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UNIVERSIDADE DE AVEIRO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO E ARTE A ESTÉTICA DO ROMANTISMO PROFESSORA DA DISCIPLINA: FÁTIMA POMBO MANUEL AUGUSTO DA SILVA CARVALHO MESTRADO EM PERFORMANCE \ INSTRUMENTO CLARINETE UA, JANEIRO 2004

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UNIVERSIDADE DE AVEIRO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO E ARTE

A ESTÉTICA DO ROMANTISMO

PROFESSORA DA DISCIPLINA: FÁTIMA POMBO

MANUEL AUGUSTO DA SILVA CARVALHO MESTRADO EM PERFORMANCE \ INSTRUMENTO CLARINETE

UA, JANEIRO 2004

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO 3

1- O ROMANTISMO 4

1.1- O Pensamento Iluminista 4

1.2- Século XIX. A Linguagem 4

2- WACKENRODER 6

2.1- A música como linguagem privilegiada 6

3- SCHELLING 8

3.1- A música como ritmo 8

4 -HEGEL 9

4.1- O sentimento invisível 9

5- SCHOPENHAUER 11

5.1- A música como imagem directa do mundo 11

6- O MÚSICO ROMÂNTICO 13

6.1- A música e o músico 13

7- HOFFMANN E BEETHOVEN 14

7.1- O mito 14

8- STENDHAL 16

8.1- A felicidade de sentir 16

CONCLUSÃO 18

BIBLIOGRAFIA 21

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INTRODUÇÃO

O assunto central do presente trabalho é a abordagem da Estética do

Romantismo.

Escolhi este tema por vir a ser útil para elaboração da minha tese que

vai incidir num músico romântico: Carl Maria von Weber e a sua relação

com o clarinete, o qual utilizou genialmente na sua obra, denotando, de

alguma forma, um interesse especial por esse instrumento.

A metodologia usada para a elaboração do Trabalho é baseada na

pesquisa e consulta em vários livros já publicados, havendo a preocupação

de comparar para o mesmo assunto fontes diferentes.

Ao nomear Wackenroder, faço-o porque a sua obra foi importante

para a formação das primeiras gerações românticas. Schelling, pela sua

visão em relação às artes. Hegel, pela relação ou complementaridade com

Wackenroder. Schopenhauer, porque intenta fazer da música um símbolo

das aspirações mais sublimes do ser humano. Hofmann por ser

contemporâneo de Beethoven. Stendhal, pela sua peculiar aproximação à

música.

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1 – O ROMANTISMO

1.1 – Pensamento Iluminista

O iluminismo foi um movimento intelectual e espiritual europeu,

apelidado de Século da Luzes, cujo auge foi atingido no século XVIII.

Os pensadores iluministas acreditavam no progresso social e nas

capacidades libertadoras do conhecimento racional e científico.

Criticavam a sociedade existente e hostilizavam a religião, por

considerarem que a mente humana era aprisionada pela superstição. As

revoluções americana e francesa foram justificadas à luz dos princípios

iluministas dos direitos humanos naturais1.

1.2 – Séc. XIX. A Linguagem

O romantismo define-se em grande parte como reacção às

afirmações do Século das Luzes. Recusando a condição de mola do mundo,

o homem romântico converte-se no coração de um universo misterioso e

particular. O eu afirma-se: nas suas manifestações extremas conduz à

criação de obras que traduzem alegrias e tormentos, esperanças e revoltas,

mas também à alienação ou ao aniquilamento do criador, pela loucura e

pelo suicídio. O romantismo perturbou a literatura antes da música ou da

pintura. O papel desempenhado pela Alemanha na segunda metade do

século XVIII é incontestável. Herdeiros de Rousseau, autores como Goethe,

Schiller, Richter abrem o caminho a Novalis, Kleist, Holderlin, Brentano,

Uhland, Arnim, Hoffmann, que procuram exprimir o inexprimível, explorar

o caminho misterioso que conduz ao interior2.

No entanto, nem todas as convicções iluministas se modificaram, ou

transformaram. O que antes era condenável, era agora motivo de glória.

1 Cf. Donald Jay Grount e Claude Palisca, História da música Ocidental, 1997, p. 475. 2 Cf. Gérard Denizeau, Os géneros Musicais, 2000, p. 170.

