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XXXV CONGRESSOA NACIONAL DE PROCURADORES DO ESTADO O ESTADO BRASILEIRO NO SÉCULO XXI – PERSPECTIVA E DESAFIOS PARA A ADVOCACIA PÚBLICA” “As autonomias administrativas, funcionais e financeiras são pressupostos básicos para Dignidade de uma Advocacia Pública voltada à defesa do Estado Democrático de Direito e na Efetividade dos Direitos e Garantias Fundamentais” 1 Marcos de Azevedo A EFETIVAÇÃO DAS TUTELAS DE URGÊNCIA CONTRA O PODE PÚBLICOFORTALEZA - Ceára 2009 1 Azevedo Marcos de. É Procurador do Estado de São Paulo, Doutorando e Mestre em Direito Processual Civil, pela PUC-SP. Auto dos Livros “Direitos Humanos Fundamentais – Sua Efetivação por Intermédio das Tutelas Jurisdicionais, “ O Terceiro Setor e o Direito Ambiental” e Temas Atuais das Tutelas Diferenciadas ( em co-autoria) além de inúmeros artigos e teses publicadas.É membro do IBDP – Instituto Brasileiro de Direito Processual e IBAP – Instituto Brasileiro de Advocacia Pública.

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XXXV CONGRESSOA NACIONAL DE PROCURADORES DO ESTADO

“O ESTADO BRASILEIRO NO SÉCULO XXI – PERSPECTIVA E DESAFIOS

PARA A ADVOCACIA PÚBLICA”

“As autonomias administrativas, funcionais e financeiras são

pressupostos básicos para Dignidade de uma Advocacia

Pública voltada à defesa do Estado Democrático de

Direito e na Efetividade dos Direitos e Garantias

Fundamentais”

1Marcos de Azevedo

“A EFETIVAÇÃO DAS TUTELAS DE URGÊNCIA CONTRA O PODE

PÚBLICO”

FORTALEZA - Ceára

2009

1 Azevedo Marcos de. É Procurador do Estado de São Paulo, Doutorando e Mestre em Direito Processual Civil, pela PUC-SP. Auto dos Livros “Direitos Humanos Fundamentais – Sua Efetivação por Intermédio das Tutelas Jurisdicionais, “ O Terceiro Setor e o Direito Ambiental” e Temas Atuais das Tutelas Diferenciadas ( em co-autoria) além de inúmeros artigos e teses publicadas.É membro do IBDP – Instituto Brasileiro de Direito Processual e IBAP – Instituto Brasileiro de Advocacia Pública.

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XXXV CONGRESSOA NACIONAL DE PROCURADORES DO ESTADO

“O ESTADO BRASILEIRO NO SÉCULO XXI – PERSPECTIVA E DESAFIOS

PARA A ADVOCACIA PÚBLICA”

“A EFETIVAÇÃO DAS TUTELAS DE URGÊNCIA CONTRA O PODE

PÚBLICO”

Autor: MARCOS DE AZEVEDOMonografia – Apresentada no XXXV Congresso Nacional de Procuradores do Estado em FORTALEZA-CEARÁ.

FORTALEZA - CE

2009

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SUMÁRIO:

1.INTRODUÇÃO.

2. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DAS TUTELAS DE URGÊNCIA OU DIFERENCIADAS

3. SUPREMACIA DE INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PRIVADO.

4. TUTELA ANTECIPADA PROFERIDA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA.

5. CONCLUSÕES.

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1. INTRODUÇÃO

As últimas décadas do século passado foram enriquecidas com inúmeros diplomas

legais que vêm renovando os Códigos e a legislação pátria, adaptando-os a uma nova

realidade, rica de inovações científicas, revolução tecnológica e dos costumes, numa

sociedade gigantesca que se transforma a cada momento, a uma velocidade espantosa, e que,

realmente, não pode ficar estática em parâmetros e formalidades rigorosas e em desuso para o

momento em que se vive à espera de providências mágicas.

O legislador brasileiro e o próprio Poder Executivo, na área processual civil,

diversamente do que fez com o Direito Civil, porque, sumamente morosa sua tramitação,

optou por reformas pontuais, de modo a viabilizar soluções casuísticas, principalmente para as

situações em que a efetividade do processo se mostra mais comprometida. Neste sentido, se

observou que o Código de Processo Civil mereceu inúmeras alterações, oriundos de estudos e

projetos de juristas, e, desta forma, não cindiu a unidade da legislação posta.

Isso porque a vida oferece, não raro, em razão da tensão que existe entre o fator

“tempo” e o fator “justiça”, certas combinações de circunstâncias e acontecimentos que nem a

mais fértil imaginação conseguiria prever, o que torna impossível antecipar a disciplina por

via legislativa. A conseqüência de tal fenômeno é necessidade de providenciar-se um

instrumento com aptidão de garantir, proteger o direito de maneira urgente. Caso contrário, a

justiça não seria feita no seu devido tempo, ocorrendo, por via de conseqüência, os atrasos

que tornariam a jurisdição completamente ineficaz.

Sabe-se que o processo, mesmo sob os influxos do rigoroso princípio da oralidade, que

não se alongue no tempo, com a concessão de prazos para que as partes, sob o pálio do

contraditório, possam apresentar seus pedidos e impugnações, comprovar suas afirmativas em

matéria de fato, insurgir-se contra decisões que lhes sejam desfavoráveis, o juiz também

precisa de tempo para analisar o conflito de interesses, para habilitar-se a bem fundamentar as

decisões interlocutórias e, com maior profundidade, a sentença. 2 Consequentemente, o

processo é um instrumento vagaroso que, em certa medida, prejudica quem tem razão e

beneficia quem não a tem.

É deste cenário que surgiu a necessidade de criação de um mecanismo que concilie a

tensão e a necessidade de uma rápida resposta do Judiciário, que existe em certos casos de

periclitância, entre segurança e efetividade dentro do processo.

2 CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação da tutela. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 1.

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A preocupação com a celeridade processual revelou-se especialmente com a edição da

Emenda Constitucional nº 45/2004 que, contemplando o princípio da razoável duração do

processo, fez inserir no art. 5º da Constituição Federal, o inciso LXXVIII. 3 Mesmo antes da

edição de referida emenda à Constituição Federal, não mais subsistia qualquer dúvida quanto

à intenção constitucional de elevar as garantias às tutelas de urgência, tendo em vista que

estas são, exatamente, meios cujo objetivo é garantir a celeridade da tramitação dos processos.

Seria, inclusive, impossível o legislador constitucional, se fazer mais claro, até mesmo em

decorrência da existência da previsão contida no art. 5º, XXXV da Constituição Federal. 4

Assim, ainda que não houvesse qualquer previsão infraconstitucional acerca das

tutelas urgentes, as mesmas poderiam muito bem serem pleiteadas e concedidas, obviamente,

em casos efetivamente urgentes, uma vez que são garantidas constitucionais.

Contudo, para evitar que existissem dúvidas acerca da possibilidade e das hipóteses

em que seriam concedidas, foram editadas diversas leis5, desde o início da vigência do Código

de Processo Civil, em 01 de janeiro de 1974, todas relativas à garantia da celeridade da

tramitação dos processos.

