A Estrutura Obsessiva

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Resumo Estudo: A Estrutura Obsessiva por Indira Guimarães 1. A problemática obsessiva Lacan definiu o sujeito obsessivo como aquele que na infância sentiu-se fortemente amado pela mãe ou, em outras palavras, que teve estatuto de objeto privilegiado do desejo materno. Isto faz com que se apresente nostálgico de ser esse objeto junto ao qual a mãe encontraria o que era suposto esperar do pai. Em razão da ambigüidade do discurso materno, surgiria na criança um dispositivo de suplência à satisfação do desejo da mãe, sobre o qual estaria construída a lógica do sujeito obsessivo, e tal privilégio despertaria na criança um investimento libidinal precoce: “A criança é presa nesta crença psíquica: a mãe poderia encontrar nela o que supostamente espera do pai” (DOR, 1994:98) Assim como o desejo da mãe faz referência à investidura do Pai simbólico, convocando a criança a assumir a castração que daí resulta, igualmente a satisfação insuficiente desse desejo materno constitui um apelo regressivo à manutenção da identificação fálica da criança. Daí a “nostalgia” de um retorno ao ser, vivamente cobiçado, mas nunca plenamente realizado. (DOR,1991:64) Dessa forma tão própria de inscrição da função paterna resulta a problemática do obsessivo em relação ao desejo e à lei, gerando inclusive rivalidade e competição com a figura paterna. “De um lado a criança percebe que a mãe é dependente do pai do ponto de vista do seu desejo; mas por outro lado, não parece receber por inteiro do pai o que é suposta esperar. Esta lacuna na satisfação materna induz, junto à criança que se faz testemunha disto, a abertura favorável para uma suplência possível” (DOR, 1994:99) 2. Os traços da estrutura obsessiva Através do seu olhar psicanalítico, Freud apresenta como base para os fenómenos de natureza obsessiva, a teoria dos estádios sexuais e nas noções de regressão da Libido e do Eu. Entendendo que a Neurose Obsessiva derivaria de uma “falha no período

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Resumo Estudo: A Estrutura Obsessiva por Indira Guimarães

1. A problemática obsessiva

Lacan definiu o sujeito obsessivo como aquele que na infância sentiu-se fortemente amado pela mãe ou, em outras palavras, que teve estatuto de objeto privilegiado do desejo materno. Isto faz com que se apresente nostálgico de ser esse objeto junto ao qual a mãe encontraria o que era suposto esperar do pai. Em razão da ambigüidade do discurso materno, surgiria na criança um dispositivo de suplência à satisfação do desejo da mãe, sobre o qual estaria construída a lógica do sujeito obsessivo, e tal privilégio despertaria na criança um investimento libidinal precoce: “A criança é presa nesta crença psíquica: a mãe poderia encontrar nela o que supostamente espera do pai” (DOR, 1994:98)

Assim como o desejo da mãe faz referência à investidura do Pai simbólico, convocando a criança a assumir a castração que daí resulta, igualmente a satisfação insuficiente desse desejo materno constitui um apelo regressivo à manutenção da identificação fálica da criança. Daí a “nostalgia” de um retorno ao ser, vivamente cobiçado, mas nunca plenamente realizado. (DOR,1991:64)

Dessa forma tão própria de inscrição da função paterna resulta a problemática do obsessivo em relação ao desejo e à lei, gerando inclusive rivalidade e competição com a figura paterna.

“De um lado a criança percebe que a mãe é dependente do pai do ponto de vista do seu desejo; mas por outro lado, não parece receber por inteiro do pai o que é suposta esperar. Esta lacuna na satisfação materna induz, junto à criança que se faz testemunha disto, a abertura favorável para uma suplência possível” (DOR, 1994:99)

2. Os traços da estrutura obsessiva

Através do seu olhar psicanalítico, Freud apresenta como base para os fenómenos de natureza obsessiva, a teoria dos estádios sexuais e nas noções de regressão da Libido e do Eu. Entendendo que a Neurose Obsessiva derivaria de uma “falha no período edipiano”, com regressão ao estádio sádico-anal e consequente predomínio das relações actividade-passividade–agressividade. Na sua perspectiva, o carácter e a clínica do doente obsessivo seriam resultado do compromisso estabelecido entre as pulsões reprimidas e intensas proibições introjectadas na forma de uma moralidade estrita.

