A ExclusãO Do Negro 1850 1888...

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ECONÔMICA DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRADO A EXCLUSÃO DO NEGRO - 1850-1888: UMA INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA DAS LEIS ABOLICIONISTAS ALUNO: Lauro Cornélio da Rocha ORIENTADOR: Prof. Dr. Wilson do Nascimento Barbosa São Paulo, julho de 1999.

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULOFACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANASDEPARTAMENTO DE HISTÓRIAPÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ECONÔMICADISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRADO

A EXCLUSÃO DO NEGRO - 1850-1888:UMA INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA DAS LEIS ABOLICIONISTAS

ALUNO: Lauro Cornélio da RochaORIENTADOR: Prof. Dr. Wilson do Nascimento Barbosa

São Paulo, julho de 1999.

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Agradecimentos

Aos funcionários das Bibliotecas da Faculdade de Direito – USP,da Biblioteca de História e Geografia da Faculdade de Filosofia

Letras e Ciências Humanas – USP

Aos meus Amigos que ao longo do processo de construção dadissertação incentivaram e contribuíram na discussão.

Ao Professor Wilson, Orientador e Companheiro,pela sua dedicação, paciência e por ter acreditado.

A minha companheira Lúcia, minha filha Aisha e Harumi que estava em processo de gestação no momento da conclusão. Obrigado

por abdicarem de parte do nosso tempo juntos para tornar possível a realização do trabalho.

“ ... Aqui onde estão os homensDe um lado cana-de-açúcar

Do outro lado cafezalAo centro senhores sentados

Vendo a colheita do algodão brancoSendo colhido por mãos negras

Eu quero ver...Quando Zumbi chegar...”

Jorge Ben

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RESUMO

A dissertação estuda a elaboração dos textos legais que organizaram institucionalmente desarticulação da escravidão no Brasil, após a imposição do fim do tráfico de escravos, pelo Bill Aberdeen, da Inglaterra. O pânico gerado entre os escravistas levou progressivamente à Lei Eusébio de Queiroz, que legalizou domesticadamente o Bill, (1850), à Lei do Ventre Livre (1871), dos Sexagenários (1885) e à Lei Áurea (1888).

O processo institucional de regular, através de legislação, o fim da escravidão, permitiu ao Estado Imperial encontrar um elemento de diálogo e reflexão com as elites escravistas desesperadas e, estabelecer um contato político com a massa negra escravizada. Este ponto de contato foi o Abolicionismo. Através deste movimento, os negros foram conduzidos para fora do mercado escravista, sem quaisquer ganhos adicionais, e permitindo a transição regulatória para o industrialismo.

A dissertação examina este processo através dos debates das referidas leis, nas sessões do Senado e da Câmara dos Deputados do Império.

SUMMARY

The essay studies the preparation of legal texts that organized the disarticulation of slavery in Brazil after the imposition for the end of slave traffic, made by Bill Aberdeen from England. The panic generated among the proslavers gradually lead into some laws, such as “Lei Eusébio de Queiroz, which legalized Bill’s statu in Brazil in 1850; and then “Lei do Ventre Livre” in 1871; “Lei dos Sexagenários” in 1885 and finally “Lei Áurea”in 1888.

The instutucional process to legalize the end of slavery through legislation, allowed the Empire State to find an element of dialogue and reflection with the proslavers elites, and therefore to establish a political contact with the slave population. This contact was the Abolicionism. Thoughout this movement, the blacks were taken out of the slave market with no additional earnings and thus allowing the regulatory transition to the industrialism.

The essay examines this process through debates related to the laws mentioned above, as well as in sessions in the Senate, and in the House of Deputies of the Empire.

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INDICE

Introdução ..........................................................................................................08

Capítulo I: Contexto Histórico Internacional

1.1 – Considerações Iniciais ...................................................................121.2 – O Domínio Português sobre o Tráfico ..........................................121.3 – Os Ingleses e o Tráfico ..................................................................131.4 – O Mundo Colonial e a Repressão ao Tráfico ...............................14

1.4.1 – O Poderio Inglês na Repressão ao Tráfico .........141.4.2 – A Tentativa Inglesa: Tratados para o fim do

Tráfico para o Brasil .............................................151.4.3 – Resposta Brasileira: Projeto para Extinção do

Tráfico ...................................................................161.5 – O Brasil: Pacto com a Ilegalidade .................................................181.6 – O Brasil: Fim do Direito de Visita e Busca ..................................181.7 – A Reação Inglesa ...........................................................................201.8 – A Resistência Brasileira ao Bill ....................................................21

1.8.1 – A Legislatura de 1846 ........................................221.8.2 – A Legislatura de 1847 ........................................241.8.3 – A Legislatura de 1848 ........................................241.8.4 – Discussão sobre um Apresamento .....................25

1.9 – Brasil - Estados Unidos: “Repúdio” ao Tráfico ............................281.10– O Parlamento e sua Visão da Emancipação em outros Países .301.11– O Brasil, o Tráfico e a Industrialização ....................................321.12– Notas do Capítulo .....................................................................34

Capítulo II: Lei n.º 581 de 04 de setembro de 1850

2.1 – Considerações Iniciais ...................................................................362.2 – O projeto do Senado na Câmara dos Deputados em 1848 ............36

2.2.1 – O Artigo Primeiro ...........................................................382.2.2 – O Artigo Segundo ...........................................................442.2.3 – O Artigo Terceiro ............................................................452.2.4 – O Artigo Quarto ..............................................................472.2.5 – O Artigo Quinto ..............................................................472.2.6 – O Artigo Sexto ................................................................482.2.7 – O Artigo Sétimo ..............................................................502.2.8 – O Artigo Oitavo ...............................................................502.2.9 – O Artigo Nono .................................................................51

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2.2.10 – O Artigo Dez .................................................................512.2.11 – O Artigo Onze ...............................................................512.2.12 – O Artigo Doze ...............................................................522.2.13 – O Artigo Treze ..............................................................52

2.3 – A Aprovação do Projeto em 1850 .................................................532.3.1 – A Discussão do Artigo Treze em 1850 ...........................532.3.2 – O Projeto no Senado e Sanção Imperial ..........................57

2.4 – Crédito para Repressão ao Tráfico ................................................572.4.1 – Parecer das Comissões ....................................................582.4.2 – Visão sobre o Africano ....................................................592.4.3 – O Apoio da Opinião Pública ...........................................602.4.4 – Um Governo Tolerante

....................................................602.4.5 – Recuperação da Imagem do Brasil ..................................61

2.5 – Um Projeto de Libertação de Escravos .........................................622.6 – Discussões acerca da Lei de 07 de novembro de 1831 .................63

2.6.1 – Os Objetivos da Lei .........................................................632.7 – Uma Interpretação da Lei ..............................................................65

2.7.1 – Fatores para o Fim do Tráfico .........................................652.7.2 – Os Africanos Livres ........................................................67

2.8 – Tráfico Interprovincial ..................................................................672.8.1 – O Tráfico: Mudança no Eixo de Produção ......................672.8.2 – O Conflito entre Norte e Sul ...........................................682.8.3 – O Tráfico e o Crescimento das Idéias Emancipacionistas........................................................................69

2.9 – A Lei ..............................................................................................712.10 – Notas do Capítulo ........................................................................73

Capítulo III – Lei n.º 2040 de 28 de setembro de 1871

3.1 – Considerações Iniciais ...................................................................753.2 – A Perspectiva da Extinção Gradual ...............................................75

3.2.1 – Apresentação de Projetos ................................................763.2.2 – O Parecer da Comissão de 1870 ......................................79

3.3 – O Projeto do Governo ...................................................................843.3.1 – A Comissão Especial de 1871 .........................................843.3.2 – Emancipação: O que se Pode Fazer ................................85

3.4 – “O Governo da Desordem”............................................................863.4.1 – Em defesa da Classe ........................................................86

3.5 – O Parecer da Comissão de 1871 ....................................................873.5.1 – Resolução do Problema na Perspectiva da Comissão .....87

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3.5.2 – Avaliação do Projeto do Governo e Emendas da Comissão......................................................................................89

3.6 – Solicitação do Governo .................................................................933.6.1 – Discussão Parlamentar do Projeto do Governo ...............93

3.7 – O Perigo do Projeto .....................................................................1013.8 – A Viabilidade do Projeto .............................................................102

3.8.1 – Emancipação: Intervenção Versus Caridade .................1033.8.2 – Conselho de um Partidário ............................................1033.8.3 – Em Favor do Ventre Livre ............................................1043.8.4 – A Preocupação com os Proprietários ............................104

3.9 – Aprovação do Projeto ..................................................................1053.9.1 – O Artigo Primeiro .........................................................1053.9.2 – Os outros Artigos: Breve Citação .................................105

3.10 – Resistência Escrava ...................................................................1073.11 – Movimento Abolicionista ..........................................................1083.12 – Situação de Vida do Liberto ......................................................1103.13 – Uma Interpretação da Lei ..........................................................112

3.13.1 – Do Terror e do Medo ...................................................1123.13.2 – Em Nome do Partido Conservador .............................1133.13.3 – Os Proteladores da Reforma ........................................1133.13.4 – Os Pessimistas .............................................................113

3.14 – A Lei ..........................................................................................1153.15 – Notas do Capítulo ......................................................................119

Capítulo IV: Lei n.º 3270 de 28 de setembro de 1885

4.1 – Considerações Iniciais .................................................................1214.2 – A Fala do Trono ..........................................................................1214.3 – O Projeto 15 de Julho de 1884 ....................................................122

4.3.1 – Algumas Idéias do Projeto ............................................1224.3.2 – Entraves para Discussão do Projeto ..............................123

4.4 – O Novo Ministério ......................................................................1324.4.1 – O Programa do Ministério ............................................1334.4.2 – Avaliações do Ministério Anterior ................................1334.4.3 – Proposta de Consenso ...................................................134

4.5 – O Projeto 12 de Maio de 1885 ....................................................1354.5.1 – Formação da Comissão Especial ...................................1404.5.2 – Um Projeto Alternativo .................................................1424.5.3 – O Projeto em Primeira Discussão .................................1434.5.4 – O Projeto em Segunda Discussão .................................1514.5.5 – O Projeto em Terceira Discussão e sua Aprovação ......161

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4.6 – O Pedido de Demissão do Ministério 06 de Maio ......................1614.7 – O Gabinete Provisório e a Moção de Desconfiança ...................1624.8 – O Projeto no Senado ...................................................................163

4.8.1 – Formação da Comissão Especial ...................................1634.8.2 – Aprovação do Projeto no Senado e sanção Imperial .....164

4.9 – Uma Interpretação da Lei ............................................................1644.10 – Resistência Escrava ...................................................................1684.11 – Movimento Abolicionista ..........................................................1714.12 – A Lei ..........................................................................................1734.13 – Notas do Capítulo ......................................................................179

Capítulo V: Lei n.º 3353 de 13 de maio de 1888

5.1 – A Fala do Trono ..........................................................................1825.2 – A Derrubada do Gabinete 20 de Agosto .....................................1825.3 – O Novo Ministério: 07 de Março ................................................183

5.3.1 – A Proposta de Abolição ................................................1845.4 – Abolição: Momento da Pátria .....................................................1855.5 – Mesmo não Convertido: “Voto no Projeto!” ..............................1885.6 – A Proposta do Governo ...............................................................189

5.6.1 – Formação da Comissão Especial ...................................1895.7 – Opinião de um Abolicionista .......................................................1905.8 – O Projeto no Senado ....................................................................191

5.8.1 – Formação da Comissão Especial ...................................1925.9 – A Discussão no Senado ...............................................................1925.10 – “O Golpe Final” ........................................................................1945.11 – Em Defesa dos Ex-senhores ......................................................1955.12 – Congratulações ..........................................................................1965.13 – A Pressão do Escravos ..............................................................197

5.13.1 – Alternativa Paulista .....................................................1975.13.2 – O Movimento no Rio de Janeiro .................................199

5.14 – Movimento Abolicionista ..........................................................2005.15 – Uma Interpretação da Lei ..........................................................2015.16 – A Lei ..........................................................................................2045.17 – Notas do Capítulo ......................................................................205

Conclusão ........................................................................................................206

Bibliografia .....................................................................................................208

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Introdução

A exclusão do negro enquanto tema de estudos, alcançou espaço nacional e internacional na imprensa e em debates , sobretudo pós-Centenário da Abolição e comemoração do Tricentenário de Zumbi dos Palmares. Discutida nos mais diferentes círculos de intelectuais e órgãos de governo, em congressos e simpósios e estudada por especialistas de diversas disciplinas, no campo das Ciências Humanas. A sociedade brasileira, na fase de desenvolvimento em que se encontra, requer estudos e pesquisas neste sentido, uma vez que conflitos, hoje explicitados ou camuflados, estão diretamente ligados ao passado escravista.

A formação da sociedade brasileira no Novo Mundo, foi fundada sobre o extermínio e a exploração dos indígenas e do elemento escravo, de origem africana.

A necessidade de buscar a gênese ou explicações para o processo de exclusão, levou-nos a concentrar nossa pesquisa no século XIX. Visamos, em nosso trabalho, uma interpretação histórica da decomposição do sistema escravista, no aspecto institucional a partir das leis abolicionistas de caráter nacional. Isso perpetuou a exclusão sócio-econômica e política do negro. Durante o percurso, buscamos tornar relevante o exame do contexto histórico nacional e internacional, em que está inserido o processo abolicionista e a estrutura econômica, que se refere às condições de vida do negro na escravidão.

A pretensão do trabalho é desenvolver um estudo das ligações existentes entre as leis jurídicas que puseram fim à escravidão e o contexto histórico do Brasil no século XIX. As leis produzidas em um contexto sócio-político europeu (ou de matizes europeus) devem ser vistas como expressão de interesses econômicos e indicadoras de comportamentos sociais. Se por um lado, vamos tentar compreender os motivos das elites políticas (elaboradoras das leis), por outro, teremos que analisar o papel dos grupos dominados através da experiência de resistência, pressão, rebelião e aquiescência com relação às mesmas. Para tanto, pretendemos reunir informações de outros autores sobre o tema e ampliá-las, na medida em que os trabalhos desenvolvidos hajam analisado o processo de elaboração das leis. O escravo não tem figurado aí como agente histórico, que interferiu no processo de Abolição.

Afirmamos a dificuldade para examinar as mudanças no sistema jurídico escravista, sem considerarmos a participação do negro escravo, no contexto das amplas transformações da época. A amplitude do tema nos permite analisar com mais propriedade a ação de alguns parlamentares, no que tange ao processo de elaboração e aplicação das leis. Quanto à interferência dos escravos no processo de abolição, devido a diversificação de tarefas, escolheremos os escravos do eito, grupo que atuava diretamente na produção agrícola. A agricultura era considerada pelo Governo e pelo Parlamento, a nossa principal indústria; e, de certa forma, esses escravos

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influenciaram mais radicalmente na mudança da economia nacional, pela desorganização do trabalho.

A leitura atenciosa da imprensa da época, dos documentos da polícia, etc, confirma aquilo que se percebe na leitura dos Anais das sessões da Câmara e do Senado Vitalício do Império. O processo de elaboração legal, por parte daquelas instituições, sob o comando do poder executivo e moderador, de um caminho para escapar do soçobro da imigração forçada de escravos, produziu um caso extraordinário de transição do Estado e da sociedade, do domínio do capital mercantil, para o domínio do capital industrial. O historiador Wilson Barbosa, em “A Crisálida”, chama atenção para este aspecto autoregulatório do Estado e da dominação brasileira. No entanto, após cinco anos de trabalho e de leituras cuidadosas, o Autor destas páginas deve manifestar a surpresa com que esta “manobra estratégica de sobrevivência” foi sendo pouco a pouco elaborada e executada.

A Inglaterra, com o Bill, lançou o Império escravista no caminho da ruína. Era ilusão dos estrategistas britânicos que o Império soçobrasse, fosse a pique, dividido numa série de republiquetas. Lançada assim à beira da ruína, a instituição e habilidade de homens como Pedro II, Souza Franco, Mello Franco, Theodoro Pereira da silva, Perdigão Malheiro, Moraes Sarmento, e muitos outros que aqui poderão ser encontrados, constróem uma ponte sobre o abismo. Não podemos deixar de reconhecer que esta ponte, jóia manipulatória, expressa uma das mais brilhantes soluções regulatórias para a crise de expansão dos Estados Nacionais do século XIX. Infelizmente, a matéria prima de tal ponte foi o destino e a caveira de milhões de negros escravos.

A historiografia recente tem desenvolvido estudos e pesquisas sobre a Escravidão no Brasil, apontando principalmente três tendências: (a) o escravo como acomodado ao sistema; (b) o escravo enquanto fator de ruptura com o sistema; e (c) o escravo como co-autor da ruptura com o sistema escravista. Iremos recorrer a uma série de documentos primários escritos e impressos alusivos ao período em estudo; dentre eles merecem destaque a Coleção de Leis do Império do Brasil e Anais da Câmara dos Deputado e do Senado.

Em nossa análise, consideramos o contexto sócio-econômico e político, como fator fundamental no processo de elaboração e aplicação da lei. Isso nos obriga a afirmar a lei para além de um conjunto de regras ditadas por quem detém o poder, mas como instrumento que busca obter o controle social - resolver os conflitos de interesses que ocorrem no meio social - e a ordenação de um projeto político, na visão dos que tem o poder de elaborá-la.

O valor de estudos referentes ao período escravista - ou parte dele - tem objetivado demonstrar o quanto a exploração e submissão esteve presente na vida do africano e seus descendentes. O peso das ideologias racistas, a busca de justificativas para interesses políticos, econômicos e sociais e também manifestações dos grupos explorados no sentido de sair do jugo da dominação.

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Este trabalho, em particular, refere-se ao processo legal de discriminação dos negros, negando-se-lhes direitos iguais aos demais membros da sociedade. Eram apontados - dentro e fora do Parlamento - como brutais, estúpidos, sujos e imorais.

Presumimos, em linhas gerais, serem esses os parâmetros pelos quais direcionaremos nossa pesquisa. Focalizaremos a legislação nacional, buscando suas peculiaridades locais quando relevante, bem como, observaremos os mecanismos de controle exercidos e desencadeadores de mudanças sociais.

Objetivos

a) Comentar e interpretar as Leis Abolicionistas, apresentadas como boas para os negros cativos, pelas camadas deliberantes, mas que podem ter funcionado como mecanismo de controle e manutenção do negro nos estratos inferiores da sociedade, pois não vieram acompanhadas de políticas que modificassem sua situação sócio-política e econômica;b) Verificar se o processo de institucionalização da liberdade - apresentado como dádiva - amorteceu a luta, ou, se ao contrário, a situação de vida do negro no Brasil ficou resolvida com as Leis Abolicionistas;c) Promover um debate em torno das Leis Abolicionistas, analisando visões do Parlamento - Câmara dos Deputados e Senado - e veículos de comunicação da época. Confrontando mecanismos de preservação da hegemonia das classes dominantes com a possibilidade de forjar a cidadania negra;d) Avaliar o papel das organizações abolicionistas como força sócio-política e/ou econômicas com real poder de intervenção quanto a ruptura com o processo escravista.

