A Evolução Do Urbanismo

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A Evolução do Urbanismo Século XIX 1 - Os modelos do Pré-Urbanismo 1.1 - O Modelo Progressista “Segundo descreve Françoise Choay, o espaço da cidade no modelo progressista é amplamente aberto e ao mesmo tempo fragmentado pela presença de grandes vazios e áreas verdes. Essa visão decorre da exigência dos higienistas da época como forma de ordenar os crescentes problemas das cidades industriais.” O espaço urbano é traçado a partir de uma análise das funções humanas. Assim, seus idealizadores postulam uma separação nítida entre os locais destinados à habitação, ao trabalho, à cultura e ao lazer. Essa lógica funcional deve ser disposta de maneira simples. O modelo progressista tem uma estética austera onde a beleza se subordina à lógica e onde qualquer herança artística do passado é totalmente renegada. “O socialista utópico Charles Fourier (1772 – 1837) é considerado o idealizador do primeiro modelo mais detalhado do urbanismo progressista: a falange.” “A falange seria composta de uma associação livre de 1500 a 2000 pessoas. Qualquer associação com número de indivíduos inferior a 1500 teria, segundo a teoria fourierista, uma escala de características e de paixões incompletas. Por outro lado, qualquer associação com número superior a 2000 indivíduos estaria exposta a dicotomias que destruiriam a economia e produziriam a desordem. Segundo suas paixões, os membros das falanges se repartiriam em séries, subdividas em grupos. O motivo de suas escolhas estaria exclusivamente na atração por eles provada para com as coisas, objeto de suas atividades, e para com os outros indivíduos, associados através do trabalho.” “A administração do falanstério substitui o governo autoritário, reduzindo-se quase que exclusivamente à administração das coisas e somente na medida em que essa administração não fosse limitada aos grupos e às séries e desde que representasse o interesse de toda a sociedade.” “O trabalho no falanstério é produtivo, intensivo e atraente. É intensivo porque emprega, desenvolve e satisfaz as paixões; é atraente porque somente está submetido à lei da preferência pessoal.” “O plano da cidade deve ser traçado em três anéis concêntricos : o primeiro contém a cidade central; o segundo contém os arrabaldes e as grandes fábricas; e o terceiro contém as avenidas e o subúrbio, separados por áreas verdes e plantações sem que essas venham a cobrir a visão do conjunto. Deveria ser totalmente ignorado o modelo das cidades existentes e um outro padrão de edifícios deveria ser construído.” “Todo o conjunto é ligado por ruas galerias (corredores abrigados das intempéries) que se desenvolve a partir do primeiro andar dos edifícios deixando livre o térreo para o tráfego dos coches. Não é possível descrever com exatidão a composição material do falanstério o mais importante é saber que deve ser uma obra de harmonia e de beleza, na qual todas as partes estejam perfeitamente conformes ao ideal da arte e ao mesmo tempo, perfeitamente apropriadas ao seu destino.”

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Fichamento

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  • A Evoluo do Urbanismo Sculo XIX

    1 - Os modelos do Pr-Urbanismo

    1.1 - O Modelo Progressista

    Segundo descreve Franoise Choay, o espao da cidade no modelo progressista amplamente aberto e ao mesmo tempo fragmentado pela presena de grandes vazios e

    reas verdes. Essa viso decorre da exigncia dos higienistas da poca como forma de

    ordenar os crescentes problemas das cidades industriais.

    O espao urbano traado a partir de uma anlise das funes humanas. Assim, seus idealizadores postulam uma separao ntida entre os locais destinados habitao, ao

    trabalho, cultura e ao lazer. Essa lgica funcional deve ser disposta de maneira

    simples. O modelo progressista tem uma esttica austera onde a beleza se subordina

    lgica e onde qualquer herana artstica do passado totalmente renegada.

    O socialista utpico Charles Fourier (1772 1837) considerado o idealizador do primeiro modelo mais detalhado do urbanismo progressista: a falange.

    A falange seria composta de uma associao livre de 1500 a 2000 pessoas. Qualquer associao com nmero de indivduos inferior a 1500 teria, segundo a teoria fourierista,

    uma escala de caractersticas e de paixes incompletas. Por outro lado, qualquer

    associao com nmero superior a 2000 indivduos estaria exposta a dicotomias que

    destruiriam a economia e produziriam a desordem. Segundo suas paixes, os membros

    das falanges se repartiriam em sries, subdividas em grupos. O motivo de suas escolhas

    estaria exclusivamente na atrao por eles provada para com as coisas, objeto de suas

    atividades, e para com os outros indivduos, associados atravs do trabalho.

    A administrao do falanstrio substitui o governo autoritrio, reduzindo-se quase que exclusivamente administrao das coisas e somente na medida em que essa

    administrao no fosse limitada aos grupos e s sries e desde que representasse o

    interesse de toda a sociedade.