Daí o porquê dos modernos processualistas, com o foco na obtenção de uma adequada

efetividade dos provimentos jurisdicionais, considerarem dogmático o entendimento de que

os técnicos do direito devem buscar a abreviação do tempo de duração do processo, sempre

com vistas a se evitar demoras injustificáveis, formalismos exacerbados e protelações

maliciosas.

Criou-se, então, uma forma de tutela sumária, não definitiva, fundada em juízo de

aparência, que pudesse, frente ao reconhecimento de alguma verossimilhança na alegação da

parte, afastar risco iminente de dano irreparável. Porém, não representou em si uma novidade,

posto que já haviam previsões de procedimentos especiais no Código de Processo Civil ou em

3 Art. 5º, inciso LXXVIII da Carta Magna: "A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".4 Ninguém, nem mesmo a lei, expressão maior da vontade nacional, pode excluir a lesão ou a ameaça de direito do dispositivo do controle jurisdicional. (FRIEDE, Reis. Limites objetivos para a concessão de medidas liminares em tutela cautelar e em tutela antecipatória. São Paulo: LTR, 2000, p. 122).5 Foram editadas as Leis nºs 8.950, 8.951, 8.952, 8.953 todas no ano de 1994, as às Leis nºs 10.352 e 10.358, de 26 e 27 de dezembro de 2001, respectivamente, visando modificar disposições do Código de Processo Civil vigente, com relação ao reexame necessário e aos recursos e ao processo do conhecimento. Essas normas estão vigentes desde março de 2002. Editou-se também a Lei nº 10.444 de 07 de maio de 2002, publicada em 08 de maio de 2002, com vigência prevista para 08 de agosto de 2002, introduzindo mudanças as mais variadas no Código Processo Civil, todas elas procurando dar efetividade ao processo, tentando evitar o indesejável hábito de fazer as demandas intermináveis ou mesmo, em linguagem popular, a prática de ‘ganhar e não levar’ que têm contribuído em muito para o descrédito do Judiciário e, por extensão, da Advocacia. Mais recentemente foram editadas a Lei n° 11.232, de 2005 e as Leis n° 11.276, 11.277 e 11.280, todas de 2006, visando notadamente dar maior instrumentalidade, efetividade e utilidade, extraindo das normas processuais através das modificações o máximo de eficácia que possam proporcionar.

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leis extravagantes, como, por exemplo, busca e apreensão em alienação fiduciária, despejo

liminar da lei do inquilinato, possessórias, embargos de terceiro, etc.

Como em diversos países e, seguindo uma tendência contemporânea, o Brasil prevê

diversos procedimentos cíveis em que se é possível à concessão de medida liminar dirigida às

pessoas jurídicas de Direito Público, notadamente existem remédios variados e específicos

utilizados em face da Administração, que prevêem provimentos cautelares lançados em

cognição não exauriente, aptos a sustar, ao menos, efeitos lesivos ao ato impugnado, até final

julgamento da ação.

Pretendemos neste estudo demonstrar que os dispositivos legais que restringem a

concessão de tutelas de urgência (seja em caráter liminar, cautelar ou antecipatório) em face

do Poder Público, não padecem de vícios de ilegalidade ou de inconstitucionalidade, sob o

argumento da inquebrantabilidade do princípio da isonomia e da igualdade entre os litigantes,

posto que as pessoas jurídicas de Direito Público, quando forem partes em ação judicial,

passam a desfrutar de tratamento especial não reconhecido aos particulares.

Ao revés, tais dispositivos legais objetivam proteger a sociedade, pois, sendo o Estado

uma organização complexa e burocrática, que cuida, simultaneamente, de interesses

heterogêneos e da mais variada gama possível, o tratamento desnivelado que o legislador

concede ao Poder Público, ao editar determinadas prerrogativas, não ofende e não margeia o

princípio da isonomia, simplesmente trata os iguais e os desiguais de forma diversa,

nivelando, processualmente, os interesses em litígio. 6

2. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DAS TUTELAS DE URGÊNCIA

OU DIFERENCIADAS

Deve-se, inicialmente, no presente tópico, mencionar a impropriedade do termo

utilizado para o adiantamento de prestação jurisdicional; qual seja: antecipação de tutela.

Tutela, segundo Orlando Gomes, 7 é o encargo conferido a alguém para proteger a

pessoa e administrar os bens dos menores que não se acham sob o pátrio-poder. A adaptação

dessa palavra para o campo do direito processual, além de modificar lhe o poder semântico,

traduz de forma autoritária de quem enxerga o cidadão como incapaz, subordinado ao Estado

todo-poderoso.

6 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Execução contra a Fazenda Pública. São Paulo: Dialética, 1998, p. 33.7 Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 1968, p.297.

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Tal postura obviamente não encontra respaldo em nosso ordenamento jurídico. Ao

contrário, nele assegura-se às pessoas o direito potestativo de ação, 8 cujo exercício torna

quem o exerce credor do Estado. Este último, de sua parte, passa a ser devedor de um

provimento jurisdicional capaz de extinguir o litígio entre o autor e seu adversário. Verifica-

se, desse modo, que o Estado acionado, longe de ser tutor é, na realidade, devedor. 9 Diante de

tais assertivas, o mais correto seria falar-se em prestação jurisdicional antecipada. Não há,

portanto, sentido em emprestar o velho termo do Direito de Família, para acrescentar-lhe mais

um significado.

Até mesmo porque em toda e qualquer ciência, é de suma importância uma segura e

correta terminologia. Porém, a grande maioria dos cientistas processuais utiliza o vocábulo

tutela ao se referir ao resultado da função jurisdicional.

A fim de se definirem, melhor, as tutelas de urgência, transcrever-se-á, também, a

definição sobre o termo urgência de De Plácido e Silva10:

Do latim urgentia, de urgere (urgir, estar iminente), exprime a qualidade do que é urgente, isto é, é premente, é imperioso, é de necessidade imediata, não deve ser protelado, sob pena de provocar, ou ocasionar um dano ou um prejuízo. Assim, a urgência assinala o estado das coisas que se devam fazer imediatamente, por imperiosa necessidade, e para que se evitem males, ou perdas, conseqüentes de maiores delongas, ou protelações.

Já, sob a acepção jurídica, o conceito de urgência decorre da necessidade de que se

faça algo, por não comportar procrastinações, dependendo de todos os aspectos da situação

jurídico-fática do fator tempo. A tutela jurisdicional de urgência tem como fim evitar que a

demora do processo acabe por acarretar prejuízos a quem tenha razão na lide, seja em virtude

de risco de ineficácia da execução, seja em razão de obstáculos que o réu, agindo de má-fé,

poderá transpor para a efetiva solução do processo. Mister se faz ressaltar, logo de início, que

a urgência não está vinculada tão somente à eventual existência de perigo de dano (periculum

in mora), requisito adstrito à tutela cautelar, mas também diz respeito a qualquer situação

fática de risco ou embaraço à efetividade processual, servindo de instrumento para a

realização de pretensões que se mostrem inconciliáveis com a morosidade do procedimento

comum.

