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A ESTIMATIVA DA TAXA LIVRE DE RISCO NO MODELO DO FLUXO DE CAIXA DESCONTADO E SUA ADEQUAÇÃO AOS CONTRATOS DE CONCESSÕES RODOVIÁRIAS: UMA ANÁLISE CRÍTICA À LUZ DA DOUTRINA FINANCEIRA Fabiana Lopes da Silva (UFF) Julio Vieira Neto (UFF) Carlos José Guimarães Cova (UFF) Resumo: O Presente artigo apresenta uma critica aos procedimentos contidos nas notas técnica do Ministério dos Transportes que orientam o estabelecimento da taxa interna de retorno (TIR) que deve ser considerada nos programas de concessões de rodovias. A metodologia do Ministério dos Transportes é confrontada com os aspectos doutrinários da moderna teoria financeira, de tal forma que a permitir evidenciar as suas inconsistências.Tais fatos podem fragilizar o processo de tomada de decisão durante os leilões de concessões rodoviários. Palavras-chaves: Custo de Capital , Concessões Rodoviárias. ISSN 1984-9354

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A ESTIMATIVA DA TAXA LIVRE DE RISCO NO MODELO DO

FLUXO DE CAIXA DESCONTADO E SUA ADEQUAÇÃO AOS CONTRATOS DE CONCESSÕES RODOVIÁRIAS: UMA

ANÁLISE CRÍTICA À LUZ DA DOUTRINA FINANCEIRA

Fabiana Lopes da Silva

(UFF) Julio Vieira Neto

(UFF) Carlos José Guimarães Cova

(UFF)

Resumo: O Presente artigo apresenta uma critica aos procedimentos contidos nas notas técnica do Ministério dos

Transportes que orientam o estabelecimento da taxa interna de retorno (TIR) que deve ser considerada nos programas

de concessões de rodovias. A metodologia do Ministério dos Transportes é confrontada com os aspectos doutrinários

da moderna teoria financeira, de tal forma que a permitir evidenciar as suas inconsistências.Tais fatos podem

fragilizar o processo de tomada de decisão durante os leilões de concessões rodoviários.

Palavras-chaves: Custo de Capital , Concessões Rodoviárias.

ISSN 1984-9354

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1. Introdução

Em razão do esgotamento da capacidade financeira do Estado, ocorrida ao longo da década dos

anos 1980, a adoção do Plano Nacional de Desestatização (PND), em 1990, no Governo Collor,

constituiu-se num importante marco para a recuperação da Finanças Públicas no Brasil.

Conforme assinalam Gomes et alii (2010)1, partir da década dos anos 1990, iniciou-se no Brasil

a primeira fase de concessão para exploração das Rodovias Federais e Estaduais por parte da iniciativa

privada, que assumiu mediante o estabelecimento de contratos de permissão ou concessão a

responsabilidade pela recuperação, manutenção, conservação, ampliação e operação de rodovias

concedidas.

Por sua vez, no ano de 2001, foi criada a Agencia Nacional de Transporte Terrestre (ANTT),

por meio da Lei nº 10.233 de 05 de junho de 2001. A ANTT é a agência federal responsável pelas

Concessões de Rodovias Federais, e tem a responsabilidade de gerir os contratos federais de concessão

de infra-estrutura rodoviária, tanto os novos quanto aos que existiam e estavam sob a responsabilidade

do extinto Departamento Nacional de Estradas de Rodagem - DNER. Em geral, na fese inicial das

concessões rodoviárias no Brasil, a concessionária recebia uma rodovia em funcionamento para ser

explorada por um período entre 25 a 30 anos. Constituída sob a forma jurídica de Sociedade de

Propósito Específico (SPE), a concessionária deveria investir em melhoramentos e manutenção para

proporcionar aos usuários uma maior segurança e manter a boa conservação das vias sob sua

responsabilidade.

Uma concessão de rodovias à iniciativa privada constitui-se em instrumento que permite aos

governos destinar um maior volume de recursos para atividades essenciais ao bem-estar da população,

tais como investimentos em saúde e saneamento básico. Outrossim, para que o objetivo a ser atingido a

concessão seja alcançado, o projeto deve atender os interesses de todos os envolvidos: a Administração

Pública, o Setor Empresarial e os usuários finais. Nesse sentido, a análise das variáveis e parâmetros

utilizados nos estudos de viabilidade econômico-financeira conduzidos pelos dois primeiros agentes

para avaliar o valor do projeto é de grande importância para o aperfeiçoamento dos modelos de

concessão.

