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  • A EDUCAO PROFISSIONAL E O PROFESSOR:

    FAZERES E SABERES NECESSRIOS

    Ademilson de Sousa SOARES

    Centro Universitrio de Belo Horizonte UNI/BH

    RESUMO: O trabalho apresenta e discute um panorama global da educao profissional a partir

    das alteraes no mundo do trabalho e da dualidade dos sistemas escolares. A idia de cio

    criativo surge como possvel alternativa de aproximao entre prazer, estudo e trabalho.

    Elementos histricos da educao profissional no Brasil so esboados com o objetivo de situar

    criticamente os componentes dos dilemas tpicos do trabalho do professor de cursos tcnicos e

    profissionalizantes. Alm disso, prope-se o aprofundamento da discusso em torno das

    polticas de formao inicial e continuada do professor da educao profissional. Por fim,

    reflexes so elaboradas em torno dos fundamentos da pedagogia da autonomia propostos como

    saberes necessrios s prticas educativas a serem desenvolvidas com estudantes que buscam

    uma habilitao profissional j no ensino mdio.

    PALAVRAS-CHAVE: Educao profissional, trabalho do professor, saberes necessrios

    1. Introduo

    O contexto planetrio da globalizao econmica e cultural afeta sobremaneira as

    necessidades educativas daqueles que buscam uma determinada habilitao profissional.

    As alteraes no mundo produtivo somam-se ao dualismo dos sistemas escolares de

    diferentes pases que se estruturam a partir do paralelismo incomunicvel entre escolas

    predominantemente orientadas para o prosseguimento dos estudos e escolas

    predominantemente orientadas para a vida ativa. Esse dualismo s faz aprofundar o

    abismo entre educao e trabalho.

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    Os impasses da educao para o trabalho se acentuam ainda mais, e at se transformam

    em desafio candente, quando avaliamos a necessidade de aproximar prazer, trabalho e

    estudo. Tal aproximao alm de promissora e produtiva torna-se imperiosa nas

    sociedades ps-industriais cujas funes de trabalho exigem extraordinrias aptides

    intelectuais e enormes investimentos emocionais. Ensinar a trabalhar, nesta perspectiva,

    seria muito mais que ensinar a fazer. Seria, sobretudo, ensinar a pensar nas mudanas

    dos modos de vida e nas lutas pela conquista da felicidade. Tal educao para o trabalho

    no espontnea e muito menos natural, pois requer planejamento, fora de vontade e

    inteligncia. O educador envolvido nesta tarefa o faz referncia para as novas geraes.

    No Brasil escola ainda vista, inclusive pelas classes trabalhadoras, como lugar que

    oferece oportunidade de conquistar um servio mais leve, de melhorar de vida ou de

    mudar de profisso. Quem estuda pode tornar-se doutor e adquirir profisso nobre e

    liberal. No entanto, j na dcada de trinta, o jornal denunciava que nas cidades

    brasileiras existem centenas e centenas de indivduos portadores de ttulos

    universitrios, mas inutilizados para o trabalho fecundo (JORNAL ESTADO DE

    MINAS, 1934, p. 02). A escola tcnica-profissionalizante no Brasil sempre foi vista

    como escola para pobre e no escola com profunda finalidade educativa e enorme

    impacto econmico e social. Por isso, quem cursa tal escola no precisa e nem deve

    almejar fazer um curso superior. A superao dessa viso estreita pode ser favorecida,

    conforme procuramos demonstrar, recuperando as proposies da pedagogia da

    autonomia que permitem fortalecer a educao para o trabalho.

    2. Um panorama geral da educao profissional

    Segundo Oliveira (2007), a histria da educao profissional profissional se confunde

    com a histria da ampliao do processo de escolarizao ocorrido em diferentes partes

    do mundo no decorrer do sculo XX. Esse processo, que desgua agora na primeira

    dcada do sculo XXI, marcado por mudanas nas relaes de trabalho e inovaes

    tecnolgicas. Tais inovaes foram a desregulamentao e at fazem que os agentes

    envolvidos fiquem em dvida em relao necessria articulao sistmica que deve

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    existir entre educao e trabalho, entre trabalho e emprego. As caractersticas da

    educao profissional ou da educao para o trabalho em cada pas refletem o contexto

    planetrio da globalizao econmica e cultural.

    Organizada atravs de escolas tcnicas, escolas de artes e ofcios, escolas

    industriais, escolas polivalentes, escolas do trabalho, escolas comerciais e

    escolas politcnicas, a educao profissional aparece dissociada da educao de

    cunho humanista, oferecida nos chamados Liceus e voltada para a formao das

    elites. Assim, a formao profissional, tradicionalmente, sempre foi dirigida aos filhos

    das camadas subalternas e a organizao escolar que assegura essa formao sempre foi

    marcada por essa dualidade.

