interesses do setor financeiro nacional e
internacional (há diferença?) que estão por trás desta sangria de recursos, sempre vão faltar
recursos para a educação e para as demais políticas sociais” (p. 85).
O uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) na gestão dos sistemas de
ensino configurou, como tema de pesquisa, ocorreu em apenas um trabalho, que foi
publicado por Toschi e Rodrigues (2003). Esses pesquisadores apresentaram e discutiram o
uso de infovias na educação do estado de Goiás, e apontaram para a necessidade de uma
política sobre o uso dessas TICs que articule pesquisa, técnica e gestão democrática do
conhecimento para que essas tecnologias possam efetivamente contribuir para a
democratização da educação.
Em suma, os processos e métodos de gestão educacional analisados pelos
pesquisadores educacionais, entre 1999 e 2009, revelaram as estratégias do Estado para
introduzir a Nova Gestão Pública no contexto escolar.
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Com isso, estes pesquisadores defenderam que a descentralização da gestão e a
atribuição de maior autonomia às escolas possibilitou a amenização da responsabilidade
estatal em oferecer educação de qualidade a todos os cidadãos.
O estímulo ao controle social e à participação das famílias e comunidades nos
processos de gestão das escolas foi interpretado apenas como em nível de discurso, já que
não foram consideradas as condições concretas de organização dessa população para a
efetiva participação nos processos decisórios para a democratização da educação e nem
foram proporcionadas condições concretas para que isso se efetivasse.
O financiamento público, conforme os pesquisadores da gestão educacional,
introduziu a lógica sistêmica à gestão das escolas e permitiu a entrada do setor privado no
contexto de organização das instituições educativas públicas. Através, principalmente, da
introdução de sistemas apostilados de ensino, impuseram a lógica gerencial à organização
do trabalho escolar.
Por fim, a avaliação institucional, utilizada para o ranqueamento de escolas públicas,
com a justificativa do Estado de que isso poderia gerar concorrência e, então, melhorar as
metas de aprendizagem dos alunos, promoveu, na verdade, a homogeneização dos
currículos escolares em função do que era solicitado nessas avaliações nacionais. Assim,
desconsiderou a função de emancipação social defendida pelos pesquisadores para a escola
pública.
3.2.3 Os atores sociais da gestão escolar no pensamento científico
O processo de precarização do trabalho docente foi o objetivo dos estudos de
Tumolo (2001), Vianna (2001) e Andrade Oliveira (2004, 2005). Nesses artigos os
pesquisadores mostraram que, a partir de 1980, o país iniciou uma reestruturação
produtiva, que resultou na intensificação da exploração do trabalhador e no
enfraquecimento dos sindicatos.
Vianna (2001) caracterizou essa crise na organização docente através dos seguintes
indicadores: “1) esgotamento das greves; 2) ausência de diálogo com a população usuária
das escolas públicas; 3) divergências político-ideológicas nas entidades; 4) distância entre as
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lideranças das associações/sindicatos e o professorado” (p. 116). Mostrou, além disso, que, a
partir desse momento, a imagem de professor “sacerdote” foi desconstruída socialmente e
substituída pela imagem de professor “trabalhador – proletário” no país.
Andrade Oliveira (2004, 2005) discutiu, então, como as atuais condições de trabalho
dos professores das escolas públicas brasileiras inseriram-se em um contexto de
reestruturação do trabalho pedagógico, promovido pelas reformas educacionais. O
resultado tem sido a intensificação do trabalho docente e a ampliação do seu raio de ação,
através de um processo de flexibilização justificado em teses de desprofissionalização e
proletarização dos professores.
A política de responsabilização do professor pela qualidade da educação o
constrangiu a desempenhar variadas funções na escola pública, para as quais não teve
formação, como “[...] de agente público, assistente social, enfermeiro, psicólogo, entre
outras” (ANDRADE OLIVEIRA, 2004, p. 1132). Esse movimento de desprofissionalização foi
ainda mais reforçado pelos programas de voluntariado e comunitarismo, na promoção da
educação para todos, em que leigos foram chamados para substituir o trabalho do professor
gratuitamente. Além disso, “[...] o trabalho docente não é definido mais apenas como
atividade em sala de aula, ele agora compreende a gestão da escola no que se refere à
dedicação dos professores ao planejamento, à elaboração de projetos, à discussão coletiva
do currículo e da avaliação” (ANDRADE OLIVEIRA, 2004, p. 1132), sem que houvesse
qualquer pagamento pelo tempo e trabalho investidos nessas atividades.
Quanto à proletarização do professor, Andrade Oliveira (2004) demonstrou que esse
fenômeno vem ocorrendo por meio da intensificação do controle do trabalho docente e do
afastamento dos professores dos processos de discussão e construção das políticas públicas
para a educação. A pesquisadora concluiu que
Na realidade aquela escola tradicional, transmissiva, autoritária, verticalizada, extremamente burocrática mudou. O que não quer dizer que estejamos diante de uma escola democrática, pautada no trabalho coletivo, na participação dos sujeitos envolvidos, ministrando uma educação de qualidade. Valores como autonomia, participação, democratização foram assimilados e reinterpretados por diferentes administrações públicas, substantivados em procedimentos normativos que modificaram substancialmente o trabalho escolar. O fato é que o trabalho pedagógico foi reestruturado, dando lugar a uma nova organização escolar, e tais transformações, sem as adequações necessárias, parecem implicar processos de precarização do trabalho docente (ANDRADE OLIVEIRA, 2004, p. 1140).
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Esse processo foi contextualizado por Martins (2007), que expôs como o aparato
burocrático e normativo imposto pelos sistemas de ensino (federal, estadual e municipal)
gerou uma ambivalência no cotidiano escolar. Ao mesmo tempo em que professores e
diretores eram agentes da política do Estado, o que “[...] garante a proteção necessária para
aqueles que se resguardam atrás da legislação e da previsão de suas tarefas [...]” (p. 728),
cerceou-se a prática pedagógica para a emancipação, o que os colocou, por outro lado,
diante dos “[...] riscos, tensões e contradições do exercício de uma profissão que se
improvisa nesse mesmo cotidiano” (p. 728).
Outra estratégia de intensificação e precarização do trabalho docente foi a
administração da subjetividade e das emoções desses educadores. Esse aspecto presente na
última reforma educacional foi analisado por Garcia e Anadon (2009) que demonstraram,
através do estudo biográfico de oito professoras da educação infantil de um sistema
municipal de ensino do estado do Rio Grande do Sul, como o governo da conduta humana
foi feito a partir da administração de desejos como sucesso, competência e solidariedade. “A
retórica de exaltação do mercado conclama os indivíduos a tomarem para si a
responsabilidade por suas vitórias e fracassos e a dividir com o poder público a gestão dos
problemas sociais, enfraquecendo argumentos e aspectos de ordem econômica, social e
cultural e da participação do próprio Estado na vida social” (p. 82). Esse discurso emanado
por trás do profissionalismo tornou-se decisivo para a intensificação e controle do trabalho
do professor. As pesquisadoras descobriram, ainda, que esse discurso foi mais facilmente
aceito pelas professoras da educação infantil, pois
A sedução levada a efeito por discursos que apelam ao profissionalismo combina-se com o estímulo a uma ética pastoral (Garcia, 2002) e ao autogerencialismo, que exalta as virtudes das professoras no cuidado das crianças e no sucesso da escola, apelos que encontram território fértil nas qualidades atribuídas ao gênero feminino e na história das mulheres no cuidado da família, da casa e da infância. As autoimagens e os sentimentos que as professoras têm em relação à natureza de suas atribuições na educação infantil, bem como as características e condições desiguais de existência do gênero feminino em nossas sociedades, fazem parte do amálgama de discursos, afetos e medidas que colaboram para o processo de intensificação e autointensificação do trabalho docente (GARCIA; ANADON, 2009, p. 83).
A “feminilização” da carreira de professor na educação infantil e no anos iniciais do
ensino fundamental foi, do mesmo modo, objeto de pesquisa histórica realizada por Werle
(2005, p. 610). A autora comprovou como a identidade profissional dessas educadoras foi
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construída a partir de um ideário que assemelha a docência ao trabalho doméstico, à
dependência e à fragilidade, como características próprias do sexo feminino.
A formação de professores foi a temática com maior número de publicações (17
artigos) na categoria analítica “atores sociais da gestão escolar”. Essas produções podem ser
divididas a partir de três concepções diferentes acerca da formação de docentes. A primeira
defende que as reformas educacionais exigem do professor uma prática reflexiva baseada
em competências (PERRENOUD, 1999a; 1999b; ROSSO, AZZI, 2000; PIMENTA et al., 2000). O
trabalho de Perrenoud (1999b) apresentou uma lista com as 10 competências que o
professor deveria aprender na formação inicial e continuada:
1. organizar e animar as situações de aprendizagem; 2. gerir o progresso das aprendizagens; 3. conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação; 4. envolver os alunos nas suas aprendizagens e no seu trabalho; 5. trabalhar em equipe; 6. participar da gestão da escola; 7. informar e envolver os pais; 8. servir-se de novas tecnologias; 9. enfrentar os deveres e dilemas éticos da profissão; 10. gerir sua própria formação contínua (PERRENOUD, 1999b, p. 9).
Em oposição a essa perspectiva, Estêvão (2001) e Ball (2005) mostraram que a
pedagogia das competências introduziu o professor em um profissionalismo que se resumiu
ao desempenho frente a padrões de qualidade estabelecidos de forma exógena à escola.
Com isso, retirou-se a ética e os valores políticos dessa profissão. Para os autores, esse tipo
de formação domina ao invés de emancipar o professor. Ball (2005) explicou que
Os compromissos humanísticos do verdadeiro profissional – a ética do serviço – são substituídos pela teleológica promiscuidade do profissional técnico – o gerente. A eficácia prevalece sobre a ética; a ordem, sobre a ambivalência. Essa mudança na consciência e na identidade do professor apoia-se e se ramifica pela introdução, na preparação do professor, de formas novas de treinamento não intelectualizado, baseado na competência. [...] Ensinar constitui apenas um trabalho, um conjunto de competências a serem adquiridas. [...] Esse é o arquétipo do profissional “pós-moderno” – definido pela flexibilidade, transparência, falta de profundidade e representado em espetáculos – em performances (BALL, 2005, p. 548).
Quanto ao terceiro grupo de pesquisas sobre a formação de professores, as reflexões
giraram em torno da relação entre universidades e sistemas de ensino para a formação
inicial e continuada de professores. Tardif (2000) e Durand, Saury, Veyrunes (2005)
mostraram a importância de se investigar a epistemologia dos saberes e da prática docente
para aproximar a formação inicial de professores às demandas da prática na sala de aula.
Tanuri (2000), Aguiar e Melo (2005) e Ferreira (2006) defenderam a centralidade do curso de
Pedagogia para a formação dos profissionais da educação e, mostram, ainda, a importância
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de se promover maior articulação entre ensino – pesquisa – extensão e entre graduação,
pós-graduação e sistemas de ensino. Marin et al. (2000), Tripp (2005) e Monceau (2005)
defenderam a pesquisa-ação e a pesquisa colaborativa como importante instrumento para a
aproximação entre universidades (pesquisa) e escolas (prática pedagógica) e como seria
possível aperfeiçoar a formação de professores a partir dessa perspectiva de interação.
O uso das tecnologias da informação e da comunicação esteve presente em dois
trabalhos que investigaram a formação docente. Belintane (2002) e Dourado (2008)
constataram o aumento acelerado do uso de redes informacionais para esse fim no país.
Dourado (op. cit.) explicou que a educação a distância foi a alternativa preferida pelo Estado
para a expansão da formação de professores (consolidação da Universidade Aberta do Brasil
- UAB). O pesquisador sintetizou o contexto de debates acerca dos modelos presencial e a
distância para a formação desses profissionais e sinalizou para um caminho de síntese da
seguinte forma:
Pensar políticas articuladas para a formação implica, portanto, romper com a dicotomia entre ensino presencial e ensino a distância que, no caso brasileiro, tem contribuído para posições extremas de "fetichização" ora do ensino presencial, ora do ensino a distância. Isso pressupõe a necessidade de garantia de: projeto pedagógico que garanta uma sólida formação teórico-prática, professores com formação stricto sensu, condições adequadas de oferta, de laboratórios e bibliotecas, material didático-pedagógico em cursos presenciais e a distância, ressaltando que estes últimos devem garantir, ainda e não somente, estrutura adequada de acompanhamento, por meio de encontros presenciais regulares, além de outros meios envolvendo as tecnologias de informação e comunicação. Entendemos que o que se deve construir é um sistema nacional de formação de professores, preferencialmente de formação dos profissionais da educação, que, ao invés de fomentar a segmentação e superposições das políticas para a formação inicial e continuada, contribua para o estabelecimento de parâmetros básicos nacionais a serem garantidos nas diferentes instituições de ensino, nos diversos cursos e modalidades (DOURADO, 2008, p. 910).
Outro grupo de publicações discutiu os temas relacionados ao cargo de diretor,
equipes de gestão, conselhos e colegiados e mostraram que a figura do diretor, apesar da
criação de colegiados e/ou conselhos escolares, ainda era bastante influente na
micropolítica das escolas públicas brasileiras. Pereira e Andrade (2005) constataram que, a
partir da década de 1980, o administrador da escola passou a ter uma nova identidade
política, mais compatível com os ideários de esquerda do país: “[...] postura intelectual
definida e comprometida com a democracia na educação e na sociedade” (p. 1401). O
compromisso político e a competência técnica tornaram-se imperativos aos educadores para
conduzir as lutas por mudanças sociais na década de 1980.
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Com a reforma educacional do final da década de 1990, o papel do diretor escolar
mudou. As novas exigências do modelo gerencial imposto às escolas públicas promoveu o
afastamento desses diretores/gestores das atribuições pedagógicas devido aos novos
compromissos gerados pela descentralização da gestão. Nas palavras de Cavaliere e Coelho
(2003)
É generalizada a dificuldade dos diretores de lidar com as novas atribuições que a descentralização administrativa e financeira traz para as escolas. Essas atribuições (compras, controle, prestação de contas etc.) e a ausência de uma estrutura compatível de pessoal e recursos têm afastado os diretores gerais das atribuições pedagógicas. Nas escolas de tempo integral, esse afastamento é muito sentido pelo estabelecimento, que precisa de um “maestro muito afinado”, no dizer de uma diretora, tantos são os fatores intervenientes no cotidiano escolar (p. 156).
Paula e Silva (2001) argumentou que a atuação da direção da escola foi legitimada
pela autoridade concedida pelo Estado. Essa autoridade pode tanto ser utilizada para
articular elementos de participação, que contribuiriam para o estabelecimento de menos
hierarquias e maior participação dos atores da escola; como para a maior centralização das
decisões formais nas mãos da figura do diretor. A pesquisadora alertou também para o fato
de que havia indícios que o padrão de gestão da escola influenciava o trabalho do professor
na sala de aula, no sentido de que o professor reproduzia as relações políticas que
estabelecia no contexto de gestão da escola com seus alunos.
As formas de provimento do cargo de diretor foram, ao mesmo tempo, investigadas
por Mendonça (2001), que identificou a existência de quatro modelos nos sistemas de
ensino do país. O provimento por indicação, em que a nomeação era feita por uma
autoridade do Estado. O concurso, que envolvia a aplicação de provas de conhecimentos e
títulos e os primeiros colocados eram nomeados. Provimento por eleição, quando o nome
do diretor era escolhido entre candidatos que eram eleitos pelo voto dos diferentes
segmentos da comunidade escolar. Seleção e eleição, em que os candidatos para
participarem do processo de eleição passavam por provas de competência técnica antes de
serem selecionados. Mendonça (2001) apresentou esse cenário nacional:
Esses dados permitem constatar que o mecanismo de provimento do cargo de diretor mais adotado no país é o da eleição (53%), com considerável participação dos municípios. A indicação é o segundo mecanismo mais utilizado no conjunto dos sistemas de ensino, com predominância nos sistemas estaduais (44%). O processo de seleção seguida de eleição é realizado em apenas 10% dos sistemas de ensino, só ocorrendo nos estados. O concurso público, com apenas duas ocorrências em todo o país, está restrito ao estado de São Paulo e sua capital. O percentual de 34%
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relativo à ocorrência do processo de indicação por escolha da autoridade revela, também, que, após mais de dez anos da promulgação da Constituição Federal, dezoito sistemas de ensino ainda não lograram estabelecer qualquer tipo de procedimento mais democrático para a escolha de seus diretores (MENDONÇA, 2001, p. 88).
Krawczyk e Viera (2006) investigaram, igualmente, as formas de provimento do cargo
de diretor, e descobriram que o procedimento mais utilizado, a partir da década de 1990, no
país, as eleições, aumentou a “legitimidade dos diretores eleitos e o maior incentivo à
participação da comunidade não resultaram na melhoria da qualidade (Cruz, Maia, Vieira,
1999; Silva, 2001; Teixeira, 1998; Cabral Neto, Almeida, 2000) nem em inovações na gestão
escolar, conforme as expectativas que justificaram a implantação dessas práticas” (p. 690).
As pesquisadoras perceberam, ainda, que as relações estabelecidas pelo diretor no interior
da escola eram mais significativas para a construção de uma gestão democrática ou
centralizadora do que o modo como ele foi conduzido ao cargo. Em oposição a essa tese
Sousa (2006), defendeu que nas escolas em que o diretor fora nomeado por eleição a cultura
de participação nos processos de gestão escolar era mais intensa, o que propiciava uma
formação mais sólida, em princípios democráticos, nessas instituições.
Carvalho (2000) explicou, também, que a identidade do diretor poderia relacionar-se
com a da instituição social em que atuava, com isso, esse personagem agiria na micropolítica
da escola e promoveria o controle e a ampliação das margens de autonomia de seus atores
sociais. Em estudo de caso sobre as orientações e práticas de administração de um diretor
em uma escola pública de Portugal, durante o período de 1950 até 1970, quando esse país
passou por uma revolução política, o pesquisador constatou que a perda da legitimidade
promovida pela revolução significou o término da ação desse personagem na escola. Porém,
sua lógica de administração permaneceu por muito tempo presente na micropolítica da
escola, devido à imagem positiva que ficou na memória dos profissionais dessa instituição.
A formação dos gestores escolares foi discutida por Paro (2009) em um artigo
elaborado com o pretexto da comemoração dos cem anos de nascimento de José Querino
Ribeiro. Paro (op. cit.) afirmou haver um paradoxo na teoria de Querino, pois “[...] ao mesmo
tempo em que afirma a legitimidade de aplicação dos princípios da teoria geral de
administração à situação escolar, Ribeiro oferece uma concepção de educação e de escola
cujos objetivos são totalmente antagônicos aos da empresa capitalista em geral” (p. 454).
Desse modo, o pesquisador justificou que era possível o uso da teoria de Querino tanto por
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conservadores, que defendiam a administração empresarial na escola, quanto por
progressistas, que afirmavam o caráter democrático e emancipatório da educação e,
portanto, antagônico “ao mando e à submissão inerentes à produção capitalista” (p. 460).
O pesquisador defendeu que a escola deveria ser gerida por um grupo de três ou
quatro professores eleitos, em que todos seriam responsáveis legalmente pela escola. Desse
modo, a formação de todo professor deveria habilitá-lo para gerir a escola, ou seja, [...] “do
mesmo modo que a administração enriquece a prática pedagógica, provendo-a de
racionalidade na busca de fins, a prática administrativa pode ser enriquecida pela relação
pedagógica, na medida em que esta seja entendida como prática democrática” (p. 465).
Portanto, a formação do educador
[...] precisa prepará-lo no mister político de produzir a concordância do outro na apropriação da cultura, o que significa, já, levar em conta componentes intrinsecamente relacionados à formação do administrador escolar, em especial ao que se refere à coordenação do esforço humano coletivo. Quem tem capacidade para levar o aluno a querer aprender, terá, sem dúvida, melhores condições para levar seus colegas educadores a querer ensinar e para co-ordená-los no processo de realização de objetivos (PARO, 2009, p. 465).
Assim, Paro (op. cit.) acredita ter resolvido o paradoxo que encontrou na teoria de
Querino, defendendo a gestão da escola pelo grupo de professores que, para isso, deveriam
ter na formação inicial além dos conhecimentos pedagógicos, conteúdos sobre a
administração e co-ordenação de pessoas.
Com tudo isso que já foi apresentado até agora, foi possível constatar que a prática
docente é um importante elemento para a organização e gestão da escola atualmente.
Desse modo, um conjunto de dezessete artigos apresentaram os resultados relativos a essa
prática. Souza (1999) e Bedenti (2000) trouxeram estudos históricos sobre como as políticas
públicas brasileiras para a educação não levam em conta os saberes docentes em sua
elaboração, o que interfere negativamente na prática pedagógica desses profissionais.
Mitrulis (2002), Laudares e Tomasi (2003), Durand (2006), Kuenzer, Abreu e Gomes (2007),
Souza Júnior (2008) e Ribeiro da Silva (2009) mostraram como as reformas educacionais no
Brasil empreenderam à lógica mercantil de trabalho no interior das escolas, principalmente
de ensino médio e de educação profissional. Cortesão e Stoer (1999), Rego (2001), Meek
(2004), Saavedra e Taveira (2007), Gheorghiu, Gruson e Vari (2008), Pocinho e Capelo (2009)
apresentaram a prática docente de países como Portugal, Austrália e França, após as
recentes reformas educacionais, e mostram como houve um aumento de exigência
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produtiva sobre os professores, que têm cada vez mais que lidar com elevados níveis de
estresse. Por fim, três artigos de autores brasileiros analisam novas estratégias de ensino
como a metacognição (DAVIS, NUNES e NUNES, 2005), o método do caso e o case nas
ciências sociais aplicadas (MENEZES, 2009) e o planejamento inovador das aulas de geografia
(MONTEIRO de OLIVEIRA e ASSIS, 2009).
As últimas temáticas encontradas nas publicações pesquisadas dizem respeito aos
conceitos de inclusão e diversidade, que se configuraram como eixos da atual reforma
educacional para a prática docente. Veiga-Neto (2001), Souza e Cardoso (2001), Apple
(2001), Michels (2006) e Moehlecke (2009) mostraram que, no Brasil, esse assunto foi
inserido nas políticas educacionais devido aos acordos internacionais assinados pelo país.
Demonstraram, ao mesmo tempo, que o conceito de normalidade foi construído a
partir de uma perspectiva hegemônica que privilegiou os interesses do capitalismo. Dessa
forma, a inclusão da diversidade na escola promoveu o princípio da auto-organização local
com um mínimo de investimento do Estado (VEIGA-NETO, 2001; APPLE, 2001).
No contexto escolar os professores foram responsabilizados pela inclusão dos
estudantes com as mais variadas dificuldades ou necessidades, sem que para isso fossem
consideradas as reais possibilidades estruturais da escola e da formação desses profissionais
(MICHELS, 2006). A construção das políticas de inclusão e diversidade foi conduzida no país
pelo MEC. De acordo com Souza e Cardoso (2001) e Moehlecke (2009) a estratégia desse
órgão configurou-se pela promoção de fóruns de debates abertos à sociedade civil para a
consulta relativa a essas políticas. No entanto, a elaboração dos textos finais dessas políticas
educacionais foi marcada pelo
[...] silenciamento que [...] faz do discurso reivindicatório dos surdos, dos índios, das minorias, dos professores e de suas entidades de classe. Mas, por outro lado, e devemos mesmo admitir, o Estado faz ecoar, ainda que de modo contraditório e anacrônico, fragmentos de nossas próprias vozes, criando a ilusão de que, de algum modo, nossos anseios estão ali contemplados. Em outras palavras, faz cada um de nós compor o que, abstratamente, chamamos de Estado. E, ato contínuo, nos transforma em co-autores, ainda que frustrados, do que chamamos de "discurso oficial" (SOUZA e CARDOSO, 2001, p. 44-5).
Resumindo, o conhecimento científico produzido sobre a gestão da educação
identificou que o Estado brasileiro implementou a Nova Gestão Pública, de lógica gerencial,
na administração da escola pública, através das políticas para a educação no fim do século
XX e primeiro decênio do século XXI (LDBEN, 1996; PNE, 2001 e PDE, 2007). Esse modelo de
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gestão promoveu a agenda de países centrais para a educação mundial, que o Brasil assumiu
a partir de acordos internacionais (DECLARAÇÃO MUNDIAL DE EDUCAÇÃO PARA TODOS,
1990; DECLARAÇÃO DO MILÊNIO, 2000; MARCO DE AÇÃO DE DACAR, 2000).
O novo padrão de gestão pública desconsiderou o contexto concreto de organização
das escolas do país, assim, o padrão de gestão dessas instituições, a partir desse período,
pode ser caracterizado por um hibridismo entre as lógicas democrática e gerencial. As
consequências observadas pelos pesquisadores acerca desse processo foram: a expansão
dos sistemas de ensino, sem o aumento significativo de investimento do Estado; a
descentralização da gestão, sem a formação técnica e política adequada para os gestores
locais; o maior investimento na formação dos profissionais da educação, mas em uma
perspectiva de aquisição de competências para o trabalho, que desvincula a formação
política desse profissional; a promoção das parcerias público-privadas e a responsabilização
social, que promoveu um avanço da privatização da educação pública financiada do Estado;
o discurso de valorização da autonomia da escola e o processo de precarização do trabalho
do professor (baixos salários, aumento do controle, responsabilização pelos resultados da
escola, salas de aulas superlotadas, falta materiais pedagógicos, segurança e ampliação das
atividades para o planejamento e avaliação sem remuneração para isso); defesa da
importância da participação de pais e comunidade escolar nos processos decisórios e de
controle da escola e procedimentos que desconsideram a cultura e realidade concreta
dessas pessoas; e, por último, a apropriação do discurso da sociedade civil (em fóruns,
conferências e conselhos) para justificar as políticas estatais pré-definidas em acordos
internacionais.
Com tudo isso, foi possível constatar que o conhecimento sobre a gestão da escola
está se transformando e ao mesmo tempo sendo construído no país. Algumas temáticas
ainda precisam ser mais exploradas para contribuir com o debate nesse campo, como: o
regime federativo e o de colaboração, a cultura das famílias mais pobres que frequentam as
escolas, a identidade e formação dos funcionários (que não são docentes), os materiais
pedagógicos e infraestrutura mais adequados para a escola democrática e as relações de
poder no interior da organização da instituição educacional brasileira. Ou seja, o nível meso
da escola ainda é pouco conhecido no Brasil tanto no meio científico como no legislativo.
CAPÍTULO 4
A ESPECIFICIDADE DO TRABALHO EM CRECHES E PRÉ-ESCOLAS
NO PENSAMENTO EM EDUCAÇÃO INFANTIL
[...] autogovernar-se é, de certo modo, fabricar-se e inventar-se constantemente, ainda que dentro dos limites e do controle exercido pelas relações de poder nas/das quais participamos.
Maria Isabel Edelweiss Bujes (2002)
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pensamento científico em educação infantil, após a integração de suas
instituições à educação básica, caminhou no sentido de afirmar a
especificidade do trabalho de creche e pré-escolas, que mesmo agora
sendo nomeadas legalmente como escolas, não têm a organização do trabalho semelhante à
dos demais níveis da educação básica.
Neste capítulo, a tese que defendo é a de que nos materiais publicados pelo MEC e
no pensamento científico em educação infantil da primeira década do século XXI é possível
constatar a atenção à especificidade da prática social em educação infantil. Isso ocorreu, em
grande parte, devido à participação dos pesquisadores da educação infantil na elaboração
dos documentos oficiais sobre esse nível da educação básica.
Para demonstrar esse ponto de vista, esta parte do texto foi dividida em dois tópicos,
de maneira semelhante ao capítulo anterior. No primeiro, tópico analiso os documentos
publicados pelo Ministério da Educação, com o objetivo de apresentar o movimento da
política educacional no sentido da integração e organização da educação infantil aos
sistemas de ensino. No segundo tópico, apresento o olhar dos pesquisadores da educação
infantil, enfatizando os elementos constitutivos da gestão institucional presente nessas
produções.
4.1 A especificidade da educação infantil na legislação educacional brasileira
Os documentos publicados pelo Ministério da Educação (MEC) relativos à educação
infantil caracterizaram-se no formato de cartilhas, livros didáticos e documentos legais. No
gráfico a seguir é apresentada a periodicidade com que esses materiais foram tornados
públicos por este órgão do Estado:
O
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GRÁFICO 4 – Periodicidade das publicações do Ministério da Educação sobre educação infantil
No final da década de 1990 a temática desses documentos concentrou-se no
currículo e na formação dos professores da educação infantil. Os materiais representativos
desse período foram os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil,
volumes 1, 2 e 3 (1998); as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (1999)37
e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Docentes da Educação Infantil e
dos anos iniciais do Ensino Fundamental, em nível médio, na modalidade Normal (1999).