Justificativa

A importância de se estudar o processo da exclusão do negro com referência às leis abolicionistas se justifica tendo em vista os seguintes traços:a) Ações em setores distintos da sociedade foram fundamentais para a ruptura do sistema escravista. Por um lado, pressões externas tiraram a homogeneidade da opinião pública favorável à permanência do regime escravocrata. Surgem ações abolicionistas dedicadas a coleta de donativos para alforrias e à luta parlamentar. Por outro, o conteúdo revolucionário das lutas de grande número de escravos que se aquilombavam, demonstrando explicitamente a contestação ao sistema.b) A evolução da consciência do escravo, traduzida pelo número de ações coletivas, não podiam - por si só - alcançar a formulação abrangente de uma proposta de transformação da sociedade. Não dispunham de condições estruturais para formular um projeto nacional e ultrapassar o âmbito regional ou local. Já o movimento abolicionista, mesmo com seus equívocos - centrado na construção de uma nação

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moderna e não no homem-escravo - foi capaz de construir uma luta de expressão nacional.c) Mas, vindas de baixo, as ações dos escravos empurravam o movimento abolicionista e constituíram o fator principal para justificar a hostilidade dos grupos radicais, contra os defensores da “emancipação gradual e indenizada”. Não raro, esses abolicionistas apelavam para a ameaça de ampliação da violência dos oprimidos para intimidar os adversários.d) De forma peculiar, o movimento abolicionista penetrou no aparelho repressor e judiciário do Estado-escravocrata. Escravos começaram a ganhar causas nos inquéritos e pleitos judiciais. Apesar de ameaças, pressões e agressões físicas dos escravocratas.e) A ação de um abolicionismo militante, conjugada a ação autônoma dos escravos foi fundamental para a ruptura da escravidão: fugas individuais, abandono em massa das fazendas, incêndios em canaviais e plantações, confrontos armados, grandes atos de propaganda, tribunas, projetos legislativos, brechas no aparelho do Estado, efetivaram o processo abolicionista.f) A sobrevivência do Estado brasileiro, transformando-se de “Imperial” para “Republicano”, foi o coroamento da manipulação da Abolição, enquanto revolução democrática controlada e domesticada; a perda, para as classes dominantes, foi mínima; e para suas vítimas, os negros escravos, foi máxima. Trata-se de um exemplo extremo de regulação, na história.

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Capitulo I: Contexto Histórico Internacional“Pressão para Abolição”

1.1 – Considerações Iniciais

O presente capítulo se refere a atitude da Inglaterra que liderou através de tratados e da pressão bélica o processo de estrangulamento do tráfico.

Trataremos das relações travadas com o Brasil, a obrigatoriedade do mesmo entrar no processo de repressão legal, forçado pelo “Bill Aberdeen” e o comportamento do Parlamento brasileiro frente a possibilidade de extinção do tráfico.

1.2 – O Domínio Português sobre o Tráfico

As cortes reunidas em Évora no ano de 1472, solicitaram ao rei que não consentisse a reexportação para a Espanha de negros trazidos da África. Recusou-se D. Afonso a deferir-lhes o pedido, mas no entanto, pela dificuldade dos cofres públicos portugueses relacionada aos descobrimentos e conquistas, e, pelo interesse de mercadores, orientou no sentido de fazer dos negros mercadoria comercial. A descoberta da América, abriu novas e quase infindas possibilidades à colocação do produto africano no mercado, robustecendo a orientação de venda dos negros a estrangeiros.

Os portugueses estavam empenhados em abarrotar as Índias de Castela de negros, enquanto deixavam em crise de braços a Colônia recém-descoberta. Pois, o valor do escravo nas Índias fazia com que os traficantes não tivessem razões para desviar o tráfico para o Brasil. O mercado brasileiro não poderia se comparar ao das florescentes colônias espanholas.

O Governo português, pela lei de proteção ao tráfico, não permitia que donatários das capitanias brasileiras pudessem importar negros por conta própria, embora estes nunca deixaram de clamar contra a falta de negros para o trabalho nas terras e engenhos.

Somente a partir de 1559, a Corte praticou um ato em favor do trabalho escravo na Colônia. Permitiu que cada senhor de engenho pudesse resgatar até 120 escravos, pagando um terço dos direitos. O Brasil só foi olhado de forma diferente, quando Portugal perdeu a supremacia nos mares; quando os lucros da exploração do tráfico de escravos passou em parte, para Holanda, França e principalmente, Inglaterra.

Os portugueses no primeiro momento foram os donos do negócio. De suas feitorias saíram negros batizados ou não, para satisfazer os pedidos vindos da América. Eles transformaram o negro em mercadoria vendável e negociável, como ouro, marfim ou malagueta. Era nos imensos reservatórios da África que retiravam o material humano necessário para a exploração do continente americano.

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Iniciaram o tráfico de negros, que eram vendidos aos colonos das possessões espanholas, necessitados de braços. Das feitorias africanas, não cessava a saída de negros para a Espanha, revestindo direta ou indiretamente parte dos lucros a Portugal.

Neste sentido, o processo de desenvolvimento do Novo Mundo passou a depender cada vez mais dos negros a escravizar:

“ o trabalho de um deles é superior ao de quatro indígenas, consignava Herrera. Se faltam os pretos, escrevia de Bayamo, bispo de Cuba, não haverá sequer vinho para dizer a missa.” 1

Os negros eram usados no trabalho das minas, nos engenhos de açúcar, na pesca às pérolas, na cultura do tabaco, nas lavouras de milho e algodão, nas obras públicas, nos mosteiros, nas igrejas, ou seja, a vida no Novo Mundo dependia do trabalho do negro escravizado.

Os interesses portugueses foram valorizados quando a Igreja de Roma, em 1537, declarou que a ninguém era lícito, sob pena de excomunhão, perturbar os aborígenes da América no gozo de sua liberdade natural; tal como a receberam das mãos de Deus. Essa decisão, ainda que implicitamente, foi um consentimento ao tráfico de africanos e satisfez aos interesses do monarca português. Proibindo a exploração do indígena, mais africanos seriam necessários aos colonos. Além das vantagens oferecidas pelos negros no trabalho, acrescentava-se a possibilidade de explorá-los sem a ameaça do inferno e, consequentemente, o aumento dos lucros da Coroa.2

Houve aumento do preço do escravo. O Governo tentou tabelar o preço através de legislação, mas a atitude trouxe consigo o afastamento dos traficantes, obrigando-o a revogação da lei que possibilitou a liberdade do comércio negreiro.

1.3 – Os Ingleses e o Tráfico

No começo do século XVI, a Inglaterra compreendera a importância vital do domínio das águas para a manutenção de seu comércio com o continente. Com o apoio dos soberanos, a marinha mercante inglesa, consolidou o domínio nos mares com embarcações ligeiras e bem armadas. A juventude da ilha foi atraída na busca de grandes oportunidades de lucro, ingressando no comércio de pirataria, disputando com portugueses e espanhóis a liberdade dos mares. Da Inglaterra, não cessava de partir navios para a África, embora enfrentasse problemas com Portugal, até mesmo tentativas de interrupção de tratados comerciais. 3

Além disso, a Inglaterra consolidou sua evolução política, concedeu maior participação no poder a nobres e burgueses. E, o fortalecimento da burguesia, com participação dos homens de negócio nos rumos da ação interior e o enfraquecimento do Papado nos destinos da nação, favoreceram o seu sucesso nos mares.

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Os mares que antes pareciam propriedade portuguesa e espanhola, passaram a ser disputados por outras nações, que buscavam acesso aos mercados mundiais.

Compreenderam que a verdadeira força residia no domínio das rotas marítimas, ou seja, numa poderosa frota mercante como forma de união entre as metrópoles manufatureiras e os mercados consumidores.

A Espanha, que era superior até meados do século XVI, deixou reduzir seu poderio naval e Portugal já se encontrava débil ante as pressões inglesas, fraqueza que acentuou durante os sessenta anos de dominação espanhola (1580-1640). Após a restauração Portugal iria capitular a todas as ambições das três potências marítimas do continente: perde parte da África, aliena o Império da Índia, abre seus portos a todos os competidores. A nação decaiu de negociação em negociação até o tratado de Methuen4, em 1703.

O historiador Maurício Goulart 5 fez análise histórica da perda da hegemonia portuguesa nos mares, culminando com o total domínio inglês. Portugal entregou-se à sua proteção bélica, tornou-se seu vassalo econômico concedendo privilégios comerciais, inclusive no tocante à importação de africanos.

Esse domínio permitiu a intervenção direta da Inglaterra no processo de repressão ao tráfico, e conseqüente, abolição da escravatura que se iniciou no século XIX.

1.4 – O Mundo Colonial e a Repressão ao Tráfico

Em meados do século XIX, as sociedades coloniais e semi-coloniais, por pressão, tentaram adaptar-se às novas condições do comércio internacional, com grandes dificuldades. As variações na estrutura de acumulação, da produção e da renda disponível, criaram novos mercados e premissas expansionistas. O mundo colonial deveria abrir sua economia e abandonar o escravismo, pagando os custos sócio-econômicos desde seu próprio ganho.

1.4.1 – O Poderio Inglês na Repressão ao Tráfico

Com a abolição do tráfico em 1807, a Inglaterra, não por motivos éticos, mas sim, econômicos6, partiu em defesa do africano escravizado. Aproveitou-se desta política humanitária para firmar seu domínio nos mares. Objetivava o direito de visita, busca e apreensão de navios que se dedicassem ao comércio de escravos e, através da repressão ampliar seus poderes em nome de uma “causa santa”.

As mudanças envolvidas no surgimento do Capital Industrial despersonalizaram, de certa forma, as forças econômicas e políticas em ação nas colônias. Dentro deste quadro, havia pouco espaço para continuidade do escravismo colonial.

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A Inglaterra , que nos séculos anteriores, fora a maior interessada no tráfico humano, liderou o movimento de estrangulamento e quebra da estabilidade da instituição escravista. Sob sua liderança, as oito potências - Grã-Bretanha, Áustria, Rússia, Prússia, França, Suécia, Espanha e Portugal - assinaram declaração segundo a qual o tráfico de escravos era

“repugnante aos princípios de humanidade e da moral universal, a voz pública de todos os países civilizados, clama por sua rápida supressão”. 7

O poderio inglês, enquanto nação mais desenvolvida, permitia não só a pressão diplomática sobre os governos estrangeiros para cumprir os tratados de abolição, mas também o uso de sua supremacia bélica para romper com o tráfico.

Como resultado das pressões, a Inglaterra obteve alguns tratados com nações que se responsabilizaram em extinguir esse comércio dentro de seus territórios: Espanha (1814), Portugal (1815), Brasil (1826), Rússia, Prússia e Áustria (1842) e França (1848). Em suma, no ano de 1853, a Inglaterra mantinha um total de vinte e seis tratados assinados com “nações civilizadas” e sessenta e cinco com reis africanos, que declaravam proibido o tráfico negreiro.

Foram apreendidos sessenta mil escravos tomados de navios negreiros e capturados mil e quinhentos barcos entre 1820 e 1865. Com isso, houve elevação do preço do escravo. Muitos traficantes desistiram do comércio, devido aos grandes riscos e como alternativa à mão-de-obra houve intensificação do processo migratório.

Não poderíamos dizer que toda a Inglaterra estava imbuída do processo de repressão ao tráfico. Em plena fase das ações navais do Governo inglês contra o comércio negreiro, capitais ingleses financiavam, eram utilizados e investidos no tráfico negreiro para Brasil e Cuba.

1.4.2 – A Tentativa Inglesa: Tratados para o fim do Tráfico para o Brasil

Neste contexto, se estabeleceu um conflito com Portugal, que era, no começo do século XIX, a nação mais envolvida no tráfico de escravos, sendo sua principal atividade comercial. O imposto sobre escravos representava quatro quintos da receita pública e, por outro lado, o Brasil era o maior importador de escravos do Novo Mundo.

O tratado que abriu discussão para o Bill Aberdeen 8 foi firmado em 1817 entre Portugal e Inglaterra - bem como seus artigos adicionais e separados - e “negociado” com o Brasil em 1826.

Esse tratado foi ratificado pelo Brasil em 1827. Estabeleceu que “após três anos da troca de ratificações não seria lícito aos súditos do Império do Brasil fazer o tráfico de escravos da Costa da África, sob qualquer pretexto ou maneira, sendo a confirmação deste comércio, depois da dita época, declarado e tratado como pirataria”,

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segundo o artigo primeiro do mesmo. Entre as estipulações do tratado estava a que previa formação de comissões mistas anglo-portuguesas - agora anglo-brasileiras - para exercer o direito de visita e busca, bem como o julgamento dos navios capturados no tráfico.

Um artigo em separado de 11 de setembro de 1827 convencionava que o direito de busca seria exercido durante quinze anos.

O Brasil enfrentava situação adversa, um tratado antitráfico seria impopular. A grande maioria da sociedade achava que a extinção do tráfico seria um desastre para a economia nacional. A supressão do tráfico, porém, era condição para que a Inglaterra reconhecesse a independência. O tratado obrigava o Brasil a abolir o tráfico no prazo de cinco anos.

1.4.3 – Resposta Brasileira: Projeto para Extinção do Tráfico

a) Repressão ao Contrabando

Na sessão de 13 de maio de 1831, o Sr. Odorico obteve a palavra e fez ver a Câmara que estava ocorrendo grande abuso ao introduzir africanos no Brasil por contrabando, usando para isso a bandeira portuguesa para iludir o tratado. Não era conveniente que continuasse este tráfico. Então, apresentou requerimento que tinha por fim recomendar ao Governo vigilância para evitar o contrabando de escravos.

Concluiu advertindo que isso seria coisa muito séria e que havia até negociantes que publicavam estar aprontando embarcações para o dito tráfico.9

Na sessão de 16 de junho de 1831, o Sr. Lessa, ponderando os prejuízos e males que resultariam à nação se continuasse o tráfico da escravatura, o qual era praticado ludibriando a Lei e por um modo insultante para as autoridades encarregadas de providências contra abuso tão perigoso, constatou até que “estão armando embarcações para o referido fim”. Pediu que se apresentasse algum projeto para remediar um objeto que no momento carecia de providências imediatas.

O Sr. Carneiro da Cunha lembrou que na Câmara existia um projeto vindo do Senado. O Sr. Lessa requereu que se desse o mesmo para a discussão o quanto antes.10

b) Discussão do Projeto do Senado 11

Na sessão de 05 de agosto de 1831, o Sr. Montezuma requereu que se desse para a ordem do dia o projeto vindo do Senado sobre importação de escravos, justificava que era urgente remediar o grande número deles que todos os dias se ia introduzindo em fraude da Lei, como tinha sabido ultimamente por cartas da Bahia. Ali a introdução se fazia tão às claras que até se designavam nomes os dos contrabandistas.

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Disse que ocultaria os nomes por razões que devendo cair sobre eles a pena da Lei e demais infâmia de contrabandista , não queria envolver algum que não houvesse suspeitas, reservando-se para o tempo oportuno denunciar na representação nacional os autores de tão nefando crime.

Após as reflexões disse que iria oferecer o projeto, mas antes deveria fazer algumas ponderações:

Dizia que para o Brasil eram remetidos os refugos dos libertos na União Norte-americana, que são mais peso que braços produtivos. Disse que eles estabeleceram uma república chamada Libéria para onde mandavam os libertos africanos, mas toda vez que não conseguiam mandá-los para lá, visto que não os forçavam a ir, faziam ajustes adiantando-lhes custos e os enviavam para diferentes partes do Brasil ou São Domingos.

Outro motivo que movia a apresentação do projeto era que muitos contrabandistas, vendo-se impossibilitados de continuar o tráfico, mandavam vir escravos e os declaravam na alfândega libertos de Angola, Moçambique, etc. E depois de entrarem, eram vendidos em leilões. Ou quando não chegavam aos leilões, eram vendidos de qualquer outro modo. Eles satisfaziam seu fim. Para opor a essa importação disse apresentar o projeto para julgamento urgente da Câmara, ou guardaria para outro dia.

O Sr. Rebouças disse que o mal poderia se remediar com as leis existentes, por meio de recomendação ao Governo. Acreditava ser o melhor meio de evitar males que poderiam causar aos libertos africanos, pois era sabido que estrangeiros poderiam vender a retalho em nosso país. Uma vez proibidos de vender panos da Costa, berimbaus, etc, privados dos seus meios de subsistência, sairiam imediatamente do país, “pois eles não querem trabalhar”.

Quanto aos escravos vindos da Costa da África e que eram introduzidos no Brasil com grande prejuízo para a nação, pois aumentava a imoralidade resultante do contrabando que cotidianamente se praticava e que cobria de opróbrio os seus autores, era necessário discutir o projeto sobre o assunto vindo do Senado, a fim de adotar providência simples e adequada.

Depois de algumas reflexões, decidiram que a proposta quanto aos libertos era uma indicação, que se deveria mandar imprimir, julgando-a objeto de deliberação. Então o Sr. Rebouças apresentou o seguinte requerimento:

“ Que se recomende ao Governo que faça executar as leis que proíbem os estrangeiros (com os quais não houver tratados)que vendam a retalho e mascateem neste país.” 12

Foi remetido à Comissão de Comércio e de Diplomacia.Na sessão de 22 de agosto de 1831 entrou em segunda discussão o artigo

primeiro do projeto n.º 83 vindo do Senado sobre os escravos que entrarem no

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território do Brasil, ao qual se ofereceram muitas emendas e ao final foi aprovado o artigo e as emendas do Sr. Luiz Cavalcanti.13

Na sessão de 23 de agosto entrou em discussão o artigo segundo do projeto sobre o tráfico ilícito da escravatura, foram oferecidas muitas emendas, mas ficou adiada a discussão.

Os Anais de 1831 não apresentam a continuidade da discussão do projeto. Mas para demonstrar sua “retidão de intenções”, conforme as da Inglaterra, e da observância do tratado, a Lei de 07 de novembro de 1831, foi promulgada. Ela, em suma, estabeleceu liberdade aos escravos importados a partir da referida data e penalidades para os importadores e compradores. Legalmente a abolição do tráfico era fato colocado.

1.5 – O Brasil: Pacto com a Ilegalidade

No entanto, no Brasil encorajava-se a continuação do mesmo. Tal comércio cresceu em ritmo alarmante 14. Os Governos fracos e preocupados com os conflitos internos (1831-41) abandonaram a preocupação com o tráfico.

A Câmara era formada basicamente de proprietários de terras e escravos, portanto, não tinham nenhum interesse na efetivação da Lei 15.

Apesar da ameaça de pesados castigos, tanto para importadores como para compradores, o tráfico continuou durante mais de duas décadas, mesmo declarado ilegal. O Governo brasileiro tomou medidas de contenção, mas é verdade que o tráfico continuou com liberdade quase completa, com conhecimento e aprovação do Governo, conforme escreveu o Ministro dos Estados Unidos no Rio de Janeiro em 1846:

“o próprio governo negociava com escravos, contra suas próprias leis e tratados”... “os Ministros, Conselheiros de Estado, Senadores e Delegados de Câmaras estão, sem dúvida, envolvidos nesse tráfico tão ousado quanto horroroso” .16

1.6 – O Brasil: fim do direito de visita e busca

Baseado no fato da continuidade do tráfico, o Governo inglês, iniciou negociação, visando um tratado que realmente o extinguisse. O Governo brasileiro, por seu lado, planejava tirar vantagem da oportunidade que iria se apresentar, para por fim ao direito de busca das comissões e tornar sem validade o tratado antitráfico assinado sob pressão por dom Pedro I, em 1826, pois avaliavam que o mesmo era

“altamente prejudicial aos interesses e soberania da Nação”.

Reuniu-se então, o subcomitê do Conselho de Estado - composto por três políticos conservadores, favoráveis aos grandes proprietários de terras - incumbido de

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analisar os tratados antitráfico assinados com a Inglaterra. Cinco dias depois, anunciavam, no Parecer de 09.04.1845, que o tratado de 1826 “poderia e deveria ser rescindido imediatamente”. No dia 10 de março o relatório foi aprovado na reunião extraordinária do Conselho do Estado, presidida pelo jovem Imperador dom Pedro II.