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Antes o músico era um assalariado ao serviço da Igreja ou das famílias

nobres. A sua função era recreativa ou utilitária. A música “acompanhava”.

Não tinha função autónoma. Teria que estar subordinada à poesia, a

celebrações, cerimónias e afins. Por este motivo os filósofos não lhe

concederam a devida importância3.

O romantismo vê tudo isto com outros olhos. A música não pode,

com a sua linguagem comunicar como a linguagem comum. Ela está acima

de qualquer meio normal de comunicação, porque capta a realidade a um

nível mais profundo. Ela capta a Ideia, o Espírito, o Infinito, tanto mais

fácilmente, quanto se conservar longe de qualquer tipo de semântica ou

concepção4.

Desde o início, o movimento romântico teve uma tonalidade

revolucionária, com a correspondente ênfase nas virtudes da originalidade

na arte. O romantismo foi encarado como uma revolta contra as limitações

do classicismo, se bem que ao mesmo tempo a música fosse vista como um

exemplo da ideia geralmente aceite de que o século XIX era uma época de

progresso e evolução. Até ao fim do século XVIII os compositores

escreviam para o seu tempo; de um modo geral, não se interessavam muito

pelo passado nem se preocupavam muito com o futuro5.

3 Cf. Eurico Fubini, La Estética Musical desde la Antiguidad hasta el siglo xx, 1999, p. 254. 4 Cf. Eurico Fubini, La Estética Musical desde la Antiguidad hasta el siglo xx, 1999, p. 255. 5 Cf. Donald Jay Grount e Claude Palisca, História da música Ocidental, 1997, p. 578.

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2 – WACKENRODER

2.1 – A música como linguagem privilegiada.

Wilhelm Heinrich Wackenroder ( 1773-1798 ), não foi músico,

crítico ou poeta. Viveu vinte e cinco anos de personalidade instável e

ansiosa, sempre em constante procura de uma linha de pensamento que o

satisfizesse. Não se chegou a consumar em termos de ideias. As suas

exigências ficaram sempre privadas de reflexão profunda. Os seus escritos

são fragmentários e por isso não chegam a nenhum porto. Foi um pensador

rápido, possuidor de um carácter nostálgico, sentimental e, apesar disso,

muito entusiasta, teve um papel importante na formação das primeiras

gerações românticas6.

Wackenroder tinha uma atitude sensível e filosófica em relação à

arte. Defendia que frente à arte era necessário o abandono, a atitude

contemplativa. Que desde sempre, existiu um principio separador do

coração e da razão. O meio para se aceder à arte é o sentimento, não a

razão. Qualquer obra não será possível de entender senão com um

sentimento similar ao que lhe deu origem. Deste modo só se capta o

sentimento com sentimento.

Segundo Wackenroder, todas as artes pretendem e actuam no sentido

de manifestar os nossos sentimentos mais profundos. Neste contexto a

música é por excelência a linguagem dos sentimentos, porque é superior a

todas as outras na sua capacidade expressiva. Este facto deve-se, ou

explica-se com base no seu desenvolvimento histórico, na perfeição que a

própria civilização se entreteve a criar. Há uma afinidade secreta entre o

som e o sentimento. Neste contexto o sentimento não é a emotividade

pessoal, mas sim a essência das coisas. Assim a música representa a forma

de contacto mais directo com Deus. A música descreve os sentimentos

6 Cf. Eurico Fubini, La Estética Musical desde la Antiguidad hasta el siglo xx, 1999, p. 260.

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humanos de forma sobre-humana, porque fala uma linguagem que não é

nossa; é a dos anjos. A obra musical é intraduzível por palavras; a

linguagem pode descrever as mudanças e curvas de um rio durante o seu

trajecto. A música dá-nos o próprio rio, este rio que significará, se

quisermos, o espírito humano.

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3 – SCHELLING

3.1 – A música como ritmo.

Schelling, defende que a arte é representação do infinito no finito, do

universal no particular; objectivação do Absoluto no fenómeno. As artes

podem distinguir-se umas das outras em função do grau do finito que se

encarna no infinito. Assim temos duas espécies de arte: a real e a ideal,

segundo se manifeste em cada uma o aspecto real, objectivo e físico, ou o

aspecto ideal, subjectivo e espiritual. Constitui-se então de um lado as artes

figurativas e de outro as artes da palavra.