Em 2002 foi lançado o livro “Integração das Instituições de educação infantil aos
sistemas de ensino: um estudo de caso de cinco municípios que assumiram desafios e
realizaram conquistas”, que teve o objetivo de auxiliar os municípios a enfrentar as
dificuldades geradas no processo de integração dos estabelecimentos de educação infantil
aos sistemas de ensino, através da experiência dos municípios de Itajaí/SC, Corumbá/MS,
Manaus/AM, Martinho Campos/MG e Maracanaú/CE, que passaram por esse processo com
sucesso, de acordo com o MEC.
Três anos mais tarde, em 2005, o MEC publicou os cadernos do “Pró-infantil:
Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício na Educação Infantil”, um curso
37
Em 17 de dezembro de 2009 o Ministério da Educação tornou pública a Resolução nº 5, que atualizou as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, devido ao contexto provocado pela legislação que
instituiu o ensino fundamental de nove anos. Apesar de esse documento ter sido lançado após a coleta de
dados desta pesquisa, para a análise de conteúdo foi utilizada a versão mais atualizada.
P á g i n a | 170
a distância que objetivou a formação em nível médio de educadores que atuavam em
creches e pré-escolas e não tinham formação profissional adequada à exigida pela LDBEN
(1996).
Em 2006, após um ciclo de oito seminários nacionais promovidos pelo Comitê
Nacional de Educação Infantil, foram publicados a “Política Nacional de Educação Infantil:
pelo direito das crianças de zero a seis anos à educação”38, os “Parâmetros básicos de
infraestrutura para instituições de educação infantil” e os “Parâmetros nacionais de
qualidade para a educação infantil” - vol. 1 e 2, que enfatizaram a importância de se garantir
o direito à educação infantil com parâmetros objetivos de qualidade no atendimento.
Finalmente, em 2009, foi publicada a cartilha “Indicadores da Qualidade na Educação
Infantil”, elaborada com a coordenação do MEC e a participação de técnicos da Secretaria da
Educação Básica, da Organização não governamental (ONG) Ação Educativa, da Fundação
Orsa, da Undime e do Unicef, que objetivou operacionalizar os “Parâmetros nacionais de
qualidade para a educação infantil”, publicados em 2006.
Outros documentos, também lançados em 2009, foram: as “Orientações sobre
convênios entre secretarias municipais de educação e instituições comunitárias,
confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos para a oferta de educação infantil”, que
teve o objetivo de auxiliar as secretarias e os Conselhos Municipais de Educação quanto ao
repasse de recursos nesse tipo de parceria público-privada, e as “Diretrizes curriculares
nacionais para a educação infantil”, que atualizou o currículo da educação infantil à
legislação do ensino fundamental de nove anos.
Também neste ano, o MEC divulgou a segunda edição do livro “Critérios para um
atendimento em creches que respeite os direitos fundamentais das crianças”, com a autoria
de Maria Malta Campos e Fúlvia Rosemberg. Essa obra apresentou uma discussão sobre o
cotidiano das creches brasileiras, o estado do conhecimento sobre desenvolvimento infantil
nessas instituições, debates sobre os direitos da criança e a qualidade dos serviços voltados
para essa população.
Quanto à autoria dos demais materiais analisados, observou-se que para a
elaboração dos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (1998) houve a
38
A Política Nacional de Educação Infantil foi lançada pelo Ministério da Educação em 2005. A obra publicada
pelo MEC analisada nesta tese com o texto dessa legislação foi editada em 2006.
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participação de vários pesquisadores brasileiros especialistas em educação infantil. Dentre
eles destacaram-se Gisela Wajskop, Anamélia Bueno Buoro e Damares Gomes Maranhão,
que contaram com a assessoria de Ana Teberosky, Maria Clotilde Rossetti-Ferreira, Telma
Weisz, dentre outros.
Em “Integração das Instituições de educação infantil aos sistemas de ensino” (2002)
as autoras foram Vitória Líbia Barreto de Faria e Márcia Pacheco Tetzner Laiz, que tiveram a
colaboração dos secretários de educação e equipes técnicas de educação infantil dos
municípios analisados na obra.
Quanto ao material didático do curso Pró-Infantil (2005) analisado, as autoras foram
Amaliair Cristine Atallah, Karina Rizek Lopes, Luciane Sá de Andrade, Roseana Pereira
Mendes, Suzi Mesquita Vargas e Vitória Líbia Barreto de Faria, com a assessoria de Sônia
Kramer, Claudia de Oliveira Fernandes, Luiz Basílio Cavallieri e Regina Carvalho.
A “Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito das crianças de zero a seis anos
à educação” (2006a), os “Parâmetros nacionais de qualidade para a educação infantil - vol. 1
e 2” (2006b; 2006c) e os “Parâmetros básicos de infraestrutura para instituições de
educação infantil” (2006d) foram elaborados pela equipe de coordenação geral de educação
infantil do MEC, que contou com a assessoria de Maria Lúcia de A. Machado e Maria Malta
Campos e a colaboração da Anped, CNTE, Consed, CONTEE, Fiep, FNCEE, Unicef, GIFE, GAE,
Unesco, OMEP, MIEIB, Secretaria de Atenção à Saúde, Secretaria de Política de Assistência
Social, UNCME, Undime, Sesu, Setec, Seesp, Seed.
Os “Indicadores da Qualidade na Educação Infantil” (2009a) tiveram a redação final
elaborada por Ana Paula Soares da Silva, Maria Malta Campos, Rita Coelho, Samantha
Neves, Vanda Mendes Ribeiro e Tizuko Morchida Kishimoto e o documento “Orientações
sobre convênios entre secretarias municipais de educação e instituições comunitárias,
confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos para a oferta de educação infantil” (2009b),
foi organizado pela Coordenação Geral de Educação Infantil e contou com a participação de
representantes de entidades como Undime, Mieib, CONTEE, ANPEd, UNCME e Unesco.
Com isso, observou-se que desde a elaboração dos Referenciais Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil (1998)39 houve participação significativa dos
39
De acordo com Cerisara (2002) apesar dos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil contar
com a colaboração de pesquisadores da educação infantil, na ocasião de sua elaboração os pesquisadores
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pesquisadores da educação infantil do Brasil em todos os materiais analisados. Além disso, a
partir de 2006, a colaboração de organizações em defesa da educação infantil, a Undime e a
UNCME foi marcante nos materiais publicados. Destacou-se, ainda, a participação de
agências internacionais como a Unesco, Unicef e OMEP na elaboração de grande parte dos
documentos em todo o período analisado.
Quanto aos referenciais teóricos citados nos materiais investigados sobre educação
infantil, nos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (1998) houve
presença importante de autores relacionados à psicogenética do conhecimento de Jean
Piaget, ao construtivismo de Cesar Coll e à psicologia histórico-cultural de Vygotsky e
Wallon.
Em 2006, nos “Parâmetros nacionais de qualidade para a educação infantil” os
referenciais teóricos mais utilizados foram de pesquisadores da educação infantil, com maior
destaque para Anna Bondioli, que investiga a qualidade do atendimento em creches, Maria
Malta Campos, estudiosa das políticas públicas para a educação infantil, Maria Lúcia de A.
Machado, pesquisadora da formação de professores, Zilma de Moraes Ramos de Oliveira e
Maria Clotilde Rossetti Ferreira, que estudam o desenvolvimento infantil e a prática
pedagógica, Tizuko Morchida Kishimoto, investigadora do brincar, prática pedagógica e
formação de professores, Eloísa Acires Candal Rocha, com o estudo sobre a trajetória da
pesquisa em educação infantil no Brasil e a construção da disciplina da Pedagogia da
Educação Infantil, e Fúlvia Rosemberg, pesquisadora de processos de exclusão, raça e
gênero e políticas educacionais.
Observou-se, ainda, maior frequência no uso de conceitos relacionados à teoria
histórico-cultural de Vygotsky nos documentos publicados a partir de 2005, do que da
psicogenética do conhecimento e do construtivismo, como ocorreu anteriormente nos
materiais do final da década de 1990. Nos demais documentos publicados pelo MEC, objetos
desta investigação, a preponderância das citações referiram-se à legislação educacional do
país.
Quanto à presença das unidades de registro relativas a esta investigação, os
resultados encontrados foram sistematizados no quadro a seguir:
desse nível posicionaram-se contra esse documento por inserir a lógica do ensino fundamental na educação
infantil.
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TABELA 4 – Unidades de registro encontradas nos documentos sobre educação infantil publicados pelo Ministério da Educação
Unidade de Registro Frequência de citação Termos relacionados
Alimentação 2 Saudável
Aprendizagem 7 Conhecimento escolar
Atendimento em período integral 1
Autonomia 3 Sistema federativo
Avaliação 18 Autoavaliação
Carreira 3 Piso Salarial; Plano de Carreira
Competência 1
Conflito 4 Resolução de problemas
Conselho 3 Municipal de Educação; Órgão normativo, Escolar, Plenária
Conteúdos 12 Atitudinais, Conceituais,
Procedimentais
Coordenador pedagógico 2
Criança 6 Concepção; Identidade, Desenvolvimento,
Agrupamento
Cultura 1
Currículo 3
Descentralização 1
Direito à educação 5
Diretor 5 Forma de provimento do cargo, Papel no
planejamento, Perfil
Disciplina 1
Diversidade 1 Individualidade
Educação Inclusiva 4
Estatísticas 9 Diagnóstico, Atendimento,
Indicadores, Matrículas
Família 1 Violência infantil
Financiamento 7 Fundeb
Formação de professores 10 Em serviço, A distância, Ensino Médio, Normal
Formação política da comunidade 1
Função social das instituições de educação infantil
1
Funcionário técnico-administrativos 4
Hierarquia 1
História 4
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Infraestrutura 14 Reforma e manutenção, Ambiente
saudável e de aprendizagem,
Condições materiais, Organização do espaço
Integração da Educação Infantil na Educação Básica
5
Interdisciplinaridade 2
Juízo Moral 2 Piaget
Legislação 8
Materiais pedagógicos 8 Recursos materiais, Qualidade
Meio ambiente 2 Contato com a natureza, Saúde
Organização do trabalho 5 Do tempo, Clima Institucional
Padrão de gestão 11 Gestão democrática, governabilidade
Parcerias público-privada 2 Com empresas privadas, convênios
Participação 5
Pedagogia da Infância 3
Planejamento 10 Acompanhamento e Avaliação, Planos
decenais de educação
Política Nacional para a educação infantil
18
Prática pedagógica 23 Orientação didática, Sequencia de
atividades, Atenção individual, Construção
de vínculos, Multiplicidade de
experiências, Período de Acolhimento das
crianças nos primeiros dias, Cuidar e educar,
Brincar, Proteção e afeto
Produção do conhecimento – pesquisas
3
Professor 12 Direitos, Papel, Valorização, Perfil,
Recursos Humanos, Profissionais da
P á g i n a | 175
educação
Projeto pedagógico 9 Proposta pedagógica, Projeto político
pedagógico
Qualidade 10 Qualidade Social
Rede de proteção social à infância 1
Regime de cooperação 1
Regimento escolar 1
Relação entre educação infantil e ensino fundamental
3 Transição para o ensino fundamental
Relação escola e comunidade 1
Relação escola e família 3
Relações entre os profissionais da escola
1
Saúde 3 Higiene
Secretaria Municipal de Educação 2 Modo de funcionamento do
executivo
Sexualidade 1
Sistema 3 De Qualidade
Teoria pedagógica 15 Definições, Concepções
A partir desse vocabulário, constatou-se que os temas tradados com maior
frequência nos materiais publicados pelo MEC foram: prática pedagógica, política nacional
para a educação infantil, avaliação da aprendizagem e institucional, teoria pedagógica,
infraestrutura, conteúdos/currículo, atribuições do professor, gestão democrática, formação
de professores, qualidade no atendimento, planejamento, financiamento e direito à
educação. Com isso, observou-se a atenção com a normatização da integração da educação
infantil à educação básica valorizando-se aspectos pedagógicos e administrativos da
instituição de educação infantil.
Temas importantes, mas que não foram tratados com maior profundidade nos
documentos, foram as parcerias público-privadas, a função do coordenador pedagógico, o
atendimento em período integral, a descentralização da gestão escolar, a rede de proteção
social à criança, a relação da escola de educação infantil com a família e comunidade, a
construção do regimento escolar, as relações entre os profissionais das instituições de
educação infantil e a formação dos funcionários técnico-administrativos.
Após essa contextualização sobre a produção dos materiais específicos para a
educação infantil publicados pelo MEC, é apresentado, a seguir, como as categorias
P á g i n a | 176
“Materialidade da prática social em instituições educativas”, “Processos e métodos de
gestão” e “Atores sociais da gestão de instituições educativas” foram caracterizadas nesses
documentos.
4.1.1 A materialidade da gestão de creches e pré-escolas nos documentos
legais sobre educação infantil
Para compreender a organização da escola de educação infantil na legislação
educacional foi necessário, antes, apreender os sentidos de infância, aprendizagem e função
social dessa instituição. A legislação específica para as instituições de educação infantil no
Brasil compreende a infância como um conceito historicamente construído, cuja noção vem
mudando socialmente e, por isso, é possível encontrar atualmente concepções diferentes de
criança, dependendo da cultura e condições de vida das famílias em que estão inseridas. No
volume um dos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (1998a) a
concepção de infância expressa configurou-se da seguinte maneira:
As crianças possuem uma natureza singular, que as caracteriza como seres que sentem e pensam o mundo de um jeito muito próprio. Nas interações que estabelecem desde cedo com as pessoas que lhe são próximas e com o meio que as circunda, as crianças revelam seu esforço para compreender o mundo em que vivem, as relações contraditórias que presenciam e, por meio das brincadeiras, explicitam as condições de vida a que estão submetidas e seus anseios e desejos. No processo de construção do conhecimento, as crianças se utilizam das mais diferentes linguagens e exercem a capacidade que possuem de terem idéias e hipóteses originais sobre aquilo que buscam desvendar (BRASIL, RCNEI, 1998a, p. 21).
Em 2006, no documento “Parâmetros nacionais de qualidade para a educação
infantil” esse conceito de criança foi atualizado a partir das descobertas da disciplina ainda
em construção no país, a Pedagogia da Educação Infantil, desse modo, o documento
explicou: “[...] os novos paradigmas englobam e transcendem a história, a antropologia, a
sociologia e a própria psicologia resultando em uma perspectiva que define a criança como
ser competente para interagir e produzir cultura no meio em que se encontra” (BRASIL,
2006b, p. 13). Assim, a criança passou a ser compreendida como um sujeito de direitos
produtor de cultura no meio social em que está inserida.
P á g i n a | 177
Nessa perspectiva, a função social da escola de educação infantil expressa na atual
LDBEN (1996), no artigo 29, caracterizou-se pela promoção do “[...] desenvolvimento
integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e
social, complementando a ação da família e da comunidade”. Essa função da escola de
educação infantil foi justificada no documento da “Política nacional de educação infantil” da
seguinte maneira:
Pesquisas sobre o desenvolvimento humano, formação da personalidade, construção da inteligência e aprendizagem nos primeiros anos de vida apontam para a importância e a necessidade do trabalho educacional nesta faixa etária. Da mesma forma, as pesquisas sobre produção das culturas infantis, história da infância brasileira e pedagogia da infância, realizadas nos últimos anos, demonstram a amplitude e a complexidade desse conhecimento. [...] Neste contexto, são reconhecidos a identidade e o papel dos profissionais da educação infantil, cuja atuação complementa o papel da família. A prática dos profissionais da educação infantil, aliada à pesquisa, vem construindo um conjunto de experiências capazes de sustentar um projeto pedagógico que atenda à especificidade da formação humana nessa fase da vida (BRASIL, 2006a, p. 7).
Observou-se, com isso, que a legislação educacional brasileira considerou a educação
escolar da criança com até seis anos um direito que contribui para a construção do ser
humano saudável em suas dimensões intelectual, orgânica, afetiva, social e cultural. Ao
mesmo tempo, reconheceu que o fazer pedagógico da escola de educação infantil
encontrava-se em construção e que os saberes científicos e da prática social têm contribuído
para um atendimento melhor da complexidade e especificidade da formação educacional
infantil.
A organização da educação infantil, a partir da LDBEN (1996), configurou-se em dois
tipos de instituições: a creche, destinada às crianças com até três anos, e a pré-escola para
as de quatro até seis anos (LDBEN, 1996, art. 30).
Em 2005, a lei 11.114 autorizou a matrícula das crianças com seis anos no ensino
fundamental. Um ano depois, em 2006, a lei 11.274 alterou a LDBEN (1996) e tornou
obrigatória a matrícula da criança com seis anos no ensino fundamental de nove anos. O
prazo para os sistemas de ensino se reorganizar para atender a essa legislação foi até 2010,
no entanto, somente em janeiro de 2010, com a resolução nº 1/2010 do MEC e Conselho
Nacional de Educação, foram instituídas as “Diretrizes operacionais para a implantação do
ensino fundamental de nove anos”, determinando que apenas poderiam ser matriculadas no
P á g i n a | 178
ensino fundamental de nove anos as crianças que completassem seis anos até 31 de março
do ano letivo corrente em que fizesse a matrícula.
A justificativa para a ampliação do ensino fundamental, de acordo com esses
dispositivos legais, era a necessidade de melhorar os índices de aprendizagem das crianças
brasileiras nas avaliações internacionais. No entanto, de acordo com pesquisa realizada pela
Fundação Carlos Chagas e coordenada por Maria Malta Campos, a entrada das crianças mais
cedo no ensino fundamental não significou melhoria no nível de aprendizagem. Além disso,
mostrou que o atendimento em educação infantil é um aspecto mais significativo para o
melhor desempenho das crianças nesse tipo de avaliação do que a entrada precoce no
ensino fundamental, conforme mostra o gráfico a seguir:
GRÁFICO 5 – Notas da Provinha Brasil40 segundo a frequência na educação infantil, por faixa etária
Fonte: Fundação Carlos Chagas (2010 apud ABREU; CORDIOLLI, 2010)
Outra consequência desse enxugamento da educação infantil, causado pela
legislação, foi a experiência do fracasso escolar vivenciado por 79,3 mil crianças brasileiras
com seis anos de idade que, em 2008, foram reprovadas no primeiro ano do ensino
fundamental de nove anos (GOIS; TAKAHASHIDA, 2010), mostrando, com isso, que as
consequências de mudanças estruturais propostas pela legislação adotadas apressadamente
40
A Provinha Brasil é uma avaliação elaborada pelo Ministério da Educação que tem o objetivo de diagnosticar
o nível de alfabetização das crianças matriculadas no segundo ano do ensino fundamental de nove anos.
P á g i n a | 179
pelos sistemas de ensino, sem o devido financiamento, orientação e fiscalização dos órgãos
do Estado responsáveis resultam em prejuízo importante para as crianças que frequentam a
educação básica.
A organização das unidades de educação infantil, de acordo com a legislação vigente
no país, é responsabilidade dos sistemas municipais de ensino e, além disso, deve ser sujeita
ao controle social. O funcionamento de creches e pré-escolas pode ocorrer em período
parcial ou integral, sendo que “é considerada educação infantil em tempo parcial, a jornada
de, no mínimo, quatro horas diárias e, em tempo integral, a jornada com duração igual ou
superior a sete horas diárias, compreendendo o tempo total que a criança permanece na
instituição” (DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL, 2009d,
art. 5º, parágrafo 6º).
No documento da “Política nacional de educação infantil” (2006a) recomendou-se
que o atendimento educacional em creches e pré-escolas fosse ampliado progressivamente
para tempo integral “[...] considerando a demanda real e as características da comunidade
atendida nos seus aspectos socioeconômicos e culturais” (p. 27).
Outro elemento quanto ao atendimento das escolas de educação infantil enfatizado
nas “Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil” (2009d, art. 5º) foi a oferta de
vagas em creches e pré-escolas próximas às casas das crianças, chamando a atenção para a
necessidade da escola de educação infantil estar inserida na comunidade onde seus usuários
residem.
Quanto à prática pedagógica, de acordo com os “Referenciais Curriculares Nacionais”
(1998a), sua definição passou pela integração do cuidar e educar, desse modo,
Educar significa, portanto, propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural. Neste processo, a educação poderá auxiliar o desenvolvimento das capacidades de apropriação e conhecimento das potencialidades corporais, afetivas, emocionais, estéticas e éticas, na perspectiva de contribuir para a formação de crianças felizes e saudáveis (BRASIL, 1998a, p. 23).
Mais tarde, no documento da “Política nacional de educação infantil” (2006a, p. 17) o
processo pedagógico foi caracterizado a partir da percepção das crianças em sua totalidade,
observando suas especificidades e diferenças, reconhecendo que a forma privilegiada de
P á g i n a | 180
conhecer o mundo, na faixa etária atendida pela educação infantil, é o brincar. Conforme as
“Diretrizes curriculares nacionais” (2009d), a proposta pedagógica das escolas de educação
infantil seguiriam os seguintes princípios:
I – Éticos: da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularidades. II – Políticos: dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática. III – Estéticos: da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade de expressão nas diferentes manifestações artísticas e culturais (BRASIL, 2009d, art. 6º).
Para isso, o currículo foi concebido, então, como um “[...] conjunto de práticas que
buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem
parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a
promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade” (BRASIL, 2009d,
art. 3º). Os “Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil” (1998) tornaram-
se, então, um instrumento para a prática pedagógica do professor, que serviria para orientar
as discussões dos educadores na elaboração da proposta pedagógica da escola de educação
infantil, quanto aos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais a serem trabalhados
com a criança.
Os materiais pedagógicos da unidade de educação infantil, de acordo com os
“Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil” (1998b), foram definidos
como instrumentos importantes para o desenvolvimento da tarefa educativa, uma vez que
auxiliam a ação e expressão da criança. Assim, “[...] mobiliário, espelhos, brinquedos, livros,
lápis, papéis, tintas, pincéis, tesouras, cola, massa de modelar, argila, jogos os mais diversos,
blocos para construções, material de sucata, roupas e panos para brincar etc.[...]” (p. 69-70)
deveriam ter presença obrigatória nas unidades de educação infantil de forma
cuidadosamente planejada.
O brinquedo foi definido como recurso privilegiado para a educação das crianças
atendidas pela educação infantil, podendo ser industrializado ou fabricado pela própria
criança e o professor. Os “Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil”
(1998b) destacaram a importância de se observar a faixa etária das crianças para que fossem
disponibilizados os brinquedos mais adequados em cada fase da vida. Depois, no documento
“Critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos fundamentais das
crianças” (2009c) chamou-se a atenção para a qualidade dos brinquedos e demais materiais
P á g i n a | 181
pedagógicos. Estes não deveriam oferecer risco à saúde das crianças e serem
disponibilizados ao alcance delas para que pudessem ter acesso sempre que desejarem.
Quanto à avaliação pedagógica do desenvolvimento da criança na educação infantil,
sua obrigatoriedade foi promulgada desde a LDBEN (1996, art. 31) e as Diretrizes
Curriculares Nacionais (1999 e 2009) regularam a avaliação na educação infantil da seguinte
maneira:
As instituições de Educação Infantil devem criar procedimentos para acompanhamento do trabalho pedagógico e para avaliação do desenvolvimento das crianças, sem objetivo de seleção, promoção ou classificação, garantindo: I - a observação crítica e criativa das atividades, das brincadeiras e interações das crianças no cotidiano; II - utilização de múltiplos registros realizados por adultos e crianças (relatórios, fotografias, desenhos, álbuns etc.); III - a continuidade dos processos de aprendizagens por meio da criação de estratégias adequadas aos diferentes momentos de transição vividos pela criança (transição casa/instituição de educação infantil, transições no interior da instituição, transição creche/pré-escola e transição pré-escola/Ensino Fundamental); IV - documentação específica que permita às famílias conhecer o trabalho da instituição junto às crianças e os processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança na educação infantil; V - a não retenção das crianças na educação infantil (BRASIL, 2009d, art. 10).
Diferentemente dos demais níveis da educação básica, a prática pedagógica da
avaliação na educação infantil não teria a finalidade de seleção, classificação ou aprovação
da criança. Seu objetivo principal configurou-se em fornecer subsídios aos professores,
crianças e pais sobre o desenvolvimento, aprendizagem, socialização e estado emocional da
criança no decorrer das experiências vividas no interior da instituição de educação infantil.
A gestão do estabelecimento de educação infantil deveria ser a democrática e contar
com equipamentos que propiciassem a participação dos pais e comunidade, como os
conselhos escolares e as associações de pais e professores, de acordo com a “Política
nacional de educação infantil” (2006a) e os “Critérios para um atendimento em creches que
respeite os direitos fundamentais das crianças” (2009c). Observou-se, com isso, que de
maneira semelhante ao que ocorreu nos documentos oficiais sobre gestão educacional, a
gestão democrática foi caracterizada a partir de procedimentos relativos à lógica da gestão
gerencial.
Para a integração das instituições de atendimento à criança pequena aos sistemas de
ensino, o investimento em infraestrutura, através da construção de prédios e reforma dos
existentes, foi apontado como um dos maiores desafios desse processo no material
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“Integração das instituições de educação infantil aos sistemas de ensino” (2002). Em 2006,
os “Parâmetros básicos de infraestrutura para instituições de educação infantil” propuseram
uma abordagem interdisciplinar quanto a esse assunto, que considerou os seguintes
aspectos:
• A edificação e o local configuram-se como um todo inserido no contexto de sua comunidade;
• A unidade de educação infantil encontra-se inserida num contexto maior, que inclui o ecossistema natural, mesmo quando localizada em uma área urbana;
• A creche ou a pré-escola encontram-se inseridas num contexto sócio-histórico-cultural, que inclui a sociedade e toda sua ampla diversidade cultural, social e física. Assim, o edifício deve ser concebido para congregar as diferenças como forma de enriquecimento educacional e humano, além de respeito à diversidade;
• É necessário verificar as condições do ambiente construído após determinado tempo de uso. Essa identificação funciona como fonte de retroalimentação para futuros projetos semelhantes (BRASIL, 2006d, p. 15).
A proposta presente nesses parâmetros sugeriu uma percepção de sistema aberto na
organização do estabelecimento de educação infantil. Assim, a participação da comunidade
escolar e técnicos em arquitetura e engenharia no planejamento de reformas e construções
dos estabelecimentos de educação infantil seria imprescindível. O objetivo proposto foi o de
que esses prédios se tornassem instrumentos para a concretização do projeto pedagógico
institucional e, além disso, garantissem a saúde e segurança das crianças, professores e
funcionários técnicos, pais e comunidade usuária. Para isso, valorizaram-se conceitos de
preservação ambiental e sustentabilidade nos processos de construção e manutenção
predial. Para garantir a qualidade da infraestrutura das escolas de educação infantil, os
parâmetros básicos de infraestrutura descreveram a seguinte organização do espaço:
[...] a configuração do ambiente e a tipologia do mobiliário irão compactuar com o estabelecimento de variados arranjos de organização espacial, incentivando a cooperação e reforçando relações sociais afetivas, ou respondendo à necessidade de atividades individuais, conforme as solicitações do processo educativo. É importante, porém, que a organização do layout permita uma circulação adequada das professoras entre as mesas e a livre movimentação das crianças no ambiente. [...] Prever quadros e painéis colocados à altura das crianças (um metro e meio do chão) permite que estas tenham autonomia para pregar seus trabalhos e expressar suas idéias, personalizando o ambiente e aproximando-se deste. As janelas, além de proporcionarem ventilação e iluminação adequadas, devem estar sempre ao alcance do usuário mirim, estabelecendo a integração e a visualização do ambiente externo, além de propiciar conceitos topológicos (dentro/fora, longe/perto, etc.). [...] Possibilidade de utilização de salas de atividades em “L”, permitindo diversas ambientações e variações nos arranjos espaciais, potencializando ainda a realização de atividades simultâneas. Criam recantos, nichos e novas ambientações, tornando
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o espaço aconchegante e lúdico; recriam os “cantinhos” procurados por todas as crianças. [...] Nos banheiros, a autonomia das crianças vai estar relacionada à adaptação dos equipamentos às suas proporções e alcance; reservar especial atenção com a prevenção de acidentes, utilizando piso antiderrapante, principalmente próximo às áreas do chuveiro, e cantos arredondados nos equipamentos. O refeitório deve distinguir e setorizar duas áreas distintas: preparo de alimentos e refeição. É importante que possibilite boas condições de higiene, ventilação e segurança; prever mobiliário adequado tanto à refeição das crianças quanto à dos adultos. [...] As cores têm importância fundamental para os ambientes destinados à educação da primeira infância, pois reforçam o caráter lúdico, despertando os sentidos e a criatividade. O uso da cor, além do papel estimulante ao desenvolvimento infantil, pode ser também um instrumento eficaz de comunicação visual, identificando ambientes e setores. [...] Os diferentes ambientes e setores da edificação das unidades de educação infantil requerem tratamentos diferenciados. Como regra geral, nos espaços em que é necessária maior concentração, como as salas de atividades e a biblioteca, por exemplo, devem ser evitadas as cores quentes, mais fortes e excitantes, destinando essas cores para elementos e detalhes da construção. Nesses ambientes, recomenda-se o emprego de tons mais suaves, em nuanças pastéis, como o verde, o bege, o marfim para as paredes e o branco para o teto. Já nos ambientes de recreação e vivência, as cores primárias, em tons mais fortes, podem ser usadas para enfatizar o caráter lúdico, marcando setores de atividades e destacando-se na paisagem natural. As salas de atividades podem ser pintadas em cores diferentes de acordo com a idade do grupo que cada uma abriga, criando um sentido de apropriação e identidade para a criança. [...] Valorizar o espaço de chegada à unidade de educação infantil, espaço de transição entre o ambiente exterior e os ambientes da unidade de educação infantil propriamente ditos. O tratamento dessa área vai incluir paisagismo, proteção contra intempéries e comunicação visual adequada, localizando os setores da unidade e indicando com clareza a recepção principal. A existência de um espaço acolhedor e convidativo logo na entrada da unidade de educação infantil pode estabelecer um “ponto de encontro”, um ambiente de convivência, capaz de congregar pais, crianças e professores, estreitando a relação entre a comunidade e a unidade de educação infantil. [....] A unidade de educação infantil deve ter acesso privilegiado aos serviços básicos de infraestrutura, tais como água, esgoto sanitário e energia elétrica, atendendo às necessidades de higiene e saúde de seus usuários, além de rede de telefone. (BRASIL, 2006d, p. 28 – 32).
