A engenharia e a construção do brasil

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1 A ENGENHARIA E A CONSTRUÇÃO DO BRASIL Fernando Alcoforado* A história da arquitetura e da engenharia no Brasil começa em 1549, com a fundação do Governo Geral e da Cidade do Salvador por Thomé de Souza. O primeiro Governador Geral trouxe consigo um grupo de profissionais construtores com a ordem do Rei D. João III para que fizessem “uma fortaleza de pedra e cal e uma cidade grande e forte... como melhor poder ser”. A engenharia entrou no Brasil através das atividades de duas categorias de profissionais: os oficiais-engenheiros e os então chamados mestres de risco construtores de edificações civil e religiosa graças a cuja atividade os brasileiros de então tiveram teto, repartições e templos. O marco fundamental para o ensino superior no Brasil foi a vinda da família real portuguesa para o País, em 1808, fato este que permitiu a criação de diversas instituições. Em 1810 foi criada a Academia Real Militar, a partir das instalações da Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, cujo objetivo era formar oficiais de infantaria, de artilharia, de engenharia e oficiais de classe de engenheiros geógrafos e topógrafos, com a incumbência de dirigir sistemas administrativos, de minas, de caminhos, portos, canais, pontes, fontes e calçadas. Ao longo da história da Engenharia brasileira tem sido grande o número de engenheiros e empresas, das mais diversas áreas de atividades, que se têm se destacado pela criatividade e pioneirismo das soluções adotadas nos projetos e nas obras que executaram. Da época da instalação das grandes siderúrgicas a partir da industrialização na década de 1930 durante o governo Getúlio Vargas, que alteraram o modelo e as possibilidades de crescimento do País, da fase da abertura dos eixos rodoviários de penetração, da construção de Brasília, na ação desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek e da construção das grandes hidrelétricas a partir da década de 1950, até o completo domínio da tecnologia de exploração de petróleo “off shore” na década de 1990, muitas empresas nacionais e muitos engenheiros ajudaram a modernizar e a desenvolver o Brasil. O Brasil é plenamente desenvolvido em diferentes setores de Engenharia. Da construção de estradas ao setor energético tudo é possível de ser projetado e construído no Brasil. Em alguns setores, inclusive, o Brasil é referência mundial, como é o caso dos programas ligados ao Proálcool e biodiesel, à exploração de petróleo em águas profundas, construções de grandes hidroelétricas, como Itaipu, a maior em operação até bem pouco tempo, projetada, construída e montada por empresas brasileiras. Os engenheiros e empresas de engenharia colaboraram decisivamente para desencadear o processo de modernização do País. É importante destacar também os administradores públicos engenheiros que tiveram larga visão e contribuíram para materializar ousados projetos de infraestrutura de energia, transportes e comunicações implantados no Brasil nos últimos 60 anos. Cabe lugar de relevo, também, os pioneiros na fabricação de máquinas e equipamentos, além de bens de capital e fornecedores de insumos que ajudaram a proporcionar extraordinário impulso à Engenharia e à Construção brasileiras. A Engenharia foi, portanto, responsável pela construção do Brasil moderno. Apesar da enorme contribuição da engenharia brasileira à modernização do Brasil, ela precisa se fortalecer ainda mais para contribuir para o progresso do País. Um dos

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A ENGENHARIA E A CONSTRUÇÃO DO BRASIL

Fernando Alcoforado*

A história da arquitetura e da engenharia no Brasil começa em 1549, com a fundação do Governo Geral e da Cidade do Salvador por Thomé de Souza. O primeiro Governador Geral trouxe consigo um grupo de profissionais construtores com a ordem do Rei D. João III para que fizessem “uma fortaleza de pedra e cal e uma cidade grande e forte... como melhor poder ser”. A engenharia entrou no Brasil através das atividades de duas categorias de profissionais: os oficiais-engenheiros e os então chamados mestres de risco construtores de edificações civil e religiosa graças a cuja atividade os brasileiros de então tiveram teto, repartições e templos.