8 Entende-se como direito potestativo aquele a que não corresponde obrigação preexistente. Em rigor, o titular de direito potestativo dispõe de uma faculdade. Tal uma vez exercida cria para seu destinatário, uma obrigação (RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 17.ed.. São Paulo: Saraiva, 1999, v. I, p. 350). No caso do direito de ação, o titular de uma pretensão em litígio exerce a faculdade de acionar o Estado. Acionado, o Estado, que até então nada devia ao autor, torna-se devedor da prestação jurisdicional. 9 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO; Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 203 e ss.10 De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1980, Q-Z, v. IV, p. 1611.

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Conforme entendimento de José Roberto dos Santos Bedaque11, as modalidades de

tutela jurisdicional são relevantes em virtude da urgência do provimento, seja pela existência

de perigo concreto a ameaçar a efetividade da tutela, seja porque o legislador presume e

tipifica a situação de perigo. As tutelas de urgência visam a garantir a eficácia da tutela

jurisdicional.

A tutela jurisdicional de urgência é indispensável à rigidez do sistema processual,

sendo meio hábil para assegurar o resultado prático de um provimento jurisdicional definitivo

(cautela), ou mesmo possibilitar a antecipação provisória da própria pretensão formulada

(antecipação da tutela), que contribui, decisivamente, para a solidificação do sistema

processual, na medida em que assegura a efetividade do processo, e para tornar possível a

concretização de resultados, onde o processo deixa de ter sentido meramente formal,

compatibilizando-se com o desejo de instrumentalidade, conforme explanação de José

Roberto Dantas Oliva12.

Luiz Orione Neto13 afirma que as tutelas de urgência, “por intermédio da concessão

das liminares, sejam em sede de jurisdição acautelatória, ou cognitiva antecipatória,”

realizam, por intermédio do “Estado-juiz,” a abreviação dos conflitos de interesses resistidos

ou insatisfeitos.

Há autores que utilizam ainda o termo tutela jurisdicional diferenciada ao tratarem das

tutelas de urgência. Tutela jurisdicional diferenciada significa tutela adequada à realidade do

direito material. Se uma determinada pretensão de direito material está envolvida numa

situação emergencial, a única forma de tutela adequada desta pretensão é aquela que pode

satisfazê-la com base em cognição sumária.14

Como desmembramento da tutela diferenciada, encontramos a tutela antecipada que

tem por escopo a realização antecipada do direito da parte, diferenciando-se da tutela cautelar

justamente pelo fato de que esta não realiza o direito, mas sim assegura a sua realização num

outro processo. Devido ao instituto da tutela antecipada, que é uma das medidas provisórias, o

ordenamento visa evitar, sempre que possível, o perigo de dano, optando, quando houver

incerteza do direito ainda não definido, por soluções que não permitam que o direito material

seja sacrificado.

11 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização). 3.ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 152.12 OLIVA, José Roberto Dantas. Tutela de urgência no processo do trabalho. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 20.13 Idem, p. 79.14 ARMELIN, Donaldo. Tutela jurisdicional diferenciada. In: Repro 65/45-55. Jan-mar. /92

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A tutela cautelar e a tutela antecipada, ambas com fundamento no art. 273, inciso I do

Código Processo Civil, são subespécies da chamada tutela de urgência, que se torna

inafastável quando o autor não puder aguardar o percurso do” iter processualis padrão”, isto

é, sofrerá dano irreparável ou de difícil reparação se tiver de esperar a solução da lide pela via

comum. 15

O entendimento do nascer das denominadas tutelas de urgência ou diferenciada se

confunde com as causas de seu aparecimento, uma vez que foram incorporadas ao

ordenamento pátrio jurídico para proteger um direito certo do demandante, evitando sua perda

ou deterioração pelo decurso do tempo ou por qualquer outro meio lesivo.

Foi atento a necessidade de impedir a incidência destrutiva do tempo sobre o direito,

que o legislador processual criou medidas para proteger a utilidade pratica do processo, ou

seja, evitar o dano irreparável. Primeiro adotou-se o processo cautelar, incorporado no

ordenamento jurídico já no código de 1973. Em seguida, a tutela antecipada, Lei nº 8.952/94.

Oito anos depois, a Lei 10.444/02 criou a possibilidade de antecipar-se provimentos

inibitórios.

Assim, os provimentos antecipatórios urgentes são cabíveis nas formas das tutelas

previstas em lei. A tutela de urgência destina-se a abranger todas as medidas necessárias a

evitar risco de dano ao direito. Caracterizam-se, além da sumariedade da cognição, pelo

periculum in mora. Analisa-se a situação substancial e verifica-se a necessidade de proteção

imediata, em sede cautelar, ante a impossibilidade de se aguardar o tempo necessário para

entrega da tutela final.

Interessante citar aqui os ensinamentos de Bedaque,16 que equipara as tutelas

cautelares às tutelas sumárias (urgentes), tendo-se em vista que as duas espécies tem como

finalidade assegurar a efetividade da tutela jurisdicional. Coloca-as, inclusive, no mesmo

patamar, já que propõe a divisão da categoria das tutelas urgentes em cautelares e não

cautelares, reservando àquelas apenas os provimentos de caráter puramente conservativos,

como o arresto e o seqüestro. As tutelas sumárias e provisórias, mas de conteúdo

antecipatório, seriam espécie do gênero tutela de urgência.

Observa-se assim, que as tutelas de urgência, sejam do tipo cautelar ou antecipatória,

apresentam uma característica que lhes é ínsita, qual seja, a sumarização procedimental. Este

recurso consiste na redução do lapso destinado a obtenção da providência jurisdicional

15 LOPES, João Batista. Fundamento constitucional da Tutela de Urgência. Revista Dialética de Direito Processual, n. 8, p. 69.16 Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização). 3.ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 152.

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emitida em forma de liminar, inaudita altera pars ou após justificação prévia, mas, em

qualquer caso, sempre norteada por uma cognição sumária.

A sumarização do processo corresponde a vários reclamos e emprega diversas técnicas

procedimentais. Porém, o que torna a sumariedade uma característica inamovível no

oferecimento da tutela jurisdicional de urgência é que, nesta, a prestação há de ser pronta e

imediata, sob pena de perder a sua própria eficácia, diante da possibilidade de grave dano,

prejuízo irreparável ou de difícil reparação.17

Importante dizer inclusive que as tutelas de urgência buscam fundamento na provável

existência do direito que constituirá, ou já constitui, objeto do processo à cognição plena,

também denominado de fumus boni iuris ou no periculum in mora.

Como elemento integrante das tutelas de urgência, cite-se ainda a provisoriedade ou a

temporariedade que significam a não definitividade da providência judicial concedida, a qual

dependerá sempre de uma sentença de mérito cautelar ou de uma sentença de mérito

propriamente dita (isto é, a que decide a respeito da pretensão de direito material articulada na

petição inaugural), proferida em processo principal (ou no próprio feito, se nele ocorreu a

concessão ou denegação da medida), que a confirme ou revogue.

Enfim, cabe concluir que a tutela de urgência abrange tanto as medidas antecipatórias

como as cautelares. Logo, a tutela de urgência é o gênero de medida judicial na qual estão

inseridos os provimentos da tutela cautelar, das diversas liminares e das tutelas antecipatórias.

3. SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PRIVADO

São consideradas pessoas jurídicas de Direito Público aquelas que integram a estrutura

constitucional do Estado e têm poderes políticos e administrativos, tais como a União, os

Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal. São também tidas como pessoas de

Direito Público de natureza meramente administrativa as autarquias (longa manus), que

podem desempenhar atividades econômicas, previdenciárias, educacionais e quaisquer outras

outorgadas por entidade estatal-matriz e, ainda, pela nova orientação da Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988, as entidades fundacionais também.

A Fazenda Pública rege-se através de princípios e normas diferenciadas das

disposições de direito privado, em razão de sua própria natureza jurídica, de seu regime

jurídico e, principalmente, da supremacia do interesse público sobre o interesse privado.

17 ARMELIN, Donaldo. A tutela jurisdicional cautelar. In: Revista da Procuradoria Geral de São Paulo. São Paulo, v. 23. 1985, p. 125.

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Interesse público é a atividade de tal modo relevante, que o Estado a titulariza,

incluindo-a entre os fins que deve, necessária e precipuamente, perseguir. É o próprio

interesse coletivo colocado pelo Estado entre seus próprios interesses, assumindo-os sob

regime jurídico de direito público, exorbitante e derrogatório do direito comum. A finalidade

de toda e qualquer administração é o interesse público. O Estado não pode ter, senão,

interesses públicos.

Diante disso, o regime jurídico-administrativo tem como um de seus principais

assentos a supremacia do interesse público, que guarda estreita afinidade com os demais

princípios que informam a atuação da Administração Pública em geral.

Não se pode olvidar que o interesse público, como o interesse do todo, nada mais é do

que uma forma, um aspecto, uma função qualificada do interesse das partes, ou seja, não há

como se conceber que o interesse público seja contraposto e antinômico ao interesse privado.

Caso assim fosse, teria que se rever a concepção do que é a função administrativa.

Cumpre arrematar, que interesse público nada mais é do que a expressão dos direitos

individuais, vista sob um prisma coletivo. Diante disto, é fácil concluir que a Fazenda Pública

não pode ser tratada como uma parte comum, eis que defende os superiores interesses do

Estado, nos quais se subentendem os próprios interesses individuais, fato que impõe

tratamentos preferenciais em favor do ente estatal, como forma de preservação do interesse

público.

No direito pátrio, porém, interesse público, na acepção que se quer emprestar, é,

segundo já se deixou perceber, sinônimo de interesse geral da sociedade, de interesse do

Estado, enquanto comunidade política e juridicamente organizada, vale afirmar-se, do Estado

como expressão suprema da organização político-jurídica da sociedade. A essa altura, tem-se,

portanto, numa rápida e panorâmica visão, o conceito de interesse conectado ao qualificativo

público, fechando o circuito fenomenológico em apreço e, com isso, completando a idéia

matriz que tal locução encerra, mas – ocioso dizer-se –, sem a menor preocupação (ou

pretensão) de ser exaustivo, por óbvias razões.

De acordo com as considerações alhures expostas, emerge o princípio da supremacia

do interesse público ou princípio da finalidade pública, presente desde o momento da

elaboração da lei, até o momento de sua execução pela Administração Pública, vinculando o

legislador, bem como a autoridade administrativa em toda a sua atuação.

Observa-se que as normas regradoras das prerrogativas da Fazenda Pública são

infringentes ao princípio da isonomia, que permite à lei descriminar, desigualando, a fim de

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poder igualar os destinatários da norma: “Mais rudemente, toda lei gera necessária

distinção”.18

Remata-se, pois, que o princípio da igualdade existe para a realização da justiça. Deve-

se ressaltar, porém, que na esfera processual, o Estado é profundamente diferente do

particular, não havendo igualdade formal.

Considerando somente o direito material e, de forma genérica, conclui-se que tanto o

Estado, quanto o particular, a ele estão submetidos. Afinal, este é o fundamento do Estado de

Direito.

Entretanto, diante da norma processual, a situação é totalmente desigual, uma vez que

o Estado comparece em juízo com as características que lhe são próprias, não obstante sua

finalidade precípua, o interesse público, o bem comum.

Por isso mesmo a Fazenda Pública desfruta de uma série de benefícios em juízo: prazo

em dobro para recorrer e em quádruplo para contestar (art. 188 do Código de Processo Civil);

dispensa do pagamento antecipado das despesas processuais (art. 20 do Código de Processo

Civil) e do depósito na ação rescisória (art. 488, parágrafo único do Código de Processo

Civil), duplo grau de jurisdição obrigatório (art. 475 do Código de Processo Civil),

inocorrência dos efeitos da revelia (art. 320, inciso II do Código de Processo Civil),

pagamento por precatório de débitos pecuniários resultantes de sentença (art. 100 da

Constituição Federal), impenhorabilidade de seus bens (art. 67 do Código Civil c.c o art. 648

do Código de Processo Civil).

Vislumbra-se, desse modo , no que diz respeito à influência na elaboração da lei, a

distinção que se faz entre o direito público e o privado leva em conta o interesse que o mesmo

busca proteger: o direito privado contém normas de interesse individual, enquanto o direito

público, normas de interesse público, ou seja, de toda sociedade politicamente organizada. Por

outro lado, os opositores desse critério argumentam que existem normas de direito privado

que objetivam defender o interesse público (direito de família); e outras de direito público,

que buscam proteger interesses particulares, como, por exemplo, a saúde.

Todavia, embora pertinentes, as críticas, quando asseveram que tal critério não é

absoluto, não se pode olvidar de sua legitimidade, eis que, não obstante as normas de direito

público reflexamente protegerem interesse individual, têm o objetivo primordial de atender ao

interesse público ou ao bem-estar coletivo. Tal princípio serve de fundamento para todo o

direito administrativo e vincula a administração em todas as suas decisões.

18 PEREIRA, Hélio do Valle. Manual da Fazenda Pública em Juízo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 19.

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Ainda no que se refere à supremacia do interesse público, vale ressaltar que a

Administração existe para a realização dos fins previstos na lei, enquanto os interesses legais

representam conveniências e necessidades da própria sociedade, jamais vantagens e

conveniências privadas. No conflito entre o coletivo e o individual, reconhece-se a

predominância do coletivo, pois seria inconcebível que na defesa de interesses individuais se

pudesse prejudicar a realização dos fins coletivos.

À medida que se vai delimitando o conceito de interesse público, tornam-se cada vez

mais evidentes algumas conclusões, tais como a de que, no embate entre o interesse público e

particular, há que prevalecer o interesse público, que se traduz no grande princípio

informativo do direito público.

Igualmente, não se pode imaginar que o contrário possa acontecer, ou seja, que o

interesse de um grupo possa vigorar sobre o interesse de todos. A supremacia do interesse

público sobre o particular está presente em vários momentos, como na desapropriação e na

servidão administrativa.

Contudo, importa salientar que a aplicabilidade do princípio em questão não significa

o desrespeito ao interesse privado, posto que o Poder Público deve obediência ao direito

adquirido, à coisa julgada e ao ato jurídico perfeito, conforme previsto na Constituição

Federal. Já os direitos de ordem patrimonial, que são afetados pela supremacia do interesse

público, devem ser indenizados de forma cabal19.

Ademais, conforme já asseverado anteriormente, é a própria definição de Fazenda

Pública que promove essa diversidade de tratamento, posto que excluem das prerrogativas

processuais previstas no ordenamento jurídico as entidades governamentais criadas sob a

roupagem de pessoa jurídica de direito privado, tais como as sociedades de economia mista,

as empresas públicas e as fundações privadas.