Com base nessa descrição observou-se que o ambiente da unidade de educação infantil, de
acordo com a legislação educacional, deveria promover a aprendizagem, a autonomia, a
sociabilização, o desenvolvimento motor e a cultura da criança. Além disso, a relação com as famílias
e comunidade também poderia se beneficiar com uma estrutura adequada ao seu acolhimento.
Observou-se, assim, que a infraestrutura da unidade de educação infantil deveria ser pensada a
partir de sua proposta pedagógica e com a participação da comunidade escolar.
A discussão quanto ao financiamento da educação infantil foi introduzida pelos “Parâmetros
nacionais de qualidade para a educação infantil” (2006b; 2006c). Nesses documentos foram
apresentados dados fornecidos pelo INEP e IBGE quanto ao crescimento das matrículas em
P á g i n a | 184
educação infantil no país e se constatou que a cobertura desse atendimento ainda era
bastante restrita, apesar da demanda das famílias, principalmente as mais pobres.
Em 2003, apenas 11,7% das crianças com até 3 anos e 68,44% das com idades entre 4
e 6 anos eram atendidas em unidades de educação infantil (PNAD, 2003 apud BRASIL,
2006b, p. 41). Em 2010, houve uma evolução nesse atendimento, 18% das crianças com até
três anos e 80% das com idades entre quatro e cinco anos foram atendidas em creches e
pré-escolas, segundo o IBGE. Essa tendência de ampliação do atendimento foi confirmada na
Emenda Constitucional 59, no ano de 2009, que instituiu a obrigatoriedade da educação
básica para crianças e jovens com idades entre quatro e dezessete anos, até 2016.
A partir desses dados, observou-se que o atendimento em creches configurou-se
como um privilégio para menos de 20% da população infantil brasileira e, portanto, esta
etapa deveria ser o alvo dos investimentos públicos, mas na prática isso não vem ocorrendo.
De acordo com “Política Nacional de Educação Infantil” (2006a) a meta de
atendimento até 2010 era de 50% das crianças de 0 a 3 anos, ou seja, 6,5 milhões, e 80% das
de 4 a 6 anos, isto é, 8 milhões de crianças. Como se observou, essas metas não foram
cumpridas no nível do atendimento em creche.
Como já discutido no capítulo anterior, a partir de 2008, o Fundeb, o Pró-Infância e o
Programa Dinheiro Direto na Escola - PDDE (2009) compuseram o financiamento, a
construção e a manutenção das unidades de educação infantil no país. O documento
“Orientações sobre convênios entre secretarias municipais de educação e instituições
comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos para a oferta de educação
infantil” (2009b), dentre aqueles da legislação específica da educação infantil, foi o que
melhor caracterizou o Fundeb e o Pró-Infância e os procedimentos para que as secretarias
municipais de educação pudessem acessar esses recursos.
Quanto ao PDDE, criado em 2005, seu objetivo foi prestar assistência financeira às
escolas de ensino fundamental, em caráter suplementar, no custeio de pequenas reformas e
compra de materiais pedagógicos. Os recursos transferidos para cada escola eram
proporcionais ao número de alunos expresso no censo escolar. A gestão desse recurso
deveria ser realizada pela comunidade escolar com o objetivo de melhorar o trabalho
pedagógico e os indicadores de aprendizagem (IDEB).
Em 2009, com a edição da medida provisória nº 455, de 28 de janeiro (transformada
posteriormente na lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009) esse programa foi estendido a
P á g i n a | 185
todos os níveis da educação básica, chegando assim às instituições de educação infantil. Em
2010, a resolução/FNDE nº 3 estabeleceu os processos de adesão, habilitação e as formas de
execução e prestação de contas do PDDE. Assim, no site do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação41 a unidade educacional poderia aderir ao programa, não
havendo a necessidade de intermediação da secretaria de educação municipal. Com esse
programa, pode-se observar um enxugamento nos níveis hierárquicos quanto ao
financiamento da educação infantil e uma ampliação na autonomia da comunidade escolar
quanto ao investimento de parte de seus recursos de manutenção.
A última unidade de registro que caracterizou a materialidade da gestão escolar da
educação infantil na legislação educacional foi a qualidade do atendimento. Esse conceito
tornou-se bastante presente nos dispositivos legais desse nível da educação básica a partir
de 2006, quando foram publicados os “Parâmetros nacionais de qualidade para a educação
infantil”. A justificativa para a elaboração desse documento foi atender às diretrizes do Plano
Nacional de Educação (2001) e da Política Nacional de Educação Infantil (2005). Esses
documentos previam a necessidade do estabelecimento de parâmetros de qualidade para o
atendimento em educação infantil, que servissem de referência à supervisão, controle e
avaliação dos órgãos reguladores da educação nacional, e como instrumento para a criação
de medidas de melhoria desse atendimento no país. Assim, a qualidade em educação infantil
foi definida a partir das seguintes conclusões:
1) a qualidade é um conceito socialmente construído, sujeito a constantes negociações; 2) depende do contexto; 3) baseia-se em direitos, necessidades, demandas, conhecimentos e possibilidades; 4) a definição de critérios de qualidade está constantemente tensionada por essas diferentes perspectivas (BRASIL, 2006b, p. 24).
Na discussão quanto ao padrão de gestão presente nos parâmetros de qualidade, o
documento afirmou que a qualidade no atendimento em educação infantil não poderia ser
pensada apenas em função do que é oferecido em cada creche ou pré-escola, visto que essa
variável dependia da orientação e apoio oferecidos pelo poder público. Assim, um sistema
educacional de qualidade é “[...] aquele em que as instâncias responsáveis pela gestão
respeitam a legislação vigente, têm papéis definidos e competências delimitadas e apoiam
41
A plataforma do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação encontra-se disponível: < http://www.fnde.gov.br/index.php/ddne-funcionamento>.
P á g i n a | 186
financeira, administrativa e pedagogicamente as instituições de educação infantil a ele
vinculadas” (BRASIL, 2006c, p. 13).
Três anos mais tarde, na publicação “Indicadores da qualidade na educação infantil”
(2009a), foram propostos índices para uma autoavaliação dos estabelecimentos de
educação infantil, que deveria ser realizada com a participação de toda a comunidade
escolar. Dessa maneira, foram propostas sete dimensões para debate: 1) planejamento
institucional, 2) multiplicidade de experiências e linguagens, 3) interação entre crianças e
entre crianças e a instituição, 4) promoção da saúde, 5) espaços, mobiliários e materiais, 6)
formação e condições de trabalho dos educadores e demais técnicos da escola e 7)
cooperação e trocas com as famílias e participação na rede de proteção social dos direitos
das crianças.
Em cada uma dessas dimensões foram apresentadas as legislações pertinentes e
estimulou-se o debate e a tomada de decisões negociadas. O objetivo principal dessa
avaliação era promover a participação da comunidade escolar nos processos de melhoria da
qualidade no atendimento em educação infantil.
Também na publicação “Critérios para um atendimento em creches que respeite os
direitos fundamentais das crianças” (2009c, p. 13) foi apresentado como as instituições de
educação infantil deveriam organizar-se para atender com qualidade o direito da criança à
educação infantil, para isso, foram divulgados os seguintes direitos da criança usuária desse
nível da educação básica: à brincadeira, à atenção individual, a um ambiente aconchegante,
seguro e estimulante, ao contato com a natureza, à higiene e à saúde, a desenvolver sua
curiosidade, imaginação e capacidade de expressão, ao movimento em espaços amplos, à
proteção, ao afeto e à amizade, a expressar seus sentimentos, a uma especial atenção
durante seu período de adaptação à instituição e a desenvolver sua identidade cultural,
racial e religiosa.
Com tudo isso, constatou-se que o padrão de gestão escolar para a educação infantil
recomendado nos documentos publicados pelo MEC, no período de 1998 até 2009,
caracterizou-se pela promoção da participação da comunidade escolar na construção da
organização institucional (responsabilização social), tanto nas dimensões pedagógicas como
nas administrativas, e pela indicação de referenciais de qualidade para o atendimento da
criança.
P á g i n a | 187
Assim, a “gestão democrática” proposta nessa legislação previu a diminuição de
hierarquias e o aumento da autonomia pedagógica, administrativa e financeira de creches e
pré-escolas. Além disso, apresentou o Estado como responsável pela regulação,
coordenação e avaliação do atendimento das unidades de educação infantil, enquanto a
comunidade escolar seria responsável pelo gerenciamento dos procedimentos pedagógicos
e administrativos para se alcançar melhores índices de qualidade nos serviços ofertados.
Esse modelo de gestão proposto foi justificado a partir de conhecimentos científicos
produzidos por pesquisadores brasileiros, dados diagnósticos elaborados pelo IBGE e INEP e
discussões promovidas em oito fóruns nacionais, que contaram com a participação de
movimentos sociais em defesa da educação infantil, representantes de secretários da
educação, conselheiros municipais e estaduais de educação, pesquisadores da educação
infantil brasileiros, organizações internacionais e partidos políticos. Com isso, observou-se
que para legitimar a lógica gerencial de gestão da educação infantil o MEC apropriou-se dos
discursos científico e da sociedade civil.
4.1.2 Processos e métodos de gestão presentes na legislação educacional
específica em educação infantil
Os procedimentos administrativos propostos para creches e pré-escolas, na
legislação educacional analisada, incentivaram a responsabilização da comunidade escolar e
o estabelecimento de parâmetros de qualidade para o atendimento da criança.
De acordo com os “Referências Curriculares Nacionais para a Educação Infantil”
(1998), o planejamento, prática pedagógica e avaliação das ações do estabelecimento de
educação infantil deveriam considerar a diversidade cultural da comunidade escolar e
responder às demandas das crianças e suas famílias quanto à educação e ao cuidado infantil.
Ainda nesse documento, foram destacadas que as interações entre crianças, adultos e
crianças e entre adultos deveriam valorizar o diálogo e as mais diferentes formas de
expressão construindo, assim, um ambiente acolhedor e estimulante que promovesse a
aprendizagem de todos os membros da comunidade educacional. Os problemas do
cotidiano escolar seriam encarados como situações de aprendizagem, em que todos
P á g i n a | 188
poderiam contribuir para a busca de soluções, construindo novos conhecimentos que,
posteriormente, seriam socializados. Caracterizando, assim, a lógica do “aprender a
aprender” da gestão gerencial.
A organização do tempo na unidade de educação infantil deveria levar em
consideração,segundo esse documento, a especificidade de cada fase do desenvolvimento
das crianças atendidas e os conteúdos e currículos presentes na proposta pedagógica
institucional. As rotinas deveriam ser planejadas de acordo com o tempo didático e
poderiam ser divididas em três modalidades: atividades permanentes, sequência de
atividades e projetos de trabalho (BRASIL, 1998a, p. 55). O clima das relações entre adultos e
crianças em creches e pré-escolas foi descrito da seguinte maneira:
Respeito às diferenças, explicitação de conflitos, cooperação, complementação, negociação e procura de soluções e acordos devem ser a base das relações entre os adultos. Em se tratando de crianças tão pequenas, a atmosfera criada pelos adultos precisa ter um forte componente afetivo. As crianças só se desenvolverão bem, caso o clima institucional esteja em condições de proporcionar-lhes segurança, tranquilidade e alegria. Adultos amigáveis, que escutam as necessidades das crianças e, com afeto, atendem a elas, constituem-se em um primeiro passo para criar um bom clima. As crianças precisam ser respeitadas em suas diferenças individuais, ajudadas em seus conflitos por adultos que sabem sobre seu comportamento, entendem suas frustrações, possibilitando-lhes limites claros. Os adultos devem respeitar o desenvolvimento das crianças e encorajá-las em sua curiosidade, valorizando seus esforços (BRASIL, 1998a, p. 66 – 7).
Para construir esse clima institucional uma ferramenta apresentada nos “Referenciais
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil” (1998a) foram os canais de comunicação
estabelecidos entre a comunidade interna e externa da unidade de educação infantil. A
comunicação entre as famílias das crianças e os profissionais da educação infantil seria
diária, por isso, deveria ser planejada. Desde o início os pais deveriam ter acesso à proposta
pedagógica da instituição, ao seu regimento interno e às informações quanto às formas de
participação nos conselhos escolares, associação de pais e professores e formas de
comunicação com os professores, coordenadores pedagógicos e diretor da instituição.
Esses referenciais apresentaram, também, estratégias para o período de acolhimento
das crianças nos primeiros dias na unidade escolar, como lidar com a substituição de
professores, tanto em relação com as crianças como com suas famílias, e com a transição
para o ensino fundamental.
Outro instrumento da gestão institucional em educação infantil, apontado nos
documentos oficiais analisados, foi a construção coletiva do projeto pedagógico institucional
P á g i n a | 189
e do regimento interno da unidade de educação infantil. Essa prática configurou-se como
uma das principais estratégias para a promoção da autonomia da escola de educação
infantil. Para essa tarefa, a cartilha “Integração das Instituições de educação infantil aos
sistemas de ensino” recomendou que a instituição deveria resgatar “as raízes da sua história,
rever suas concepções e crenças, discutir fundamentos e princípios que alicerçam seu
trabalho, retomar objetivos, conteúdos e metodologias e, assim, ir definindo sua identidade
coletiva com a participação de todos os envolvidos nesse processo [...]” (Ibid., p. 71),
mostrando, desse modo, a importância de se considerar a cultura da comunidade escolar na
elaboração dessa proposta.
Em relação aos procedimentos administrativos, que organizam o cotidiano de
creches e pré-escolas, para se assegurar qualidade ao atendimento ofertado às crianças, os
“Parâmetros nacionais de qualidade para a educação infantil” (2006c) apresentaram as
seguintes orientações:
As instituições de educação infantil funcionam durante o dia, em período parcial ou integral, sem exceder o tempo que a criança passa com a família. [...] O funcionamento em período integral implica o recebimento das crianças por até no máximo dez horas por dia. Os horários de entrada e saída das crianças são flexíveis, a fim de atender às necessidades de organização das famílias, podendo, portanto, exceder as orientações anteriores. As instituições de educação infantil têm formas específicas de organização da proposta pedagógica, do tempo, dos espaços, dos materiais, conforme o período de atendimento. O calendário letivo não precisa ater-se ao da escola de ensino fundamental, mas respeitar os dias de descanso semanal e os feriados nacionais, bem como garantir o período anual de férias para crianças e funcionários. A organização em agrupamentos ou turmas de crianças nas instituições de educação infantil é flexível e deve estar prevista na proposta pedagógica da instituição. Os grupos ou turmas de crianças são organizados por faixa etária (1 ano, 2 anos, etc.) ou envolvendo mais de uma faixa etária (0 a 2, 1 a 3, etc.). A composição dos grupos ou das turmas de crianças leva em conta tanto a quantidade equilibrada de meninos e meninas como as características de desenvolvimento das crianças. As crianças nunca ficam sozinhas, tendo sempre uma professora ou um professor de educação infantil para cada grupo ou turma, prevendo-se sua substituição por uma outra professora ou outro professor de educação infantil nos intervalos para café e almoço, para as faltas ou períodos de licença. A relação entre o número de crianças por agrupamento ou turma e o número de professoras ou professores de educação infantil por agrupamento varia de acordo com a faixa etária: • uma professora ou um professor para cada 6 a 8 crianças de 0 a 2 anos; • uma professora ou um professor para cada 15 crianças de 3 anos; • uma professora ou um professor para cada 20 crianças acima de 4 anos. A quantidade máxima de crianças por agrupamento ou turma é proporcional ao tamanho das salas que ocupam (BRASIL, 2006c, p. 34 – 36).
P á g i n a | 190
Com isso, constatou-se o estabelecimento de critérios específicos em relação ao
atendimento das instituições de educação infantil, como o número de crianças por professor
e período de atendimento e, também, a flexibilidade quanto ao horário de entrada e saída
das crianças, estabelecimento do calendário escolar e composição dos agrupamentos de
crianças.
Outro instrumento da gestão escolar presente na educação infantil caracterizado na
legislação educacional específica foi a parceria com organizações privadas sem fins lucrativos
e/ou com outras instituições públicas. No documento “Integração das instituições de
educação infantil aos sistemas de ensino” (2002) ações conjugadas entre Secretarias
Municipais da Educação e Secretarias da Saúde e Ação Social foram classificadas como
positivas para o atendimento com qualidade nas unidades de educação infantil. Além disso,
parcerias com o Conselho Tutelar e Ministério Público foram apontadas como iniciativas que
poderiam auxiliar no combate à violência infantil.
Nos “Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil” (2006b) as
parcerias entre unidades de educação infantil foram consideradas como um facilitador para
o fortalecimento institucional de creches e pré-escolas. Um dos principais ganhos
anunciados nesse documento foram as trocas de experiências entre educadores de uma
mesma cidade ou microrregião e programas de formação, que poderiam ser inviáveis
economicamente para um único sistema, mas possível quando sistemas próximos se unem.
Mostrando, com isso, a pretensão de desresponsabilização do Estado com o financiamento
integral da educação infantil.
Na “Política nacional para a educação infantil” (2006a) o estabelecimento de
parcerias com órgãos governamentais e não governamentais foi considerado uma meta para
melhorar a qualidade do atendimento, visto que estimularia maior participação social e
privada no financiamento e no controle dos gastos dessas instituições.
Na cartilha “Orientações sobre convênios entre secretarias municipais de educação e
instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos para a oferta de
educação infantil” (2009b) foram apresentados os procedimentos para que as secretarias
municipais de educação pudessem estabelecer convênios com organizações sem fins
lucrativos para a oferta de educação infantil, utilizando-se de recursos do Fundeb para esse
objetivo. Destacou-se que nesse tipo de parceria a secretaria municipal de educação seria
P á g i n a | 191
responsável pela regulamentação e fiscalização dessas instituições que, como contrapartida,
teriam autonomia para elaborar suas propostas pedagógicas (desde que não
desrespeitassem o Plano Municipal de Educação) e, também, poderiam receber
financiamento de outras instituições privadas para a manutenção de suas atividades.
Outro elemento que compôs o conjunto de procedimentos da gestão institucional na
educação infantil, proposto nos documentos legais, foram os conselhos escolares. Estes se
configuraram como espaços para o exercício da “gestão democrática” da educação infantil,
de acordo com os materiais analisados. Mais uma vez a gestão democrática nesses
documentos foi confundida com participacionismo e responsabilização social.
No documento “Integração das instituições de educação infantil aos sistemas de
ensino” (2002) os Conselhos Municipais de Educação foram apresentados como os
responsáveis pela regulamentação, autorização e fiscalização do funcionamento das creches
e pré-escolas públicas e privadas das cidades investigadas. Esse mesmo material mostrou,
ainda, que a constituição dos Conselhos de Educação dos municípios estudados privilegiava
mais a participação de profissionais do ensino fundamental em sua constituição do que os
com experiência na educação infantil e, além disso, a presença de pais e comunidade era
bastante restrita nas reuniões agendadas. Esses aspectos foram caracterizados
negativamente para a efetivação da gestão democrática na educação infantil, mas não foram
propostas soluções para eles. Vale lembrar que nessa cartilha foram apresentados estudos
de caso de municípios que realizaram a integração da educação infantil aos seus sistemas de
ensino com sucesso, de acordo com o MEC.
Quanto aos conselhos escolares e às associações de pais e professores, os
documentos analisados os apresentaram como importantes instrumentos para a
participação das famílias e comunidade na gestão da unidade de educação infantil, no
entanto, em nenhum documento houve a caracterização quanto à organização e
funcionamento desses conselhos.
Um último procedimento administrativo encontrado nos documentos oficiais
investigados foi a avaliação institucional. Esse instrumento considerado essencial para a
melhoria contínua da qualidade do atendimento nas instituições de educação infantil foi
descrito detalhadamente no material “Indicadores da Qualidade na Educação Infantil”
(2009a) da seguinte forma:
P á g i n a | 192
Avaliação deve ser entendida como um meio para aperfeiçoamento de práticas e promoção de qualidade no trabalho com as crianças, mediante a consecução dos propósitos educativos previamente delineados pela equipe. Avaliação pressupõe compromisso com o que foi planejado e executado pelos adultos e pelas crianças envolvidas no processo educativo e, por isso, deve pautar-se por reflexões partilhadas por todos no âmbito da instituição, com base em documentação pedagógica rigorosa, resultante de observação e registros cuidadosos das realizações práticas (BRASIL, 2009a, p. 62).
Assim, foi possível constatar a ênfase na documentação dos procedimentos
relacionados à criança e a necessidade da construção de parâmetros para avaliar esse
atendimento. Ou seja, a avaliação deveria ocorrer continuamente pautada em parâmetros
nacionais e institucionais para instrumentalizar o aperfeiçoamento contínuo da instituição
de educação infantil.
Em suma, os procedimentos e métodos de gestão apresentados na documentação
divulgada pelo MEC, no período estudado, privilegiaram o planejamento das ações
pedagógicas, a participação da comunidade escolar na elaboração da proposta pedagógica, o
aperfeiçoamento dos canais de comunicação com as famílias e comunidade, o estímulo a
relações colaborativas no interior das unidades de educação infantil, a valorização da
diversidade cultural e da inclusão social, as tomadas de decisões dialogadas e negociadas
entre os membros da comunidade escolar através dos conselhos escolares, a avaliação
institucional com o objetivo de melhorar continuamente o atendimento e o estabelecimento
de parcerias com órgãos governamentais e não governamentais para o financiamento da
educação infantil. Comprovando, mais uma vez, a perspectiva gerencial em gestão
institucional presente nesses documentos.
4.1.3 Os atores sociais da educação infantil na legislação educacional
Os atores sociais que fazem a educação infantil na unidade escolar presentes na
legislação educacional são a criança, o professor, a coordenação pedagógica, o diretor, o
funcionário técnico (secretaria, cozinha, limpeza, segurança e manutenção predial), a família
e a comunidade em que a instituição está inserida. Desses, a legislação privilegiou a
caracterização do fazer da criança e do professor, ficando os demais personagens em
segundo plano.
P á g i n a | 193
A compreensão da criança como um sujeito histórico, produtor de cultura e com
direito à educação de qualidade já foi bem caracterizada no tópico “A materialidade da
gestão de creches e pré-escolas nos documentos legais sobre educação infantil” visto que
era essencial para a compreensão da categoria analítica ora apresentada.
Quanto ao professor, nos “Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil” (1998) seu papel foi definido como o de mediador entre as crianças e os objetos do
conhecimento. Ele seria o responsável pela a organização dos espaços e situações de
aprendizagem, que deveriam mobilizar os conhecimentos prévios das crianças para que
pudessem desenvolver suas capacidades afetivas, cognitivas e físicas, em um ambiente
prazeroso, saudável e não discriminatório. Com isso, o perfil esperado desse profissional
seria o da polivalência, isto é,
Ser polivalente significa que ao professor cabe trabalhar com conteúdos de naturezas diversas que abrangem desde cuidados básicos essenciais até conhecimentos específicos provenientes das diversas áreas do conhecimento. Este caráter polivalente demanda, por sua vez, uma formação bastante ampla do profissional que deve tornar-se, ele também, um aprendiz, refletindo constantemente sobre sua prática, debatendo com seus pares, dialogando com as famílias e a comunidade e buscando informações necessárias para o trabalho que desenvolve (BRASIL, 1998a, p. 41).
Em 2005, no guia geral do “Programa de Formação Inicial para Professores em
Exercício na Educação Infantil” – Pró-Infantil, um dos objetivos desse curso de ensino médio,
na modalidade a distância, foi contribuir para a melhoria da qualidade social na educação
infantil. Para isso, o curso propôs o desenvolvimento de competências profissionais a partir
da ressignificação das experiências vivenciadas no trabalho cotidiano na educação infantil,
objetivando, assim, a formação de um professor capaz de mobilizar elementos cognitivos,
afetivos e sociais para educar a criança com até seis anos, de acordo com esse material.
A capacitação do educador infantil também foi tratada na “Política nacional para a
educação infantil” (2006a), sendo a formação específica anunciada como um critério para a
qualidade do atendimento em educação infantil. Desse modo, a formação inicial, em nível
médio na modalidade Normal, e a capacitação em serviço de todos os professores
envolvidos com a educação infantil, foram definidas como metas nessa legislação.
Três anos depois, no material “Critérios para um atendimento em creches que
respeite os direitos fundamentais das crianças” (2009c) a formação prévia e em serviço dos
profissionais da educação infantil foi considerada, especificamente, como um elemento
P á g i n a | 194
chave para se assegurar o bem-estar e o desenvolvimento da criança. No documento
“Indicadores de Qualidade na Educação Infantil” (2009a) além da formação profissional,
chamou-se a atenção para as condições de trabalho dos professores e demais técnicos da
educação infantil. Esses profissionais precisariam ter consciência da relevância social do
trabalho que desenvolvem, segundo esse documento. Para isso, seriam necessários, além de
uma formação sólida, “salários dignos, [...] o apoio da direção, da coordenação pedagógica e
dos demais profissionais – trabalhando em equipe, refletindo e procurando aprimorar
constantemente suas práticas” (p. 54), pois somente assim seria possível a construção do
atendimento em educação infantil nos moldes previstos pela legislação educacional.
Quanto ao papel do diretor da escola de educação infantil, este foi anunciado nos
“Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil” (1998a) como aquele que é
responsável pela construção de um clima democrático e pluralista na instituição. Para isso,
deveria incentivar e acolher a participação de todos os membros da comunidade escolar no
sentido de construir coletivamente uma proposta pedagógica institucional que se efetivasse
na prática social da unidade educativa.
A forma de provimento do cargo de diretor foi tratada pela primeira vez no
documento “Integração das Instituições de Educação Infantil” (2002). De acordo com os
estudos apresentados nesse material, dos cinco municípios estudados, em apenas um os
diretores eram eleitos pela comunidade escolar, o que foi analisado positivamente para a
efetivação da gestão dessas instituições. Outro aspecto constatado foi que nos municípios
em que os cargos de coordenadores pedagógicos e diretores eram preenchidos por
indicação política não foi cumprida a Resolução 01/1999 do Conselho Nacional de Educação
e da Coordenação de Educação Básica, que exige a experiência docente de no mínimo dois
anos como pré-requisito para assumir essas funções. Mais uma vez foi possível perceber
que, mesmo nos municípios considerados referência em atendimento pelo MEC, a gestão
escolar na educação infantil era efetivada por profissionais com pouca ou nenhuma
experiência pedagógica nesse nível da educação básica.
Em 2006, nos “Parâmetros de Qualidade para a educação infantil” (vol. 2, p. 35) a
gestão de creches e pré-escolas foi apresentada como responsabilidade dos profissionais
que exercem os cargos de direção e coordenação pedagógica. A formação exigida para esses
profissionais, de acordo com o mesmo documento, seria de no mínimo nível médio, na
modalidade Normal, e, preferencialmente, nível superior, no curso de Pedagogia. Esta
P á g i n a | 195
indicação contrariou a LDBEN (1996, art. 64), cuja formação exigida para os profissionais da
educação que exercem cargos administrativos na educação básica seria em Pedagogia (curso
superior) ou em nível de pós-graduação. Somente em 2009, no material “Orientações sobre
convênios entre secretarias municipais de educação e instituições comunitárias,
confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos para a oferta de educação infantil” essa
informação foi corrigida de acordo com a normatização da LDBEN (1996).
