CONSTRUÇÃO E ENGENHARIA NA ANTIGUIDADE
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capítulo 1Construção eEngenharia naAntigüidade 1000 a.C. a500 d.C.
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Pessoas e Eventos
Materiais eTecnologia
Conhecimento eEnsino
Métodos de Projeto
Ferramentas de Projeto:Desenhos e Cálculos
Edificações
c. 720–320 a.C. Grécia Helênica
c. 725–700 a.C. A Ilíada, de Homero
c. 320–c. 100 a.C. Grécia Helenística
fl. 300 a.C. Euclides (geômetra)
c. 10–75 d.C. Héron de Alexandria (engenheiro)
79 d.C. Erupção do Vesúvio, soterrando Herculano e Pompéia
c. 55 d.C.–c. 130 d.C. Apolodoro de Damasco (engenheiro)c. 640–546 a.C. Tales (geômetra)
c. 582–507 a.C. Pitágoras (geômetra e cientista)
c. 287–c. 212 a.C. Arquimedes (engenheiro e físico)
c. 280–c. 220 a.C. Filon de Bizâncio (engenheiro)
c. 285–c. 222 a.C. Tesíbio de Alexandria (engenheiro)
395 d.C. Império Romanose divide em ImpérioRomano do Ocidente eImpério Romano do Oriente
410 d.C.Roma Imperialsucumbe aosinvasores
c. 429–347 a.C. Platão (filósofo)
c. 428–c. 347 a.C. Arquitas(autor do primeiro livro-texto sobre mecânica)
c. 80–c. 25 a.C. Vitrúvio (engenheiro)
27 a.C. Otávio Augusto se torna Imperador de Roma
A partir de c. 600 a.C. Livros de matemática e ciências c. 25 a.C. Vitrúvio, De Architectura (livro sobre engenharia da edificação e engenharia militar)
A partir de c. 400 a.C. Livros de matemática e engenharia
c. 500 a.C. Pitágoras é o pioneiro na ciência da acústica
290 a.C. “Museu” (universidade) de Alexandria, Egito, fundado por Ptolomeu Soter
c. 230 a.C.–646 d.C. Escola de Engenharia em Alexandria, Egito, fundada por Tesíbio
A partir de c. 1000 a.C. ou antesPlantas baixas, elevações e maquetesem escala no Egito, na Grécia e em Roma
A partir de c. 1000 a.C. ou antes Usoprimitivo do ábaco na China, na Índia,no Oriente Médio e nos paísesmediterrâneos
A partir de c. 1000Cálculos geométricoscom o uso da régua edo compasso
500 a.C. ou antes Cálculos numéricos com frações
A partir de c. 1500 a.C. Grandes colunas e vigas de pedra usadas em templos e palácios
A partir de c. 1500 a.C. Grandes peças ocas de bronze fundido na China
A partir de c. 1400 a.C. Primeiro arco de tijolo conhecidoem uma edificação, Ur, Mesopotâmia (vão de 0,8 m)
A partir de c. 1200 a.C. Idade do Ferro
A partir de c. 1000 a.C.Procedimentos geométricosde projeto de edificações
c. 1780 a.C. Leis para construção no Código de Hamurábi, na Babilônia
c. 1600 a.C. Palácio do Rei Minos, Cnosso, Creta
c. 1300 a.C. Templo de Amon,Carnac, Egito
c. 720 a.C. Primeira abóbada de berço conhecida, Assíria
A partir de c. 500 a.C. Vigas (de pedra)que refletem momentos fletores
c. 150 a.C.–50 d.C. Aquedutos com arcos de alvenaria para fornecimento de água em Roma
A partir de c. 100 a.C. Tesouras de telhado de madeira
A partir de c. 100 a.C. Arcos de alvenaria nas edificações
A partir de c. 100 a.C. Cúpulas de alvenaria em edificações
A partir de c. 100 a.C. Janelas com vidros
A partir de c. 80 a.C. Calefação central com dutos (hipocausto)
A partir de c. 50 a.C. Uso generalizado de cimento hidráulico e ferro forjado em edificações
c. 70 d.C. Vidros duplos em banhos públicos em Herculano
c. 80 d.C. Primeiro uso conhecido do efeito estufa paracalefação de edificações (aquecimento solar passivo)
A partir de c. 450 a.C. Vários procedimentos numéricos de projeto de armamentos e edificações
c. 700 a.C. Templo de Hera (Heraion), Olímpia, Grécia (primeiro grande templo dórico)
c. 600–270 a.C. As Sete Maravilhas do Mundo Antigo (exceto as Pirâmides de Gizé)
c. 450–438 a.C. Partenon, Atenas, Grécia
c. 200 a.C. Insulae (edifíciosde apartamentos romanos)
c. 72–80 d.C. Anfiteatro Flaviano ou Coliseu, Roma, Itália
c. 104–109 d.C. Banhos de Trajano, Roma
c. 112–13 d.C. Coluna de Trajano, Roma
c. 118–26 d.C. Panteon, Roma
c. 126–c. 127 d.C. Banhos de Adriano, norte da África
c. 211–16 d.C. Banhos de Caracala, Roma
c. 298–306 d.C. Banhos de Diocleciano, Roma
308–25 d.C. Basílica de
Magêncio/Constantino,
Roma
1500 1600 1300 1100 900 700 500 300 100 a.C.1400 1200 1000 800 600 400 200 0 100 d.C. 200 300 400 1700 500
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Materiais eTecnologia
Conhecimento eEnsino
Métodos de Projeto
Ferramentas de Projeto:Desenhos e Cálculos
Edificações
c. 720–320 a.C. Grécia Helênica
c. 725–700 a.C. A Ilíada, de Homero
c. 320–c. 100 a.C. Grécia Helenística
fl. 300 a.C. Euclides (geômetra)
c. 10–75 d.C. Héron de Alexandria (engenheiro)
79 d.C. Erupção do Vesúvio, soterrando Herculano e Pompéia
c. 55 d.C.–c. 130 d.C. Apolodoro de Damasco (engenheiro)c. 640–546 a.C. Tales (geômetra)
c. 582–507 a.C. Pitágoras (geômetra e cientista)
c. 287–c. 212 a.C. Arquimedes (engenheiro e físico)
c. 280–c. 220 a.C. Filon de Bizâncio (engenheiro)
c. 285–c. 222 a.C. Tesíbio de Alexandria (engenheiro)
395 d.C. Império Romanose divide em ImpérioRomano do Ocidente eImpério Romano do Oriente
410 d.C.Roma Imperialsucumbe aosinvasores
c. 429–347 a.C. Platão (filósofo)
c. 428–c. 347 a.C. Arquitas(autor do primeiro livro-texto sobre mecânica)
c. 80–c. 25 a.C. Vitrúvio (engenheiro)
27 a.C. Otávio Augusto se torna Imperador de Roma
A partir de c. 600 a.C. Livros de matemática e ciências c. 25 a.C. Vitrúvio, De Architectura (livro sobre engenharia da edificação e engenharia militar)
A partir de c. 400 a.C. Livros de matemática e engenharia
c. 500 a.C. Pitágoras é o pioneiro na ciência da acústica
290 a.C. “Museu” (universidade) de Alexandria, Egito, fundado por Ptolomeu Soter
c. 230 a.C.–646 d.C. Escola de Engenharia em Alexandria, Egito, fundada por Tesíbio
A partir de c. 1000 a.C. ou antesPlantas baixas, elevações e maquetesem escala no Egito, na Grécia e em Roma
A partir de c. 1000 a.C. ou antes Usoprimitivo do ábaco na China, na Índia,no Oriente Médio e nos paísesmediterrâneos
A partir de c. 1000Cálculos geométricoscom o uso da régua edo compasso
500 a.C. ou antes Cálculos numéricos com frações
A partir de c. 1500 a.C. Grandes colunas e vigas de pedra usadas em templos e palácios
A partir de c. 1500 a.C. Grandes peças ocas de bronze fundido na China
A partir de c. 1400 a.C. Primeiro arco de tijolo conhecidoem uma edificação, Ur, Mesopotâmia (vão de 0,8 m)
A partir de c. 1200 a.C. Idade do Ferro
A partir de c. 1000 a.C.Procedimentos geométricosde projeto de edificações
c. 1780 a.C. Leis para construção no Código de Hamurábi, na Babilônia
c. 1600 a.C. Palácio do Rei Minos, Cnosso, Creta
c. 1300 a.C. Templo de Amon,Carnac, Egito
c. 720 a.C. Primeira abóbada de berço conhecida, Assíria
A partir de c. 500 a.C. Vigas (de pedra)que refletem momentos fletores
c. 150 a.C.–50 d.C. Aquedutos com arcos de alvenaria para fornecimento de água em Roma
A partir de c. 100 a.C. Tesouras de telhado de madeira
A partir de c. 100 a.C. Arcos de alvenaria nas edificações
A partir de c. 100 a.C. Cúpulas de alvenaria em edificações
A partir de c. 100 a.C. Janelas com vidros
A partir de c. 80 a.C. Calefação central com dutos (hipocausto)
A partir de c. 50 a.C. Uso generalizado de cimento hidráulico e ferro forjado em edificações
c. 70 d.C. Vidros duplos em banhos públicos em Herculano
c. 80 d.C. Primeiro uso conhecido do efeito estufa paracalefação de edificações (aquecimento solar passivo)
A partir de c. 450 a.C. Vários procedimentos numéricos de projeto de armamentos e edificações
c. 700 a.C. Templo de Hera (Heraion), Olímpia, Grécia (primeiro grande templo dórico)
c. 600–270 a.C. As Sete Maravilhas do Mundo Antigo (exceto as Pirâmides de Gizé)
c. 450–438 a.C. Partenon, Atenas, Grécia
c. 200 a.C. Insulae (edifíciosde apartamentos romanos)
c. 72–80 d.C. Anfiteatro Flaviano ou Coliseu, Roma, Itália
c. 104–109 d.C. Banhos de Trajano, Roma
c. 112–13 d.C. Coluna de Trajano, Roma
c. 118–26 d.C. Panteon, Roma
c. 126–c. 127 d.C. Banhos de Adriano, norte da África
c. 211–16 d.C. Banhos de Caracala, Roma
c. 298–306 d.C. Banhos de Diocleciano, Roma
308–25 d.C. Basílica de
Magêncio/Constantino,
Roma
1500 1600 1300 1100 900 700 500 300 100 a.C.1400 1200 1000 800 600 400 200 0 100 d.C. 200 300 400 1700 500
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13 Construção e engenharia antes da Grécia helênica
16 Engenharia e construção na Grécia antiga
23 Matemática, ciência e engenharia na Antigüidade clássica
25 Os engenheiros da Grécia helenística
27 Engenharia e construção na Roma antiga
28 Marco Vitrúvio Polião
30 Vitrúvio e as etapas do projeto grego
31 Vitrúvio e a engenharia ambiental
33 Vitrúvio, acústica e projeto de teatros
34 O legado da engenharia romana
40 Os edifícios de apartamentos romanos: as insulae
43 Calefação e climatização em Roma
44 Os “Grands Projets” da Roma imperial
46 O anfiteatro flaviano, ou Coliseu (c. 72–80)
48 Apolodoro e os Grands Projets dos imperadores Trajano e Adriano
49 O Fórum e o Mercado de Trajano (c. 98–112)
49 A Coluna de Trajano (c. 112–113)
49 Os Banhos de Trajano (c. 104–109)
51 O Panteon (c. 118–126)
55 Os Banhos de Caracala (211–216)
60 Estruturas abobadadas tardias de Roma
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Construção e engenharia antes da Grécia helênicaÉ apropriado se começar a usar a palavra “engenharia”
em associação a projeto e a construção de edificações
a partir do momento em que as pessoas passaram a
preferir o uso de grandes blocos de pedra em detrimen-
to de madeira, tijolos de barro ou pequenas pedras que
podiam ser erguidas por uma ou duas pessoas.
Levantar e manobrar grandes pedras em certas posi-
ções exigia grande habilidade. Têm sido um tópico de
especulação freqüente o modo como os antigos egíp-
cios extraíram e manipularam cerca de 2,3 milhões de
pedras, cada uma pesando aproximadamente 2.500
kg1, para construir a Grande Pirâmide de Quéops
(Khofu) em Gizé por volta do ano 2500 a.C. Isso se con-
seguiu sem que os blocos fossem erguidos do solo; as
forças necessárias para seu transporte eram reduzidas
à escala humana, arrastando-se as pedras, usando-se
rampas e uma variedade de cunhas e alavancas.
Aproximadamente na mesma época, na Inglaterra, blo-
cos de pedra de cerca de 20.000 kg foram levantados
a cerca de 6 m de altura para construir Stonehenge. Por
volta de 1500 a.C., os engenheiros egípcios extraíram,
moveram e ergueram três obeliscos de pedra, cada um
com aproximadamente 450 toneladas. A remoção pos-
terior de um deles (conhecido como o Obelisco do
Vaticano) do Egito, seu levantamento em Roma e subse-
qüente relocação foram obras de engenharia também
impressionantes (veja o Capítulo 3, p. 159-63).
Tão importantes quanto os conhecimentos técnicos de
mecânica necessários para construir estruturas feitas
com grandes blocos de pedra eram os profundos conhe-
cimentos de medição e topografia necessários à produ-
ção de pedras de forma adequada e à orientação corre-
ta de uma planta baixa em um terreno, provavelmente
em relação ao Sol e às constelações astronômicas. No
caso das pirâmides egípcias, os projetistas também ti-
nham que planejar a forma e a localização de inúmeras
salas e túneis em seu interior, e construí-las exigia gran-
des conhecimentos de geometria e técnicas de medição
tridimensional. Também se imagina que foram necessá-
rios planejamento e gerenciamento consideráveis para
organizar, dirigir e motivar cerca de 100.000 trabalhado-
res ao longo de períodos de aproximadamente 20 anos.
Tais conhecimentos profissionais permitiam aos antigos
engenheiros planejar – ou, em linguagem moderna, pro-
jetar – suas grandes obras antes de iniciar a execução.
A história da engenharia da edificação é, enfim, a histó-
ria de como os engenheiros têm planejado suas edifica-
ções e a crescente precisão com a qual eles têm apren-
dido a fazer previsões.
As primeiras evidências claras que temos do uso da
matemática, da engenharia e dos procedimentos de
projeto formais e seqüenciais datam de cerca de 450
a.C., nos territórios sob a influência da civilização
grega a leste do Mar Mediterrâneo. Tanto a matemáti-
ca como a arte de projetar grandes edificações e cida-
des foram introduzidas na Europa pela Índia e o Oriente
Médio. Na verdade, talvez a primeira evidência escrita
da arte da construção possa ser encontrada no código
de leis da Babilônia (c. 1780 a.C.) estabelecido por
seu primeiro soberano, Hamurábi, que reinou de 1792
a 1750 a.C. O Código de Hamurábi, que regrava todos
aspectos da sociedade, incluía leis específicas sobre
construção, o que nos transmite tanto a idéia de res-
Construção e Engenhariana Antigüidade1000 a.C a 500 d.C.
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Se um empreiteiroconstruir uma casa paraum homem e completá-la, (este homem) deverálhe pagar dois siclos porSAR da casa comoremuneração.
Se um empreiteiro construiruma casa para um homem enão fizer sua construçãosólida e a casa que eleconstruiu desabar, causandoa morte do dono da casa, oempreiteiro será condenadoà morte.
Se ela causar a morte do filho dodono da casa, o filho do empreiteiroserá condenado à morte.
Se ela causar a morte de umescravo do dono da casa, ele daráao proprietário da casa um escravode mesmo valor.
Se o colapso destruir algumacoisa, o empreiteiro restituirátudo aquilo que foi destruído, e,como a casa que ele construiunão ficou firme e ruiu, ele deveráreconstruir a casa que desaboucom seus próprios recursos (àssuas custas).
Se um empreiteiroconstruir uma casa paraum homem e nãogarantir que suaconstrução sejaadequada e uma paredecair, o empreiteiro iráreforçar a parede àssuas custas.
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ponsabilidade profissional como o fato de que tal ativi-
dade exigia conhecimentos específicos.
Alguns dos mais bem preservados vestígios desta
época se encontram na ilha mediterrânea de Creta,
onde floresceu a civilização minóica, especialmente
entre os anos de 1800 e 1600 a.C. O palácio real de
Minos, construído em Cnosso, não chamava tanto a
atenção por sua escala, mas por representar os últi-
mos avanços em conforto arquitetônico para a família
real. Poços de luz garantiam bons níveis de iluminação
natural; havia água encanada no palácio, e o sistema
hidrossanitário incluía um recurso para descarga dos
vasos sanitários.
Por volta de 1500 a.C, os templos e palácios encomen-
dados pelos soberanos das inúmeras dinastias egípcias
já chegavam aos limites tecnológicos possíveis do uso
das colunas e vigas de pedra que eram comumente uti-
lizadas na construção de grandes colunatas e salões
com um pavimento. Uma das mais impressionantes des-
sas edificações primitivas é o Grande Templo de Amon,
em Carnac, construído em várias fases por reis sucessi-
vos a partir de cerca de 1550 a.C. O salão hipostilo co-
bria uma área de cerca de 100 m por 50 m – aproxima-
damente o tamanho de um campo de futebol ou de uma
grande catedral medieval. A cobertura era feita de gran-
des placas de pedra apoiadas em vigas de pedra, as
quais, por sua vez, eram sustentadas por 134 colunas.
As 12 colunas da colunata central têm cerca de 22 m de
altura, cerca de 3,5 m de diâmetro, e a distância entre
seus eixos é de aproximadamente 7,2 m; as demais
122 colunas têm, cada uma, cerca de 13 m de altura e
quase 3 m de diâmetro. A colunata central era ilumina-
da por um clerestório com cerca de 5 m de altura, e o
resto do salão tinha iluminação natural através de fen-
das inclinadas no forro de placas de pedra.
Mais ou menos na mesma época temos um exemplo pri-
mitivo de desenho egípcio feito sobre papiro represen-
tando uma edificação, mas não sabemos se este era um
projeto a ser executado ou o registro de uma obra já
construída.
Projetar e executar um monumento como o Templo de
Amon exigia uma estratégia de construção extremamen-
te diversa daquela que seria adequada a prédios domés-
ticos de pequena escala. Na Antigüidade, a maior parte
das edificações provavelmente era feita de barro ou tijo-
los de barro e madeira e coberta com palha. A escala
era humana – o pé-direito raramente era superior a 3 ou
4 metros – e as casas eram construídas com materiais
e componentes de fácil manuseio por alguns carpintei-
ros e outros trabalhadores pouco especializados. Os ma-
teriais eram bastante baratos, e mesmo a mão-de-obra,
o custo principal, provavelmente representava pouco
mais do que a comida dos trabalhadores.
Um templo, em contraste, tinha que ser grande, para
abrigar a estátua de um deus, e envolvia vãos a serem
vencidos que eram muito superiores àqueles das edifica-
ções domésticas. Sua forma precisava ser diferente
para atender à sua função especial, e talvez fosse esco-
lhida inspirada em outros templos de cidades distantes.
Esperava-se que fosse relativamente duradouro, o que
pedia o uso de pedra e, para cobertura, talvez o uso das
telhas de barro cozidas introduzidas por volta de
1800–1700 a.C. Não apenas havia maiores custos en-
volvidos, mas também conhecimentos de edificação e
métodos de construção não-tradicionais. Um templo
com 8 ou 10 metros de altura envolvia quantidades enor-
mes de pedra que, às vezes, tinham que ser transporta-
das por grandes distâncias, encomendadas com muita
antecedência e exigiam o trabalho de muitas pessoas. O
indivíduo encarregado de executar um projeto tão grande
precisava ter seus orçamentos aprovados, e se espera-
va que ele mostrasse ao seu cliente ao menos um esbo-
ço ou uma pequena maquete. Ele também tinha que es-
timar o prazo de execução da obra e dar uma idéia de
quanto os materiais custariam. A mão-de-obra precisava
ser organizada e receber instruções precisas sobre o nú-
mero e as dimensões das pedras necessárias. As dife-
rentes equipes de trabalhadores também precisavam
saber como suas contribuições separadas iriam se en-
caixar no todo. Além disso, eram necessárias reuniões
usando-se conceitos mutuamente compreendidos e ar-
gumentos racionais. Em suma, tínhamos um processo
pouco diferente daquele que hoje temos em qualquer
projeto de uma grande edificação.
Em geral, foi durante os mil anos que transcorreram
entre aproximadamente 1500 e 500 a.C. que os egíp-
cios e os gregos antigos do período helênico desenvolve-
ram o que hoje conhecemos como “projeto” de um pré-
dio. Ele surgiu da necessidade de planejar e construir
edificações grandes e cada vez mais sofisticadas, e se
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1 Stonehenge, Wiltshire, Inglaterra, c. 2000 a.C. Gravura de William Stukeley, década de 1720. 2 Palácio do Rei Minos,Cnosso, Creta, c. 1600 a.C. Planta baixa. 3 Leis para construção no Código de Hamurábi, c. 1780 a.C. Gravado em uma estela com escrita cuneiforme, com tradução inglesa à direita. 4 Templo de Amon, Carnac, Egito, c. 1300 a.C. Entrada do hipostilo. Fotografia de Gustave le Gray, 1867. 5 Elevações lateral e frontal de um santuário egípcio desenhadas em papiro,c. 1400 a.C.
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tornou possível graças à prosperidade econômica, à ri-
queza cultural e aos conhecimentos intelectuais que se
desenvolviam rapidamente durante o mesmo período.