O marco fundamental para o ensino superior no Brasil foi a vinda da família real portuguesa para o País, em 1808, fato este que permitiu a criação de diversas instituições. Em 1810 foi criada a Academia Real Militar, a partir das instalações da Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, cujo objetivo era formar oficiais de infantaria, de artilharia, de engenharia e oficiais de classe de engenheiros geógrafos e topógrafos, com a incumbência de dirigir sistemas administrativos, de minas, de caminhos, portos, canais, pontes, fontes e calçadas. Ao longo da história da Engenharia brasileira tem sido grande o número de engenheiros e empresas, das mais diversas áreas de atividades, que se têm se destacado pela criatividade e pioneirismo das soluções adotadas nos projetos e nas obras que executaram. Da época da instalação das grandes siderúrgicas a partir da industrialização na década de 1930 durante o governo Getúlio Vargas, que alteraram o modelo e as possibilidades de crescimento do País, da fase da abertura dos eixos rodoviários de penetração, da construção de Brasília, na ação desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek e da construção das grandes hidrelétricas a partir da década de 1950, até o completo domínio da tecnologia de exploração de petróleo “off shore” na década de 1990, muitas empresas nacionais e muitos engenheiros ajudaram a modernizar e a desenvolver o Brasil. O Brasil é plenamente desenvolvido em diferentes setores de Engenharia. Da construção de estradas ao setor energético tudo é possível de ser projetado e construído no Brasil. Em alguns setores, inclusive, o Brasil é referência mundial, como é o caso dos programas ligados ao Proálcool e biodiesel, à exploração de petróleo em águas profundas, construções de grandes hidroelétricas, como Itaipu, a maior em operação até bem pouco tempo, projetada, construída e montada por empresas brasileiras. Os engenheiros e empresas de engenharia colaboraram decisivamente para desencadear o processo de modernização do País. É importante destacar também os administradores públicos engenheiros que tiveram larga visão e contribuíram para materializar ousados projetos de infraestrutura de energia, transportes e comunicações implantados no Brasil nos últimos 60 anos. Cabe lugar de relevo, também, os pioneiros na fabricação de máquinas e equipamentos, além de bens de capital e fornecedores de insumos que ajudaram a proporcionar extraordinário impulso à Engenharia e à Construção brasileiras. A Engenharia foi, portanto, responsável pela construção do Brasil moderno.

Apesar da enorme contribuição da engenharia brasileira à modernização do Brasil, ela precisa se fortalecer ainda mais para contribuir para o progresso do País. Um dos

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grandes desafios para a engenharia brasileira diz respeito à sua contribuição à participação do Brasil na corrida à inovação ao nível global. A situação brasileira é desvantajosa porque, enquanto os Estados Unidos, por exemplo, têm 800 mil cientistas trabalhando em pesquisa e desenvolvimento dos quais 81% estão nas empresas, 4% no governo e 15% em instituições de ensino superior, o Brasil possui apenas 137 mil cientistas dos quais 65% dos pesquisadores estão nas universidades, 27% nas empresas e 8% no governo. Estes números mostram que, ao contrário dos Estados Unidos, a contribuição das empresas em P&D no Brasil é muito pequena.

Outro aspecto a considerar é a de que é ridículo falar em inovação tecnológica no Brasil com a indústria desnacionalizada e com os seus centros das decisões sobre produção e mercados, situados no exterior, como é o caso da indústria brasileira. Tudo isto explica porque o Brasil continua sendo um dos países menos inovadores do mundo. A indústria desnacionalizada é fator determinante para o Brasil ser um país que investe pouco em pesquisa, menos de 1 % do seu PIB, enquanto a maioria dos países industrializados está no patamar médio de 3%. O Brasil investe pouco em educação, algo como 4,5% do PIB, enquanto nos países desenvolvidos esse índice chega a 7% ou mais.

Para a Engenharia brasileira elevar seu nível de contribuição ao progresso do Brasil, é preciso melhorar a qualidade da educação no País que é muito baixa. Segundo avaliação da OCDE de 2010 – Programa Internacional de Avaliação de Alunos, PISA – o Brasil está em 55º lugar, entre 65 países analisados. Abaixo do Chile, Uruguai, México e Trinidad e Tobago. Os dois melhores lugares estão ocupados pela China e pela Coréia do Sul. Os alunos brasileiros do nível médio brasileiro ficaram abaixo da média em leitura, matemática e ciência. Ora, são justamente essas disciplinas que representam os fundamentos para a formação do engenheiro. A absorção de conhecimentos nos atuais cursos de engenharia no Brasil não é eficiente porque as escolas de engenharia absorvem boa parte dos alunos de nível médio com insuficiência em português, matemática e ciência.