1 GOMES, Ely do Carmo Oliveira et alii. Serviços de Concessão de Rodovias: o desempenho financeiro das

concessionárias que operam no mercado de ações. XIII SemeAd – Seminários em Administração, ISSN 2177-3866, setembro de 2010.

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Nestes modelos, emprega-se a metodologia do Fluxo de Caixa Descontado. Trata-se de uma

metodologia consagrada tanto pela doutrina financeira, quanto pelas Normas Contábeis brasileiras

(NCBr). O critério adotado pela agência reguladora (ANTT), na Segunda Etapa de Concessões

Rodoviárias Federais, expresso na Nota Técnica número 64 STN/SEAE/MF de 17 de maio de 2007

(STN, 2007), fixou para estimação da Taxa Interna de Retorno dos Estudos de Viabilidade

Econômico-Financeira um cálculo de custo de capital expresso pelo WACC.

Verifica-se que os parâmetros empregados pela Agência Nacional de Transportes Terrestres

(ANTT), em suas metodologias para a avaliação de desempenho econômico e financeiro nos modelos

de concessões, são definidos pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) em suas Notas Técnicas

(NT), que passam a funcionar com a imperatividade normativa nos estudos técnicos realizados.

Ocorre que os parâmetros que orientam as metodologias adotadas nos modelos de concessão

(WACC; CAPM; Rf; Rm; β; Ke; Rreg e outros) possuem características desejáveis, de acordo com os

fundamentos doutrinários de suas respectivas caracterizações. Não raro, a definição dos parâmetros

apresentados pelas Notas Técnicas, em especial a Nota Técnica nº 64 STN/SEAE/MF, possui

inconsistências sob o ponto de vista doutrinário, que podem comprometer sensivelmente a efetividade

de uma avaliação baseada neles. O presente trabalho faz um estudo sobre a adequação da Taxa Livre

de Risco proposta nos modelos de concessão rodoviários no Brasil.

1.2 Situação problema

Assim, o problema que este trabalho procura investigar é: a Taxa Livre de Risco fixada para o

cálculo da TIR nas Notas Técnicas adotadas pela ANTT, nas metodologias de EVTE nos modelos

de concessões é coerente?

A nossa suposição inicial aponta no sentido de que existem algumas violações de caráter

doutrinário, na fixação da taxa Livre de Risco para os estudos de EVTE, que podem comprometer a

eficácia do modelo adotado.

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1.3 Objetivo Geral

O objetivo final do presente estudo consiste em realizar uma avaliação crítica acerca da

proposição de Taxa Livre de Risco contida na Nota Técnica número 64 STN/SEAE/MF de 17 de maio

de 2007 (STN, 2007), que fixou para estimação da Taxa Interna de Retorno dos Estudos de

Viabilidade Econômico-Financeira um cálculo de custo de capital expresso pelo WACC. A referida

Nota Técnica fixou alguns elementos de definição do modelo CAPM (Capital Asset Pricing Model),

dentre os quais a Taxa Livre de Risco a ser empregada neste modelo. Ocorre que a forma de

estabelecimento da Taxa Livre de Risco adotada pela Nota Técnica nº 64 STN/SEAE/MF viola alguns

pressupostos doutrinários sobre a taxa livre de risco. Tais violações poderiam comprometer o resultado

final do cálculo da TIR nesses projetos de concessão, distorcendo a tomada de decisão dos agentes

envolvidos.

2. Revisão da Literatura

2.1 Aspectos normativos do emprego do Método do Fluxo de Caixa Descontado

Pretendemos apresentar algumas considerações de natureza doutrinária, que fragilizam a

adoção do conceito de TIR (taxa interna de retorno), na metodologia empregada pela ANTT para

orientar o Processo de Licitação da Segunda Etapa de Concessões Rodoviárias Federais, com base na

Nota Técnica nº 64 STN/SEAE/MF.

