contestação - internação involuntária

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DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO REGIONAL DE SANTOS UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 Parque Bitaru CEP 11.310-380 Telefone: (13) 3467-2013 1 EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 2ª VARA DE FAMÍLIA E SUCESSÕES DA COMARCA DE SÃO VICENTE SP. Processo nº Medida protetiva para internação involuntária , brasileira, solteira, portadora da cédula de identidade RG nº. SSP/SP e do CPF nº., com residência na Rua, São Vicente/SP, por meio do Defensor Público que esta subscreve, nomeado pelo Juízo para a defesa, dispensado da apresentação do instrumento de mandato, nos termos do artigo 16, parágrafo único da Lei 1.060/50, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento no artigo 300 do Código de Processo Civil, fazendo uso das prerrogativas previstas no artigo 5º, parágrafo 5º, da Lei 1.060/50, apresentar sua necessária e tempestiva Contestação, nos autos da ação em epígrafe, pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos:

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 2ª

VARA DE FAMÍLIA E SUCESSÕES DA COMARCA DE SÃO VICENTE

– SP.

Processo nº

Medida protetiva para internação involuntária

, brasileira, solteira, portadora da cédula de identidade RG

nº. SSP/SP e do CPF nº., com residência na Rua, São Vicente/SP, por meio do

Defensor Público que esta subscreve, nomeado pelo Juízo para a defesa,

dispensado da apresentação do instrumento de mandato, nos termos do artigo 16,

parágrafo único da Lei 1.060/50, vem, respeitosamente, à presença de Vossa

Excelência, com fundamento no artigo 300 do Código de Processo Civil, fazendo

uso das prerrogativas previstas no artigo 5º, parágrafo 5º, da Lei 1.060/50,

apresentar sua necessária e tempestiva Contestação, nos autos da ação em

epígrafe, pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos:

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I. Do relatório

Trata-se de ação, com pedido liminar, que objetiva a

internação compulsória da ré no Hospital Geral Guilherme Álvaro ou, na falta de

vagas, em qualquer outro hospital da rede pública de saúde ou particular, com a

nomeação da agravada como curadora provisória para acompanhamento da ação

e da internação involuntária.

A autora sustenta que a ré possui esquizofrenia paranóide e

transtorno afetivo bipolar, mas se recusa a aceitar a internação em hospital

psiquiátrico.

Narra, ainda, que a ré foi presa em flagrante em surto

psicótico no dia 08.02.11 e que, após pedido de liberdade provisória, obteria

alvará de soltura no dia 09.02.11, por volta das 14h.

Argumenta que a ré tem direito à saúde, que a Lei 10.216/01

garante a internação involuntária e que os genitores da ré são pessoas de idade

que sofrem muito com as crises psiquiátricas, de forma que necessitam da

internação da ré para que possam se restabelecer física, emocional e

psicologicamente.

O Ministério Público manifestou-se pela concessão da

medida liminar, para o fim de determinar a internação psiquiátrica da ré.

Em seguida, o MMº. Juiz proferiu a r. decisão de fl. 38:

“Vistos.

1 – Defiro a gratuidade.

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2 – Estão presentes os requisitos para a concessão da liminar.

Os documentos médicos juntados, lavrados por psiquiatras,

atestam ser a ré portadora de ESQUIZOFRENIA

PARANÓIDE, com surtos psicóticos, e que ela se recusa a se

submeter a tratamento ambulatorial ou mesmo internação

voluntária. A autora, sua mãe, relata ser a ré agressiva e

oferecer risco à integridade física dos pais, pessoas já com

certa idade, e que não conseguem convencer a filha a se

tratar. O que gera circula vicioso de surtos e agressões.

Posto isso, DEFIRO A LIMINAR para autorizar a

internação da ré, por iniciativa de seus pais, em

estabelecimento psiquiátrico adequado para o seu quadro de

saúde, em regime fechado, independentemente do

consentimento da própria paciente, no local e pelo tempo que

for necessário segundo critério médico. Deixo de indicar o

hospital por não ser atribuição do juízo, posto que cada

unidade hospitalar tem suas regras próprias com relação a

vagas, tipo de paciente que recebe, etc., não se podendo

impor judicialmente a internação em determinado

estabelecimento sem que seja o local indicado por médico em

conjunto com a família do paciente.

Expeça-se a autorização.

3 – Sendo manifesta a incapacidade civil da ré, para receber

citação válida, nomeio CURADORA a sua mãe, autora, .

Depois de cumprida a liminar, dê-se vista dos autos à

Defensoria Pública para se manifestar na defesa dos

interesses da ré, no processo.

Int.”

Em cumprimento à ordem judicial, foi expedido alvará para

internação voluntária, assinado o compromisso de curatela e, só então, aberta

vista dos autos à Defensoria Pública.