    O trabalho no falanstrio produtivo, intensivo e atraente. intensivo porque emprega, desenvolve e satisfaz as paixes; atraente porque somente est submetido

    lei da preferncia pessoal.

    O plano da cidade deve ser traado em trs anis concntricos: o primeiro contm a cidade central; o segundo contm os arrabaldes e as grandes fbricas; e o terceiro

    contm as avenidas e o subrbio, separados por reas verdes e plantaes sem que essas

    venham a cobrir a viso do conjunto. Deveria ser totalmente ignorado o modelo das

    cidades existentes e um outro padro de edifcios deveria ser construdo.

    Todo o conjunto ligado por ruas galerias (corredores abrigados das intempries) que se desenvolve a partir do primeiro andar dos edifcios deixando livre o trreo para o

    trfego dos coches. No possvel descrever com exatido a composio material do

    falanstrio o mais importante saber que deve ser uma obra de harmonia e de beleza, na

    qual todas as partes estejam perfeitamente conformes ao ideal da arte e ao mesmo

    tempo, perfeitamente apropriadas ao seu destino.

  • Segundo Choay, ao contrrio da cidade ocidental tradicional e do centro das grandes cidades industriais, o modelo progressista no se constitui uma soluo densa, macia,

    mais ou menos orgnica. Esse modelo prope uma localizao fragmentada, em bairros

    atomizados, ou comunas, ou falanges, auto-suficientes, indefinidamente justapostos,

    entrecortados de espaos verdes.

    1.2 - O modelo Culturalista

    O modelo culturalista tem como ponto de partida no apenas a situao do indivduo em si, mas a totalidade do agrupamento humano, a cidade. Ao contrrio do modelo

    progressista, cada indivduo tem suas caractersticas prprias, sua individualidade que o

    torna insubstituvel dentro de sua comunidade. A principal premissa ideolgica deste

    modelo no o conceito de progresso, mas o de cultura. Nesse modelo a preeminncia

    das necessidades materiais desaparece diante das necessidades espirituais. Da prever

    que o planejamento urbano ser realizado de acordo com modalidades menos

    rigorosamente determinadas sem, no entanto, deixar de apresentar um certo nmero de

    determinaes espaciais e de caractersticas materiais a fim de poder alcanar a bela

    totalidade cultural, concebida como um organismo onde cada um mantm o seu papel

    original.

    Em oposio aglomerao do modelo progressista, a cidade culturalista encontra-se bem circunscrita no interior de limites precisos. Ela deve formar um claro contraste com

    a natureza que se procura preservar no estado mais selvagem. As suas dimenses so

    modestas, inspiradas em cidades como Oxford e Rouen. A populao descentralizada

    e dispersa em uma multiplicidade de pontos. O seu plano no admite nenhum trao de

    geometrismo e somente atravs da ordem orgnica possvel integrar as heranas da

    histria e as particularidades da paisagem.

    Segundo analisa Choay, no plano poltico, no modelo culturalista a idia de comunidade substituda por frmulas democrticas. No plano econmico, a nfase

    dada ao antiindustrialismo: a produo deixa de ser encarada estritamente do ponto de

    vista do rendimento mximo.

    O importante a ser destacado que todos os pensadores deste perodo imaginam a cidade como modelo, a cidade ao invs de ser pensada como processo ou problema

    sempre colocada como objeto reprodutvel.

    1.3 - Crtica de Marx e Engels

    Para estes pensadores a cidade constitui o lugar da histria. O horizonte da cidade a tela de fundo sobre a qual se desenha o conjunto do pensamento histrico e poltico

    desses pensadores.

    O papel histrico da cidade do sc. XIX a expresso de uma ordem que precisa ser ultrapassada. A cidade apenas o aspecto particular de um problema geral e sua forma

    futura est ligada ao advento da sociedade sem classes. Portanto, torna-se intil prever

    um planejamento futuro sem qualquer tomada de poder revolucionrio.

  • 2 - O Urbanismo

    Nesta fase assistia-se a uma transformao do contexto poltico e econmico mundial.

    O capitalismo liberal onde as aes do livre mercado se sobrepunham ao poder do Estado progredia para a fase do capital monopolista, onde o mercado era dominado por

    conglomerados econmicos. O papel do Estado transforma-se passando de rbitro

    imparcial para assumir maior controle da circulao do capital servindo aos interesses

    da parcela que detm o poder.

    Neste contexto, o desenvolvimento das foras produtivas exigia a reorganizao espacial das cidades e sua infraestrutura para reproduo do capital. Observava-se

    tambm o aumento da preocupao com o trabalho na fbrica e intensificava-se a

    necessidade de ordenamento urbano.