O Governo apoiou-se em quatro pressupostos, para demonstrar os abusos ocorridos na tentativa de reprimir o tráfico, os quais, alegava ser conseqüência do “direito de visita e busca”:

a) Afetou a estabilidade dos Gabinetes do Brasil;b) Enfraqueceu a força do Estado;c) Surgiram controvérsias constantes entre o Governo imperial e o governo

inglês;d) A opinião pública revoltada com o procedimento inglês e o regime dos

tratados, forçou o governo imperial a exigir a cessação do direito de visita.17

Quanto ao fim da Convenção, a imprensa também apoiou a decisão do governo brasileiro. Um exemplo foi o artigo publicado no Jornal do Comércio que dizia:

“... o fim da convenção representava um motivo de congratulações para o comércio nacional brasileiro, que estava, assim, livre dos vexames aos quais tivera sujeito pela violência dos cruzadores britânicos que o teriam aniquilado inteiramente...” 18

O artigo lembrava ainda que a partir de 1835 as violências britânicas eram exercitadas sem limites e os desrespeitos aos tratados fizeram com que a amizade entre os países sofressem grandes perdas.

A decisão do Governo foi comunicada ao Ministro inglês Charles Hamilton, estabelecendo o prazo de seis meses para as comissões mistas julgarem os navios negreiros apreendidos até 13 de março. A partir desta data, os julgamentos seriam feitos pelos Tribunais Ordinários do Brasil. Sabiam que a decisão poderia ser contestada pela Inglaterra. Garantiam, portanto, tão logo quanto possível, introduzir uma legislação mais rigorosa para a supressão do tráfico, que continuava ilegal. Declarava ainda que o Governo estava disposto a um acordo quanto a um novo tratado antitráfico, desde que “justo e razoável”.

a) Opiniões da Câmara dos Deputados

Os deputados tiveram oportunidade de expressar seus pontos de vista a respeito dos últimos acontecimentos. Embora nenhum deles defendesse explicitamente

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o tráfico, condenavam quase que unanimemente as medidas antitráfico que a Inglaterra adotara e apoiaram a determinação do Governo brasileiro em abolir o direito de busca.

Ao mesmo tempo, o debate produziu um enfático discurso abolicionista, pronunciado pelo Sr. Antônio Carlos de Andrada e Silva:

“ Sou inimigo do tráfico de escravos. Vejo neste comércio todos os males possíveis, um ataque ao cristianismo, à humanidade e aos reais interesses do Brasil. Sou homem cristão e patriota e não posso permitir isso. Esse comércio levado a cabo para benefício de uma raça é anticristão e eu não acredito que o homem tenha nascido para a escravidão. Acredito que os negros, mulatos, os verdes, se existirem, são tão bons quanto nós somos e igualmente dignos de serem livres.” 19

Era um discurso que destoava da maioria do Parlamento brasileiro. E, como patriota que era também não hesitou em condenar as ações inglesas.

Do ponto de vista prático, a Câmara dos Deputados sabia que a solução para o problema do trabalho continuava sendo o escravo, em quase totalidade das regiões do Brasil. Eram ignoradas ou toleradas transgressões de Leis e tratados antitráfico. Os proprietários tinham razões para acreditar que estavam sendo favorecidos pelo Estado, pois pouca ou nenhuma prova existia para que se tomasse qualquer medida em favor dos africanos escravizados ilegalmente.

b) Um Governo Conivente

O Governo jamais entrou em ação para devolver-lhes a liberdade. Antes de 1872, no Brasil não havia qualquer necessidade de registrar escravos e poucos eram os proprietários que tinham recibos de escravos importados ilegalmente. Contudo, a posse de tais escravos raramente era questionada, até mesmo quando a idade e origem africana era prova consistente de seu direito à liberdade. Durante quase meio século, Governo, Tribunais, o Imperador e a maioria da imprensa no Brasil ignoravam o destino dessas centenas de milhares de pessoas.

Segundo afirmações de Antônio Joaquim de Macedo Soares20 a maioria dos juízes nos tribunais ignoravam a Lei de 07 de novembro de 1831. Ações do próprio advogado Sr. Macedo Soares e do Sr. Luís Gama libertaram escravos com base na Lei, mas pouquíssimos africanos importados ilegalmente puderam beneficiar da mesma. Se aplicada, seria eqüivalente à abolição da escravatura.

1.7 –A Reação Inglesa

No Parlamento, os deputados conheciam o poder de reação dos ingleses e estavam divididos quanto a ação, caso o Governo da Inglaterra não aceitasse a

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expiração do tratado de 1817. Advertidos pelo Sr. Charles Hamilton sobre a rescisão do tratado, Lord Aberdeen e Sir Robert Peel, não pensavam em abandonar a luta pela supressão do tráfico negreiro, apoiados nos tratados já existentes e do direito internacional.

Em resposta ao comunicado brasileiro de 12 de março de 1845, Lord Aberdeen enviou um aviso ao Governo do Brasil. Ele fez um resumo da questão do tráfico e salientou os esforços da Inglaterra para tentar reprimi-lo. Confessou o fracasso em conseguir cooperação eficiente do Governo brasileiro para colocar fim a este comércio. Por fim, afirmava que a partir daquele momento o Governo inglês tomaria as medidas que julgasse necessárias para terminar totalmente com o comércio humano.

Lord Aberdeen encontrou no tratado de 1826, de duração indefinida, o que necessitava para pressionar o Governo brasileiro. O primeiro artigo dizia que o tráfico negreiro seria “...considerado e tratado como pirataria”. Nesse sentido, por consentimento de todas as nações civilizadas, navios de guerra de qualquer nação poderiam revistar e capturar navios piratas em alto mar, independente da bandeira hasteada. Para que se legalizasse a situação o Governo inglês criava uma legislação para estabelecer que tribunais deveriam julgar os navios capturados e como deveriam lidar com navios, tripulação, carregamentos e escravos.21

Os Conselheiros Jurídicos da Inglaterra, afirmavam que a Coroa:

“ adquiria o direito de ordenar a captura de todos os súditos brasileiros encontrados em alto mar traficando escravos, de castigá-los como se fossem piratas e dispor de seus navios , juntamente com as mercadorias a bordo, a eles pertencentes como bona piratoram”. 22

Os Tribunais do Almirantado seriam autorizados a julgar os negreiros brasileiros capturados após 13 de setembro de 1845, como já tinham julgado navios britânicos, portugueses e sem nacionalidade. Os navios condenados seriam colocados a serviço da Grã-Bretanha ou demolidos e vendidos publicamente em lotes separados; os oficiais britânicos seriam recompensados com os prêmios habituais e indenizados contra possíveis ações instauradas por traficantes brasileiros. Este foi em suma, o “Bill Aberdeen”.

1.8 – A Resistência Brasileira ao Bill

A resistência política reproduzia a posição dos políticos brasileiros dentro da Câmara dos Deputados, Senado e Conselho de Estado. Independente do partido os discursos tinham como conteúdo básico a repulsa ao “Bill Aberdeen”.

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1.8.1 – A Legislatura de 1846

Na sessão de abertura, Sua Majestade Imperial, na Fala do Trono, informou ao Parlamento a cessação das medidas convencionais entre Brasil e Inglaterra, com relação à repressão ao tráfico de escravos. Comentava o “Bill Aberdeen” , os protestos brasileiros frente esta lei e afirmava que o Governo brasileiro agira fielmente quanto ao compromisso firmado em terminar com o tráfico, embora não deixasse de defender os direitos nacionais.23

No projeto de resposta à Fala do Trono ou Voto de Graças, na sessão de 16 de maio, os deputados fortaleceram a postura do Governo dizendo que o Bill era um atentado à soberania nacional e inconciliável com a independência do país. Portanto, todo protesto contrário receberia apoio da Câmara. Apreciavam a fidelidade com que o Governo procurava corresponder aos compromissos com a Inglaterra e defendiam como justa a luta contra a Inglaterra pela defesa da soberania nacional.24

O Sr. Silva Ferraz subiu à tribuna dizendo que o Brasil sempre procurou honrar as exigências da Inglaterra em terminar com o tráfico, acusou o Governo inclusive de tomar decisões à margem da Câmara para manter bom relacionamento com os ingleses, se referindo à prorrogação do prazo de exercício das Comissões Mistas, que julgariam navios envolvidos no tráfico.

Quando se referiu ao Bill, classificou-o de violência à soberania nacional, opressivo, atentatório, despótico e tirânico. A Inglaterra, segundo ele, desconsiderava o Brasil, pois não deu ouvidos ao protesto, nem à disposição nacional de entrar em negociação. Afirmava que o relacionamento estava repleto de desrespeito e exigências unilaterais. A Inglaterra cometia invasões territoriais, apreensões indevidas, violência e negativas de pagamento de indenizações pelas reclamações brasileiras.

Para ele a atitude do Brasil deveria ser de total oposição à Inglaterra. Deveria aumentar o preço do açúcar e cortar relações diplomáticas até a revogação irrestrita do Bill.25

Em contraposição, o Sr. Marinho questionou a viabilidade de se declarar guerra à Inglaterra, que seria a conseqüência da proposta do Sr. Ferraz. Afirmava que a Comissão Especial encarregada de avaliar o Bill, da qual fazia parte, deveria fazer um comunicado oficial às nações, pois acreditava que a opinião pública internacional faria justiça ao Brasil, acreditava que a prudência era o método mais satisfatório.26

Na sessão de 22 de maio de 1846, o Sr. Paulino Souza pronunciou-se dizendo que pós a expiração da Convenção de 1826, não havia legislação brasileira que determinasse o fim do tráfico e o problema deveria ter sido resolvido antes do término da mesma, caso o Império quisesse ser fiel às obrigações contraídas com a Inglaterra. Responsabilizou as autoridades brasileiras pelo Bill, pois o Ministério não teria feito nada, ignorando os impasses nas negociações. Avaliava que ao enviar a nota de suspensão da Convenção, deveria também enviar regulamentos e leis para se obter o fim do tráfico.

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Por fim, disse que o Brasil poderia ter evitado o insulto fazendo em tempo proposições convenientes para o fim do tráfico.27

O discurso do Sr. Paulino encontrou forte oposição na Câmara. Na sessão de 23 de maio o Sr. Junqueira discordou radicalmente de sua posição. Disse que o Bill não era resultado de uma política desordenada do Ministério brasileiro, mas dos hábitos ingleses de direcionar sua política externa.28

O Sr. Ferreira França defendeu o ministério, dizendo que o Conselho de Estado demorou a dar seu parecer sobre a questão. Retardara-se a comunicação do fim da Convenção com a Inglaterra. O maior problema segundo ele era que, mesmo após o fim do acordo, navios brasileiros continuavam a ser aprisionados e o território brasileiro continuava a ser invadido.29

O Sr. Limpo de Abreu disse que o Governo deveria fazer esforço para acabar com o tráfico. A extinção não deveria estar condicionada à revogação do Bill, mas deveria ser ação de uma nação responsável.

Na sessão de 25 de maio o Sr. Moura Magalhães falou em defesa do Gabinete no poder na época da aprovação do Bill. Reconheceu a Lei inglesa como desrespeito à dignidade, independência e soberania nacional; era medida para coagir o Brasil a novas convenções. Disse que o Gabinete não poderia impedir que a Lei passasse no Parlamento britânico, pois a Inglaterra queria arruinar o comércio braslieiro.30

Na sessão de 28 de maio, o Sr. Souza Oliveira em oposição a idéia do Sr. Limpo de Abreu, disse não acreditar que proposições de medidas antitráfico do Brasil fossem suficientes para evitar o Bill. A Inglaterra agiu arbitrariamente, impondo suas decisões ofensivas à soberania nacional e independência do Brasil. Dizia que a atitude do Brasil deveria ser de revolta e protesto. Fez comparação entre a Lei inglesa e a Convenção: a Convenção punia navios que levassem negros à bordo e o Bill permitia o julgamento por tribunais ingleses além de navios traficantes, aqueles sobre os quais pesasse simples suspeita.31

Na sessão de 30 de maio o Sr. Carvalho e Silva fez avaliação da situação do Brasil em relação ao tráfico de escravos. Dizia que o país se empenhou em extinguir o tráfico, mas não protegeu o comércio lícito. Os ingleses cometeram toda sorte de insultos às propriedades brasileiras e não houve réplicas efetivas. Afirmava que os negócios públicos estavam em total abandono e o Bill era resultado de concessões ilegais feitas à Inglaterra.

Disse que a Inglaterra como nação mais forte modificou tratados, executou à força uma legislação sua, na certeza que o Brasil não reagiria às suas pretensões. Afirmava ser objetivo da Inglaterra prejudicar o Brasil, causar crise no comércio lícito com a África, terminar com a escravatura no Brasil, com conseqüente crise agrícola por falta de mão-de-obra. Por isso, permanecia surda a toda reclamação brasileira. 32

Transcorreu o restante da legislatura de 1846 sem que assuntos referentes ao Bill ou relações com a Inglaterra voltassem a ser colocados como ponto de discussão.

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1.8.2 – A Legislatura de 1847

No início dos trabalhos parlamentares, na assembléia Geral, Sua Majestade não se referiu à questões relativas ao Bill Aberdeen.

Na sessão de 28 de maio, o Sr. Sabino Pessoa criticou a política diplomática brasileira. Questionou a forma paciente e passiva com a qual o Brasil tentou resistir aos insultos da Inglaterra.33

Na sessão de 31 de maio de 1847 o Sr. Limpo de Abreu fez avaliação do estágio anterior da questão, dizendo que protestos e a tentativa de conseguir a anulação do Bill foram infrutíferos. Entendia que a revogação do Bill só seria possível se o Brasil cumprisse sua parte na Convenção, ou seja, terminasse com o tráfico.34

O Sr Saturnino de Souza Oliveira, Ministro dos Negócios Estrangeiros, dizia ser preciso fazer novo acordo com a Inglaterra independente da revogação do Bill, com isso, acreditava teria garantias para o comércio lícito brasileiro, fim das ofensas à soberania nacional e condicionamento de assinatura de novo tratado comercial à retirada do Bill e estabelecimento de data para o seu fim.35

O Sr. Souza Oliveira subiu à tribuna e disse não haver esperança real e concreta da revogação do Bill. Afinal, ele já durava dois anos e navios continuavam sendo capturados, as propriedades e o território brasileiro continuavam sendo desrespeitados pelos ingleses. A solução não era declarar guerra, mas esgotar os meios diplomáticos.

O Sr. Junqueira dirigiu-se ao Sr. Ministro dizendo que em protestos aos ultrajes os diplomatas brasileiros deveriam ser retirados da Inglaterra. Dizia que um diplomata não pode estar em uma corte onde seus navios são capturados e condenados. Alegava que a proteção que os cidadãos brasileiros concediam ao tráfico era fruto da prepotência e arrogância inglesa. Dizia que se fosse assinado novo tratado com a Inglaterra possíveis revoltas surgiriam na população.

1.8.3 – A Legislatura de 1848

O Sr. Eusébio de Queiroz na sessão de 1º de agosto de 1848 fez análise das relações entre Brasil e Inglaterra referentes ao tráfico. Dizia louvar o Governo brasileiro pelo protesto. Afirmava ser o Bill a ofensa mais flagrante de que a história deu notícia. Defendeu a continuidade do protesto e sugeriu a inclusão de reclamações quanto aos assíduos desrespeitos por parte da Inglaterra ao território nacional.

Lamentava a mudança de posição do Governo que em princípio dissera não assinaria novo tratado, mas não conseguiu resistir à pressão inglesa. Protestou dizendo que depois da grave ofensa o Governo jamais poderia humilhar-se ao ponto de receber o Governo inglês para renovação da Convenção de 1826. Por fim exigiu do Ministro dos Negócios Estrangeiros posicionamento do Governo no sentido de não renovar acordos com a Inglaterra.36

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Na sessão de 02 de agosto de 1848 o Sr. Ferraz em resposta ao orador anterior disse que o Governo estava disposto a novos acordos somente depois de retirado o Bill Aberdeen. Disse que o Governo conferenciava com a Inglaterra bases para novo acordo. Isso demonstrava, segundo ele, a disposição do Governo em resolver a questão do tráfico.

Na sessão de 03 de agosto de 1848 o Sr. Paulino de Souza a voltou a insistir na culpa do Governo brasileiro, pois a lacuna na legislação sobre a importação dos escravos não foi preenchida e não se tomou nenhuma medida, antes que o acordo de 1826 terminasse. Lançou dúvidas sobre a posição brasileira frente ao tráfico.

Defendia o término do tráfico, o cumprimento do dever a que o Brasil era obrigado pela Convenção de 1826, que dependia de proposta do Ministério e aprovação da Câmara para que o Brasil não fosse acusado de não cumprir o que a Lei o obrigava.37

O Sr. Moura Magalhães, na sessão de 05 de agosto, iniciou dizendo que seria melhor ter revalidado a Convenção de 1826 que suportar o Bill Aberdeen. Reconhecia-o como abusivo e os ingleses não davam ouvidos às reclamações brasileiras. Contrapondo a isso, o tráfico continuava a ser realizado de maneira escandalosa com o conhecimento de autoridades brasileiras. Constatava que o Brasil não se empenhava no término do tráfico.

Dizia ser nociva a importação de escravos, tanto pelo lado moral como pelo comércio e interesses industriais. Defendia a não realização de acordos enquanto o Bill não fosse revogado. Achava que o Governo deveria reformular defeitos existentes na legislação relativa ao tráfico e combatê-lo por meios eficazes.38

1.8.4 – Discussão sobre um Apresamento

Na sessão de 18 de janeiro de 1850, o Sr. Nébias pediu a palavra para apresentar um requerimento relativo ao apresamento do vapor Paquete de Santos. Segundo ele, estava competentemente despachado com carga nacional, tripulação nacional e com passageiros. Foi apreendido ao sair da barra de Santos para o Rio de Janeiro.

Dizia tratar do assunto não porque tinha simpatia pelo tráfico e muito menos para lisonjear pessoas que nele estavam comprometidas. Tinha em vista somente censurar esta espécie de rompimento que se manifestava por parte de uma nação mais poderosa, apesar das relações amigáveis com o Governo Imperial.

a) O Poderio Inglês

Considerava o ocorrido um insulto à fraqueza da nação, uma ofensa a um país que se declarava contra o tráfico, ofensa ao Parlamento e ao Governo que mostrava empenho na extinção do tráfico. Dizia que os brasileiros em geral, fora uma meia

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dúzia de pessoas interessadas em um negócio tão criminoso, estavam de acordo quanto a extinção do tráfico. A questão só versava sobre as providências mais ou menos lentas que se deveria tomar.

O Sr. Nébias afirmava que segundo leu no Jornal do Comércio e na Revista Comercial de Santos, o vapor tinha culpas antigas por ter sido empregado no tráfico, mas há muito não o fazia mais. Porém, estava sendo vigiado pelo cruzeiro inglês e por isso não poderia sair de Santos.

Quando saiu licitamente, apesar da busca rigorosa e constatado que não havia indícios de que se destinava ao tráfico, foi apresado pelo vapor Rifleman que por muito favor concedeu à tripulação saltar em Santos, sendo o vapor levado para Santa Helena. Para ele, o fato atentava contra o Governo brasileiro que estava empenhado em reprimir o tráfico.

Apresentou o requerimento.