II. Das questões preliminares

a) Da ausência de citação

Inicialmente, verifica-se que a r. decisão de fl. 38 foi

concedida e cumprida sem a citação da ré, que ainda não ocorreu, sem a

observância do procedimento previsto no artigo 218, parágrafo 1º do Código de

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Processo Civil e antes da nomeação de curador especial para atuar em sua defesa,

em violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido

processo legal.

De acordo com o artigo 218, “caput”, do Código de Processo

Civil, a citação não será feita quando se verificar que o réu é demente ou está

impossibilitado de recebê-la. Para tanto, exige o parágrafo 1º do referido artigo

que o oficial de justiça elabore certidão, descrevendo minuciosamente a

ocorrência, e que, em seguida, seja nomeado médico para examinar o citando.

Apenas após apresentação do laudo, o juiz nomeará curador ao réu e determinará

a citação na pessoa do curador, nos termos dos parágrafos 2º e 3º do Código de

Processo Civil.

Não obstante, no caso em tela, o procedimento legal não foi

realizado. Sem qualquer certidão do oficial de justiça e sem laudo médico de

perito judicial, a r. decisão de fl. 38 considerou que a ré era incapaz para receber

a citação válida e nomeou como curadora a autora.

Ocorre que não se pode presumir a incapacidade da ré para

receber a citação, sob pena de se desconsiderar a plenitude da condição de sujeito

de direitos da ré e todos os direitos garantidos às pessoas com sofrimento mental,

previstos na Constituição Federal, em diversos tratados internacionais e na

legislação infraconstitucional, como a Lei nº 10.216/01.

Salienta-se que a própria autora pleiteou a citação e

interrogatório da ré para contestar a ação (item 4 de fl. 12) e não narrou ser ela

incapaz de receber o ato citatório.

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Além disso, a r. decisão de fl. 38 descumpriu o previsto no

artigo 218 do Código de Processo Civil e os princípios do contraditório, da ampla

defesa e do devido processo legal, criando procedimento não previsto em lei,

impedindo que a ré tenha ciência da ação e, inclusive, possa constituir advogado

de sua confiança para a defender, com quem poderia ter contato pessoal para

apresentar seus argumentos e provas em sua defesa, para ter uma defesa plena e

mais concreta.

Observa-se que o artigo 2º, parágrafo único, incisos V e VII,

da Lei nº 10.216/01, considerando que a pessoa com transtorno mental é sujeito

de direitos e deve ser tratada sem qualquer tipo de discriminação, nos termos do

artigo 1º da referida lei, garante à pessoa com transtorno mental o direito de ter a

presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de

sua hospitalização involuntária e o direito de receber o maior número de

informações a respeito de sua doença e de seu tratamento.

Ademais, o artigo 5º, parágrafo único, inciso VI, da Portaria

GM nº 2.391, de 26 de dezembro de 2002, do Ministério da Saúde (documento

anexo), exige que a Comunicação de Internação Involuntária contenha a

descrição dos motivos da discordância do usuário sobre sua internação, sendo

certo que o paciente deve ser ouvido.

Contudo, tais dispositivos legais acabaram por ser

desrespeitados, diante da r. decisão judicial que determinou a internação

involuntária ré sem que ela tenha sido sequer citada da ação judicial, visto que

ela poderá ser internada sem sequer saber da existência da ação judicial e das

razões apresentadas pelo Juízo para sua internação.

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Salienta-se que a ré possui vinte e quatro anos de idade, já

atingiu a maioridade há seis anos e, até a presente data, não há notícia de que

tenha sido proposta qualquer ação de interdição por seus familiares. Aliás, a

autora propôs ação pleiteando apenas a internação involuntária da ré, mas não a

sua interdição, o que indica que a autora possa não ser incapaz para a prática dos

atos da vida civil.

Ademais, dependendo do tipo e intensidade do transtorno

mental, a ré poderia ter absoluta capacidade para receber a citação judicial, de

forma que a presunção de sua inaptidão caracteriza discriminação repelida pelo

ordenamento jurídico pátrio.

Evidente que, apenas após certificação do oficial de justiça e

laudo judicial circunstanciado e devidamente fundamentado, é que se poderia

efetuar a citação da ré na pessoa de seu curador, em observância ao artigo 218,

parágrafos 1º, 2º e 3º, do Código de Processo Civil, e artigo 6º da Lei nº

10.216/01.

Diante disso, requer-se seja determinada a regular citação da

ré e reconhecida a nulidade da r. decisão de fl. 38 ou, ao menos, que seja

determinada a suspensão da r. decisão de fl. 38.

b) Da incompetência absoluta do Juízo

Por outro lado, nota-se que o Juízo é absolutamente

incompetente para processar a presente ação, visto que a demanda, na forma

como foi proposta pela autora, não é de competência do Juízo de Família e

Sucessões, até porque não foi formulado qualquer pedido de interdição.

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Tanto é assim que a própria autora endereçou sua petição

inicial à Vara Cível da Comarca de São Vicente. Contudo, sem qualquer

justificativa, a ação foi remetida para o Juízo de Família, que, também sem

qualquer motivação acerca de sua competência para processamento do feito,

apreciou o pedido liminar e o deferiu.