As características pessoais exigidas de diretores e coordenadores pedagógicos,
conforme os “Parâmetros de Qualidade na Educação Infantil” (2006c), seriam o
compromisso com a ética e a dedicação com a permanente formação. Além disso, foi
apresentada uma lista com as atividades que caracterizariam essas funções de gestão da
instituição de educação infantil:
1. Os gestores ou gestoras atuam em estreita consonância com profissionais sob sua responsabilidade, famílias e representantes da comunidade local, exercendo papel fundamental no sentido de garantir que as instituições de educação infantil realizem um trabalho de qualidade com as crianças que a frequentam.
2. Asseguram que as crianças de 0 até 6 anos sob sua responsabilidade sejam o principal foco das ações e das decisões tomadas.
3. Encaminham aos serviços específicos os casos de crianças vítimas de violência ou maus-tratos.
4. Organizam e participam do processo de elaboração, registro em documento escrito, implementação e avaliação das propostas pedagógicas, com o envolvimento de todos os profissionais da escola, das crianças, de suas famílias e/ou responsáveis e da comunidade local.
5. Divulgam sistematicamente, com clareza e transparência, critérios, normas e regras tanto para as famílias e/ou responsáveis pelas crianças matriculadas quanto para a equipe de profissionais que atuam nas instituições de educação infantil.
6. Utilizam-se da supervisão externa como instrumento para o aprimoramento do trabalho da equipe como um todo.
7. Formalizam canais de participação de profissionais sob sua responsabilidade e das famílias e/ou responsáveis na elaboração, na implementação e na avaliação das propostas pedagógicas.
8. Preocupam-se em cultivar um clima de cordialidade, cooperação e profissionalismo entre membros da equipe de profissionais que atuam nas instituições de educação infantil e as famílias e/ou responsáveis pelas crianças.
9. Desenvolvem programas de incentivo à educação e à formação regular e continuada dos membros da equipe de profissionais que atuam nas instituições de educação infantil.
10. Respeitam os direitos e asseguram o cumprimento dos deveres das professoras, dos professores e dos demais profissionais sob sua responsabilidade.
11. Respeitam e implementam decisões coletivas. 12. Possibilitam que mães, pais e familiares e/ou responsáveis tenham a
oportunidade de visitar as instalações das instituições de educação infantil e de conhecer os profissionais que lá trabalham antes de matricular a criança.
13. Têm uma atenção especial com as famílias e/ou responsáveis durante o período de acolhimento inicial (“adaptação”) das crianças, possibilitando, até mesmo, a presença de um representante destas nas dependências da instituição.
P á g i n a | 196
14. Orientam mães e pais e/ou responsáveis para dar às professoras e aos professores informações que julguem relevantes e fidedignas sobre a criança.
15. Criam as condições necessárias para obter as informações sobre a criança no período de matrícula.
16. Realizam encontros periódicos entre mães, pais, familiares e/ou responsáveis e profissionais da instituição de educação infantil, visando à qualidade da educação das crianças (BRASIL, 2006c, p. 36-8).
Com isso, percebeu-se que o diretor foi compreendido como o responsável unilateral
pela qualidade do atendimento da instituição de educação infantil e, além disso, como o
incentivador da responsabilização social de toda a comunidade educativa. Caracterizando-se
como sua obrigação a construção de um ambiente de participação e colaboração para o
cumprimento da proposta pedagógica institucional, construída coletivamente.
Quanto aos demais funcionários não docentes, apenas na “Política nacional para a
educação infantil” (2006a) houve referência sobre a necessidade de se valorizar esse
profissional, através da oferta de formação continuada. Em 2009, nas “Orientações sobre
convênios entre secretarias municipais de educação e instituições comunitárias,
confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos para a oferta de educação infantil” esses
técnicos foram considerados como responsáveis pela segurança, bem-estar e educação das
crianças atendidas nas unidades de educação infantil, do mesmo modo que os professores.
Demonstrando, assim, a importância do trabalho desses profissionais para a organização da
escola de educação infantil.
Não houve referências nos documentos analisados quanto à configuração das
famílias e comunidades usuárias da educação infantil. Apesar dos materiais publicados pelo
MEC frequentemente indicarem a relevância de se acolher e estimular a participação da
família e comunidade na educação das crianças pequenas, nos documentos analisados,
houve um silêncio quanto às demandas e características culturais e sociais dessa população.
Assim, apesar de reconhecer a relevância de se valorizar a atuação de toda a
comunidade escolar para a construção de um atendimento com qualidade social na
educação infantil, os movimentos concretos de valorização desses atores foram discretos
nos materiais normativos investigados.
Em suma, nos documentos específicos da educação infantil publicados pelo MEC
analisados, a gestão da escola de educação infantil caracterizou-se pela centralidade que a
criança deveria ocupar tanto na proposta pedagógica como na prática educacional e
administrativa da instituição. Para isso, os procedimentos de gestão deveriam possibilitar o
P á g i n a | 197
trabalho em equipe, um ambiente acolhedor e de estímulo à participação coletiva nos
processos decisórios locais e pautar-se em parâmetros de qualidade definidos
nacionalmente. Ao mesmo tempo, observou-se que houve maior atenção quanto ao fazer e
à valorização dos profissionais docentes da comunidade escolar em detrimento das famílias,
comunidades e funcionários não docentes. E, por fim, a responsabilização da sociedade civil
pelo controle social do financiamento, sendo, inclusive, incentivadas as parcerias público-
privadas.
4.2 O pensamento científico em educação infantil na primeira década do
século XXI
A produção científica do campo em educação infantil publicada nos periódicos
analisados nesta investigação, no período de 1999 até 2009, trouxe à tona temáticas mais
relacionadas à prática pedagógica e ao impacto das políticas públicas no atendimento desse
nível da educação básica.
Para se compreender o pensamento em gestão escolar foi realizado um exercício de
pinçamento de sentidos, que possibilitou retratar a percepção dos procedimentos
administrativos em creches e pré-escolas presentes nesse material. Assim, este tópico, de
maneira semelhante ao anterior, foi dividido em dois momentos: no primeiro é apresentada
uma visão geral do material analisado quanto à periodicidade, autoria, referencial teórico,
metodologia de pesquisa e unidades de registro encontradas; e, na segunda parte,
buscaram-se os sentidos nessa produção para as categorias analíticas “materialidade da
gestão institucional”, “processos e métodos em gestão” e “atores sociais envolvidos na
getão da educação infantil”.
A produção científica sobre educação infantil, objeto de análise nesta investigação,
constituiu-se em 53 artigos distribuídos da seguinte maneira entre os periódicos
pesquisados: Pro-Posições (30,5%); Cadernos de Pesquisa (28,5%); Revista Brasileira de
Educação (20%); Educação e Sociedade (17%) e Educação e Pesquisa (4%).
Como se pode observar, as revistas científicas com maior número de artigos
publicados relativos à educação infantil foram o periódico Pro-Posições e os Cadernos de
P á g i n a | 198
Pesquisas. Cabe lembrar, também, que no material pesquisado sobre gestão da educação, o
maior número de artigos foi extraído dos Cadernos de Pesquisa, editado pela Fundação
Carlos Chagas. É interessante destacar que essa instituição de pesquisa mantém a biblioteca
“Ana Maria Poppovic”, que é especializada em obras sobre educação e gênero e conta,
atualmente, com mais de 21 mil títulos de produções científicas, sendo boa parte delas
relacionadas à educação infantil e políticas públicas, demonstrando, assim, que, no período
analisado, o periódico Cadernos de Pesquisa foi o que trouxe maior contribuição à temática
desta investigação.
A periodicidade de publicações referentes à educação infantil foi representada no
gráfico a seguir:
GRÁFICO 6 – Periodicidade das publicações científicas sobre educação infantil no período
A partir do gráfico, constatou-se maior concentração de artigos científicos relativos à
educação infantil nos anos de 1999, 2001, 2003 e 2006. Esse aumento na publicação, em
grande parte, ocorreu em virtude de edições especiais com essa temática. Isso aconteceu
em 1999, com a revista Pro-Posições (v.10, n.1(28)), em 2001, com a Revista Brasileira de
Educação (n.16), e em 2006, com os Cadernos de Pesquisa (n. 129). Foi possível perceber,
também, um declínio no número de publicações a partir de 2004, quando a média anual de
artigos nos periódicos analisados caiu de sete para apenas dois (com exceção para o ano
2006, haja vista a edição especial dos Cadernos de Pesquisa).
P á g i n a | 199
Foi interessante notar que após 2005 houve um aumento nas publicações do MEC
relativas a esse tema, mas isso não parece ter provocado uma ampliação no número de
artigos científicos. Esse fato colocou algumas questões como: será que as pesquisas sobre
educação infantil têm diminuído? Ou as comissões editoriais dos periódicos analisados têm
se interessado menos por essa temática? Os limites do material dessa investigação
impossibilitam essas respostas, no entanto, essa é uma questão importante de ser analisada
mais a fundo, pois remete à manutenção de um campo de pesquisa ainda em construção no
pensamento em educação do país.
Em relação à variável “instituições de origem dos pesquisadores” as que
apresentaram maior número de artigos publicados sobre educação infantil foram: Fundação
Carlos Chagas (15% do total das publicações); Pontifícia Universidade Católica SP e RJ (15%
do total das publicações); Universidade Estadual de Campinas (15% do total das
publicações); Universidade Federal de Santa Catarina (13% do total das publicações);
Universidade de São Paulo (11,5% do total das publicações). Mais uma vez, as universidades
públicas e instituições de ensino e pesquisa sem fins lucrativos configuraram-se como as
maiores produtoras de pesquisa em educação infantil, demonstrando a importância do
financiamento público para a manutenção desse campo científico no Brasil. Chamou a
atenção a baixa presença de publicações de autores estrangeiros, diferentemente do que
ocorreu no material analisado sobre gestão da educação.
Os métodos de pesquisa declarados nos artigos científicos sobre educação infantil
analisados foram assim distribuídos: Análise Documental e Análise de Conteúdo (23 artigos);
Estudo de Caso (16 artigos); Revisão Bibliográfica (6 artigos); Pesquisa Histórica (6 artigos) e
Pesquisa Etnográfica (2 artigos). Esses dados encontram-se representados no gráfico a
seguir:
GRÁFICO 7 – Métodos empregados nas pesquisas referentes à educação infantil
P á g i n a | 200
Concluiu-se, desse modo, que a preponderância dos métodos documentais foi
observada de forma significativa mas, proporcionalmente, os pesquisadores da educação
infantil publicaram maior número de pesquisas com dados extraídos da prática cotidiana das
instituições educativas do que os pesquisadores em gestão da educação. Esse aspecto
sinalizou positivamente para a possibilidade do material científico em educação infantil
contribuir com elementos da prática da gestão escolar em educação infantil. Destacou-se,
também, a utilização de procedimentos de pesquisa inovadores como a filmagem e o
registro fotográfico de situações de socialização e educação e a aplicação de instrumentos
para avaliação em programas de educação infantil.
Em relação à autoria dos artigos sobre educação infantil, os pesquisadores com maior
número de publicações foram: Kramer (4 artigos); Arce (3 artigos); Kishimoto (3 artigos);
Kuhlmann Júnior (3 artigos); Abramowicz (2 artigos); Campos (2 artigos); Faria (2 artigos);
Rocha (2 artigos) e Rosemberg (2 artigos). Um aspecto interessante desta variável foi a
presença de autores que contribuíram para publicações do Ministério da Educação nesse
mesmo período de investigação, como: Sonia Kramer, Tizuko Morchida Kishimoto, Maria
Machado Malta Campos e Fúlvia Rosemberg. Com isso, foi possível concluir que o pensar
científico em educação infantil esteve mais próximo dos textos legais do que o pensamento
científico em gestão da educação. Isso porque sobre esses últimos pesquisadores foram
encontradas citações de seu pensar nos documentos publicados pelo MEC, mas não
contribuições autorais do modo como ocorreu com os pesquisadores da educação infantil.
Outro dado significativo sobre esses pesquisadores foi a predominância do gênero
feminino. Entre os nove pesquisadores que mais publicaram, apenas um era do gênero
masculino, Moysés Kuhlmann Júnior. Esse dado pode indicar que, do mesmo modo como
ocorre nas escolas de educação infantil, o interesse pelo fazer nesse nível da educação
básica se configurou maior entre as representantes do gênero feminino, fato também
observado por Rocha (1998).
Os referenciais teóricos mais encontrados nos artigos analisados sobre educação
infantil foram: Rosemberg (23 artigos); Campos (21 artigos); Kuhlmann Júnior (17 artigos);
Faria (14 artigos); Kramer (12 artigos); Haddad (11 artigos); Kishimoto (11 artigos); Rocha (11
artigos); Cerisara (8 artigos); Ariès (6 artigos); Benjamin (6 artigos); Foucault (5 artigos);
Machado (6 artigos); Nóvoa ( 6 artigos); Arce (5 artigos); Deleuze (5 artigos); Oliveira (5
artigos); Palhares (5 artigos); Saviani (5 artigos) e Vygotsky (5 artigos).
P á g i n a | 201
Foi interessante observar que os nove autores mais citados no material científico
sobre educação infantil eram brasileiros e muitos deles encontravam-se na lista dos autores
que mais publicaram. Esse dado pode indicar a transferência e o reconhecimento da
produção desses pesquisadores no país.
Os objetos de investigação desses autores configuram-se da seguinte forma: políticas
públicas, construção social da infância e relações de gênero (ROSEMBERG); políticas públicas
e reformas educacionais (CAMPOS); políticas públicas, história e historiografia da educação
infantil (KUHLMANN JÚNIOR); políticas públicas, relações de gênero, Pedagogia da Infância
(FARIA); formação dos profissionais da educação infantil, fundamentos da educação infantil
(KRAMER); políticas públicas para a educação infantil (HADDAD); formação de professores, o
brinquedo e materiais pedagógicos na educação infantil, história da educação infantil em
São Paulo (KISHIMOTO); Pedagogia da Educação Infantil (ROCHA); currículo da educação
infantil (CERISARA); sentimento de infância, história da infância (ARIÈS); materialismo
dialético, teoria da estética (BENJAMIN); filosofia, pós-estruturalismo (FOUCAULT); formação
dos profissionais da educação infantil (MACHADO); formação de professores (NÓVOA);
filosofia, perfil da educadora de educação infantil, políticas públicas (ARCE); filosofia
(DELEUZE); identidade docente na educação infantil (OLIVEIRA); políticas educacionais para a
educação infantil (PALHARES); políticas públicas, pedagogia histórico-crítica (SAVIANI); teoria
histórico cultural (VYGOTSKY).
Assim, pode-se observar que os referenciais teóricos mais utilizados no material
científico investigado sobre educação infantil privilegiaram o estudo das políticas públicas, a
história e cultura da infância, a formação dos profissionais da educação infantil, as teorias
críticas e pós-críticas da educação.
Um último aspecto quanto à análise formal dos artigos sobre educação infantil, diz
respeito às unidades de registro encontradas. A tabela abaixo apresenta o vocabulário
relativo à gestão institucional descoberto nos materiais científicos sobre educação infantil:
TABELA 5 – Unidades de registro encontradas nos artigos analisados sobre Educação Infantil Unidade de Registro Frequência de citação Termos relacionados
Aprendizagem 3 Cognição
Autonomia 1
Avaliação 3
Conselho Nacional de Educação 1
Coordenador Pedagógico 2
Creche 11 Comunitária
P á g i n a | 202
Criança 16 Dar voz, Concepção de infância, Devir, Vir-a-ser,
Desenvolvimento
Cultura 9
Currículo 8
Descentralização 2 Municipalização
Direito à educação 4 Direitos sociais
Diretor 3 Acesso ao cargo e Formação
Disciplina 1
Diversidade 4
Educação inclusiva 1
Educação não escolarizada 2
Escolarização 5 Alfabetização
Estatística 6 Matrículas, Indicadores de desenvolvimento
social
Exclusão social 2
Família 7 Educação compartilhada com o Estado
Financiamento 8
Formação de professores 38 Pedagogia, Profissionalização,
Formação em serviço, Formação reflexiva
Função social da escola 5
Gênero 4
História 17 Pós-modernismo
Influência internacional 9
Infraestrutura 7 Ambiente, Condições de funcionamento, Organização dos
espaços, Higiene e Segurança,
Brinquedoteca
Legislação 10
Material pedagógico 4
Organização do trabalho 12 Democracia, Trabalho em equipe,
Desvalorização profissional, Rotina
Padrão de gestão 23 Estado Mínimo, Neoliberalismo, Quase Mercado, Abordagem Sistêmica, Qualidade
Total, Assistencialismo,
P á g i n a | 203
Co-gestão, Padrão gerencial, Gestão
democrática
Participação 2
Pedagogia da Infância 12
Planejamento 2
Poder 3
Políticas públicas 14
Prática pedagogia 42 Cuidar e educar, Brincar, Autonomia, Cidadania, Letramento, Froebel,
Vygotsky, Desenvolvimento
cognitivo, Mediação
Pré-escola 8
Produção de conhecimento - pesquisa 6
Professor 11 Identidade, papel
Projeto Pedagógico 6 Institucional
Psicologia 1 Desenvolvimento emocional
Qualidade 8
Rede de apoio à criança 1
Reforma educacional 4
Relação criança e adulto 2
Relação educação infantil e ensino fundamental
2 Ensino Fundamental de 9 anos, Adaptação
Relação entre crianças 1
Relação entre escolas 1
Relação entre pesquisa e políticas 2
Relação escola e comunidade 2
Relação escola e família 7
Relação escola e universidade 1
Relação instituição e criança 1
Relação professor e monitor 1
Religião 1
Resistência 1
Saúde 1
Sexualidade 2 Educação sexual
Sociologia da Infância 2
Tecnologia 1
Trabalho infantil 1
Valores 1
A partir dessa representação foi possível constatar que os temas mais trabalhados
pelos pesquisadores da educação infantil foram: prática pedagógica, papel e formação de
P á g i n a | 204
professor de educação infantil, padrão de gestão nas políticas públicas, as políticas públicas
para a educação infantil, o conceito de criança, a Pedagogia da Infância, a cultura infantil,
influências internacionais nas políticas públicas, o currículo da educação infantil, o
financiamento e a qualidade do atendimento nas instituições de educação infantil.
Temas pouco investigados, porém relevantes à gestão institucional na educação
infantil foram: os processos de participação, a autonomia da unidade de educação infantil, o
planejamento e a construção da proposta pedagógica institucional, a rede de apoio à
infância, as relações de poder no interior de creches e pré-escolas, a formação dos
funcionários não docentes e a relação com famílias e comunidade.
Após essa apresentação quanto à forma geral dos artigos científicos relativos à
educação infantil, na próxima parte deste tópico serão apresentadas as perspectivas
presentes neste material quanto às três categorias analíticas desta investigação.
4.2.1 A materialidade da gestão institucional na produção científica em
educação infantil do Brasil
A busca pela compreensão sobre como a gestão da instituição de educação infantil
foi pensada pelos pesquisadores desse campo da educação, na primeira década do século
XXI, fez emergir o contexto de organização e funcionamento de creches e pré-escolas
públicas do país e, também, a consolidação de uma nova disciplina, a “Pedagogia da
Educação Infantil”.
Um dos primeiros estudos encontrados na amostra de artigos científicos analisada,
que investigou o funcionamento de instituições de educação infantil no Brasil foi publicado
por Cruz (2001), na Revista Brasileira de Educação. Neste trabalho a pesquisadora
apresentou a visão de professores e famílias usuárias de creches comunitárias com
atendimento em período integral no nordeste do país.
A pesquisa constatou a precariedade do atendimento nessas instituições. Sem
infraestrutura, materiais pedagógicos e formação de seus educadores adequada, essas
unidades de educação infantil mantinham-se em funcionamento devido ao financiamento
privado e ao apoio mútuo dos profissionais que nelas atuavam.
P á g i n a | 205
A falta de apoio pedagógico e formação em serviço proporcionou uma prática social
nessas creches calcada em atividades relacionadas à alimentação, higiene e segurança das
crianças, organizadas a partir da experiência dos profissionais mais antigos. Aliada a falta de
preparo desses educadores, o número excessivo de crianças para cada adulto gerou uma
rotina para os pequenos marcada por longos períodos de espera, desatenção às suas
solicitações, realização de atividades feitas à mão pelos professores em folhas de sulfite e
situações de alimentação e higiene realizadas sem objetivo educacional (CRUZ, 2001).
Na visão da maior parte desses profissionais a função social da creche comunitária se
restringia ao cuidado infantil enquanto os pais trabalhavam, mostrando, desse modo, como
a criança não era percebida como sujeito de direitos e reforçando o que Rosemberg (1989
apud CRUZ, 2001) já havia denunciado: a formação para a subalternidade das camadas mais
pobres da população.
Outro aspecto constatado por Cruz (Ibid.) nas falas desses professores foi o
preconceito em relação à educação transmitida pelas famílias às crianças. Apesar de grande
parte deles residirem nos mesmos bairros onde as famílias usuárias da creche moravam e,
portanto, enfrentarem as mesmas dificuldades materiais e sociais, a perspectiva quanto ao
modo de organização dessas famílias era encarada negativamente, estigmatizando mães
solteiras ou abandonadas pelos maridos e os pais que não conseguiam emprego, assumindo
a defesa de um ideal de família em que o homem era o chefe e a mulher ficava em casa
cuidando dos filhos. De acordo com Cruz (2001), “[...] os preconceitos que impregnam a
visão negativa que as professoras têm das crianças contribuem sobremaneira para a pobreza
do seu trabalho” (p. 13), sendo tal perspectiva mais determinante para a qualidade da
prática pedagógica do que o nível de escolarização desses profissionais.
Quanto ao pensar das famílias usuárias dessas creches comunitárias, Cruz (2001)
mostrou que em suas falas a vaga na educação infantil para seus filhos era considerada
como uma “sorte grande” e, por isso, sentiam-se agradecidos às instituições e seus
profissionais (patrimonialismo). A única dificuldade apontada por esses atores sociais, de
acordo com a pesquisadora, era quanto à falta de brinquedos e oportunidades de brincar
para as crianças.
A partir dessas perspectivas quanto à organização das creches comunitárias do
nordeste do país, Cruz (2001) provou que esses pais não eram entendidos como parceiros
das instituições de educação infantil, mas como cumpridores de ordens pois, afinal, “o que
P á g i n a | 206
eles poderiam contribuir para a escola se não eram capazes nem de cuidar de seus filhos
bem” (p. 58), na perspectiva dos profissionais dessas instituições. Desse modo, a
pesquisadora demonstrou a necessidade de se construir parâmetros de qualidade para o
atendimento em educação infantil, que deveriam ser amplamente divulgados, pois isso
contribuiria para que tanto os profissionais da educação infantil quanto as famílias usuárias
pudessem exigir do poder público melhores condições de funcionamento para essas creches
e construírem uma relação de parceria mais igualitária.
Outra investigação sobre a qualidade do atendimento em instituições da educação
infantil no Brasil foi publicada por Corrêa (2003), que realizou um estudo de caso em pré-
escolas públicas na cidade de São Paulo, região sudeste do país. De maneira semelhante ao
que Cruz (2001) observou, Corrêa encontrou salas superlotadas, com mais de 40 crianças
para apenas uma professora, falta de materiais pedagógicos e formação inadequada dos
professores. Este cenário já havia sido constatado por Kishimoto (2001) em um estudo sobre
os brinquedos e materiais pedagógicos dessas instituições.
Corrêa (2003) observou, além disso, um processo de responsabilização dos
educadores pelos problemas das instituições de educação infantil, que pareceu ter sido
incorporado subjetivamente por esses profissionais:
A situação é tão crítica, que até mesmo as professoras, embora conscientes da necessidade de se trabalhar com grupos pequenos, acabam convencendo-se de que é possível trabalhar com qualquer número de crianças desde que a professora seja “criativa”. No afã de justificar uma situação contra a qual não conseguem lutar, buscam explicações e chamam a si a responsabilidade pela qualidade da educação oferecida, e, mesmo que se mencione a responsabilidade do Estado, esta não parece ganhar a devida dimensão (CORRÊA, 2003, p. 101).
O baixo investimento na formação em serviço no âmbito da própria unidade escolar e
o reforço do individualismo e da ideia de que cada um era responsável isoladamente pela
qualidade do seu trabalho reduziu a capacidade de agregação desses educadores para
exigirem melhores condições de funcionamento das pré-escolas em que trabalhavam
(CORRÊA, 2003).
Assim como Cruz (2001), Corrêa (2003) também comprovou que no nível da gestão
municipal, estadual e federal havia mais discurso político sobre a qualidade do trabalho nas
instituições de educação infantil do que ações concretas para a melhoria desse atendimento.
Percebeu-se, com isso, que problemas sérios relativos ao funcionamento das instituições de
P á g i n a | 207
educação infantil públicas foram observados no nordeste e sudeste do país, apesar das
diferenças sociais e econômicas entre essas regiões.
Outro tipo de estabelecimento de educação infantil foi pesquisado por Raupp (2004)
e configuraram-se como as creches de Universidades Federais, no Rio Grande do Sul. Essas
instituições, após a Constituição Federal de 1988, assumiram além da função de educação
infantil as de pesquisa e extensão no ensino superior.
Dessa maneira, a investigadora constatou que 83% dessas creches e pré-escolas eram
vinculadas a outros órgãos universitários (pró-reitorias, recursos humanos, órgão estudantil,
hospital, assistência social, fundações, assuntos comunitários, Departamento de Economia
Doméstica, entre outros) e não aos centros de educação. Este aspecto foi analisado como
sendo a manutenção de vínculos relacionados aos objetivos de assistência ao trabalhador,
de quando essas instituições foram inauguradas e um afastamento das concepções mais
atuais quanto à organização da educação infantil.
As práticas educativas dessas unidades de educação infantil, na perspectiva dos
estudantes que lá estagiavam, eram consideradas como de referência para a formação
profissional, mas relatavam que a realidade dessas instituições era bastante diferente da
maioria dos estabelecimentos públicos do país. O principal diferencial destacado recaia
sobre a seletividade da população atendida, que era restrita à comunidade universitária,
diferentemente das demais instituições de educação infantil, que atendem a população em
geral (RAUPP, 2004).
Ainda quanto aos estágios profissionais, a pesquisadora observou grande variedade
nos cursos de graduação dos estudantes que procuravam essas unidades, como “[...]
pedagogia, psicologia, educação física, nutrição, odontologia, medicina, engenharia de
produção, arquitetura, enfermagem, fisioterapia, farmácia, economia doméstica e educação
artística [...]” (RAUPP, 2004, p. 208), o que demonstrou a multiplicidade de áreas que se
beneficiavam no processo de formação acadêmica e, também, no campo de pesquisa, com
essas creches e pré-escolas.
Raupp (Ibid.) constatou que apesar dessas instituições constituírem-se como objeto
de investigação em vários trabalhos de pesquisa que resultaram em monografias,
dissertações e teses, raramente os resultados dessas pesquisas eram aplicados para a
melhoria das condições de atendimento nessas unidades. Assim, a pesquisadora concluiu
que as creches e pré-escolas das universidades federais do Rio Grande do Sul tinham o
P á g i n a | 208
desafio de fortalecer sua identidade institucional e, para isso, seria necessário investir na
formação de seus educadores e na construção de um projeto pedagógico cuja preocupação
central fosse o desenvolvimento integral da criança.
Coutinho (2003) realizou um estudo sobre espaços infantis públicos em shopping
centers e mostrou que, à medida que esses ambientes foram assumindo funções educativas
e pedagógicas, eles foram privatizados. A pesquisadora explicou que espaços públicos antes
utilizados pelas crianças para brincarem, com a supervisão de seus pais, aos poucos foram
dominados pela iniciativa privada, a partir da contratação de recreadores e professores e da
inserção de materiais gráficos; mercantilizando, assim, a educação e cuidados oferecidos
nesses espaços. Essa experiência mostrou como a educação infantil estava presente em
espaços não escolares na sociedade moderna e estava sendo transformada em mercadoria,
desconsiderando os processos de constituição das crianças.
Em 2006, um estudo da arte sobre a qualidade na educação infantil, na perspectiva
das produções científicas do Brasil, foi publicado por Campos, Fülgraf e Wiggers, no
periódico Cadernos de Pesquisa. As variáveis identificadas pelas autoras para a avaliação do
atendimento em educação infantil foram: formação dos professores, propostas pedagógicas,
condições de funcionamento, práticas educativas e relação da instituição com as famílias das
crianças atendidas.