“As obsessões aparecem como exprobacoes disfarçadas que o sujeito se faria a si próprio, com relação a uma atividade sexual infantil produtora de prazer. O que faz, todavia, a especificidade propriamente obsessiva dos seus sintomas é o modo de inscrição psíquica dessa atividade libidinal infantil face ao desejo da mãe. Segundo Freud, tratar-se-ia de uma agressão sexual tendo sucedido a uma fase de sedução.” (DOR, 1994:101)

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A absorção materna prematura não permite que a criança mediatize seu desejo, ficando assim prisioneira do desejo insatisfeito da mãe.

3. O obsessivo, a perda e a lei do pai

A neurose obsessiva apresenta uma carência de reconhecimento paterno. Para fazer valer este reconhecimento, o sujeito obsessivo se obriga a pagar um preço extraordinariamente alto. Seu drama reside precisamente no fato de que ele tem o reconhecimento, mas se julga sob o risco permanente de perdê-lo. O reconhecimento lhe foi concedido antecipadamente, como uma espécie de adiantamento: o pai o reconheceu para fazê-lo representante do seu desejo. A dificuldade é que, na falta do reconhecimento posterior, o primordial fica ameaçado. Lacan acentuou que o sujeito obsessivo está atrelado ao jogo petrificador que se estabelece entre o mestre e o escravo, mostrando-se rigorosamente limitado às normas, às regras e aos ditames da lei. Ele julga necessário assumir esta posição submissa de não ter voz (desejo), dedicando-se a servir voluntariamente a esse mestre, pois ele precisa de alguém a quem possa idolatrar.

O sujeito obsessivo, vigora o “imperativo da necessidade” em conjunto com o “inferno do dever”. Em essência, ele não se dispõe a correr o risco de se confrontar com seu desejo inconsciente, daí resultando uma passividade masoquista. O obsessivo apresenta uma tendência a se constituir como tudo para o outro. Para isso, deve exercer controle sobre todas as coisas, a fim de que o outro não lhe escape. Na verdade, o obsessivo permanece preso ao temor da castração, pois, uma vez que houve inscrição paterna, ele sabe que o lugar do Pai é impossível de conquistar. Assim, passa toda a vida convocando o pai para assegurar-lhe o lugar, empenhando-se em atualizá-lo a cada instante e a cada ato, mesmo que isso implique uma posição submissa.

Na neurose obsessiva a função paterna é representada pelo outro da lei: seu papel é proibir e punir severamente o desejo incestuoso. O obsessivo teme a lei, e por isso solicita que ela lhe seja lembrada ininterruptamente, através de ordens, proibições e até mesmo castigos. O obsessivo reivindica um mestre, “um pai ideal que faça a lei e que sustente, na exterioridade, a ilusão da unicidade, a não castração” (RINALDI, 2002:10).

Vê-se que a neurose obsessiva busca defender-se da castração anulando as diferenças, em uma busca incessante de uniformização. O objetivo do sujeito obsessivo é anular a subjetividade, intento nunca realizado, posto que, em toda estrutura neurótica, o pai é a lei, e a lei produz recalque. Se há retorno do recalcado, é porque o pai é falho, castrado, ou seja, está aquém de sua função. Assim, em sua busca pelo fim da diferença, o sujeito obsessivo termina por preservá-la e mesmo acentuá-la por meio de suas normas particulares.