Assim, requer-se seja reconhecida a incompetência absoluta

do Juízo, determinada a redistribuição dos autos ao Juízo Cível da Comarca de

São Vicente e declarada a nulidade da r. decisão de fl. 38, nos termos do artigo

113, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil.

c) Da carência da ação

Não bastasse o já alegado, a petição inicial é inepta, pois dos

fatos narrados não decorre o pedido formulado, há falta de interesse de agir e o

pedido é juridicamente impossível, de modo que o processo extinto sem

julgamento de mérito.

Verifica-se que a autora narra que a ré possui transtorno

mental e recomendação médica para internação, mas não deseja ser internada.

Diante da recusa da ré, requer seja determinada judicialmente a sua internação

involuntária sem discriminar prazo.

Ocorre que, se a ré realmente tivesse laudo circunstanciado

determinando a sua internação em virtude de transtorno mental grave, como

determina o artigo 6º da Lei nº 10.216/01, e estivessem presentes as demais

exigências legais para internação, como a autora alega estarem, a internação

involuntária poderia ocorrer independentemente de ação judicial, de modo que

dos fatos narrados não decorre o pedido formulado.

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Considerando a narrativa exposta pela autora em sua petição

inicial, falta interesse de agir a ela, pois não há necessidade da ação judicial para

ter a pretensão pleiteada reconhecida, já que a internação involuntária ocorre

sem o consentimento do paciente, a pedido de terceiro e por recomendação

médica, não por ordem judicial, nos termos do artigo 6º, parágrafo único,

inciso II, da Lei nº 10.216/01.

Importante esclarecer que a internação se dá por ordem

judicial quando ocorre na modalidade da internação compulsória, prevista no

artigo 6º, inciso III, da Lei nº 10.216/01, que é reservada para casos distintos do

presente, como os casos de medida de segurança.

Eventualmente, também é possível decisão judicial sobre

internação quando, em virtude da ausência de vagas, pleiteia-se do Poder Público

a internação em estabelecimento público ou o custeio da internação em

estabelecimento particular. Contudo, trata-se de hipótese totalmente diversa, em

que a ação é proposta contra o Poder Público, para dirimir lide existente entre a

pessoa com sofrimento mental e o Poder Público, situação não mencionada pela

autora.

Conveniente a transcrição do artigo 6º da Lei nº 10.216/01:

“Art. 6º A internação psiquiátrica somente será realizada

mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os

seus motivos.

Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de

internação psiquiátrica:

I – internação voluntária: aquela que se dá com o

consentimento do usuário;

II – internação involuntária: aquela que se dá sem o

consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e

III – internação compulsória: aquela determinada pela

Justiça.” (g.n.)

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Na verdade, no caso em tela, o que se percebe é que a ação

acaba por pretender que o Juízo realize a análise meritória sobre a necessidade ou

não de internação (o que não cabe ao Judiciário, mas à equipe técnica de saúde

mental), e supra a deficiência dos relatórios médicos apresentados pela autora,

que não constituem laudo médico circunstanciado, não atestam o esgotamento

dos recursos extra-hospitalares e, portanto, não são suficientes para que a autora

consiga internar a ré.

Conforme asseverado, se a ré realmente preenchesse os

requisitos para a internação involuntária, esta já teria ocorrido, pois, como

explicado, a internação involuntária ocorre a pedido de terceiro e por

recomendação médica, mesmo sem o consentimento do paciente.

Diante disso, apenas se pode concluir que, por não

conseguir a internação da ré, já que ela não pode ser internada sem prévia

análise de equipe técnica de saúde mental, sem esgotamento dos recursos

extra-hospitalares e sem laudo médico circunstanciado, os quais não ainda

foram realizados, a autora pretende supri-los por via judicial, formulando

pedido juridicamente impossível.

Acrescenta-se que não foi formulado pedido de interdição da

ré, o qual seria necessário, nos termos do artigo 1777 do Código Civil, até para

que fossa adequadamente fixada a pessoa do curador, de modo que o

provimento jurisdicional pleiteado não é adequado e, portanto, falta interesse de

agir.

Ademais, foi requerida a internação involuntária sem

discriminar prazo e com amplitude de locais, de forma ampla e ilegal,

formulando-se pedido juridicamente impossível, já que a internação depende de

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laudo médico circunstanciado, deve ser limitada ao período de surto, tem como

finalidade permanente a reinserção social do paciente em seu meio (artigo 2º da

Lei nº 10.216/01) e não pode acontecer em estabelecimentos asilares ou

desprovidos dos recursos que assegurem assistência integral à pessoa portadora

de transtorno mental, incluindo serviços médicos, de assistência social,

psicológicos, ocupacionais, de lazer e outros, além dos direitos previstos no

artigo 2º da Lei nº 10.216/01.

Por tais motivos, necessária se faz a extinção do processo,

sem julgamento de mérito, com fulcro no artigo 267, incisos IV, VI ou XI do

Código de Processo Civil.