Entre as artes figurativas encontra-se a música, porque representa o

aspecto real do mundo da arte. As outras são a pintura e a escultura. A

música pertence à arte real por estar vinculada ao som. Schelling distingue

dentro da música três elementos: ritmo, modulação e harmonia-melodia. O

ritmo representa o elemento real, a modulação o ideal e a melodia junto

com a harmonia representa a síntese dos dois primeiros elementos7.

Ao pretender colocar o ritmo entre as coisas misteriosas da natureza,

Schelling defende que a música é puro ritmo e capta todo o universo. Ela é

a arte que mais se aproxima da matéria. É a arte que pode ser mais

abstracta e espiritual, porque reproduz o movimento puro, o ritmo cósmico,

o devir das coisas, a unidade da multiplicidade. A música prescinde dos

objectos. Equilibra-se entre a sensibilidade e a espiritualidade.

7 Cf. Eurico Fubini, La Estética Musical desde la Antiguidad hasta el siglo xx, 1999, p. 264.

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4 – HEGEL

4.1 – O sentimento invisível.

Wackenroder defende a música como expressão de sentimentos de

uma forma algo poética. Hegel vem dar-lhe o seu apoio mas com base no

rígido edifício da sua filosofia.

Para Hegel também a música ocupa um lugar definido. A arte tem três

etapas fundamentais para o seu desenvolvimento: a simbólica, a clássica e a

romântica. Toda a arte, como primeira etapa do Espirito Absoluto que se

encaminha para a sua realização última, tem como finalidade a expressão

da ideia, mas como intuição sensível.

A arte simbólica, é a arte na sua fase inicial; é a arquitectura. Limita-

-se a tentativas de encontrar uma harmonia efectiva entre os extremos que

são os materiais adequados e a forma mais idónea. Terá que contentar-se

com um tipo de representação em que ambos permanecem reciprocamente

estranhos.

A arte clássica é verdadeira e autêntica. Manifesta-se na escultura.

Guia-se pela individualidade espiritual que é o ideal clássico. Nela o

elemento interior ou espiritual, faz-se presente e visível através da

aparência corporal imanente ao espirito.

A arte romântica não simboliza o absoluto de uma forma exterior. A

sua forma é a subjectividade, a alma, o sentimento na sua infinitude e na

sua particularidade finita. Esta terceira forma de arte comporta em si, além

da música, a pintura e a poesia8.

Ainda que situada na mesma esfera que a pintura e contrariamente a

esta, que pode manifestar-se por uma realidade externa, a música tem como

elemento característico a interioridade em si, o sentimento invisível ou sem

forma, que não pode manifestar-se como uma realidade externa. A essência

8 Cf. Eurico Fubini, La Estética Musical desde la Antiguidad hasta el siglo xx, 1999, p. 267.

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desta arte é a alma, o espirito na sua unidade imediata, na sua

subjectividade, o coração humano, a pura impressão9.

No entanto, para Hegel, a verdadeira arte do espírito é a poesia. Tudo

o que a consciência concebe e elabora com o pensamento no mundo

interior da alma, só pode ser expressado e representado pela palavra. Mas,

o que a poesia ganha sob o ponto de vista das ideias perde pelo lado do

sensível, porque não se dirige aos sentidos como as artes plásticas, nem ao

puro sentimento como a música.

A poesia, sendo a arte mais universal, deixa por este motivo de ser

arte. Em certo sentido representa o fim da arte, a morte da arte. Será um

ponto de transição, um começo em que a arte se dissolve e dá lugar à

religião e à filosofia.

Sendo assim, a música não abandona o âmbito da arte verdadeira e

genuína, expressa mais do que qualquer outra a interioridade, sob a forma

própria do sentimento subjectivo numa forma sensível: o som.

A missão da música, segundo Hegel, não consiste tanto em expressar

emoções ou sentimentos individuais, mas sim a revelar à alma a sua

identidade, o puro sentimento de si mesma. A música deve elevar a alma

acima de si mesma, deve fazê-la oscilar acima do sujeito a que pertence e

criar uma atmosfera onde irá refugiar-se no puro sentimento de si mesma10.

9 Cf. Eurico Fubini, La Estética Musical desde la Antiguidad hasta el siglo xx, 1999, p. 267. 10 Cf. Eurico Fubini, La Estética Musical desde la Antiguidad hasta el siglo xx, 1999, p. 270.