Quanto à formação dos professores, o estudo mostrou que o nível de escolarização
dos profissionais que atuam com as crianças de zero até três anos era menor do que
daqueles que atuavam nas pré-escolas. Além disso, mesmo os educadores com formação em
magistério ou no curso superior de Pedagogia não tiveram formação específica para
desenvolver o trabalho pedagógico na educação infantil, principalmente com as crianças
menores, atendidas em período integral. Este aspecto quanto aos cursos de formação dos
profissionais da educação infantil também foi constatado por Kishimoto (2005) e Kramer
(2006).
Os monitores ou auxiliares de creches, em sua maioria, de acordo com as pesquisas
analisadas neste estudo, não contavam nem mesmo com formação em nível médio, por isso,
baseavam seu trabalho no conhecimento que construíram ao longo da vida, priorizando,
assim, atividades de higiene, alimentação e segurança (CAMPOS; FÜLGRAF; WIGGERS, 2006).
Os raros programas de formação em serviço analisados também apresentaram falhas
em sua concepção e enfrentavam a dificuldade “[...] desses profissionais geralmente não
P á g i n a | 209
contarem com horário remunerado para planejamento e trabalho em equipe nas
instituições” (CAMPOS; FÜLGRAF; WIGGERS, 2006, p. 106). As principais dificuldades
relacionadas à formação dos profissionais da educação infantil mostraram que
[...] as educadoras de creche têm dificuldade de superar as rotinas empobrecidas de cuidados com alimentação e higiene, incorporando práticas que levem ao desenvolvimento integral das crianças; por sua vez, as professoras de pré-escola dificilmente conseguem escapar do modelo excessivamente escolarizante, calcado em práticas tradicionais do ensino primário. O fato de ambas as profissionais revelarem concepções negativas sobre as famílias atendidas aponta para mais uma lacuna em sua formação prévia e em serviço (CAMPOS; FÜLGRAF; WIGGERS, 2006, p. 118).
A integração das instituições de educação infantil aos sistemas de ensino municipal
trouxe contribuições, como a maior preocupação com a formação dos professores e a
programação pedagógica, mas há ainda muito a ser aperfeiçoado, em especial, no sentido
do atendimento das demandas das famílias e comunidade das crianças usuárias, de acordo
com os dados encontrados por Campos, Fülgraf e Wiggers (Ibid.).
Em relação às propostas pedagógicas, o estudo mostrou que foi grande o número de
instituições analisadas pelos pesquisadores da educação infantil que não tinham seus
projetos pedagógicos elaborados, fato encontrado com maior incidência entre as creches
comunitárias e conveniadas do país. As instituições onde foi possível avaliar o projeto
pedagógico, os pesquisadores constataram a falta de consideração da especificidade das
idades das crianças e um predomínio de currículos que valorizavam mais o desenvolvimento
cognitivo do que a formação integral.
As condições de funcionamento e as práticas educativas foram variáveis que
estiveram bastante relacionadas nos materiais analisados por Campos, Fülgraf e Wiggers
(2006). As pesquisadoras concluíram que havia padrões de funcionamento incomuns nas
instituições de educação infantil do país, apesar da diversidade de condições encontradas
nas diferentes regiões. As creches, oriundas dos órgãos de bem-estar, ainda privilegiavam
um modo de funcionamento mais assistencialista, enquanto que as pré-escolas, que sempre
estiveram relacionadas ao campo educacional, apresentaram um funcionamento mais
semelhante ao do primeiro ciclo do ensino fundamental, com práticas de escolarização
precoce para as crianças.
Com relação à estrutura e aos recursos materiais, as pesquisadoras concluíram que as
creches comunitárias e conveniadas foram as que apresentaram mais deficiências quanto a
P á g i n a | 210
aspectos de saneamento e adequação à faixa etária das crianças atendidas. As pré-escolas,
de maneira geral, contaram com melhores condições de infraestrutura, mas costumavam ser
restritivas quanto a espaços para brincadeiras e atividades autônomas por parte das
crianças. Assim, Campos, Fülgraf e Wiggers (2006) sintetizaram esse cenário das condições
de funcionamento e práticas educativas das instituições de educação infantil observadas
pelos pesquisadores brasileiros, no início no século XXI:
Compondo-se com essa situação de carência de material pedagógico, de instalações inadequadas e de preparo insuficiente do pessoal, nota-se uma certa despreocupação com a programação educativa desenvolvida com as crianças. Vários estudos apontam para o descompasso entre as concepções defendidas pelos documentos oficiais de orientação curricular, o discurso das equipes de supervisão, o planejamento das unidades, quando existente, e as práticas observadas no cotidiano. Essa situação parece mais agravada nas creches, mas também é preocupante nas pré-escolas, onde continua a predominar um modelo escolarizante restrito. Algumas pesquisas constataram, além disso, a falta de familiaridade e a resistência à adoção de instrumentos de autoavaliação institucional, muito pouco divulgados no país (CAMPOS; FÜLGRAF; WIGGERS, 2006, p. 119-20).
O relacionamento com as famílias usuárias de creches e pré-escolas, último aspecto
analisado pelas autoras, mostrou-se, também, problemático. A perspectiva que os
educadores parecem construir das famílias das crianças que atendem foram elaboradas a
partir de falas dos pequenos ou de contatos individuais com os pais, geralmente feitos na
porta da instituição.
A falta de comunicação contribuiu, então, para o desconhecimento dessas
instituições da realidade das famílias usuárias. Com isso, enquanto os educadores acreditam
que os pais deixam os filhos nas creches e pré-escolas porque não têm com quem deixar
enquanto trabalham, os pais, principalmente das crianças matriculadas nas pré-escolas,
consideram que a educação infantil deveria preparar seus filhos para o ensino fundamental
e para uma vida melhor no futuro. Os trabalhos analisados mostraram a necessidade de se
investir na formação dos profissionais da educação infantil de maneira que eles possam
conhecer as reais aspirações dessa população e seus direitos para, assim, alcançarem maior
igualdade nessa interação.
A partir dessas constatações, Campos, Fülgraf e Wiggers (2006) defenderam que o
financiamento público para a educação infantil não foi equacionado no país e, por isso, o
acesso a esse nível da educação básica não foi democratizado e a qualidade do atendimento
nas instituições existentes precisa ser melhorada. Apesar do avanço no campo legal, a
P á g i n a | 211
realidade dessas instituições encontra-se distante do almejado no campo científico. Assim,
nesse contexto há “desafios que parecem se desdobrar à medida que uma nova consciência
sobre a importância da educação infantil se dissemina na sociedade” (CAMPOS; FÜLGRAF;
WIGGERS, 2006, p. 121).
Alguns desses desafios, relacionados à gestão das instituições de educação infantil,
foram apresentados por Kramer e Nunes (2007) em um artigo em que discutiram a gestão
pública educacional, nos níveis municipal e estadual, em 54 municípios do estado do Rio de
Janeiro.
Nas prefeituras analisadas, a formação dos diretores das instituições de educação
infantil eram episódicas, com reduzida participação de faculdades e universidades públicas
em sua organização. Os raros cursos direcionados a esses profissionais foram feitos em
parceria com grupos privados.
Outro aspecto constatado, na investigação de Kramer e Nunes (Ibid.), foi que a
participação dos diretores e coordenadores pedagógicos no planejamento das atividades
anuais das instituições de educação infantil era bastante restrita, isso porque, em geral, o
planejamento das atividades e calendário escolar eram elaborados pelos supervisores das
secretarias municipais de educação e enviados prontos para as creches e pré-escolas, que
deveriam cumpri-los.
O mecanismo de nomeação dos cargos de docentes administrativos nas unidades de
educação infantil dos municípios pesquisados era exclusivamente a indicação. Em somente
a metade deles havia plano de carreira para os profissionais da educação infantil. Esses
aspectos contribuíam para um padrão e gestão, de acordo com as pesquisadoras,
centralizador com participação restrita dos professores, funcionários não docentes e famílias
usuárias e significativa interferência de políticos e autoridades locais, de fora do sistema
educacional, nas decisões relativas ao cotidiano dessas instituições.
A partir dessas constatações, Kramer e Nunes (2007) propuseram uma lógica de
gestão para as instituições desse nível da educação básica, de modo a atender mais
adequadamente o direito da criança à educação infantil:
A gestão exige cuidados e mobiliza afetos. O desafio é continuar a tomar providências em relação aos pequenos problemas e não descuidar do clima geral, do sentimento de confiança e da responsabilidade de posição de liderança na instituição ou nas políticas, seja na supervisão, na direção ou na coordenação, seja na atuação direta com as crianças. É preciso observar a si mesmo, observar o grupo
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de trabalho de formação, pensando na diversidade que marca todos os grupos humanos, mas pensando também em quanto eles têm em comum. A reflexão coletiva, a rememoração e a reconciliação são componentes necessários nesse trabalho que, por ser humano, envolve tantos matizes do saber e do sentir. Essas questões são delicadas também porque no cotidiano das instituições de educação infantil, as condições com frequência são precárias (KRAMER; NUNES, 2007, p. 452).
A partir dessa caracterização da gestão na educação infantil, as pesquisadoras
chamaram a atenção para a iniciativa de alguns educadores, que apesar de toda a
precariedade encontrada nas creches e pré-escolas públicas do Rio de Janeiro, têm buscado
construir uma nova proposta para a educação infantil. Esse novo projeto valorizaria a cultura
infantil e a participação da comunidade escolar nos processos de planejamento pedagógico,
administrativo e financeiro dessas instituições.
A valorização da cultura infantil e da participação da comunidade escolar nos
processos decisórios relativos às instituições de educação infantil foram aspectos defendidos
maciçamente pelos pesquisadores da educação infantil nos artigos analisados por esta
pesquisa.
A concepção de criança como produtora de cultura foi introduzida, nos materiais
analisados desse campo da educação, pelo trabalho de Prado (1999), no artigo “As crianças
pequenininhas produzem cultura? Considerações sobre educação e cultura em creche”,
publicado na revista científica Pro-Posições. O estudo do processo de construção cultural
realizado pelas crianças através do brincar, levou a pesquisadora à conclusão de que na
brincadeira ocorria uma relação dialética entre os atores sociais envolvidos, em que adulto e
criança ressignificavam suas vidas e se tornavam produtores cultura.
Também na revista científica Pro-Posições, em 1999, Eloísa Acires Candal Rocha
publicou um estudo da arte sobre a produção científica em educação infantil no país e
chamou a atenção para o nascimento de uma nova disciplina, a “Pedagogia da Educação
Infantil”. Esse nova linha de investigação da pedagogia objetivaria a compreensão do
processo de construção da educação na infância a partir da antropologia, sociologia,
biologia, psicologia e história social em uma perspectiva de atenção integrada à criança.
Faria (1999) contribuiu para essa discussão mostrando que, desde o final da década
de 1930, durante a gestão de Mário de Andrade no Departamento de Cultura da prefeitura
de São Paulo, havia indícios de experiências de educação não escolar para as crianças das
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camadas mais pobres da população brasileira, que valorizavam a cultura infantil e o
desenvolvimento global da criança.
Por outra via, os trabalhos de Kuhlmann Júnior (2000), Kuhlmann Júnior e Rocha
(2006), e Bastos e Kuhlmann Júnior (2009) comprovaram a proximidade das instituições de
assistência à infância desvalida com o pensamento escolar, desde o século XIX, quando
observaram que as concepções pedagógicas existentes nesse momento histórico
manifestavam-se nas funções educacionais cumpridas pelos asilos infantis. Além disso, esses
trabalhos denunciaram como o assistencialismo promoveu a educação da infância pobre
para a submissão.
Nesse contexto de discussão sobre o fazer pedagógico nas instituições de educação
infantil, alguns estudos (SANFONA DA SILVA, 1999; BUJES, 2002; ABRAMOWICZ, 2003;
MÜLLER, 2006; MARTINS FILHO, 2008) alertaram para a necessidade urgente de lutar contra
a escolarização precoce da infância no Brasil, que foi intensificada com o processo de
integração das instituições de educação infantil aos sistemas de ensino, no início do século
XXI. Tornou-se necessário, para isso, assegurar o direito da criança de zero a seis anos à
educação complementar a da própria família e dar voz a essa criança, a reconhecendo como
produtora de cultura.
Em 2001, na Revista Brasileira de Educação, Eloísa A. C. Rocha apresentou, então, as
bases para a construção de uma Pedagogia da Educação Infantil. Para a pesquisadora, a
especificidade da prática educativa das instituições de educação infantil não era
contemplada pelo conhecimento pedagógico existente, além disso, fundamentou essa
constatação explicando que
Não é novo falar de uma “didática pré-escolar”. O próprio aparecimento da pré-escola no Brasil se deu sob as bases da herança dos precursores europeus que inauguraram uma tradição na forma de pensar e apresentar proposições para a educação da criança nos “jardins de infância”, diferenciadas das proposições dos modelos escolares. O modelo minuciosamente proposto por Froebel orientou muitas das experiências pioneiras no Brasil [...]. Modelos como o de Montessori e Decroly também integram grande parte das práticas que proliferaram entre nós com o aparecimento das pré-escolas, nos âmbitos públicos e privados, mesmo já na década de sessenta. Esses modelos, porém, influenciados por uma Psicologia do Desenvolvimento, marcaram uma intervenção pautada na padronização. Neste sentido, não se diferenciaram da escola tradicional ao constituírem práticas de homogeneização. Apesar de suscitarem a busca de uma pedagogia para a criança pré-escolar, mantiveram as mesmas intenções disciplinadoras das práticas escolares, com vista ao enquadramento social, através de práticas e atividades que se propunham como mais adequadas à pouca idade das crianças (ROCHA, 2001, p. 27-28).
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A partir dessa tradição, a nova disciplina, ainda em construção de acordo com Rocha
(Ibid.), fundamentou-se na produção científica mais atual de múltiplas áreas do
conhecimento científico, o que trouxe contextos e influências teóricas antes não colocadas,
e que produziram mudanças no fazer e pensar a educação da criança de zero a seis anos.
Desse modo, a direção de investigação da Pedagogia da Educação Infantil veio
definindo-se pelo “contexto das relações educacionais-pedagógicas42 e não pela análise de
cada um dos fatores determinantes da educação da criança, de forma isolada” (p. 29). Como
exemplo dessa definição, a autora explicou que no contexto de creche, em que o
desenvolvimento infantil é de interesse da Pedagogia, seria a partir do conhecimento
psicológico que o pedagogo observaria e analisaria criticamente a criança para pensar sua
intervenção pedagógica.
O objeto de estudo da Pedagogia da Educação infantil foi, então, definido por Rocha
(2001) como a “educação da criança de zero a seis anos em instituições de educação e
cuidado” (p. 31). Para delimitar mais explicitamente os contornos desse conceito, a
pesquisadora buscou diferenciar a função social de creches e pré-escolas da escola
tradicional e mostrou que
Em particular na sociedade brasileira atual, estas funções apresentam, em termos de organização do sistema educacional e da legislação, contornos bem definidos. Enquanto a escola se coloca como o espaço privilegiado para o domínio dos conhecimentos básicos, as instituições de educação infantil se põem sobretudo com fins de complementaridade à educação da família. Portanto, enquanto a escola tem como sujeito o aluno, e como o objeto fundamental o ensino nas diferentes áreas, através da aula; a creche e a pré-escola têm como objeto as relações educativas travadas num espaço de convívio coletivo que tem como sujeito a criança de 0 a 6 anos de idade (ou até o momento em que entra na escola). A partir desta consideração, conseguimos estabelecer um marco diferenciador destas instituições educativas: escola, creche e pré-escola, a partir da função que lhes é atribuída no contexto social, sem estabelecer necessariamente com isto uma diferenciação hierárquica ou qualitativa (ROCHA, 2001, p. 31).
A partir dessa diferenciação, a dimensão dos conhecimentos produzidos nas
instituições de educação infantil relacionou-se aos processos de constituição da criança
manifestos em suas múltiplas linguagens (o afeto, a sexualidade, a socialização, o brincar, a
expressão, a linguagem, o movimento, a nutrição, a fantasia, o imaginário, dentre outras),
42
A expressão “educacionais – pedagógicas” tem sido utilizada “pela pesquisadora Maria Lúcia Machado para
explicitar as diferentes dimensões desta relação no plano político, institucional e pedagógico propriamente dito
(com caráter de intencionalidade definida, planejada e sistematizada da ação junto à criança)” (ROCHA, 2001,
p. 33).
P á g i n a | 215
ocorridas na relação entre crianças e entre adultos e crianças, no contexto social de creches
e pré-escolas.
Com isso, as intenções pedagógicas nas instituições de educação infantil
incorporaram novos parâmetros àqueles relacionados exclusivamente ao desenvolvimento
cognitivo da criança, como “o fortalecimento da relação com a família na gestão e no projeto
pedagógico, bem como a ênfase nos âmbitos de formação relacionados à expressão e às
artes” (ROCHA, 2001, p. 32), ou seja, na educação infantil as relações culturais, sociais e
familiares teriam maior importância no ato pedagógico.
Em 2005, Ana Lúcia Goulart de Faria apresentou uma reflexão sobre as tentativas de
articulação entre pesquisa, prática pedagógica e políticas educacionais que vinham
construindo a Pedagogia da Educação Infantil no Brasil.
No campo da produção científica, a autora mostrou que uma nova geração de
pesquisadores desafiou a pedagogia escolar como única estratégia para a prática educativa
nas instituições de educação infantil e buscou a construção de uma pedagogia que
contemplasse a especificidade da educação da criança pequena através da investigação de
outras categorias analíticas como:
[...] tempo, espaço, relações, gênero, classes sociais, arranjos familiares, transgressão, culturas infantis, brincar, documentação, identidades, planejamento por projeto, performance, diferente, outro, linguagens, movimento, gesto, criança, alteridade, turma, instalação, não-avaliação, observação, cuidado. Isso, em vez dos convencionais: deficiência, indisciplina, hiperativo, carente, família desestruturada, anamnese, rotina, assistência, aula, didática, classe, aluno, ensino, currículo, vir-a-ser, sala de aula, desenvolvimento (FARIA, 2005, p. 1018).
A partir dessas incursões do meio científico, novos instrumentos para a prática
pedagógica foram elaborados para educar esse sujeito em construção, produtor de cultura,
como: móveis específicos, brinquedos para as diferentes faixas etárias, “objetos próprios
para quem ainda não anda, por exemplo, literatura infantil sem letras, música, teatro, dança,
performance, instalações etc” (FARIA, 2005, p. 1020), que interferiram na prática pedagógica
de creches e pré-escolas do país.
Quanto à política para o atendimento da infância, a pesquisadora defendeu a
necessidade de integração entre diferentes secretarias e ministérios coordenados pelo
Ministério e secretarias da Educação para produzir políticas que assegurassem o
atendimento integral à infância no país não somente nas instituições escolares. O primeiro
P á g i n a | 216
passo para isso, segundo Faria (2005), seria interromper práticas que maquiam as
estatísticas e ofuscam as políticas para a educação infantil no país como:
a) transferir as crianças de 6 anos para o ensino fundamental - e, infelizmente, ainda por cima, não ter sequer a certeza de alcançar os 9 anos sob a responsabilidade do Estado, como prometido; b) as classes de alfabetização para as crianças de 6 anos pré-classificadas como incapazes; c) o Poder Judiciário determinando colocar a criança na creche, desrespeitando os critérios da fila de espera e considerando a instituição uma substituta materna e não um direito à educação - a determinação coloca-se assim como punição às mães, entendidas como impossibilitadas e desnaturadas (sic); e d) pena assistida para jovens infratores de trabalharem em creches, pois não são diplomados para exercer tal cargo (FARIA, 2005, p. 1029).
O debate sobre a influência das políticas públicas na prática social das instituições de
educação infantil foi analisado mais profundamente nos trabalhos publicados por
Rosemberg (2002), Rossetti-Ferreira, Ramon e Soares Silva (2002), Barreto (2003), Campos
(2003), Haddad (2006) e Campos e Campos (2009).
No início do século XXI, a política de integração das instituições de educação infantil
aos sistemas de ensino municipal, de acordo com essas pesquisadoras, sofreu importantes
influências internacionais, principalmente do FMI, Banco Mundial, Unesco, Unicef e Bird,
que sob uma lógica economicista incentivaram a expansão do número de estabelecimentos
de educação infantil, com baixo investimento financeiro do Estado e financiamento privado.
Isso ocorreu devido à priorização do ensino fundamental nas políticas educacionais do país
observadas até meados da primeira década deste século, o que também foi constatado
pelos pesquisadores da gestão educacional.
Haddad (2006), a partir da análise do documento “Educação e cuidado na primeira
infância: grandes desafios”, publicado pela Unesco, em 2002, propôs a construção de um
novo paradigma para as políticas e práticas das instituições de educação infantil no Brasil.
Nessa nova abordagem a educação da criança pequena se tornaria uma questão pública, no
âmbito dos direitos humanos. Para isso, seria necessária a construção de um novo modelo
de atendimento à infância; a pesquisadora sugeriu, então, as seguintes estratégias de
mudança:
• uma redefinição da relação entre público (Estado) e privado (família) nos assuntos relativos à infância; • o reconhecimento do direito da criança de ser cuidada e socializada em um contexto social mais amplo que o da família; • o reconhecimento do direito da família de dividir com a sociedade o cuidado e a educação da criança;
P á g i n a | 217
• o reconhecimento do cuidado infantil como uma tarefa profissional, que, juntamente com a educação num sentido mais amplo, constitui uma nova maneira de promover o desenvolvimento global da criança (HADDAD, 2006, p. 532).
A partir dessas perspectivas, o novo padrão de gestão da educação infantil seria o da
parceria entre as famílias e os profissionais de creches e pré-escolas, baseada no diálogo,
respeito e partilha de conhecimentos e tradições culturais, além da participação ativa e
sistemática de toda a comunidade educacional no processo de planejamento,
implementação e avaliação das propostas pedagógicas desses estabelecimentos.
Essas modificações na política de atenção à infância tornariam possível a criação da
rede de proteção social da criança, em que toda a comunidade e o Estado seriam
responsáveis pelas decisões quanto à educação da criança pequena (HADDAD, 2006).
Para Barreto (2003) e Haddad (2006) não seria possível democratizar o atendimento
em educação infantil, com qualidade, no país, sem um significativo aumento do
financiamento público. Desse modo, as pesquisadoras apresentaram alternativas para a
efetivação dessa proposta de atenção integral à infância e defenderam a contribuição dos
Ministérios do Trabalho, da Saúde e da Ação Social conjugada e coordenada pelo Ministério
da Educação para esse fim, reforçando, assim, a importância do financiamento público da
educação infantil no país.
A necessidade de avaliar a efetividade das políticas públicas direcionadas à educação
infantil para promover o seu aprimoramento foi demonstrada no artigo de Rossetti-Ferreira,
Ramon e Soares Silva (2002), que apresentaram um modelo de análise de políticas e
programas para a infância elaborado por Cochran e inspirado na teoria sistêmica de
Bronfenbrenner (1977 apud ROSSETTI-FERREIRA; RAMON; SOARES SILVA, 2002).
A partir dessas proposições, o pensamento científico em educação infantil no país
revelou que a organização das instituições de educação infantil encontra-se bastante
distante do proclamado nos documentos legais.
Além disso, mostrou que o padrão de funcionamento do ensino fundamental é
inadequado para creches e pré-escolas, apesar de ter sido imposto a essas instituições,
principalmente, após a integração aos sistemas de ensino. Essas instituições, em virtude da
especificidade da população atendida e de sua história de organização, exigem a construção
de uma lógica de funcionamento e gestão própria que poderia ser pensada a partir das
contribuições da Pedagogia da Educação Infantil. No entanto, os pesquisadores alertaram
P á g i n a | 218
para a grande lacuna existente entre as condições concretas de creches e pré-escolas
públicas e a oferta de um atendimento com qualidade social, visto que esse nível da
educação básica, além de precariamente organizado, ainda não foi democratizado no país.
Para essa difícil tarefa, os pesquisadores mostraram que o caminho a ser seguido
passava pelo reconhecimento da criança como sujeito de direitos e produtor de cultura, pelo
estabelecimento de uma relação de parceria com as famílias e comunidades dessas crianças
e pelo aumento do financiamento público. Desse modo, a construção de parâmetros de
qualidade para o atendimento nessas instituições instrumentalizaria a sociedade civil para
exigir do Estado melhorias nas condições de funcionamento nesse nível.
A direção dessas mudanças deveria, de acordo com os pesquisadores, garantir
condições mínimas de infraestrutura e saneamento, materiais pedagógicos adequados em
número e à especificidade da faixa etária das crianças atendidas, garantia que o número de
crianças por adultos propostos nos documentos legais fossem cumpridos, formação
específica inicial e em serviço para professores, diretores e coordenadores pedagógicos e
valorização dos profissionais da educação infantil por meio da garantia de condições dignas
de trabalho, melhores salários e planos de carreira.
Por último, faz-se importante destacar que as condições concretas das creches
comunitárias e conveniadas, que podiam receber investimento privado, foram as que se
encontravam em situação mais precária de funcionamento no país, segundo as constatações
dos pesquisadores da educação infantil, mostrando, com isso, que a parceria com o setor
privado não garantiu qualidade no atendimento nesses casos.
4.2.2 Processos e métodos de gestão no pensamento científico em educação
infantil
Os instrumentos para a concretização da gestão de creches e pré-escolas propostos
pelos pesquisadores da educação infantil puderam ser divididos nas seguintes unidades de
análise: formação dos funcionários docentes, práticas pedagógica e administrativa centradas
na constituição da criança, organização da estrutura e dos recursos materiais e avaliação
institucional.
P á g i n a | 219
A formação dos professores da educação infantil foi objeto de análise nos trabalhos
de Mello (1999), Kishimoto (1999), Vieira (1999), Mantovani e Perani (1999), Machado
(2000), Arce (2001a, 2001b), Kramer (2004), Kishimoto (2005), Oliveira, Soares Silva,
Cardoso, Augusto (2006), Scheibe (2007) e Zapelini (2009). Os artigos científicos publicados
no final da década de 1990 denunciaram as precárias condições de formação desses
profissionais e mostraram como a legislação educacional havia sido omissa nesse aspecto
(KISHIMOTO, 1999; VIEIRA, 1999).
Machado (2000), Kramer (2004), Kishimoto (2005) e Scheibe (2007) explicaram como
os cursos de Pedagogia e projetos de formação em serviço brasileiros não deram conta da
especificidade do trabalho pedagógico na educação infantil e, ainda, impuseram a lógica do
ensino fundamental a esses profissionais.
Além disso, Arce (2001a; b) concluiu que as políticas educacionais públicas
corroboraram para o processo de precarização do trabalho dos profissionais da educação
infantil por meio da promoção de cursos de formação caracterizados pelo aligeiramento e
pouco embasamento teórico. Desse modo, favoreceram a alienação desses profissionais e
desvalorização deles perante os professores dos demais níveis da educação básica.
A proposta defendida pelos pesquisadores da educação infantil para a formação de
seus profissionais docentes passou pela articulação entre formação inicial e continuada, de
modo que o educador pudesse conhecer a especificidade do trabalho pedagógico tanto
teoricamente quanto na prática. Kishimoto (2005) auxiliou nessa tarefa de reflexão,
apresentando o perfil do professor de educação infantil defendido pelo campo científico no
país:
Em síntese, o professor-pesquisador que assume a advocacia dos direitos da criança, que tem uma visão de criança ativa, que procura o seu bem-estar, que parte da cultura infantil para definir as práticas pedagógicas, que substitui a cultura individual pela cooperativa, que considera o isomorfismo nas práticas de construção de conhecimentos do adulto e da criança, que tem a unidade infantil como ponto de partida para a formação e que se torna reflexivo [...] (KISHIMOTO, 2005, p. 189).
A unidade de educação infantil foi entendida, então, como o local privilegiado para a
formação de seus educadores. Nela esperava-se que os profissionais pudessem refletir sobre
suas práticas e as ressignificar, construindo, assim, uma nova identidade docente, que
compreenderia o professor como produtor de cultura, assim como a criança (MELLO, 1999;
P á g i n a | 220
MANTOVANI; PERANI, 1999; KRAMER, 2004; OLIVEIRA; SOARES SILVA; CARDOSO; AUGUSTO,
2006; KRAMER, 2006; KRAMER; NUNES, 2007).
Para essa mudança na formação dos docentes da educação infantil, Zapelini (2009)
mostrou que era imprescindível a presença de um profissional constantemente na
instituição de educação infantil. Esse formador precisaria ter formação específica em
educação infantil e comprovada experiência pedagógica nesse nível para organizar os
processos de educação dos professores a partir da prática cotidiana, com isso, a
pesquisadora defendeu a presença e o trabalho do coordenador pedagógico em creches e
pré-escolas brasileiras.