Nós conseguimos acompanhar a história apenas a partir
do momento em que surgem registros escritos, ou seja,
por volta de 500 a.C, com a emergência da cultura
grega, a qual dominou os muitos povos unidos pelo Mar
Mediterrâneo.
Engenharia e construção na Grécia antigaAs cidades-estado na costa oriental do Mediterrâneo co-
meçavam a prosperar por volta do século VIII a.C.
Através do comércio e da guerra, os gregos haviam es-
tabelecido uma herança cultural que transcendia frontei-
ras geográficas e mesmo lingüísticas. Era o Período
Helênico, no qual Homero (c. 750–700 a.C.) escreveu o
que se tornaria a história comum que uniria as diversas
comunidades antes díspares. À medida que se desenvol-
viam a identidade e o orgulho dos gregos, também cres-
cia seu desejo de estabelecer manifestações impressio-
nantes e duradouras de sua cultura. Eles começaram a
construir em uma escala muito maior – tanto em tama-
nho como em quantidade – do que em épocas anterio-
res. E, assim como muitos povos que viriam, eles queri-
am ter a certeza de que suas edificações refletiriam sua
identidade cultural e se diferenciariam daquelas de
povos vizinhos ou do passado, com os quais haviam
aprendido tanto. Eles também estavam determinados a
garantir que suas construções fossem feitas com res-
ponsabilidade.
As cidades-Estado floresceram por todo o território que
hoje conhecemos como Grécia Continental, Turquia e
sul da Itália, além das ilhas na costa oriental do
Mediterrâneo, e começaram a declarar e a ostentar
sua prosperidade na forma de edificações públicas,
como mercados, templos, teatros e outros locais de
reunião. Ao contrário das poucas e enormes edifica-
ções construídas para os faraós, estes prédios públi-
cos representavam a criação de um ambiente constru-
ído mais democrático e replicado muitas vezes em
muitos lugares. Embora os gregos houvessem aprendi-
do a projetar grandes edificações com os egípcios,
eles formalizaram os procedimentos de projeto, desen-
volvendo muitas soluções criativas para melhoria dos
processos construtivos e da qualidade dos prédios
acabados. Por exemplo, era prática comum no século
V a.C. colocar cada tambor de pedra de uma coluna
centralizado sobre uma cavilha de madeira de lei e as-
sentar a coluna sobre apenas um pequeno anel circu-
lar perfeitamente plano, garantindo a estabilidade da
coluna. Embora este método fosse mais econômico e
prático do que tentar garantir o nivelamento de toda a
área, ele ainda assim exigia muitas horas de trabalho
paciente para a locação de cada tambor.
No nível da cobertura, os blocos de pedra que constituí-
am o friso e a arquitrave eram conectados entre si por
meio de grampos de ferro em H. Esta idéia já havia sido
usada pelos egípcios, e muitas variações haviam sido
experimentadas, usando-se grampos de cobre e bronze,
além do ferro. De acordo com o naturalista romano
Plínio, o Velho (c. 23–79 d.C.), as vigas de pedra, que
venciam vãos de mais de 8 m entre colunas e pesavam
quase 20 t, eram erguidas e posicionadas usando-se
rampas de terra.
As antigas edificações de alvenaria se baseavam em
longas vigas de pedra apoiadas em duas colunas. A pa-
lavra latina para viga, trabs, nos dá a expressão “arqui-
tetura arquitravada”. Algumas questões cruciais para o
projetista de edificações da época eram: qual é o tama-
nho do vão que uma viga de pedra pode vencer? Para
dado vão, que altura e largura a viga deveria ter? O re-
tângulo é a seção transversal mais eficiente? Será que
uma viga deveria ter uma seção transversal constante
ao longo de todo seu comprimento? Estas perguntas
não foram respondidas em termos científicos e mate-
máticos até que Galileu publicou Discursos Sobre asDuas Novas Ciências em 1638, e então foram explora-
das por muitos cientistas. Isso não significa, no entan-
to, que os engenheiros gregos não soubessem algumas
das respostas. Qualquer criança sabe que pode quebrar
um graveto dobrando-o e que uma fina ripa de madeira
verga mais facilmente do que uma tábua grossa. A par-
tir destas e de outras observações relacionadas, não é
um grande salto se dar conta de que o aumento da es-
pessura no centro de uma viga é uma forma efetiva de
aumentar sua resistência. Por outro lado, diminuir a es-
pessura de uma viga nas suas extremidades seria um
modo inteligente de torná-la mais leve, sem grande
perda de sua capacidade estrutural. Ainda que raramen-
te vejamos evidências deste tipo de raciocínio nas edi-
ficações, devido às razões discutidas anteriormente,
acreditamos que os antigos artesãos e engenheiros en-
tendiam perfeitamente estas questões. O projeto sofis-
ticado de armas gregas como as ballistae (balistas) é
evidência suficiente de seus conhecimentos de enge-
nharia e habilidades técnicas.
Embora tal nível de sofisticação estrutural raramente
seja encontrado em edificações gregas, há exemplos
suficientes para indicar que alguns de seus engenhei-
ros de construção tinham bons conhecimentos sobre
esforços de flexão. Por exemplo, uma vez que a pedra
tem resistência à tração muito inferior do que à com-
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6 Templo de Afaia, Egina, Grécia, c. 500 a.C. Corte perspectivado mostrando a construção.
pressão, a seção transversal mais eficiente para uma
viga tem mais material no local onde ela transfere es-
forços de tração do que onde sofre tais esforços. Em
uma viga apoiada em duas colunas ou duas ombreiras
de janela ou porta (uma verga), a parte reforçada seria
a parte inferior da viga, e isso é exatamente o que en-
contramos nas ruínas de inúmeras vigas de pedra data-
das dos séculos VI a IV a.C.
Uma viga notável encontrada na ilha de Samotrácia, ao
norte do Mar Egeu, com 6 m de comprimento e datada
do século IV a.C., demonstra o conhecimento das se-
ções transversais mais efetivas, assim como das vanta-
gens do aumento da altura da viga na sua porção inter-
mediária. Sua elevação corresponde aproximadamente
ao que hoje chamamos de diagrama de momento fletor,
o qual indica a resistência que uma viga deve apresen-
tar à flexão para que possa suportar seu peso próprio e
as cargas transmitidas a ela.
Se já havia tal conhecimento, então por que ele não era
empregado de forma mais ampla? A resposta provavel-
mente é de natureza econômica. A madeira e a pedra
eram os principais materiais estruturais, e ambos se tor-
nam componentes construtivos ao serem cortados, nos
tamanhos adequados, de uma árvore e uma grande
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rocha, respectivamente. Embora fosse possível continu-
ar a trabalhar os materiais de modo a se obter a forma
estrutural mais eficiente e mais leve possível, rapida-
mente se chegava ao ponto em que os custos adicionais
dos trabalhos extras não compensavam os benefícios do
desempenho estrutural; para muitos fins, uma viga de
seção transversal retangular e uniforme era adequada.
De forma geral, o tamanho e o peso das pedras eram re-
duzidos àqueles que seriam convenientes para o trans-
porte ao terreno e a montagem no prédio. Por questões
de segurança, não seria sensato, em geral, se tentar al-
cançar a solução com peso mínimo, pois esta aumenta-
ria o risco de colapso estrutural, e o principal objetivo do
projeto de estruturas é manter os riscos em níveis acei-
táveis. A exceção ocorre quando é necessário o uso da
estrutura mais leve possível para o vencimento de vãos
máximos – como ocorreu na viga da Samotrácia. Esta
regra geral se aplica à maior parte dos elementos de
pedra e madeira que usamos nas edificações ainda
hoje. Foi somente com a introdução do ferro fundido no
final do século XVIII que a economia obtida com o peso
do material se tornou um fator dominante no dimensio-
namento de elementos estruturais; ao contrário da ma-
deira ou da pedra, o custo de uma viga de ferro fundido
aumenta em proporção direta ao peso do ferro que ela
contém.
Uma vez que a madeira se decompõe, restam poucos
testemunhos da maneira como as estruturas dos tem-
plos gregos eram formadas. Em sua maior parte, elas se
constituíam de terças inclinadas apoiadas em ambas ex-
tremidades. Esta técnica usa madeira à flexão, esforço
para qual ela é bastante adequada, já que apresenta
alta resistência a tração. Entretanto, como a madeira
não é muito rígida, uma vez carregada, ela tende a gran-
de deflexão, logo os vãos precisavam ser bastante pe-
quenos – no máximo 6 ou 7 metros. Para vãos maiores,
as terças precisavam de apoios intermediários, para evi-
tar grandes deflexões provocadas pelas pesadas telhas
de barro. Na Grécia antiga, não há evidência de treliças
de telhado do tipo que se tornou comum durante o perí-
odo medieval.
É mais fácil de julgar o sucesso destes vários avanços
nas construções em alvenaria com os melhores exem-
plos construídos durante os períodos helênico e hele-
nístico. Durante os séculos III e II a.C., vários escrito-
res redigiram listas do que consideravam ser as maio-
res conquistas da humanidade. Por volta do ano 100
a.C., havia-se chegado àquela que chamamos de as
Sete Maravilhas do Mundo Antigo, e é interessante
notar que seis entre as sete maravilhas eram obras
dos melhores engenheiros civis e de construção da-
quela época. A mais antiga era a Grande Pirâmide de
Quéops, a qual, com seus quase 150 m de altura, con-
tinuou a ser a mais alta construção do mundo até o
surgimento das flechas nas catedrais do século XIV, e
é a única das Sete Maravilhas que ainda resta. A se-
gunda Maravilha mais antiga era os Jardins Suspensos
da Babilônia, construídos juntos ao rio Eufrates, que
datam de cerca de 600 a.C. Embora o tamanho, a lo-
calização e a idade dos lendários jardins ainda sejam
discutidos, muitas descrições deixam claro que eles
eram realmente impressionantes. (“Suspenso” era a
palavra usada para descrever muitas construções com
pé-direito alto, inclusive, por exemplo, a enorme cúpu-
la de alvenaria de Santa Sofia, em Constantinopla,
construída entre 532–37 d.C.) A água necessária para
a irrigação contínua dos jardins tinha que subir cerca
de 50 m em relação ao nível do rio através de máqui-
nas com tração humana e canais construídos com
barro e impermeabilizados com folhas de chumbo ou
asfalto. O escritor grego Estrabo (c. 63 a. C – 21 d.C.)
descreveu os jardins no século I d.C., ou seja, cerca
de 500 anos após a época em que se imagina que te-
nham sido construídos, portanto é provável que já não
funcionassem perfeitamente ou mesmo estivessem
em ruínas:
Eles consistem em abóbadas assentadas, umas sobre as
outras, em fundações cúbicas dispostas em xadrez. As fun-
dações são ocas e têm cobertura de terra tão profunda que
nelas foram plantadas as maiores árvores possíveis, e
foram construídas com tijolos cozidos e asfalto... A ascen-
são aos terraços mais altos é por uma escadaria; e ao
longo destas escadas havia canais através dos quais a
água era continuamente conduzida do Eufrates aos jardins
por pessoas designadas para tal função.2
Outra das Sete Maravilhas era o Templo de Ártemis, em
Éfeso, completado por volta de 300 a.C. O primeiro san-
tuário para a deusa Ártemis havia sido construído em
Éfeso por volta de 550 a.C., e acredita-se que continha
uma pedra sagrada (um meteorito) que havia “caído de
Júpiter” – o termo grego antigo equivalente a “caído do
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7 Segundo Templo de Ártemis, em Éfeso, completado em c. 300 a.C. no sítio de um santuário anterior, de c. 550 a.C.Reconstrução digital. 8 No alto: grampos de ferro em I e em Z usados para conectar pedras adjacentes na construção detemplos gregos e romanos; embaixo: tambores de pedra de uma coluna, com uma cavilha central de ferro ou madeira de lei.9 Seções de vigas de pedra talhada em edificações gregas. 10 Seções de uma viga de pedra usada para sustentar um tetode mármore com caixotões, da Samotrácia, fim do século IV a.C.
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corte BB
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6150 mm
teto com caixotões
corte AA
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Paraíso”. O templo original tinha colunas com aproxima-
damente 18 m de altura e provavelmente ocupava uma
área similar àquela do segundo templo, cuja construção
iniciou-se na década de 350 a.C. no mesmo terreno,
após a destruição do templo original por um incêndio. O
templo reconstruído tinha mais de 120 colunas de 19 m;
sua estrutura tinha cerca de 129 metros de comprimen-
to e 68 metros de largura. O volume compreendido por
esta estrutura era mais de sete vezes superior àquele do
Partenon de Atenas (447–438 a.C.), que media 66 me-
tros por 32 metros e cujas colunas tinham cerca de 10
metros de altura. O Templo de Ártemis durou mais de
700 anos, até que foi demolido e suas pedras usadas
para a construção de uma igreja cristã. Em um livro es-
crito por volta de 230 a.C., o qual descrevia as Sete
Maravilhas, o autor expressa sua admiração especial
pelo Templo de Éfeso:
Eu vi as muralhas e os Jardins Suspensos da antiga
Babilônia, a estátua de Zeus, em Olímpia, o Colosso de
Rodes, as Grandes Pirâmides e o túmulo de Mausolo em
Halicarnasso. Mas quando vi o templo de Éfeso erguendo-
se sobre as nuvens, todas estas outras maravilhas ficaram
na sombra.3
O Colosso de Rodes, uma estátua terminada por volta
de 230 a.C., celebrava a vitória da cidade contra o
sítio das tropas de Demétrio, um dos generais de
Alexandre, o Grande. Rodes havia se aliada a um outro
dos ex-generais de Alexandre, Ptolomeu Soter, que
posteriormente se tornaria soberano do Egito, em
Alexandria, sob o nome de Ptolomeu I (c. 367–283
a.C.). A estátua localizava-se na entrada do porto na-
tural da cidade de Rodes, a capital da ilha de mesmo
nome que se situa a cerca de 30 km da costa sudes-
te da Turquia moderna. Ela tinha cerca de 35 metros
de altura e ficava sobre um plinto de cerca de 16 me-
tros de altura. Sua figura era na pose grega tradicio-
nal: um homem nu usando uma coroa com pontas,
protegendo seus olhos do sol nascente com a mão di-
reita, e com um manto caindo de seu braço esquerdo.
Filon de Bizâncio (veja a p. 26) escreve que o Colosso
consistia de um núcleo com duas ou três colunas de
pedra que chegavam até o nível da cabeça e eram co-
nectadas por arquitraves ou vigas de pedra, provavel-
mente em mais de um nível. Das colunas foi construí-
da uma armação de ferro forjado que avançava até o
local onde a super fície da estátua seria suspensa.
Nestas barras de ferro foram rebitadas chapas de
bronze que haviam sido fundidas, marteladas e poli-
das, cirando a super fície externa da estátua. Dizia-se
que grande parte do metal usado na estátua havia
sido reciclado das inúmeras máquinas de guerra dei-
xadas para trás com a derrota e fuga de Demétrio. O
colosso foi destruído por um terremoto em 224 a.C. e
muitas de suas partes ficaram abandonadas onde caí-
ram até o momento em que os árabes conquistaram
Rodes, em 656 d.C.
Uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo que mais
perdurou foi o farol construído na ilha de Faro, marcan-
do a entrada ao porto da nova cidade de Alexandria, no
norte do Egito. Alexandre, o Grande, havia fundado a ci-
dade em 332 a.C., mas morrera em 323 a.C., deixan-
do a obra apenas iniciada, e os trabalhos foram conti-
nuados por seu sucessor como governante do Egito,
Ptolomeu Soter. Dois portos para navios de grande ca-
lado foram construídos na extremidade oeste do delta
do rio Nilo, um para o tráfego fluvial do Nilo, o outro
para o comércio com o Mar Mediterrâneo. Ptolomeu en-
comendou a construção do farol em 290 a.C., para que
servisse como ponto de referência aos navegadores e
também como ícone para a nova e próspera cidade. Ele
foi terminado em 270 a.C., durante o reino do filho de
Ptolomeu Soter, Ptolomeu II. O farol foi construído com
pedra aparelhada assentada sobre folhas de chumbo,
para melhoria do assentamento entre as fiadas, e con-
sistia de três partes. Vários estudiosos estimam que ti-
vesse cerca de 300 cúbitos de altura (cerca de 120 m).
A primeira seção era uma edificação de planta baixa
quadrada com aproximadamente 32 metros de largura
e 65 metros de altura, dentro da qual havia cerca de
50 recintos e uma rampa para o transporte dos mate-
riais de construção, levados por carroças puxadas por
cavalos. Sobre esta base, erguia-se uma torre ortogo-
nal com cerca de 32 metros de altura e 12 metros de
diâmetro, com uma escadaria que levava até a cúpula,
onde a chama queimava e os guardiões do farol viviam
e armazenavam o combustível para a fogueira. Dizem
que a luz, à noite, ou a fumaça, de dia, produzida pelo
farol podia ser vista a uma distância de 60 quilôme-
tros.
O projetista do farol, Sóstrato de Cnidos, se tornou imor-
tal devido a um subterfúgio bastante esperto. Tendo
Ptolomeu II recusado seu pedido para que tivesse seu
nome entalhado na base da estrutura, ele desafiou o go-
vernante esculpindo a seguinte inscrição na alvenaria:
“Sóstrato, filho de Dexífano de Cnidos, em nome de
todos os marinheiros, e para os deuses salvadores”.
Esta inscrição foi coberta por uma camada de argamas-
sa, na qual foi entalhado o nome de Ptolomeu. Com o
passar do tempo, no entanto, a argamassa caiu, reve-
lando a inscrição de Sóstrato.
O Farol de Alexandria era uma grande atração turística.
Vendia-se comida na plataforma de observação que fica-
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va no topo do primeiro nível, e os visitantes podiam subir
ao pináculo da torre de oito lados para uma vista melhor.
Há relatos de que o farol mantinha-se intacto e em fun-
cionamento ainda em 1115, embora houvesse sofrido
alguns danos devidos a terremotos. Assim como muitas
antigas estruturas a leste do Mediterrâneo, seu destino
foi finalmente selado pelos movimentos da Terra. Após
grandes danos causados por um terremoto em 1303, o
farol veio abaixo com outro, em 1326.
A construção daquela época, assim como a de hoje,
tinha seus impactos sobre o meio ambiente; na Grécia
Antiga, tanto as sérias conseqüências econômicas como
os exemplos de projetos criativos ajudaram a mitigar
estes efeitos. À medida que as cidades-Estado do mundo
grego cresciam e construíam cada vez mais, mais eram
exauridos seus recursos naturais. A madeira era neces-
sária em grandes quantidades para a produção tanto de
embarcações como de edificações e era especialmente
importante para o carvão vegetal usado na fundição de
minérios. Enormes quantidades de metais eram produzi-
das – estanho, chumbo, cobre, bronze, e principalmente
ferro – e cada tonelada de metal consumia muitas outras
toneladas de carvão para sua fabricação.
Já no século V a.C. muitas partes da Grécia já não ti-
nham praticamente nenhuma floresta. O filósofo Platão
achava que as colinas de sua Ática nativa eram “como
os ossos de um cadáver, desprovido de suas carnes ou-
trora vivas”.4 À medida que os combustíveis escassea-
ram, os governos das pólis foram obrigados a legislar;
Atenas em certo momento baniu o uso de madeira de
oliveira para produção de carvão e proibiu a exportação
de qualquer tipo de madeira de construção para regiões
vizinhas. Na ilha de Cós, a madeira para calefação e co-
zimento doméstico foi taxada para que seu uso fosse
controlado, enquanto em Delos, que não tinha fontes lo-
cais, a venda do carvão foi assumida pelo Estado, para
evitar o mercado negro. A séria escassez de madeira
para construção também deve ter contribuído para o uso
crescente da alvenaria nas edificações.
Além do uso da madeira em edificações, navios e fundi-
ção de minérios, ela também era essencial para fins do-
mésticos, sendo o único combustível disponível para co-
zimento e calefação das casas durante os frios inver-
nos. Uma resposta criativa à falta de combustível foi a
redução da necessidade de calefação, através do de-
senvolvimento de edificações mais sofisticadas. Os pro-
jetistas aprenderam a coletar e aproveitar a energia
solar para aquecimento do invólucro das edificações,
durante o dia, e liberação gradual do calor durante as
noites mais frias. Recursos de sombreamento como co-
lunatas permitiram que o sol de inverno, mais baixo, en-
trasse profundamente em uma edificação e, ao mesmo
tempo, fornecesse proteção solar contra o sol de verão,
mais alto. Os cômodos internos também eram mantidos
aquecidos com o uso de pequenas janelas voltadas
para o norte (hemisfério norte), minimizando o efeito de
aquecimento provocado pela incidência solar direta e
oferecendo alguma ventilação. Como na época não se
usava vidro nas janelas, elas eram fechadas por posti-
gos de madeira, que mantinham as casas aquecidas no
inverno.
A próspera cidade de Olinto, no norte da Grécia, nos for-
nece outro exemplo de projeto solar. Quando, no século
V a.C. se precisou de habitação para cerca de 2.500
pessoas, um grande loteamento foi planejado na zona
norte da cidade existente com o mesmo cuidado que
hoje se projeta qualquer conjunto habitacional. As ruas
tinham orientação leste-oeste, para garantir que os apar-
tamentos fossem voltados para o sul (hemisfério norte),
e estes eram de dois tipos, conforme estivessem no
lado norte ou sul da rua. Cada apartamento era projeta-
do com cômodos voltados para o sul e abertos para pá-
tios centrais, garantindo o aproveitamento máximo do
sol de inverno.