“ Que se pergunte ao Governo se tem conhecimento da apreensão feita na barra de Santos pelo vapor de guerra inglês Rifleman, do vapor brasileiro Paquete de Santos e, das circunstâncias deste fato.” 39

Afirmava não querer suscitar grande discussão, pois a questão era melindrosa e poderia agravar a discussão. Não queria complicar a questão, e muito menos, que o Governo ficasse embaraçado. Talvez fosse esta a vontade do Governo inglês.

b) Tudo Pelos Tratados

O Sr. Paula Cândido quis impugnar o requerimento, dizendo ser inútil e prematuro, pois o procedimento do cruzeiro inglês deveria ser interpretado como uma das bases do tratado que o Governo britânico pretendia celebrar com o Governo brasileiro.

Na sua opinião o Governo inglês fazia estas apreensões amigáveis para, na ocasião de discutir o tratado, negociá-las com favores ao comércio. Dizia que:

“ não há de ser a minha fraca voz que jamais pronunciará uma só palavra em desabono da generosa e ilustrada nação inglesa.” 40

Ponderava dizendo que a nação que marchava à frente da indústria, das ciências e da civilização não era a mesma que celebrava tratados: uma parte da nação era formada por industriais e proprietários de terras, a outra pela aristocracia representada nas apreensões e responsável por abrir a todo custo portos e mercado à indústria da primeira parte. A base para isso eram os tratados.

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Dizia serem os industriais e manufatureiros ingleses aliados naturais do Brasil e desejavam um comércio franco e desembaraçado. Os possuidores do solo eram os concorrentes em qualquer parte da Inglaterra. O Governo inglês procurava compensar ou atenuar para uma parte ou outra a carestia dos produtos por meio de tratados impostos ou a bases forçadas.

Atentou para o fato de que findava o prazo para o Brasil pagar sua dívida com a Inglaterra e o Governo inglês naturalmente iria ditar bases para a celebração do desejado tratado. Acreditava que a Inglaterra se colocava em um terreno soberano. Invocava para firmar tratados um princípio contra o qual ninguém se poderia declarar: a extinção do tráfico.

Por fim acompanhava o deputado Nébias na declaração contra o tráfico, mas achava que o requerimento não deveria passar.

c) Fraqueza do Governo Brasileiro

O Sr. Souza Franco também falou contra o requerimento, mas observava por um outro ângulo. Achava que o requerimento na forma como estava nunca deveria ser apresentado na Casa. Dizia que se a pretensão era mostrar as ofensas graves, escandalosas que se repetiam todos os dias ofendendo os brios do Brasil, então o requerimento não apresentava nenhuma censura grave ao Governo, que nada estava fazendo a tal respeito. Não pedia esclarecimentos nem as providências que o Governo pretendia tomar, para que isso não se repetisse.

O Sr. Nébias interferiu dizendo que isso seria perigoso. Retrucou o Sr. Souza Franco dizendo que perigoso seria a repetição destes fatos e tinha convicção que iriam se repetir. Então, disse ele, ou se entrava na discussão da matéria chamando o Governo a dar explicações ou não se pediria notícia alguma. Analisou a ação do Governo dizendo:

“ Sendo certo que a bandeira brasileira tem sido desrespeitada, é também preciso saber se há condescendência do governo para com os traficantes, se há falta de providências contra eles. Se mesmo alguns fatos de conveniência indireta não têm contribuído, não digo para justificar, mas para atenuar a culpa dessas violências de que se queixa o nobre deputado, de que se queixam todos os brasileiros.” 41

Disse que o Governo não demonstrava empenho na repressão ao tráfico, pois no relatório apresentado pelo Gabinete ele não tomava maior consideração com relação ao tráfico. Apenas apresentaria algumas idéias, quando a Câmara se ocupasse desta matéria.

O Sr. Nébias voltou à questão do requerimento dizendo que o objetivo era que não passasse despercebido fato tão grave. Fato que revelava não só a fraqueza do país e uma intenção oculta da potência que o praticou, mas que também era contrário aos

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sentimentos gerais do povo brasileiro, que de alguma maneira era ofensivo da dignidade e honra do Parlamento, uma ofensa ao Governo.

Atacou o Sr. Souza Franco dizendo não ser prudente nem parlamentar sua atitude de chamar o Governo à responsabilidade. Censurá-lo, dizendo que era a causa de tudo isso a falta de providências, pela indolência ou mesmo por conveniência, era doloroso. Sobretudo, dizia ele, vindo de alguém que fez parte do Gabinete passado como Ministro dos Negócios Estrangeiros e sabia que apesar de todos os esforços, nenhum Gabinete tinha chegado ao ultimatum com o Governo inglês.

Disse ainda que o governo estava se empenhando para a abolição do tráfico e em substituir os braços africanos, fazendo apreensões sucessivas e diligências por toda parte contra os traficantes.

d) A Defesa do Governo

O Sr. Tosta, Ministro da Marinha, falou representando o Governo. Disse que tinha conhecimento do fato e em tempo oportuno o Governo faria as reclamações requeridas pela dignidade nacional.

Atacou o Sr. Souza Franco dizendo que o Gabinete passado não havia apresentado nenhum projeto frente ao Bill que desde 1845 estava violentando a bandeira brasileira. Disse não haver dúvida da maneira irregular e violenta do procedimento do Governo inglês, contra a “soberania das nações e sua dignidade”. O Governo estava preocupado em contrapor esta ação buscando um procedimento regular, mas não havia chegado a este resultado.

Dizia que o Governo não protegia semelhante comércio, tinha fatos que demonstravam o contrário.42 O Gabinete estaria pronto a defender-se quando a Câmara quisesse discussão mais aprofundada.

O Sr. Nébias pediu licença para retirar o requerimento. Consultada a Câmara decidiu-se pela afirmativa.

1.9 – Brasil - Estados Unidos: “Repúdio” ao Tráfico

Posição dos E.U.A frente ao tráfico: em 2 de março de 1807, era votada nos EUA uma lei federal que tornava ilegal a importação de escravos. Em 1819 ela foi reforçada por uma nova lei aprovada pelo congresso fazendo da importação de escravos para os Estados Unidos um ato de pirataria sujeito a pena máxima.

Em 1824, uma Convenção sobre o tráfico foi assinada entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, mas nela ficou assegurado o direito dos americanos julgarem os casos de seus nacionais nos tribunais americanos. A nova Convenção, feita em 1842, não modificou a cláusula fundamental.

Todas essas medidas, que de fato revelaram posição de definitivo repúdio das leis americanas ao tráfico de escravos para os Estados Unidos, no entanto, não proibiram o tráfico feito pelos americanos para outras regiões.

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O tráfico para Brasil e Cuba, ajudados pela velocidade e destreza de seus navios, passou a exercer atração natural aos cidadãos americanos. A participação americana no tráfico brasileiro foi mais patente entre 1839 e 1849, período em que a construção dos Clippers estava no auge. Os governos do período agiram com a finalidade de impedir a participação de cidadãos norte-americanos no tráfico brasileiro, mas o governo não tomou medidas enérgicas para implementá-la, não tendo com isso, resultados práticos, tanto que na década de quarenta a participação americana tornou-se evidente.

Protegidos pela bandeira norte-americana, navios equipados para o tráfico, na grande maioria dos casos construídos em estaleiros norte-americanos, passavam através de venda para negreiros brasileiros e portugueses, com o conhecimento, se não participação, de cônsules norte-americanos. Assim, protegidos por uma bandeira que possuía o privilégio de não ceder o direito de busca aos britânicos, os negreiros desafiavam as patrulhas engajadas na repressão ao tráfico, bem como seus tribunais e leis arrogantes. A bandeira americana prestava-se à proteção contra a lei Aberdeen, que tanto os perturbava.

No despacho de 14 de agosto de 1844, o Sr. Henry Wise comentava a captura do brigue de guerra britânico feita ao brigue dos Estados Unidos, Cyrus, de Nova Orleans, na costa da África. Explicava no mesmo documento o secretário de Estado americano:

“se eu bem entendo, a nossa posição é tal, que a bandeira norte-americana deva ser proteção positiva aos seus navios”... isso quer dizer, se o navio pertence aos Estados Unidos e está sob esta bandeira, em qualquer circunstância, mesmo quando haja escravo encontrados a bordo, é um caso possível de pedido de reparação”.43

A União Americana admitia inclusive a possibilidade, de no caso de a Grã-Bretanha continuar a exercer arrogantemente o direito de busca, em nome do orgulho e da vigilância norte-americana em favor do livre comércio sem busca, acarretaria o risco dos mesmos acobertarem o tráfico.

Mais tarde, em despacho do mesmo ano, o Sr. Wise descreve escabrosas peripécias ligadas ao mesmo problema. Chama de verdadeira inutilidade os “palácios flutuantes” com que os Estados Unidos concorriam para o policiamento das águas africanas (1839-1847), pois era sabido que o tráfico era exercido por embarcações pequenas, ágeis e nas reentrâncias protegidas e desembarcadouros de rios das costas africanas.

Acusava de cínica e desonesta a atitude dos oficiais britânicos engajados no policiamento dos mares contra o tráfico e do próprio governo inglês. Dizia que eles deixavam passar as pequenas embarcações destinadas ao tráfico e quando estas regressavam com sua carga infame, os ingleses caiam em cima deles. Primeiro porque havia um substancial prêmio em esterlinas do Governo para os navios oficiais que

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apresassem negreiros; segundo, porque, muitas vezes, não liberavam ou devolviam os escravos à África, mas transferiam-nos para a colônia inglesa de Demerara, como trabalhadores cativos, por dez anos, depois dobrados e redobrados. Outras vezes, reportavam os negros como mortos, mudavam-lhes os nomes ou as marcas e engajavam-nos em “contratos” sucessivos de trabalho cativo.

A argumentação do virginiano Henry Wise era bem curiosa e, a ser um depoimento baseado em informações verdadeiras, constituiu uma desconcertante janela aberta para que se olhasse o tráfico negreiro, pelo menos nesse período, no Brasil, mais ligado à posição americana face às imposições britânicas.

É sabido que a repressão britânica ao tráfico exacerbava o ânimo de brasileiros de várias camadas sociais, irritando inclusive membros do Governo imperial. Um desses membros, ministro do Império na pasta de Negócios Estrangeiros, Ernesto Ferreira França, manteve conversa com Wise em 11 de novembro de 1844, onde ficou explicito o interesse dos Estados Unidos em “proteger” os americanos contra os interesses europeus. Afirmou que no seu entender as nações americanas deveriam favorecer-se mutuamente através de ajuda do comércio firme, para isso encorajando o progresso científico e literário e as artes mecânicas, meios para assegurar e, até compelir, as nações à preservação da paz, no justo exercício de seus direitos internacionais.

Para isso, era preciso sobretudo, encorajar o comércio, facilitar a imigração não indiscriminada, mas com direito a expatriação, além de zelar pela liberdade dos mares. Na relação entre as nações deveria haver controle mútuo e não direito a beligerância.

Os países americanos, segundo o que disse Wise, deveriam finalmente melhorar a qualquer preço sua agricultura, suas comunicações internas e encorajar e promover sua própria indústria.

1.10 – O Parlamento e sua Visão da Emancipação em outros Países 44

A Comissão Especial de 1870, na sessão de 16 de agosto, afirmava que nos Estados Unidos e França , a solução da questão foi resultado de revolução. No Brasil, nem o princípio da libertação voluntária sofreu embaraços como em outros países. Disse que os nossos hábitos sociais e a legislação favoreciam sempre à concessão da liberdade: “a moderação de nossas leis pode, portanto, explicar o motivo porque ela ainda existe no Brasil”.

Em todos os Estados Unidos, era regra geral, segundo a Comissão, que o escravo nada podia adquirir pelo seu trabalho e economia, nem por nenhum meio direto ou indireto.

Quanto a França, afirmaram que, suas colônias protestaram, em 1841, de forma veemente contra todo e qualquer tipo de emancipação, por mais remota que fosse. A

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colônia de Martinica, contra a autoridade da metrópole, proclamou a necessidade de se manter indefinidamente o benefício da escravidão. A colônia de Guadalupe defendia a transformação colonial como resultado unicamente da fusão de raças, das libertações voluntárias e do crescimento da população livre. A Guiana reclamou o adiamento ilimitado, visto que, a emancipação, segundo seu Conselho Colonial, só poderia ser efetivada pelo tempo e paciência. Bourbon, foi mais longe. Reputou a condição de escravo moralmente superior e materialmente preferível à do trabalhador livre.

“A escravidão, como instrumento providencial e permanente de civilização, e que não se podia, sem calcar aos pés os direitos das colônias, suprimir a escravidão, mesmo indenizando os proprietários, mesmo garantindo eficazmente a continuidade do trabalho.” 45

O escravo no Brasil, manteve-se em diferentes condições, segundo a Comissão comparando-se com outras nações. Esperavam que essa diferença persistisse na forma como viria a emancipação definitiva.

No Brasil a grande dificuldade, segundo a Comissão, era aliar os legítimos interesses da riqueza pública e particular com medidas indispensáveis para a preparação da extinção gradual do elemento servil. Substituir as forças produtivas transformando o escravo em colono e incentivar a imigração; uma vez que, garantiam não haver pessoas contrárias a emancipação.

Acreditavam que, as lições da experiência e provações alheias, serviriam de guia, uma vez que, eram conhecidos os resultados dos esforços e das medidas empregadas pelas nações que precederam o Brasil na solução desta questão.

Na Inglaterra, sob iniciativa de Wilberforce e Buxton, em 15 de maio de 1823, e depois de inúmeras providências, foi definitivamente resolvida a emancipação nas colônias pelo Bill de 28 de agosto de 1833, aditado pelo de 11 de abril de 1838. E mais tarde em 1843, também em relação às possessões na Índia.

Em Nova Granada, pela lei de 21 de julho de 1821, que foi completada pela lei de 29 de maio de 1842, quanto ao regime de libertos.

Na Suécia, pela lei de 1846.Na França, muitas e diversas disposições legislativas e regulamentares.(*)

procuravam preparar desde de 1831 a transição do difícil período da emancipação, quando inesperadamente resultou nos efeitos da revolução de 1848, o decreto de 04 de março do mesmo ano.* lei de 04.04.1831 e de 1833. Projeto de lei de 1839 e 1842. Lei de 18 e 19 de julho de 1845, lei de 1847. Ordenanças de 18 de maio; 4 e 5 de julho de 1846 e 21 de julho de 1846.

Em Portugal, muito antes da novíssima lei, a questão já estava previamente resolvida pelo decreto de 14 de dezembro de 1854, lei de 24 de dezembro de 1856, e decreto de 29 de novembro de 1858.

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Na Dinamarca, a sucessão de diversas medidas.(*) promoveu a promulgação das leis de 28 de julho de 1847 e de 03 de julho de 1848.* edito real de 03.02.1755. ordenança de 16.03.1792. emancipação forçada de 22.11.1834. regulamento de 04.05.1838. lei de 01.05.1840. lei de 23.03.1844.

Na Rússia, a abolição da servidão foi realizada pelo Ukase de 19 de março de 1861, previamente antecipado pela medidas reparatórias.

Na Holanda, pela lei de 08 de agosto de 1862, aboliu a escravidão na colônia Suriname.

Na União-americana, a lei de 18 de dezembro de 1865, foi o desenlace do horroroso drama que tanto impressionou a todas as nações absortas na contemplação do doloroso espetáculo que ofereceu aquele povo gigante deixando-se arrastar à destruição fratricida.

Na Espanha, após um trabalho constante e progressivo, entre o qual, se distingue as providências tomadas desde 1865, adotaram o projeto de lei apresentado pelo ministro das colônias na sessão das Cortes de 28 de maio último(1870), que determinou a emancipação na ilha de Cuba, última possessão daquele Estado que ainda mantinha a escravidão.

A Espanha, que entre as nações da Europa foi a primeira a povoar de escravos suas vastas colônias, não quis ser a última a renunciar a uma instituição cuja reprovação o evangelho, a ciência e a liberdade política tornaram incontroversa a consciência humana.

Na visão da Comissão, a par desta imensa e profícua fonte de experiência, tendo no país muitos trabalhos já oferecidos à publicidade desde 1823, quer na imprensa, quer no Parlamento. Diversos projetos foram apresentados em ambas as Câmaras, e nos principais órgãos de imprensa de quase todas as províncias do Império inúmeros artigos foram publicados sobre a grave questão.

A Comissão Especial de 1870, entendeu como sendo a tarefa do Parlamento resolver da oportunidade e do modo de ação para por fim a escravidão.

1.11 – O Brasil, o Tráfico e a Industrialização

No Brasil o tráfico significava investimento de grande volume de capital mercantil, quer seja no tráfico propriamente dito, quer seja, capital ocioso para uso eventual. O capital mercantil - capital escravista - assumiu no Brasil vida própria, ao mesmo tempo que, transferia ganhos líquidos da produção para as metrópoles, permitia a reprodução do sistema escravista, uma vez que , no seu ciclo médio de vida - entre sete e dez anos - o escravo produzia o suficiente para a compra de dois outros escravos/mercadoria.

Enquanto o tráfico era mantido em níveis regulares existia equilíbrio. Com o acirramento das pressões, na metade da década de 1840, a organização escravista

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entrou em colapso. Os avanços da agricultura mercantilizada - do café - e da pequena produção mercantil urbana , refletiam as novas condições internacionais favoráveis a mudanças industrializantes.

A liberação de grande quantidade de capital antes aplicado na compra de escravos, com a extinção do tráfico, passou a ser aplicado em outras atividades econômicas. A grande transformação ocorreu, no que se refere a atividade produtiva, foi o deslocamento do eixo econômico da atual região Nordeste para o Sudeste; da lavoura de cana-de-açúcar, algodão , tabaco para o café.

A prosperidade da lavoura cafeeira , se espalhou até em áreas antes destinadas a produção de açúcar . O café transformou-se no principal produto de exportação , embora se cultivassem outros produtos agrários voltados para exportação. A economia brasileira deu seguimento ao modelo agrário-exportador, deixando o país dependente do mercado externo. A ultra-especialização na produção do café, transferiu recursos do capital mercantil doméstico para industrialização. Investiam em bancos, ferrovias, e casas comerciais. Além de empregos urbanos, essas empresas geraram lucros que puderam ser investidos em máquinas. Neste surto de industrialização destacou-se a figura de Irineu Evangelista de Souza - Barão de Mauá - responsável por vários empreendimentos na área de transportes e comunicação.Na década de 1860, segundo Caio Prado Jr.46 fundaram-se 62 empresas industriais; 14 bancos; 20 companhias de navegação; 8 companhias de mineração; 3 companhias de transportes urbanos; 8 estradas de ferro. Mas o processo de industrialização e o crescimento do setor de serviços não foi capaz de revolucionar a face tradicional da nossa economia. A estrutura econômica, herdada dos tempos coloniais, continuava estruturadas com base no latifúndio, agricultura de exportação e trabalho escravo. Conviveram, ao mesmo tempo, no Brasil o capital escravista, forma do capital mercantil e o capital industrial externo, ligado ao movimento expansivo da Revolução Industrial.

Os episódios narrados neste capítulo deixam evidente a desorientação e o temor com que as camadas dominantes do Império enfrentaram a situação nova criada pelo Bill. O grupo mercantil, capaz de expedientes e desafios de ocasião contra o poderio inglês, vivia do contrabando. O grupo latifundiário, como vemos na pessoa do parlamentar Paula Cândido, busca na subserviência aos ingleses uma saída qualquer, que lhes permita sobreviver enquanto arremedo de soberania e reorganizar o processo do trabalho. Suas boas intenções, no entanto, terminavam prejudicadas pela inércia que lhe era própria, sem contatos hábeis no exterior e no titubeio entre a crítica e a submissão ao Governo.