Os atuais cursos de engenharia no Brasil têm um número excessivo de especializações na graduação, No Brasil, os cursos de engenharia deveriam ser reestruturados visando formar o engenheiro básico cujas atribuições seriam redefinidas pelo Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA) e pelo Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CREA), bem como as atribuições dos mestres e doutores de acordo com sua especialização. Deve-se também incluir a experiência adquirida na educação continuada. O Brasil precisa equacionar definitivamente a questão da educação em todos os níveis de ensino, fundamento de todas as políticas públicas, a principal delas, a única que pode produzir cidadãos habilitados a participarem como protagonistas do processo de desenvolvimento do Brasil. Daí a importância dos engenheiros, pois eles resumem na sua formação os saberes do que fazer e como fazer, indispensáveis ao processo de desenvolvimento de uma sociedade industrial moderna.

Outro grande desafio da engenharia brasileira reside no fato de haver insuficiência de engenheiros no Brasil. Segundo dados do CONFEA, existem no Brasil 712,4 mil engenheiros. De acordo com estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), para dar conta da demanda por engenheiros, seria necessário formar 60 mil engenheiros por ano no Brasil. Mas o que acontece no Brasil é que apenas 48 mil obtêm este diploma a cada ano. Uma das causas da insuficiência de engenheiros no Brasil resulta, entre outros fatores, da desistência ou evasão dos alunos durante o curso que é muito grande

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chegando a 60%. A evasão acontece no primeiro e no segundo ano principalmente pela formação deficiente em matemática e física do estudante no ensino médio que, em muitos casos, tem dificuldade para acompanhar o curso.

Outra causa da insuficiência de engenheiros no Brasil reside no fato de muitos deles não trabalharem na profissão. Segundo o IPEA, em 2008, o número de graduados em Engenharia era de aproximadamente 750 mil profissionais, enquanto que o estoque de empregos formais nas ocupações típicas destes trabalhadores era de 211,7 mil. Em outras palavras, para cada dois graduados em engenharia trabalhando com carteira assinada em ocupações típicas de sua formação, há outros cinco em uma das seguintes situações: exercendo outras ocupações, desempregados, exercendo atividades como profissionais não assalariados, trabalhando em outros países ou simplesmente fora do mercado de trabalho. Segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Brasil precisaria de mais 150 mil engenheiros até o final de 2012, por causa de investimentos no setor de energia, infraestrutura e a descoberta do pré-sal. Uma das áreas com maior necessidade de profissionais é a de petróleo e gás. O IPEA estima que em 2015, caso o crescimento do PIB fique em 5% ao ano, serão necessários 1,155 milhões de engenheiros. E, com crescimento de 7% ao ano, serão necessários 1,462 milhão de engenheiros. A projeção para 2022 aponta a necessidade de 1,565 milhões de engenheiros em ocupações típicas.

Além da carência de engenheiros, o Brasil forma mais de 77% de engenheiros em apenas quatro especialidades: técnico industrial (339.822, ou 33,87% do total), engenheiro civil (201.290, 20,06%), engenheiro eletricista (122.066, 12,16%) e engenheiro mecânico e metalurgia (109.788, 10,94%). Com a concentração em poucas especialidades, o mercado fica ainda mais carente em outros nichos. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) diagnosticou que o Brasil precisa, especialmente, de engenheiros de minas, de petróleo e gás, navais e de computação. Lamentavelmente, continuamos a ser essencialmente um país de baixo crescimento econômico, de baixa escolaridade da mão de obra (oito anos de estudo em média) e de reduzida escala de produção de inovação frente aos demais países industrializados ou recém-industrializados. Embora o Brasil tenha capacidade de extrair petróleo de águas profundas, produzir navios e aviões, isso ainda é insuficiente para a dimensão das necessidades sociais e econômicas de nossa população. Para se desenvolver, o Brasil não deve abandonar a sua Engenharia e, com o melhor uso desta, alavancar seu progresso econômico e social e evitar a eterna dependência tecnológica em relação ao exterior.

*Fernando Alcoforado, 74, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e

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combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), entre outros.