Muitas outras cidades gregas testemunham este plane-
jamento, e Priene, na atual Turquia, é uma das mais es-
petaculares. Como a cidade velha era cada vez mais as-
solada por inundações e suas conseqüências nefastas à
saúde pública, decidiu-se, por volta de 350 a.C., relocar
toda a comunidade de cerca de 4.000 pessoas para um
sítio melhor, do outro lado da colina. Este grande deslo-
camento permitiu aos planejadores urbanos definir
todos os detalhes de sua nova cidade, incluindo um bom
sistema de suprimento de água e esgoto. A orientação
das edificações e ruas levou em consideração não ape-
nas a posição solar, para que se gozassem os benefíci-
os dos ganhos solares, mas também a direção dos ven-
tos dominantes. Os ventos frios de inverno vinham do
norte, assim, as paredes das casas voltadas para o
norte eram mais espessas, conseguindo melhor isola-
mento térmico.
Diversos filósofos e cientistas, incluindo Sócrates,
Platão e Ésquilo, chamaram atenção em seus escritos
para estas e outras formas criteriosas de planejamento
urbano e arquitetônico como ilustrações dos princípios
científicos que estavam elaborando para explicar como o
mundo funcionava. Aristóteles (384–322 a.C.) observou
em um de seus livros que uma “abordagem racional” ao
planejamento de cidades e edificações era “a última
moda” na sua época.5 Aqui, a palavra-chave é “racio-
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11 Farol da Ilha de Faro, Alexandria, 270 a.C. Projetista: Sóstrato de Cnidos. Reconstrução. 12 Planta da cidade de Olinto,norte da Grécia, século V a.C. 13 Bloco de casas em Olinto. Perspectiva isométrica (reconstrução).
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nal”, pois ressalta o que talvez possamos identificar
como a principal contribuição do filósofo grego à enge-
nharia: a formalização da lógica e seu uso para conven-
cer as pessoas de certos pontos de vista através da ar-
gumentação lógica.
Matemática, ciência e engenharia naAntigüidade clássicaNão estamos exagerando nem um pouco quando dize-
mos que os filósofos gregos estabeleceram o modo
como as pessoas do mundo ocidental vêem o mundo.
Eles nos legaram abordagens metódicas para a descri-
ção do mundo – a música, a astronomia, a botânica, a
zoologia etc. Os filósofos gregos buscavam estruturar e
ordenar suas idéias, estabelecer padrões, relações e hi-
erarquias. A taxonomia era a rainha das ciências, ou me-
lhor, a princesa, pois, acima de tudo, o objetivo destas
mentes filosóficas era conectar idéias através daquela
linha invisível chamada lógica.
Uma das ferramentas mais poderosas que os gregos de-
senvolveram e exploraram foi a geometria. Eles defini-
ram dois tipos de geometria, uma baseada em objetos
do mundo real, a outra, em idéias do mundo abstrato.
Eles aprenderam a distinguir uma pedra quadrada de
outra circular, cujas formas podem ser conferidas por
medições, de um quadrado ou um círculo, cujas dimen-
sões e diversas propriedades geométricas podem ser
conhecidas sem que seja necessário o uso de verifica-
ções físicas. Matemáticos como Tales (fl. 636–c. 546
a.C.), Pitágoras (c. 582–507 a.C.) e Euclides (fl. 300
a.C.) usaram a geometria como veículo para as mais ele-
vadas das artes gregas: a lógica e a retórica. Usando li-
nhas mentais abstratas – talvez esboçadas no papel
para aqueles que não as conseguiam imaginar claramen-
te – conseguiam argumentar com certeza absoluta que,
por exemplo, uma certa linha tinha o dobro do compri-
mento de outra.
Em um mundo incerto e imprevisível, a capacidade de se
provar algo sem deixar dúvidas oferecia aos filósofos
uma chave para desvendar os mistérios do universo. A
geometria era uma manifestação das regras pelas quais
o mundo fora construído. Esta era a premissa subjacen-
te à incrível obra de Pitágoras e seus seguidores, que se
esforçaram para explicar o mundo em termos de geome-
tria e de proporções simples. Seu exemplo arquetípico
era a música e o estudo das propriedades físicas do
som musical, a harmônica. Os vários intervalos musi-
cais consonantes – a oitava, a quinta, a quarta e assim
por diante – correspondiam a subdivisões simples (2:1,
3:2, 4:3) do comprimento de uma corda vibratória. De
forma similar, o universo era concebido como uma série
de esferas concêntricas (perfeitas) cujos raios tinham
relações simples correspondentes aos intervalos musi-
cais. Na verdade, a harmônica serviu aos gregos quase
tanto como a física e a química moderna hoje nos auxi-
liam a explicar por que o universo é da forma que ele é.
A importância da harmônica como chave para compreen-
são do mundo pode ser apreciada por sua sobrevivência
como uma das principais disciplinas lecionadas nos cen-
tros de ensino até o século XVII. Johannes Kepler,
Galileu, René Descartes e até mesmo Isaac Newton
transitavam com facilidade e lógica da matemática para
a astronomia, harmônica, estática e ótica em seus estu-
dos dos movimentos planetários.
Os filósofos, matemáticos e físicos gregos desenvolve-
ram a ciência da mecânica e usaram o mesmo rigor ló-
gico desenvolvido no estudo da geometria para explicar
e comprovar a idéia dos benefícios mecânicos que esta-
vam por trás de recursos-chave que permitiam ao
homem multiplicar o poder de sua força limitada: a ala-
vanca, a cunha, o parafuso e a polia. Esta abordagem
de explicação do mundo físico foi registrada por escrito
pela primeira vez por volta do ano 400 a.C. por Arquitas
(c. 428–c. 347 a.C.) de Tarentum (Tarento, uma peque-
na cidade no sul da Itália), o qual é às vezes chamado
de o pai da mecânica matemática. Arquitas viera da es-
cola pitagórica de física e matemática, e seus livros
Tubos e Mecânica são as mais antigas obras sobre o as-
sunto que chegaram até nós. Sua obra sobre mecânica
estabeleceu as bases que foram seguidas e desenvolvi-
das por praticamente todos os demais escritores sobre
matemática e física durante o período clássico, até
Antêmio e Eutócio, no século VI d.C. Entre as muitas ou-
tras obras de Arquitas sobre matemática está
Harmônica, que descrevia a ciência baseada em teoria
musica e geometria e que lhe foi importante para expli-
car como o mundo funcionava como a mecânica.
Aristóteles escreveu sobre sua admiração por um certo
brinquedo mecânico que Arquitas fez para divertir crian-
ças. Arquitas fez um passarinho de brinquedo que de al-
guma maneira era movido a ar comprimido e voava por
quase 200 metros, e ele também escreveu uma incrível
viagem imaginária ao redor do mundo em uma esfera
hermeticamente vedada.
Ainda que muitos dos primeiros filósofos, matemáticos
e cientistas da Grécia antiga talvez tenham trabalhado
por diletantismo, muitos de seus esforços se relaciona-
vam com preocupações bem mais mundanas – em par-
ticular, a arte da guerra. Esta abarcava levantamentos
topográficos, medições, e projeto e execução de navios,
fortificações e armamentos como catapultas e balistas.
Estes filósofos e cientistas também faziam pesquisas
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G EOM ETR IA: DE MON STRAÇÕE S E AX IOMAS
Os fundamentos formais da geometria são um pequeno número de axiomas. Todas as verdades ou teoremas da
geometria são gerados a partir desses axiomas, através da aplicação de várias regras de inferência e de teore-
mas anteriormente comprovados.
DADO:
Um quadrilátero ABCD
PE DE-S E:
Construa um triângulo de área igual à do quadrilátero
ABCD.
CON STR UÇÃO:
Una AC. Passando por D, trace o lado DE paralelo a AC,
chegando a E, definido pela continuação do lado BC. O
triângulo requerido é AB E
DE MON STRAÇÃO:
Área do quadrilátero ABCD = ∆ABC + ∆ACD em área
∆ACD = ∆ACE em área (na mesma base AC entre as mesmas paralelas AC e DE)
Área de ∆ABCD = ∆ABC + ∆ACE em área
Área de ∆AB E = ∆ABC + ∆ACE em área
Área de ABCD = ∆AB E Quod erat demonstrandum (O que devia ser demonstrado)
para descobrir, por exemplo, como aumentar a força de
arremesso das armas e a rapidez e efetividade das em-
barcações. Aparentemente havia dois meios formais de
se adquirir conhecimentos de engenharia que poderiam
ser aplicados para fins militares: um aprendizado era
dos conhecimentos práticos necessários para a constru-
ção de edificações e fabricação de máquinas de guerra,
o outro, era mais profundo. As habilidades bélicas eram
lecionadas em colégios militares, ao passo que uma for-
mação mais geral e científica, que incluía o estudo de
disciplinas acadêmicas como mecânica, geometria e as-
tronomia, era oferecida nas escolas onde os grandes
acadêmicos de então lecionavam. É provável que muitos
de tais estabelecimentos servissem a ambos propósi-
tos. Infelizmente, poucas informações chegaram até nós
sobre estas escolas. Platão (429–347 a.C.) estabeleceu
sua academia em Atenas em 387 a.C., tendo em mente
fins tanto educacionais como políticos, e vários filóso-
fos, advogados, astrônomos e matemáticos estavam as-
sociados à escola. Desconhecemos se havia currículos
ou mesmo aulas formais naquela época, mas quando
Aristóteles estudou lá, 20 anos depois, sabemos que
ele aprendeu retórica e política. Aristóteles em breve se
uniu ao corpo docente e se sabe que ele lecionou retóri-
ca e dialética. A academia perdurou de várias formas até
529 d.C.
Aristóteles deixou a academia de Platão após 20 anos e
logo recebeu o apoio de Alexandre, o Grande, na funda-
ção de uma instituição rival, o Liceu, em Atenas, em 335
a.C. O Liceu oferecia aulas formais em uma ampla vari-
edade de disciplinas, muitas das quais lecionadas pelo
próprio Aristóteles – lógica, física, astronomia, meteoro-
logia, zoologia, metafísica, teologia, psicologia, política,
economia, ética, retórica e poética. Uma das mais impor-
tantes conquistas de Aristóteles foi dar fundamentação
lógica às ciências teóricas a partir de uma série de axio-
mas, como na geometria. Sua obra precedeu a estrutu-
ra formal de axiomas de Euclides para a geometria em
30 ou 40 anos.
Em 290 a.C. Ptolomeu Soter (Ptolomeu I) fundou o
Museu de Alexandria, com o fim declarado de coletar
todas as obras escritas importantes, promover o estudo
da literatura e da arte, e estimular e auxiliar investiga-
ções e pesquisas experimentais e matemáticas.
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A palavra “museu” significava um santuário para as
Musas, mas hoje seria mais apropriado chamá-lo de
uma universidade. Ele se inspirava, em parte, no currícu-
lo amplo do Liceu, e se tornou a mais bem-sucedida de
todas as escolas da Antigüidade, o modelo no qual se
baseiam todas instituições acadêmicas e de ensino atu-
ais. Durante os 900 anos seguintes, ele atraiu estudio-
sos e alunos de todos os confins do futuro Império
Romano do Ocidente e do Oriente. Uma importante
parte do complexo do Museu era a famosa Biblioteca de
Alexandria, na qual se acredita que houvesse 750.000
livros em seu apogeu.
A lista de nomes relacionados à Universidade de
Alexandria como professor ou aluno é impressionan-
te, incluindo, entre outros, o geômetra Euclides e
os engenheiros Arquimedes, Tesíbio, Filon e Hiéron
de Alexandria. Para que possamos ter uma idéia do
alto padrão que a engenharia grega e romana alcan-
çou, vale a pena examinarmos as carreiras, as con-
quistas e os escritos dos mais eminentes destes
homens.
Os engenheiros da Grécia helenísticaArquimedes de Siracusa, uma cidade-Estado da Sicília
(c. 287–212 a.C.), provavelmente estudou na
Universidade de Alexandria e rapidamente se tornou
muito conhecido por ter inventado duas das máquinas
mais duradouras da humanidade: o parafuso de
Arquimedes, ainda hoje usado para erguer água, e a
polia composta. O historiador romano Plutarco, escre-
vendo por volta do ano 100 d.C., descreve um dramáti-
co experimento que o rei de Siracusa, Hiéron, preparou
para que Arquimedes pudesse demonstrar sua polia
composta. Em uma carta ao Rei Hiéron, Arquimedes afir-
mou que, dada força suficiente, qualquer peso podia ser
movido por seu sistema de polias.
Hiéron maravilhou-se com isto e pediu a Arquimedes uma
demonstração prática na qual um grande peso poderia ser
movido por uma pequena máquina. Um dos navios de
carga da frota do rei – que não podia ser movido do cais a
não ser com muito esforço e muitos homens – foi selecio-
nado, enchido com passageiros e carga total, e Hiéron se
sentou para assistir. Praticamente sem esforço,
Arquimedes puxou a corda da polia composta e moveu o
navio em linha reta, de forma tão suave e estável como se
ele estivesse no mar.6
As habilidades de engenharia de Arquimedes lhe puse-
ram a serviço do rei como engenheiro militar, e sua re-
putação se tornou lendária, tanto em sua terra como nos
territórios de seus inimigos. As mais bem sucedidas e
famosas de suas façanhas foram as máquinas que ele
criou para defesa de sua terra natal, Siracusa, quando
esta foi atacadas pelos romanos no sítio de 212 a.C.
Plutarco escreveu:
Quando Arquimedes começou a manejar suas máquinas
e a atirar contra as forças terrestres dos atacantes todos
os tipos de projéteis e imensas massas de rocha, que
caíam com barulho e velocidade inacreditáveis, nada con-
seguia evitar o peso deles, e estes projéteis arrasavam
tudo que estivesse em seus caminhos, causando grande
confusão entre os inimigos. Ao mesmo tempo, enormes
vigas eram subitamente arremessadas das muralhas e
caíam sobre os navios, afundando rapidamente alguns
deles; outros eram capturados pela proa com o uso de
garras de ferro ou ganchos que pareciam ganhos de guin-
daste, eram erguidos no ar, e então tinham suas proas le-
vantadas e eram jogados para o fundo do mar, ou giravam
várias vezes, puxados pelas máquinas de guerra da cida-
de, até se chocarem contra as pontas de aço que projeta-
vam das muralhas, massacrando os guerreiros a bordo,
que morriam nos escombros. Muitas vezes também um
navio era retirado da água e ficava em pleno ar, girando
aqui e acolá, um espetáculo horrível, até que toda sua tri-
pulação tivesse sido arremessada para todos os lados, e
então era lançado vazio contra as muralhas ou libertado
das garras que o mantinham.7
Apesar de tudo, Arquimedes era um engenheiro um
tanto relutante. Ele desenvolvia as máquinas de guerra
apenas sob solicitação de seu amigo, o rei de Siracusa,
e não escreveu nada sobre seus conhecimentos milita-
res. Plutarco relata bem a atitude ambivalente de
Arquimedes:
Arquimedes possuía um espírito tão elevado, era uma alma
tão profunda, e tinha tamanho conhecimento científico
que, embora suas invenções lhe tivessem trazido reputação
e fama de ter uma perspicácia super-humana, ele não con-
cordou em deixar para trás qualquer tratado sobre o tema,
e, considerando ignóbil e vulgar a obra de um engenheiro
militar, assim como qualquer outra arte que prestasse au-
xílio às necessidades da vida, ele devotou seus maiores es-
forços apenas àqueles estudos cuja sutileza e charme não
são afetados pelos chamados da necessidade. Estes estu-
dos, ele considerava, não podiam ser comparados a ne-
nhum outro; neles a matéria em estudo rivaliza com a de-
monstração, o primeiro (a matéria) oferecendo grandiosida-
de e beleza, o segundo (a demonstração), precisão e poder
insuperáveis.8
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Naturalmente, é este aspecto dos grandes talentos de
Arquimedes que firmou sua reputação atual como o
maior de todos os físicos e matemáticos da Antigüida-
de. Ele é universalmente conhecido por seu famoso
princípio: todo corpo submerso em um fluido experimen-
ta um empuxo vertical e para cima igual ao peso do flui-
do deslocado. Ele também leva o crédito de ter desen-
volvido um antecessor primitivo do cálculo, seu método
de exaustão, um processo de integração que lhe permi-
tia calcular área de formas irregulares. No entanto, a
obra de Arquimedes sobre matemática e física era virtu-
almente desconhecida durante sua vida e por muito
tempo após sua morte. Ela foi amplamente difundida
apenas quando editada e publicada pelo cientista grego
Eutócio de Ascalon (c. 480–540), aproximadamente
700 anos depois.
Tesíbio de Alexandria (c. 285–222 a.C.) era um enge-
nheiro militar egípcio cuja reputação foi superada ape-
nas pela de Arquimedes. Ele escreveu dois livros sobre
a mecânica aplicada à guerra e às máquinas bélicas,
ambos perdidos: Memorando Sobre Mecânica e
Belopoietica. Ele projetou numerosas catapultas, inclusi-
ve uma que usava cabos de bronze torcidos, cuja vanta-
gem sobre os cabos feitas de materiais orgânicos (cor-
das e tendões de animais) era que seu desempenho não
era afetado pela umidade. Sua obra sobre a compressi-
bilidade e elasticidade do ar também foi importante e
lhe rendeu o título de “pai da pneumática”. Ele inventou
a bomba de sucção que ainda hoje é usada para bombe-
ar água verticalmente e muitas máquinas movidas a
água ou energia pneumática, algumas incorporando en-
grenagens mecânicas. Entre estas estava um guindaste
hidráulico capaz de erguer grandes pesos, e seu famoso
relógio de água.
Talvez o maior feito de Tesíbio no desenvolvimento de
todas as formas de engenharia seja o fato de que ele é
considerado como o fundador e primeiro diretor da
Escola de Engenharia de Alexandria. Fundada em 230
a.C. e intimamente relacionada com o Museu de
Alexandria, seu fim era educar e treinar engenheiros mi-
litares e engenheiros mecânicos. Se o “museu” de
Ptolomeu Soter hoje deveria ser chamado de universida-
de, então seria melhor chamar a escola de Tesíbio de
“école polytechque”, para usarmos o termo cunhado
para a nova escola de engenharia fundada na França do
século XVIII, dedicada a aproximar a teoria da prática
(veja o capítulo 6, p. 302).
Filon (ou Filão) de Bizâncio (c. 280–220 a.C.) era prova-
velmente um engenheiro militar, mas nenhum de seus
experimentos práticos foi registrado. Ele é conhecido por
nós especialmente por seu tratado sobre operações mi-
litares e a arte do sítio. Filon aumentou quaisquer conhe-
cimentos anteriormente adquiridos sobre a engenharia
militar com informações colhidas com aqueles que as ti-
nham em primeira mão. Ele visitou os grandes arsenais
de Rodes e Alexandria para conversar com os engenhei-
ros sobre as mais recentes estratégias militares e o pro-
jeto e a construção dos últimos armamentos. Em
Alexandria, por exemplo, ele encontrou Tesíbio, que há
pouco desenvolvera sua nova catapulta com cabos de
bronze torcidos. O tratado de Filon foi escrito em nove li-
vros:9
1. Introdução
2. Alavancas
3. Construção de Portos Marítimos
4. Catapultas
5. Pneumática
6. Teatros Automáticos
7. Construção de Fortalezas
8. Sítio e Defesa de Cidades
9. Estratagemas
Infelizmente, apenas quatro destes livros chegaram
aos nossos dias (os livros 4, 5, 7 e 8). Seu Livro 8 ofe-
rece conselhos sobre as várias formas de defender as
muralhas das cidades contra o sítio, tanto por terra
como por mar. Para capturar uma cidade sitiando-a,
Filon primeiro aconselha que é importante fazer uso
adequado de máquinas como catapultas e outras má-
quinas de guerra. Mas, como ele prossegue, também
é importante tentar fazer com que os habitantes da ci-
dade passem fome, subornar as pessoas adequadas
para ajudar, envenenar os sitiados, e usar criptografia
para passar mensagens secretas. Ele também ressal-
ta a importância de um bom médico, e afirma que
aqueles que foram feridos em batalha de forma tão
grave que já não podem trabalhar deveriam receber
pensões, e que se deveria cuidar das viúvas dos mor-
tos.
Seu livro sobre catapultas (Livro 4) é o mais importante
para a história do projeto de engenharia. Embora seja
uma das primeiras obras substanciais sobre mecânica,
não é obra de um matemático acadêmico. Ele oferece as
bases científicas do funcionamento de muitos engenhos
e máquinas de guerra, e, o que é mais importante, re-
gistra as etapas de projeto usadas pelos engenheiros
militares romanos para a determinação das dimensões-
chave de armas como catapultas e balistas. Embora
Filon estivesse relatando os métodos de projeto de en-
genharia militar de sua época, eles eram, evidentemen-
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te, apenas os últimos de uma longa tradição. Dada sua
sofisticação, não é absurdo supor que eram as versões
mais atualizadas de métodos similares que existiam há,
pelo menos, 100 anos.