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1.12 –Notas do Capítulo

1. GOULART, M. Escravidão Africana no Brasil, p. 53.2. GOULART, M. Escravidão Africana no Brasil, p. 553. GOULART, M. Escravidão Africana no Brasil, p.83 4. Methuen, tratado anglo-português de comércio.5. GOULART, M. Escravidão Africana no Brasil, p. 87-916. O fim da escravidão significava para a Inglaterra, segundo Maurício Goulart, a longo prazo o aparecimento no continente americano, pela instituição do trabalho livre, de massas de consumidores para os produtos manufaturados ingleses e a defesa da produção agrícola colonial contra a concorrência de outras regiões tropicais, entre elas o Brasil. Esses objetivos inspiravam os rumos da política exterior, exigindo ambos, como condição essencial, o repúdio universal ao tráfico negreiro.p.237-8 .7. Carta de Henri A.Wise a James Buchnan, Rio 09.01.1846.8. Lei aprovada pelo Parlamento inglês, de 08 de agosto de 1845, que lhe atribuía

poderes de apresar navios dedicados ao tráfico de africanos e considerá-lo pirataria.9. A.C.D., Tomo I, p.29, 1831.10. A.C.D., Tomo I, p.159, 1831.11. Os Anais da Câmara não apresentam a discussão do projeto na totalidade.12. A.C.D., Tomo II, p. 30, 1831.13. A.C.D., Tomo II, p. 54, 1831.14. A.S.I.B., Tomo I, p.176, 1837.15. Revista dos Anais, ano II, n.º 21, p.137.16. BETHELL, L. Abolição do Tráfico de Escravos no Brasil, p, 237.17. R.R.N.E., anexo c, nota n.º 01, p.1, 1859.18. Jornal do Comércio, edição de 19 de maio de 1845.19. A.C.D., Tomo II, p. 342-43, 1845.20. SOARES, M.J.A. Campanha Jurídica pela Libertação dos Escravos, 1938.21. BETHELL, L. Abolição do Tráfico de Escravos no Brasil, p, 245-4722. Ata 10.04.1845, A.N Códice 307/I. Bethell, L. op. cit.p.23723. A.C.D., Tomo I, p.249, 1846.24. A.C.D., Tomo I, p.251-52, 1846.25. A.C.D., Tomo I, p.135-40, 1846.26. A.C.D., Tomo I, p.151, 1846.27. A.C.D., Tomo I, p.153-54, 1846.28. A.C.D., Tomo I, p.165, 1846.29. A.C.D., Tomo I, p.171, 1846.30. A.C.D., Tomo I, p.184, 1846.31. A.C.D., Tomo I, p.231-33, 1846.32. A.C.D., Tomo I, p.260-62, 1846.33. A.C.D., Tomo I, p. 187, 1847.

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34. A.C.D., Tomo I, p. 215-16, 1847.35. A.C.D., Tomo I, p. 230-31, 1847.36. A.C.D., Tomo II, p.155-56 , 1848.37. A.C.D., Tomo II, p. 167-78, 1848.38. A.C.D., Tomo II, p. 177-78, 1848.39. A.C.D., Tomo I, p.194, 1850.40. A.C.D., Tomo I, p.195, 1850.41. A.C.D., Tomo I, p.195, 1850.42. A.C.D., Tomo I, p.197, 1850.43. Henry Wise ao Hon J. Calhoun, RJ. 14 de agosto de 1844, e 11 de outubro de 1844,

D.D.N.A.44. A.C.D., Tomo IV, p.166, 1870.45. Rapport de la Commission relative a l’esclavage des colonies, Questions relatives

au même sujet, 1843.46. PRADO, C. Jr. História Econômica do Brasil, 1967.

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Capítulo II : Lei n.º 581 de 04 de setembro de 1850“Lei Eusébio de Queiroz”

2.1 – Considerações Iniciais

O presente capítulo tem por base o projeto de lei apresentado no Senado do Império do Brasil no ano de 1837, que visava a extinção do tráfico de africanos para o Brasil, discutido na Câmara dos Deputados em 1848 e 1850, transformado em lei pela Chancela Imperial em 1850. Relevância maior será dada à discussão na Câmara dos Deputados.

2.2 – O Projeto do Senado na Câmara dos Deputados em 1848

Art. 1º - É proibido a importação de escravos e pretos livres no território do Brasil, na qual não se entende compreendida a passagem de uma a outra Província.

Art. 2º - Não se encerram nesta proibição:§1º Os escravos e pretos livres matriculados no serviço das embarcações pertencentes a qualquer nação onde a escravidão é permitida, verificando-se a identidade das pessoas à vista do passaporte, matrícula e mais papéis da embarcação e assinando o mestre termo de reconduzi-los e; no caso de extraviarem, serão presos e reexportados à custa do mesmo mestre, logo que forem encontrados.§2º Os escravos que regressarem ao Brasil, tendo dele fugido ou saído por consentimento dos senhores.

Art. 3º - As embarcações brasileiras encontradas em qualquer parte, e as estrangeiras encontradas nos portos, enseadas, ancoradouros, ou qualquer outro ponto da Costa onde possa alcançar a artilharia, tendo a seu bordo escravos ou pretos livres não excetuados no art. 2º, serão apreendidas e consideradas como importadoras de escravos. Aquelas onde se encontrarem sinais do destino ao tráfico de escravos, serão, independente de outras provas, igualmente apreendidas e consideradas como tendo feito ou tentado fazer, a importação de escravos no Brasil.

Art. 4º - Os sinais do destino ao tráfico no Brasil são os seguintes:1º) Escotilhas com grades abertas ao invés de inteiriças segundo a prática dos navios mercantes;2º) Divisões ou anteparos no porão ou no convés, em maior quantidade que as necessárias nos navios empregados em comércio lícito;3º) Tábuas de sobressalente para se colocarem como um segundo convés, ou coberta para escravos;

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4º) Grilhões, correntes ou algemas em maior quantidade que a necessária para a polícia das embarcações;5º) Maior quantidade de água em tonéis ou tanques que a necessária para o consumo de um navio mercante em relação ã sua viagem;6º) Quantidade extraordinária de vasos para conservar limpos, não exibindo o mestre certificado da alfândega pelo qual conste que os donos de tais navios deram fiança idônea a serem os vasos exclusivamente aplicado para objetos do comércio lícito;7º) Maior quantidade de bandejas ou celhas que a necessária para uso da tripulação;8º) Uma caldeira de tamanho extraordinário ou mais caldeiras que as necessárias para a tripulação do navio;9º) Quantidade extraordinária de arroz, farinha, milho, feijão ou carne, além da necessária para consumo da tripulação, não tendo sido tais provisões declaradas no manifesto como parte do carregamento para o comércio.

Art. 5º - São autores do crime de importação de escravos, ou de pretos livres, e da tentativa desta importação o capitão ou mestre, o piloto, o contramestre da embarcação, o sobrecarga e os donos da negociação. São cúmplices os que coadjuvarem o desembarque de escravos ou pretos livres no território brasileiro.

Art. 6º - Os autores deste crime sofrerão pena de pirataria declarada no Código, e a multa de quatro contos de réis, além disso serão condenados em comum e obrigados cada um “in solidum” às despesas de reexportação dos escravos ou pretos livres para os portos donde vieram, sendo estas fixadas por árbitros.

Art. 7º - Serão confiscadas as embarcações importadoras ou destinadas à importação de escravos e pretos livres, com todos os seus pertences e a carga encontrada à bordo e os barcos empregados no desembarque, ocultação ou extravio.

Art. 8º - O produto da carga, os navios e embarcações apreendidos nos casos não especificados nos tratados com a Grã-Bretanha, pertencerá aos apresadores deduzidas as despesas da apreensão e a quarta parte para o denunciante ou denunciantes, havendo-os. E o Governo verificado o julgamento de boa presa, retribuirá à tripulação da embarcação apresadora com soma de quarenta mil réis por cada africano apreendido, que será distribuída conforme as leis à respeito.

Art. 9º - Todos os escravos ou pretos livres que forem apreendidos, no alto mar ou na Costa, serão reexportados por conta do Governo para os portos donde vieram ou para qualquer outro porto da África que mais conveniente parecer ao Governo; e enquanto não forem reexportados, serão empregados no trabalho, debaixo da tutela do Governo, conforme a prática atual.

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Art. 10 - Não serão dados passaportes aos navios mercantes para a Costa da África, sem que seus donos, capitães ou mestres tenham assinado termos de não receberem à bordo deles escravo algum, prestando o dono fiança de uma quantia igual ao valor do navio, a qual fiança será levantada quando no espaço de 18 meses não tenha havido apreensão ou denúncia do navio afiançado.

Art. 11 - Os navios nacionais ou estrangeiros que se despacharem nos portos do Brasil para os da África e os que houver suspeita ou denúncia, que para ali se destinam serão visitados no dia de sua saída por um dos principais oficiais da alfândega, o qual os deixará partir livremente não achando à bordo coisa que induza suspeita de se destinar ao comércio de escravos; achando algum dos objetos mencionados no art. 4º, serão tais embarcações retiradas para terem lugar as disposições dos art. 3º e 7º desta Lei.

Art. 12 - Os Juizes de Direito ficam sendo privativos para processarem e julgarem os crimes de que trata esta Lei, com apelação ex-officio para as relações, competindo somente às autoridades locais fazerem as apreensões, indagações e diligências preparatórias, as quais remeterão aos mesmos Juizes de Direito.

Art. 13 - Nenhuma ação poderá ser intentada em virtude da Lei de 07 de novembro de 1831, que fica revogada, e bem assim, todas as outras em contrário.

Paço do Senado, 09 de agosto de 1837.

2.2.1 - O Artigo Primeiro

Na sessão de 1º de setembro de 1848, entrou em discussão o art. 1º do projeto de n.º133 de 1837, vindo do Senado relativo à Extinção do Tráfico de Africanos.

O Sr. Vasconcellos entendia que não deveriam discutir o projeto em preferência ao que se achava na Câmara referente à Reforma Judiciária; então enviou requerimento, mas a maioria da Câmara decidiu pela discussão.

Continuou então, a discussão do art. 1º.O Sr. Coelho Bastos disse que o artigo poderia ser melhor redigido para evitar

embaraços no futuro, pois os ingleses costumavam engajar colonos na Costa da África. Assim redigido, o Brasil não poderia receber estes colonos. Dizia desejar que acabasse o tráfico, mas desejava também colonos no país. Se o Sr. Ministro aceitasse mandaria uma emenda para supressão das palavras “ pretos livres”. O Sr. Campos Mello, Ministro da Justiça, fez sinal negativo, então, desistiu de mandar a emenda.

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I - Análise do Projeto

O Sr. Campos Mello, Ministro da Justiça, disse acreditar na vantagem de uma medida reclamada pelas circunstâncias atuais do país. Era importante tratar da Reforma Judiciária, mas o espaço entre a 2ª e 3ª discussão poderia ser preenchido para discussão da lei vinda do Senado, com as emendas que a Câmara julgasse conveniente oferecer. O Governo assegurava que consultou o Conselho de Estado e as opiniões marchavam de acordo com os dois partidos nacionais e eram reclamadas por toda a nação.

O Governo se propôs a esclarecer todos os pontos que a Câmara julgasse conveniente; pediu que as considerações fossem breves e que se quisessem alongar alguma discussão não deveriam ofender os interesses do país, que tinha urgência da lei.

O Sr. Nunes Machado disse sentir que a questão era importantíssima, tinha idéias positivas da questão, gostaria de analisar melhor a matéria, para que não fosse um veneno, ao invés, de benefício para o país.

Declarou- se inimigo do tráfico, amaldiçoou os que estavam fazendo fortuna através dele e desejava que a população, conhecendo o mal que os traficantes fazem ao país, pelo menos os entregasse a uma eterna reprovação.

Um grande mal, segundo ele, era a população pensar que, sem o tráfico, a agricultura estaria morta. Dizia que foi a avareza destes entes degenerados que “anulou” a lei que extinguiu o tráfico, corrompeu os costumes, introduziu de novo o africano. Para ele, a produção teria encontrado outros meios, outros braços, a falta dos africanos estaria suprimida. Mas o que prevaleceu foi o erro:

“os agricultores fascinados pelo receio de não progredirem sem o braço africano, caíram no precipício, e o país será arrastado para ele, se o bom senso da nação não o tratar de evitar.”1

Ele disse que seria capaz de sujeitar o país a todos os sacrifícios para livrá-lo do tráfico. Considerava que pelo preço dos escravos, não havia agricultura possível. Não havia preços que os gêneros pudessem obter que não se esgotasse na compra de escravos, sem falar nos imensos capitais perdidos com as embarcações tomadas ou apreendidas, capitais que saíam da força da agricultura. Além do que, afirmava, era engano pensar que os escravos traziam grandes ganhos. Julgava que a agricultura não estava melhor justamente porque usava o braço escravo.

Condenava os que “tendo os meios e autoridade nas mãos para coibir o tráfico, convivem e protegem os contrabandistas.”2

Por fim, declarava que não estava disposto a votar contra o tráfico, se não lhe oferecessem um substitutivo satisfatório.

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II - O Requerimento para Sessão Secreta

O Sr. Moraes Sarmento requereu que a discussão do projeto fosse tratada em sessão secreta. Foi apoiado o requerimento e entrou em discussão. Em contrário, o Sr. Coelho Bastos disse que o projeto era sobre uma questão conhecida no país e a nação já formara juízo. E, como no Senado, deveria ser debatido em sessão pública. Dizia que bastaria os membros da Casa discutirem criteriosamente, com toda reserva que o caso exigia. Afirmava que o projeto não era questão de Governo ou Partido, mas uma questão que afetava todo o país, todos os interesses.

O Sr. Moraes Sarmento, dizendo que poderiam aparecer idéias que não conviria muito que fossem ouvidas, atentava para o fato do Brasil ser um país com grande número de escravos. Queria uma discussão com toda liberdade possível. Dizia que o último artigo por exemplo, aventava idéias perniciosas. Pretendia opor-se a esse artigo, mas as razões dizia não ser conveniente expedi-las publicamente. Disse propor o requerimento não por medo, mas para maior liberdade.

O Sr. Rodrigues dos Santos, deu importância ao requerimento, mas sustentou que a discussão deveria ser pública, e, em alguma parte se necessário consideraria a idéia da sessão secreta. Justificou que a Câmara estava tratando de uma Lei que afetava os interesses de todos os cidadãos brasileiros. Era preciso que o país estivesse esclarecido sobre os motivos da Lei; em lugar de segredo era necessário publicidade.

Afirmava que os deputados sofreriam primeiro os resultados de seus erros, se não tivessem toda a discrição na discussão de proposições que pudessem comprometer o país.

Disse que, havendo conveniência, o último artigo poderia ser discutido em sessão secreta, chegando lá seria considerado.

O Sr. Gomes de Menezes, compartilhou com as idéias do Sr. Rodrigues dos Santos. Disse que votaria em apoio o art. 1º, mas não em toda a Lei. Entendia que ela traria vantagens, pelo que deveria ser votada. Não pela Lei de 07 de novembro de 1831, que queria revogar.

O Sr. Moraes Sarmento pediu licença a Câmara e retirou seu requerimento.

III - A Inutilidade do Projeto

Pediu a palavra o Sr. Muniz Barreto. Disse ser avesso ao Tráfico de Africanos. Afirmava que nenhum homem que tenha cultivado um pouco o seu espírito ou dado ao estudo das ciências poderia desejar o Tráfico de Africanos. Só poderiam desejá-lo os ignorantes ou os ávidos de lucro.

Tinha dúvidas a respeito do projeto. Dizia que ele era inútil:

“ inútil porque pela Lei de 07 de novembro de 1831, estava expressamente proibido o tráfico, o mesmo que se pretendia com o art.1º do projeto. A Lei de 07 de

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novembro de 1831, proibiu a introdução de africanos, marcando pena aos introdutores, e, além delas e de multas, lhes impôs a obrigação de reexportar os africanos. O art. 1º contém uma disposição semelhante, e por conseqüência inútil”3

O Sr. Souza Franco, Ministro dos Negócios Estrangeiros, retrucou dizendo que a projeto apresentava idéia nova na segunda parte do artigo. Retomou a palavra o Sr. Sarmento dizendo que votaria pela segunda parte do artigo, pois o Brasil só teria a perder, nada a ganhar com introdução de semelhante raça.

Ponderava dizendo que o projeto contrariava o fim que tinha em vista, pois as penas eram terríveis, dignas de crimes perversos. Mas apesar disso, esse castigo - pena de pirataria – não deveria ser decretado, porque segundo ele, era sabido que uma pena excessivamente grande e rigorosa, nunca tem aplicação.

“ Se as penas da Lei de 07 de novembro de 1831, mesmo contra aqueles que caem no poder da justiça não são aplicadas, o que esperar do art. 6º do projeto em discussão? O resultado será sem dúvida alguma que, quando descobertos os infratores da Lei, os delinqüentes serão absolvidos, com toda certeza, e fiados na impunidade, pois os juizes, as testemunhas e todos que informam o processo se julgam como desobrigados de cumprir com seus deveres, quando as penas são excessivamente rigorosas.”4

Por isso, temia que nunca fossem punidos em conseqüência do rigor da pena. Não havendo punição, o tráfico se faria com maior desregramento e escândalo.

Pronunciou-se também contra o art.9º, porque supondo que continuasse o tráfico, o Governo ou o país carregaria uma despesa muito grande para reexportação desses homens para a Costa da África; não obstante dizer que os custos seriam dos introdutores, julgava que nunca iriam aparecer. Disse não querer, além do mal da impunidade, ver a nação sobrecarregada com despesas de reexportação dos africanos.

Era contrário ao art.12, pois considerava a Constituição como sustentadora da ordem e das liberdades públicas, não iria concorrer para sua violação. Fez distinção entre Juizes de Direito e de Fato, que não poderiam ser confundidos. Dizia que os crimes deveriam ser julgados por Juizes de Fato e não como na Lei.

Era contra o art.13, mas diria as razões em sessão secreta. Afirmava que este artigo era o que mais o amedrontava; desconfiava que não fosse o desejo de reprimir o tráfico que tivesse suscitado o projeto. Talvez a idéia capital fosse votar o projeto pela matéria deste artigo.

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IV - Idéias sobre Colonização

Contra o Sr. Nunes Machado, disse que era errônea a idéia de se votar pelo projeto com um substitutivo se quisesse mesmo acabar com o grande mal : Tráfico de Africanos. Achava que o país não deveria tratar de mandar vir colonos para substituir os braços africanos, não deveria tratar de ativar o aumento da população. Dizia que a população sempre excedia os meios de subsistência e, a conseqüência era morte e miséria. Afirmava que uma idéia que sempre deplorou era a de votar créditos para mandar vir colonos. Melhor que aumentar a população, dizia ele, era tratar de melhorar a população do país. Dizia que o país não deveria ser medido pelo tamanho relacionado à população, mas pelos meios de subsistência como moradia, civilização, vestuário, comunicação, etc. Em suma, não seria o tamanho que determinaria a necessidade populacional, e sim, os meios de subsistência.

Por fim, dizia ser oposto a acabar com o trabalho escravo repentinamente, por menos produtivo que fosse. Acreditava que impedir a entrada de africanos no Brasil dependia da repressão ao tráfico:

“ Queira o Governo que não continue a perpetração deste crime atroz, que ele não continuará. Mas se o Governo não quiser, ainda que passe o projeto, e mais dez ou doze, tudo será inútil, porque assim como a Lei de 07 de novembro de 1831 que tem sido escandalosamente violada, do mesmo modo será o projeto que se discute e todos mais... Por conseqüência é do Governo que depende a extinção do tráfico e não da falta de legislação.”5

Mesmo com essas considerações votaria em algumas idéias do projeto, proporia emendas e, acusaria o Governo se não cumprisse com sua promessa de reprimir o tráfico.