III. Do mérito

Ainda que sejam afastadas as preliminares arguidas, a ação

deve ser julgada improcedente.

Inicialmente, é importante esclarecer que a autora pretende:

i) a internação involuntária da ré por ordem judicial; ii) que a internação seja feita

no Hospital Guilherme Álvaro ou, na hipótese de falta de vagas, em qualquer

outro Hospital da Rede Pública de Saúde ou em Hospital da Rede Particular de

Saúde; iii) que seja nomeada curadora da ré.

Para sustentar a internação involuntária da ré, a autora alega

que a ré sofre de esquizofrenia paranóide e transtorno afetivo bipolar, que tem

doença mental desde a adolescência, que toma vários medicamentos controlados,

que tem comportamento agressivo e inconveniente, que já agrediu seus pais e

que, em surto psicótico, foi presa em flagrante por tentativa de furto em 08.02.11.

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Acrescenta, ainda, que a ré não aceita a internação

psiquiátrica, medida que seria recomendada para garantir a sua integridade física,

a de seus familiares e a da sociedade.

Ocorre que tais argumentos não são suficientes para

justificar a internação involuntária da ré.

Conforme já asseverado, a internação involuntária ocorre

sem o consentimento do paciente e a pedido de terceiros, mas não por ordem

judicial e sim por laudo médico circunstanciado, com o preenchimento dos

estreitos requisitos previstos na Lei nº 10.216/01, visto que se trata de medida

excepcional, que deve ser limitada ao período de surto, considerando a

comprovação científica de que as internações por longo período prejudicam a

saúde do paciente.

No caso em tela, os requisitos legais para a internação

involuntária não estão presentes, até porque, se estivessem, a internação já teria

ocorrido sem a necessidade de ação judicial.

A autora narra que a ré possui esquizofrenia paranóide e

transtorno afetivo bipolar e, nesse sentido, apresenta relatórios médicos

subscritos pela médica particular, Dra. , do ano de 2010 e 2011 (fls. 17, 18, 19

e 27).

Nota-se que ambos os relatórios apresentam descrição de

sintomas semelhantes, mas com diagnósticos distintos, ora de transtorno afetivo

bipolar, ora de esquizofrenia paranóide, o que evidencia alguma imprecisão

quanto ao diagnóstico.

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Observa-se que o relatório médico mais recente (fl. 27),

apresentado pela autora, indica, sucintamente, que a ré apresenta crises psicóticas

frequentes e necessita de internação psiquiátrica, embora esteja fazendo uso

diário de medicamento.

Não bastasse isso, é certo que nenhum dos documentos

apresentados configura o laudo médico circunstanciado exigido pelo artigo 6º,

“caput”, da Lei nº 10.216/01.

O laudo médico circunstanciado deve apresentar,

minuciosamente, os motivos que justificam a internação, os quais não foram

devidamente apresentados nos relatórios juntados pela autora.

Além da existência de diagnóstico fechado, com a descrição

da intensidade e gravidade da doença, o laudo deve indicar a necessidade da

extrema medida, que somente pode ser realizada após frustrados os recursos

extra-hospitalares, de acordo com o artigo 4º da Lei nº 10.216/01.

No presente caso, a autora apenas informa que a ré estava

em tratamento com médica particular Dra. , sem especificar a

frequência, característica e recursos envolvidos nos atendimentos para que se

possa aferir se foram esgotados todos os recursos extra-hospitalares disponíveis.

Os relatórios médicos, por sua vez, também não indicam

quais recursos extra-hospitalares vinham sendo utilizados pela ré e muito menos

que eles tenham sido esgotados.

Observa-se que somente foram apresentados receituários de

atendimento no sistema público de saúde no ano de 2009, que não prescrevem a

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necessidade de internação, o que indica que, desde então, a ré apenas vinha

fazendo atendimento psiquiátrico particular, como narrado pela autora, e não

vinha fazendo uso de todos os diversos programas e recursos extra-hospitalares

disponíveis para o seu atendimento, conforme documentos anexos, que são

eminentemente públicos e devem ser oferecidos pelo Município de São Vicente,

que possui Gestão Plena e, portanto, está compromissado com a proteção social

especial de alta complexidade, de acordo com o Plano Nacional de Assistência

Social, com a Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social

e com o Plano Estadual de Assistência Social.

Ressalta-se que, de acordo com o artigo 2º, parágrafo único,

incisos I, VIII e IX, da Lei nº 10.216/01, a pessoa com transtorno mental tem

direito a ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às

suas necessidades; a ser tratada em ambiente terapêuticos pelos meios menos

invasivos possíveis; ser tratada, preferencialmente, em serviços de saúde mental.

Ademais, a necessidade ou não de internação deve ser

avaliada por equipe técnica de saúde mental, de composição multidisciplinar e

pública, que avalie a condição do paciente em sua complexidade e que considere

a normativa e os recursos disponíveis no sistema público de atendimento, para

que haja efetivo controle da extrema medida, o que não ocorreu no caso em

questão.