Filon nos conta que os gregos projetavam balistas para
o arremesso de pedras e catapultas para lançar flechas
usando fórmulas que relacionavam cada uma das dimen-
sões da máquina terminada com apenas uma unidade
básica: o “módulo”. Chamado de palintone no caso da
balista grega, o módulo era o diâmetro da pedra a ser
lançada. A fórmula de projeto havia sido determinada
através da experiência e de testes, e estabelecia que,
para que se conseguisse determinado alcance de tiro, o
diâmetro (D) das cordas torcidas variava com a raiz cúbi-
ca da massa (M) do projétil de pedra, ou seja, D = 1.13√(100 M). O método de projeto descrito por Filon pros-
segue, dando as dimensões de mais de uma dúzia de
componentes chave do palintone, todos baseados em
múltiplos do módulo fundamental, o diâmetro das cor-
das ou cabos torcidos, D. Em 250 a.C., estes cálculos
eram um desafio para o projetista de uma catapulta -
como achar a raiz cúbica de um número – e uma das
contribuições de Filon à matemática foi que ele conse-
guiu bolar uma solução geométrica para este problema
de cálculo. Bem, na verdade, muitas vezes a resposta
poderia ter sido simplesmente obtida em tabelas que
forneciam os valores pré-calculados para uma seleção
de dimensões comuns de catapultas, mas o uso desta
relação cúbica é incrivelmente maduro para sua época e
não foi superado em termos de sofisticação por mais de
500 anos. Este tipo de processo de projeto era muito si-
milar àquele usado pelos projetistas de edificações de
então, como posteriormente foi registrado por Vitrúvio
(veja a seguir).
Engenharia e construção na Roma antigaNão houve uma transição clara ou repentina entre a en-
genharia grega e a romana. Roma era uma cidade, ou
melhor, um Estado que vinha crescendo em importân-
cia desde a fundação da República Romana, em 509
a.C. Seus conhecimentos e avanços em engenharia ha-
viam se desenvolvido junto com aqueles das demais ci-
dades-Estado ao redor do Mediterrâneo. A arquitetura
clássica de Atenas já havia influenciado Roma no sécu-
lo V a.C., quando o Templo de Saturno (498 a.C.) e o
Templo de Castor e Pólux (484 a.C.) foram construídos,
e estas edificações, mesmo após muitas reformas,
ainda gozavam de destaque no Fórum romano de 200
d.C (cujas ruínas ainda existem). Assim como ocorria
com todas as cidades antigas, as novas construções
de Roma eram sobrepostas às anteriores, e todas
eram influenciadas pelas práticas e pelos eventos dos
lugares com os quais Roma comerciava. Tanto o
Império Romano como a cidade de Roma haviam se tor-
nado mais prósperos durante o século I a.C., e houve-
ra uma enorme campanha para a construção de estra-
das, aquedutos e fortificações por todo o império. No
ano de 45 a.C. houve uma mudança dramática, quan-
do Júlio César (100–44 a.C.) foi eleito como o primeiro
(e último) Dictator Perpetuus; um ano depois, ele foi as-
sassinado. Em 27 a.C., após uma década e meia de
governo compartilhado e disputado, o Senado romano
conferiu ao sobrinho-neto e filho adotivo de César,
Otávio (63 a.C–14 d.C), que já era cônsul da cidade, os
títulos de Augustus (“o sublime”) e Princeps (“principal
cidadão”). O senado lhe jurou um voto de lealdade
como Imperator, e então, com controle total do exérci-
to romano, ele se tornou o líder efetivo de todo o
Império Romano. Assim como outros líderes antes e
depois dele, Otávio Augusto estabeleceu e marcou sua
autoridade através da construção – e ele construiu em
uma escala sem precedentes. Antes de examinar algu-
mas dessas obras-primas, contudo, esta discussão irá
enfocar aspectos mais corriqueiros da construção e da
engenharia.
Um dos mais importantes meios pelos quais os roma-
nos mantiveram o alto nível de conhecimentos em en-
genharia alcançado pelos gregos foi através de uma
infra-estrutura de ensino que havia sido estabelecida
principalmente pela universidade e escola de engenha-
ria de Alexandria. Esta continuou sendo o principal es-
tabelecimento de ensino durante toda a duração da
República Romana e do Império Romano. Lá a enge-
nharia era lecionada com base nos livros dos grandes
escritores gregos e, acredita-se, também de muitos
mestres romanos cujas obras e nomes se perderam.
Praticamente os únicos livros de engenharia que per-
duraram deste período são aqueles escritos por Héron
de Alexandria (10–75 d.C), que foi provavelmente o
mais prolífico escritor sobre ciência e tecnologia de
sua época.10 Nada se sabe sobre sua juventude, mas
é provável que tenha estudado engenharia, e ele se
tornou conhecido como professor na universidade e
escola de engenharia de Alexandria. Ele, sem dúvida,
tinha grandes conhecimentos da prática, assim como
dos aspectos matemáticos e científicos da mecânica.
Seus livros-texto e suas notas de aula compreendiam
trabalhos pessoais, assim como comentários e rein-
terpretações dos temas clássicos estabelecidos antes
dele por Euclides, Arquimedes e outros. De uma longa
lista de livros atribuídos a Héron, os seguintes geral-
mente são reconhecidos como seus:
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Mechanica (em três livros)
Metrica, dedicada a métodos de medição
Zygia, ou Equilíbrio (perdido), mencionado pelo matemáti-
co grego Papo (Pappus) de Alexandria (c. 290–350
d.C.)
Dioptra, que trata de teodolitos e topografia
Comentário sobre os Elementos de Euclides
Belopoeica, que descreve como construir máquinas de
guerra e cobre assuntos similares àqueles das obras
de Filon e Vitrúvio
Camarica, ou Abóbadas (perdido), mencionado por Eutócio
de Ascalon
Pneumatica (em dois livros), um estudo das máquinas
mecânicas acionadas a ar, vapor ou pressão da água
O Teatro Automaton, descrevendo um teatro de fantoches
com cordões, polias, tambores e pesos
Relógios de Água (em quatro livros)
Catoprica, tratando da luz, da visão e dos espelhos
Uma obra perdida sobre como usar um astrolábio, menci-
onada no século X.
Mechanica, o tratado de Héron sobre mecânica para en-
genheiros, basicamente segue as idéias de Arquimedes,
cobrindo os conceitos teóricos e os princípios de funcio-
namento de várias máquinas e dando exemplos práticos
de seus usos. O Livro 1 examina como construir formas
tridimensionais proporcionais a determinada forma. Ele
também examina a teoria do movimento e certos proble-
mas de estática, incluindo a teoria do equilíbrio. No Livro
2, Héron discute o levantamento de objetos pesados
com o uso de uma alavanca, polia, cunha ou parafuso.
Há uma discussão sobre o centro de gravidade de figu-
ras planas. O Livro 3 examina vários métodos de movi-
mentação e transporte com guindastes e trenós, e ele
também examina as prensas de lagar (de vinho) como
uma das aplicações da força mecânica do parafuso.
Também interessa à engenharia da edificação uma única
e espantosa referência feita pelo matemático e escritor
técnico do século VI, Eutócio de Ascalon, a um livro per-
dido sobre abóbadas, também escrito por Héron. O ma-
temático Papo de Alexandria descreveu a abordagem de
Héron:
Os engenheiros [mechanikoi] da escola de Héron dizem
que a engenharia pode ser dividida em uma parte teórica
e outra prática; a parte teórica é composta da geometria,
aritmética, astronomia e física; a parte prática compreende
a manufatura de objetos de metal, construção, carpintaria,
pintura e tudo que envolva habilidade com as mãos.11
Marco Vitrúvio PoliãoApenas um livro sobre projeto e construção de edifica-
ções do período greco-romano chegou até nós: De
Architectura (Arquitetura), escrito por Vitrúvio (Marcus
Vitruvius Pollio – que trabalhou de 46 a 30 a.C) e pu-
blicado em Roma por volta de 25 a.C. Embora tenha
sido escrito no período romano, o conteúdo desta obra
pertence, em termos culturais, tanto à Grécia como a
Roma. Fica claro nos agradecimentos do texto que
muitos autores já haviam escrito sobre os mesmos as-
suntos durante os séculos anteriores, e Vitrúvio admi-
te que se baseia muito neles. Assim, quando Vitrúvio
escreve sobre como projetar um templo, não fica clara
a idade de tais orientações. No contexto atual, isso
não faz muita diferença. Das evidências tiradas de
muitas edificações que restaram da Grécia antiga, pa-
rece-nos provável que muitas de suas orientações
para projeto remontavam a, pelo menos, três ou qua-
tro séculos antes – aproximadamente 400 a.C. Isso
vale especialmente para suas descrições dos méto-
dos dóricos e jônicos de projetar templos. Em alguns
assuntos, como acústica, Vitrúvio transcreveu literal-
mente idéias e palavras de gregos de muitos séculos
antes. Em outros temas, como materiais e projeto de
manufatura de armamentos, Vitrúvio escreve com
base em sua própria experiência, assim, podemos
pressupor que suas orientações eram práticas corren-
tes por volta do ano 50 a.C.
Vitrúvio foi um engenheiro que trabalhou durante o sé-
culo I a.C., primeiramente a serviço de Júlio César e
de Otávio Augusto. Ele estudou e começou sua carrei-
ra como engenheiro militar, construindo e consertando
balistas e scorpiones (catapultas). Mais tarde, seus
conhecimentos de gerenciamento de engenharia e pro-
jeto fizeram que fosse encarregado de vários projetos
públicos de engenharia civil (provavelmente para for-
necimento de água), e ele teve um importante (mas
desconhecido) papel na reconstrução de Roma, a cida-
de de que Otávio Augusto posteriormente se orgulha-
ria por “havê-la encontrado feita de tijolo e deixá-la
feita de mármore”.12 Sabemos de apenas um projeto
ao qual seu nome pode ser associado: a grande basí-
lica de Fano, uma cidade da Itália central, na costa do
Mar Adriático.
Vitrúvio escreveu seu livro no final da vida – provavel-
mente já aposentado, se imaginarmos que a vida profis-
sional de engenheiros de obras e gerentes de projeto
era, na época, tão atribulada como hoje – e dedicou-a a
Otávio Augusto, que havia sido seu principal cliente. É
impressionante que seu livro seja conhecido de forma
quase ininterrupta há mais de 2.000 anos. Muitas cópi-
as manuscritas chegaram ao século XV, e em 1486 a pri-
meira edição impressa foi publicada. No entanto, todas
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DE ARCH ITECTU RA , E SCR ITO POR VITRÚVIO (C. 25 A .C . )
A obra é dividida em 10 livros, dos quais o último, sobre engenharia militar, a profissão original de Vitrúvio, é o
maior. O conteúdo de cada um é:
1. A E DUCAÇÃO DO E NG E N H E I RO E DO PROJ ETI STA DE E DI F ICAÇÕE S; O E SCOPO DA E NG E N HAR IA; PLAN EJAM E N-
TO DE CI DADE S
2. MATE R IAI S DE CON STR UÇÃO PARA E DI F ICAÇÕE S
3. PROJ ETO E CON STR UÇÃO DE TE M PLOS
4. ARQU ITETU RA E E STI LOS DOS TE M PLOS
5. PROJ ETO E CON STR UÇÃO DE E DI FÍCIOS PÚB LICOS
6. PROJ ETO E CON STR UÇÃO DE CASAS PR IVADAS
7. MATE R IAI S PARA ACABAM E NTO DE E DI F ICAÇÕE S
8. COMO E NCONTRAR E FOR N ECE R ÁG UA ÀS CI DADE S
9. ASTRONOM IA, R E LÓG IOS DE SOL E R E LÓG IOS DE ÁG UA
10. E NG E N HAR IA M ECÂN ICA – MÁQU I NAS PARA LEVANTAR PE SOS E E LEVAR ÁG UA; RODAS D’ÁG UA E MOI N HOS; AR-
MAM E NTOS, I NCLUS IVE CATAPU LTAS E BALI STAS, E MÁQU I NAS PARA SÍTIO.
Ele alterna entre projeto e construção – como determinar as dimensões, as posições relativas, a orientação dos
componentes, e como selecionar e usar materiais adequados. Ele ressalta especialmente a importância da econo-
mia – o gerenciamento adequado de materiais e do canteiro de obras, bem como o uso do bom-senso para redução
de custos, evitando-se, por exemplo, materiais que não estivessem disponíveis na região e aqueles difíceis de traba-
lhar e usar. Ele também aconselha tomar cuidado com o custo das obras e o tamanho do bolso do cliente, além da
necessidade de entregar ao cliente uma edificação adequada ao fim desejado.
Vitrúvio distingue três ramos da engenharia (architectura); engenharia da edificação, manufatura de relógios e fabrica-
ção de máquinas, tanto aquelas para uso na construção como grandes armas de guerra. Ele considera que estas
três artes baseiam-se em comum em três habilidades: saber trabalhar os materiais para fazer coisas, ser capaz de
medir e fazer levantamentos topográficos, e ser capaz de calcular usando a geometria e a aritmética.
E NG E N HAR IA DA E DI F ICAÇÃO
CI DADE S FORTI F ICADAS E OB RAS PÚB LICAS
DE FE SA: Muralhas, torres, portões e recursos permanentes para se resistir a ataques hostis
USO R E LIG IOSO: Templos e outros monumentos aos deuses imortais
F I N S UTI LITÁR IOS: Portos, locais de reunião pública como mercados, teatros, banhos públicos, colunatas, passeios
públicos
OB RAS PARA I N DIVÍDUOS PARTICU LAR E S (CASAS)
R E LÓG IOS
R E LÓG IOS DE SOL E R E LÓG IOS DE ÁG UA
E NG E N HAR IA M ECÂN ICA
MÁQU I NAS E EQU I PAM E NTOS PARA CON STR UÇÃO
G U I N DASTE S, G R UAS, HODÔM ETRO
AR MAM E NTOS
BALI STAS, CATAPU LTAS, TE STU DOS
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estas cópias devem ter permanecido misteriosas para
os leitores do norte da Europa, pois elas não continham
ilustrações das edificações descritas por Vitrúvio.
As primeiras traduções de Vitrúvio foram para o fran-
cês, em 1673, e para o inglês, em 1692. Como é de
se esperar, estas e as versões subseqüentes tendem
a refletir a formação e as posturas do tradutor além
das de Vitrúvio. Isso talvez fique mais evidente no uso
das palavras “arquiteto” e “arquitetura” para descre-
ver Vitrúvio e o conteúdo de seu livro. Um architecktongrego era literalmente um controlador e organizador da
mão-de-obra – talvez poderíamos chamá-lo de gerente
de projeto na linguagem de hoje. A palavra grega archi-tecktura abarcava o que atualmente seria chamado de
engenharia mais arquitetura, e Vitrúvio usa a palavra
architecti como transliteração da língua grega, já que
não havia uma palavra correspondente adequada em
latim. As dificuldades que Vitrúvio teve em traduzir
idéias gregas para o latim foram aumentadas pelas di-
ficuldades dos tradutores do texto em latim de Vitrúvio
para as línguas européias modernas; muitos equívo-
cos sobre as técnicas de construção foram introduzi-
dos por tradutores que não dominam o assunto. A se-
guinte tradução das linhas de abertura do Livro I,
Capítulo I, talvez respeite suas posturas como enge-
nheiro um pouco melhor do que a maior parte das tra-
duções modernas:
Architektura [engenharia e arquitetura] é um conjunto de
conhecimentos que engloba muitas disciplinas e ciências
que também podem ser aplicadas a outras artes. As obras
acabadas nascem da perícia na manufatura e no projeto. A
perícia na manufatura advém do estudo constante da mão-
de-obra qualificada e do uso de materiais para se criar de
acordo com o resultado desejado. Projetar é a habilidade
de se transmitir o esquema do objeto finalizado para as de-
mais pessoas, e dar uma explanação racional para o esque-
ma, usando conhecimentos de engenharia e princípios ci-
entíficos.13
As linhas originais em latim são as seguintes:
Archtecti est scientia pluribus disciplinis et variis eruditioni-
bus ornata quae ab ceteris artibus perficiuntur. Opera ea
nascitur ex fabrica et ratiocinatione. Fabrica est continuata
ac trita usus meditation, quae manibus perficitur e materia
cuiuscumque generis opus est ad propositum deformatio-
nis. Ratiocinatio autem est, quae res fabricatas sollertiae
ac rationis proportione demonstrare atque explicare po-
test.14
Vitrúvio e as etapas do projeto gregoDa descrição detalhada feita por Vitrúvio sobre os proce-
dimentos de projeto para templos dóricos e jônicos con-
cluímos três coisas sobre o planejamento e a constru-
ção na Grécia antiga: primeiro, que os gregos haviam de-
senvolvido processos seqüenciais para o projeto de edi-
ficações; segundo, que tais atividades dependiam do
uso do desenho e da geometria; terceiro, que tais méto-
dos de certa forma incorporavam meios de transmitir ao
projetista a confiança de que a edificação resultante fi-
caria de pé e funcionaria nas formas previstas.
Os projetos para templos dóricos e jônicos foram criados
por volta de 600 a.C. – os dóricos na Grécia continental
e no sul da Itália e na Sicília; os jônicos, na Ásia Menor
e nas ilhas do Mediterrâneo. Eles diferiam não apenas
em aspecto, mas também na forma em que eram execu-
tados.
Os projetos dóricos, como repetiu Vitrúvio usando suas
fontes gregas, tinham uma concepção de elegante simpli-
cidade. Eles exigiam a seleção de um módulo único e fun-
damental que correspondia à metade do diâmetro de uma
coluna, “e, uma vez estabelecido este módulo, todas as
partes da obra eram ajustadas a partir de cálculos base-
ados nele”.15 Assim como em outras seções de DeArchitectura, onde ele descreve antigas práticas gregas,
Vitrúvio usa a palavra grega embates para módulo, já que
não havia uma palavra latina correspondente. Assim, de
acordo com um conjunto particular e uma seqüência de
cálculos usados, as etapas de projeto para as várias di-
mensões de toda a edificação podiam ser estabelecidas,
permitindo que o arquiteto tivesse uma certa liberdade
para selecionar múltiplos e proporções adequados ao uso
da edificação. Este é exatamente o mesmo método que
havia sido desenvolvido pelos projetistas de catapultas
ou balistas, e, considerando que a tecnologia militar sem-
pre esteve à frente da tecnologia civil, podemos pressu-
por que o uso do módulo tenha sido desenvolvido primei-
ramente para a construção de armamentos.
Os projetos jônicos eram mais complexos e sofisticados
do que os dóricos. Nem todos os elementos da edifica-
ção se relacionavam com um único módulo, mas havia
uma série de derivações, de tal modo que as dimensões
de cada elemento eram calculadas sucessivamente a
partir de outro elemento, que geralmente era o imediata-
mente anterior. As proporções entre as partes consecuti-
vas também eram mais complexas do que no estilo dóri-
co, e as proporções entre partes muito afastadas eram
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muito difíceis de se calcular. Este plano de projeto dava
margem a experimentação e variação muito maiores.
Seguir as etapas de um projeto do tipo dado por Vitrúvio
para templos dóricos e jônicos envolvia tanto cálculos
aritméticos simples como desenhos geométricos feitos
com esquadros e compasso. Isso tornava possível calcu-
lar, antes que a construção começasse, as dimensões
de toda a edificação e de seus componentes, que então
podiam ser comunicadas à equipe de trabalhadores.
Quando olhamos desta forma, vemos que um procedi-
mento de projeto era muito mais do que um conjunto de
instruções a serem seguidas pelos trabalhadores. Na
linguagem de hoje, elas são um modelo matemático da
edificação – uma representação abstrata da estrutura
que nos permite experimentar, tentar as idéias antes de
realmente executá-las. Tais ferramentas nos permitem
prever as conseqüências das decisões de projeto, e ex-
plorar o possível surgimento de problemas durante o
processo de projeto e evitá-los. Este é o verdadeiro lega-
do dos engenheiros gregos que foi desenvolvido a partir
do século VI a.C. A codificação dos processos de proje-
to também serviu como meio conveniente de registro
dos aprendizados obtidos com projetos passados, pos-
sibilitando que outras pessoas pudessem acessar tais
informações e disseminá-las pelos territórios. Um proce-
dimento de projeto podia viajar na cabeça de apenas
uma pessoa. Na verdade, foi o fato de que muitas pes-
soas diferentes podiam projetar edificações similares
que levou à própria idéia de um estilo mais ou menos
unificado; de outro modo, as edificações que surgiriam
em territórios vizinhos ou províncias provavelmente refle-
tiriam as preferências estéticas e os diferentes níveis de
perícia em projeto e construção.
Um procedimento bem-sucedido e consolidado geraria,
sem dúvida, confiança em seus usuários. Havia, no en-
tanto, algo muito mais importante envolvido. Na Grécia
antiga, a geometria era muito mais do que um mero
ramo da matemática, como a descreveríamos atualmen-
te. Da mesma forma que hoje usamos a física, a quími-
ca e outras ciências, os geômetras gregos efetivamente
inventaram as idéias de prova e lógica. Usando mera-
mente a geometria e simples regras matemáticas, eles
elucidaram as leis fundamentais que explicavam como o
mundo funcionavam. O estudo grego da harmônica havia
identificado as muitas relações complexas entre os com-
primentos das cordas que criavam as notas musicais,
em harmonia ou dissonância. Tais relações certamente
também poderiam ter uso racional no projeto de edifica-
ções. A mecânica também já era bastante desenvolvida
para explicar, por exemplo, alavancas e polias, e isso au-
mentava a confiança nos métodos geométricos e aritmé-
ticos usados nos procedimentos de projeto. É impossí-
vel dizer com precisão como tais tentativas de explicar o
mundo usando a harmônica, a geometria e a mecânica
ajudaram os projetistas; não temos registros escritos ou
muitas edificações bem preservadas que possam nos
oferecer provas definitivas. O que importa é que a geo-
metria e a mecânica não eram ciências abstratas, mas
artes práticas. Com o uso da geometria e da mecânica
se podia chegar a resultados confiáveis e, o que é mais
importante, previsíveis.