Concluindo, justifica-se o tratamento diferenciado porque a Fazenda Pública, como

corporificação da Administração em juízo, nada mais é do que o conjunto formado pela soma

interesses de todas as pessoas, da coletividade. A res publica a todos pertence e disso resulta a

indisponibilidade dos seus interesses. A Fazenda, ao ser demandada em juízo, deverá

perseguir o interesse público. Por isso, as normas processuais que lhes conferem algumas

prerrogativas, compatibilizam-se com os preceitos constitucionais.

Conclui-se, por conseguinte, que, como existe nítida desigualdade entre o Estado e o

particular, dessa maneira devem ser os mesmos tratados.

19 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 12-13.

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4. TUTELA ANTECIPADA PROFERIDA CONTRA A FAZENDA

PÚBLICA

O Professor Cândido Rangel Dinamarco, em sua obra Reforma da Reforma, analisa as

principais alterações ocorridas no Estatuto Processual Civil, de forma balizada, inclusive as

adicionadas com o advento da Lei n. 10.444, de 7 de maio de 200220 .

Entre tantas reformulações, destaca-se o instituto da Tutela Antecipada, espécie de

modalidade das tutelas de urgência ou diferenciadas, que merece atenção especial, pela

notoriedade e eficácia que vêm alcançando seus fins, introduzindo profundas modificações no

sistema processual e do qual se passa a abordar.

A tutela antecipada é um dos temas que mais têm chamado a atenção dos

processualistas brasileiros nos últimos tempos. Instituto conhecido da doutrina há bastante

tempo e presente no ordenamento brasileiro, em normas espaçadas, como as que prevêem a

reintegração liminar da posse, o despejo liminar e o aluguel provisório, passou a merecer mais

atenção dos doutos depois que o movimento conhecido como “a reforma do Código de

Processo Civil” alterou a redação do art. 273 daquele Código, para assim, criar norma

genérica, aplicável, a princípio, a todos os processos.

Com isso, reforma processual introduzida pela Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de

1994, instituiu a figura da tutela antecipada, que pode ser deferida desde que, existindo prova

inequívoca, convença-se o juiz da verossimilhança da alegação e haja fundado receito de dano

irreparável ou de difícil reparação, ou que fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou

o manifesto propósito protelatório do réu (CPC, art. 273).

Anteriormente à reforma processual de 1994, em algumas ações, tais como, embargos

de terceiros, ação possessória, ação popular, ação civil pública, mandado de segurança, ação

expropriatória, ação direta de inconstitucionalidade, ação locatícia em algumas demandas do

Código de Defesa do Consumidor, já era possível a figura da antecipação da tutela.

A antecipação de tutela hoje prevista no art. 273 do Código de Processo Civil, no

título relativo ao processo e procedimento, do livro que cuida do processo de conhecimento, é

aplicável tanto para o procedimento ordinário quanto para o sumário (antigo sumaríssimo), e,

também, para os procedimentos especiais, regidos, subsidiariamente, pelas disposições gerais

do procedimento ordinário.

20 DINAMARCO, Candido Rangel. A Reforma da Reforma. 6.ed. rev. ampl. E atual. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 304.

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O instituto da tutela antecipada provocou, desde o seu início, diversas polêmicas,

principalmente quanto à possibilidade de sua concessão contra a Fazenda Pública, posto que

os operadores do Direito, notadamente os advogados, passaram a manusear tal tipo de tutela

de urgência em situações que envolvessem a Fazenda Pública.

Contudo, mesmo após a promulgação da Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997,

que, conforme sua ementa, "disciplina a aplicação de tutela antecipada contra a Fazenda

Pública", esse questionamento ainda restou presente, havendo muitos os que defendiam sua

impossibilidade, especialmente por força dos seguintes obstáculos: a necessidade da remessa

obrigatória; a previsão do precatório bem como “sentença judiciária”, para fins do art. 100 da

Constituição Federal, e, por fim, o elevado risco de irreversibilidade que resultaria da

efetivação do provimento antecipatório.

A Lei n.º 9.494/97, resultante da conversão da Medida Provisória n.º 1.570, estatui, em

seu artigo 1º, que, em relação à sua concessão contra a Fazenda Pública, "Aplica-se à tutela

antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil o disposto nos arts. 5º e

seu parágrafo único e 7º da Lei n.º4.438, de 26 de junho de 1964, no art. 1º e seu §4º da Lei

n.º5.021, de 9 de junho de 1966, e nos art. 1º, 3º e 4º da Lei n.º8.437, de 30 de junho de 1992."

Conta inclusive com o “acolhimento” do Supremo Tribunal Federal, lançado na

decisão da ADC nº 4-6, do Distrito Federal, ao entender que não se aplica em matéria de

natureza previdenciária.

Todas as disposições legais a que se refere o artigo acima transcrito tratam de

limitações a liminares e cautelares contra o Poder Público, e a Lei, ao impor esses limites,

reconheceu, a contrario sensu, a admissibilidade da tutela antecipada contra a Fazenda Pública

nas demais situações não alcançadas pelos dispositivos abrangidos.

Concordamos com os ensinamentos de Humberto Theodoro Júnior21, que defende que

a aplicação dos arts. 273, 461, 798 e 799 do Código de Processo Civil devem ser feitas a

todos os tipos de procedimentos, atingindo tanto os particulares como o Poder Público.

Excluindo-se, destarte, as restrições peculiares às liminares (tutelas de urgência) contra o

Poder Público, traçadas pelas Leis nº 8.437/92 e 9.494/97, assim como o Código Tributário

Nacional, as ações do contribuinte contra a Administração Pública, acerca de temas de Direito

Tributário, não escapam às liminares próprias do poder cautelar geral e do poder de

antecipação de tutela.

21 Tutela antecipada. In: Aspectos polêmicos da antecipação de tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 111.

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Entende-se, com isso, que a antecipação de tutela, novo instituto que inaugurou a

recente reforma processual, conquanto solução de grande importância para a efetividade do

direito, merece cuidadosa interpretação, para que não venha a se transformar em verdadeira

panacéia, em prejuízo das relações jurídicas e do sistema processual vigente.

Ressalta-se, no entanto, que o sistema especial não fere o princípio da isonomia, na

medida do relevo do interesse público, que goza de supremacia à frente do particular, porque

diz respeito a todos, inclusive ao demandante.

Há que observar-se inúmeras passagens no Código de Processo Civil e em outros

textos legais, que revelam a preocupação do legislador, como no caso do parágrafo 4º do art.

20, que exclui a Fazenda, na condenação, do limite mínimo na fixação dos honorários

advocatícios ou, ainda, nos casos em que dilata prazos, como os da contestação e dos recursos

(art. 188); de ineficácia da sentença sujeita ao reexame necessário (art. 475) e da sujeição da

execução ao rito dos arts 730 do Código de Processo Civil e 100, da Constituição Federal; do

procedimento para a execução fiscal (Lei n° 6.830/80), do arresto independente de

justificação judicial (art. 816, inciso I); da reintegração de posse (art.928); entre outras.