Nesse sentido, o relatório final da III Conferência Nacional

de Saúde Mental, convocada pelo Ministro da Saúde e organizada pelo Conselho

Nacional de Saúde (SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. CONSELHO NACIONAL

DESAÚDE. Comissão Organizadora da III CNSM. Relatório Final da III

Conferência Nacional de Saúde Mental. Brasília, 11 a 15 de dezembro de 2001.

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Brasília: Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, 2002, 213 p., ISBN

85-334-0592-8):

“6. Controle da internação psiquiátrica

No curso do processo de Reforma Psiquiátrica, é necessário

que os gestores estaduais e municipais estabeleçam

mecanismos efetivos para o controle das internações

psiquiátricas. Com este objetivo, foram aprovadas também as

seguintes propostas:

119. Estabelecer formas de controle único para a emissão de

AIH, assegurando que todas as internações necessárias sejam

autorizadas pelo serviço público, preferencialmente de base

territorial, constituído por equipe de saúde mental.

120. A internação e a reinternação psiquiátrica deverão

ocorrer após avaliação da equipe técnica de saúde mental dos

serviços substitutivos.

121. Estimular a criação de centrais de regulação de

internaçãopsiquiátrica com o objetivo de evitar internações

não indicadas.

122. Rever o critério de tempo de internação e garantir, por

meio de supervisões institucionais e fiscalizações, que o

tempo de internação seja o mais breve possível, de acordo

com avaliação e conduta psiquiátrica e da equipe

multiprofissional.” (p. 46-48, g.n.).

Importante assinalar, também, que o laudo circunstanciado

de internação involuntária deve conter informações sobre os motivos da

discordância do usuário sobre sua internação, sobre a previsão estimada do

tempo de internação, sobre o local de internação, sobre o contexto familiar do

paciente etc., até porque tais informações deverão constar, obrigatoriamente, na

Comunicação de Internação Involuntária, nos termos do artigo 5º, parágrafo

único, da Portaria GM nº 2.391, de 26 de dezembro de 2002, do Ministério da

Saúde (documento anexo). Contudo, nenhuma dessas informações foram

apresentadas nos relatórios médicos juntados.

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De outro lado, verifica-se que a autora não comprova que a

ré tenha doença mental desde a adolescência e nem que ela tenha comportamento

agressivo ou tenha agredido seus pais.

A ré já possui vinte e quatro anos e sua interdição nunca foi

pleiteada. Ademais, não há nos autos documentos que atestem que a ré tenha

iniciado tratamento médico antes de 2009.

Observa-se, outrossim, que o boletim de ocorrência juntado

não indica que a ré tenha praticado qualquer ato violento contra o proprietário do

automóvel e nem contra os policiais que a abordaram e conduziram à Delegacia

da Polícia, sendo que não os relatórios médicos juntados apenas não apontam que

a ré tem comportamento inadequado e agitado.

Importante destacar que não se pode utilizar o referido

transtorno mental da ré, de intensidade e natureza ainda não suficientemente

demonstradas, de forma discriminatória, presumindo-se a necessidade de

internação como forma de auto-preservação, como veda o artigo 1º da Lei

10.216/01, até porque as internações são excepcionais, temporárias e não

configuram a melhor alternativa terapêutica.

Não se pode deixar de considerar que a internação representa

extrema violência ao direito de liberdade da ré e pode caracterizar grave ou até

irreparável prejuízo à sua saúde, caso realmente ela não seja necessária,

sobretudo da forma ampla como foi pleiteada.

Sobre o tema, conveniente a transcrição da r. decisão do

Desembargador Relator, Dr. Testa Marchi, que bem observou a excepcionalidade

da internação psiquiátrica e a necessidade de prévia perícia médica, com laudo

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circunstanciado, considerando que a medida representa extremo cerceamento à

liberdade:

“Tendo em vista a exigência legal, ainda não atendida pela

requerente, reputa-se conveniente, dada a situação

superveniente da alegada piora no estado de saúde do

requerido, uma prévia elaboração de perícia médica, com

laudo circunstanciado em que constem os elementos hábeis a

respaldar a medida que, conquanto possa ser salutar ao

interdito e à família, se mostra constritiva, em razão da

compulsoriedade. A cautela se justifica em virtude de que a

Lei n° 10.216/01, em seu art. 4o estabelece um limite

temporal para a internação e prevê que só deve ser indicada

quando os recursos extra-hospitalares ministrados tenham se

revelado insuficientes e, no caso, se revele a conveniência de

manter o paciente internado.