O Sr. Souza Franco, Ministro dos Negócios Estrangeiros, entendia que por ser um projeto vindo do Senado não precisaria primeira discussão, pois já foi julgado útil por um dos ramos do Poder Legislativo. Afirmava não ser preciso entrar no debate de todos os artigos, uma vez que, a discussão era sobre o art. 1º. Cada disposição seria examinada em ocasião especial. Dizia que a discussão estava fora das regras.

Sendo um projeto que passou no Senado em 1837, não queria dizer que todas as idéias eram convenientes. Justificava que o Governo não formulou um novo projeto em respeito ao Senado. O desejo de aproveitar idéias passadas, idéias boas e outras que deveriam ser combatidas, isso explicava.

Por fim, contrapôs idéias do Sr. Moraes Sarmento, que disse ter população suficiente no país. Dizia que a população deveria ser medida pelo tamanho do país e era incontestável, segundo ele, a necessidade de aumentar a população. Dizia ter terra para mais de 200 milhões de habitantes e os terrenos eram os mais férteis do mundo. Poderia ser facilitada a comunicação no país empregando meios convenientes.

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Esperava que as emendas fossem publicadas para a discussão voltar a seu verdadeiro ponto de vista.

O Sr. Taques pediu que junto à publicação das emendas, fossem colocados os trabalhos do Conselho de Estado que o Sr. Ministro da Justiça disse ter sobre a matéria. O Ministro disse que lhe confiaria a pesquisa para ler, uma vez que, não costumavam imprimir trabalhos do Conselho de Estado.

V - A Novidade do Artigo Primeiro

Na sessão de 02 de setembro de 1848, o Sr. Muniz Barreto iniciou lendo as emendas. Dizendo que se relacionavam a diversos artigos do projeto, na discussão do art. 1º os oradores poderiam tratar de todo o projeto.

O Sr. Gomes Menezes, comentando o artigo, disse entender que a repressão ao tráfico comportava três princípios: o primeiro, era interno; o segundo, fora do território e o terceiro, misto.

O projeto colocou a discussão fora do território. Isso faria com que tivesse inclinado a aceitar o projeto. Disse que pairavam dúvidas sobre a segunda parte do artigo, na expressão “pretos livres”, se era referente aos boçais, selvagens ou por ventura aos que possam existir em alguma parte do mundo, conforme o direito das gentes, podendo viajar por todo o mundo. Entendia que esta parte precisaria melhor desenvolvimento.

O Sr. Taques disse ter opinião contrária ao orador anterior, entendia que a proibição de entrada de pretos deveria se estender também aos pretos livres que formam nação independente, ainda que algum adiantamento tenham de civilização. Disse que a Lei de 07 de novembro de 1831, não fazia distinção das diversas classes de pretos, proibiu a importação de pretos, quer escravos, quer livres e, por um artigo proibiu a vinda ao país de libertos.

Disse também que o art. 1º não veio sem um fim, este era esquecer todo o passado a esse respeito: a Lei de 07 de novembro de 1831 e o Tratado de 23 de novembro de 1826 com a Inglaterra. Acreditava que o artigo estava ligado à disposição do art. 13. Propôs então, requerimento adiando a discussão do art. 1º até a discussão do art. 13. Recebendo pouca adesão na Câmara e oposição do Ministro da Justiça, pediu licença e retirou o requerimento.

O Sr. Campos Mello, Ministro da Justiça, disse que o projeto era diferente da Lei de 07 de novembro de 1831. Esta estabeleceu a repressão no país e não produziu efeito algum, senão contrário, suportar o escândalo e a imoralidade de vê-la não cumprida.

Declarou que a disposição do art. 1º era:

“ a razão porque devemos evitar, e evitar por meio eficaz, que para o futuro, em qualquer tempo, se queira estabelecer no país colonização de pretos. Muitos exemplos poderia citar para demonstrar que não se deve, levados de todas e quaisquer

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considerações, estabelecer ou determinar doutrina em contrário. Nem será o Brasil o primeiro que estabeleça em suas leis este princípio; nem mesmo este princípio é verdadeira inovação que agora estabelecemos; é, como já ponderou um nobre deputado pela Bahia, repetição da Lei que vai ser revogada.”6

O Sr. Carrão subiu à tribuna e disse, considerando o art. 1º, que apoiava a idéia nova não constante na Lei de 07 de novembro de 1831: “ vedar a introdução de pretos livres no Brasil”, as outra disposições do artigo são inúteis. Apenas fez consideração que não seria apropriado o termo importação para referência a homens livres.

O Sr. Souza Franco, retrucou dizendo não poder acompanhar a idéia de inutilidade do projeto. Combateu as reflexões dizendo que a Lei que tratava do assunto seria revogada. Precisavam começar com providências contra a introdução de africanos no Brasil, daí a proibição. A idéia que fez com que o governo admitisse este artigo era a de que ele foi aprovado no Senado. Quanto à sua disposição, era conveniente. O fim principal era estabelecer que não admitia a colonização de africanos, e por conseqüência, não desejavam a introdução de pretos livres no Brasil.

O Sr. Presidente dando a matéria por discutida, foi aprovado o art. 1º por grande maioria.

2.2.2 - O Artigo Segundo

Entrou em discussão o art. 2º, com as emendas7 dos Srs. Barcellos e Moura Magalhães.

Sr. Taques colocou um inconveniente do artigo, ao dizer que o Brasil, tolerando a escravidão interna, deveria estabelecer o princípio de tolerar a de outras nações. O Sr. Campos Mello disse que lendo, o §1º, as considerações do deputado não poderiam ser admitidas. O Sr. Gomes de Menezes acrescentou que as posições do deputado não eram bem cabidas, a não ser em um projeto de abolição.

O Sr. Taques insistiu dizendo que a escravidão de outro país só poderia ser admitida por meio de tratado. Achava que o artigo não poderia passar como estava, porque não teriam como negociar o direito de súditos brasileiros em outras nações. O Sr. Magalhães disse adotar o artigo como estava, pois a medida ajudava no restabelecimento da reciprocidade entre as nações.

O Sr. Souza Franco ponderou que o país não poderia prescindir por algum tempo do braço escravo nas embarcações de comércio. Deveriam portanto, proporcionar meios para que esses escravos fossem recebidos naquelas nações onde a escravidão era admitida. Para isso, deveriam tratar igualmente os escravos de outras nações que viessem aos portos do Brasil. A respeito dessas nações não se precisariam tratados. Com as nações onde a escravidão não era admitida, não poderiam tratar, pois não admitiam tratados a este respeito. O Sr. Ministro se posicionou contra as emendas8

apresentadas.

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A discussão do artigo foi encerrada.Na sessão de 04 de setembro, procedeu-se a votação do art. 2º, que foi aprovado.9

2.2.3 - O Artigo Terceiro

Entrou em discussão o art. 3º. O Sr. Rodrigues dos Santos apresentou emenda substitutiva. 10 O Sr. Gomes de Menezes disse não poder aprovar o artigo como estava, nem o substitutivo. Para ele, a redação não estava boa e ofereceu outro substitutivo. 11

O Sr. Souza França disse ter descoberto no projeto dois fins e pronunciava-se contra ambos:

“o primeiro, não vejo utilidade em uma Lei que terá o mesmo fim da Lei de 07 de novembro de 1831, porque são inexeqüíveis leis que vão de encontro a quase unanimidade do povo que as recebe; o segundo, não posso concordar que saia do corpo legislativo uma lei iníqua, que contém a disposição desonesta de privar alguém de um direito que havia adquirido pela Lei de 07 de novembro de 1831.”12 Por esses motivos iria votar contra a Lei.

Alguns fizeram intervenções, sempre no sentido de comentar alguma emenda ou comparação entre elas. Não considero trazerem tais declarações idéias novas ou relevantes para o texto do trabalho.13

I - A Descrença no Governo

Na sessão de 05 de setembro de 1848, O Sr. Moraes Sarmento dizia não acreditar que o Governo estava interessado em acabar com o Tráfico de Africanos.

Atacou o Governo, cujo representante falara da não produção de efeito da Lei de 07 de novembro de 1831, mas não dizia qual o motivo. Segundo ele, o Sr. Ministro não dizia as causas, não porque as ignorasse, mas não poderia dizer que a causa foi a não execução. Não quis dizer porque era sentença de condenação para a Lei, que se discutia. Pois se o Governo declarasse falta de execução, esta Lei não teria razão de ser. O Governo dizia não poder empregar todos os meios de repressão, mas não dizia quais motivos disto:

“ Se o Governo entende que o Tráfico de Africanos é conveniente ao país declare-o francamente, expenda os motivos que tem para pensar assim. Se o Governo, porém, entende que a continuação é um mal, se deseja acabar com ele, tenha coragem apresente-se no Parlamento e diga: - Apesar de todas as dificuldades, apesar da guerra que o Governo desconfia que hão de fazer, entende que o tráfico deve acabar, o Governo está disposto a empregar todos os recursos, ou cair, se isto lhe pode trazer a queda, para realizar este grande bem, mas o Governo segue conduta diversa. O

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Governo submete à consideração da Câmara um projeto de lei que tem por fim restabelecer o Tráfico de Africanos no Brasil. O art. 5º é prova disto.” 14

Afirmava que se os traficantes conseguissem iludir a vigilância do Governo, e, considerando a vasta extensão territorial, facilidade de desembarque, a indiferença e falta de empenho em cumprir seus deveres das autoridades, a conseqüência seria que o trafico seria restaurado no país com o art. 5º.

Citava problemas de uma apreensão feita em Jurujuba:

“ esta apreensão desagradou, como era natural, a um traficante; este traficante moveu guerra ao Governo; o Governo viu-se perseguido pela guerra surda desse traficante e de todos os mais que formaram um colosso. O Governo temeu pela sua conservação e temeu porque além desta guerra, sofre também a do partido de oposição, que, como sabido, não é muito avesso ao tráfico.” 15

Dizia que o Governo deveria ser explícito, não dizer uma coisa e querer outra, preferir uma coisa e fingir trabalhar para que outra se realizasse. Afirmava falar desta maneira porque era inimigo do tráfico. Dizia haver um muro de bronze entre ele e quem sustentasse o tráfico.

O Sr. Souza Franco, Ministro da Justiça, opondo-se ao Sr. Moraes Sarmento, disse que a intenção do Governo não era revogar a Lei de 1831 e restaurar o Tráfico de Africanos. Dizia que se o deputado achasse que este era o fim do projeto deveria votar contra ele.

Respondeu que o Governo não esclareceu a não execução da Lei de 07 de novembro de 1831, por um expediente da Câmara. Tentou dizer porque a Lei não estava sendo aplicada, segundo ele, tinha embaraços reais, graves, muito profundos. O Sr. Moraes Sarmento disse compreender que a causa era prevaricação. O Sr. Ministro ficou irritado e disse não admitir que pensassem que a causa da não repressão ao tráfico era a prevaricação.

Fez uma consideração relacionada a Lei de 07 de novembro de 1831:

“ senhores houve erro grave quando se promulgou a Lei de 1831. Não se muda o estado de um país de um momento para outro. Os nossos hábitos de três séculos, durante os quais se mantinha a escravidão entre nós, as necessidades do país, tudo enfim pedia que com um rasgo de pena não se dissesse - fica abolido o tráfico – sem que para isso se tivesse preparado. Uma abolição tão repentina não era possível. Entretanto foi o que se fez, e, quaisquer que fossem as causas que obrigaram nossos Homens de Estado a fazer a Lei, houve erro grave em decretá-la, sem que primeiramente se preparasse o país, sem que se tratasse da introdução de braços livre, sem se fazer coisa nenhuma, nem antes, nem depois da Lei; sendo o nosso país puramente agrícola e dependendo de braços para viver.”16

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Dando a matéria por discutida o Sr. Presidente encaminhou a votação. Foi aprovado o substitutivo do Sr. Rodrigues dos Santos, tudo o mais, foi rejeitado ou ficou prejudicado.

2.2.4 - O Artigo Quarto

O art. 4º e seus parágrafos, entrou em discussão e foi rejeitado sem debate. Sendo aprovada a emenda substitutiva do Sr. Rodrigues dos Santos que remetia ao Governo regulamentar o que seriam sinais de embarcações destinadas ao tráfico.

2.2.5 - O Artigo Quinto

Entrou em discussão o art. 5º, foram apoiadas emendas do Sr. Rodrigues dos Santos, Sr. Furtado e Sr. Moraes Sarmento, que entraram em discussão junto com o artigo.

I - A Difícil Repressão ao Tráfico

O Sr. Nunes Machado salientou apenas que estava convencido que se os importadores de africanos não fossem protegidos nas nossas Costas por aqueles que ali viviam, não mandariam vir africanos. Se não lhes dessem desembarque, certamente dificultaria muito sua ação e seria um meio eficaz de repressão, ou pelo menos, grande medida contra o tráfico.

O Sr. Taques concordou com a emenda apresentada pelo Sr. Rodrigues dos Santos, colocando na redação o dono do navio. Apenas pedia para acrescentar “ciente”, pois o dono poderia fretar o navio e não saber a que se destinava. Em lugar de comércio lícito, poderia estar introduzindo africanos no país, contra as Leis.

O Sr. Souza Franco disse não poder deixar o dono do navio fora e o juiz teria atenção ao fato; não queria que a proposição fosse meio de evitar a condenação do navio. Dizia que:

“ em matéria de tráfico, negócio tão lucrativo, deixar fora o dono do navio, quer da perda da embarcação, quer da criminalidade, pode ser um pretexto e cortar um meio eficaz de repressão ao tráfico."17

Respondendo as críticas formuladas ao Governo pelo Sr. Moraes Sarmento, disse que o deputado pensava a Lei como um ente vivo e o Governo como plenipotenciário, entretanto, dizia ele, que a Lei era letra morta e não seria só o Governo que deveria executá-la. A legislação era executada com apoio das autoridades e do país a seu favor; se o Governo não encontrasse apoio nesses, sofreria embaraços reais.

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O Sr. Moraes Sarmento disse não poder deixar de opor-se ao art. 5º. Se o Sr. Ministro da Justiça aceitasse emenda votaria pelo artigo, senão votaria contra. Pois como já havia dito, o artigo restabelecia o tráfico no país.

Avaliava que o artigo consagrava disposições até o desembarque, depois não havia perseguição e poderiam ser vendidos publicamente. Formulou uma emenda dizendo que ainda que os navios escapassem dos Cruzeiros, em qualquer lugar que chegassem, as autoridades deveriam declarar cúmplices os que os conduzissem. Dizia que se a introdução de africanos era coisa má, reprovada, como o Governo reconhecia, deveria perseguir o tráfico no território.

Por fim, retrucou a fala do Sr. Souza Franco dizendo que criticava a pouca vontade que o Governo estava demonstrando a este respeito. Sabia que poderia aparecer embaraço ou dificuldade, mas queria ver o Governo de seu país empenhado em vencê-lo e desejando de fato cumprir a Lei, punindo os contraventores e premiando os que a observassem. Mas era o contrário que se via.

O Sr. Souza Franco disse que o tráfico estava sendo feito com muita facilidade, queria embaraçá-lo o quanto pudesse, colocando várias circunstâncias para isso. Pediu licença ao deputado para pensar e considerar sua emenda em 3ª discussão.

O Sr. Furtado qualificou como importante a perseguição após o desembarque, como consignado na sua emenda. O Sr. Taques desistiu de mandar sua emenda quanto a ciência dos donos dos navios.

O Sr. Presidente deu por encerrada a discussão do artigo. Procedeu-se à contagem, como não havia Casa para votar, a sessão foi encerrada.

Na sessão de 06 de setembro de 1848, procedeu-se a votação do art. 5º. Foi rejeitado o artigo e aprovada a emenda 18 do Sr. Rodrigues dos Santos, as outras foram rejeitadas.

2.2.6 - O Artigo Sexto

Entrou em discussão o art. 6º, com a emenda do Sr. Rodrigues dos Santos e subemenda do Sr. Moraes Sarmento.19

O Sr. Moraes Sarmento justificou sua subemenda dizendo que a pena de degredo consignada na emenda do Sr. Rodrigues, deveria justificar o local para onde foi enviado, dizia que o degredo deveria ser para o centro do país e a multa não deveria ser uma quantia fixa de 4:000$, mas de 20$ por escravo, assim as penas seriam de acordo com a capacidade dos navios apreendidos.

I - Questão do Tráfico como Crime de Pirataria

O Sr. Gomes de Menezes fez intervenção a respeito do art. 6º que qualificava o crime como pirataria. Entendia que com essa qualificação o Governo queria a punição

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do Código Criminal em seus artigos 82, 83 e 84 que se referem ao crime de pirataria, mas o Governo alterava algumas destas penas.20

Dizia que o Bill da Inglaterra qualificava como pirataria o crime de fazer tráfico. Debaixo desta classificação a Inglaterra se autorizava a aprisionar os barcos que fossem encontrados no tráfico. O Governo tem protestado contra essa usurpação não só do direito com que a Inglaterra quer aprisionar e punir brasileiros aplicados ao tráfico, como também o direito de classificação.

Afirmava que, se uma Lei desse a este crime a mesma denominação, estariam reconhecendo o que não queriam reconhecer: a classificação dada pela Inglaterra ao seu Bill de 1845. Acrescentou que o Governo estava fazendo intervenções junto a tribunais franceses e absolvia réus, debaixo do fundamento de que não poderiam ser classificados como piratas.

O Sr. Ministro Souza Franco disse não ter relevância definir os lugares do degredo. Deveria ficar a cargo dos juizes. Quanto ao escalonamento da multa, disse que a questão era o crime e não a quantidade de escravos que trazia. Disse que a razão para classificar o tráfico como pirataria era para estigmatizá-lo, por ser adverso aos interesses do país. Muitas nações começaram por declará-lo pirataria, para depois tratar outros meios para reprimi-lo.

O Sr. Moraes Sarmento afirmou que o artigo não sancionava o Bill inglês, uma vez que no Bill o crime de pirataria era sujeito a tribunais ingleses. O que dizia o projeto era que constituía pirataria, mas seria julgado pelos tribunais da nação a que pertencessem os navios, mestres, donos, etc.

O Sr. Gomes de Menezes para justificar sua posição refletiu que:

“ O Governo Inglês desde que cessou o direito que tinha, segundo nossas convenções, de fazer visita aos barcos e de aprisioná-los, julgou que o artigo do tratado o autorizava por Lei Municipal, exercer a coerção contra os navios brasileiros, que se empregassem no tráfico. Contra isso temos protestado.

O Governo Inglês, reunido com o Governo Francês, com quem não temos nenhum tratado de nenhuma espécie sobre esta matéria, julgou que podia em comum acordo aprisionar nossas embarcações.

A França tem levado nossas embarcações a seus portos, tem-nas julgado e sujeitado a sua tripulação a seus tribunais, e fundada em quê ? Em que tais embarcações exercem o crime de pirataria e como incursas em tal crime, a França tem direito de as punir. É sabido que pelo Direito das Gentes a pirataria geral pode ser punida, guardadas certas formas e condições, por cada uma das nações. Porque pirataria segundo o Direito das Gentes não é senão, depredação do mar. Os piratas não são senão, salteadores do mar.