4. O obsessivo e seus objetos de amor

Por fim, a experiência psicanalítica não cansa de demonstrar que o discurso do obsessivo elide a falta no campo do sujeito. Em outras palavras: o obsessivo acredita que deva ser amado pelo outro por sua inteireza, por tudo que ele é e dedica sua vida a mostrar-se como tal. Sua fantasia é que esforçando-se para atender sempre a demanda do outro (numa posição serviçal) ele obterá reconhecimento e portanto será amado.

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Segundo Lacan (1999), o que caracteriza o sujeito obsessivo é a sua capacidade de pensar, mas com a característica de que ele pensa para si mesmo e para anular o desejo do Outro. Se, na fase oral, a primazia é a do sujeito de ser nutrido pelo Outro, diferentemente, na fase anal, é o sujeito que está sujeitado a demanda do Outro. Assim, a introdução na fase anal ocorre por ser o Outro quem demanda ao sujeito. O obsessivo não se manteria numa relação possível com seu desejo senão à distância para que esse desejo subsista. Assim, seu desejo vacila e se oculta na medida de sua aproximação.

Freud (1909) comenta sobre a onipotência do pensamento do obsessivo e que ele não age, ele cogita. Assim, enquanto o sujeito histérico fala, chama atenção; o obsessivo vive cogitando, encontra-se impedido pela ruminação e envolvido por dúvidas e incertezas.

Conforme Bouvet (2005), há duas fases no estágio anal-sádico. Na primeira fase os desejos sádicos destrutivos com intenções de incorporação são predominantes; na segunda é o desejo de posse, de manutenção do objeto, que confere uma satisfação narcisista ao sujeito. Assim, os diferentes desejos expressam o caráter ambivalente tão presente na neurose obsessiva, isto é, a retenção, o amor, e a expulsão, o ódio. Diferentemente da tendência à integração das pulsões da fase fálica, no período anal-sádico ocorre uma dissociação das diferentes pulsões parciais com a separação de elementos do erotismo e da destrutividade.

Para Joel Dor (1991) há uma tendência do obsessivo em se constituir como tudo para o outro e também de uma forma autoritária tudo controlar e dominar para que o Outro não consiga lhe escapar. Pode-se então fazer uma relação com uma das características do neurótico obsessivo, na qual ele está sempre pedindo explicações e que lhe ordenem sobre aquilo que ele deve fazer. Isso parece uma tentativa de reduzir o misterioso desejo do Outro, pois perguntando ao Outro o que ele deseja que o sujeito faça não precisará pensar no que ele, sujeito, realmente deseja. Além disso, ao corresponder à demanda do Outro o obsessivo impede o aparecimento do desejo do Outro. Sendo assim, o obsessivo se sente compelido a responder ao Outro de forma contínua. Pode-se também pensar numa constante insatisfação da posição neurótica, pois parece que o gozo lhe é algo impossível e é dele que o neurótico se defende colocando em risco a sua própria singularidade em prol do gozo do Outro.

Referências Bibliográficas:

BOUVET, M. O ego na neurose obsessiva. Relação de objeto e mecanismo de defesa. In: Berlink , M. T. (org.) Obsessiva neurose. São Paulo: Escuta, 2005.DOR, J. O pai e sua função em psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991.________, Estruturas e Clínica psicanalítica, Taurus Ed. Rio de Janeiro, 1994FREUD, S. Notas sobre um caso de neurose obsessiva – In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas, vol X. Rio de Janeiro: Imago. 1909FREUD, S. Uma neurose infantil 1918[14], vol. XVII, in ESB. Rio de Janeiro: Imago, 1974.LACAN, J. Seminário V: As formações do inconsciente. Rio de Janeiro: J. Zahar ,1999.________, J. Seminário 17 – O avesso da psicanálise (1969-70). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992.RINALDI, D.; JORGE, M.A.C.(Orgs.). Saber, verdade e gozo: leituras de O Seminário, livro 17 de Jacques Lacan. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos,2002.