Acresce, ainda, que o mesmo art. 4o, em seus parágrafos

disciplina que o tratamento deve primar pela reinserção social

do paciente e oferecer assistência integral através de uma

equipe multidisciplinar. Ademais, em face da ausência de

dispositivo legal que autorize, de forma automática, ou ao

menos, desprovida de melhores elementos, a concessão da

tutela pleiteada, determinando a internação do paciente em

estabelecimento psiquiátrico, deve ser mantida a r. decisão

impugnada, até que ultimada a perícia médica, uma vez que a

internação compulsória, embora se destine à preservação da

saúde do paciente e bem estar dos que o cercam, não deixa de

ser um ato que, ao menos em tese, cerceia sua liberdade, o

que revela o cuidado com que agiu o MM. Juiz.

4. Ante o exposto, nega-se provimento ao agravo.”

(TJ/SP; Agravo de Instrumento n° 0162775-

16.2010.8.26.0000; Relator (a): Testa Marchi; Órgão

julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; da Comarca de

Bauru; Data do julgamento: 18/01/2011).

Observa-se que os princípios da reforma psiquiátrica e o

Relatório Final da IV Conferência Nacional de Saúde Mental (SISTEMA

ÚNICO DE SAÚDE. CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Comissão

Organizadora da IV Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial.

Relatório Final da IV Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial, 27

de junho a 1º de julho de 2010. Brasília: Conselho Nacional de Saúde/Ministério

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17

da Saúde, 2010, 210 p.), convocada pelo Ministro da Saúde, objetivam a

desinstitucionalização e a extinção dos hospitais psiquiátricos para internação em

regime fechado:

“2.4 ­ Atenção às pessoas em crise na diversidade dos

serviços

Princípios e diretrizes gerais

396. A consolidação da reforma psiquiátrica exige a

priorização, por parte dos gestores dos níveis federal,

estadual e municipal, da atenção à crise no âmbito da rede

substitutiva em saúde mental, considerando sua importância

fundamental na implementação de um processo efetivo que

possibilite a extinção dos hospitais psiquiátricos e de

quaisquer outros estabelecimentos em regime fechado.

397. Dessa forma, a IV Conferência ratifica a criação, o

fortalecimento, e a ampliação da rede de saúde mental e de

ações articuladas ­ saúde mental na atenção básica,

ambulatórios de saúde mental, Núcleos de Apoio à Saúde da

Família (NASF), Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS),

Residências Terapêuticas, CAPS I, II, III, CAPSi, CAPSad,

Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU 192),

Unidades de Pronto Atendimento (UPA)/Pronto

Atendimento, e leitos em hospitais regionais e gerais ­,

destacando que essa rede deve atuar na lógica antimanicomial

e interdisciplinar, integrada nas três esferas de governo.

398. Em paralelo, a Conferência enfatiza o

descredenciamento progressivo dos leitos psiquiátricos da

rede privada e a desativação progressiva dos hospitais

psiquiátricos públicos, com o cumprimento dos prazos

estabelecidos pelo Programa Nacional de Avaliação dos

Serviços Hospitalares/Psiquiatria (PNASH/Psiquiatria), e a

necessidade de garantir a participação das organizações de

usuários e de familiares, assim como o deslocamento dos

recursos financeiros para a criação e manutenção dos serviços

substitutivos.

(...)

Atenção à crise na rede

403. Extinguir definitivamente toda e qualquer forma de

internação de cidadãos com sofrimento psíquico em hospitais

psiquiátricos e em quaisquer outros estabelecimentos de

regime fechado, acabando também com a

eletroconvulsoterapia no Brasil.

404. Garantir e ampliar o atendimento das situações de crise

em saúde mental 24 horas, priorizando CAPS III, no Pronto

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Socorro Geral em articulação com a rede SAMU 192; em

municípios que não tenham estes dispositivos, garantir que os

serviços de emergência atendam às situações de crise em

saúde mental facilitando o acesso aos demais serviços de

saúde.

405. Garantir, sempre que o usuário com sofrimento psíquico

estiver em crise e que se faça necessária a intervenção em

emergência hospitalar, esta ocorra nos hospitais gerais que

tenham serviço de urgência e emergência.

406. Atender as emergências psiquiátricas em unidades gerais

24 horas, contando ainda com equipes volantes para dar

suporte matricial às unidades básicas e secundárias de saúde.

407. Garantir, em todo território nacional, a implantação

imediata de CAPS III, conforme a legislação vigente, dando

ênfase à importância desse dispositivo na atenção à crise na

rede substitutiva de saúde mental, dispensando o recurso ao

hospital psiquiátrico.

408. Garantir leitos de retaguarda noturna, finais de semana e

feriados, em Hospitais Gerais, inclusive em municípios de

pequeno porte, para cidadãos com sofrimento psíquico, assim

como leitos para síndrome de abstinência e desintoxicação

para adultos, crianças e adolescentes, com equipe capacitada

possibilitando tratamento humanizado.

(...)

2.5 ­ Desinstitucionalização, inclusão e proteção social:

Residências Terapêuticas, Programa de Volta para Casa e

articulação intersetorial no território

Princípios e diretrizes gerais

425. A consolidação da política de saúde mental do SUS,

orientada pelos princípios da reforma psiquiátrica, exige

estimular, ampliar e garantir os programas de

desinstitucionalização ­ com o conseqüente fechamento dos

leitos psiquiátricos ­ e a rede de serviços substitutivos que

favoreçam a inclusão e proteção a todos os cidadãos com

sofrimento psíquico.

