A EFICÁCIA INVERTIDA DA INTERNAÇÃO INVOLUNTÁRIA

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    A EFICCIA INVERTIDA DA INTERNAO INVOLUNTRIA

    Ela Wiecko V. de Castilho4

    Em 2010, o Presidente Lula da Silva expediu o Decreto n 7.179, que instituiu oPlano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, alterado em8/12/11, pelo Decreto n 7.637, da Presidenta Dilma Roussef. A nfase do textonas polticas de sade e de assistncia social, com vistas preveno,tratamento e reinsero social de usurios e dependentes no suficiente paraocultar o verdadeiro propsito do Executivo e do Congresso Nacional. Acartilha distribuda pelo Governo promete ampliar as vagas de internaohospitalar nas enfermarias especializadas e nas entidades da sociedade civilhabilitadas pelo SUS. Promete ainda acolhimento prolongado em serviosresidenciais e comunidades teraputicas.O que se pretende internao. E no se trata de internao voluntria. Emespecial, o usurio de crack visto como dependente qumico, portador de

    transtorno psquico, cuja vida est em perigo e que, por sua vez, representa umperigo social, porque perdeu a capacidade de autodeterminao. Parasatisfazer a fissura pela droga capaz de cometer crimes. O crack vistocomo sendo a causa da misria e da excluso. Essa crena social,acriticamente construda, d flego internao involuntria a pedido deterceiro. As demais exigncias da Lei n 10.216, de 6/4/01, como parecermdico fundamentado e comunicao ao Ministrio Pblico, no sosuficientes para desestimular a ideia da internao como o nico tratamentocapaz de resolver o problema. Da mesma forma, a crena social ampara ainternao compulsria, isto , aquela determinada pela autoridade judiciria.Atualmente, at possvel a determinao, pelo juiz, de medida cautelar de

    internao provisria no curso da investigao de crime praticado comviolncia ou grave ameaa (art. 319, VII do CPP, com a redao da Lei n12.403, de 4/5/11). Em relao criana e ao adolescente, as presunesatuam ainda com mais fora em prol da internao involuntria e compulsria.A excluso social, que levada sua significao mxima pode importar atmesmo na prpria eliminao fsica da pessoa internada involuntria oucompulsoriamente, vem sendo escamoteada por um discurso politicamentecorreto da proteo e do cuidado. Esse discurso busca seu fundamento derealidade na fora das imagens, veiculadas pela mdia nacional,das cracolndias, cenas de degradao humana exibidas como provairrefutvel da necessidade das intervenes proibicionistas e segregadoras.

    No h dvida de que o crack um problema grave, mas igualmente no hcerteza de que a segregao do usurio seja a soluo. Ao contrrio, se nodeu resultado no tratamento de doentes mentais, por que motivo teria que darcerto no tratamento de dependentes qumicos?! A internao forada ou novoluntria a anttese de toda a experincia antimanicomial, pois representaum retorno ao modelo carcerrio do passado. Alis, medidas coercitivas emgeral so adequadas ideologia do castigo, na qual, por definio, totalmente prescindvel a adeso voluntria, ativa e participativa, do sujeito. Nalgica coercitiva, o sujeito mais que passivo, convertido em objeto sobre oqual dever recair a ao definida por terceiros.O tratamento compulsrio violncia; segregao sem o devido processolegal. Significa negao da liberdade individual ou, antes, da prpria condiopara o exerccio dessa liberdade, isto , negao da prpria capacidade de

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    discernimento e tomada de decises por parte do usurio-dependente comodecorrncia do uso de droga em si mesmo. A partir desta lgica, a exceo setorna regra, o recolhimento se converte em medida preferencial sobretudoquando se trata de combater a epidemia do crack. preciso ter em conta que o tratamento no voluntrio no eficaz, porque

    no conta com o convencimento pessoal do sujeito pela interrupo do hbito.No incomum a situao de recada, o que, na lgica da internao, s podegerar novos e sucessivos recolhimentos forados. preciso ter em conta que as internaes involuntrias e compulsrias noincidem de forma igual para todos os dependentes de drogas.Da mesma maneira como ocorre com a pena privativa de liberdade e com amedida de segurana, recai preferencialmente sobre pessoas e grupos sociaisvulnerveis, em razo de idade, de sexo ou identidade de gnero, de cor, deprocedncia, de deficincia, de classe social. Assim que funciona o quechamamos de sistema de justia. A seletividade, caracterstica estruturante dosistema penal, existe em todos os pases independentemente do seu nvel de

    desenvolvimento.Uma vez internalizada na opinio pblica a imprescindibilidade da internaopara deter o consumo de drogas, necessrio responder demanda de vagasem hospitais psiquitricos. Ou, nas comunidades teraputicas. Evidentemente,o Estado no d conta da oferta. No problema, basta criar organizaes nogovernamentais e repassar-lhes os recursos financeiros. No difcil perceber,nesse cenrio, como as internaes involuntrias e compulsrias podem setornar um bom negcio. Para a perspectiva privada interessa o fomento dessainternao, pois ela garante a continuidade do aporte de recursos. preocupante o resultado que pode advir da adoo da poltica do tratamento-internao. J sabemos do fracasso da poltica proibicionista, que, ao invs dereduzir o consumo de drogas, promoveu a organizao do trfico. O que sepode esperar da poltica de tratamento? Se o consumo de drogas tende a semanter alto e cada vez mais diversificado em razo da equivocada poltica deproibio, a concomitante poltica de tratamentointernao provavelmenteincentivar indiretamente o consumo de drogas.A poltica criminalizadora de drogas que incha as prises da maioria dos pasesdo mundo, que leva formao de organizaes criminosas, violncia e corrupo, ter o reforo da poltica do tratamento-internao, que engendrarmais oportunidade de obteno de lucros. Ou seja, teremos uma eficciainvertida da poltica pblica, alm do aumento do controle punitivo, da violncia

    e da corrupo, oculto pelo discurso mdico ou religioso. As prises seroeufemisticamente chamadas de hospitais psiquitricos, clnicas e comunidadesteraputicas.