A referida Nota Técnica tinha por objetivo a análise crítica, dentre outros aspectos, dos

parâmetros empregados para a apuração do Custo Médio Ponderado de Capital (WACC), cujo

resultado serviu de referência para a determinação da Taxa Interna de Retorno do Projeto, utilizada

pela ANTT, no cálculo da tarifa de pedágio a ser considerada2.

Em uma rodada de Licitação para a oferta de Concessões de Serviços Públicos, é preciso

indagar acerca dos motivos que levam um grupo de investidores a comporem um consórcio para

operar a concessão. Dentre o conjunto de aspectos que devem ser considerados para a decisão de

investimentos de longo prazo, destaca-se que o objetivo principal é a geração máxima de valor para os

fornecedores de capital próprio, ou seja, seus acionistas, no caso de uma sociedade por ações.

2 Conforme disposição contida na Nota Técnica nº64 STN/SEAE/MF, de 17 de maio de 2007, folha 1.

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Para a aferição do valor de um investimento, em especial de um investimento com

características de projeto, como é o caso de uma concessão rodoviária, a literatura de economia

financeira consagrou há décadas o emprego dos fluxos de caixa descontados. Esta metodologia está

baseada nas projeções dos fluxos de caixa livres do empreendimento, que são trazidos para o seu valor

presente por meio de uma taxa que reflita o risco dos fornecedores de capital. Apesar de todas as

limitações desse modelo, ele é aceito como sendo um apropriado método de avaliação para orientar a

tomada de decisão de investimento.

Assim, a condição necessária, mas não suficiente, para que um investimento seja realizado é a

expectativa de que ele gere um fluxo de benefícios, em termos de caixa, cujo valor presente seja

superior ao valor presente dos gastos exigidos. Não obstante, cumpre registrar também que, em

qualquer análise de valor de ativos, o que se pretende obter não é um valor absoluto, mas sim um

intervalo de possíveis valores dentre os quais o verdadeiro valor esteja inserido. Até porquê, num

mercado constituído, os valores refletidos nos preços estão em permanente oscilação. Sendo assim, é

preciso que os componentes da taxa de desconto do projeto sejam adequadamente estimados, sob pena

de comprometer-se o êxito da modelagem.

O emprego do método do Fluxo de Caixa Descontado está em conformidade com a boa técnica

contábil, conforme atestam as Normas Brasileiras de Contabilidade3, em seus Pronunciamentos. De

acordo com o CPC 12 – Ajuste a Valor Presente, sob determinadas circunstâncias, a avaliação de um

ativo ou um passivo a valor presente pode ser obtida sem maiores dificuldades, caso estejam

disponíveis fluxos de caixa contratuais com razoável grau de certeza e de taxas de desconto

observáveis no mercado. Por outro lado, pode ser que em alguns casos os fluxos de caixa tenham que

ser estimados com alto grau de incerteza, e as taxas de desconto tenham que ser obtidas por modelos

voltados a tal fim. O peso dado para a relevância nesse segundo caso é maior que o dado para a

confiabilidade, uma vez que não seria apropriado apresentar informações com base em fluxos

nominais. Conforme seja o caso, a abordagem tradicional ou de fluxo de caixa esperado deve ser eleita

como técnica para cômputo do ajuste a valor presente.

Uma outra norma contábil em vigor no Brasil, o CPC 01 – Redução ao Valor Recuperável de

Ativos4, estabelece que os Fluxos de caixa futuros estimados devem refletir premissas consistentes

com a maneira pela qual a taxa de desconto é determinada. Caso isto não seja observado, o efeito de

3 PRONUNCIAMENTO TÉCNICO CPC 12 - Ajuste a Valor Presente

4 PRONUNCIAMENTO TÉCNICO CPC 01 - Redução ao Valor Recuperável de Ativos.

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algumas premissas será contado duas vezes ou ignorado. Por exemplo, como o valor da moeda no

tempo é considerado no desconto de fluxos de caixa futuros estimados, esses fluxos de caixa excluem

as entradas ou saídas de caixa provenientes das atividades de financiamento. Analogamente, uma vez

que a taxa de desconto é determinada antes dos impostos, os fluxos de caixa futuros são também

estimados antes de impostos.