Mas, perguntaria uma mente do século XXI, o que isso
tem a ver com a engenharia? Sem dúvida, estes procedi-
mentos de projeto gregos eram puramente geométricos
ou “arquitetônicos”. Onde está a análise de carregamen-
to e deflexão e dos esforços estruturais que os engenhei-
ros estruturais fazem atualmente? De certo modo, a per-
gunta é meramente anacrônica; os conceitos matemáti-
cos modernos de cargas e esforços simplesmente ainda
não existiam. Por outro lado, a pergunta é sobre evidên-
cias de como os gregos sabiam dos esforços estruturais
sofridos pelos materiais que usavam e como eles relaci-
onavam estes esforços com as dimensões dos vários
elementos da edificação. A resposta tem que ser a se-
guinte: os primeiros procedimentos e regras de projeto,
como aqueles transmitidos por Vitrúvio, incorporavam
todas as principais influências de um elemento construti-
vo sobre a forma final – sua aparência, sua função estru-
tural, suas propriedades materiais, o método construtivo
etc. Os procedimentos de projeto que hoje nos parecem
“apenas” geométricos também se fundamentavam em
muitos conhecimentos práticos acumulados por todos os
engenheiros experientes: o maior tamanho possível de
um componente de pedra que podia ser erguido usando-
se diferentes meios, a distância que podia ser vencida
por uma viga de diferentes tipos de pedra, a área de te-
lhado que um barrote de madeira podia sustentar. É um
erro presumir que a falta da ciência da engenharia moder-
na significava que os engenheiros gregos ignorassem
como as estruturas trabalhavam. Na verdade, ainda não
haviam sido inventados os meios para se armazenar tais
conhecimentos de forma escrita ou diagramática, e, por-
tanto, os meios para transferi-los de uma pessoa a outra.
Mais de 1.500 anos transcorreriam até que estes meios
fossem desenvolvidos.
Vitrúvio e a engenharia ambientalVitrúvio recomenda orientar uma casa de modo a obter
o benefício máximo da calefação solar, e também acres-
centa conselhos de como diferentes leiautes de cômo-
dos, estilos de casa e detalhes de projeto são mais ade-
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14 Elementos das ordens dórica e jônica. 15 Fluxograma indicando os procedimentos para o projeto de um templo no estilodórico, c. 600–400 a.C., a partir de uma descrição dada por Vitrúvio, c. 25 a.C.
14 15
quados aos vários locais do Império Romano, conforme
a temperatura, o regime de chuvas, a umidade, os ven-
tos dominantes e a latitude. Ele também dá recomenda-
ções, em seu modo racional típico, sobre a implantação
de cidades em relação ao mar, aos rios, a pântanos que
emitem vapores insalubres etc. Os templos deveriam
estar voltados para o oeste, de modo que aqueles que
se aproximassem do altar com oferendas ou sacrifícios
estivessem voltados para o nascer do sol. Caso isso não
fosse possível, a orientação deveria garantir que o deus
abrigado no santuário tivesse a melhor visibilidade pos-
sível da cidade, e vice-versa. Os templos junto a rios ou
estradas deveriam estar voltados para estes, possibili-
tando aos transeuntes verem os deuses em seus santu-
ários e fazerem suas preces cara a cara.
Vitrúvio devota um capítulo inteiro à orientação das
ruas em relação aos ventos – quatro, de acordo com al-
guns, mas oito, conforme “investigadores mais cuida-
dosos”16 – e dá instruções detalhadas de como identi-
ficar as direções destes ventos com precisão, usando
a sombra de um ponteiro (como em um relógio de sol).
Em uma cidade na ilha de Lesbos, por exemplo, as pes-
soas aparentemente adoeciam quando o vento sopra-
va do sul, começavam a tossir quando vinha do noroes-
te, e, embora se recuperassem quando o vento vinha
do norte, não conseguiam ficar nas ruas, devido ao frio
intenso. Um conselho mais geral era que todos os ven-
tos traziam doenças, assim as casas deveriam ter a
melhor vedação possível, para que os ventos fossem
barrados.
Escolha a largura do templo, W
+
Escolha o número de colunas (o intercolúnio típico é de 3 a 6 metros)
+
Escolha a razão entre o diâmetroda coluna (D) e o intercolúnio
Calcule o “Módulo”, M
Calcule os detalhes da coluna
Calcule os detalhes do entablamento
Calcule as demais dimensões do templo
Em geral, de 15 a 30 m
Tetrástilo (4)Hexástilo (6)Octostilo (8)
Picnostilo (1,5 D)Sistilo (2 D)Eustilo (2,25 D)Diástilo (3 D)Areosistilo (3,5D)
Sistilo Diástilo Etc.
Tetrástilo W/19,5 W/27
Hexástilo W/29,5 W/42
Diâmetro na base, D = 2 MAltura, h = 14 MAltura do capitel = MLargura do capitel = 13 M/6Diâmetro no topo = 5 D/6, para h<15 pés
5,5 D/6,5, para h= 15–20 pés6 D/7, para h= 20–30 pés, etc.
Altura da arquitrave = MAltura da tênia = M/7Altura das gotas = M/6Métopas = 1,5 M de altura x 1,5 M de larguraTríglifos = 1,5 M de altura x 1 M de larguraCoroamento (cornija) = M/2 de altura, 2M/3 de projeção
Comprimento do templo = 2 W (W é sua largura)Largura da cela = W/2Comprimento da cela = 5 W/8
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De igual importância à saúde pública era o fornecimen-
to de água potável; Vitrúvio devota todo um livro para o
assunto. Ele considera que as águas pluviais são prefe-
ríveis às do subsolo porque, de acordo com ele, elas
foram produzidas pelo calor – a evaporação da água que
formou as nuvens. Muitas casas coletavam água da
chuva e a armazenavam para uso doméstico. Vitrúvio
fala da pureza variável da água de poços artesianos e da
água das fontes, recomendando que, em geral, quanto
mais clara e menos aromática a água, mais salubre ela
é; a fervura da água melhora sua qualidade. Ele também
discute os vários sais que as águas das fontes podem
conter, muitos deles medicinais. Algumas nascentes, no
entanto, deveriam ser usadas com cuidado. Em uma an-
tiga fonte, a água era excelente para banhos, mas, se in-
gerida, fazia com que as pessoas perdessem seus den-
tes no mesmo dia. Quanto ao delicado assunto de ba-
nheiros e do destino das águas fecais, Vitrúvio silencia
– o que é estranho, especialmente devido ao fato de que
ele trabalhou por algum tempo como engenheiro de
águas em Roma.
Vitrúvio, acústica e projeto de teatrosSe, por um lado, a estratégia de saúde pública dos gre-
gos era ainda bastante primitiva, não se pode dizer o
mesmo de seus conhecimentos sobre acústica, especi-
almente de teatros. Assim como para outros tipos de
edificação, Vitrúvio dá conselhos sobre a localização –
eles devem estar afastados de “bairros pantanosos e de
outras áreas insalubres”17, uma boa idéia para teatros
ao ar livre – e sua orientação. Ele também trata de ques-
tões geométricas importantes, como plantas baixas, se-
ções, linhas de visão, número e localização de entradas
e saídas, e seus aspectos construtivos em geral. Uma
boa circulação do ar é necessária para que a audiência
não fique desconfortável.
No final, Vitrúvio aprofunda-se longamente em detalhes
teóricos sobre a acústica. Isso não era obra sua. Ele es-
tava em grande parte apenas repetindo o que deve ter
encontrado em vários tratados gregos sobre acústica, os
quais provavelmente remontam à época de Pitágoras, o
primeiro a desenvolver o assunto, por volta de 530 a.C.
Vitrúvio discute a acústica sob diversos pontos de vista.
Ele introduz a harmônica – “um ramo obscuro e difícil da
ciência da música, especialmente para aqueles que não
conhecem o idioma grego”18 – e reconhece os escritos
do filósofo e teórico da música Aristoxeno, do século IV
a.C. A harmônica explica a altura das notas e os interva-
los entre elas na escala musical grega, bem como por
que algumas combinações entre notas são harmoniosas
e outras, desarmoniosas.
Quanto à escolha da localização de um novo teatro,
Vitrúvio diz ao leitor que a acústica do sítio deve ser le-
vada em consideração. O terreno não deve provocar
ecos ou provocar forte reflexão do som que possa in-
ter ferir com o som que chega ao ouvinte diretamente,
prejudicando a inteligibilidade. Vitrúvio então discute o
som no auditório – em particular, a necessidade de que
os sons de diferentes freqüências cheguem do palco
aos ouvidos de cada espectador de forma direta, da
mesma forma que as ondas provocadas por um casca-
lho atirado na água. Isso leva à conclusão lógica da ne-
cessidade de assentos escalonados e plantas baixas
semicirculares. Ele adverte sobre super fícies verticais
refletivas que evitarão que o som chegue às arquiban-
cadas superiores, afetando especialmente a inteligibili-
dade das terminações das palavras, o que, em latim e
grego, é vital para sua compreensão. Estas ondas re-
verberadas podem, segundo ele, também inter ferir
com as ondas diretas e distorcer os sons que chegam
aos ouvintes. Estas explanações são incrivelmente se-
melhantes às dos princípios básicos de acústica de
hoje.
Vitrúvio também discute o uso de ressonadores (atual-
mente conhecidos como ressonadores de Helmholtz,
em homenagem ao físico alemão que explicou seu fun-
cionamento), os quais reforçam certas freqüências da
voz humana e aumentam sua inteligibilidade. Estes re-
cipientes com uma extremidade aberta eram feitos de
bronze e afinados para seis notas da escala cromática.
Dois grupos de seis ressonadores eram assentados
sob uma fileira de assentos de modo simétrico em re-
lação à linha central do teatro. Para um teatro especi-
almente grande, duas fileiras adicionais de ressonado-
res deveriam ser instaladas em arquibancadas mais
altas, cada uma alguns semitons mais baixos – totali-
zando 36 diferentes notas. Vitrúvio admite que ele não
conhece teatros em Roma com ressonadores. Isso por-
que os “muitos teatros construídos em Roma a cada
ano contêm grande quantidade de madeira, a qual não
acarreta os mesmos problemas de reverberação que a
pedra”.19 Além disso, ele diz, os próprios painéis de
madeira podem funcionar de madeira similar a um res-
sonador, melhorando a inteligibilidade do som. Quanto
à efetividade dos ressonadores, não se provou que
eles aprimorem a inteligibilidade, e é provavelmente
por isso que eles não eram usados em Roma. Não sa-
bemos se os teatros romanos eram tão bons quanto os
gregos, mas não resta dúvida que ambos eram projeta-
dos de acordo com profundos conhecimentos de acús-
tica e perícia para alcançar resultados comprovada-
mente superiores.
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Uma última recomendação feita por Vitrúvio sobre acús-
tica era para o edifício do Senado. Segundo ele, a altura
do prédio deveria corresponder à metade de sua largura,
e as coronae, ou cornijas, deveriam ser feitas de madei-
ra ou estuque e fixadas na meia altura das faces inter-
nas das paredes ao redor de toda a sala. Sem estas, ele
diz, as vozes das pessoas envolvidas nos discursos se
perderiam com o pé-direito alto. As cornijas permitem
que o som das vozes seja “contido antes de subir”, e
assim seja mais inteligível aos ouvidos.20
O legado da engenharia romanaTalvez o aspecto mais notável sobre a engenharia da edi-
ficação e os métodos construtivos usados no período
grego e no início do período romano seja o fato de que
eles foram basicamente os mesmos usados nos dois
mil anos que se seguiram. Isso não significa denegrir as
gerações posteriores a eles, mas sim reconhecer o pro-
gresso incrível que já havia sido feito por volta de 100
a.C. Há muitas coisas impressionantes nas técnicas de
construção daquela época, mas entre as mais surpreen-
dentes para os dias de hoje podemos listar:
• a precisão dos métodos de medição e topografia
• a produção de materiais de construção artificiais (tijolo,
concreto e ferro) em enormes quantidades
• a descoberta do cimento hidráulico (veja o Apêndice D)
• o uso do arco e da abóbada de berço
• o uso de armações estruturais de madeira em pontes e
cimbres em arcos, abóbadas e cúpulas
• o uso de procedimentos de projeto e plantas baixas, ele-
vações e perspectivas como parte corriqueira do traba-
lho de um projetista de edificações
• a capacidade de manuseio de pedras de peso e ta-
manho gigantesco, bem como de erguê-las a gran-
des alturas
• a capacidade de logística necessária para arranjar
enormes suprimentos de materiais de construção
• o treinamento e a organização de grandes números de
trabalhadores.
Os engenheiros romanos haviam aprendido e desenvol-
vido estas habilidades principalmente através da cons-
trução de estradas e pontes para fins tanto militares
como comerciais, construindo fortificações e criando
meios de fornecimento de água para a demanda das ci-
dades em crescimento. Suas conquistas nestas áreas
foram aceleradas, e o custo de tais obras foi reduzido
através da exploração de dois avanços tecnológicos em
particular: o arco e o uso do concreto. Os romanos não
inventaram nenhuma destas tecnologias – ambas re-
montam ao início da civilização – mas, sem dúvida, nin-
guém as explorou de modo tão efetivo.
O arco e sua sucessão, a abóbada de berço, permitiram
que pedras ou tijolos relativamente pequenos e fáceis
de manusear formassem estruturas capazes de vencer
grandes vãos – tanto para pontes como para aquedutos,
e, posteriormente, para coberturas e em estruturas de
uso universal em edificações. Este era um contraste
imenso em relação às gigantescas pedras necessárias à
construção de um templo grego. As economias de tempo
e dinheiro devem ter sido enormes. Como trabalham por
compressão, os arcos podem ser feitos de pedra de pra-
ticamente qualquer qualidade, ao contrário das vigas
das construções arquitravadas, que exigiam material da
mais alta qualidade. Pedras adequadas a arcos podiam
ser encontradas em praticamente qualquer lugar, não
precisando ser transportadas de pedreiras específicas;
elas podiam ser carregadas com facilidade em peque-
nas carroças, e, sempre que não havia pedras disponí-
veis, podiam ser substituídas por tijolos de barro. Para
uso em edificações, onde um acabamento superficial de
alta qualidade era muitas vezes necessário, pedras ou ti-
jolos de qualidade baixa ou irregular podiam ser revesti-
dos com estuque ou argamassa e pintados. Os romanos
também descobriram os benefícios econômicos do uso
da argamassa em suas alvenarias: ela significava que
apenas a superfície visível de uma estrutura de pedra ou
tijolo precisava ter alta qualidade de acabamento. As de-
mais faces podiam ter acabamento mais rústico, pois
qualquer irregularidade seria coberta com argamassa.
Levando esta idéia ao extremo, os romanos desenvolve-
ram a técnica de se colocar tijolos ou pedras na face in-
terna de uma fôrma de madeira e encher o vazio com
concreto. Quando a forma era removida, o efeito era de
uma parede de concreto revestida com tijolos ou pedra.
Diferentes tipos de aparelhos recebiam nomes distintos.
Opus reticulatum, por exemplo, era feito usando-se tijo-
los ou pedras na forma de uma pirâmide de base qua-
drada, assentados em padrão diamante sobre a face
aparente da parede. Quando se usava tijolo ou pedra de
qualidade inferior, a superfície podia ficar quase perfeita,
revestindo-se com uma camada de estuque ou reboco.
Arcos e abóbadas de pedra reduziram substancialmente
o tempo e o custo de construção em comparação à exe-
cução de alvenarias tradicionais. O uso generalizado do
concreto provavelmente levou a reduções ainda maio-
res. (Para detalhes sobre o concreto e seu preparo, veja
o Apêndice 3.) As matérias-primas estavam disponíveis
por todo o império e podiam ser transportadas soltas ou
em recipientes de qualquer tamanho; água haveria no
canteiro-de-obra ou próximo a ele. A cal virgem, usada
para se fazer a argamassa de cal, precisava ser trans-
portada do forno de cal mais próximo, mas os agregados
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16 Teatro romano, Triers, Alemanha, c. 200 d.C. Reconstrução. 17 (Página seguinte) Aquedutos romanos. Pintura de ZenoDiemer, 1914. O Aqua Marcia foi terminado em c. 145 a.C. (observe os reparos sendo executados à direita); Aquae Tepulae Julia foram acrescentados em 127 a.C. e 33 a.C. Aqua Anio Novus, construído sobre o Aqua Claudia (à esquerda), foi ter-minado em 52 d.C.
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miúdos e arenosos estavam disponíveis em praticamen-
te qualquer lugar, e agregados graúdos também podiam
ser encontrados em pedreiras locais ou feitos moendo-
se rochas ou pedras de qualquer qualidade. O concreto
podia assumir todas as formas com o uso de fôrmas de
madeira, e era ideal para preparo e lançamento por gran-
des quantidades de trabalhadores ou tropas relativa-
mente desqualificadas. As fôrmas de madeira muitas
vezes eram o material mais escasso, mas, com certo
cuidado, podiam ser usadas muitas vezes.
Os romanos têm o grande crédito, é claro, de terem des-
coberto e explorado o uso do cimento hidráulico, que
completa o processo químico da cura na presença de
água em excesso – em outras palavras, ele endurece
imerso em água. Embora a pulvis Puteolanus (atual pozo-
lana), seu ingrediente crucial, fosse encontrada em mui-
tos locais na base do Monte Vesúvio, foi a cidade de
Puteoli (atual Pozzuoli) que lhe deu o nome. Na verdade,
os romanos não foram os primeiros a descobrir que a
adição de certos minerais à argamassa de cal lhe confe-
riria tal propriedade. Entre outros materiais que produ-
zem o mesmo efeito, está o que Vitrúvio chama de pedra
carbuncular, produzida com o aquecimento de certas pe-
dras. Sejam lá quais forem suas origens, o cimento hi-
dráulico revolucionou o uso do concreto a partir do ano
150 a.C., possibilitando a construção de estruturas
como aquedutos impermeáveis, portos marítimos e fun-
dações de concreto em terrenos alagadiços.
A primeira ponte com arcos de alvenaria de Roma, a
Pons Aemilius, foi construída entre 179–142 a.C; duas
outras foram erigidas por volta de 62 e 46 a.C. No en-
tanto, as estruturas mais impressionantes foram fei-
tas para se fornecer água a Roma: os aquedutos. Um
destes, fazendo parte do Aqua Claudia, completado
por Cláudio (que governou de 41 a 54 d.C.), carregava
água à cidade através de uma estrutura de arcos com
13 km de comprimento, e grande parte dele ainda está
de pé. O aqueduto romano de Segóvia, na Espanha,
completado em 109 d.C., permaneceu em uso até o
século XX.
O uso da madeira para construção em Roma represen-
tou um indiscutível avanço em relação à Grécia antiga.
Não sabemos quando foi desenvolvido o uso de arma-
ções estruturais com sambladuras de encaixe. Tais
construções provavelmente foram empregadas em tor-
res de cerco e estruturas temporárias – por exemplo,
para suporte e acesso durante a construção de grandes
embarcações. A evidência mais direta que temos do uso
de construções com estrutura de madeira são os muitos
arcos de alvenaria que estavam sendo construídos a
partir do século II a.C. Cada arco e abóbada que os ro-
manos fizeram deve ter exigido uma estrutura de madei-
ra substancial para sustentar o peso considerável das
pedras, dos tijolos ou do concreto até que o vão fosse
fechado. Detalhes sobre esses cimbres provavelmente
continuarão sujeitos à especulação, uma vez que eram
temporários. Acredita-se que alguns venciam vãos de
mais de 20 metros. Sabemos, no entanto, que a ponte
de madeira construída sobre o Rio Danúbio pelo enge-
nheiro Apolodoro a mando do Imperador Trajano (que go-
vernou de 98 a 117 d.C.), tinha 21 vãos, cada um com
35 a 40 metros. Baseando-nos apenas nesta evidência,
é razoável supor que, já no século II a.C., os engenhei-
ros romanos tinham habilidades em carpintaria que po-
diam, no mínimo, rivalizar com aquelas dos construtores
das catedrais medievais. Uma treliça de cobertura em
madeira para um vão de 20 m estaria, portanto, dentro
de suas capacidades, embora nenhuma evidência direta
tenha chegado aos nossos dias.
Nesta época, ferro e bronze também eram abundantes,
embora seu uso em edificações fosse limitado. O ferro era
usado em grampos para locação de estruturas de alvena-
ria e às vezes era inserido no concreto, embora não o re-
forçasse da forma como o empregamos atualmente. O
bronze era ocasionalmente usado para outros fins além
da decoração. Três colunas de bronze com cerca de 7 me-
tros de altura, além do capitel de uma quarta, originárias
do período romano, estão na Basílica de San Giovanni in
Laterano (São João em Laterano), em Roma. A igreja data
do início do século IV, mas foi profundamente alterada na
Idade Média e no Renascimento. Uma lenda conta que o
bronze usado foi retirado das proas dos navios de Marco
Antônio (c. 82–30) capturados no Egito.
Vitrúvio atuou como engenheiro nas últimas décadas
antes de Augusto transformar Roma com a construção
civil. Como introdução à esta era impressionante, vale a
pena examinar a única edificação que temos certeza que
foi projetada e construída por Vitrúvio, a nova basílica
em Fano, no sudeste da Itália, logo a sul de Rimini.