Outra dimensão significativa para a gestão institucional de creches e pré-escolas
analisada pelos pesquisadores da educação infantil foram as práticas pedagógicas e
administrativas desenvolvidas em seu interior. Brandão e Selva (1999), Mello (1999), Cintra
da Silva (1999), Maranhão (2000), Kishimoto (2001), Arce (2002), Cerisara (2002), Goulart
(2006), Martins Filho (2008) e Abramowicz, Levcovitz e Rodrigues (2009) investigaram essa
prática social e mostraram como seria importante que o educador tivesse uma formação
sólida que o permitisse compreender a criança como um sujeito ativo em sua constituição.
O jogo, a brincadeira, o desenho, a fantasia, o movimento, a nutrição, o cuidado com
a saúde, a leitura ou o contar história, o envolvimento com a ecologia, o uso de tecnologias
da informação e comunicação e o trabalho por projetos foram as práticas pedagógicas mais
defendidas por esses pesquisadores, que mostraram, além disso, a importância da
organização dos espaços e tempos nas instituições de educação infantil de maneira a
oportunizar que essas atividades ocorressem com maior frequência e qualidade educacional.
Outro aspecto destacado foi a necessidade do maior envolvimento de famílias e comunidade
nas atividades pedagógicas e administrativas (elaboração da proposta pedagógica, do
regimento institucional e do controle social do financiamento).
Quanto à organização do trabalho nas unidades de educação infantil, Cardona (1999)
apresentou uma análise das variáveis espaço e tempo em pré-escolas públicas de Portugal e
concluiu que para promover a autonomia das crianças era necessário que a organização
dessas variáveis fossem pensadas a partir das necessidades das crianças de cada idade. A
pesquisadora explicou que
[...] para existir uma participação ativa das crianças, é fundamental a existência de uma estruturação espaço-temporal bem definida e explícita, que lhes permita um
P á g i n a | 221
funcionamento autônomo, dentro da sala de atividades. As atividades livres, para além do seu grande potencial educativo, podem ter um papel fundamental no estimular da participação das crianças, permitindo-lhes integrar-se gradualmente no trabalho da sala, conhecer os colegas, elaborar pequenos projetos em pequenos grupos que funcionam como mediadores, proporcionando o início da organização cooperativa do grupo. Mas, para isso, é necessário que o funcionamento deste tipo de atividades seja dinamizado, de uma forma verdadeiramente educativa (CARDONA, 1999, p. 77).
Na revista científica Educação e Pesquisa, em 2001, Kishimoto publicou os resultados
de uma extensa investigação sobre o uso de brinquedos e materiais pedagógicos em pré-
escolas na cidade de São Paulo. O estudo mostrou que a organização da rotina, a
infraestrutura e a disposição dos mobiliários e materiais educativos no interior das
instituições de educação infantil influenciavam adultos e crianças no modo como se sentiam,
pensavam e se relacionavam, “[...] definindo formas de socialização e apropriação da
cultura” (KISHIMOTO, 2001, p. 229).
Essa mesma investigação revelou que os recursos recebidos do município para a
compra de materiais pedagógicos e brinquedos eram bastante restritos, desse modo, os
profissionais das pré-escolas organizavam quermesses, festas e rifas para conseguir comprar
esses materiais. Ao mesmo tempo, a pesquisadora destacou que esses educadores
relataram que não tinham formação prévia para a seleção adequada e uso desses materiais
na prática educativa diária com as crianças.
Quanto à disponibilidade desses materiais nas instituições de educação infantil
Kishimoto (2001) elaborou o quadro a seguir, a partir das observações e filmagens realizadas
durante a investigação:
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QUADRO 2 – Disponibilidade de brinquedos e materiais pedagógicos nas pré-escolas do município de São Paulo no período entre 1996 e 1998
Fonte: Kishimoto (2001, p. 234).
Além disso, a pesquisadora revelou que em todas as salas de atividades havia um
quadro negro e que a porcentagem de utilização diária constatada foi em mais de 87% do
tempo. Assim, Kishimoto (2001) concluiu que nessas instituições as crianças eram
destituídas de autonomia, pois a principal função dessas unidades caracterizava-se pela
transmissão de conteúdos específicos previamente elaborados.
Os materiais mais utilizados pelos educadores eram os chamados educativos, com
significativa incidência de materiais gráficos. Nos ambientes externos eram mais usados os
materiais de educação física (bola, corda, bambolês, túnel, cestos). “Brinquedos que
estimulam o simbolismo e a socialização, como jogos de faz-de-conta, construção e
socialização, aparecem com percentuais insignificantes, apontando o pouco valor da
representação simbólica e do brincar” (KISHIMOTO, 2001, p. 229) nessas pré-escolas.
P á g i n a | 223
Nesse cenário, foi possível perceber como a organização da estrutura e dos recursos
materiais nas instituições de educação infantil analisadas era importante para a construção
de relações entre crianças e entre adultos e crianças na educação infantil.
A última unidade de análise relacionada aos processos de gestão dos
estabelecimentos de educação infantil, encontrada nos materiais produzidos pelos
pesquisadores desse nível da educação básica, configurou-se pela avaliação institucional.
Rosemberg (2001), em artigo publicado na Revista Brasileira de Educação, apresentou o
estudo de Spodek (1982), que mostrou como a prática social nas instituições de educação
infantil apoiava-se em três fundamentos: a intuição, os valores e o conhecimento científico.
A intuição, conforme Rosemberg (2001, p. 19), subsidiou grande parte das decisões
tomadas na educação infantil tanto no nível micro (relação educador e criança) quanto no
macro (como por exemplo, na delimitação de metas de cobertura feitas pelo Estado). Isso
ocorreu, de acordo com a pesquisadora, devido ao elevado número de pessoas que atuam
nesse campo e não possuem formação profissional específica inicial ou em serviço.
Os valores individuais e sociais direcionaram as experiências consideradas válidas e
adequadas no trabalho com as crianças. Foram os valores sociais que determinaram o que
era bom ou ruim, o desejável e o indesejável, para a construção de parâmetros na educação,
cuidado e socialização em creches e pré-escolas. Rosemberg (2001) complementou essa
conceituação afirmando que
Observa-se uma grande variação social e histórica quanto aos valores que devem reger a educação em qualquer etapa da vida. Esta variação é tanto mais intensa quanto menor a criança, pois, nas sociedades contemporâneas, a criança pequena é considerada um ser imensamente plástico (ROSEMBERG, 2001, p. 19).
O terceiro fundamento da prática social em creches e pré-escolas caracterizou-se
pelo conhecimento científico produzido pelos pesquisadores desse campo ou por áreas
correlatas à saúde, à psicologia, à sociologia, à antropologia, à história e, cada vez mais, à
economia. Esse conhecimento oferece uma interpretação da realidade que pode ser
provada e instrumentaliza os atores sociais para as discussões e embates sobre a direção das
políticas relativas à infância. Rosemberg (2001) defendeu que “[...] o conhecimento científico
quando assim conceituado constitui um instrumento auxiliar na formulação e avaliação de
políticas sociais” (p. 20-1).
P á g i n a | 224
A avaliação, segundo a pesquisadora, é uma estratégia de pesquisa social que tem o
objetivo não apenas de verificar se as metas propostas foram atingidas, mas também se “[...]
os objetivos propostos respondem às necessidades dos participantes diretamente
concernidos pela educação infantil: pais (especialmente as mães), profissionais e crianças”
(ROSEMBERG, 2011, p. 23).
Não obrigatoriamente as demandas desses atores sociais são coincidentes. A
necessidade das famílias em relação à instituição de educação infantil, por exemplo, pode
estar mais relacionada à demanda de prover a guarda da criança enquanto trabalham ou de
complementar a educação doméstica, nesse sentido, indicadores como horário de
funcionamento, dias letivos e horário de atendimento aos pais são importantes de serem
analisados. As crianças têm necessidade de acolhimento (educação e cuidado)
independentemente das demandas parentais, dessa forma, indicadores quanto à cobertura
do atendimento em educação infantil, número de crianças por adulto e qualidade de
atenção às necessidades físicas e emocionais são importantes de serem aferidas. Já os
profissionais da educação infantil têm necessidades de formação (prévia e continuada), de
condições de trabalho, de salários dignos e status profissional.
A partir dessas variáveis apontadas por Rosemberg (2001) as avaliações de custo-
benefício do atendimento em educação infantil tornam-se mais complicadas, assim, a autora
concluiu seu texto mostrando o papel da pesquisa científica nessa tarefa:
[...] se pretendo ampliar a cobertura respondendo a necessidades de proteção das crianças a um custo mínimo, poderei estar eliminando de meu programa as necessidades de acolhimento das crianças, de “guarda” dos pais/mães e laborais dos profissionais. Tal modelo permite que se explicitem opções para os atores sociais: por exemplo, quem arca com os custos (monetários ou não) e quem se beneficia com o provimento. Neste caso, a pesquisa estará, sim, desempenhando sua função pública: instrumentalizar os atores sociais para que negociem as prioridades (que são necessidades) com o máximo de conhecimento disponível (ROSEMBERG, 2001, p. 25).
Em meio a essas discussões quanto às estratégias de avaliação do atendimento das
instituições de educação infantil no Brasil, em 2006 nos Cadernos de Pesquisa, Lima e
Bhering publicaram um estudo de caso sobre um processo de avaliação institucional
realizado nas creches de Santa Catarina, região sul do país, que utilizou o instrumento Infant
P á g i n a | 225
and Toddlers Environment Rating Scale-Revised – Iters-R43 (Escala de Avaliação de Ambientes
Coletivos para Crianças de 0-30 meses). Este instrumento caracterizou-se pela avaliação de
sete categorias relacionadas à organização do trabalho em instituições de educação infantil
que deveriam ser analisas pelos profissionais que nelas atuavam. O quadro a seguir
apresenta as categorias e itens avaliados pela escala de Iters-R:
QUADRO 3 – Categorias e itens avaliados na escala de Iters-R
Fonte: Lima; Bhering (2006, p. 581).
43
A escala de Iters foi elaborada por Harms, Cryer, Clifford (2003), nos Estado Unidos, e foi testada e traduzida
para o português em um estudo piloto realizado por Bhering e Campos de Carvalho (2006). Esse instrumento
de avaliação foi utilizado, anteriormente, em contextos internacionais de educação infantil (Portugal e Itália)
por Aguiar, Bairrão, Barros (2002) e Ferrari (2003) e se mostrou adequado à análise da qualidade do
atendimento em instituições educação infantil de acordo com esses pesquisadores (LIMA; BHERING, 2006).
P á g i n a | 226
A partir deste estudo, Lima e Bhering (2006) defenderam que a avaliação
institucional dos estabelecimentos de educação infantil, mesmo que promovida por
instrumentos previamente estipulados, era um processo que precisava considerar a
dinâmica das relações das instituições. Resultados estatísticos representam apenas o retrato
de determinadas situações pontuais, assim, se o objetivo é fomentar o crescimento e
desenvolvimento de todos os envolvidos continuamente, a avaliação deveria ser encarada
como um diagnóstico para subsidiar intervenções que facilitassem o processo de mudança
institucional rumo à melhoria do atendimento oferecido.
Melhorar significou, de acordo com Lima e Bhering (Ibid.), buscar mais qualidade no
atendimento. Assim, a qualidade em educação infantil foi definida a partir de uma “[...]
natureza transacional, participativa, autorreflexiva, contextual e plural, transformadora [...]”,
visto que, a mudança institucional era entendida como um processo que visou “não a um
valor absoluto, pois cada contexto tem sua história e razões para desenvolver seu trabalho
de uma maneira única” (BONDIOLI, 2004 apud LIMA; BHERING, 2006, p. 18).
Com tudo isso, foi possível constatar que os pesquisadores da educação infantil
defendem uma formação inicial e continuada para os educadores baseada na reflexão sobre
a prática educativa de creches e pré-escolas. Mostraram, também, a importância da
organização da estrutura e dos recursos materiais dessas instituições para o
desenvolvimento da autonomia infantil e do sentimento de cooperação em seu interior. Por
último, defenderam a necessidade da avaliação institucional realizada com a participação de
crianças, pais e profissionais da educação para o aperfeiçoamento da qualidade do
atendimento nessas instituições.
4.2.3 Os atores sociais da educação infantil na perspectiva de seus
pesquisadores
A investigação sobre o perfil das crianças, famílias e professores da educação infantil
esteve mais próxima de pesquisas relacionadas aos padrões de vida e ao gênero dessa
população.
P á g i n a | 227
Em 2001, Kappel, Carvalho e Kramer publicaram uma extensa revisão bibliográfica
dos conceitos de educação infantil que focalizou os dados sobre a criança na Pesquisa sobre
Padrões de Vida efetivada pelo IBGE, entre 1996 e 1997. As pesquisadoras mostraram que
82,2% de creches e pré-escolas estavam localizadas nas cidades, sendo bastante restrito o
número de instituições de educação infantil nas zonas rurais do país.
No que diz respeito às famílias das crianças, as pesquisadoras comprovaram que:
[...] em 82,0% dos casos o pai mora no domicílio; em 96,6% dos casos, a mãe mora no domicílio. A partir do que os dados sugerem, são crianças que têm, portanto, família estruturada em torno de um chefe de família. Dos pais dessas crianças, 35,9% concluíram os quatro primeiros anos de escolaridade, sendo que 17,4% não têm escolaridade e 12,1% têm curso superior completo. Das mães, 36,3% concluíram os quatro primeiros anos, 14,5% não têm escolaridade e 10,3% têm curso superior completo. Pouco mais da metade (56,8%) das mães das crianças de 0 a 6 anos que frequentam estabelecimentos de educação trabalham (KAPPEL; CARVALHO; KRAMER, 2001, p. 40).
A pesquisa revelou que a principal razão apontada pelos pais para não matricular
seus filhos em creches e pré-escola era a inexistência dessas instituições perto de suas
residências. Desse modo, as pesquisadoras buscaram saber com quem ficavam, então, essas
crianças enquanto os pais trabalhavam e descobriram que 81,3% ficavam com a mãe, 6,6%
com os avós, 4,2% com os irmãos, 3,9% com outros parentes, 1,6% com a empregada
doméstica, 0,8% com o pai e 0,1% das crianças com até 6 anos ficavam sozinhas em casa
enquanto os pais trabalhavam, em 1996 isso significava 10 mil crianças aproximadamente. O
estudo mostrou, ainda, que 12 mil crianças do nordeste e sudeste do país também ficavam
sozinhas em casa no contraturno em que não eram atendidas pelas instituições de educação
infantil, o que demonstrou a real demanda das famílias brasileiras por instituições de
educação infantil com atendimento em período integral, principalmente as mais pobres
(KAPPEL; CARVALHO; KRAMER, 2001).
Outro aspecto percebido foi que entre as crianças matriculadas, com idades de 4 a 6
anos, havia 15,5% a mais da cor branca do que de crianças pretas e pardas, demonstrando
que havia um fator de discriminação aí presente, de acordo com as pesquisadoras já que, na
população brasileira, a proporção de pretos e pardos é um pouco superior do que a de
brancos.
Além disso, duas condições foram determinantes para o aumento de matrículas das
crianças em creches e pré-escolas: os elevados níveis de renda per capta da família e a maior
P á g i n a | 228
escolarização dos pais, ou seja, quanto mais ricos e escolarizados os membros da família
maior era a probabilidade das crianças menores de seis anos estarem frequentando uma
instituição de educação infantil. Kappel, Carvalho e Kramer (2001) lançaram uma reflexão
sobre essas condições e lembraram:
Vale refletir aqui sobre o seguinte aspecto: mais do que determinar ou predizer o grau de escolaridade futuro, a frequência à creche ou pré-escola e a escolaridade mais alta é que resultam de um conjunto de fatores de ordem socioeconômica, cultural e familiar. Assim, é o contexto em que estão inseridas as crianças e seus condicionantes que favorecem começar antes e estudar até mais tarde, ou seja, ter acesso à educação infantil e a níveis de escolaridade mais elevados (KAPPEL; CARVALHO; KRAMER, p. 44-5).
Também foi investigado o que as crianças faziam no período em que não estavam
nas instituições de educação infantil e constatou-se que 95% delas brincavam, 79,5% viam
televisão, 48,9% estudavam, 4,2% faziam esportes e 2,3% frequentavam outros cursos, o
que foi avaliado como positivo para o desenvolvimento da criança e a constituição de sua
subjetividade, de acordo com as pesquisadoras. Infelizmente a pesquisa não avaliou o que
faziam as crianças que não estavam matriculadas na educação infantil, mas alertou que 0,5%
das crianças com cinco e seis anos relataram que trabalhavam, principalmente em atividades
agropecuárias, e sem remuneração para isso; esse dado poderia indicar que as crianças que
não estavam matriculadas na educação infantil seriam vítimas da exploração do trabalho
infantil, de acordo com as investigadoras (KAPPEL; CARVALHO; KRAMER, 2001).
Kappel, Carvalho e Kramer (2001) concluíram, com essa análise, que seriam
necessárias mais pesquisas para conhecer o que pensam e como vivem as crianças e famílias
usuárias da educação infantil no Brasil e chamaram a atenção para o vazio de conhecimento
em relação às crianças que nem chegam a frequentar creches e pré-escolas. Para construir
um atendimento com qualidade social na educação infantil é imprescindível que se conheça
mais sobre esses atores sociais.
Em 2003, a revista científica Pro-Posições publicou um dossiê de pesquisas sobre
gênero (Pro-Posições, v.14, n. 3(42) – set/dez 2003). Maria José Figueiredo Ávila Wada,
Daniela Finco e Elizabete Franco Cruz publicaram artigos com resultados de investigações de
gênero relacionadas às professoras, monitoras e crianças da educação infantil.
Wada (2003) pesquisou a concepção educativa e a relação entre professoras e
monitoras de uma creche pública de Campinas, interior de São Paulo, e observou que havia
diferenças significativas entre essas profissionais. As professoras tinham formação no curso
P á g i n a | 229
de magistério, em nível médio, ou na graduação em Pedagogia, ao passo que para as
monitoras a formação exigida era em ensino fundamental. A jornada de trabalho diário das
professoras era de 4 horas, já a das monitoras eram de 7 horas e 12 minutos. Quanto à
questão salarial, as monitoras recebiam menos do que as professoras e não tinham plano de
carreira como as docentes.
Essas condições, de acordo com Wada (2003), influenciavam o status com que essas
profissionais eram percebidas na creche. As professoras eram mais respeitadas e
reconhecidas por tratarem das questões relacionadas ao pedagógico, ao ensino e
aprendizagem. Já as monitoras eram menos prestigiadas perante o grupo de profissionais da
unidade e eram reconhecidas por lidarem com as questões relacionadas aos cuidados físico,
higiênicos e alimentares. Essa situação demonstrava a cisão entre as práticas de educação e
cuidado existente nessa instituição de educação infantil.
Um dado interessante apresentado por Wada (2001), fundamentada nos estudos de
Saparolli (1997), foi que apesar da existência de homens trabalhando como educadores
nessa instituição, o que é bastante raro no Brasil, a concepção quanto à forma de educar a
criança era semelhante a das mulheres. A pesquisadora concluiu seu estudo, então,
explicando que existe uma relação entre a condição feminina e a capacidade de educar e
entender a infância que ainda foi pouco investigada pela Pedagogia.
Cruz (2003) investigou as concepções sobre sexualidade infantil em supervisores,
diretores, funcionários não docentes, professores e pais de instituições de educação infantil
e percebeu que esse tema constituía-se em um problema, pois eles percebiam as
manifestações da sexualidade nas crianças e não sabiam como lidar com isso. As estratégias
de enfrentamento da sexualidade infantil citadas foram “[...] negação, repressão,
preconceitos, violação da intimidade e programas ou cursos para a formação dos adultos,
principalmente de educadoras” (CRUZ, 2003, p. 115), mas, quase sempre, a perspectiva
assumida nessas estratégias era uma concepção “adultocêntrica” da sexualidade infantil.
Assim, a pesquisadora demonstrou a importância de se incluir na formação dos profissionais
da educação infantil a educação sexual.
Finco (2003) também percebeu essa visão “adultocêntica” da sexualidade infantil ao
investigar as relações de gênero nas brincadeiras entre meninos e meninas de uma
instituição de educação infantil pública. A pesquisadora mostrou que a criança pequena não
reconhecia que havia brinquedos “certos” para meninos e meninas e que ambos se
P á g i n a | 230
revezavam nas brincadeiras sem demonstrar menosprezo por atividades que imitavam o
papel da mulher ou do homem na sociedade. Finco (2003) defendeu que a função do
professor era importante para se construir uma relação não hierárquica e de respeito entre
os gêneros e, com isso, explicou que a instituição de educação infantil contribuía para a
construção da identidade de gênero. Assim como Wada (2003) e Cruz (2003), Finco (2003)
mostrou a necessidade de incluir o estudo de gênero na formação dos educadores de
creches e pré-escolas.
A formação inicial e em serviço dos funcionários não docentes (secretaria, cozinha,
limpeza e manutenção) das instituições públicas de educação infantil foi observada no
trabalho de Kramer e Nunes (2007) como sendo bastante restrita e não se caracterizou
como preocupação para a maior parte dos gestores (em nível municipal e estadual em 54
municípios do Rio de Janeiro). Nessa pesquisa, as autoras caracterizaram os profissionais que
atuam em creche e pré-escola da seguinte maneira:
[...] O percurso trilhado permitiu conhecer uma situação em que a precariedade, a falta de condições materiais e humanas, o despreparo e o improviso convivem com a dedicação, o idealismo e o compromisso profissional. A ausência de políticas e de recursos financeiros foi constatada lado a lado com a busca de alternativas locais propostas por profissionais que têm se dedicado à educação infantil e à gestão durante várias décadas (KRAMER; NUNES, 2007, p. 451).
Nessa linha de raciocínio, foi possível concluir que pouco se conhece sobre os atores
sociais que fazem, no chão das creches e pré-escolas, a educação infantil no país. O que os
pesquisadores revelaram foram indícios de que esse contexto, apesar de precário, conta
com sujeitos que lutam para melhorar a realidade dessas instituições. Conforme Campos,
Füllgraf e Wiggers (2006) já mostraram, a realidade das instituições de educação infantil
públicas encontra-se distante dos avanços conquistados no campo legal e científico.
CAPÍTULO 5
GESTÃO DEMOCRÁTICA EM CRECHES E PRÉ-ESCOLAS NO BRASIL:
um conhecimento inconcluso
Se perguntarmos a uma criança pequena o que ela acha que quer dizer a palavra “gestão”, provavelmente ela nos dirá que gestão quer dizer “gesto grande”. E provavelmente os adultos que escutarem isso vão rir dela. Mas pensando bem, a gestão tem a ver exatamente com isso: com os gestos grandes que somos capazes de fazer.
Sonia Kramer e Maria Fernanda Nunes (2007)
P á g i n a | 232
esta seção do trabalho, apresento uma síntese do pensamento em gestão
das instituições de educação infantil, encontrado nos documentos oficiais
publicados pelo Ministério da Educação e em artigos científicos
reconhecidamente relevantes à área educacional no país, caracterizando, destarte, as lógicas
administrativas presentes nesse contexto, na primeira década do século XXI. Além disso,
utilizo os referenciais da teoria histórico-crítica e da sociologia das organizações escolares
para demonstrar os posicionamentos assumidos por esta investigação diante dos resultados
encontrados.
A organização, desta parte, configurou-se a partir das categorias analíticas
“materialidade da prática social em gestão de instituições educativas”, “procedimentos e
métodos em gestão” e “atores sociais envolvidos na gestão”, que auxiliaram no alinhamento
da rede de significados que emergiu dos materiais analisados.
Assim, evidencio como a gestão democrática ainda se configura como uma teoria
inconclusa para a prática social em creches e pré-escolas brasileiras e sinalizo aspectos da
gestão institucional que necessitam de maior investigação para contribuir com o processo de
elaboração desse pensamento.
5.1 A materialidade da prática social em gestão institucional na educação
infantil
Neste tópico são apresentados os princípios filosóficos, pedagógicos, políticos e
administrativos presentes na legislação e na pesquisa educacional brasileira, que orientam o
contexto de organização do atendimento em creches e pré-escolas.
A instituição de educação infantil manifesta em seu contexto de organização as
marcas de uma história social e cultural calcada no assistencialismo e na preparação da
infância para a escolarização posterior. Com a integração dessa instituição aos sistemas de
ensino, a precariedade das condições materiais (infraestrutura e recursos materiais) e de
formação dos seus educadores, tornou-a mais permeável ao padrão de gestão gerencial
proposto pelo Estado, após a reforma da administração pública, na década de 1990
(MACHADO, 2005).
N
P á g i n a | 233
Nesse sentido, a função social dos estabelecimentos de educação infantil, de acordo
com o pensamento legal, configurou-se em oferecer atendimento educacional às crianças
com até seis anos de idade, com a finalidade de promover o seu desenvolvimento integral,
preparo para o exercício da cidadania e inserção na vida social, de maneira complementar a
ação da família e comunidade (LDBEN, 1996, artigos 2º, 22 e 29).
Para o pensamento científico, o objetivo principal do trabalho em creches e pré-
escolas se caracterizou por propiciar relações educativas, em um espaço de convivência
coletiva, cujas dimensões dos conhecimentos produzidos relacionam-se ao processo de
constituição da criança. Portanto, o trabalho da instituição de educação infantil passou pela
compreensão da criança como produtora de cultura, manifesta em suas múltiplas
linguagens, cuja prática pedagógica contribuiria para a emancipação social das crianças, de
suas famílias e comunidade educacional (ROCHA, 2001; FARIA, 2005).
Com isso, observou-se que a compreensão dos pesquisadores ampliou os princípios
legais, ao inserir a função emancipatória para a comunidade educativa nas instituições de
educação infantil. A partir desse ponto de vista, a gestão desses estabelecimentos teria o
objetivo de criar as condições necessárias para que as relações educativas se dessem em um
ambiente democrático e de cooperação, que envolvesse educadores (professores,
coordenador pedagógico, diretor e funcionários não docentes), crianças, famílias e
comunidade (ROSEMBERG, 2002; ROSSETTI-FERREIRA, RAMON; SOARES SILVA, 2002;
BARRETO, 2003; CAMPOS, 2003; HADDAD, 2006; CAMPOS; CAMPOS, 2009).
Para a abordagem histórico-crítica, a função social das instituições educativas é
compreendida como a de mediação entre os elementos culturais produzidos historicamente
pela humanidade e os atores sociais nela inseridos, de modo a possibilitar a formação de
cidadãos ativos no processo de “desenvolvimento e transformação das relações sociais”
(SAVIANI, 2008, p. 143).
Nesse contexto, a partir do pensamento científico em educação foi possível concluir
que as creches e pré-escolas brasileiras não se configuram como um espaço de emancipação
social para as crianças e suas famílias até o século XXI devido, principalmente, às condições
concretas de funcionamento dessas instituições e à lógica gerencial de gestão imposta pelo
Estado.
Quanto à organização das atividades em creches e pré-escolas, na concepção
histórico-crítica, esta se caracteriza em atividades-fins, relativas aos objetivos dessas
P á g i n a | 234
instituições, e em atividades-meio, relativas aos procedimentos de gestão. Essas últimas
devem possibilitar a concretização das primeiras e, por isso, não podem prejudicar o
encaminhamento das práticas pedagógicas (SAVIANI, 1995).
Isso significa, na prática, que as atividades administrativas da creche e da pré-escola
(planejamento, organização do ambiente e materiais, formação dos educadores,
atendimento aos pais e comunidade e avaliação formativa) deveriam objetivar a
concretização de uma educação que valorizasse a centralidade da criança em seu processo
de constituição. Portanto, faz-se necessário que os educadores tenham um período
específico para a realização dessas atividades, que não podem ser elaboradas
concomitantemente com as atividades construídas com as crianças, como ocorre em grande
parte das creches do país atualmente.
Os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (1998) e as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (1999; 2009) apresentaram a perspectiva
oficial da prática pedagógica em educação infantil. Destaca-se que esses documentos
apresentam perspectivas diferentes, sendo a das Diretrizes Nacionais a mais aceita pelos
pesquisadores desse campo. Nesse documento foram valorizadas atividades de cuidado e
educação que deveriam respeitar os princípios de autonomia, responsabilidade,
solidariedade, respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas,
identidades e singularidades (princípios éticos), reverenciar os direitos da cidadania, do
exercício da criticidade e da ordem democrática (princípios políticos) e respeitar a
sensibilidade, a criatividade, a ludicidade e a liberdade de expressão (princípios estéticos)
(BRASIL, 2009d, art. 6º); princípios muito próximos ao defendidos pelo pensamento em
gestão democrática.
Para os pensadores da educação infantil, na perspectiva da Pedagogia de Educação
Infantil, a prática pedagógica deveria superar os conteúdos exclusivamente direcionados ao
desenvolvimento cognitivo, como ocorre em grande parte das orientações dos RCNEI (1998),
mostrando que apesar dos princípios anunciados nos documentos oficiais se aproximarem
de uma prática mais democrática, as orientações práticas distanciam-se desses objetivos.