Por sua vez, para o estabelecimento da taxa de desconto, devem ser considerados aspectos tais

que reflitam as avaliações atuais de mercado, tanto do valor da moeda no tempo, bem como dos riscos

específicos do ativo para os quais as futuras estimativas de fluxos de caixa não foram ajustadas. Uma

taxa que reflita avaliações atuais de mercado do valor da moeda no tempo e os riscos específicos do

ativo é o retorno que os investidores exigiriam se eles tivessem que escolher um investimento que

gerasse fluxos de caixa de montantes, tempo e perfil de risco equivalentes àqueles que a entidade

espera extrair do ativo. Essa taxa é estimada a partir de taxas implícitas em transações de mercado

atuais para ativos semelhantes, ou ainda do custo médio ponderado de capital de uma companhia

aberta que tenha um ativo único, ou uma carteira de ativos semelhantes em termos de potencial de

serviço e de riscos do ativo sob revisão.

2.2 Análise da Nota Técnica nº 64 STN/SEAE/MF

O método fluxo de caixa descontado é um dos modelos de precificação de ativos mais

conhecidos. De acordo com Kobori (2011, p. 97)5, segundo uma pesquisa conduzida pelo professor

Roy Martelanc, da Associação de Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais

(APIMEC), cerca de 88% dos avaliadores de ativos utilizam esse método. A técnica consiste,

basicamente, em projetar a futura geração de caixa da empresa ou empreendimento, com base em

ajustes a partir do valor do lucro líquido, trazendo os fluxos a valor presente utilizando uma

determinada taxa de desconto.

Por sua vez, de acordo com Damodaran (2007, p.54)6, o fluxo de caixa pode ser classificado em

fluxo de caixa de patrimônio líquido e fluxo de caixa da empresa. O primeiro representa o fluxo de

5 KOBORI, José. Análise Fundamentalista. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. 156p.

6 DAMODARAN, Aswath. Avaliação de Empresas. – São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007.

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caixa apenas para os investidores acionistas e inclui, portanto, todos os fluxos de caixa associados à

dívida (pagamentos de juros e principal e novas emissões de dívida).

Em seus aspectos principais, a metodologia da ANTT, conforme a revisão apresentada na Nota

Técnica nº 64 STN/SEAE/MF, envolve a estimação da taxa interna de retorno de equilíbrio de uma

concessão por meio da estimação de seu custo de oportunidade do capital, o qual é, por sua vez,

determinado pelo valor estimado de seu custo médio ponderado de capital (WACC). Os componentes

do WACC são calculados como abordado a seguir.

Para o estabelecimento do Custo de capital próprio, recorre-se ao CAPM, ou seja, à equação:

ke = rf + β(rm – rf) + rb

em que:

ke = retorno exigido do capital próprio;

rf = taxa de juros do ativo livre de risco, representado por US T-bonds com prazo de dez anos;

β = beta estimado do capital próprio;

rm – rf = prêmio estimado por risco da carteira de mercado;

rb = prêmio por risco país.

O valor da taxa de juros livre de risco é obtido calculando--se a média de uma série histórica

anual cobrindo o período de dez anos anteriores à data para a qual a determinação da TIR é desejada.

Com relação à inadequação da forma pela qual são estimados os parâmetros do CAPM, em

especial a Taxa Livre de Risco, objeto do presente estudo, verificamos em Sanvicente (2012)7 que há

um problema nas estimativas das taxas que compõe o referido modelo. Ele afirma que empregar

médias históricas para estimar a taxa livre de risco, o prêmio por risco do mercado de ações, o prêmio

por risco país, em lugar de usar cotações correntes desses componentes do custo de capital próprio,

compromete a sua eficácia. Não obstante, passemos a verificar o que diz a Moderna Teoria Financeira

sobre este caso.

7 SANVICENTE, Antônio Zoratto. Problemas de estimação de custo de capital de empresas concessionárias no Brasil: uma

aplicação à regulamentação de concessões rodoviárias. Revista de Administração, São Paulo, v. 47, n.1, p.81-95, jan./fev./mar.2012.

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2.3 Estimação da Taxa Livre de Risco

De acordo com a Nota Técnica nº 64 STN/SEAE/MF, a Taxa Livre de Risco (rf) para referência da

ANTT consistiu de uma estimativa obtida a partir da taxa de juros média anual dos títulos do Tesouro

Americano (T-bond), com prazo de vencimento de 10 anos, no período de janeiro de 1995 a junho de

2005. Esta média foi adotada como parâmetro de rentabilidade sem risco. Como a Nota Técnica foi

elaborada em 2007, havia inclusive a sugestão de atualização da série para dezembro de 2006. O valor

encontrado foi de 5,30%.