Ora se uma Lei comum, particular, a que os ingleses chamam de Lei Municipal, se der a classificação de pirataria ao tráfico que se quer reprimir, quem sabe se a

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Inglaterra e França não dirão que podem punir como pirataria o tráfico, pois nós mesmos reconhecemos por uma Lei Municipal que o crime é de pirataria ?21

Considerou isso para justificar que seria melhor não colocar a classificação de pirataria. Guardasse-a para negociação com nações estrangeiras para repressão ao tráfico.

O Sr. Souza Franco considerava que as violências sofridas por navios brasileiros empregados ou não no tráfico eram sem fundamento e não podiam ter fundamento ainda que passassem a Lei. O crime de pirataria no Direito das Gentes estava de tal modo classificado por todas as nações, que ninguém poderia classificar como tal o crime de importar escravos.

Nenhuma nação se julgou com direito de tomar navios de outra nação que julgou o tráfico crime de pirataria municipal, porque não se poderia confundir com crime de pirataria no Direito das Gentes. Se a França quisesse tomar e julgar navios brasileiros não teria o direito de faze-lo, depois que passasse a Lei , como não o tinha antes. A Lei não mudaria coisa alguma o ponto da questão.

Por fim, dizia ser conveniente equiparar o tráfico à pirataria, para ter julgamento em Tribunais Especiais. E para quando o Governo estabelecer conveniente tratar com outras nações.

A matéria foi dada como discutida pelo Sr. Presidente. Foi rejeitado o art. 6º e aprovada a emenda substituta do Sr. Rodrigues dos Santos, a subemenda do Sr. Sarmento foi rejeitada.

2.2.7 - O Artigo Sétimo

Entrou em discussão o art. 7º, foi rejeitado sem debate; sendo aprovada a emenda do Sr. Rodrigues dos Santos.

2.2.8 - O Artigo Oitavo

I - O Problema das Gratificações

Entrou em discussão o art. 8º, com a emenda do Sr. Rodrigues dos Santos e subemenda do Sr. Moraes Sarmento.22

O Sr. Gomes de Menezes, atentou para o fato de que, se a gratificação dada pelo Governo não fosse subtraída da venda do navio e seu carregamento, oneraria o tesouro. Não via isso consignado no artigo, nem na emenda.

O Sr. Moraes Sarmento entendia que era bastante para a repressão ao tráfico a perda do navio e a multa. não era necessário perder o carregamento. Poderia onerar inocentes, que tivessem carga nestes navios. Não concordava também com a

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reexportação por conta do Governo, queria que esta despesa saísse do produto do navio e outros.

Em defesa da emenda, o Sr. Rodrigues dos Santos respondeu que as gratificações por parte do Governo seriam um estímulo ao combate ao tráfico. Se fossem deduzidas do carregamento ou venda dos navios, geralmente velhos e de pouco valor, a não ser algum vapor que dificilmente seria apreendido, não haveria incentivo. Ponderou que não deveria ter qualquer exceção. Referindo-se ao carregamento, daria lugar a abusos. O carregador que fosse zeloso e observasse se o navio se destinaria ao tráfico. Era sabido que os navios destinados ao tráfico tinham suas peculiaridades.

O Sr. Moraes Sarmento discordou de seu antecessor. Navios aparelhados para o tráfico tinham formas de burlar até o mais zeloso carregador e poderiam carregar grande quantidade de mercadorias, além de escravos.

Não havendo mais quem pedisse a palavra, o Sr. Presidente deu como encerrada a discussão. Feita a chamada, não havia Casa para votar.

Na sessão de 21 de setembro de 1848, foi colocado em votação o art. 8º, em que foi rejeitado o mesmo, e aprovada a emenda substitutiva do Sr. Rodrigues dos Santos

2.2.9 - O Artigo Nono

I - A Reexportação dos Africanos

Entrou em discussão o art. 9º e emenda.23 O Sr. Nunes Machado achava conveniente que se desse crédito ao Governo para reexportar não só os africanos livres que se achavam no país, cujos serviços o Governo fez arrematar por particulares, como aqueles que se houverem libertado. Na terceira discussão mandaria emenda neste sentido.

Dando por discutido pelo Sr. Presidente o art. 9º foi a votação, foi rejeitado e aprovada a emenda.

2.2.10 - O Artigo Dez

Foi aprovado o art. 10 24, em que o dono do navio, capitão ou mestre só poderia viajar à costa da África, depois de assinar termo de compromisso de não embarcar escravos e prestação de fiança.

2.2.11 - O Artigo Onze

Entrou em discussão o art.11, que versava sobre visita aos navios com destino a Costa da África. Foi rejeitado e aprovada emenda de supressão.25

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2.2.12 - O Artigo Doze

O art. 12 entrou em discussão e foi substituído.26

2.2.13 - O Artigo Treze

I - Sessão Secreta

Entrou em discussão o art. 13, que revogava a Lei de 07 de novembro de 1831, que dizia no seu art. 1º : “ Todos os escravos que entrarem no território ou portos brasileiros, vindos de fora, ficam livres.”

O Sr. Rodrigues Santos fez requerimento para discussão secreta do artigo. Sr. Ferraz, em contrário, disse que teria que ser discutido publicamente. Queria emitir publicamente seu voto contra o artigo, para ficar consignado.

O Sr. Carvalho Moreira declarou-se contra essa Lei em todos os seus pontos e vírgulas. Não poderia votar por sessão secreta no artigo mais importante da Lei. Disse ainda que o modo como se apresentou esta Lei, que havia onze anos dormia o sono do esquecimento. Era para ele a razão que não precisava de sessão secreta. Votava contra o requerimento.

O Sr. José de Assis, não viu razão para o requerimento. Considerava-o despropositado e fora de lugar. Qualificou a Lei de iníqua e bárbara, sobretudo, pelo peso que o Governo estava dando ao art. 13. Observou que era preciso proceder de modo que não se exacerbasse as paixões. Esperava que a Câmara rejeitasse o artigo, cuja iniqüidade era óbvia. Disse que a sessão secreta eram trevas, para ocultar o que não poderiam fazer aos olhos da publicidade. Era contra a sessão secreta.

O Sr. Wanderley disse tencionar votar contra o artigo e considerava a sessão secreta, um meio de se ter mais liberdade para fazer considerações. Votaria pelo requerimento.

O Sr. Nunes Machado entendia o requerimento, mas acreditava que a Câmara não se daria à discussão deste artigo monstro. Dizia que o autor do requerimento ou queria esconder do público as idéias da Câmara ou facilitar a passagem do artigo.

Disse que seria importante ouvir a opinião do Governo neste ponto, pois tem mostrado temer dificuldades em questões menos importantes. Para isso votaria contra o requerimento.

O Sr. Coelho Bastos julgou que o artigo deveria ser discutido em sessão secreta. Disse não saber como votaria, mas cumpria examinar bem a ocasião e a oportunidade.

O Sr. Souza França considerava que seria prudente a Câmara discutir em sessão secreta, ao menos com a presença do Sr. Ministro da Justiça, acreditava que o artigo tinha razões muito extensas, era preciso que os Ministros soubessem o que os deputados queriam dizer a esse respeito. Votava pelo requerimento com o aditamento

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da presença de ao menos o Ministro da Justiça e o dos Negócios Estrangeiros. O Sr. Ferreira Penna fez aditamento ao requerimento do Sr. Souza França para que todos os Ministros pudessem assistir a sessão secreta, se houver.

Aprovado o requerimento do Sr. Souza França com os aditamentos propostos.O Sr. Silva Paranhos apresentou requerimento pedindo que mesmo em sessão

secreta a discussão votação fosse pública e nominal. O Sr. Presidente interferiu dizendo que a votação era antes de levantar a sessão secreta. O requerimento não foi submetido ao apoiamento da Câmara.

A sessão secreta ficou para 22 de setembro ao meio-dia.

Após esta deliberação no ano de 1848 não se falou mais na questão de repressão ao tráfico. No ano de 1849, a questão não foi discutida. Voltou a pauta da Câmara dos Deputados no ao de 1850.

2.3 - A Aprovação do Projeto em 1850

2.3.1 - A Discussão do Artigo 13 em 1850

I - A Decisão da Câmara dos Deputados

Na sessão de 11 de julho de 1850, o Sr. Eusébio de Queiroz, Ministro da Justiça, pediu para dar para a ordem do dia a Lei sobre o Tráfico de Escravos, ou seja, a continuação da discussão do art. 13, do projeto sobre esta matéria que ficou adiada do ano de 1848. E como a discussão na ocasião foi secreta, com declaração de poderem assistir os Ministros, pediu que continuasse da mesma maneira, faria requerimento, se necessário.

O Sr. Mendes Santos, Presidente da Câmara, informou que o projeto sobre repressão ao tráfico foi votado todo, exceto o art. 13, cuja discussão ficou adiada na sessão de 1848. Sobre este artigo versaria a sessão secreta na forma pedida pelo Sr. Ministro da Justiça.

A Câmara mandou publicar a decisão tomada em sessão secreta no dia 12 de julho:

“ Foi rejeitado o art. 13 do projeto de lei, vindo do Senado em 1837, sob o n.º 133, por decisão de quase unanimidade de votos dos membros presentes em número de 96.”27

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II - As Emendas ao Projeto Aprovadas pela Câmara

Na sessão de 13 de julho, o Sr. Paula Cândido, 1º Secretário, informou que estava sobre a Mesa a redação das emendas feitas ao projeto do Senado, relativas ao tráfico, que seriam impressas.

Na sessão de 18 de julho mandou publicar as emendas aprovadas na sessão secreta.

Emendas votadas na Câmara dos Deputados ao projeto do Senado n.º 133, sobre a Repressão ao Tráfico de Africanos:

“ Os artigos 1º e 2º sejam suprimidos.

O Art. 3º ( que passa a ser 1º) seja substituído pelo seguinte:As embarcações brasileiras encontradas em qualquer parte, e as estrangeiras

encontradas nos portos, enseadas, ancoradouros ou mares territoriais do Brasil, tendo a seu bordo escravos, cuja importação é proibida pela Lei de 07 de novembro de 1831, ou havendo-os desembarcado, serão apreendidas pelas autoridades ou pelos navios de guerra brasileiros e consideradas importadoras de escravos.

Aquelas que não tiverem escravos a bordo, nem os houver proximamente desembarcado, porém se encontrarem com sinais de se empregarem no tráfico de escravos, serão igualmente apreendidas e consideradas em tentativa de importação de escravos.

O Art. 4º ( que passa a ser o 2º) seja substituído pelo seguinte:O Governo imperial marcara em regulamento os sinais que devem constituir a

presunção legal do destino das embarcações ao tráfico de escravos.

O Art. 5º (que passa a ser 3.º) antes da palavra capitão acrescente-se o dono. Suprimam-se as palavras donos da negociação . A segunda parte do artigo seja substituída pelo seguinte:

São cúmplices a equipagem, e os que coadjuvarem o desembarque de escravos no território brasileiro, ou que concorrerem para os ocultar ao conhecimento da autoridade, ou para os subtrair a apreensão no mar, ou em ato de desembarque, sendo perseguido.

O Art. 6º (que passa a ser 4.º) seja substituído pelo seguinte: A importação de escravos no território do Império fica nele considerada como

pirataria, e será punida pelos tribunais com as penas declaradas no artigo segundo a Lei de 07 de novembro de 1831. A tentativa e a cumplicidade serão punidas segundo as regras dos artigos 34 e 35 do Código Criminal.

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O Art. 7º seja suprimido.

O Art. 8º ( que passa a ser 5.º) substitua-se a primeira parte pelo seguinte: As embarcações de que tratam os artigos 3º e 4º ( que passam a ser 1º e 2º) e

todos os barcos empregados no desembarque, ocultação, ou extravio de escravos, serão vendidos com toda a carga encontrada a bordo, e o seu produto pertencerá aos apresadores, deduzindo-se um quarto para o denunciante, se houver. E o Governo, verificado o julgamento de boa presa, retribuirá a tripulação da embarcação com a soma de quarenta mil réis por cada um africano apreendido, que será distribuído conforme as leis a respeito.

O Art. 9º ( que passa a ser 6.º) seja substituído pelo seguinte: Todos os escravos que forem apreendidos serão reexportados por conta do

Estado para os portos donde tiverem vindo, ou para qualquer outro ponto fora do Império, que mais conveniente parecer ao Governo; e em quanto essa reexportação se não se verificar, serão empregados em trabalho debaixo da tutela do Governo, não sendo em caso algum concedidos os seus serviços a particulares.

No Art. 10 ( que passa a ser 7.º) seja substituída a última parte desde as palavras a qual fiança pelo seguinte:

...a fiança só será levantada se dentro de dezoito meses provar que foi exatamente cumprido aquilo a que se obrigou no termo.

O Art. 11 seja suprimido.

O Art. 12 (que passa a ser 8.º) seja substituído pelo seguinte:Todos os apresamentos de embarcações, de que tratam os artigos 3º e 4º (que

passam a ser 1º e 2º), assim como a liberdade dos escravos apreendidos no alto mar, ou na costa antes do desembarque, no ato dele, ou imediatamente depois em armazéns, e depósitos sitos nas costas e portos, serão processados e julgados em primeira instância pela Auditoria de Marinha, e em segunda pelo Conselho do Estado.

O Governo marcará em regulamento a forma do processo em primeira e segunda instância, e poderá criar Auditores de Marinha nos portos onde convenha, devendo servir de Auditores os Juizes de Direito das respectivas comarcas, que para isso forem designados.

O Art. 9.º Os Auditores de Marinha serão igualmente competentes para processar e julgar os réus mencionados no artigo terceiro. De suas decisões haverá para as relações os mesmos recursos e apelações que nos processos de responsabilidade.

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Os compreendidos no artigo terceiro da Lei de 07 de Novembro de 1831, que não estão designados no artigo terceiro desta Lei, continuarão a ser processados, e julgados no foro comum.

Art. 13 seja suprimido.

Paço da Câmara dos Deputados, 17 de julho de 1850. Ferreira Penna, Sayão Lobato, J.O Nébias.

III - Pedido de Informações ao Governo

Na sessão de 20 de julho de 1850, o Sr. Mello Franco, apresentou requerimento pedindo ao governo, pela repartição competente, o seguinte:

“ 1º) A relação nominal dos indivíduos, que a título de brasileiros desvalidos, prisioneiros e naufragados tem sido socorridos pelo Governo em outros países estrangeiros, assim como, a declaração dos navios que esses indivíduos naufragaram, ou foram aprisionados e quaisquer outros esclarecimentos, que possam justificar as despesas verificadas;

2º) Com que fundamento reclama o Governo Português a indenização de 60:000$ fortes, em favor de Amaral e Bastos;

3º) Quantos navios brasileiros tem sido apresados este ano pelo Cruzeiro Inglês, e qual tem sido o comportamento do Governo Imperial a este respeito;

4º) Quantos africanos livres existem atualmente distribuídos a particulares, quando foram distribuídos a cada um desses particulares, por que quantia, e em que datas se arbitraram os respectivos salários; quantos dos distribuídos consta ao Governo que tenham falecido;

5º) A quanto monta a importância dos salários recolhidos aos cofres públicos.”28

IV - Manifestação em Favor da Repressão

Na sessão de 22 de julho o Sr. Ângelo Ramos enviou uma representação da Câmara Municipal da Província da Bahia em favor da repressão ao tráfico. Não foi lida porque a ocasião não era própria. Havia outro projeto em discussão. Foi, contudo, remetido à Mesa.29

V - Requerimentos sobre Apreensões

O Sr. Moreira Carvalho, na sessão de 06 de junho de 1848, enviou à Mesa requerimento ao Governo pela Repartição de Negócios Estrangeiros, pedindo papéis e documentos relativos a apreensão do navio Sutil, e outros apreendidos por navios de

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guerra brasileiros, por se acharem empregados no tráfico de africanos. Têm sido submetidos aos tribunais do país, bem como o parecer do Estado sobre os processos, respectivos às decisões tomadas.30

Na sessão de 22 de julho ficou sobre a mesa para ser tomado em consideração, o requerimento do Sr. Manuel Affonso Martins, pedindo deliberação sobre o pagamento dos prejuízos ocasionados pelo apresamento, pela esquadra de Lord Cochrane, de uma sumaca a ele pertencente. Pediu que a matéria fosse dada para a ordem do dia.31

2.3.2 - O Projeto no Senado e Sanção Imperial.

Na sessão de 22 de agosto, o 1º secretário comunicou que o Senado adotou e vai dirigir à Sanção Imperial o decreto sobre Repressão do Tráfico de Africanos.

Na sessão de 09 de setembro de 1850, o 1º Secretário, participou a Câmara que constou no Senado que Sua Majestade Imperial houve por bem sancionar os decretos da Assembléia Geral, estabelecendo medidas para Repressão ao Tráfico de Africanos.

2.4 – Crédito para Repressão ao Tráfico

Uma demonstração efetiva de que o Governo estava se preocupando – por pressão externa - com a repressão ao tráfico, foi a apresentação de proposta pedindo crédito de oitocentos contos para aquisição de vapores em 1852.

Na Fala do Trono de 1852 Sua Majestade firmou compromisso com a continuidade do combate ao tráfico:

“ ... o meu Governo continuará a reprimir o tráfico, o qual depois da última sessão legislativa ainda tem diminuído. Espero que, mediante o vigor e atenção que ele emprega nesta tarefa, desaparecerão de todo as poucas e indignas especulações com que a avidez do lucro procura embaraçá-la. Conto sempre com a Vossa inteira coadjuvação para todas as medidas que a experiência aponte como necessárias para a completa extinção de tão abominável comércio.

O Império achava-se em paz com todas as potências estrangeiras...” 32

Na Resposta à Fala do Trono, a Câmara dos Deputados deu seu Voto de Graças, ou seja, concordou e empenhou palavra em ajudar Sua Majestade a governar o país.

Na sessão de 07 de junho de 1852 o Sr. Zacharias de Goes Vasconcellos, Ministro da Marinha, em nome de Sua Majestade Imperial, com objetivo de promover a completa extinção do tráfico de africanos, apresentou a seguinte proposta:

“Artigo Único . O Governo fica autorizado a despender até 800:000$ na aquisição de vapores especialmente destinados ao cruzeiro da Costa do Império.” 33

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O Sr. Ministro se retirou. O Sr. Maciel Monteiro, Presidente da Câmara, declarou que a proposta do Poder Executivo seria tomada na devida consideração e remetida à Comissão de Fazenda.

2.4.1 – Parecer das Comissões

Na sessão de 26 de junho de 1852, a Comissão de Fazenda apresentou seu parecer, dizendo que a proposta teria que ser devolvida. Em conformidade com o requerimento do Casa, competiria à terceira Comissão de Orçamento interpor parecer acerca de semelhante objeto.

Na sessão de 28 de junho de 1852, o parecer foi lido e aprovado sem debate. Na sessão de 30 de junho, o projeto foi lido apoiado. Foi à impressão, para entrar na ordem dos trabalhos seguintes.

A proposta entrou em discussão na sessão de 12 de julho. A Comissão de Orçamento foi de parecer favorável ao crédito pedido e apontou duas razões:

Primeira, dizia ser inquestionável a obrigação do Governo Imperial em satisfazer os compromissos do país, com a lealdade e o Zelo que deve caracterizar o cumprimento da palavra nacional. Um Cruzeiro ativo e vigilante seria importante para executar as estipulações de 23 de novembro de 1826, das Lei de 07 de novembro de 1831 e de 04 de setembro de 1850 e desanimar as especulações que se tentarem com o propósito de continuar abominável comércio, como o tráfico de africanos.