Exatamente essa sistemática voltada à segurança e proteção do interesse público,

impede a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, não se tratando, a toda evidência, de

hipótese de vedação do acesso à justiça, mas, sim, de impedimento de acesso indiscriminado,

porque contrário ao sistema legal vigente.

O texto legal é expresso ao negar eficácia à sentença proferida contra a Fazenda

Pública antes do desfecho da devolução obrigatória22.

Trata-se, portanto, de condição de eficácia da sentença. José Afonso da Silva23,

comentando o artigo 475 do Código de Processo Civil, afirma que “nesse caso, estamos diante

da sentença de eficácia pendente, isto é, pendente de uma confirmação no tribunal.”

Em recente julgamento, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que o art. 475, inciso II

do Código de Processo Civil, que trata do reexame obrigatório é “providência imperativa na

fase de conhecimento”24. Posteriormente, referido Tribunal decidiu que “sendo a decisão

submetida ao reexame obrigatório, por força do disposto no artigo 475 do Código de Processo

22 CONTE, Francesco. In: Informativo Semanal COAD. n° 25/95, p. 269; DE PAULA, Alexandre. Código de Processo Civil anotado. 7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 1372; DE ASSIS, Araken. In: Aspectos Polêmicos da Antecipação de Tutela. coord. Teresa Arruda Alvim Wambier, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 28.23 Estudos sobre o novo CPC. São Paulo: Resenha Tributária, 1999, p. 192.24 REsp 156,966-SP , Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJU 11.05.98, j. 19.03.98.

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Civil, são ineficazes os atos de liquidação eventualmente praticados, devendo a expedição do

ofício requisitório aguardar o pronunciamento do Tribunal” 25.

A respeito da tutela antecipada, a doutrina já vinha levantando vozes contrárias à sua

aplicação em face da Fazenda Pública. Merece destaque a posição de Antonio Raphael da

Silva Salvador26 ao afirmar que é:

(...) impossível a tutela antecipada concedida a favor de autor contra a União, Estados e Municípios, pois aí haveria, obrigatoriamente, pedido de reexame necessário se a concessão fosse em sentença final, o que mostra que não é possível, então, a tutela antecipada, que burlaria a proteção legal prevista no artigo 475,II do Código de Processo Civil.

Ressalte-se apenas que a grande maioria dos nobres defensores dessa tese admitem,

quando houver sério risco a inviolabilidade do direito à vida e a saúde, a mitigação dessa

vedação.

No entanto, a antecipação de tutela convive de maneira harmoniosa com as causas

sujeitas a futura suspensividade recursal, desde que atendidos os requisitos do art. 273 do

Código, pois o objetivo do instituto é justamente o de evitar que a demora na prestação

jurisdicional venha a tornar inócua a providência judicial.

Vale ressaltar que a inovação teve por objeto justamente atenuar o rigoroso

formalismo processual, diante da prova inequívoca de verossimilhança.

A Lei n° 9.494/97 estendeu a antecipação de tutela às restrições antes indicadas,

adaptando a Lei n° 8.437/92 à inovação da Lei n° 8.952/94 (reforma processual), cabendo

afirmar, segundo o raciocínio dos próprios doutrinadores avessos à tese aqui defendida, que

referida lei veio a revogar, quanto à Fazenda Pública, o disposto no art. 273, do CPC

(veiculado pela Lei. 8.952/94).

Demonstrada a constitucionalidade da norma legal, há que ser ela adequada ao sistema

legal vigente. Desde logo frisa-se que a edição do texto não significa o reconhecimento da

aplicabilidade da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, ao contrário dos argumentos já

enumerados, porque o texto legal que reafirma o sistema vigente não tem essa extensão.

Sobre isso, Cassio Scarpinella Bueno27 afirma que:

25 REsp 166.793-SP, de 23 de junho de 1998, publicado no Bol. AASP 2091/857 - Rel. Min. Helio Mosimann.26 Da Ação Monitória e da Tutela Jurisdicional Antecipada. São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p. 56.27 Tutela antecipada e ações contra o Poder Público - Reflexão quanto a seu cabimento como conseqüência da necessidade de efetividade do processo. In: Aspectos polêmicos da antecipação de tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 79.

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(...) ao estender ao instituto da tutela antecipada as mesmas restrições constantes do ordenamento jurídico brasileiro a respeito da liminar em mandado de segurança, bem como da tutela cautelar, reconheceu este ato do Executivo, para todos os fins, o cabimento deste novo instituto contra a Fazenda Pública, superando, com tal iniciativa, todos aqueles óbices legais referidos na doutrina quando da edição da Lei 8952/94 (...). Fosse descabida a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, por alguma razão relacionada à sua própria natureza ou em função do sistema processual e, certamente, não haveria preocupação em disciplinar ou restringir sua incidência nas ações movidas em face do Poder Público.

Então, a se admitir a doutrina que considera o direito à antecipação de tutela aplicável

a todo e qualquer processo, se estará não só subvertendo todo o sistema processual vigente,

como exaustivamente demonstrado, como contrariando o próprio instituto, que certamente

não foi introduzido com o objetivo de resolver o problema da morosidade da máquina

judiciária, muito mais profundo e carente de medidas de cunho administrativo, mas, sim, de

torná-la eficiente nos casos indicados, sujeitos à ordem legal.

Por outro norte, combatendo a respeitável posição do não cabimento de antecipação de

tutela contra a Fazenda Pública, parte majoritária da doutrina28 e da jurisprudência nacional29,

apontam ser inaplicável o simples argumento de que o reexame necessário impede a tutela

antecipada contra a Fazenda Pública.

Para tanto, utiliza basicamente os seguintes argumentos:

a) o reexame necessário somente diz respeito às sentenças proferidas contra a União, o

Estado, o Distrito Federal, o Município e as respectivas autarquias e fundações de direito

público, e não com relação às decisões interlocutórias proferidas contra estes;

b) se a Lei não possui comandos inúteis, e a Lei n° 9.494/97 previu os casos em que

não poderá ser antecipada a tutela contra a Fazenda Pública, por certo, nos demais casos, não

há proibição.

28 JÚNIOR, Humberto Theodoro. Aspectos Polêmicos da Antecipação de Tutela. coord. Teresa Arruda Alvim Wambier, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997; LAMEGO, Luciano De Castro. Comentários sobre a antecipação a Tutela e a Fazenda Pública. In: Revista do Curso de Direito da FUMEC. v. 2/2000, p. 39; DE MATTOS, Mauro Roberto Gomes. Da legalidade da antecipação da tutela contra o poder público – controle efetivo dos atos administrativos. In: ST. nº 107, Porto Alegre: Síntese, maio/98; ALVIM, José Eduardo Carreira. Medida Liminares e elementos co-naturais do sistema da tutela jurídica. In: Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados. v. 160, São Paulo: Vellenich, 1997, p. 88; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Antecipação da tutela em face da Fazenda Pública. In: www.vepg.br/rj/a1v1at14.htm; NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 754.29 "Afora a exceção restritiva prevista na Lei nº 9.494, de 10.9.97, é admissível a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, circunstância que demonstra presente o fumus boni iuris. A probabilidade de as autuações e as execuções fiscais levadas a efeito pelo Fisco ocasionar prejuízo de difícil ou penosa reparação configuram a presença do periculum in mora" (STJ - MC n.º 1.794, Min. Franciulli Netto). Vide ainda nesse sentido: STF RDA 222/244; REsp n.º 180.948, Min. Vicente Leal; TRF 4ª R. – AI 2001.04.01.009191-2 – RS – 6ª T. – Rel. Juiz Nylson Paim de Abreu – DJU 27.06.2001.