426. Com essa perspectiva, a IV Conferência enfatiza a

necessidade de garantir e ampliar o acesso aos Serviços

Residenciais Terapêuticos e ao Programa de Volta para Casa

às pessoas com transtornos mentais que deles precisem, com

ampliação do processo de financiamento. No sentido de

garantir a acessibilidade devem ser desencadeados

movimentos na direção de revisão das normativas e

legislação existentes.

427. Nesse contexto, é de fundamental importância ampliar

estratégias para fortalecer o protagonismo das famílias e dos

usuários dos serviços de saúde mental, tendo em vista a

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necessidade de lutar contra o estigma e de favorecer a

inclusão social das pessoas com transtornos mentais.

428. Destaca­se, ainda, a relevância de todos os atores

assumirem o compromisso de não admitir nenhum tipo de

postura ou incentivo que contrarie os princípios da reforma

psiquiátrica, assim como não admitir políticas públicas

discriminatórias e excludentes aos cidadãos com sofrimento

psíquico.” (fls. 74-78, g.n.)

Acrescenta-se que os princípios da reforma psiquiátrica

foram incorporados inclusive no âmbito da aplicação das medidas de segurança,

conforme prevê o artigo 17 da Resolução nº 113, de 20 de abril de 2010, do

Conselho Nacional de Justiça:

“Art. 17 O juiz competente para a execução da medida de

segurança, sempre que possível buscará implementar

políticas antimanicomiais, conforme sistemática da Lei nº

10.216, de 06 de abril de 2001.”

No mesmo sentido, os artigos 1º e 4º da Resolução nº 4, de

30 de julho de 2010, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária:

“Art. 1º - O CNPCP, como órgão responsável pelo

aprimoramento da política criminal, recomenda a adoção da

política antimanicomial no que tange à atenção aos pacientes

judiciários e à execução da medida de segurança.

§ 1° - Devem ser observados na execução da medida de

segurança os princípios estabelecidos pela Lei 10.216/2001,

que dispõe sobre a proteção dos direitos das pessoas

portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo

assistencial de tratamento e cuidado em saúde mental que

deve acontecer de modo antimanicomial, em serviços

substitutivos em meio aberto;

(...)

Art. 4º - Em caso de internação, mediante o laudo médico

circunstanciado, deve ela ocorrer na rede de saúde municipal

com acompanhamento do programa especializado de atenção

ao paciente judiciário.

Parágrafo único - Recomenda-se às autoridades responsáveis

que evitem tanto quanto possível a internação em manicômio

judiciário.”

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Não se pode deixar de observar, ainda, que a autora não

especificou o tempo da internação involuntária desejada e, embora tenha

indicado a preferência pela internação no Hospital Guilherme Álvaro, requereu,

subsidiariamente, a internação em outro Hospital da Rede Pública ou Particular.

Evidente que o pedido é extremamente amplo e não pode ser

acolhido, sob pena de concessão de verdadeira carta branca à autora, pois a

internação deve ser limitada ao período de surto, tem como finalidade

permanente a reinserção social do paciente em seu meio (artigo 4º, parágrafo 1º,

da Lei nº 10.216/01) e não pode ser feita em estabelecimentos asilares ou

desprovidos dos recursos que assegurem assistência integral à pessoa portadora

de transtorno mental, incluindo serviços médicos, de assistência social,

psicológicos, ocupacionais, de lazer e outros, além dos direitos previstos no

artigo 2º da Lei nº 10.216/01.

Acrescenta-se que, na hipótese de internação por ordem

judicial, cabe ao juiz levar em conta as condições de segurança do

estabelecimento quanto à salvaguarda da paciente, dos demais internados e

funcionários, nos termos do artigo 9º da Lei 10.216/01, de forma que não é

suficiente a menção genérica de internação em estabelecimento adequado.

Além disso, incumbe ao Ministério Público o controle da

internação psiquiátrica involuntária e dos estabelecimentos adequados para tanto,

o que evidencia a importância do controle sobre o local de internação.

Nunca é demais lembrar o trágico caso do Sr. Damião

Ximenes Lopes, que, em 1999, foi vítima de tortura, maus tratos e faleceu nas

dependências da clínica psiquiátrica Casa de Repouso Guararapes, o que

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ocasionou a condenação do Brasil perante a Corte Interamericana de Direitos

Humanos.

Deve-se mencionar, outrossim, que a autora não apresentou

argumentos e provas suficientes que justifiquem que ela seja nomeada curadora

da ré, discussão que deveria ser objeto de ação de interdição, ainda não proposta,

não obstante a autora relate que a ré sofre de transtornos mentais desde a sua

adolescência.