    Em diferentes pases, em funo dessa dualidade do sistema escolar1, o sonho at dos

    mais pobres formar-se doutor. Entre escolas oficiais propeduticas e escolas tcnicas

    profissionalizantes, sociedades e governos sempre optaram pelas primeiras. A formao

    para a vida ativa discriminada em proveito da formao clssica dos liceus

    tradicionais. Sistemas educativos qualificados e estruturados para responder a diferentes

    demandas sociais exigem investimentos pesados por parte dos Estados. A lgica de

    mercado e a racionalidade instrumental, que prevalecem na primeira dcada do sculo

    XXI, so perversas e no asseguram a estruturao consistente de um sistema escolar

    que contemple uma educao profissional arrojada. Escolas profissionalizantes no

    podem ficar apartadas, mas devem estar integradas educao geral de qualidade, com

    densidade crtica e reflexiva, capazes de levar o trabalhador a ser cidado de seu pas e

    do mundo (OLIVEIRA, 2007, p.13).

    Mas como formar para o trabalho em um mundo em que o trabalho perde cada vez mais

    a sua fora? Como valorizar o trabalho quando a sociedade parece abraar, pelo menos

    retoricamente, o paradigma do cio criativo?

    Os defensores dessa nova idia, como Domenico de Masi (2001), argumentam que no

    lugar das coisas reais surgem as coisas virtuais. No lugar do trabalho real surge o

    trabalho virtual. No mundo das novas tecnologias, da informatizao, da comunicao

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    global e planetria muitos defendem uma produtiva mistura entre estudo, lazer e

    trabalho. Nesse novo mundo virtual, a felicidade produtiva e a produtividade feliz,

    conjugadas ao tempo livre e revoluo virtual do trabalho, se consubstanciam na idia

    de cio criativo que nos permite produzir mais, com menos esforo e menos stress

    intelectual. Redes qualificadas de interlocutores, amigos e colaboradores possibilitam

    ganhos tangveis e intangveis. As possibilidades oferecidas pelo mundo do trabalho

    virtual, entretanto, esto restritas aos cidados ricos dos pases ricos. Os pobres do

    mundo devem buscar suas prprias vantagens e defender seus direitos, pois enquanto

    nos pases ricos a oferta de novas tecnologias crescente, nos pases pobres o que

    cresce o nmero de presos e a distncia entre pobres e ricos. por isso que, para as

    classes trabalhadoras, o discurso do trabalho flexvel e criativo pode ter o efeito

    deletrio de transformar o paraso da felicidade em inferno de intranqilidade e de

    obsesso produtiva. O estudo que produz saber, a diverso que alegra, o sexo que d

    prazer e a famlia que nos torna solidrios minimizam os riscos desse efeito deletrio e

    viabilizam o cio criativo tpico da sociedade criativa. A maioria das funes de

    trabalho no mundo ps-industrial exige extraordinrias aptides intelectuais. No

    entanto, apesar do discurso de mudanas, empresas e governos ainda no estruturaram

    organizaes baseados na motivao, na igualdade entre homens e mulheres, na reduo

    do horrio de trabalho e na reconfigurao do tempo e do espao. Essa reestruturao

    permitiria que, alm de ganhar dinheiro, o trabalhador tivesse satisfeitas as suas

    necessidades de convivncia, amor, amizade, diverso, beleza e introspeco. Ainda no

    isso que ocorre no mundo da chamada flexibilizao do trabalho.

    Os adeptos do cio criativo argumentam que no mundo todo existem grupos de opinio

    que se organizam, se movimentam e lutam para colocar em prticas idias inovadoras.

    Tais idias devem reestruturar as bases da economia convencional e permitir mudanas

    nos modos de vida e de luta pela conquista da felicidade. Isso ocorre porque ningum

    suporta mais o stress existencial e a competitividade cruel.

    Todavia, nas coisas humanas nada natural. Tudo fruto da inteligncia, da vontade e

    da programao. S os liberais acreditam que tudo se resolve pela mo natural do

    mercado. Um ambiente de trabalho marcado por imposies gera resultados imediatos

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    em funo da tendncia humana ao sadomasoquismo, ou seja, nossa estranha mania de

    agredir, de ser agredido pelo outro e de se conformar. Mas isso no nada natural. Isso

    cultural e pode ser modificado com planejamento, fora de vontade e inteligncia. Por

    isso, o cio puro, conforme argumenta de Masi (2001) pode aborrecer, mas o cio

    criativo, que conjuga diverso, trabalho e estudo, pode nos tirar da letargia, nos fazer

    felizes e capazes de amar e mudar as coisas.

    3. A educao profissional no Brasil

    No Brasil, at o final do sculo XIX, o trabalho aparece associado ao trabalho escravo.

    No imaginrio coletivo da cultura brasileira ser trabalhador significava ser escravo e

    estar submetido a tudo que a escravido implica. Entre essas implicaes, estava o fato

    do negro escravo ser proibido de freqentar esc