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Tais argumentos, por si só, serviriam para elidir a suposta vedação de antecipação de

tutela em face do reexame obrigatório.

Contudo, com o advento da Lei 10.352/2001, que introduziu alterações no Código de

Processo Civil, surge mais um fundamento afastando a suposta vedação de antecipação de

tutela contra a Fazenda Pública.

A citada Lei acrescentou o inciso VII ao artigo 520 do Código de Processo Civil,

elaborado dessa maneira: "Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e

suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença

que: (...); VII - confirmar a antecipação dos efeitos da tutela."

Assim, com essa alteração, a suposta vedação de antecipação de tutela contra a

Fazenda Pública, pelo fato de esta não possuiria eficácia, ainda que provisória, enquanto o

Tribunal ad quem não a apreciasse, passa, a partir de agora, a encontrar resistência no inciso

VII, do art. 520 do Código de Processo Civil, que estabelece regra em sentido diametralmente

oposto.

Explique-se apenas que, como, in casu, estamos cuidando de processo de

conhecimento, essa prevalência não afasta por completo o comando contido no artigo 475,

inciso I do Código de Processo Civil, mas sim, serve apenas para atribuir eficácia provisória a

sentença que confirmar a antecipação da tutela, salvo nos casos em que a lei expressamente a

vedar30.

As normas que impedem a concessão das tutelas de urgência (cautelares ou de

antecipações de tutela) em face do Poder Público objetivam evitar lesões ao patrimônio e ao

interesse públicos, que estariam sendo postos de lado em virtude da prevalência de interesses

privados, e, ainda, assegurar o contraditório da Fazenda Pública. Leva-se em consideração

também, serem necessárias tais restrições à concessão das tutelas de urgências em razão dos

princípios da indisponibilidade dos bens públicos, da continuidade do serviço público e da

presunção de legitimidade dos atos da Administração.31

Conclui-se, portanto, que a antecipação da tutela prevista no art. 273 do Código de

Processo Civil deve ser interpretada à luz do sistema processual vigente, respeitadas,

especialmente, as normas que regem as ações em que figura como parte a Fazenda Pública,

sendo os principais óbices à tutela antecipada no sistema processual brasileiro os seguintes: o

30 v.g.: Art. 3º da Lei 8.437/92 que atribui efeito suspensivo ao recurso voluntário ou ex officio interposto contra sentença em processo cautelar, proferida contra pessoa jurídica de direito público ou seus agentes, que importe em outorga ou adição de vencimentos ou de reclassificação funcional – artigo aplicável igualmente a tutela antecipada por força do artigo 1º da Lei 9.494/97.31 GUIMARÃES, José Lázaro Alfredo. As ações Coletivas e as Liminares contra Atos do Poder Público. 2.ed. Salvador: Panorama Gráfica e Editora, 1993, p. 31-32.

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reexame necessário32, pois se antecipa a sentença e esta não tem eficácia antes do desfecho da

devolução obrigatória, nos termos do art. 475 do Código de Processo Civil; nega vigência ao

art. 188 do Código de Processo Civil, pois reduz prazo de defesa e de recurso; contraria o

artigo 730 do Código de Processo Civil e o artigo 100 da Constituição Federal, bem como os

dispositivos orçamentários constitucionais, quando gera antecipação financeira. A

instrumentação da execução, além de ferir a ordem cronológica do precatório, esbarra no

conjunto de requisitos cumulativos do art. 273 do CPC, especialmente o periculum in mora e

a irreversibilidade.

Ainda, a legislação federal, editada a respeito das medidas cautelares e da antecipação

de tutela contra a Fazenda Pública - Leis n°s 8437/92 e 9494/97 -, apenas reafirmam o sistema

vigente, tendo sido julgadas constitucionais as medidas ali inseridas.

A antecipação de tutela contra a Fazenda Pública tem cabimento nas ações civis

públicas, populares e mandados de segurança, ressalvado limitações expressas em lei, como

por exemplo, em casos de aumento de vencimentos ou vantagens aos servidores públicos, ex

vi da Lei n° 9.494/97. Dessa forma, todas as demandas cuja causa de pedir esteja fora do

espectro da incidência dessa norma, não estão sujeitas àquelas limitações e, presentes, no caso

concreto, seus requisitos, virá a antecipação de tutela e sua respectiva efetivação.33

Raciocinar em sentido contrário seria o mesmo que retirar do juiz a possibilidade de

análise das reais necessidades do caso concreto, da verificação dos requisitos próprios à tutela

de urgência que a parte vem postular.

32 "O instituto da tutela antecipada, assim como qualquer medida de caráter liminar contra a fazenda pública, não se compatibiliza com o princípio do duplo grau de jurisdição necessário, eis que a decisão só se torna exeqüível após sua confirmação pelo Tribunal ad quem." (STJ – REsp 103752 – SP – 5ª T. – Rel. Min. Edson Vidigal – DJU 01.02.1999 – p. 223). "ANTECIPAÇÃO DE TUTELA EM FACE PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO – INADMISSIBILIDADE – INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA – INTELIGÊNCIA DO ART. 475, II, CPC – OBRIGATORIEDADE DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO.Ao contrário das cautelares que visam, tão-somente, à garantia processual do resultado útil da sentença, a tutela antecipada, como o próprio nome sugere, antecipa os efeitos da decisão final no todo ou em parte produzindo, portanto, os efeitos reservados à sentença transitada em julgado ou cujo recurso careça de efeito suspensivo.A natureza jurídica da antecipação da tutela esbarra com o disposto no art. 475, do Codex Instrumentalis, que exige o reexame das decisões proferidas contra as pessoas jurídicas de direito público elencadas no inciso II, do referido artigo." (TJSC - Agravo de instrumento nº 00.020316-5, da Capital, Relator: Des. Volnei Carlin). E ainda: "É inadmissível a antecipação da tutela contra a Fazenda Pública porque, se a própria sentença está sujeita ao reexame necessário, não se pode antecipar efeitos que ela não possui (...)." (TJMS – AG 66.823-5 – Classe B – XII – Campo Grande – 3ª T.Cív. – Rel. Des. Nelson Mendes Fontoura – J. 25.08.1999).33 Em sede de agravo de instrumento, o Desembargador Albano Nogueira, levando ao conhecimento do Colegiado, deixou proclamado o cabimento de antecipação de tutela em ações contra o Poder Público, extraindo-se do seu voto condutor as seguintes considerações: “(...) é possível a concessão antecipada da tutela em qualquer processo de conhecimento, desde que preenchidos os requisitos legais” (TJSP. 7ª Câmara de Direito Público. AI 5.979-5/1, SP, j. 19.08.1996, In: COAD, Informativo Semanal, v. 5, n. 77047, p. 77, 1997).