    O urbanismo deste perodo, nas primeiras dcadas do sculo XX, estava concentrado nas mos dos especialistas, os arquitetos. Ao contrrio do urbanismo do sc. XIX, este

    novo movimento despolitizado. Essa transformao do urbanismo pode ser explicada

    pela evoluo da cidade industrial nos pases capitalistas.

    Em resumo, conforme descrito no pargrafo anterior, Franoise Choay considera que o

    que difere o urbanismo do pr-urbanismo se concentra em dois aspectos:

    O urbanismo passa a ser uma atividade de especialistas os arquitetos O urbanismo distancia-se da utopia e passa a ser encarado como prtica.

    2.1 - O Novo Modelo Progressista

    O importante expoente da nova verso do modelo progressista foi o arquiteto Tony Garnier. La Cit Industrielle proposta por ele deveria no s ser erigida com novos

    materiais descobertos a partir da Revoluo Industrial, como tambm o seu urbanismo

    deveria refletir toda a racionalidade da produo industrial.

    O programa idealizado por Garnier propunha uma cidade moderna, tendo a indstria como principal elemento estruturador do espao. A cidade foi idealizada para uma

    populao de 35.000 habitantes, por considerar que um aglomerado urbano menor no

    teria os problemas que gostaria de abordar arquitetonicamente, e ao mesmo tempo, por

    considerar que uma cidade maior seria impossvel de ser administrada da forma que ele

    desejava.

    O arquiteto tambm propunha uma microregio, campos de lavoura para a subsistncia da populao, um rio para o transporte dos produtos industrializados, um afluente para a

    produo de energia eltrica e aquecimento para a cidade. Em contraposio ao

    contexto da poca, onde o planejamento das cidades era bloqueado pela propriedade

    privada da terra, Garnier previa como de responsabilidade pblica o fornecimento dos

    servios de transporte e infraestrutura e a definio do uso do solo e seu loteamento.

    Enfim, previa a entrada do Estado nas solues tcnicas.

    A idia chave do urbanismo progressista a idia de modernidade. Na publicao de Lesprit nouveau, Le Corbusier traduz esta idia em dois campos: a indstria e a arte de

    vanguarda (na ocasio, o cubismo e suas derivaes).

  • Neste momento, o interesse dos urbanistas desloca-se das questes econmicas e sociais para as questes tcnicas e estticas. Para estes urbanistas a cidade do sc. XX

    anacrnica pois sua estrutura no est adaptada ao automvel e sua arquitetura no

    acompanha a arte de vanguarda. Portanto, a cidade industrial precisa realizar a

    revoluo industrial: no basta apenas utilizar novos materiais, mas sobretudo utilizar os

    mtodos e tcnicas da estandartizao e mecanizao da indstria. Percebe-se, a partir

    da uma ruptura entre a pesquisa de novas formas e prottipos e as artes plsticas.

    Movimentos como os preconizados pela Bauhaus e o Purismo de Le Corbusier propem

    uma nova relao com o objeto, baseada na concepo austera e racional da beleza.

    A indstria e a arte unem-se, no seu intento universal confirmando a concepo dos urbanistas progressistas do homem-tipo, do homem universal. Essa imagem do homem-

    tipo est presente na Carta de Atenas que analisa as necessidades universais do homem,

    quais sejam: habitar, trabalhar, locomover-se, cultivar o corpo e o esprito.

    A cidade progressista no est ligada tradio cultural, ela visa ser a expresso da liberdade da razo a servio da esttica e da eficcia.

    Assim como na poca de Fourier, novos tipos de habitat so estudados entre eles, o mais elaborado constitui a unidade de habitao ou cidade radiosa, realizada em Marselha, Nantes, Briey e Berlim e que mais tarde veio a inspirar o plano piloto de

    Lcio Costa em Braslia. A unidade , em muitos aspectos, uma verso modernizada do falanstrio, marcada, sobretudo, pelo avano da tcnica onde a horizontalidade

    substituda pela verticalidade com a inveno do concreto armado e do elevador.

    2.2 - O Novo Modelo Culturalista

    O espao do modelo culturalista ope-se ponto por ponto ao modelo progressista. As cidades possuem limites precisos e esto circunscritas em cintures verdes.

    A cidade ocupa um lugar particular e diferenciado; a importncia do que os culturalistas atribuem individualidade.

    O modelo culturalista teve como principais expoentes: Camillo Sitte e Ebenezer Howard. Este modelo tinha como princpios bsicos: a totalidade e a cultura. A

    totalidade estava explcita na idia de que o todo (a cidade) deve prevalecer sobre as

    partes (o indivduo), o conceito cultural implica que a cultura deve prevalecer sobre a

    noo material da cidade. Numa clara oposio ao modelo progressista, este modelo

    apresentava-se como bem mais despolitizado, enfatizando uma abordagem esttica.