Nesse sentido, os pesquisadores da educação infantil defenderam que o mais adequado
para a lógica democrática seria o fortalecimento das relações com as famílias das crianças e
a ênfase nos eixos de formação mais relacionados à arte e à expressão, com o intuito de
P á g i n a | 235
proporcionar uma educação integral a essa criança, valorizando sua cultura e linguagens
(ROCHA, 2001; CERISARA, 2002).
Mello (1999), fundamentada na abordagem histórico-cultural, defendeu, também,
que a prática pedagógica em creches e pré-escolas deveria propiciar experiências sociais que
desafiassem as crianças, de maneira a fazê-las avançar no conhecimento sobre o mundo.
Aos educadores recaiu, então, a responsabilidade de propiciar às crianças experiências
interessantes e prazerosas, levando em conta o conhecimento prévio delas e o seu potencial
de crescimento (zona de desenvolvimento proximal).
Para uma prática pedagógica emancipatória o educador torna-se o mediador entre a
criança e o conhecimento já construído socialmente, de modo a conduzi-la à compreensão
das relações existes, para que, então, possa transformá-las.
Constatou-se, com isso, que o pensamento em educação infantil valoriza a prática
pedagógica centrada na constituição da criança, considerando inadequadas práticas de
escolarização precoce. Desse modo, a formação específica dos educadores (considerando
que eles também são produtores de cultura) e a maior parceria com as famílias usuárias
foram elementos significativos para a construção de uma prática educacional mais próxima
da democrática (KISHIMOTO, 1999; 2005; KRAMER, 2004).
Nessa perspectiva, Canário (1996) defendeu que toda instituição educativa tem um
processo coletivo de aprendizagem caracterizado pela
[...] valorização do estabelecimento de ensino como “meio de vida social” relativiza a importância do “modo escolar” e evidência a existência de efeitos importantes, que não decorrem de uma intencionalidade educativa, associados ao funcionamento global da organização (PLAISANCE; VERGNAUD, 1993, p. 111). [...] Esta visão do estabelecimento de ensino como um contexto “globalmente formativo” para o conjunto dos seus “habitantes” abre, ainda, a possibilidade de, através de estudos empíricos, superar teoricamente a dissociação, tendencial, entre a educação das crianças e a educação dos adultos. Os processos de formação de adultos (professores) e crianças (alunos) aparecem referidos, no caso do estabelecimento de ensino, a um mesmo espaço organizacional, a um mesmo tempo (aprendizagens por interação recíproca), aos mesmos princípios (a andragogia integra a pedagogia) (CANÁRIO, 1996, p. 143).
O espaço de creches e pré-escolas, nessa perspectiva, seria composto por práticas
pedagógicas e administrativas que conduziriam à aprendizagem e produção cultural de
todos os atores sociais.
Quanto ao padrão de gestão proposto às instituições educacionais brasileiras nos
documentos legais, este se caracterizou pelo aumento da autonomia institucional,
P á g i n a | 236
diminuição dos níveis hierárquicos, estímulo à responsabilização e ao controle social nos
processos de gestão pedagógica, administrativa e financeira, por meio dos conselhos
escolares, associação de pais e professores e parcerias público-privadas (BRASIL, 1996; 2001;
2007), o que caracterizou a lógica gerencial presente nesses documentos.
Além disso, na legislação específica em educação infantil, foram destacados, ainda, a
observação da centralidade do desenvolvimento integral da criança no processo de
construção coletiva da proposta pedagógica institucional, a criação de canais de
comunicação mais efetivos com as famílias e comunidade, a organização da infraestrutura e
dos recursos materiais, de modo a atender a proposta pedagógica institucional e a avaliação
das atividades educacionais e administrativas, com o objetivo de melhorar continuamente o
atendimento em creches e pré-escolas (BRASIL, 1998; 2006a; 2006b; 2009d). Observou-se,
destarte, que o país produziu um normativo que considerou a especificidade do
atendimento em educação infantil.
Acrescenta-se que o padrão de gestão expresso na legislação educacional
desenvolveu-se a partir da abordagem sistêmica, que se configurou através da definição do
papel dos órgãos estatais relacionados à promoção da regulação (estabelecimento dos
objetivos), coordenação e avaliação dos resultados propostos nas políticas educacionais. Às
instituições educativas restou a autonomia relativa de se organizarem internamente para
atingirem às metas de atendimento e qualidade propostas pelo Ministério e Secretarias
Municipais de Educação.
Os pesquisadores da gestão da educação argumentaram que o padrão de
administração gerencial para a educação foi assumido pelo Brasil em acordos internacionais
(Declaração Mundial de Educação para Todos, 1990; Declaração do Milênio, 2000 e Marco
de Ação de Dacar, 2000). Portanto, tal padrão desconsiderou o contexto concreto de
organização das instituições educativas brasileiras que, desde a década de 1980, vinham
construindo uma lógica de gestão mais próxima da democrática e, ainda, restringiu direitos
sociais conquistados na Constituição de 1988, promovendo a desresponsabilização do
Estado com a educação pública de qualidade no país (KRAWCZYK, 1999; ROSAR, 1999; ZIBAS,
1999; PARO, 2002; Bueno, 2004; HORTALE; MORA, 2004; ANDRADE OLIVEIRA, 2005;
ANTUNES, 2005; KRAWCZYK; VIERA, 2006; MARTINS, 2007; CURY, 2009).
As principais consequências da imposição do padrão gerencial de gestão às
instituições educativas públicas, de acordo com os pesquisadores da educação, foram: a
P á g i n a | 237
despolitização dos profissionais da educação, o incentivo à pedagogia por projetos, à cultura
de eficiência e demonstração de resultados individuais, a meritocracia, a precarização do
trabalho dos educadores (salas superlotadas, falta de recursos materiais, aumento de
atividades burocráticas sem pagamento para isso), a responsabilização unilateral dos
professores pela qualidade da educação, as parcerias público-privadas, a responsabilização
social pela educação, a transformação da educação em mercadoria e a utilização do discurso
científico e dos movimentos sociais em defesa da educação pública pelo Estado para
justificar políticas educacionais anteriormente assumidas em acordos internacionais
(PORTELA OLIVEIRA, 1999; SOUZA; CARDOSO, 2001; AGUIAR, 2002; KRAWCZYK, 2005;
ARELARO,2005; DOURADO, 2007; MARTINS, 2007; KRAWCZYK, 2008; ZIBAS, 2008; PERONI;
CESTARI DE OLIVEIRA; FERNANDES, 2009; ADRIÃO; GARCIA; BORGHI; ARELARO, 2009).
Observou-se, com isso, a oposição da comunidade científica em relação à gestão
gerencial pois, como Paro (2002) mostrou, essa lógica não conduziria à prática educacional
emancipatória, mas sim à dominação da população mais carente pela camada hegemônica
da sociedade.
Destaca-se, também, que nas pesquisas em gestão da educação as discussões
enfatizaram mais as políticas educacionais (nível macro) do que as relações no interior das
instituições escolares (nível meso). De outro modo, os pesquisadores da educação infantil
ofereceram maior contribuição ao pensamento em gestão institucional, pois publicaram
mais resultados de pesquisas realizadas no interior de creches e pré-escolas (estudos
etnográficos principalmente), possibilitando demonstrar a especificidade do trabalho
pedagógico desse nível da educação básica.
A gestão democrática, defendida tanto pelos pesquisadores da gestão educacional
como pelos da educação infantil, caracterizou-se por uma lógica que valorizou o
financiamento público da educação, a participação de toda comunidade escolar nos
processos de gestão (nos níveis nacional, estadual, municipal e local), o controle social do
financiamento da educação (transparência), a democratização da matrícula em todos os
níveis da educação pública (principalmente em creches), a garantia de permanência e
progressão dos estudantes nos sistemas de ensino, a criação de parâmetros mínimos de
qualidade no atendimento educacional (infraestrutura, recursos materiais e formação dos
professores) que deveriam ser garantidos pelo Estado e o fortalecimento institucional,
através do aumento da autonomia da unidade educativa.
P á g i n a | 238
A presença das lógicas gerencial e democrática na prática social dos
estabelecimentos educativos do Brasil caracterizou um padrão de gestão escolar, percebido
pelos pesquisadores da gestão educacional como híbrido, visto que as exigências de
funcionamento impostas pelo Estado, através das formas de financiamento, coexistem com
as práticas mais democráticas dos educadores como o apoio mútuo, a colaboração em
atividades coletivas, a participação das famílias usuárias e comunidades nas atividades
administrativas e pedagógicas da instituição (conselhos escolares), dentre outros. Mendonça
(2001) alertou, no entanto, que ainda é significativa a existência de práticas patrimonialistas
no interior das instituições educacionais públicas do país, apesar dos sistemas de ensino
declararem em suas documentações oficiais praticarem a gestão democrática.
De acordo com a abordagem da sociologia das organizações escolares, as reformas
educacionais da década de 1990 produziram o fenômeno da “autonomia decretada” nas
instituições educacionais, o que parece explicar o que ocorreu com a gestão das unidades
educativas brasileiras.
Barroso (1996, p. 170), a partir do contexto educacional português, defendeu a
necessidade de desconstruir a “autonomia decretada”, para isso, mostrou que era preciso
tornar claro nas instituições educativas como a autonomia é proposta na legislação
educacional e confrontá-la com as estruturas concretas desses estabelecimentos para
verificar as contradições de sua aplicação prática. Depois disso, tornava-se possível
reconstruir a autonomia institucional através de um processo de reconhecimento das formas
de autonomia emergentes em seu funcionamento. Nesse sentido, o pesquisador revelou
que a gestão escolar tem dimensões políticas, administrativas e pedagógicas que precisam
ser compreendidas pelos atores sociais dessas instituições para a elaboração de um projeto
pedagógico institucional que fortaleça a autonomia construída desses estabelecimentos
educativos. Barroso (Ibid.) definiu:
Esta autonomia construída corresponde ao jogo de dependências e de interdependências que os membros de uma organização estabelecem entre si e com o meio envolvente e que permitem estruturar a sua ação organizada em função de objetivos colectivos próprios. [...] Nesse sentido, a “autonomia da escola” resulta, sempre, da confluência de várias lógicas e interesses (políticos, gestionários, profissionais e pedagógicos) que é preciso saber articular, através de uma abordagem que podemos designar de “caleidoscópica”. [...] A autonomia, neste caso, é o resultado do equilíbrio de forças, numa determinada escola, entre diferentes detentores de influência (externa e interna), dos quais se destacam: o governo e os seus representantes, os professores, os alunos, os pais e outros membros da sociedade local (BARROSO, 1996, p. 185 – 6).
P á g i n a | 239
Nessa mesma perspectiva, KRAWCZYK (1999, p. 147) defendeu que os
estabelecimentos de educação pública brasileiros não são autossuficientes para promover
uma educação democrática, nesse sentido, cabe à gestão escolar construir uma ponte entre
as concepções políticas, pedagógicas e administrativas para mobilizar os atores sociais que
fazem a educação para participarem dos conselhos escolares, conselho municipal de
educação, fóruns nacional de educação, discutirem suas necessidades e exigirem o
envolvimento da sociedade civil e do Estado com uma educação pública com qualidade
social.
5.2 Processos e métodos em gestão das instituições de educação infantil
Neste tópico são apresentados os conteúdos instrumentais que se caracterizam pela
ação da mediação e objetivam concretizar a função social de instituições de educação
infantil, de acordo com os documentos legais e pensadores da educação no Brasil.
Nos documentos publicados pelo Ministério da Educação sobre gestão da educação,
analisados nesta pesquisa, os instrumentos apontados para a gestão escolar foram:
1) A valorização do professor através da formação em serviço, melhoria das
condições de trabalho, criação de planos de carreira e salários condizentes com
as atribuições e nível de formação;
2) O investimento no uso das tecnologias da informação e comunicação para
aperfeiçoar a prática pedagógica com as crianças e, também, aprimorar a
comunicação com a comunidade escolar, com a secretaria municipal de
educação e o MEC;
3) Compreensão do cidadão como um cliente, que paga seus impostos e tem direito
de receber serviços (educação) de qualidade;
4) A possibilidade de participação das famílias usuárias e da comunidade nos
conselhos escolares (responsabilização social);
5) Incentivo às parcerias público-privadas para melhorar a qualidade da educação
oferecida e aumentar a cobertura de matrículas;
6) Valorização da diversidade e da inclusão na instituição escolar;
P á g i n a | 240
7) Utilização de pesquisas diagnósticas e dados estatísticos para planejar as ações
da instituição;
8) Responsabilização legal do diretor institucional pela qualidade do atendimento
oferecido no estabelecimento educacional;
9) Promoção da avaliação institucional utilizando, para isso, os indicadores de
qualidade propostos pelos órgãos estatais.
Nos documentos oficiais específicos para a educação infantil analisados, além desses
procedimentos, foram propostos também:
1) A construção de um clima institucional acolhedor e estimulante em que toda a
comunidade escolar possa aprender a aprender;
2) Os funcionários não docentes também contribuem para a educação das crianças
pequenas;
3) A organização do tempo e espaço institucional conforme as necessidades e
especificidades das crianças em cada faixa etária;
4) A promoção do planejamento de estratégias para a comunicação entre a
comunidade interna e externa das creches e pré-escolas;
5) O estímulo à construção coletiva da proposta pedagógica institucional, levando
em conta a centralidade da criança nas atividades educativas;
6) Os procedimentos de organização do cotidiano de creches e pré-escolas como:
número de crianças por adulto, formas de agrupamento das crianças,
planejamento do calendário escolar, flexibilização dos horários de saída e entrada
das crianças, estratégias de acolhimento da criança no período de adaptação,
preparação para a passagem para o ensino fundamental, dentre outros, foram
apresentados no documento “Parâmetros Nacionais de Qualidade para a
Educação Infantil” (2006);
7) O estabelecimento de maior aproximação entre as instituições de educação
infantil, pois isso pode contribuir para o fortalecimento da autonomia
institucional;
8) A realização da avaliação institucional, com a participação de toda a comunidade
educacional, com o objetivo de promover a melhoria contínua do atendimento
nos estabelecimentos de educação infantil. Para essa tarefa o MEC elaborou o
P á g i n a | 241
documento “Indicadores de Qualidade na Educação Infantil” (2009) para orientar
a prática de avaliação institucional.
A partir desses procedimentos de gestão escolar observou-se que tanto nos
documentos sobre gestão da educação como nos relativos à educação infantil há coerência
na lógica administrativa (gerencial). No entanto, observou-se que nos documentos relativos
à educação infantil há maior aproximação em relação ao contexto de organização da
instituição (nível meso). Com isso, constatou-se que a legislação educacional reconhece a
especificidade do trabalho educativo das instituições de educação infantil em uma
perspectiva gerencial.
Em relação aos procedimentos para a gestão escolar propostos nos artigos
científicos publicados pelos pesquisadores da gestão educacional foram encontrados:
1) A gestão colegiada da escola (PARO, 2002; 2009);
2) A necessidade do fortalecimento institucional e aumento da sua autonomia
(ROSSI, 1999; MARTINS, 2003a; BARROSO, 2003);
3) O estímulo à participação das famílias e ao controle social do financiamento da
educação (transparência) (ALONSO, 2001; BROOKE, 2006);
4) A instituição da responsabilização social, por meio de procedimentos de
accountability (AFONSO, 2001; 2003; LIAN DE SOUSA; PORTELA DE OLIVEIRA,
2003);
5) A valorização do professor, com a formação inicial e em serviço vinculada às
universidades públicas (MARIN et al., 2000; TANURI, 2000; TUMOLO, 2001;
VIANNA, 2001; ANDRADE OLIVEIRA, 2004; 2005; AGUIAR; MELO, 2005; TRIPP,
2005; MONCEAU, 2005; FERREIRA, 2006);
6) A investigação de estratégias para que as tecnologias da informação e
comunicação possam auxiliar nos processos de gestão da instituição escolar
(TOSCHI; RODRIGUES, 2003);
7) A atenção às incoerências de uma prática administrativa democrática em um
contexto de solicitações estatal de lógica gerencial (padrão de financiamento,
metas de aprendizagem e qualidade estabelecidas externamente à escola,
desconsideração das demandas das famílias usuárias na participação nos
conselhos escolares, a indicação política de diretores e coordenadores
pedagógicos, o uso dos sistemas de ensino apostilados, a imposição da lógica
P á g i n a | 242
empresarial nas escolas públicas com as parcerias público-privadas, o uso de
diagnósticos e estatísticas para cercear as liberdades individuais, dentre outros)
(CARVALHO, 2000; LINDBLAD, 2001; MARTINS, 2001; MARTINS, 2003b;
KRAWCZYK, 2005; ARELARO, 2007; DOURADO, 2007; ADRIÃO, 2008; PERONI,
CESTARI DE OLIVEIRA; FERNANDES, 2009).
Os pesquisadores da educação infantil apresentaram um posicionamento
diferenciado em relação a alguns procedimentos propostos pelos pesquisadores da gestão
educacional, desse modo, são expressos os procedimentos defendidos por esses
investigadores:
1) A necessidade da figura do diretor, para a gestão de creches e pré-escolas, com a
finalidade de organizar e estimular os processos de participação e gestão
democrática (KRAMER; NUNES, 2007);
2) A formação do professor deve contemplar a especificidade da educação infantil,
para isso, tanto a formação inicial quanto a continuada devem partir da reflexão
crítica do contexto concreto de creches e pré-escolas (MACHADO, 2000; KRAMER,
2004; KISHIMOTO, 2005; SCHEIBE, 2007);
3) A figura do coordenador pedagógico, com experiência prévia na prática educativa
em educação infantil e formação específica sólida, é importante para a melhoria
da qualidade do atendimento oferecido em creches e pré-escolas (ZAPELINI,
2009);
4) A organização da infraestrutura e dos recursos materiais nas instituições de
educação infantil interfere no relacionamento entre crianças e entre adultos e
crianças, dessa forma, é imprescindível que essa organização seja elaborada de
modo a promover a autonomia infantil (KISHIMOTO, 2001);
5) Aspectos relacionados ao gênero e sexualidade infantil interferem nas relações
construídas no interior das instituições de educação infantil (CRUZ, 2003; FINCO,
2003; WADA, 2003);
6) A necessidade de conhecer as demandas das famílias e comunidade para,
somente depois, conquistar uma parceria franca com esses atores sociais nos
processos de gestão pedagógica, administrativa e financeira da instituição
(CAMPOS; FÜLGRAF; WIGGERS, 2006);
P á g i n a | 243
7) A proposta pedagógica e o regimento institucional devem ser construídos com a
participação de toda a comunidade educativa, levando em conta a centralidade
do processo de constituição da criança, sua ação ativa na produção cultural
(linguagens) e os seus direitos como cidadã (ROCHA, 2001; CAMPOS, 2003; FARIA,
2005);
8) A avaliação institucional, com a participação de toda a comunidade educativa, é
importante para a melhoria do atendimento em educação infantil (ROSEMBERG,
2001; LIMA; BHERING, 2006);
9) A autonomia de creches e pré-escolas pode ser conseguida através do
fortalecimento institucional e da parceria com outras instituições desse nível da
educação básica e outros órgãos que atendem a criança como secretarias de
saúde, ação social, Conselho Tutelar e o Poder Público (HADDAD, 2006);
10) A utilização do conhecimento científico em educação infantil contribui para
instrumentalizar os atores sociais das instituições educativas no diálogo e debate
quanto às direções a serem seguidas no fazer das políticas públicas de
atendimento à infância (ROSEMBERG, 2001);
11) A criança, como sujeito de direito e produtora de cultura, deve ser considerada o
centro de todas as ações pedagógicas, administrativas e financeiras da instituição
de educação infantil (ROCHA, 2001; FARIA, 2005; HADDAD, 2006);
12) Os indicadores de qualidade para o atendimento em educação infantil são
importantes para instrumentalizar a sociedade civil, com o objetivo de exigir do
Estado a melhoria das condições concretas de infraestrutura, recursos materiais e
formação dos professores de creches e pré-escolas (CRUZ, 2001; CORRÊA, 2003;
CAMPOS; FÜLGRAF; WIGGERS, 2006).
A partir desses procedimentos propostos pelos pesquisadores educacionais para a
gestão institucional, foi possível concluir que o pensamento científico em educação infantil
trouxe contribuições para o pensamento em gestão institucional democrática. De modo
semelhante ao o que ocorreu com os documentos legais em gestão educacional, as
pesquisas em gestão da educação privilegiaram a análise das políticas públicas (nível macro)
e se aproximaram pouco do contexto interno de organização das instituições educacionais.
Já as pesquisas em educação infantil apresentaram a especificidade do trabalho educativo
em uma perspectiva mais democrática.
P á g i n a | 244
O pensamento apresentado pelos pesquisadores em educação infantil esteve mais
próximo do contexto de organização do trabalho de creches e pré-escolas e, também, das
políticas educacionais específicas para esse nível da educação básica, o que demonstrou
como o envolvimento dos pesquisadores educacionais com órgãos estatais (MEC) trouxe
contribuições para as políticas públicas. Por outro lado, como esses mesmos pesquisadores
constataram, a realidade da maior parte das instituições de educação infantil do Brasil
encontra-se em condições bastante diferentes dessas propostas pelos pesquisadores e
políticas públicas.
Será necessário maior investimento financeiro do Estado para mudar essa situação e
o envolvimento da sociedade civil no sentido de exigir a melhoria do atendimento em
educação infantil financiado pelo Estado (ROSEMBERG, 2001; BARRETO, 2003; HADDAD,
2006).
Barroso (1999) propôs que a gestão democrática no interior das instituições
educativas poderia começar pela construção do seu projeto educacional. O pesquisador
alertou que se a elaboração do projeto pedagógico for transformado em “obrigação” para as
escolas, o mesmo torna-se instrumento dos órgãos do Estado (secretarias municipais de
educação e MEC) para controlar a organização do trabalho nas escolas. De outra maneira, o
projeto educacional poderia servir para aumentar “[...] a autonomia institucional, a sua
democracia interna e a construção de um bem-comum local (BARROSO, 1999, s.p.). O
próprio processo de construção coletiva do projeto pedagógico tornaria mais claro os
problemas da instituição e, quando a comunidade pensa sobre as possíveis soluções,
envolve-se mais com o fazer administrativo da instituição educativa.
Esse processo de planejamento e construção coletiva do projeto educacional poderia
trazer os seguintes benefícios para esses estabelecimentos, de acordo com Barroso (1999):
1) Aumentar a visibilidade da unidade de ensino – ao expressar os seus objetivos
educacionais e seus procedimentos de trabalho a instituição educativa reforça sua
identidade perante a comunidade;
2) Recuperar uma nova legitimidade para a escola pública – a intervenção dos
estudantes, das famílias e da comunidade no processo de elaboração do projeto educacional
da instituição gera um sentimento de pertença desses atores sociais que contribui para a
integração deste equipamento social na comunidade;
P á g i n a | 245
3) Participar na definição de uma política educativa local – o projeto educacional da
instituição educativa pode definir as contribuições da instituição para a comunidade no
sentido da valorização cultural e formação de outros membros da comunidade, que não
somente a população regularmente matriculada;
4) Globalizar a ação educativa – na medida em que o projeto educacional abrange
todas as dimensões da instituição educativa (pedagógica, administrativa e financeira) pode
facilitar a interdisciplinaridade e, também, a relação da instituição com os demais órgãos de
gestão (Secretaria Municipal de Educação, Conselho Municipal de Educação, MEC);
5) Racionalizar a gestão de recursos – o planejamento elaborado durante a
construção do projeto pedagógico implica na definição de prioridades, quantificação de
custos e a busca da otimização dos resultados;
6) Mobilizar e federar esforços – o projeto educacional permite explicitar as
diferenças e demandas da comunidade educativa. Com a construção de metas comuns, há
um aumento da autonomia e força da instituição frente aos órgãos estatais no sentido de
atenderem às suas demandas;
7) Passar do “eu” para o “nós” – o projeto educativo permite integrar projetos
individuais, e do grupo, em projetos coletivos.
A construção coletiva da proposta pedagógica institucional, centrada na criança
como sujeito de direito e produtora de cultura, configura-se em um importante instrumento
para a gestão de creches e pré-escolas no sentido que colaborar para relações mais
democráticas entre diretor, coordenadores pedagógicos, professores, funcionários não
docentes, criança, família e comunidade promovendo, assim, o fortalecimento da autonomia
institucional e a emancipação de todos esses atores sociais.
5.3 Atores sociais envolvidos na gestão de instituições da educação infantil
Neste estudo a criança, sua família e comunidade, os professores, os coordenadores
pedagógicos, o diretor e os funcionários não docentes (cozinha, secretaria, limpeza e
manutenção) foram os atores sociais citados, tanto nos documentos legais como nos textos
científicos, como participantes da gestão institucional na educação infantil.
P á g i n a | 246
Desde a Constituição Federal de 1988 a criança foi definida, nos documentos legais,
como cidadã, isto é, um sujeito de direitos. Em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente
legislou sobre os direitos fundamentais da criança no Brasil e, no capítulo IV, “Do Direito à
Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer”, o atendimento em creches e pré-escolas,
próximas às suas residências, foi promulgado como direito de toda criança desde seu
nascimento até os seis anos de idade. Mais tarde, em 1996, a LDBEN definiu que o
atendimento nessas instituições corresponderia ao primeiro nível da educação básica e, a
partir de então, a legislação educacional passou a regular a organização desse atendimento.
Nos documentos legais analisados a criança foi compreendida como um sujeito
histórico, produtora de cultura, ativa na construção de seu conhecimento sobre o mundo e
com direito à educação de qualidade desde o seu nascimento para complementar a ação de
sua família e comunidade (BRASIL, 1998; 1999; 2006a, 2009d). O pensamento científico em
educação infantil corroborou para a construção desse conceito nos documentos oficiais
publicados pelo MEC (PRADO, 1999; ROCHA, 1999; FARIA, 1999; KUHLMANN JÚNIOR, 2000;
FARIA, 2005; CAMPOS; FÜLGRAF; WIGGERS, 2006; MÜLLER, 2006; MARTINS FILHO, 2008).
Kappel, Carvalho e Kramer (2001) apresentaram o único estudo que buscou
desvendar quem eram essas crianças que frequentavam a educação infantil no Brasil. As
pesquisadoras revelaram que o acesso a esse nível da educação básica, principalmente em
creches, ainda não foi democratizado. Mais de 80% das crianças atendidas viviam na zona
urbana e muitas ficavam em casa sozinhas no período em que não eram acolhidas pelas
instituições de educação infantil.
O estudo evidenciou, também, que quando não estavam na creche ou pré-escola as
principais atividades praticadas pelos pequenos eram: brincadeiras, assistir televisão,
praticar esportes e estudar. No entanto, foi constatado que um número significativo de
crianças trabalhava com seus pais (em atividades relacionadas à agropecuária
principalmente), sinalizando, de acordo com as investigadoras, que muitas crianças que não
frequentavam a educação infantil poderiam ser vítimas de trabalho infantil. Finalmente, o
estudo mostrou que a maior parte das crianças matriculadas na educação infantil do país é
da cor branca, cujos pais pertencem aos níveis socioeconômicos mais elevados e, também,
têm maiores níveis de escolaridade, mostrando, assim, como as crianças da camada mais
pobre da população tinha um acesso restrito à educação infantil.
P á g i n a | 247
Em 2010, 18% das crianças com até três anos e 80% das com idades entre quatro e
cinco anos eram atendidas em creches e pré-escolas brasileiras, segundo os dados da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD. A tendência de expansão desse
atendimento foi anunciada no Plano Nacional de Educação (2001) e, no ano de 2009,
confirmada com a aprovação da Emenda Constitucional 59/09, que instituiu a
obrigatoriedade da educação básica para crianças e jovens com idades entre quatro e
dezessete anos até 2016. No entanto, como foi possível constatar pelos números, o Estado
tem negligenciado o atendimento em educação infantil, principalmente nas creches, quando
menos de 20% da população tem acesso a esse atendimento.
Em relação às famílias e comunidades usuárias dos equipamentos de creches e pré-
escolas, não foram encontrados dados nos documentos oficiais e nem nas pesquisas
científicas analisadas, sobre quem é essa população, como se organiza ou quais as suas
demandas acerca da educação infantil.
Os pesquisadores da educação infantil reconheceram a necessidade de maior
investigação sobre essa população. Alertaram, também, para a perspectiva preconceituosa
observada em algumas creches e pré-escolas em relação às famílias chefiadas por mães
solteiras ou pais desempregados, mostrando, assim, que o ideal de família – pai provedor e
mãe em casa cuidando dos filhos – ainda estava presente no imaginário de muitos dos
profissionais da educação, comprovando a insuficiência da formação desses educadores
(CRUZ, 2001; CORRÊA, 2003; CAMPOS; FÜLGRAF; WIGGERS, 2006).