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Sendo assim, o sistema jurídico brasileiro admite o adiantamento da tutela, mesmo

quando requerido contra a Fazenda Pública, desde que a antecipação possa ocorrer sem violar

a legislação infraconstitucional que prevê casos expressos de seu não cabimento.34

5. CONCLUSÕES

1-Com a inovação surgida em 1988, não é necessário que exista a lesão, basta apenas

se vislumbrar a ameaça para que o Poder Judiciário esteja autorizado a apreciar a contenda

colocada sob sua jurisdição.35 Verifica-se, portanto, que as tutelas de urgência (tutela

provisória), aí incluída as medidas antecipatórias, provêm do sistema constitucional, sendo

instrumentos de harmonização destinados a dar condições de convivência simultânea aos

direitos fundamentais da efetividade da jurisdição e da segurança jurídica. Tem como

pressuposto uma situação de urgência, que é formada à base de cognição sumária e possui

eficácia limitada no tempo, podendo ser modificada ou revogada a qualquer tempo.

2-Dentro do princípio da efetividade está o acesso à Justiça, que deve ter como

finalidade o acesso a uma justiça organizada, que seja também assegurada por instrumentos

processuais para a realização do direito. Exemplos típicos destes instrumentos são a tutela

antecipada e a medida cautelar.

3-Trata-se de poder que nasce, não propriamente do art. 5º, incisos XXXV e LXXVIII

da Constituição unicamente, como tutela preventiva, mas do sistema constitucional

organicamente considerado, e, em ocorrendo a colisão entre segurança e efetividade da

jurisdição, tornar-se-á inafastável a necessidade de formular solução harmonizadora, tarefa

que, na omissão da lei e na falta de sua previsão expressa, deve, por imposição do sistema

constitucional, ser assumida necessariamente pelo Juiz.

4-Assim, o princípio regente é o da inafastabilidade do controle jurisdicional do ato

ilegal, ou eivado de abuso de poder, ou até mesmo da ameaça de lesão a direito.

5-Além disso, assevere-se que nem todo direito, para ser realizado, requer ampla

defesa e contraditório; o direito pode ser evidente (liquidez e certeza) ou apenas verossímil; a

34 MACHADO, Antonio Cláudio da Costa. Tutela antecipada. 2. ed. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998, p.84; FRIAS, J. E. S. Tutela antecipada em face da Fazenda Pública. Revista dos Tribunais, nº 728; BUENO, Cássio Scarpinella. Liminar em mandado de segurança: um tema com variações. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p.26-62; ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 2000. 260p.; FRIEDE, Reis. Tutela antecipada, tutela específica e tutela cautelar. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p.190; BENUCCI, Renato Luiz. Antecipação da tutela em face da Fazenda Pública. São Paulo: Dialética, 2001, 125p. 35 CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988. São Paulo: Forense Universitária, 1992. v.1, p. 437.

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situação carente de tutela jurisdicional pode estar fulcrada pela urgência; ou parcela autônoma

da lide vem trazida ao processo (sumariedade material e cognição parcial); ou o legislador

pode tratar determinadas situações isoladas de maneira diferenciada - e o processo deve ser

construído em função dessas diferenças. Assim é que, pela tutela antecipada do pedido a que

alude o art. 273 do Código de Processo Civil, o juiz pode, em sumaria cognitio, antecipar os

efeitos daquela que seria uma futura sentença de mérito.

6-Deve-se atentar, como restou registrado anteriormente, que não se trata de medida

cautelar, concedida diante das regras e princípios que disciplinam essa espécie do processo

civil contencioso, mas, sim, cuida-se de prestação jurisdicional cognitiva, consistente na

outorga adiantada da proteção que se busca no processo do conhecimento, a qual, verificados

os pressupostos da lei, é anteposta ao momento procedimental próprio. Configurados os

respectivos requisitos, que se descobrem no caput do artigo, nos seus dois incisos e no seu

parágrafo 2º, o juiz, por razões de economia, celeridade e efetividade, concede, desde logo, e

provisoriamente, a proteção jurídica, que só a sentença transitada em julgado assegura em

termos definitivos.

7-A relevância do tema é latente, caracterizando-se em verdadeiro direito fundamental

de acessibilidade do Poder Judiciário, que reclama uma tutela adequada, diferenciada e

específica, de modo a ensejar uma imediata reparação.

8-As pessoas jurídicas de Direito Público, quando forem partes em ação judicial,

também passam a desfrutar de tratamento especial não reconhecido aos particulares.

9-Apesar de atos normativos de caráter infraconstitucional vedarem o exercício

liminar da tutela jurisdicional cautelar ou antecipatória pelo Estado (Leis nºs 8.437/92 e

9.494/97), tais preceitos se interpretados de modo absoluto possuem o objetivo de aniquilar o

próprio direito material, maculando o princípio constitucional da inafastabilidade do controle

jurisdicional (art. 5º, XXXV da Carta Magna), que representa, pelo seu caráter global, o

direito de ingresso em juízo com a ação de conhecimento, como também a possibilidade de

escolha de ações que possuam rito mais célere e eficaz, no afã de que seja encurtado o tempo

de permanência em juízo.

10-Às limitações infraconstitucionais da antecipação da tutela face às pessoas jurídicas

de Direito Público, permite-nos rematar que o legislador, ao estender a tutela antecipada à

restrição de liminares no ordenamento jurídico brasileiro, reconheceu o cabimento deste

instituto em ações contra o Poder Público. Embora essas normas possam ser consideradas

constitucionais, não devem, necessariamente, ser aplicadas para todos os casos, desde que se

trate de conflito de valores jurídicos igualmente relevantes, como a prestação jurisdicional

Page 23: A EFETIVAÇÃO DAS TUTELAS DE URGÊNCIA …...tensão e a necessidade de uma rápida resposta do Judiciário, que existe em certos casos de periclitância, entre segurança e efetividade

efetiva e adequada, e a segurança jurídica e o risco de danos ao interesse público. Esta

aferição apenas poderia ser realizada em concreto, fazendo prevalecer o princípio da

efetividade da Justiça, contido no inciso XXXV do art. 5º da Carta Magna.

11-Conclui-se, portanto, que a proteção do interesse público, corolário do Estado

Democrático de Direito, não chega a afastar a efetividade da tutela antecipada, devendo o

juiz, diante de cada caso concreto, através da aplicação do princípio da proporcionalidade dos

bens jurídicos em conflito e diante do princípio da isonomia, reconhecer a aplicação da tutela

antecipada, mas repita-se com acuidade necessária para que a coletividade não seja penalizada

em detrimento do interesse individual( que em alguns casos, como a máfia montada para

fornecimento de medicamentos de alto custo e, muitas vezes ainda não aprovados pela

ANVISA, à pacientes que na maioria das vezes poderiam custear o tratamento) inviabiliza o

Sistema Único de Saúde e retira verbas preciosas da Saúde Pública .

12-As restrições legais ao poder cautelar do Juiz, dentre as quais sobreleva a vedação

de liminares contra atos do Poder Público, prevista no art. 1º da Lei nº 8.437/92, devem ser

interpretadas mediante um controle de razoabilidade da proibição imposta, a ser efetuado em

cada caso concreto, evitando-se o abuso das limitações e a conseqüente afronta à plenitude da

jurisdição do Poder Judiciário e, por expor titulares de direitos subjetivos ao perigo de lesão

grave, de difícil ou incerta reparação.