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5 – SCHOPENHAUER

5.1 – A Música como imagem directa do mundo.

Schopenhauer afirmou que a música era a viva imagem e encarnação

da mais íntima realidade do mundo, a expressão imediata dos sentimentos e

impulsos da vida numa forma concreta e definida11. O facto de toda a

música ter um conteúdo transmusical foi uma das convicções mais caras

do século X IX , embora não fosse universalmente reconhecido.

Hegel reservou na sua filosofia um lugar um pouco marginal para a

música. Schopenhauer centrou-a nos seus estudos filosóficos. Colocou-a

num pedestal bem ao centro. Para ele a música tem por missão conhecer a

ideia. O conhecimento normal não chega à ideia porque está

permanentemente submetido à vontade. Só o génio pode intuitivamente

conhecer a ideia mediante a contemplação estética.

Para Schopenhauer, todas as artes de uma forma hierárquica

representam uma objectivação da vontade. A arquitectura representa o grau

mais baixo, porque é visível a vontade. A escultura, pintura, poesia e a

tragédia, ocupam os lugares mais altos.

Quanto à música não se limita a representar as ideias ou os graus de

objectivação da vontade, mas sim a própria vontade. A música não é

imagem das ideias, mas sim imagem da própria vontade, cujas ideias são

também objectividades.

A música situa-se fora da hierarquia, porque é a linguagem absoluta,

o limite insuperável, ao qual só pode aceder o génio artístico.

A música é como que um duplicado do mundo fenoménico

(natureza ). Assim poderá considerar-se música e natureza como duas

expressões diferentes da mesma coisa. Posto isto, explicar a música de

11 Cf. Donald Jay Grount e Claude Palisca, História da música Ocidental, 1997, p. 573.

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forma exaustiva e rigorosa, mediante conceitos , ela corresponderia ao

próprio mundo e seria a verdadeira filosofia12.

Dito isto, vem ao de cima o problema principal da estética musical

de Schopenhauer: a relação entre a música e os sentimentos.

12 Cf. Eurico Fubini, La Estética Musical desde la Antiguidad hasta el siglo xx, 1999, p. 272.

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6 – O MÚSICO ROMÂNTICO

6.1 – A música e o músico.

Houve grandes filósofos a pensar sobre a música. Importantes nomes

que nem sempre tinham o mesmo conhecimento filosófico, embora os

conceitos fundamentais, as preferências, as orientações do gosto, o estilo, o

modo de expor os conceitos, etc., sejam algo semelhantes o que aproxima

filósofos e aqueles que não o são.

Os escritos de músicos românticos, têm características literárias e

não filosóficas. Também não são em linguagem técnica. Esta linguagem

não é usada nem pelos músicos nem pelos filósofos. Na primeira metade

do século XIX, olha-se a estética musical com olhos de músico. A música

não se identifica com a sua técnica; esta é secundária13.

Muitos músicos românticos escreveram sobre a música. Foram eles:

Beethoven, Hoffmann, Schumann, Berlioz; Weber, Liszt, Wagner, etc. No

meio de todos: Beethoven. Este, devido à sua vida, obra, surdez e destino

desafortunado, transformou-se em modelo para o músico romântico. Ele foi

um mito musical, estético, cultural e político. Devido à sua surdez

comunicava por escrito o que originou um testemunho importante do seu

pensamento. Ele viveu a transição do iluminismo para o romantismo.

Assim ao ler Beethoven ficamos a saber que tinha uma cultura acima da

dos músicos normais. Ele lia filósofos, poetas, historiadores e críticos.

Numa carta de 1809, aos editores Breitkoph e Hartel, a solicitar

alguns livros, Beethoven dizia não haver nenhum tratado demasiado

douto14. Ele defendia o músico informado, culto e capaz de compreender

que a música tem de comprometer o homem na sua totalidade.

13 Cf. Eurico Fubini, La Estética Musical desde la Antiguidad hasta el siglo xx, 1999, p. 276. 14 Cf. Eurico Fubini, La Estética Musical desde la Antiguidad hasta el siglo xx, 1999, p. 277.

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7 – HOFFMANN E BEETHOVEN

7.1 – O Mito.

Beethoven entrou no romantismo com o valor de um autêntico mito.

Assim o consideraram muitos dos escritores românticos. E. T. A.

Hoffmann, novelista, crítico musical, compositor e director de orquestra,

foi dos primeiros mistificadores de Beethoven15.