Quanto aos professores da educação infantil, a legislação educacional os descreveu
como profissional polivalente, com formação em curso Normal, de nível médio, ou com
graduação de Pedagogia (BRASIL, 1996; 1998; 1999).
Em 2005, o MEC lançou o Pró-Infantil, um curso de ensino médio à distância que
objetivou a formação dos profissionais que atuavam na educação infantil e não tinham a
formação mínima exigida pela LDBEN (1996), reconhecendo, com isso, a existência de
educadores sem formação adequada para atuar, principalmente em creches, até o primeiro
lustro deste século.
Quanto à remuneração e reconhecimento profissional, foi somente em 2008, com a
promulgação da lei do Piso Salarial, que os profissionais da educação infantil tiveram o
direito ao plano de carreira e equiparação salarial com a dos professores dos demais níveis
da educação básica.
P á g i n a | 248
Os pesquisadores da educação infantil mostraram que a formação dos professores
desse campo no Brasil configurou-se como um problema grave, haja visto que mesmo os
professores com escolarização em curso Normal ou Pedagogia não tiveram formação
específica para o trabalho na educação infantil, principalmente com as crianças de até três
anos, que ficam em período integral nas creches. Esses pesquisadores defenderam que a
formação, tanto inicial como continuada, deveria privilegiar a reflexão sobre o contexto
cotidiano de creches e pré-escolas. Além disso, mostraram a necessidade de horário
remunerado a esses professores, para atividades de planejamento, formação e avaliação
institucional, que deveriam ser coordenadas por profissionais com experiência e formação
específica em educação infantil (coordenadores pedagógicos) (MELLO, 1999; KISHIMOTO,
1999; VIEIRA, 1999; MANTOVANI; PERONI, 1999; MACHADO, 2000, BARRETO, 2003;
KRAMER, 2004; KISHIMOTO, 2005; HADDAD, 2006; OLIVEIRA; SOARES SILVA; CARDOSO,
AUGUSTO, 2006; SCHEIBE, 2007; ZAPELINI, 2009).
Pela via da crítica às políticas educacionais, os pesquisadores em gestão da educação
denunciaram como a reforma educacional da década de 1990 promoveu a
desprofissionalização e proletarização dos professores das escolas públicas do país. De
acordo com esses pensadores, a Nova Gestão Pública responsabilizou o professor pela
qualidade da educação e, ainda, cerceou sua prática pedagógica emancipatória, por meio de
instrumentos de coerção, que apelaram para o autogerenciamento, meritocracia,
responsabilização unilateral pelo trabalho escolar, profissionalismo independentemente das
condições materiais e estruturais (“criatividade”), aumento de atividades burocráticas
relacionadas aos processos de gestão das instituições educativas, sem que para isso fossem
pagas as horas extras trabalhadas, e achatamento salarial, o que fez com que os docentes da
educação básica tivessem salários menores do que outros funcionários públicos com mesmo
nível de formação. Esse contexto gerou a despolitização dos professores e fez com que eles
perdessem força de organização para exigirem melhores condições de trabalho, agravando
ainda mais as condições existentes (FRACALANZA, 1999; TUMOLO, 2001; VIANNA, 2001;
ANDRADE OLIVEIRA, 2004; 2005; FERREIRA DE OLIVEIRA; FONSECA; TOSCHI, 2005; REZENDE
PINTO, 2005; VELLOSO, 2000; VELLOSO; MARQUES, 2005; DUARTE, 2005; WERLE, 2005;
ESTEVES, 2007; ADRIÃO; PERONI,2007; MARTINS, 2007; GARCIA; ANADON, 2009).
Quanto aos funcionários não docentes de creches e pré-escolas, não foram
encontrados estudos específicos acerca deles. Tanto na legislação como no pensamento
P á g i n a | 249
científico foi expressa a importância desses profissionais participarem dos processos de
gestão das instituições de educação infantil, visto que também contribuem com a educação
das crianças atendidas nas referidas unidades.
Kramer e Nunes (2007), em um estudo sobre o trabalho de diretores e
coordenadores pedagógicos, constataram que a formação dos funcionários não docentes
das instituições de educação infantil era bastante precária, e isso precisaria mudar caso
pretenda-se construir uma gestão democrática que conduza à emancipação social de toda a
comunidade escolar nessas instituições.
Em 2007, o MEC lançou um curso técnico de formação para os funcionários da
educação, o “Pró-Funcionário”. Esse curso foi organizado em módulos específicos (formação
pedagógica, técnico em gestão escolar, técnico em multimeios didáticos, técnico em
alimentação escolar, técnico em infraestrutura escolar), que foram realizados nos Institutos
Federais de Educação Técnica (CEFETs). Não existem estudos sobre a qualidade deste curso
e nem de sua amplitude de cobertura para os profissionais atuantes na educação infantil.
Com isso, constatou-se que há necessidade de se investigar mais profundamente a
identidade desses funcionários que compõem a prática administrativa e pedagógica das
instituições de creches e pré-escolas do país.
O último ator social, que participa dos processos de gestão de creches e pré-escolas,
tratado neste trabalho, é o diretor. Nos documentos oficiais sobre a gestão da educação o
diretor foi caracterizado como um gerente, uma liderança na instituição, que deveria ter
competências técnicas e políticas para promover um ambiente de participação e
responsabilização social, que buscasse a melhoria dos índices de aprendizagem e qualidade
do atendimento nas instituições educativas públicas (BRASIL, 2001; 2007).
Nos documentos oficiais específicos da educação infantil, o diretor foi apresentado
como o responsável por construir um clima democrático e pluralista na instituição,
incentivando e acolhendo a participação de todos os atores sociais que compõem creches e
pré-escolas. Configurou-se como sua responsabilidade aglutinar educadores, famílias e
comunidade na tarefa de construção coletiva do projeto institucional e, além disso, coube a
ele a tarefa de operacionalização e zelo pelo cumprimento das propostas construídas
coletivamente (BRASIL, 1998, 2002, 2006a, 2006b).
No documento “Parâmetros de Qualidade na Educação Infantil” (2006) foram
caracterizadas, pormenorizadamente, as funções do diretor que, de maneira resumida,
P á g i n a | 250
foram: colocar a criança como foco principal de suas ações, garantir a formação constante
de todos os profissionais da instituição (docentes e não docentes), cuidar pela qualidade da
prática pedagógica, agir com transparência em suas decisões, planejar e formalizar a
comunicação interna e externa da instituição e propiciar que a participação dos atores
sociais no conselho escolar ocorra de maneira efetivamente representativa.
Quanto à formação exigida para o diretor de creches e pré-escolas, de acordo com a
LDBEN (1996), configurou-se como curso de Pedagogia ou pós-graduação em educação. Em
1999, a resolução 01/09 do Conselho Nacional de Educação e do MEC exigiu, além disso,
experiência em docência de no mínimo dois anos. Nos “Parâmetros de Qualidade na
Educação Infantil” (2006) houve referência, também, à permanente dedicação desse
profissional com a sua formação, especialmente, em cursos específicos para o trabalho em
educação infantil.
Com tudo isso, observou-se a responsabilização unilateral do diretor pela qualidade
do atendimento e nível de educação oferecida pelas instituições educacionais públicas. O
Estado legitimou a prática desse ator social, podendo ela ser mais centralizadora ou
democrática, dependendo da formação, experiência e personalidade desse profissional.
Assim, na perspectiva gerencial, o diretor é o responsável pelos resultados da educação e, na
perspectiva democrática, defendida pelos pesquisadores da educação infantil, ele é o
incentivador das relações democráticas na instituição.
No pensamento científico em gestão da educação houve crítica à característica
gerencial desse educador, proposta nos documentos legais, visto que esses pesquisadores
propuseram uma atuação política do diretor em defesa da escola pública. Os estudos desse
campo mostraram que a descentralização da gestão afastou o diretor das atribuições
pedagógicas ao sobrecarregá-lo com atividades burocráticas exigidas pelo Estado,
distanciando, assim, esse profissional de uma prática emancipatória junto aos demais atores
sociais da instituição educativa (CAVALIERE; COELHO, 2003).
Nesse sentido, Kramer e Nunes (2007), em estudo sobre o perfil dos diretores de
creches e pré-escolas, constataram as condições precárias de trabalho desses profissionais,
caracterizadas pela falta de estrutura física (sala de atendimento), recursos materiais
(computador e materiais de escritório) e pessoal de apoio. Denunciaram, também, que
observaram, nos casos de indicação política para o provimento do cargo de diretor, práticas
de direção mais centralizadoras e propensas à interferência de pessoas não relacionadas ao
P á g i n a | 251
meio educacional (principalmente políticos – vereadores e prefeito) nas decisões relativas ao
cotidiano de creches e pré-escolas.
Quanto à forma de provimento do cargo de diretor, a eleição configurou-se como o
mecanismo mais utilizado nos municípios do Brasil (53%), no entanto, a indicação política
ainda foi muito presente (44%) (MENDONÇA, 2001). Os pesquisadores da gestão da
educação explicaram que o procedimento de “eleição” aumentou a legitimidade dos
diretores perante a comunidade escolar e promoveu maior participação nos processos de
gestão institucional (KRAWCZYK; VIERA, 2006).
Ao mesmo tempo, constataram que os índices de aprendizagem dos estudantes,
avaliados em provas promovidas pelo MEC, não foram significativamente diferentes nas
instituições que tinham diretores eleitos ou indicados politicamente. Com isso, Krawczyk e
Viera (2006) constataram que as relações construídas por esses diretores, após sua
nomeação, configuram-se como mais significativas para a melhoria do atendimento da
instituição educacional do que a forma de ingresso no cargo.
Outra perspectiva de governo das instituições escolares, proposta no pensamento
em gestão educacional, configurou-se pela administração colegiada e o uso de assembleias
periódicas com a participação de toda a comunidade escolar (PARO, 2002; 2009; DAL RI;
VIEITEZ, 2009). No entanto, parece que esse padrão foi encontrado apenas em contextos
específicos, em que uma mesma doutrina social era compartilhada entre todos os membros
da comunidade.
A perspectiva mais observada pelos pesquisadores educacionais nas creches, pré-
escolas e escolas do país caracterizou-se por um padrão de gestão em que o diretor é o
incentivador dos processos gestionários; as decisões pedagógicas, administrativas e
financeiras são tomadas nos Conselhos Escolares, que contam com maior participação dos
profissionais da educação do que das famílias e comunidade. Esse distanciamento das
famílias e comunidade foi interpretado pelos pesquisadores como provocado pelo
desconhecimento dessas instituições em relação à cultura, modo de organização e
demandas em relação à educação desses atores sociais (CAVALIERE; COELHO, 2003;
KRAWCZYK; VIERA, 2006; KRAMER; NUNES, 2007).
Nesse contexto de debates, o pensamento científico em gestão educacional
defendeu, então, que os diretores necessitavam de formação política e técnica para conduzir
uma gestão democrática, que promovesse a participação dos atores sociais da instituição e,
P á g i n a | 252
também, a sua emancipação social (ROSAR, 1999; MENDONÇA, 2001; KRAWCZYK; VIERA,
2006).
Lima (2003), ao investigar o modo de organização do trabalho em escolas, explicou
que o diretor, em geral, é o primeiro ator social da instituição que toma conhecimento da
mensagem formal do Estado (legislação educacional) e a ele cabe um primeiro nível de
interpretação dessa normatização.
Posteriormente, essa mensagem oficial sofre outras interpretações ao longo das
redes de comunicação no interior da instituição educacional até ser implementada na
prática. Nesse sentido, o autor defendeu que “a escola não será apenas um lócus de
reprodução, mas também um lócus de produção, admitindo-se que possa constituir-se
também como instância (auto)organizada para a produção de regras (não-formais e
informais)” (LIMA, 2003, p. 63 – 4).
A ação dos atores sociais na instituição educacional caracteriza-se por um fenômeno
que Lima (Ibid.) denominou de infidelidade normativa, isto é, no ambiente educacional os
atores sociais são fiéis aos objetivos, interesses e estratégias que acreditam serem os mais
adequados à prática educativa. Com isso, mesmo com as imposições do Estado quanto à
organização das instituições públicas, não se deve acreditar que ocorra a reprodução fiel
desse normativismo. Lima (2003) descreveu a ação desses personagens sociais da seguinte
maneira:
[...] o actor é o elemento central – aquele que, mesmo nas situações mais extremas, conserva sempre um mínimo de liberdade que utilizará para bater o sistema. Insistindo em que cada actor é um “agente livre”, que em qualquer situação ele disporá sempre de uma certa margem de escolha, [...] dando forma a um actor que toca os limites da omnipotência, surgindo relativamente desligado da política [...] (LIMA, 2003, p. 67 – 8).
Desse modo, Lima (2003) comprovou a importância dos atores sociais para a prática
da gestão institucional, visto que é no cotidiano de relações entre esses personagens que a
educação se materializa.
A partir dessas constatações observou-se que, tanto nos documentos legais como
nos textos científicos ainda é pequeno o conhecimento sobre os atores sociais da educação
infantil, principalmente em relação às famílias, comunidades e funcionários não docentes.
Empreender estudos nesse campo configura-se como uma necessidade para a ampliação do
P á g i n a | 253
conhecimento acerca dos processos de gestão institucional e construção de uma gestão
efetivamente democrática no dia-a-dia de creches e pré-escolas brasileiras.
Em síntese, foi possível concluir que o padrão de gestão institucional de creches e
pré-escolas, após sua integração aos sistemas de ensino, assemelhou-se ao dos demais
níveis da educação básica. Isso significou a imposição da lógica gerencial pelo Estado e a
defesa de educadores e pesquisadores por uma lógica democrática, que conduziria à
emancipação social.
Como resultado, na primeira década do século XXI, observou-se que o pensamento e
a prática social em gestão dessas instituições foram marcados pelo hibridismo
administrativo e pela tentativa de se afirmar a especificidade do trabalho em educação
infantil, a partir da perspectiva da Pedagogia da Infância. Esse contexto pode ser percebido,
especialmente a partir de 2005, quando a Política Nacional para a Educação Infantil foi
promulgada, depois de grande envolvimento dos pesquisadores da educação infantil, da
Undime e do Consed em sua elaboração.
Com tudo isso, constatou-se que a teoria para a gestão democrática das instituições
de educação infantil ainda se encontra inconclusa no contexto social brasileiro. Nesse
sentido, para a construção desse referencial, este estudo defende a necessidade de maior
investigação das relações de poder no interior de creches e pré-escolas e, também, de se
desvendar quem são e quais as reais demandas de crianças, famílias, comunidades e
educadores para o estabelecimento de práticas de gestão efetivamente emancipatórias.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sou leal ao sonho. Minha ação tem sido coerente com ele. Exigente com a ética, considero que ela tem a ver com a coerência com que se vive no mundo, coerência entre o que se diz e o que se faz. [...] Considero que a crítica, quando feita de maneira ética e competente, faz que as nossas ações se aprofundem ou se reorientem. Aprendemos com elas.
Paulo Freire (1991)
P á g i n a | 255
sta pesquisa teve início com a angústia gerada pela percepção de que havia
uma inadequação na organização do trabalho educativo de creches e pré-
escolas públicas brasileiras para o exercício da gestão democrática,
promotora da cultura infantil e da emancipação social de seus atores.
Na tentativa de verificar a possibilidade de ensaiar uma teoria para a gestão dessas
instituições, que contemplasse a perspectiva democrática defendida, empreendi uma
revisão do pensamento legal e científico em administração escolar e educação infantil,
publicado no período de 1999 até 2009.
A relevância desta investigação justifica-se a partir da necessidade de produzirem-se
conhecimentos específicos para o trabalho em educação infantil, que possam subsidiar a
formação de educadores/professores envolvidos com a gestão dessas instituições. Buscou,
também, contribuir para o pensamento teórico em gestão escolar, visto que há mais de dez
anos as instituições de educação infantil foram integradas aos sistemas de ensino municipal
e, ainda, configura-se como bastante restrita a produção científica que relaciona os campos
da gestão institucional e da educação infantil na pesquisa em educação brasileira.
As abordagens teóricas que direcionaram os movimentos empreendidos, nesta
investigação, foram a pedagogia histórico-crítica e a sociologia das organizações escolares,
pois corroboram com a perspectiva defendida do trabalho educacional para a emancipação
social.
No primeiro capítulo, realizei uma revisão histórica dos percursos dos pensamentos
em gestão escolar e educação infantil no contexto brasileiro. A partir desse exercício,
constatei a existência de quatro fases que caracterizaram as lógicas mais marcantes desses
dois campos do conhecimento educacional, a saber: 1) a gestão de enfoque jurídico e a
instalação das primeiras instituições de atendimento à infância desvalida; 2) a organização
da educação pública e o primeiro encontro das instituições de atendimento à infância com a
lógica da organização escolar; 3) a gestão sistêmica e os primeiros estudos sobre o
desenvolvimento infantil dos pesquisadores da educação no Brasil e 4) a gestão democrática
e a compreensão da criança como sujeito de direitos.
Dessa maneira, observei que, desde o período colonial, a educação infantil foi
organizada a partir de uma perspectiva legalista, de lógica dedutiva, em que a legislação era
um ideal a ser seguido, mas nem sempre concretizado. Outro aspecto relevante constatado
foi que, já nessa fase, a população usuária desses estabelecimentos, estava afastada da
E
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organização desse atendimento, pensado a partir das perspectivas hegemônicas presentes
no país.
No início do século XX, o processo de organização da educação pública aproximou os
pensamentos da gestão escolar e da educação infantil, em virtude da participação dos
educadores, defensores dos princípios da Escola Nova, exaltarem a importância das escolas
maternais e pré-escolas para a democratização da educação no país.
A partir de meados do século passado, constatei que se intensificaram as influências
internacionais nos ideários brasileiros da gestão escolar e da educação infantil, dessa
maneira, as concepções sistêmica e desenvolvimentista configuraram os encaminhamentos,
do Estado e educadores, em relação à organização e expansão das unidades de educação
infantil.
Com a redemocratização política, na década de 1980, ganharam força no cenário
nacional concepções que exaltaram a gestão democrática e a educação infantil como direito
de toda criança desde o seu nascimento, que foram reconhecidas politicamente, a partir da
promulgação da Constituição Federal de 1988.
Quase uma década depois, em meados dos anos de 1990, em decorrência do cenário
de crise econômica que o país enfrentava, o governo federal legitimou o “Plano de Reforma
da Administração Pública” (1995), responsabilizando a gestão burocrática pelos percalços do
Estado e, introduzindo a Nova Gestão Pública, de lógica gerencial, como estratégia para a
administração das instituições públicas.
A partir desse contexto, o embate entre as lógicas gerencial e democrática instalou-
se nas discussões quanto ao pensamento em gestão escolar. Ao mesmo tempo, a
preocupação sobre a desconsideração da especificidade do trabalho pedagógico em
educação infantil, com a integração dessas instituições aos sistemas de ensino municipais,
dominou as produções em educação infantil.
Foi nesse cenário de reformulação do pensamento em gestão escolar e educação
infantil que se inseriu esta pesquisa. A compreensão das ideias e práticas que emergiram
desses conhecimentos foi bastante difícil; para isso, a construção de um quadro teórico que
direcionou o percurso de investigação tornou-se imprescindível. Nesse sentido, a partir das
perspectivas da pedagogia histórico-crítica, da sociologia das organizações escolares e da
técnica de Análise de Conteúdo, foi possível elaborar as categorias analíticas: “materialidade
da prática social em gestão da instituição educativa”, “processos e métodos de gestão” e
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“atores sociais da educação”, que alinhavaram os sentidos colhidos nos documentos
analisados.
Essas categorias possibilitaram a organização de toda a produção legal e científica em
gestão escolar e educação infantil, de maneira a viabilizar a interpretação quanto às lógicas,
instrumentos e sujeitos responsáveis pela administração de creches e pré-escolas brasileiras,
nos materiais objetos desta análise.
No terceiro capítulo, “O hibridismo das lógicas democrática e gerencial no contexto
da gestão da escola pública no Brasil”, defendi que o Estado, ao impor a lógica gerencial para
a administração da escola pública, desconsiderou a organização do trabalho, ideais e
práticas dos educadores brasileiros e, além do mais, minimizou seu papel e promoveu a
responsabilização da sociedade civil pela educação. Esse panorama contribuiu para o
estabelecimento de práticas de gestão institucional na educação pública caracterizadas pelo
hibridismo entre as lógicas gerencial e democrática, que puderam ser constatadas a partir de
fenômenos como: as parcerias público-privadas; o Projeto Político Pedagógico e o Plano de
Desenvolvimento da Escola; a educação para a emancipação e a valorização da
competitividade e da meritocracia; a priorização do trabalho coletivo e a responsabilização
individual do diretor escolar pela qualidade da educação.
No quarto capítulo, “A especificidade do trabalho em creches e pré-escolas no
pensamento em educação infantil”, demonstrei como a preocupação com a especificidade
do atendimento nas unidades de educação infantil dominou os documentos legais e artigos
científicos específicos desse campo. Apesar do reconhecimento da especificidade em
educação infantil presente nos documento legais analisados, a lógica imposta pelo Estado à
gestão de creches e pré-escolas foi a mesma dos demais níveis da educação, a gerencial.
Nesse sentido, nos materiais normativos, a gestão institucional para a educação
infantil caracterizou-se a partir da responsabilização social de educadores e comunidade
pelas dimensões administrativas, pedagógicas e financeiras e pela indicação de parâmetros
nacionais de qualidade para o atendimento. Por outro lado, as pesquisas educacionais,
principalmente na perspectiva em Pedagogia da Educação Infantil, posicionaram-se a favor
da gestão democrática em creches e pré-escolas, que se configurou a partir do
reconhecimento da criança como sujeito ativo na produção cultural e por sua centralidade
na construção coletiva do projeto pedagógico institucional.
P á g i n a | 258
A síntese dos pensamentos em gestão escolar e educação infantil, presente nos
documentos publicados pelo Ministério da Educação e pelos pesquisadores educacionais, foi
apresentada no quinto capítulo, “Gestão democrática em creches e pré-escolas no Brasil: um
conhecimento inconcluso”.
Nessa seção, quanto à categoria analítica “materialidade da prática social em gestão
da instituição educativa” constatei que, em virtude da histórica precarização dos
estabelecimentos da educação infantil, principalmente as creches, a lógica gerencial teve
maior penetração na prática social desses estabelecimentos do que nas escolas dos demais
níveis da educação. Além disso, a especificidade da prática educativa, presente na legislação
educacional, especialmente após a promulgação da Política Nacional de Educação Infantil
(2005), não foi percebida na prática social de creches e pré-escolas públicas pelos
pesquisadores desse nível da educação básica, no primeiro decênio do século XXI.
Os elementos teóricos presentes nas produções científicas em educação infantil, que
contribuíram para a construção do pensamento em gestão democrática das instituições de
educação infantil caracterizaram-se: pela centralidade da criança como produtora de cultura
na prática social da gestão institucional; pela democratização da matrícula, principalmente
em creches; e pela construção coletiva de parâmetros para a qualidade social no
atendimento. Os pesquisadores em gestão educacional contribuíram para esse
conhecimento, defendendo o financiamento público da educação, o fortalecimento
institucional e a participação de toda comunidade escolar nos processos de gestão
pedagógica, administrativa e financeira nos níveis nacional, estadual, municipal e local.
Neste trabalho, defendi, também, que a função social das instituições de educação
infantil deveria ser a de mediação entre a cultura produzida historicamente pela
humanidade e os cidadãos nela inseridos, possibilitando a formação de sujeitos ativos na
transformação das relações sociais. Para isso, seria necessário considerar esses
estabelecimentos como local de formação para toda comunidade educativa, entendida
como produtora de cultura, e promover o processo de construção coletiva da autonomia
institucional em educação infantil.
Em relação à categoria “processos e métodos de gestão”, as contribuições presentes
neste trabalho para o pensamento em gestão democrática foram: a formação dos
educadores em uma perspectiva que valorize a reflexão crítica do contexto organizacional de
P á g i n a | 259
creches e pré-escolas; a coordenação dos espaços e tempos da instituição de maneira a
privilegiar a autonomia infantil e a especificidade do seu trabalho pedagógico; a construção
coletiva da proposta pedagógica e do regimento institucional; a busca de maior
envolvimento das famílias e comunidades nos processos de decisão (conselho escolar), por
meio do aperfeiçoamento dos canais de comunicação internos e externos da instituição (uso
das tecnologias de informação e comunicação); a criação de uma rede social de atenção à
infância, coordenada pelos órgãos da educação, e a avaliação institucional formativa.
Em relação à última categoria analítica, “atores sociais da educação”, para a gestão
democrática, de acordo com os pesquisadores educacionais, é imprescindível valorizar os
professores. Esses atores sociais precisam ser reconhecidos por meio de salários dignos,
oferta de formação inicial e em serviço, que contemple a especificidade da educação infantil,
e condições dignas de trabalho (número de crianças por adulto, condições de infraestrutura
e materiais pedagógicos adequados). O educador é compreendido como mediador entre a
criança e o conhecimento, por isso, torna-se tão importante possibilitar uma formação que
contemple a interpretação das múltiplas linguagens da criança (sentimentos, cognição,
imaginação e saúde) e que promova sua própria emancipação.
Pontuo que a criança, na perspectiva democrática, é compreendida como ativa no
processo de produção do conhecimento, por isso, é tão importante conhecer suas
estratégias de comunicação e conhecimento prévio, para que os educadores, em parceria
com as famílias e comunidades, possam proporcionar relações educativas que contribuam
para a construção de sujeitos que busquem a transformação social.
Reconheço que, infelizmente, o conhecimento sobre quem é essa criança, sua família
e comunidade ainda configura-se como pouco explorado pelos pesquisadores educacionais.
É sabida a importância da participação desses atores nos processos de gestão para construir
uma administração democrática, no entanto, o desconhecimento das demandas dessa
população, pelos educadores e órgãos do Estado, parece afastá-la dos processos decisórios
em educação pública.
Outros personagens da educação infantil, que contribuem para o estabelecimento de
relações democráticas no interior das instituições educativas, são os funcionários não
docentes, também, desvalorizados e desconhecidos pelos meios legal e científico da
P á g i n a | 260
educação e, por isso, demandam mais pesquisas sobre suas práticas, necessidades e
formação.
O personagem social envolvido com a gestão institucional mais controverso, no
pensamento em gestão educacional, para o estabelecimento da gestão democrática,
configura-se no diretor. Apesar de alguns pesquisadores defenderem sua retirada do
contexto educacional, em detrimento da formação de colegiados representativos para a
gestão das escolas públicas; o diretor escolar parece ser um personagem culturalmente
reconhecido no Brasil como uma liderança no interior das instituições educativas. Dessa
maneira, posiciono-me em favor da investigação das relações democráticas estabelecidas no
interior de creches e pré-escolas, para somente depois, avaliar o significado desse ator social
para a gestão democrática em creches e pré-escolas.
Reforço que compreender quem são e como se relacionam, no interior das
instituições educativas, os professores, os coordenadores pedagógicos, os funcionários não
docentes, o diretor, as crianças, as famílias e as comunidades, torna-se imprescindível à
construção teórica em gestão democrática, pois somente, assim, será possível propor
práticas e instrumentos de gestão que respeitem a cultura desses sujeitos e promovam sua
emancipação social.
Considero, ademais, que o esforço de ensaiar uma teoria para a gestão democrática
em instituições de educação infantil demonstrou que esse é um pensamento ainda
inconcluso no Brasil e sinalizou para a necessidade de aprofundamento no conhecimento
sobre as relações de poder (nível meso) no interior de creches e pré-escolas para a
construção desse saber. Portanto, verifiquei que não foi possível ensaiar uma teoria para a
gestão de creches e pré-escolas brasileiras, pois os documentos oficiais e artigos científicos
analisados não forneceram elementos sólidos para essa tarefa.
Finalmente, destaco que este trabalho buscou os sentidos que emergiram da
legislação educacional e do pensamento científico sobre gestão escolar e educação infantil,
na primeira década do século XXI, sem a pretensão de apresentar fórmulas prontas para a
gestão institucional em educação infantil. Configurou-se como meta, nesta investigação,
oferecer subsídios a educadores, pesquisadores e defensores da educação infantil pública
P á g i n a | 261
para a reflexão dessas práticas sociais, buscando, assim, a construção edificante da gestão
democrática em creches e pré-escolas no país.
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APÊNDICE A – REFERÊNCIA DOS ARTIGOS PESQUISADOS
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APÊNDICE B – REFERÊNCIA DOS DOCUMENTOS PRODUZIDOS PELO
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO PESQUISADOS
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