Passemos a analisar os aspectos doutrinários relativos ao ativo livre de risco e à taxa livre de

risco. De acordo com Berk&DeMarzo (2009, p. 88)8, é possível definir uma taxa de juros livre de

risco (Rf) como sendo a taxa, para um dado período, pela qual se pode contrair ou receber empréstimos

de forma livre de risco, para aquele mesmo período. Outra definição é encontrada em Brigham et alii

(2001, p. 148) destacando o aspecto da taxa nominal e da taxa real. Conforme esses autores, há a

definição de taxa real de juros livre de risco (com notação k∗), que representa a taxa de juros que

referenciaria um título sem risco se nenhuma inflação fosse esperada. Esta taxa não seria estática, pois

dependeria tanto das taxas de retornos que os tomadores de fundos esperariam obter sobre ativos

produtivos (o que implica um teto nas taxas estarão dispostos a pagar), bem como das preferências dos

agentes econômicos com relação ao consumo atual confrontado com o consumo futuro (o que

determinara o volume total disponível para ser emprestado).

Não obstante, os mesmos autores registram que uma taxa de juros livre de risco deve ser aquela

proporcionada por um ativo totalmente livre de risco (krf), que evidenciasse as seguintes

características: não possui risco de inadimplemento; não possui risco de vencimento; não tem risco de

liquidez e, por fim, também não possui risco de perda, se a inflação efetiva exceder a inflação esperada

no período. Em geral, a taxa livre de risco mais usual é a taxa de juros livre de risco nominal ou

cotada, que pode ser definida como sendo a composição da taxa real livre de risco mais um prêmio

pela inflação esperada (IP), conforme a expressão a seguir:

8 BERK, Jonathan & DEMARZO, Peter. Finanças Empresariais / Jonathan Berk, Peter DeMarzo; tradução Christiane de

Brito Andrei. – Porto Alegre: Bookman, 2009.

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krf = k* + IP

Em linha com os autores citados, Damodaran (2009, p. 159)9 afirma que um ativo será livre de

riscos se o agente econômico conhecer o seu retorno esperado com certeza, ou seja, o retorno real

verificado será sempre igual ao retorno esperado. Para que o ativo tenha esta característica é preciso

atender a duas condições simultaneamente: inexistência de risco de inadimplência e ausência de risco

de reinvestimento.

Com relação à primeira condição, a rigor, qualquer título emitido por uma empresa privada

possui algum grau de risco de inadimplência. Assim, os únicos títulos que não sofrem essa restrição

são os títulos governamentais, porque um governo soberano é capaz de emitir moeda para saldar seus

títulos.

Para atender à segunda condição, é necessário mitigar todos os efeitos de eventuais

reinvestimentos ao longo do período de manutenção do título. Uma forma de eliminar este problema

consiste em se exigir que o título não tenha pagamento de cupons ao longo de seu prazo de

vencimento. Assim, se o agente econômico está envolvido numa tomada de decisão com um prazo de

10 anos, a taxa livre de risco requerida deve ser a de um título do governo (supostamente livre de

inadimplência), com cupom zero (sem pagamentos intermediários).

Em se tratando de empresas, que podem ser analisadas por horizontes de tempo que podem

variar entre 1 ano e 10 anos ou mais, o correto é empregar como taxa livre de risco a taxa de um título

do governo com vencimento em prazo equivalente. Outra técnica é fazer com que a duration do titulo

seja equivalente à duration dos fluxos de caixa sob análise. Com base na estrutura a termo das taxas de

juros, em que se pode assumir um taxa de juros para cada prazo de vencimento, é possível promover

este alinhamento entre os prazos requeridos. Em geral, essas estruturas evidenciam que, para prazos

mais longos, são exigidas taxas maiores (são curvas consideradas normais com rendimentos

ascendentes). Damodaran (2009, p. 160) registra que as taxas de longo prazo nos EUA são em média

entre 2% e 3% maiores do que as taxas de curto prazo.