Embora já não exista, ela representou o clímax de 500
ou 600 anos de desenvolvimento contínuo de técnicas
de construção e engenharia em toda a Itália, Grécia e
mais além, e era um exemplo típico de muitos prédios
civis da Itália pré-imperial. Ela consistia de um pátio in-
terno fechado em três lados por uma edificação de dois
pavimentos, a qual tinha um grande salão com pé-direi-
to duplo e uma colunata fechando o quarto lado. O pátio
interno era coberto por um telhado em vertente sobre
um vão de 18,5 metros por 35 metros. O telhado era
sustentado por vigas de madeira quadradas, com cerca
de 60 cm de largura, as quais, por sua vez, eram apoia-
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18 Ponte de Trajano, sobre o Danúbio, na atual Romênia, c. 100 d.C. Projetista: Apolodoro de Damasco. Mostrado no relevoda Coluna de Trajano, Roma, 113 d.C. 19 Relevo mostrando estrutura de telhado em madeira e sistemas de sustentaçãotemporários em Roma.
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das em colunas de pedra de 15m de altura e 1,5 metro
de diâmetro.
Embora não seja impressionante na história da constru-
ção, é exatamente isso que torna a basílica de Vitrúvio
digna de nota. Aqui temos uma edificação comum execu-
tada em uma pequena cidade na costa do Mar Adriático
que, apesar de tudo, exigiu conhecimentos considerá-
veis: as maiores vigas tinham cerca de 20 metros de
comprimento e provavelmente pesavam entre 4 e 5 to-
neladas; já os tambores das colunas principais devem
ter pesado quase 20 toneladas cada um. Erguer e ma-
nobrar objetos tão pesados, colocando-os em suas posi-
ções corretas sem usar energia elétrica ou a vapor, não
era pouca coisa e seria um grande desafio para enge-
nheiros de até mesmo hoje em dia, mas, ainda assim,
tal habilidade era certamente comum no início do
Império Romano. Esta edificação e inúmeras outras tes-
temunham a capacidade dos romanos de reunir técnicas
bastante modestas para produzir estruturas e prédios de
grande variedade e qualidade, sem deixar de racionalizar
o uso dos recursos. De modo familiar a nós, Vitrúvio ob-
servou, no que se chamaria hoje de “Engenharia de
Valor” (Value Engineering), que ele evitou em Fano várias
tarefas de construção complicadas ao omitir um entabla-
mento ornamental, além de uma segunda colunata so-
breposta e uma faixa de painéis internos, e, assim, con-
seguiu reduzir o custo geral do prédio.
Ainda que a basílica de Vitrúvio não mais exista, há mui-
tos vestígios contemporâneos que confirmam que as ci-
dades romanas do período eram extremamente sofisti-
cadas – especialmente o porto de Óstia, perto de Roma,
e as cidades de Herculano e Pompéia, que foram mumi-
ficadas no ano 79 d.C. com a erupção do Monte Vesúvio.
Uma cidade da província de Roma era um lugar belo e or-
gulhoso. Muitas das avenidas eram pavimentadas, e
havia fornecimento público de água e algum esgoto.
Além de uma variedade de habitações privadas, cada ci-
dade provavelmente tinha uma dúzia de edificações pú-
blicas mais importantes, incluindo muitos templos, uma
basílica, o fórum, o mercado público, diversos banhos
públicos e teatros, e um anfiteatro, tudo protegido por
uma muralha.
Os edifícios de apartamentos romanos: as insulaeNas maiores cidades da Itália, os romanos erigiam edifí-
cios de apartamentos chamados de insulae (ilhas). Cada
um destes prédios ocupava toda uma quadra definida
por uma retícula urbana ortogonal, tinha lojas varejistas
no pavimento térreo, e as fachadas, muitas vezes com
sacadas, eram voltadas para a rua, de modo bastante
parecido com os prédios de hoje. Em geral, teriam cerca
de 30 X 50 metros em planta, embora sejam conhecidos
exemplos muito maiores ou muito menores. As plantas
baixas dos diferentes pavimentos eram bastante simila-
res, e o prédio tinha um único telhado. Costumavam ter
quatro ou cinco pavimentos, mas alguns provavelmente
eram bem mais altos, pois Augusto impôs um limite de
altura de 70 pés romanos – sete ou talvez oito andares.
Tais edificações já eram construídas no século III a.C. ou
antes – temos evidências escritas de que certa vez uma
vaca subiu sozinha até o terceiro pavimento de uma in-sula romana. Elas também não eram construídas apenas
na Itália; quando os romanos saquearam Cartago em
146 a.C., encontraram edifícios de seis pavimentos. Um
grupo de apartamentos, ou cenaculae, era acessado por
uma escada comum que levava até a rua. As insulaetambém tinham abastecimento de água para consumo,
banho e esgotamento das latrinas, que eram conectadas
ao sistema público de esgoto. Esta água, no entanto, era
disponibilizada apenas no pavimento térreo, pois a tubu-
lação de chumbo que distribuía a água dos aquedutos
não conseguia sustentar a pressão de água necessária
para fornecer água aos demais pavimentos. A partir do
século I a.C., as insulae geralmente tinham cozinhas,
embora alimentos cozidos fossem rapidamente forneci-
dos nos muitos restaurantes e nas tabernae, o equiva-
lente romano de nossos restaurantes de fast-food. No
século I d.C., muitas insulae – várias de Pompéia e
Herculano e uma de Óstia, o porto no Mediterrâneo que
servia Roma – tinham latrinas no segundo pavimento, as
quais eram conectadas diretamente ao esgoto público.
Na verdade, as insulae viraram a casa privada romana
ao avesso. Ao contrário da casa vitruviana clássica, ou
domus, que se voltava para um pátio interno, o átrio, a
fachada de uma insula era aberta e pública, e os habi-
tantes olhavam para a cidade. Dentro de algumas insu-lae, o pátio interno fornecia luz às janelas dos recintos
que não abriam para a fachada da rua. Os apartamentos
mais disputados eram nos pavimentos térreo e segun-
do, não apenas por que deles se podia ver melhor a rua,
mas por que eram mais fáceis de evacuar em caso de
incêndio.
Não obstante, as novas fachadas voltadas para a rua ti-
nham seus problemas, especialmente o barulho, ainda
que no século II as janelas com vidros já tivessem subs-
tituído a maior parte daquelas que tinham apenas corti-
nas ou postigos de madeira. No Livro 12 de sua coleção
de epigramas, o satirista Marcial (c. 40 – c. 104 d.C.) diz
a seus leitores que é o ruído da cidade que tantas vezes
lhe leva para sua villa relativamente modesta no campo.
Em seu apartamento no quarto pavimento de uma insu-la do Monte Quirino, em Roma, ele era constantemente
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ESCALA EM PÉS GREGOS
20 Basílica de San Giovanni in Laterano, Roma, inaugurada pela primeira vez em 324 no terreno de um palácio romano.Redesenhada por Francesco Borromini, 1646–50. Três das colunas de bronze datam de c. 100 d.C. 21 Basílica, Fano, Itália,c. 30 a.C. Planta baixa. 22 Relevo do sarcófago do túmulo da família Haterii, Roma, c. 100 d.C., mostrando um guindaste ro-mano tracionado por cinco homens em uma roda de degraus. 23 Basílica de Fano. Arquiteto e engenheiro: Vitrúvio. Interior.
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24 Casa de Diana, um típico edifício de apartamentos romano, chamado de insula, Ostia, Itália, século I a.C. Maquete (re-construção). 25 Construção romana com estrutura de madeira, Pompéia, Itália, século I a.C. 26 Pintura mural mostrandotrabalhadores em ação, túmulo de Trebius Justus, Roma, início do século IV d.C.
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perturbado. Antes do raiar do sol, era despertado pelo
barulho dos padeiros, e com a manhã vinha o ruído dos
professores escolares. O dia inteiro havia o martelar
constante dos trabalhadores em cobre e batedores de
ouro, além das moedas tilintantes dos cambistas. Havia
os gritos dos mendigos e comerciantes, os cantos e as
danças dos adoradores envolvidos nos ritos religiosos.
Com a noite, vinham os ruídos das panelas e dos mari-
nheiros bêbados. Além disso, havia o barulho incessan-
te de carroças, os gritos dos carroceiros e os guinchos
de eixos mal engraxados, não apenas durante o dia,
mas também durante toda a noite. O congestionamento
do tráfego já era um problema tão sério nas ruas estrei-
tas de Roma que há mais de um século Júlio César havia
decretado que a maior parte dos veículos com rodas só
podia circular a noite.
Os incêndios eram uma ameaça constante às edifica-
ções, apesar do fato de que as paredes eram feitas com
materiais não-combustíveis – tijolos de barro não-cozidos,
nos prédios baixos, e tijolos cozidos e concreto, nos mais
altos. Muitas pequenas edificações tinham uma armação
estrutural de madeira preenchida com alvenaria e vigas e
tábuas de piso de madeira, e a maior parte delas apre-
sentava estruturas de cobertura de madeira sustentando
telhas de barro. A situação era agravada pelo uso persis-
tente de pau-a-pique nas paredes externas e internas –
um tipo de construção que Vitrúvio queria que jamais ti-
vesse sido inventado – e, é claro, pelas ruas estreitas de
Roma. Vitrúvio recomendava o uso de lariço, especial-
mente para as tábuas usadas nos beirais das insulae,
para evitar que o fogo passasse para os prédios adjacen-
tes, pois, segundo ele, esta madeira não pegava fogo
com as chamas que saltavam ou com as cinzas levadas
pelo vento. Após o enorme incêndio que envolveu grande
parte de Roma, no ano 64 d.C., o imperador Nero (37–68
d.C.) exigiu que as ruas fossem mais largas e que a altu-
ra das insulae fosse limitada a 60 pés romanos ou a seis
pavimentos, para garantir evacuação mais rápida em
caso de incêndio, e que os estabelecimentos comerciais
que fizessem uso do fogo, como padarias e ferrarias, fos-
sem separados de edificações residenciais adjacentes
por paredes duplas com cavidade de ar. Ele exigiu que
fossem usadas construções à prova de fogo e que fos-
sem construídas sacadas, permitindo evacuação mais rá-
pida em caso de incêndio. Ele também investiu em me-
lhorias no sistema urbano de fornecimento de água, de
modo que houvesse acesso facilitado à água necessária
para combater incêndios.
As insulae geralmente eram de propriedade privada. Um
empreendedor inicialmente buscava permissão para
construir, e então a execução era provavelmente imedia-
ta, para que as primeiras unidades estivessem prontas o
mais rápido possível e pudessem gerar renda para que
se pagasse o empréstimo provavelmente tomado para o
financiamento do projeto. Como ocorre com todas as
construções governadas por pressões comerciais, o de-
sejo de se construir rapidamente levava à qualidade infe-
rior e a construções frágeis. Mesmo que muitas insulaefossem construídas com concreto de boa qualidade e ti-
jolos cozidos, isso nem sempre acontecia. Ao passo que
os prédios com mais de dois pavimentos tinham que ser
de tijolos cozidos ou concreto revestido com tijolos, era
prática comum entre empreiteiros usar grandes quantida-
des de caliça nas paredes e, conseqüentemente, menos
concreto. Embora tais paredes fossem propensas à fissu-
ração, colapsos não eram comuns. Foi provavelmente na
construção destas insulae para o setor privado que os be-
nefícios comerciais do uso do concreto foram mais pron-
tamente reconhecidos – paredes de concreto com fino
paramento de tijolo poderiam ser levantadas em muito
menos tempo do que aquelas com pedra de cantaria ou
tijolos cozidos de alta qualidade.
Pelo menos um investidor imobiliário desenvolveu um mé-
todo criativo, senão cruel, de fazer fortuna explorando a
vulnerabilidade de muitos edifícios a incêndios, em uma
época em que Roma não tinha corpos de bombeiros or-
ganizados. O general e político Marco Licínio Crasso
(Marcus Licinius Crassus) (c. 115–53 a.C.) era proprietá-
rio de um grupo de escravos treinados como bombeiros.
Quando um prédio pegava fogo, ele corria para o lugar e
tentava comprá-lo do proprietário desesperado, muitas
vezes negociando um bom preço durante o pânico.
Imediatamente após a compra do imóvel, os bombeiros
de Crasso entravam em ação. Geralmente o prédio era
salvo, e, após os reparos e as reformas necessários, ele
era alugado ou vendido com lucro. Essa técnica se mos-
trou muito bem-sucedida, pois Crasso se tornou o inves-
tidor imobiliário mais abastado e mais poderoso de sua
época. Apesar desses vários perigos, por volta do ano
300 d.C. a maior parte da população de Roma vivia em
insulae – havia mais de 45.000 delas, enquanto havia
menos de 2.000 residências unifamiliares.
Calefação e climatização em RomaOs engenheiros e empreiteiros de obras romanos eram
plenamente capazes de resolver a maioria das questões
que hoje chamamos de “habitabilidade” – o conforto
acústico, lumínico e térmico dos ambientes internos.
Tanto edificações comuns como os grandes prédios fazi-
am uso inteligente da luz natural e do sombreamento e
eram adequadamente ventilados. A água da chuva era
geralmente coletada dos telhados, descendo até o átrio
central aberto, onde também ficava a fogueira necessá-
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ria ao cozimento de alimentos; foi o escurecimento das
paredes e da cobertura causado pelas cinzas do fogo
que originariamente deu ao átrio seu nome, pois a pala-
vra latina para preto é ater.
Na época de Vitrúvio, já era comum que as casas maio-
res tivessem calefação central nas localidades onde o
inverno era rigoroso, tanto na Itália como além, à medi-
da que os romanos se deslocaram para o norte, coloni-
zando a Europa. O hipocausto romano climatizava as edi-
ficações através do ar que era aquecido e circulado por
um pleno sob os pisos de pedra, no pavimento térreo, e
então levado para o alto através de muitos dutos feitos
de argila e embutidos nas paredes. Em algumas edifica-
ções com dois pavimentos, o ar quente era insuflado
ainda mais para cima através de dutos no segundo pavi-
mento e de saídas de ar no nível do telhado, para que
fosse gerada a diferença de pressão necessária para cir-
cular o ar através dos dutos. Considera-se que o hipo-
causto foi inventado e amplamente comercializado por
volta do ano 80 a.C. pelo empresário Sérgio Orata
(Sergius Orata), que usava o sistema para aquecer a
água de seus criadouros de peixes. Orata aparentemen-
te enriqueceu instalando sistemas de calefação com for-
nalha em banhos públicos e em casas privadas. Embora
o uso dos hipocaustos em banhos públicos (thermae)
tenha se popularizado rapidamente, foi apenas a partir
do século III d.C. que eles foram instalados nas casas
dos ricos, especialmente nas regiões mais frias ao norte
do império.
No entanto, o hipocausto exigia combustível, e o único
combustível disponível na Itália era a madeira. Um hipo-
causto grande podia consumir 120 kg de madeira por
hora, ou uma tonelada por dia. O historiador romano Tito
Lívio (Titus Livius, 59 a.C.–17 d.C.) comentou que, por
volta de 350 a.C., as colinas perto de Roma tinham flo-
restas quase tão densas como as da Alemanha. Na
época de Vitrúvio, a maior parte da Itália já estava des-
matada, e, embora se plantassem algumas árvores para
carvão, madeira para todos os fins já era importada de
localidades a centenas de quilômetros de distância.
Mais ou menos na mesma época, o geógrafo Estrabo (c.
63 a.C.–21 d.C.) relatou que os moradores da ilha de
Elba haviam fechado suas minas de ferro por falta de
combustível, e o naturalista Plínio, o Velho, atribuía o de-
clínio da produção de metal da região da Campânia, no
sul da Itália, à mesma causa.
A escassez e o alto custo do combustível forçou os ro-
manos, assim como está nos forçando atualmente, a
buscar meios mais efetivos de usar a energia solar.
Vitrúvio defende a prática grega de fechar as fachadas
norte das casas (hemisfério norte) e abrir as fachadas
sul para o calor do sol. Ele aconselha àqueles que estão
construindo casas em climas mais temperados voltar
suas salas de jantar para o sol poente, de modo que
possam gozar de seus benefícios durante o jantar. A par-
tir do século I d.C., os construtores romanos começaram
a instalar vidros ou finas lâminas de mica ou selenita
nas janelas das casas mais luxuosas; o estadista e filó-
sofo Sêneca (3 a.C.–65 d.C.) menciona em uma carta
escrita perto do fim de sua vida que as janelas translú-
cidas haviam sido inventadas no tempo em que ele vivia.
Os panos transparentes não somente admitiam a luz,
mas também permitiam o efeito estufa, pois deixavam
que a radiação luminosa (de alta freqüência) entrasse no
recinto, mas evitavam que a radiação térmica (de baixa
freqüência) escapasse pelas janelas – os mesmos prin-
cípios usados hoje em dia. Plínio, o Jovem (c. 61–113),
se refere a um de seus cômodos favoritos como um he-liocaminus – um forno solar. Os banhos da Vila de
Adriano, em Tivoli (construídos entre 120 e 125), tinham
uma dessas salas, e havia outra, que incluía piso radi-
ante, nos banhos públicos construídos por volta de 150
em Ostia. Todos esses ambientes tinham janelas com vi-
dros ou mica. Os jardineiros romanos dessa época usa-
vam o mesmo princípio para proteger suas plantas exó-
ticas com estruturas térmicas envidraçadas durante o in-
verno, e os romanos abastados cultivavam plantas exó-
ticas em pequenas estufas; o satirista Marcial reclamou
que os recintos de seu apartamento em uma insulaeram tão frios que ele se sentiria melhor se fosse trata-
do como uma das plantas de seus mecenas.
Os “Grands Projets” da Roma imperialA formação do Império Romano em 27 a.C. assinalou o iní-
cio do período mais extraordinário da engenharia e da
construção de edificações romanas. Seu sucesso era de-
vido ao próprio sistema político: autoridade absoluta com-
binada com a necessidade de se disfarçar, de certo modo,
também de se justificar como uma conseqüência das as-
pirações populares. As muitas gerações de ditadores e lí-
deres romanos, mas especialmente os imperadores a par-
tir de Otávio Augusto, se sentiam praticamente obrigadas
a investir assombrosas quantidades de dinheiro em obras
públicas – edifícios administrativos, templos, infra-estrutu-
ra urbana, lugares de lazer e entretenimento, e, é claro,
monumentos que comemorassem a grandeza do império.
Não seria a primeira nem a última vez que o setor da cons-
trução seria crucial à realização de ambições políticas. A
arrancada da construção civil era, em grande parte, con-
seqüência direta da Pax Romana, o nome dado aos dois
séculos de relativa paz na Europa que iniciaram com a as-
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27 Corte perspectivado de um hipocausto romano típico, mostrando a estrutura sob o piso e a fornalha, os dutos nas pare-des e a exaustão no nível da cobertura.
censão de Otávio Augusto ao poder. A construção de pré-
dios cívicos e de infra-estrutura urbana era a melhor forma
de se manter as habilidades dos engenheiros militares en-
quanto não eram solicitados para a construção de fortifi-
cações ou equipamentos de sítio.
As aspirações dos imperadores romanos puderam ser al-
cançadas somente graças ao desenvolvimento extraordi-
nário da engenharia que havia ocorrido durante os sécu-
los anteriores. Em apenas 200 ou 300 anos, os gregos
haviam aprendido a construir edificações colossais
como o Partenon. Por volta de 50 a.C., já era rotina para
os romanos erigir grandes edificações em um império
que se expandia. Os 250 anos seguintes testemunha-
ram o que deve ter sido o período mais incrível da histó-
ria da construção e da engenharia de obras – talvez
ainda mais impressionante do que o próprio século XX,
pois foi alcançado sem a ajuda da ciência, que torna tão
fácil modelar nossos prédios e prever seus comporta-
mentos, e sem motores movidos a eletricidade, a gasoli-
na ou a diesel, que nos permitem movimentar e elevar
materiais com tanta facilidade. No século I d.C., o cres-
cimento acelerado da construção incluía toda uma gama
de edificações de uso público e privado, além da maior
parte da infra-estrutura de engenharia civil que conhece-
mos hoje. A escala de tais edificações e de outras obras
era simplesmente colossal. Exceto por algumas exce-
ções notáveis, mas extremamente raras, nunca mais na
história da humanidade se construiu em tal escala com
o uso da madeira e alvenaria ou concreto. Foi apenas
com o uso do ferro e do aço em meados do século XIX
que muitas das conquistas romanas foram superadas.
O progresso na engenharia, assim como na matemática
e nas ciências, é cumulativo. No entanto, tal progresso
se desenvolve de diferentes modos, conforme a nature-
za de cada disciplina. A matemática e a ciência são ca-
racterizadas por serem conhecimentos do tipo que
podem ser escritos e, portanto, ensinados, aprendidos e
facilmente transmitidos e desenvolvidos de geração para
geração. Desde a época dos primeiros escritos sobre en-
genharia na Grécia antiga, era reconhecido que a enge-
nharia difere da ciência por consistir de dois tipos de co-
nhecimento: um lado teórico ou científico que pode ser
escrito, e um lado prático que só pode ser aprendido fa-
zendo. Os conhecimentos na engenharia apenas podem
crescer e avançar se houver continuidade em ambos
seus lados componentes. No apogeu do Império
Romano, o ensino de engenharia florescia no principal
“politécnico” ou escola de engenharia, em Alexandria, e
nas muitas escolas locais nas quais eram treinados os
milhares de engenheiros militares necessários aos exér-
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citos romanos. Lá se ensinavam a geometria e a mecâ-
nica desenvolvidas pelos grandes matemáticos, cientis-
tas e engenheiros da Grécia antiga. A geometria permitia
aos engenheiros visualizar e comunicar formas bi e tridi-
mensionais, e lhes fornecia os meios para definir o de-
senho tanto de um pequeno componente como de uma
grande edificação, de modo que se pudesse instruir os
artesãos ou empreiteiros. Era lecionado o funcionamen-
to mecânico dos quatro meios fundamentais para se
obter vantagem mecânica, da mesma forma que ainda
(ou melhor, novamente) eles eram ensinados no século
XIX: a alavanca, a cunha, a polia e o parafuso. Na verda-
de, a capacidade de projetar e construir armamentos e
edificações, baseada na compreensão teórica da mecâ-
nica e da prática dos materiais e esforços, diferia muito
pouco entre o período romano e o início do século XVIII.