Os escritos de Hoffmann são importantes para a compreensão do

romantismo. Para ele a música representa a infinita nostalgia. Para ele o

romantismo é uma categoria metatemporal que actua como chave da

interpretação histórica.

Beethoven é o único grande músico contemporâneo de Hoffmann.

Estamos em 1810, altura em que segundo a visão hegeliana da história,

corre a plena realização e concretização do romantismo. Assim música e

romantismo vivem cúmplices na tenção histórica que acontece.

A música para Hoffmann é a mais romântica das artes, porque tem

como objectivo o infinito16. Para ele todos os grandes músicos são em

alguma medida românticos. Ele classifica Don Giovanni de Mozart como

ultra romântico. O Beethoven de Hoffmann é o do denominado segundo

estilo: o heróico. No seu ensaio sobre a música instrumental ele considera-a

a mais autónoma. Aquela que sem a ajuda da poesia ou outra arte

estabelece a relação com o infinito.

Para Hoffmann a música abre as portas do céu e deixa- nos ver uma

nesga de um mundo distinto do nosso. Ele insiste na capacidade da música

para nos fazer evadir das misérias terrenas.

15 Não foi só Beethoven. Muitos outros músicos experimentaram esse mesmo processo de mistificação. Hoffmann deixou escritos sobre Palestrina, Bach, Mozart, Gluck, Haydn, etc. 16 Cf. Eurico Fubini, La Estética Musical desde la Antiguidad hasta el siglo xx, 1999, p. 280.

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Haydn, Mozart e Beethoven representam para Hoffmann o que para

Hegel era a tríade dialéctica17, mediante a qual o espirito absoluto, a ideia,

se revelava completamente. Hoffmann considera que Haydn sente

romanticamente os afectos da vida humana. Mozart requer o elemento

sobre-humano, maravilhoso, latente em nós próprios. Beethoven suscita a

infinita nostalgia palpitante que é a essência do romantismo.

17 Arte , religião e filosofia.

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8 – STENDHAL

8.1 – A felicidade de sentir.

Para os românticos a música é a arte perfeita. A arte para a qual se

encaminham todas as outras. Como consequência disso compreende-se o

interesse da música para quase todos os escritores românticos.

Stendhal escreveu muito sobre música sem ser músico, critico

musical ou historiador da música. Viveu no romantismo, escreveu sobre a

música e pelos seus escritos partilha as ideias dos escritores românticos.

Apesar da sua peculiar aproximação à música e da dificuldade em ser

catalogado, o seu trabalho é apetecido. O facto dos seus escritos terem

carácter biográfico, literário, novelesco, vago, anedótico e não

especializado18, não lhe causa qualquer transtorno; ele faz até questão de o

revelar. Ele considera até que é uma qualidade que lhe permite fazer um

tipo de juízo mais genuíno19.

Stendhal aspira a conceber a experiência musical de forma

subjectiva. Declara-se parcial porque, segundo ele, a imparcialidade nas

artes é como a razão no amor: é para corações frios ou incompletamente

enamorados20.

Devido à sua fruição subjectiva, abre-se caminho para um gosto

diferente, uma atitude estética diferente. Ele diz de Mozart que é como uma

amante séria e triste e que se ama pela sua tristeza. Ele sente a música de

Mozart melancólica e triste.

Stendhal estabelece relações entre música e prazer, música e

felicidade de sentir, música e gozo imediato. afirma que a boa música

18 Cf. Eurico Fubini, La Estética Musical desde la Antiguidad hasta el siglo xx, 1999, p. 286. 19 Cf. Eurico Fubini, La Estética Musical desde la Antiguidad hasta el siglo xx, 1999, p. 287. 20 Cf. Eurico Fubini, La Estética Musical desde la Antiguidad hasta el siglo xx, 1999, p. 288.

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possui a capacidade de ir até ao fundo da alma em busca da dor que nos

atormenta.

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CONCLUSÃO

O Iluminismo tinha aberto caminho para a esperança numa

humanidade nova, liberta das trevas da superstição e da intolerância, regida

pelas leis universais da razão e da igualdade. No início do século XIX,

estas certezas começam a balançar. As luzes da razão combinam-se com as

sombras da violência. A harmonia, a medida e o equilíbrio propostos pelo

século anterior chocam com os excessos da Revolução Francesa. Há

violência, guerras, miséria, algo que se encontra muito longe do mundo

apresentado pelos filósofos. Desta semente nasce uma nova ordem,

erguem-se princípios de liberdade por toda a Europa, brota o sentido da

nação.