Ainda com relação às taxas livres de risco empregadas em modelos de avaliação, é preciso

manter a coerência entre a moeda dos fluxos de caixa projetados com a moeda em que são

denominados os títulos que servirão de referência para os ativos livres de risco. Por fim, Damodaran

9 DAMODARAN, Aswath. Introdução à Avaliação de Investimentos: ferramentas e técnicas para a determinação do valor de

qualquer ativo/ Aswath Damodaran; tradução Kleber Nunes. 2ª ed. – Rio de Janeiro: Qualitymark, 2009.

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(2009, p. 160) recomenda que, sob condições de inflação elevada e instável, caso os fluxos de caixa

projetados sejam estimados em valores reais, a taxa livre de risco deve observar o mesmo

procedimento para que a coerência seja mantida.

Merece destaque também a hipótese de que não existam entidades livres de inadimplência

disponíveis, como no caso de países em que os governos não são tomadores de empréstimos de longo

prazo. Nestes casos, é possível adotar uma acomodação que gera estimativas razoáveis para a taxa

livre de risco. A solução proposta consiste em verificar a taxa que as empresas mais seguras e estáveis

pagam por seus empréstimos e subtrair um pequeno spread deste valor. Damodaran (2009, p. 160),

intuitivamente, sugere que se reduzam em 1% a taxa que as empresas sólidas pagam por seus

empréstimos, para usar como estimativa da taxa livre de risco.

A conclusão que podemos inferir do que foi apresentado por Damodaran é o fato de que o

emprego de uma série histórica do mercado norte-americano não é uma medida apropriada, uma vez

que o ativo livre de risco de referência possui os seguintes inconvenientes:

1º - Não está expresso na mesma moeda dos fluxos de caixa projetados.

2º - Não possui a mesma duração que o fluxo de caixa projetado da concessão.

Assim, podemos verificar que existem elementos de convicção suficientes para sugerirmos que

o emprego de uma estimativa obtida a partir da taxa de juros média anual dos títulos do Tesouro

Americano (T-bond), com prazo de vencimento de 10 anos, no período de janeiro de 1995 a junho de

2005, para orientar os contratos de Concessões Rodoviárias no Brasil não foi uma medida apropriada.

3. Metodologia Científica.

Neste estudo foi utilizado o método hipotético-dedutivo, segundo o qual a suposição foi testada,

buscando-se compreender a relação entre os elementos abordados. Segundo Vergara (2007, p. 12) “O

método hipotético dedutivo (...) vê o mundo como existindo, independentemente da apreciação que

alguém faça dele, independentemente do olho do observador.”

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3.1 Tipo de Pesquisa

3.1.1 Quanto aos Fins

Este trabalho pode ser definido como uma pesquisa descritiva e explicativa, pois procura

descrever e explicar conceitos relativos ao emprego do método do Fluxo de Caixa Descontado nos

projetos de Concessões Rodoviárias e as eventuais violações de princípios da Moderna Teoria

Finaceira, que poderia comprometer a eficácia dos resultados obtidos, e, consequentemente, atrapalhar

o processo de tomada de decisão dos agentes envolvidos.

Esta escolha corrobora com Gil (1999) que disserta a Pesquisa descritiva como sendo a

descrição das características de determinada população, ou fenômenos, ou o estabelecimento de

relações entre variáveis. Acionalmente o autor afirma que a Pesquisa explicativa é caracterizada pela

preocupação em identificar as causas que contribuem para a ocorrência do fenômeno.

3.1.2 Quanto aos Meios

Quanto aos meios a pesquisa pode ser classificada como documental e bibliográfica, pois se

vale de documentos públicos (Notas Técnicas da STN/SEAE/MF adotadas pela ANTT), bem como

lança mão de bibliografia relativa ao tema em estudo.

3.2 Universo e amostra

O Universo da pesquisa compreende os aspectos normativos introduzidos pelos Órgãos

Governamentais no marco regulatório do Regime de Concessões no Brasil, e e suas implicação para os

agentes envolvidos. Os elementos selecionados para a análise não foram objeto de qualquer tratamento

estatístico, por isso dizemos que a amostra desses foi selecionada pelo critério da acessibilidade.

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3.3 Coleta de Dados

Os dados foram coletados através de pesquisa bibliográfica e documental usando como

subsídio materiais publicados em livros, artigos, revistas e legislação.