Embora seja sua mãe e demonstre interesse na curadoria, a

autora narra que é idosa, que tem dificuldades de lidar com os referidos

transtornos da ré e ainda pleiteia a internação como medida de proteção para si, o

que indica que, eventualmente, a curadoria poderia ser melhor exercida por outro

parente ou outra pessoa próxima.

Por todas essas razões, requer-se a total improcedência da

ação.

Subsidiariamente, caso se entenda viável a internação

involuntária por ordem judicial, necessário que esta seja: i) condicionada à

análise positiva de equipe técnica de saúde mental e elaboração de laudo médico

circunstanciado; ii) realizada em Unidade de Internação Psiquiátrica em Hospital

Geral, comprovadamente adequada às exigências da Lei nº 10.216/01; iii)

limitada ao prazo máximo de duração do surto, exigindo-se do curador a

apresentação de relatório mensal sobre o estado de saúde da ré e a necessidade de

manutenção da internação, sem prejuízo das demais avaliações previstas em lei,

realizadas na unidade de internação e pela Comissão Revisora de Internação

Psiquiátrica Involuntária; iv) realizada conforme a Lei nº 10.216/01 e demais

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regulamentações, da forma terapêutica mais adequada, afastando-se o regime

fechado.

Observa-se que a própria autora não requereu a internação

psiquiátrica em regime fechado, como acabou por ser deferido pela r. decisão de

fl. 38, de modo que tal determinação deve ser afastada, sob pena de julgamento

diverso do pedido e cerceamento indevido da liberdade da ré.

Não se deixa de mencionar que eventual imposição de

medida de segurança somente pode ser feita por Juízo Criminal e em processo

criminal, após comprovação da prática de crime.

Assim, caso não seja extinta e nem julgada improcedente a

ação, requer-se sejam determinados os condicionamentos e requisitos

apresentados.

IV. Dos pedidos

Diante de todo o exposto, requer-se:

a) seja determinada a regular citação da ré e reconhecida a

nulidade da r. decisão de fl. 38 ou, ao menos, que seja determinada a suspensão

da r. decisão de fl. 38;

b) seja reconhecida a incompetência absoluta do Juízo,

determinada a redistribuição dos autos ao Juízo Cível da Comarca de São

Vicente e declarada a nulidade da r. decisão de fl. 38, nos termos do artigo 113,

parágrafo 2º, do Código de Processo Civil;

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c) seja determinada a extinção do processo, sem julgamento

de mérito, com fulcro no artigo 267, incisos IV, VI ou XI do Código de Processo

Civil;

d) a produção de todas as provas em direito admitidas,

requerendo, desde já: i) o interrogatório da ré e o depoimento pessoal da autora;

ii) a realização de estudo psicossocial na residência da autora; iii) a realização de

perícia sobre a ré pela equipe técnica de saúde mental do CAPS III - Mater de

São Vicente; iv) a expedição de ofício ao Hospital Guilherme Álvaro, solicitado

informações sobre a suposta tentativa de internação da ré no local; v) a expedição

de ofício ao CREI de São Vicente, com cópias de fl. 23, solicitando-se prontuário

e relatório médico dos atendimentos realizados pela ré no local; vi) a intimação

da autora para que informe o local de internação da ré e do Ministério Público

Estadual para que informe se recebeu notícia da internação da ré (artigo 8º,

parágrafo 1º, da Lei 10.216/01), expedindo-se ofício ao local para que apresente

prontuário e relatório de internação da ré;

e) superadas as preliminares suscitadas, seja julgada

totalmente improcedente a ação;

f) subsidiariamente, no caso de procedência da ação, que a

internação seja: i) condicionada à análise positiva de equipe técnica de saúde

mental e elaboração de laudo médico circunstanciado; ii) realizada em Unidade

de Internação Psiquiátrica em Hospital Geral, comprovadamente adequada às

exigências da Lei nº 10.216/01; iii) limitada ao prazo máximo de duração do

surto, exigindo-se do curador a apresentação de relatório mensal sobre o estado

de saúde da ré e a necessidade de manutenção da internação, sem prejuízo das

demais avaliações previstas em lei, realizadas na unidade de internação e pela

Comissão Revisora de Internação Psiquiátrica Involuntária; iv) realizada

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conforme a Lei nº 10.216/01 e demais regulamentações, da forma terapêutica

mais adequada, afastando-se o regime fechado;

g) a intimação do Ministério Público dos demais atos do

processo, inclusive para se manifestar sobre a contestação apresentada;

h) a concessão dos benefícios da assistência jurídica gratuita,

nos termos da Lei 1.060/50, tendo em vista que a ré está sendo defendida pela

Defensoria Pública do Estado de São Paulo, nomeada pelo Juízo para tanto;

i) a concessão de prazo em dobro e a intimação pessoal de

todos os atos do processo, nos termos do artigo 5º, parágrafo 5º, da Lei 1.060/50.

Termos em que,

pede deferimento.

São Vicente, 24 de março de 2011.

Rafael Rocha Paiva Cruz

Defensor Público