As mudanças políticas e sociais não podiam ficar sem resposta no

âmbito do pensamento e da arte. Assim, com um novo contexto de fundo,

filósofos, literatos e poetas irão assentando as bases de uma forma diferente

de pensar e de “estar no mundo”, o Romantismo. Agora a reflexão e a

nova geração de autores, irá dar forma a uma nova concepção absoluta-

mente original dos conceitos, tanto de obra de arte, como de criador.

Do ponto de vista da criação artística, é o grande momento de escritores e

poetas, cuja influência nas restantes artes será determinante. Do ponto de

vista biográfico, surpreendem-nos as semelhanças entre as vidas dos

artistas da época21 que quebram moldes e convenções, criando uma nova

linguagem adaptada às suas necessidades.

Durante o romantismo, floresce a crítica e a historiografia. Nunca

como neste período se escreveu tanto sobre música. Todo o tipo de pessoas,

com os mais diversos conhecimentos ou desconhecimentos, se achou nesse

direito. Há na crítica romântica, uma predominância entusiasta que é

21 Salpicados pela loucura, pobreza, mortes precoces, etc.

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acompanhada da vontade de definir aquela arte capaz de abrir as portas do

desconhecido e espreitar para aquilo que esteve fechado ao homem.

A crítica romântica formula os seus juízos baseando-se na impressão

subjectiva. O valor desta subjectividade baseia-se numa concepção da

música como expressão dos sentimentos, que valorizados nos guiam e

abrem as portas do infinito onde podemos captar o próprio universo. A

razão não consegue chegar até à obra de arte; somente o sentimento é

criador e pode julgar e compreender a universalidade da obra de arte, neste

caso: a música.

Pode dizer-se que toda a arte é romântica. Ela difere da arte clássica

pela maior ênfase que dá ao carácter de distância e de estranheza. O

romantismo, neste sentido genérico, não é um fenómeno de uma época

bem determinada, manifestou-se em diversos momentos e sob diversas

formas. É possível detectar na história da música, e em todas as outras

artes, uma alternância de classicismo e romantismo. Assim, o período

barroco pode ser considerado romântico, por oposição ao renascimento, tal

como o século XIX é romântico por oposição ao classicismo do século

XVIII. Outra característica do romantismo é o seu pendor para o ilimitado,

em dois sentidos diferentes, embora relacionados entre si. A arte romântica

aspira a transcender uma época ou um momento determinado, a captar a

eternidade, a recuar até aos confins do passado e a projectar-se no futuro, a

abarcar o mundo inteiro e mesmo as vastas distâncias do cosmos. Por

oposição aos ideais clássicos da ordem, do equilíbrio, do autodomínio e da

perfeição dentro de limites bem definidos, o romantismo ama a liberdade, o

movimento, a paixão e a busca do inatingível.

Para tentar encontrar o seu propósito, a arte romântica é marcada por

um período de carência, de procura de uma perfeição impossível. A

impaciência romântica em relação aos limites dissolve todas as distinções.

A personalidade do artista confunde-se com a obra de arte; a clareza

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clássica é substituída por uma certa obscuridade e ambiguidade intencional,

a afirmação clara pela sugestão, pela alusão ou pelo símbolo. As próprias

artes tendem a confundir-se umas com as outras. Se a distância e o

ilimitado são românticos, então a música é a mais romântica de todas as

artes. O seu material: sons e ritmos sujeitos a uma determinada ordem, está

quase completamente desligado do mundo concreto dos objectos, e esta

característica confere, por si só, à música uma especial capacidade de

evocar o fluxo das impressões, dos pensamentos e das emoções que é o

domínio próprio da arte romântica. Só a música instrumental - música pura,

livre do peso das palavras - pode atingir de forma perfeita este objectivo de

comunicar emoções. A música instrumental é, por conseguinte, a arte

romântica ideal. O seu alheamento do mundo, o seu mistério e o seu

incomparável poder de sugestão, actuando directamente sobre o espírito,

sem a mediação das palavras, fizeram dela a arte dominante, a mais

representativa de todas as artes do século XIX.

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BIBLIOGRAFIA

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