3.4 Tratamento dos Dados

Todos os dados levantados, quer sejam por pesquisa bibliográfica ou documental, foram

tratados de forma qualitativa. Neste sentido Neves (1996), afirma que a pesquisa qualitativa não

emprega técnica estatística, ela geralmente é direcionada mediante a coleta de dados através de

documentos ou pelo contato direto do entrevistador com o objeto de estudo, onde o pesquisador busca

a compreensão do caso, através dos participantes da situação estudada.

3.5 Limitações do Método

A pesquisa ficou limitada à subjetividade e interpretação dos pesquisadores. Embora seja

desejável buscar a neutralidade na análise, é uma limitação do próprio ser humano a ausência de total

imparcialidade diante dos fatos.

4. Análise dos Resultado

A partir das evidências contidas na doutrina, bem como no cotidiano do mercado, podemos

inferir que o procedimento adotado na Nota Técnica nº 64 STN/SEAE/MF viola pressupostos de

definição de uma taxa livre de risco.

Vimos que, para que um ativo tenha a característica de ser livre de risco, é preciso atender a

duas condições simultaneamente: inexistência de risco de inadimplência e ausência de risco de

reinvestimento.

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Com relação à primeira condição, os únicos títulos que não sofrem essa restrição são os títulos

governamentais, porque um governo soberano é capaz de emitir moeda para saldar seus títulos. Para

atender à segunda condição, é necessário mitigar todos os efeitos de eventuais reinvestimentos ao

longo do período de manutenção do título. Uma forma de eliminar este problema consiste em se exigir

que o título não tenha pagamento de cupons ao longo de seu prazo de vencimento. Além disso, é

necessário que o prazo do vencimento do título livre de risco seja equivalente ao prazo do projeto que

será avaliado empregando-se aquele parâmetro. Por fim, a tomada de decisão em finanças leva em

consideração os valores correntes de mercado, e não os valores passados.

A conclusão que podemos inferir do que foi apresentado, tanto por Sanvicente, quanto por

Damodaran é o fato de que o emprego de uma série histórica do mercado norte-americano, com o uso

do T bond de 10 anos (Título do Tesouro Americano de 10 anos), não é uma medida apropriada, uma

vez que o ativo livre de risco de referência possui os seguintes inconvenientes:

1º - Não está expresso na mesma moeda dos fluxos de caixa projetados.

2º - Não possui a mesma duração que o fluxo de caixa projetado da concessão.

3º - Não se refere a valores correntes de mercado, na ocasião da tomada de decisão.

Estas considerações podem gerar consequências bastante desagradáveis, na hipótese do modelo

de avaliação pelo método do Fluxo de Caixa Descontado constitui-se num elemento determinante na

tomada de decisão corporativa. A inadequada calibração do risco, e, consequentemente, a incorreta

precificação desse risco, podem levar à consequências desastrosas, numa eventual alocação de recursos

derivada da decisão equivocada de investir.

5. Conclusões

Com base no que foi apresentado, podemos responder a pergunta formulada na

problematização, arguindo que os procedimentos adotados na estimativa dos componentes do CAPM,

que por sua vez servirão de base para o cálculo da TIR nos projetos de Concessões Rodoviárias no

Brasil, são conflitantes com a boa doutrina financeira e com a prática corrente de tomada de decisão no

mercado brasileiro.

Uma das consequências derivadas desse tipo de conflito doutrinário e metodológico pode ser

uma ausência de interessados nos leilões de infraestruturas, promovidos pelo Governo Federal no bojo

de suas políticas de estímulo às Parcerias Público Provadas (PPPs). Tal cenário, se materializado,

Page 14: A ESTIMATIVA DA TAXA LIVRE DE RISCO NO MODELO DO FLUXO DE … · limitações desse modelo, ele é aceito como sendo um apropriado método de avaliação para orientar a tomada de

X CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 08 e 09 de agosto de 2014

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poderá atrasar bastante a provisão de infraestrutura logística no Brasil e a consequente superação dos

gargalos para a redução dos custos de nossa economia.

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Nota Técnica nº64 STN/SEAE/MF, de 17 de maio de 2007

PRONUNCIAMENTO TÉCNICO CPC 01 - Redução ao Valor Recuperável de Ativos.

PRONUNCIAMENTO TÉCNICO CPC 12 - Ajuste a Valor Presente.