Quando Augusto assumiu o poder, ele precisava fazer
uma declaração imediata e dramática de suas intenções
grandiosas para os povos de Roma e demais províncias,
e ele se pôs a reconstruir a capital. Durante seu reinado
de 45 anos ele a transformou, justificando plenamente
o fato de se gabar, quando velho, que encontrara Roma
construída em tijolo e a deixava construída em mármo-
re. Ainda assim, havia muito que ser feito após a morte
de Augusto, em 14 d.C. Mesmo hoje, o mapa de Roma
testemunha os esforços feitos pelos imperadores suces-
sivos para deixarem suas marcas na cidade, assim
como os presidentes da França fizeram no século XX,
com seus “grands projets”, como o Centre Pompidou.
É dificílimo selecionar uns poucos projetos que possam
ilustrar o incrível legado dos imperadores, e se concen-
trar em Roma significa ignorar outros excelentes proje-
tos de edificações romanas na França, na Espanha, na
Inglaterra e em outros lugares. De qualquer forma, os
exemplos incluídos mostram o melhor da engenharia e
do projeto de edificações romanos.
O anfiteatro flaviano, ou Coliseu (c. 72–80)O anfiteatro permanente mais antigo que se conhece na
Itália foi concluído por volta de 80 a.C. em Pompéia, ofe-
recendo assentos para 20.000 espectadores em uma
edificação que media 133 por 102 metros. O primeiro
anfiteatro de Roma remonta à época de Júlio César,
quando fora construída uma estrutura de madeira tem-
porária e modesta, que provavelmente não era mais do
que um grupo de arquibancadas em torno de uma arena.
O primeiro anfiteatro permanente de Roma foi construí-
do durante o governo de Augusto, mas foi provavelmen-
te destruído pelo incêndio de 64 d.C.
No ano de 72 d.C., o clima político mais uma vez era pro-
pício para a construção de uma grande obra pública, e o
novo imperador, Vespasiano (que governou de 69 a 79
d.C.), o primeiro soberano da dinastia flaviana, aprovei-
tou a oportunidade e mandou construir um novo anfitea-
tro destinado a entretenimento gratuito e regular para o
povo. As atrações incluíam lutas entre gladiadores
(porém, ao contrário da imagem transmitida por
Hollywood, elas raramente resultavam em mortes huma-
nas). A arena também era usada para a apresentação de
leões, tigres, elefantes e outras feras exóticas que fre-
qüentemente eram postas para lutar entre si até a morte
ou eram massacradas em grande número por gladiado-
res. Dizem que em uma ocasião logo após sua inaugura-
ção o Coliseu foi alagado para a apresentação de uma
batalha naval simulada.
O anfiteatro foi construído no terreno onde, no passado,
havia um lago artificial ornamental do jardim do palácio do
ex-imperador Nero. Acredita-se que o nome moderno do
anfiteatro flaviano – o Coliseu (Colosseum), registrado pela
primeira vez no século XI – é devido a sua proximidade a
uma estátua gigantesca, ou “colossal”, que Nero havia
encomendado de sua imagem como um Rei Sol, e que foi
erguida na entrada de seu palácio, o Domus Aurea. Com
aproximadamente 35 metros de altura (incluindo sua
base), esta estátua era similar àquela mais famosa que
havia junto ao porto de Rodes e que fora construída 300
anos antes. O “Colosso de Nero” consistia de uma arma-
ção estrutural (provavelmente feita de bronze) sustentan-
do uma camada de chapas de bronze ornamentadas.
Quando Vespasiano assumiu o poder, ele reformou a ca-
beça original de modo que já não parecesse Nero, e,
cerca de 50 anos depois, o imperador Adriano mandou
afastá-la – dizem que usando 24 elefantes – colocando-a
algumas dezenas de metros mais perto do anfiteatro,
para dar lugar a um novo templo a Vênus e Roma.
O anfiteatro flaviano foi o maior já construído e levou
cerca de 10 anos para sua finalização. Ele foi completa-
do durante o reinado do filho de Vespasiano, Tito (ou
Titus, que governou de 79 a 81) e inaugurado em 80
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28 Anfiteatro flaviano, ou Coliseu, c. 72–80. Visto em uma maquete de reconstrução de Roma antiga. 29 Afresco dePompéia, mostrando um velarium sombreando alguns dos assentos do anfiteatro, século I d.C. 30 Anfiteatro flaviano, ouColiseu. Corte transversal e corte perspectivado isométrico.
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d.C. O prédio foi seriamente afetado por um incêndio
causado por raios em 217 d.C., que destruiu todas suas
estruturas de madeira, incluindo o piso, mas foi restau-
rado pelo imperador Alexandre Severo (que governou de
222 a 235) e voltou à sua glória original.
De certa forma, a engenharia do Coliseu não chama a
atenção, embora sua complexa geometria tridimensional
deva ter sido muito difícil de projetar. A estrutura é uma
série de 80 abóbadas de berço escalonadas e de seção
variável, que, de certo modo, já eram de uso comum, e
não há grandes vãos. O antigo lago artificial do jardim do
palácio de Nero foi aterrado e foram lançadas gigantes-
cas fundações de concreto e pedra. Sobre estas foram
construídos os assentos escalonados, feitos principal-
mente com concreto revestido de tijolo ou travertino e ro-
chas leves chamadas de tufo calcário. Os dois anéis ex-
ternos da edificação foram construídos principalmente
com travertino maciço, de cor branca e muito brilhante. O
piso da arena elíptica, com cerca de 86 por 54 metros,
era de madeira, coberto com areia e sustentado por um
labirinto de paredes e abóbadas de concreto. Durante a
vida do prédio, várias melhorias foram feitas na maquina-
ria do subsolo, que às vezes tinha até três pavimentos,
incorporando jaulas para animais selvagens, cômodos
para pessoas, corredores e elevadores mecânicos que
podiam levar ao piso da arena propriamente dito.
O que torna a edificação absolutamente incrível, no en-
tanto, é seu tamanho impressionante. Em planta baixa,
é uma elipse de 188 por 156 metros no seu eixo prin-
cipal noroeste-sudoeste, cobrindo uma área de 6 acres
(2,4 hectares). Mais de 100.000 metros cúbicos de
mármore travertino tiveram que ser transportado ao
sítio por um exército de carroças puxadas por bois. O
Coliseu tinha 48 metros de altura – o equivalente a um
edifício de escritórios moderno de 16 pavimentos.
Embora as estimativas de sua capacidade de especta-
dores sentados variem, 50.000 pessoas é um número
bastante comedido.
A estrutura que sustenta os assentos escalonados é
uma série de arcos e abóbadas que nascem de paredes
ou pilares, e é, em sua maior parte, oca. Isso não so-
mente representou grandes economias nos custos de
construção, como a colméia de espaços criados proveu
todas as rotas de acesso e circulação para levar os
50.000 ou mais espectadores aos assentos. As funda-
ções eram de concreto, enquanto os pilares e as arca-
das dos dois primeiros níveis foram feitos de mármore
travertino. Muitos destes blocos foram conectados com
grampos de ferro forjado, que foram removidos e reci-
clados há muito tempo, deixando os grandes furos que
vemos hoje. As paredes internas dos dois níveis inferio-
res foram feitas de tufo calcário, de baixo peso. A maio-
ria das abóbadas em todos os níveis e toda a estrutura
dos dois últimos pavimentos foram feitas em concreto
massa; somente as paredes foram revestidas com tijo-
los cozidos.
Ainda hoje há um certo mistério envolvendo o que foi o
mais audacioso desafio da engenharia de estruturas do
Coliseu: sua cobertura de lona, o velarium, que podia
ser aberta em ocasiões especiais para sombrear parte
dos assentos. Sabemos que marinheiros do porto vizi-
nho de Ostia manipulavam o velarium do Coliseu, mas o
sistema mecânico empregado ainda não foi satisfatoria-
mente explicado ou recriado, e as tentativas, em sua
maior parte, são muito fantasiosas. É pouco provável
que ele cobrisse toda a área de assentos ou que fosse
sustentado por um sistema radial de cordas conectadas
ao topo de mastros de madeira. Qualquer marinheiro
sabe que os mastros não agüentariam. É mais provável
que apenas algumas centenas de assentos fossem
sombreados por lonas penduradas sobre mastros para-
lelos e horizontais, como sugere uma pintura encontrada
nas ruínas de Pompéia, que mostra esse tipo de cober-
tura em seu anfiteatro. O Coliseu permaneceu em uso
por mais de 400 anos, embora as máquinas sofistica-
das empregadas para o manuseio de animais provavel-
mente tenham quebrado com bastante freqüência. Após
muitas reformas feitas por vários imperadores, o Coliseu
teve seu último espetáculo em 532. O prédio foi final-
mente abandonado após sofrer grandes danos causa-
dos por vários terremotos; depois ele foi usado como
fortaleza na Idade Média e, durante a Renascença, refor-
mado para uso em touradas. No entanto, ele serviu mui-
tas vezes como uma fonte conveniente de materiais de
construção. Dadas as necessidades de arquitetura da
Renascença e do Vaticano, é graças à resistência do
concreto romano ao clima e ao comércio de reciclagem
de materiais que ainda temos este e tantos outros rema-
nescentes da Roma antiga.
Apolodoro e os Grands Projets dos imperadoresTrajano e AdrianoQuando Trajano assumiu o poder, em 98 d.C., o Império
Romano havia quase chegado ao seu tamanho máximo,
e a tradição dos “grands projets” já estava fortemente
arraigada. Trajano teve muita sorte em ter como seu ar-
quiteto chefe Apolodoro (Apollodorus, c. 55–c. 130), um
dos mais talentosos engenheiros de estruturas de
todos os tempos. Acredita-se que Apolodoro tenha
vindo de Damasco (na Síria de hoje), perto da fronteira
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oriental do Império Romano. Depois de uma carreira
como engenheiro militar, ele foi consecutivamente no-
meado engenheiro chefe de obras públicas (praefectusfabrum) por dois dos maiores imperadores romanos,
Trajano (que governou de 98 a 117) e Adriano (que go-
vernou de 117 a 138). Assim como Vitrúvio, ele escre-
veu sobre máquinas militares e engenhos de cerco,
mas seus escritos não chegaram até nos e sabemos
pouquíssimo sobre sua vida além das impressionantes
obras que ele executou. Assim como Rubens e
Shakespeare, já houve sugestões de que ele não pode-
ria ter feito toda a obra atribuída a ele, que talvez tenha
havido dois ou três indivíduos com o mesmo nome e
que, na verdade, ele foi responsável por muitas outras
obras nas quais ele realmente não trabalhou. Assim
como em uma firma moderna de engenheiros de estru-
turas, Apolodoro, como diretor, sem dúvida participou
de muitos projetos que foram feitos principalmente por
sua equipe, e ele certamente colaborou com outros pro-
jetistas que se preocuparam mais com aspectos estéti-
cos do que a técnica construtiva. A lista a seguir de
grandes projetos que são associados a seu nome é ge-
ralmente aceita e é realmente impressionante. Como
muitas obras imperiais (especialmente de Trajano), mui-
tas das obras são conhecidas pelo nome do imperador
que as mandou construir.
• O Fórum de Trajano (c. 98–112), incluindo várias edifi-
cações
• A Basílica de Trajano (c. 98), no Fórum
• Os Banhos Públicos de Trajano (c. 104–109)
• Os Edifícios Públicos do Mercado de Trajano (c.
98–112), incluindo arcobotantes, construídos no lado
norte do Fórum de Trajano
• Um auditório (não identificado)
• A Ponte de Trajano, sobre o Rio Danúbio, na atual
Romênia (c. 105–106). Esta era uma sucessão de 21
arcos treliçados de madeira, cada um vencendo um vão
de 35 a 40 metros, os quais foram apoiados em pilares
de alvenaria com 40 metros de altura, formando uma
ponte com comprimento total de aproximadamente 1
km. É retratada na Coluna de Trajano.
• A Coluna de Trajano (c. 112–113), construída na extre-
midade oeste do Fórum de Trajano
• O Panteon (c. 118–126)
• O Templo de Vênus e Roma (c. 121–135), consistindo de
duas gigantescas abóbadas de berço cobrindo um vão
de 20 metros.
O Fórum e o Mercado de Trajano (c. 98–112)No ano em que ascendeu ao poder, Trajano começou o
primeiro de seus grands projets, planejando um enorme
fórum novo no centro de Roma, o qual incluía uma biblio-
teca, uma basílica e outras edificações em torno de uma
grande praça, com um mercado público a nordeste. O
mercado é notável devido ao uso que Apolodoro fez de
arcobotantes, os quais transferiam o empuxo lateral de
cinco grandes abóbadas de concreto a paredes de cisa-
lhamento, as quais, por sua vez, levavam os esforços es-
truturais para as fundações.
A Coluna de Trajano (c. 112–113)A Coluna de Trajano foi construída durante sua vida,
para celebrar suas muitas conquistas. Além do relevo
esculpido, que narra tais vitórias, a coluna chama aten-
ção por sua construção, especialmente pelo fato de
que foram erguidos 19 grandes tambores cilíndricos,
cada um com cerca de 3,7 metros de diâmetro e pe-
sando umas 20 toneladas. A pedra do cume, com 55
toneladas, teve que ser erguida 37 metros antes de
ser deslocada para o lado e assentada sobre os outros
tambores da coluna. Tudo isso foi executado à distân-
cia de apenas 6 metros da edificação adjacente, e é
surpreendente o fato de que isso foi feito com o uso de
sete ou oito guindastes, cada um com capacidade de 8
toneladas.
Os Banhos de Trajano (c. 104–109)De todos os grands projets de Trajano, talvez o mais es-
petacular tenha sido o complexo dos banhos públicos,
equivalente a uma gigantesca estação de águas termais
moderna, que tinha tamanho e luxo de causar inveja a
todo o mundo. Em uma era na qual poucos tinham as
instalações ou o espaço para se lavar em casa, os ba-
nhos públicos (balnea) já eram há muito tempo parte cor-
riqueira da vida urbana. Nessa época, acredita-se que
Roma tivesse centenas de banhos públicos, um número
que havia chegado a mais de 800 no século IV, mas
estes eram pequenos edifícios utilitários. A idéia de
construir banhos, ou thermae, com proporções colossais
iniciou com o imperador Agripa, por volta de 20 a.C.
Seus banhos, construídos bem próximos do primeiro edi-
fício do Panteon, também encomendado por ele, eram
inicialmente para o uso exclusivo do imperador. Ele os
doou à cidade, e seu grande sucesso com o público ins-
pirou diversos imperadores a usar meios similares de
ganhar popularidade. Os banhos de Nero foram inaugu-
rados em 62 d.C., e o imperador Tito construiu seus ba-
nhos, assim como havia construído o Coliseu, sobre
parte do terreno ocupado pelo palácio de Nero, em
79–81 d.C. Contudo, foi Trajano que transformou as
thermae em verdadeiros palácios para as pessoas, em
uma escala comparável até mesmo à dos maiores cen-
tros de lazer de nossos dias.
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31 Mercado de Trajano, Roma, c. 98–112. Projeto de estrutura: Apolodoro de Damasco. Corte perspectivado isométrico. 32Coluna de Trajano, Roma, c. 112–13. Projetista e engenheiro: Apolodoro de Damasco. 33 Mercado de Trajano. Diagramamostrando arcobotantes transferindo esforços das abóbadas para as paredes de cisalhamento e para as fundações. 34Coluna de Trajano. Corte perspectivado da construção. Cada tambor de pedra contém meia volta da escadaria e foi cortadoantes de ser sobreposto.
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Corte no plano dos arcobotantes
Corte passando entre dois arcobotantes
Nível do terreno / rocha
Caminho das cargas no plano dos arcobotantes
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O projeto e a execução dos banhos foram obra do enge-
nheiro chefe de Trajano, Apolodoro. Ele aproveitou uma
série de idéias que já vinham sendo usadas em escala
menor e conseguiu usar o mecenato imperial para exe-
cutar uma obra-prima em escala imperial. O terreno re-
tangular se estende por mais de 10 hectares, e o edifí-
cio principal tinha cerca de 175 por 135 metros. Os
Banhos de Trajano eram realmente enormes, com capa-
cidade para aproximadamente 1.500 banhistas senta-
dos e lotação total de talvez 3.000 pessoas, além dos
inúmeros funcionários do local. No núcleo do complexo
há quatro espaços principais: o caldarium, o tepidariume o frigidarium (respectivamente, recintos e banhos
quente, morno e frio), e o natatio, uma piscina ao ar
livre. Nos lados opostos destas áreas principais havia
várias salas menores para massagem, exercícios e des-
canso. Com um vão livre de 23 metros, o frigidarium era
mais largo do que qualquer nave central das catedrais
subseqüentes – a maior parte das catedrais góticas
tinha nave central com cerca de 12 metros de largura –
e os Banhos de Trajano, com seus 32 metros de altura,
só seriam ultrapassados pela catedral de Beauvais. O
tamanho total dos Banhos de Trajano somente pode ser
comparado ao da catedral de Florença, cuja nave central
tem aproximadamente 20 metros de largura e mais de
40 de altura. Sabem-se menos detalhes sobre os
Banhos de Trajano do que sobre os de Adriano, constru-
ídos de acordo com o projeto de Apolodoro no fim de sua
vida em Leptis Magna, no norte da África. O leiaute e a
aparência de seu frigidarium eram similares, embora ele
fosse um pouco menor.
O enorme frigidarium retangular era composto por três
vãos estruturais com planta quadrada. Cada vão era co-
berto por uma abóbada de arestas de concreto, com
18,5 metros de comprimento, 23 de largura e cerca de
32 de altura, formada pela interseção de duas abóbadas
de berço em ângulos retos. Essa idéia já havia sido
usada muitas vezes antes em escala menor – na verda-
de, era a solução padrão para cobertura de um espaço
quadrado. Nos Banhos de Trajano, contudo, as abóba-
das não somente venciam vãos enormes como também
eram muito mais altas do que qualquer abóbada de ares-
tas anterior, e foram necessários grandes cuidados para
transferir os empuxos laterais às fundações. Isso se
conseguiu com o uso de grandes abóbadas laterais que
transferiam os empuxos dos planos curvos da abóbada
e os transformavam em esforços de cisalhamento, do
mesmo modo que uma parede de cisalhamento é usada
nos dias de hoje para transferir as cargas eólicas às fun-
dações de um prédio. Estas abóbadas de cisalhamento,
ou botaréus, são um grande avanço na engenharia, tão
criativas como os arcobotantes que seriam desenvolvi-
dos 1.000 anos depois, e demonstram a alta capacida-
de que os projetistas haviam desenvolvido para a visua-
lização de esforços estruturais, não apenas em duas di-
mensões, mas também em três. Uma das característi-
cas mais interessantes dos espaços com abóbadas é
que eles têm plantas baixas retangulares, e isso levou a
uma variação singular e importante do hábito romano de
usar apenas abóbadas semicirculares em suas edifica-
ções. Se dois arcos têm a mesma altura no centro da
abóbada, mas cobrem vãos diferentes, há somente
duas alternativas possíveis: uma das abóbadas é de
seção elíptica ou tem que ser levemente pontiaguda,
como eram muitas abóbadas góticas.
É nesse salão de uma casa de prazer romana que temos
o protótipo da arquitetura das igrejas cristãs que domi-
nou a Europa nos 800 anos seguintes ao reinado de
Trajano. Ele estabeleceu os limites práticos máximos de
altura e largura possíveis sem o uso substancial de ferro
ou aço. Ele estabeleceu os meios de concentração de
cargas de uma cobertura basicamente apoiada em qua-
tro colunas dispostas em uma malha de retícula quadra-
da ou retangular, permitindo o acesso pelos quatro
lados. Ele estabeleceu a idéia dos vãos estruturais livres
de paredes, que daria aos arquitetos uma flexibilidade
sem precedentes nas formas de suas edificações, uma
vez que poderiam ser repetidos conforme a necessidade
e até mesmo em duas direções.
O Panteon (c. 118–126)Concebido apenas 40 anos após a finalização do
Coliseu, o Panteon representa um grande avanço em
termos de engenharia de estruturas, e é quase certo
que Apolodoro tenha tido uma importante participação
em seu projeto. Ele foi encomendado pelo imperador
Adriano para substituir um prédio pré-existente no
mesmo terreno, que havia incendiado e que, por sua
vez, substituíra o Panteon original fundado pelo cônsul
Marco Agripa por volta de 25 a.C., o qual também havia
sido destruído pelo fogo no ano 80 d.C. Talvez foi o des-
tino dos telhados de madeira das edificações primitivas
que levou à busca de uma solução a prova de fogo e à
subseqüente criação do maior vão estrutural construído
antes do século XIX. A cúpula do Panteon vence um vão
de 44 metros e sua altura é praticamente igual. Até
mesmo a cúpula de Brunelleschi para a Catedral de
Florença (1434) e a cúpula da Catedral de São Pedro
(1590) têm cerca de um metro a menos. Além da pró-
pria grandiosidade do tamanho do prédio, o Panteon
mostra o talento de Apolodoro, usando as abóbadas de
cisalhamento.