    Para Howard, especificamente menos preocupado com arquitetura e urbanismo, as cidades-jardins eram uma alternativa para a cidade industrial no apenas do ponto de

    vista formal, pois constituam sobretudo uma proposta que rejeitava os desequilbrios e

    modos de vida inerentes a ela. Uma dimenso importante e fundamental de sua teoria

    dizia respeito a proporcionar moradias dignas para as classes trabalhadoras. A cidade-

    jardim foi projetada para compor-se como uma comunidade moralmente equilibrada e

    autnoma, na qual as habitaes seriam alugadas atravs de cooperativas. A cidade

    deveria oferecer recursos industriais e agrcolas. Os jardins amplos junto s casas no

    deveriam ser apenas espaos naturais, mas hortas a prover alimentao. A dimenso e o

  • crescimento da cidade seria controlado por um cinturo verde, j que a perda da escala

    humana nas grandes cidades era condenada.

    O modelo culturalista foi intensamente criticado por seu apego ao historicismo e sua obsesso por problemas estticos. No caso das garden-cities, a crtica se faz ao controle

    exigido na expanso urbana e sua estrita limitao que seriam incompatveis com as

    necessidades do desenvolvimento econmico.

    2.3 - O Modelo Naturalista

    O modelo naturalista de cidade propunha uma volta do homem natureza rejeitava tambm o modelo da cidade industrial, tida como alienadora do indivduo.

    Gradativamente, a partir do sc. XIX, percebe-se o crescente questionamento com relao viso antropocntrica de que a flora e fauna existiam exclusivamente para

    satisfazer as necessidades do homem. Desde a Idade Mdia o mundo europeu era

    totalmente dependente dos animais. Nessa poca, predominava a viso de que a

    natureza estava destinada a servir a algum propsito humano, seno prtico, ao menos,

    esttico e moral.

    K. Thomas afirma que esse pressuposto foi paulatinamente modificado por uma combinao de vrios processos. O primeiro deles se deve ao desenvolvimento da

    Histria Natural, estudo cientfico dos animais e vegetao. Iniciou-se ento um perodo

    decisivo para a ruptura entre as vises popular e erudita do mundo natural. O segundo

    aspecto, ligado principalmente estreita convivncia da sociedade dos Scs. XVIII e

    XIX com os animais domsticos, foi a sensvel mudana em relao ao tratamento

    destes, atribuda a uma ampliao da fronteira com a preocupao moral, do modo de

    compreender outras espcies, alm da humana. O terceiro aspecto est ligado ao

    crescimento das cidades no perodo da era moderna e emergncia de uma ordem

    industrial onde os animais estavam cada vez mais marginais ao processo de

    industrializao.

    Novas fontes de energia passaram a ser usadas, dentre elas o vapor e a fora hidrulica, os animais passaram cada vez mais a serem vistos como animais de estimao. O

    crescimento urbano e o aumento da poluio passaram a ameaar o harmonioso

    convvio do homem com a natureza. O ideal em voga passa a ser de que uma cidade

    bela teria uma aparncia rural, o mais prximo possvel da paisagem natural.

    importante mencionar que a partir de meados do sculo XIX, quando os meios tcnicos de interveno na paisagem assumem uma importncia nunca antes

    experimentada, e, com o aprofundamento da diviso social do trabalho imposta pelo

    desenvolvimento capitalista, que a arquitetura da paisagem comea ser comentada como

    campo de atividade profissional.

    Frank Lloyd Wright critica a cidade industrial e defende o contato com a natureza como a grande sada para devolver o homem a si mesmo e permitir um harmonioso

    desenvolvimento da pessoa como totalidade.

    Ele prope que todas as funes urbanas estejam dispersas e isoladas na natureza sob a forma de unidades reduzidas. A moradia individual, no existe o apartamento, mas

  • casas particulares com espao suficiente para seus ocupantes desenvolverem atividades

    agrcolas e se dedicarem aos lazeres variados. O trabalho (oficinas, escritrios e

    laboratrio) est situado ao lado da moradia integrando unidades de tamanho reduzido e

    destinadas ao mnimo de pessoas. Wright imaginou um sistema acntrico, composto de

    elementos pontuais ligados por uma rica rede circulatria.

    A dura realidade das cidades do sculo XX demonstrou a dicotomia entre a razo e paixo existente nestes trs modelos. Eles no foram capazes de trazer solues

    grande maioria dos conflitos urbanos, posto que ignoravam a fora das relaes sociais

    e econmicas na organizao do espao. A evoluo do urbanismo indica tentativas de

    superar essas limitaes incorporando as emergentes tcnicas do planejamento.