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O domo do Panteon foi construído principalmente com
concreto, mas essa palavra mascara muitas sutilezas de
engenharia. As cúpulas de concreto não eram novidade.
As primeiras que conhecemos são duas semicúpulas em
Pompéia que foram construídas mais de 200 anos antes.
O Palácio de Nero, a Domus Aurea (Casa Dourada), tinha
uma cúpula octogonal com diâmetro de cerca de 14 me-
tros. Todas eram feitas com a mistura de concreto roma-
no usual – camadas alternadas de pasta de cimento e ti-
jolos quebrados, não o material quase homogêneo que
usamos atualmente. Mas a cúpula do Panteon tem três
vezes o diâmetro daquela na Domus Aurea.
Com base nos conhecimentos adquiridos nas cúpulas
construídas anteriormente ou nos grandes arcos e abó-
badas de concreto, os engenheiros da cúpula sabiam que
esse tipo de estrutura tende a se abrir na sua nascente
e que, da mesma forma que ocorre com um arco, os bo-
taréus precisam resistir ao momento de tombamento,
sendo espessos em suas bases. Esse empuxo para fora,
provocado por uma série de segmentos da cúpula, tam-
bém faz com que a circunferência tenda a aumentar seu
comprimento perto da nascente. Em uma cúpula de alve-
naria, os tijolos ou blocos de pedra individuais (aduelas)
tendem a se afastar entre si, enquanto que em uma cú-
pula monolítica se desenvolvem esforços de tração, de-
formando a base da cúpula. Em inglês, estes esforços
são chamados de hoop stresses (esforços dos aros), em
analogia aos aros (hoops) de metal usados em barris de
madeira. A magnitude desses esforços de tração depen-
de do peso total do material acima, e pode ser reduzida
tornando-se a cúpula o mais leve possível.
No Panteon, o peso da cúpula é reduzido de diversas
formas. Em primeiro lugar, o concreto usa caementae,
ou, como chamaríamos hoje, agregado, progressiva-
mente mais leve à medida que a edificação se eleva.
Nas fundações, o agregado é constituído de lascas de
mármore travertino, os resíduos do aparelhamento dos
grandes blocos de travertino usados em partes da edi-
ficação. No primeiro nível do Panteon, o agregado con-
siste de camadas alternadas de travertino e tufo calcá-
rio. No segundo pavimento, o agregado é camadas al-
ternadas de tufo calcário e fragmentos de ladrilhos, en-
quanto o último pavimento e a parte inferior da cúpula
têm agregado feito principalmente de cacos de tijolo. A
camada seguinte, que é uma fina banda da cúpula, tem
um agregado que consiste de camadas alternadas de
cacos de tijolo e tufo calcário, enquanto o agregado no
resto da cúpula é de camadas alternadas de tufo calcá-
rio leve e pedra-pomes.
Além de reduzir a densidade do concreto usado, toda a
seção transversal da cúpula diminui progressivamente
de sua nascente à coroa, e o centro do domo é totalmen-
te aberto, formando um óculo. As partes mais baixas da
cúpula também foram aliviadas em cerca de 10% de
seus pesos com o uso dos profundos caixotões do teto.
O concreto foi lançado em camadas horizontais. A partir
de determinado ponto, dependendo da rigidez das fôr-
mas, da rapidez de cura do concreto e de quando as fôr-
mas foram removidas, o concreto passou a trabalhar
como uma verdadeira cúpula, desenvolvendo esforços
de compressão radiais e esforços de tração pertos da
nascente. Embora um concreto de boa qualidade prova-
velmente fosse suficientemente forte para suportar
estes esforços de tração, o concreto da cúpula do
Panteon fissurou em linhas radiais junto à base. No en-
tanto, essas fissuras ocorreram apenas uma vez em
toda a história do prédio, e não afetam a estabilidade
geral da cobertura, pois cada par de segmentos opostos
se contrabalança. As fissuras internas foram bem res-
tauradas, por razões estéticas, e as externas foram fe-
chadas para evitar infiltração de água. Teria sido mais
preocupante se a fina cúpula abaulasse, devido a uma
relação desproporcional entre carregamento próprio e
espessura, mas a grande espessura da cúpula perto da
nascente evitou que isso ocorresse.
As paredes têm sua própria história estrutural para con-
tar. Na verdade, elas não têm nada de maciças. Além
dos grandes nichos no pavimento térreo e de outros me-
nores em níveis superiores, elas contêm vazios e um
corredor perfeitamente disfarçado. Assim, as paredes
possuem muito menos material do que se fossem maci-
ças, uma economia em volume de material que varia
entre 65%, no nível do ático, a 50%, no nível do pavimen-
to térreo. É claro que isso trouxe economias em materi-
ais de construção, e, especialmente no térreo, os nichos
também tinham a importante função de abrigar estátuas
que provavelmente representavam as sete divindades
planetárias às quais o prédio era dedicado. Mas a efici-
ência estrutural desse projeto também é assombrosa.
Mantendo-se as paredes constantemente largas, ainda
que ocas, sua estabilidade a tombamento é mantida,
além das economias supracitadas. Além disso, como as
partes mais densas e mais pesadas da parede estão no
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35 Banhos de Trajano, Roma, c. 104–9. Projetista e engenheiro: Apolodoro de Damasco. Reconstrução. 36 Banhos deTrajano. Planta baixa. 37 Panteon, Roma, c. 118–26. Desenho mostrando os arcos e as abóbadas de descarga, que atuamcomo abóbadas de cisalhamento dentro das paredes. 38 Panteon.
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na cúpulana nascente da cúpula
no nível térreo
abóbada de berço
abóbada de arestascúpula
espaçodesco-bertoespaço
desco-berto
espaçodesco-berto
semi-cúpula
espaçodescoberto
Natatio
Frigidarium
Tepidarium
Caldarium
100 metros120806040200
espaçodesco-berto
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alto, isso também ajuda a transferir o caminho das car-
gas mais rapidamente para a vertical, tendo o mesmo
resultado que os pináculos sobre os botaréus góticos.
Não obstante, o recurso estrutural mais fantástico do
Panteon fica praticamente escondido de nossos olhos.
Sobre a entrada e sobre cada um dos sete nichos do pa-
vimento térreo, há dois arcos, ou melhor, duas peque-
nas abóbadas de berço sobrepostas, atravessando os 6
m de profundidade da parede. Elas têm dois propósitos:
agir como arcos ou abóbadas de descarga, recolhendo
as cargas de gravidade que estão acima e direcionando-
as para as paredes portantes que no térreo trabalham
como colunas. Esta artimanha era muitas vezes usada
em estruturas de tijolo romanas, mas raramente em tal
escala. Mas as abóbadas têm um papel igualmente im-
portante trabalhando como estruturas de cisalhamento,
ou contrafortes, para resistir à tendência que a abóbada
tem a se abrir na base, da mesma forma que são usa-
das para transferir os empuxos para fora das abóbadas
de arestas dos Banhos de Trajano. Seu uso no Panteon
mostra o toque de Apolodoro e representa um avanço
sutil no modo em que elas foram criativamente integra-
das à parede do prédio. Abóbadas de cisalhamento simi-
lares seriam empregadas de forma ainda mais extraordi-
nária 400 anos depois na igreja de Santa Sofia, em
Bizâncio.
Os Banhos de Caracala (211-216)Os Banhos do Imperador Caracala (que governou de 211
a 217), construídos a apenas algumas centenas de me-
tros de distância dos Banhos de Trajano, eram ainda
maiores e ofereciam mais comodidades do que os primei-
ros. Embora estes banhos tenham sido construídos cerca
de 100 anos após aqueles projetados por Apolodoro,
eles eram praticamente uma cópia. Além disso, como
uma proporção considerável dos prédios ainda existe,
eles se mostraram um frutífero objeto de estudos, nos
permitindo uma boa compreensão de como foram execu-
tados. Além dos três recintos principais aquecidos, as
thermae, o complexo total tinha quase 50 espaços meno-
res, com vestiários, salas para jogos com bola e outros
esportes, salas de ginástica, massagistas, cabeleireiros,
auditórios, bibliotecas e lojas. Outra peculiaridade dos
Banhos de Caracala era o gigantesco caldarium, de plan-
ta baixa circular e coberto por uma cúpula de concreto;
ele era uma réplica quase fiel do Panteon, com largura le-
vemente inferior (35 metros), mas com a mesma altura
(43 metros). Nas paredes desse caldarium, assim como
no Panteon, abóbadas de cisalhamento e paredes de ci-
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39 Panteon, Roma, c. 118–26. Planta mostrando os vazios da estrutura em diferentes alturas. 40 Banhos de Trajano, Roma,c. 104–9. Projetista e engenheiro: Apolodoro de Damasco. Diagramas mostrando cargas verticais e horizontais sobre abóba-das de cisalhamento. 41 Panteon. Corte transversal mostrando as características da construção e o uso do concreto: suadensidade diminui com a altura. 42 Banhos de Caracala, Roma, 211–16. Reconstrução do frigidarium. 43 Banhos deCaracala. Planta baixa. 44 Banhos de Caracala. Maquete (reconstrução). 45 Banhos de Caracala. Desenho de reconstrução,corte perspectivado.
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46 Banhos de Caracala, Roma, 211–16. Diagrama dos tubos de queda pluviais e tubos de esgoto. 47 Banhos de Faustina,em Mileto, atual Turquia, século II d.C. Reconstrução de uma janela com vidraça. 48 Diagrama de estrutura abobadada ro-mana, em ferro, conforme descrição de Vitrúvio, c. 25 a.C. 49 Banhos de Caracala. Reconstrução (hipotética) da cellasolearis, mostrando uma porção central da abóbada.
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salhamento são usadas para transferir os empuxos late-
rais da cúpula para as fundações.
Embora os gigantescos prédios dos banhos públicos
fossem notáveis por sua engenharia de estruturas, é
claro que eles somente se tornaram possíveis graças
ao desenvolvimento de um sistema de calefação alta-
mente sofisticado capaz de fornecer enormes quanti-
dades de água quente e ar quente; a temperatura do
ar em um laconium, ou sala de transpiração, o ances-
tral romano de nossa sauna, excedia 100 °C. Isso era
possível mediante o uso de enormes caldeiras a lenha
e do hipocausto. O núcleo do hipocausto era o praefor-nium, ou a fornalha, que era alimentada com lenha e
funcionava constantemente; um sistema grande que
fosse desligado precisaria de dois ou três dias para
chegar à temperatura ideal. Os gases aqueciam a
água de três caldeirões de bronze que eram alimenta-
dos por água pré-aquecida. A água dessas caldeiras
era então distribuída às piscinas apropriadas dos ba-
nhos. O calor produzido era também usado para aque-
cer os inúmeros recintos, aquecendo a pele da edifica-
ção, e também insuflando ar quente diretamente em
cada ambiente, por meio de dutos. Também havia um
sistema sofisticado de esgoto usado para as águas
pluviais e dos banhos, com vazão equivalente à do for-
necimento de água.
Vitrúvio deu orientações sobre a construção de ba-
nhos mais de um século antes dos Banhos de Trajano
serem planejados. Ele recomendou que o prédio deve-
ria ter seus ambientes mais quentes voltados para o
sul (hemisfério norte), para aproveitar ao máximo o
calor solar das tardes – e, de fato, todos os três ba-
nhos imperiais de Roma têm essa orientação. No Livro
V, Capítulo 10 de De Architectura, Vitrúvio prossegue e
descreve como construir as fornalhas e os pisos ele-
vados ou “suspensos” do hipocausto, chamados de
suspensurae:
Os pisos elevados dos banhos quentes devem ser constru-
ídos da seguinte maneira. Em primeiro lugar, o piso deve
ser revestido com ladrilhos de um pé e meio e ter inclina-
ção em direção à fornalha, de modo que se largarmos uma
bola, ela rolará para a boca do fogo; assim, os gases aque-
cidos pela fornalha se espalharão melhor sob o piso. Sobre
este piso, pilaretes com tijolos de oito polegadas (20 cm)
serão construídos com afastamento suficiente para que se
possam assentar ladrilhos de dois pés (65 cm) entre eles.
Os pilaretes deverão ter dois pés de altura (65 cm) de altu-
ra e receber uma camada de argila misturada com pêlos,
sobre a qual serão assentados as lajotas de dois pés que
sustentam o piso.21
Assim, a maior parte do calor dos banhos vinha da for-
nalha subterrânea por baixo do piso, como em uma
fonte natural de águas termais. Gases aquecidos tam-
bém passavam por um sistema de dutos tubulares de ar-
gila embutidos nas paredes, fornecendo calor adicional.
(Essa característica foi introduzida no hipocausto a par-
tir do início do século I d.C.)
Vitrúvio diz que os tetos abobadados dos banhos públi-
cos funcionariam melhor se fossem feitos de alvenaria.
No entanto, ele prossegue e descreve que eles deveriam
ser construídos como se fossem uma “armação estrutu-
ral” com cerâmica na parte inferior:
Faça barras ou arcos de ferro e os pendure na armação es-
trutural (de madeira), ou use ganchos de ferro que devem
estar o mais próximos possíveis, e afaste essas barras
entre si de tal forma que cada par delas possa fixar e sus-
tentar o peso de um ladrilho. Desse modo, toda a abóbada
será completamente sustentada por ferro. Estas abóbadas
devem ter as juntas da face superior chapiscadas com
barro misturado com pêlos, e a face inferior, voltada para o
piso, deve primeiramente receber uma camada de arga-
massa de cal com ladrilhos moídos, e depois ser coberta
com estuque liso ou com relevos. As abóbadas dos banhos
quentes funcionarão melhor se forem duplas e com câma-
ra-de-ar, pois então a umidade do ar não estragará a ma-
deira ou armação e poderá circular melhor entre as duas
abóbadas.22
Por fim, Vitrúvio discute a construção de um laconium,
ou sauna. Tal recinto, segundo ele, deve ser contíguo
ao tepidarium, para se beneficiar do calor adjacente.
Ele deve ser circular, para garantir que o calor seja dis-
tribuído de forma uniforme, e seu pé-direito deve cor-
responder ao seu diâmetro. Uma abertura deve ser
deixada no cume da cúpula, a qual será fechada por
um disco de cobre pendurado por correntes, o qual
será erguido ou baixado, regulando a temperatura da
sauna.
Os banhos públicos romanos usavam, para seu aqueci-
mento, não somente o hipocausto, mas também gran-
des janelas com vidros, retendo o ar quente dos recintos
e obtendo algum ganho solar, além de certo nível de ilu-
minação natural. O vidro havia se tornado um importan-
te componente arquitetônico por volta do ano 100 a.C.
No século II d.C, já se conseguia produzir lâminas de
vidro de até 1,5 metro por 0,5 ou 0,75 metro, que eram
sustentadas por mainéis de pedra e fixadas por barras
de ferro, de forma bastante similar à empregada nas ca-
tedrais medievais. As maiores das janelas dos Banhos
de Caracala provavelmente tinham cerca de 8 metros de
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largura e 18 metros de altura. Em um banho público em
Herculano há evidências de que se usaram vidraças du-
plas, tanto para melhorar o isolamento térmico como
para reduzir o problema da condensação que causaria o
apodrecimento das esquadrias de madeira.
Há um mistério intrigante a respeito de uma das salas dos
Banhos de Caracala, um tipo de recinto chamado de cellasolearis, ou caldarium, como hoje a chamamos. Há um re-
lato praticamente contemporâneo que comenta especifi-
camente aquela sala, dizendo que “treliças de bronze ou
cobre foram instaladas no alto (do recinto), sustentando
toda a abóbada” e que “o vão é tão grande que engenhei-
ros experientes dizem que ele não poderia ter sido cons-
truído”.23 Os arqueólogos ainda não chegaram a um con-
senso sobre como a cella solearis era coberta. A sala era
circular, tinha cerca de 43 metros de pé-direito até a face
interna da abóbada e 35 metros de diâmetro – ou seja,
tinha aproximadamente três quartos do tamanho do
Panteon. A cella solearis era aquecida por um hipocausto
à temperatura de talvez 45 °C. Localizava-se ao sul do pré-
dio e tinha cinco janelas superiores envidraçadas, cada
uma com cerca de 12 metros de altura e 8 de largura,
sobre outras janelas com cerca de 10 metros de altura.
Para que se mantivessem as altas temperaturas, a cober-
tura provavelmente era uma abóbada fechada, sem um
óculo aberto em seu ápice, como aquele do Panteon.
Essas janelas grandes poderiam ajudar a aquecer o recin-
to com os ganhos térmicos solares, como o heliocaminusmencionado anteriormente. No entanto, mesmo com a luz
fornecida por estas janelas, uma abóbada fechada teria
tornado o interior relativamente escuro. Este cenário suge-
re uma solução bastante plausível para o mistério das
“treliças de bronze ou cobre”. É perfeitamente possível
que tenha sido construída uma gaiola de ferro abobadada,
de concepção similar às estufas ou palácios de cristal eu-
ropeus do início do século XIX, formando um grande óculo
sobre a cúpula de concreto. As barras de ferro talvez te-
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50 Banhos de Diocleciano, Roma, c. 298–306. Pintura de Edmond-Jean-Baptiste Paulin, 1880. 51 Basílica de Magêncio(Basílica de Constantino), Roma, 308–25. Representação artística.
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nham sido feitas de bronze ou ferro revestido com folhas
de bronze, e sem dúvida seriam espetaculares o suficien-
te para atrair a adoração dos visitantes.
Estruturas abobadadas tardias de RomaAs abóbadas colossais de Apolodoro e, na verdade, o lei-
aute de toda a thermae romana formavam um preceden-
te usado em muitas ocasiões. Cerca de 70 anos depois
dos Banhos de Caracala, o imperador Diocleciano (que
governou de 284 a 305) mandou construir a maior de
todas as thermae, a qual oferecia assentos para cerca
de 3.000 banhistas e talvez acomodasse um total de
5.000 usuários.
O incrível é que o frigidarium destes banhos existe ainda
hoje, no século XXI, e é usado diariamente, tendo sido
transformado pela genialidade característica de Miguel
Ângelo (Michelangelo), em 1563, na Igreja de Santa
Maria degli Angeli (Santa Maria dos Anjos). Para tal, ele
aproveitou a natureza bidirecional da forma abobadada,
transformando os três vãos transversais do prédio roma-
no na nave central de sua igreja. Cerca de 200 anos de-
pois, o eixo do espaço foi mais uma vez rotado e os três
vãos originais foram transformados em um transepto,
para que a igreja assumisse sua forma atual mediante a
ampliação e adição de uma nova nave.
O exemplo final das estruturas tripartidas de Apolodoro
foi seu uso, por volta de 310 d.C., na basílica do impe-
rador Magêncio (que reinou de 306 a 312), a qual foi
completada e modificada pelo imperador Constantino du-
rante seu reinado (312–37). Essa foi a maior de todas
as versões de estruturas abobadadas, com três vãos,
cada um com 23 metros de comprimento, 36 de altura
e incríveis 25 metros de largura. Somando as naves la-
terais da sala principal, o edifício inteiro cobria uma área
de aproximadamente 60 metros por 80 metros, com
apenas quatro colunas no pavimento térreo.
Sem sombra de dúvida, os engenheiros gregos e roma-
nos alcançaram tudo que era possível sem o uso da ci-
ência da engenharia moderna. Eles tiveram tal sucesso
aplicando o que poderíamos chamar de ciência qualitati-
va, que consiste em argumentos racionais baseados na
experiência, que os permitia pensar além do que haviam
conseguido anteriormente e chegar a uma solução. A ela
se somavam experimentos, ou seja, novas idéias eram
tentadas, e os sucessos eram incorporados às práticas
de construção correntes. Algo que surgiria novamente,
especialmente no século XVIII, era o fato de que os en-
genheiros e cientistas gregos e romanos desenvolveram
formas de conservar parte de suas experiências e co-
nhecimentos em livros e currículos educacionais. Isso
foi alcançado de forma mais genial na universidade e es-
cola politécnica de Alexandria, cujo modelo foi adotado
(em escala menor) em Constantinopla e provavelmente
em outras cidades.
Os maiores progressos foram alcançados na engenha-
ria de estruturas, através do uso de alvenarias (e do
concreto), em parte porque a estabilidade da alvenaria
independe da escala. Se uma maquete de abóbada de
tijolo de um metro se sustenta, então também se sus-
tentará uma abóbada de geometria similar 20 vezes
maior – um fenômeno que beneficiaria os engenheiros
das catedrais da Idade Média e de depois. Em outras
palavras, as maquetes sem dúvida eram partes efetivas
do processo de projeto. Isso não é válido para estrutu-
ras que envolvem elementos estruturais sob flexão. Os
métodos de projeto usados em algumas armas para o
arremesso de projéteis de pedra do século V a.C. indi-
cam que os engenheiros da Antigüidade clássica sabi-
am que nem todos fenômenos variam em relações line-
ares. Essa compreensão não seria reconhecida nova-
mente (de forma escrita) antes do início do século XVII,
nos escritos de Galileu.
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