Segunda, dizia que o país tinha barcos a vela e a vapor, que poderiam ser empregados no Cruzeiro, mas eram insuficientes para guardar um litoral tão extenso e acessível ao desembarque por contrabando. Os vapores brasileiros, embora fizessem apreensões, não eram adaptados para este fim. Enquanto os navios destinados ao tráfico eram mais velozes, escapando os criminosos do devido castigo e salvando o objeto de sua cobiça.

Estas razões pesaram no parecer da Comissão aprovando o crédito, o qual não duvidaria a Comissão, se fora necessário, elevar mesmo a maior cifra para que melhor habilitado, possa o Governo, preservar do tráfico que tem impedido o desenvolvimento da agricultura nacional e ao verdadeiro progresso do país.

Então, a Comissão converteu em projeto de lei a proposta do Governo.34

O Sr. Carneiro Cunha disse sentir não poder concordar com o projeto, pois achava a quantia muito grande. Dizia que o Brasil tinha embarcações de guerra e mesmo vapores que não estavam em serviço ativo. Achava que a Marinha deveria ser formada gradualmente e não teria no momento homens suficiente para os vapores que iria comprar. Deveria primeiro criar mecanismos para recrutar homens sem violência; depois criar estradas para explorar minas de carvão e também ter como consertar esses vapores.

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Afirmava também que

“ as repressão ao tráfico foi manca, porque estabelecendo castigo para os que iam buscar africanos, não estabeleceu também penas para aquelas autoridades que não empregassem toda energia afim de capturar a esses africanos e aos indivíduos que os introduzissem no Brasil.” 35

Dizia que a repressão ao tráfico deveria ser no mar e em terra, principalmente em terra. O país não deveria estar pelo que queria a Inglaterra, porque talvez ela quisesse incumbir o Brasil da repressão, afim de fazer insultos como os que fazia na Costa do Brasil. Votava contra por ser muito dinheiro e porque muitas províncias estavam esquecidas do Império e necessitavam melhoramentos. Chamava atenção aos gastos, pois o deficit da receita anual poderia ser contínuo.

2.4.2 – Visão Sobre o Africano

O Sr. Joaquim Vilella tomou a palavra e felicitou o projeto. Reconhecia como importante a repressão ao tráfico, pois estava ligada aos interesses mais momentosos do país, à moralidade, à civilização, aos melhoramentos materiais. Dizia que num país onde havia escravidão não poderia haver progresso na moralidade e civilização, nem desenvolvimento da indústria. Era incontestável a ligação da escravidão ao tráfico, da decisão de um dependeria necessariamente a decisão da outra. Deveriam deixar de importar para deixar de ter escravos.

Afirmava não ser daqueles que queria acabar com a escravidão de chofre, sem preparo do país. Sabia que ela era um mal gravíssimo, uma lepra para o país, porém reconhecia ser um ataque à ordem pública se

“ libertasse uma imensidade de selvagens, que despidos de toda educação, destituídos de toda moralidade, não fariam mais do que por em contínuo abalo a segurança de todos; reconheço também que isso seria um ataque direto à propriedade bem ou mal estabelecida há séculos pela legislação do país.” 36

Afirmava que os dados apresentados pelos ministérios últimos sobre a repressão eram positivos, reconhecidos até por que duvidava dos esforços do Governo brasileiro. O tráfico tinha diminuído consideravelmente. Dizia que o Cruzeiro na costa era um meio eficaz de combate e deveria ser feito pelo próprio país,

“era injúria que estrangeiros viessem tomar-nos a dianteira em negócio de tanta importância, lançassem sobre nós a acusação, aliás muito infundada, de que éramos indiferentes, senão interessados na continuação do tráfico.” 37

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2.4.3 – O Apoio da Opinião Pública

Para reprimir o tráfico, segundo o Sr. Vilella, era preciso fortificar no país opinião contrária a ele, o espírito público em favor de uma medida para que ela encontre simpatia era o melhor meio de levá-la a efeito. Era preciso combater a idéia de que o Brasil não poderia progredir nos diferentes ramos de sua indústria sem o auxílio do braço africano e afirmar a conveniência de abolir o tráfico, pois os mais altos interesses do país se achavam ligados à extinção.

Dizia que a opinião pública tem se declarado em favor da extinção e era incontestável que não poderiam deixar de empregar com muito mais confiança de bons resultados todos os meios. Não poderiam desprezar a opinião pública em favor da repressão ao tráfico e contra o interesse que excita a cobiça do importador de africanos que não se atira a esse reprovado comércio, senão pelo excessivo ganho que calcula obter. Só seria possível combater essa esperança de ganho fazendo triunfar a opinião pública por medidas repressivas que convençam os contrabandistas de que a empresa era cheia de perigos , dificuldades ou impossibilidades de êxito.

Acreditava que o Brasil deveria tomar nas mãos a repressão no mar, pois o cruzeiro inglês tem exercido esta tarefa. Entrou muitas vezes nos mares territoriais brasileiros, apreendeu navios. Perguntava se era melhor ver o cruzeiro britânico tomar a si a tarefa de repressão nos mares territoriais ou o Brasil ter cruzeiros para fazer apresamento de negreiros.

Por fim disse que ninguém deveria vir ensinar como cumprir os deveres, o governo tinha muito peito para reprimir o tráfico, mas necessitava de meios para conseguir a abolição total. Por isso votava a favor do projeto.

2.4.4 – Um Governo Tolerante

O Sr. Mello Franco subiu à tribuna e principiou criticando o Governo. Perguntava se desde que acordou ao som do canhão britânico, porque somente agora reconheceu a necessidade de aumentar o cruzeiro para repressão ao tráfico. Agora que terminada a questão do Prata, teriam vapores disponíveis que poderiam ser empregados na repressão.

Defendeu a repressão em terra. Disse não saber se o tráfico realmente terminaria com a compra de vapores, pois o Governo não punia os traficantes. Os negreiros que continuavam a promover por todos os meios novas companhias, para recomeçar o tráfico:

“ Eu já disse em outra ocasião que tenho notícias de muitos negreiros, de muitos indivíduos comprometidos nesse negócio abominável, que passeiam impunemente nas nossas povoações e mesmo na Corte. Se há boa vontade na repressão ao tráfico tenha o Governo a coragem de afrontar as necessidades que a época eleitoral impõe,

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persiga esses ladrões e contrabandistas conhecidos, mande-os processar pelos tribunais que lhe asseguro o tráfico cessará completamente... é preciso por a termo essa chaga, essa lepra que paralisa o nosso progresso, que acanha a nossa indústria, que concorre poderosamente para a desmoralização do país.” 38

Estava convencido que a não tolerância a traficantes conhecidos e o emprego de medidas que por vezes o Governo tem usado com respeito a estrangeiros, cessaria o tráfico. Dizia querer o combate ao tráfico em terra e mar, a expulsão dos traficantes e resposta do governo aos insultos por parte da Inglaterra.

Por fim reafirmou que a liberdade dos traficantes continuava em várias províncias do norte. Como prova, dizia que os navios vindos de lá traziam junto escravos boçais, inclusive tendo que ser fiscalizados pela polícia. Fez colocação final, insinuando que o Governo estava comprometido com a Inglaterra em pedir o crédito ao Poder Legislativo para que ela reconhecesse a soberania e independência do país.

O Sr. Vilella disse que o governo inglês estava convencido da sinceridade do Governo em combater o tráfico. Ao contrário, o Sr. Moraes Sarmento disse que as glórias da repressão pertencia aos ingleses.

2.4.5 – Recuperação da Imagem do Brasil

O Sr. Mendes de Almeida, membro da Comissão, subiu à tribuna em defesa da proposta, dizendo que qualquer proposta que fosse apresentada sobre assunto seria bem recebida , pois não era questão de partido, era questão de moralidade nacional.

Avaliou que o Governo outrora era maltratado no estrangeiro como protetor do tráfico de africanos. Entretanto, o sentimento mudou pela maneira com que o Governo tem reprimido o tráfico e perseguido os contrabandistas. Isso faria com que o país tivesse no futuro um papel digno e brilhante. Concorreria para gradualmente acabar com a chaga da escravatura. O Governo estava, segundo ele, desempenhando com aplausos gerais das nações civilizadas a tarefa de reprimir o tráfico.

Em defesa do projeto do Governo dizia que o país não tinha navios capazes de competir com os traficantes, que eram capazes de navegar em águas baixas e muito velozes. O Brasil teria, segundo ele, apenas três vapores convenientes para o combate ao tráfico. Usava os relatórios do Governo para dizer que recomendava maior número de vapores. Não aceitou a acusação de que o projeto foi apresentado para homenagear a Inglaterra. Afirmou a eficácia da ação do Governo, pois embora em situação adversa, o país fez 18 presas e três mil e tantos africanos aprisionados e o reconhecimento do Governo britânico.

Dizia que depois de ter passado pelo desgosto do “Bill Aberdeen”, ao qual foi oposta estéril protesto; depois de passar a vergonha de ver os mares territoriais invadidos, navios visitados a despeito do direito internacional; era hora do Governo brasileiro tomar a dianteira no combate ao tráfico.

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Nas sessões de 13, 14, 15 e 16 de julho de 1852 o projeto foi discutido, mas as idéias principais continuavam as mesmas da primeira discussão. Novidade apenas no apoio ao discurso do Sr. Eusébio de Queiroz39 e discussão de questões partidárias acerca da avaliação do Gabinete passado.

O projeto foi adotado pela Câmara.Na sessão de 23 de agosto de 1852 a Câmara foi inteirada que constava no

Senado que Sua Majestade Imperial consentiu o decreto que autorizava o Governo a despender até oitocentos contos na aquisição de vapores.40

Na Fala de Encerramento da Legislatura Sua Majestade disse:

“ o tráfico de africanos está por assim dizer extinto. Para reprimir uma e outra tentativa de ávidos aventureiros que procurem ainda tirar lucro de tão imorais especulações pareceu suficiente as leis que tendes decretado, as quais continuarão a ser executadas vigorosamente...

O Brasil está em paz e com boas relações com todos os países estrangeiros.” 41

2.5 – Um Projeto de Libertação de Escravos

Na sessão de 02 de agosto de 1850, o Sr. Silva Guimarães apresentou projeto composto de seis artigos, que versava sobre a emancipação dos nascituros:

“ Art. 1º São livres todos os que no Império nascerem de ventre escravo e os nascidos em outra parte que para Ele vierem.

Art. 2º O escravo que der a soma igual a que ele houver custado para seu senhor; o seu senhor será obrigado a passar-lhe a carta de liberdade.

Art. 3º Nenhum escravo casado poderá ser vendido ou libertado sem que seja conjuntamente com o outro consorte sob pena da nulidade da venda.

Art. 4º Autorização para o Governo criar estabelecimentos para recolher os recém-nascidos, que os possuidores não quiserem criar.

Art. 5º O Governo está autorizado a produzir os regulamentos para a Lei.Art. 6º revogadas as disposições em contrário. 42

O Sr. Presidente pediu para que se levantassem os deputados que julgassem o projeto objeto de deliberação, apenas 05 deputados levantaram. Não foi julgado objeto de deliberação.

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2.6 – Discussões acerca da Lei de 07 de novembro de 1831

A escravidão estava profundamente entrelaçada com os interesses econômicos e políticos do Império. Era, segundo o Visconde de Itaboray: “o alicerce da sociedade brasileira”. Neste sentido, ser opositor da escravidão, sobretudo nas primeiras décadas do século XIX, significava ter que suportar conseqüências de uma instituição poderosa, capaz de qualquer reação.

2.6.1 – Os Objetivos da Lei

Podemos afirmar que a Lei de 07 de novembro de 1831 fôra promulgada não com o intuito de iniciar a emancipação dos escravos no Brasil, mas para satisfazer o desejo internacional, ditado pela Inglaterra, de acabar com o tráfico no continente africano. A Lei surgiu como coroamento de vários tratados assinados pelas nações ditas civilizadas, com objetivo de reprimir o tráfico e impossibilitar o desembarque de africanos no Brasil. Deu origem ao célebre “para inglês ver...”Talvez esta constatação possa explicar a falta de aplicação da Lei pelo Governo, consciente de que muitos africanos escravizados desembarcavam nos portos do Brasil.

Segundo afirmação do Marquês de Barbacena, propositor da Lei aprovada em 04 de setembro de 1850,

“ Nos primeiros dois anos, depois da Lei, foi muito pequena a importação, porque ainda não se haviam descoberto os meios de iludir os exames na entrada e saída dos portos; não se haviam estabelecido vários depósitos para recepção dos escravos, o ensino da língua portuguesa; não existiam corretores organizados em força para levar os escravos a cada fazenda, para tentar a inocência dos lavradores.

Logo porém, que toda esta máquina foi montada, começou a crescer a importação a tal ponto, que bem se pode dizer sem receio de exageração, que ela tem sido nestes últimos três anos muito maior do que fora nos tempos do comércio franco e legal.” 43

Ao mesmo tempo que constatou o fato, julgava que o Poder Legislativo não poderia ficar indiferente. Então, propôs o projeto de 1837, com desejo manifesto de revogar a lei de 07 de novembro de 1831 e o estabelecimento de novos meios mais eficazes para combate ao tráfico de africanos.

Constatou que os lavradores compravam os “africanos livres”, seduzidos pelo desejo de aumentar sua fortuna. Segundo o Conselheiro Macedo de Moraes, um escravo de 18 a 20 anos comprado até 1850 por 300$000 reis ou pouco mais, empregado na cultura do café, podia colher em um ano cem arrobas no valor de 300$000, preço pelo qual teria sido comprado. Os lavradores sabiam que a rentabilidade seria muito maior explorando ao máximo a força de trabalho do africano

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e depois a substitui-lo por outro. Com base nesta constatação, poderíamos supor que pouco se preocupavam com os filhos de escravas, que só poderiam fornecer igual serviço ao final de 14 ou 16 anos.

Então, podemos concluir que a grande maioria dos escravos existentes era composta de africanos. Se aplicadas as disposições da Lei de 1831 seriam eles livres, bem como, seus descendentes.

Do ponto da aplicação da Lei de 07 de novembro de 1831, em toda a sua amplitude, ela não estava em vigor, mas

“ o Governo se refere a ela em todas as inovações que tem feito no estado da escravidão e na correspondência diplomática, tem sempre mantido a idéia de que esta Lei é uma realidade no país. Quando, em virtude do Bill Aberdeen, sofremos violência do Governo inglês este para convencer de que da nossa parte havia falta de sinceridade na abolição do tráfico, e nós, para convencermos a Inglaterra que nos esforçávamos em reprimi-lo, de parte a parte se invocava a Lei de 07 de novembro de 1831.” 44

A Lei de 04 de setembro de 1850, que decretou providências em relação ao tráfico de escravos, não mencionou nada relativo aos dezenove anos em que a Lei de 1831 não foi aplicada. Não continha nenhuma referência demonstrando claramente que a Lei de 1831 foi aprovada para dar satisfação internacional de que o Brasil se preocupava com o término do tráfico. E o Poder Legislativo tolerou propositadamente, como fato consumado, a escravidão dos africanos importados, com anterioridade a 1850.

Outro fato, a nosso ver, presente no processo de discussão do projeto de Lei de 1837, que corroborou a não aplicação da Lei de 1831, era a idéia, no corpo legislativo, da iniqüidade de declarar livres africanos importados, pois:

“ A geração de contrabandistas de escravos estava quase extinta, raro seria o proprietário que tivesse escravo e soubesse serem importados após 1831. Quase todos os senhores adquiriram o escravo de boa fé, por título de transmissão entre vivos ou herança, e os tem possuído com a tolerância e consentimento do Governo e das autoridades judiciarias, não sendo justo que possam ser privados de suas propriedades sem indenização.” 45

Este argumento, contudo, é de escassa valia, quando se sabe que os registros, lavrados por exigência do Ministério da Agricultura depois de 1862 e, mesmo, pelo Governo, depois de 1871, falsificavam em muito, deliberadamente, a idade de “meias-caras”, havidos em grande número, por toda parte, na escravaria do País.

O Poder Legislativo tolerou propositadamente, como fato consumado, a escravidão dos africanos importados, com anterioridade a 1850.

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2.7 – Uma Interpretação da Lei

No que diz respeito à discussão da Lei de 04 de setembro de 1850, há um prejuízo na análise dos dados.

Os Anais do Senado de 1837 não apresentam tal discussão. O relatório mais amplo foi referente à apresentação do projeto pelo Marquês de Barbacena, na sessão de 30 de junho, e um comentário acerca do projeto feito pelo Sr. Teixeira Gouvêa. Nas sessões seguintes são apresentados os artigos, emendas, sua aprovação ou rejeição por parte do Senado.

Na Câmara dos Deputados também os relatórios são limitados. O que apresentou maior amplitude foi relativo à discussão de 1848. No momento de aprovação do projeto e suas emendas em 1850, não é possível saber por exemplo as condições porque um artigo aprovado em 1848, foi suprimido em 1850.

2.7.1 – Fatores para o Fim do Tráfico

O Governo lançou mão de um projeto de 1837, que dormia na gaveta por onze anos , como forma de reprimir o tráfico. As discussões se processaram na Câmara dos Deputados em 1848, onde apenas o artigo referente a revogação da Lei de 07 de novembro de 1831 ficou para discussão em sessão secreta. O projeto ficou na gaveta por mais dois anos e voltou a ser discutido e aprovado no ano de 1850.

Podemos constatar que a Lei de 04 de dezembro de 1850, pelos artigos aprovados, não tinha objetivo de defender o africano escravizado ilegalmente. Alguns fatores, no nosso entender, foram fundamentais para por fim ao tráfico de africanos para o Brasil. A Lei pretendia dar satisfação à Inglaterra, que continuava a pressão sobre o Governo brasileiro. E diminuir o poder dos traficantes na sociedade brasileira. Neste momento, buscamos fazer uma interpretação da Lei, referindo ao segundo ponto.

Embora muitos autores atestem e os dados comprovem que o tráfico recrudesceu após o “Bill Aberdeen”, considero ter sido ele, um dos fatores importantes para o fim do tráfico. As pressões da Marinha inglesa fizeram com que o Governo brasileiro acordasse para tentar resolver o problema por seus próprios meios.

A aplicação da Lei de 1850 pareceu-nos ter sido o momento de maior empenho do Governo brasileiro no trato com a questão escravista, mesmo porque após a aprovação da Lei a Inglaterra continuou a exercer pressão diplomática e militar sobre o Brasil.

Um outro fator para o fim do tráfico foram os conflitos que se estabeleceram entre traficantes e fazendeiros proprietários de escravos. Alguns fazendeiros compravam muitos escravos, talvez pelo receio de não progredirem sem o braço africano. Como garantia de pagamento hipotecavam suas propriedades.

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Muitas vezes perdiam logo no início grande quantidade de escravos por fuga, morte por maus tratos e trabalho árduo. Ou ainda, segundo o Sr. Nunes Machado, que dizia, se considerado o preço do escravo, não haveria agricultura possível. Os preços dos gêneros agrícolas se esgotariam na compra de escravos e muito capital seria perdido com as embarcações tomadas ou apreendidas, capital este que saía da agricultura. Não tendo como honrar suas dívidas, as propriedades passavam para as mãos de especuladores ou traficantes.

Desfizeram-se velhas amizades. Traficantes, na sua maioria portugueses, que conviviam eram protegidos e gozavam do mais alto prestígio na sociedade brasileira. Foram deportados, como por exemplo os Srs. Antônio Severino de Alencar e Manuel Pinto da Fonseca.46

Estes fatos fizeram com que a resistência em favor do tráfico começasse a diminuir. Na Câmara dos Deputados e Senado iniciavam propostas de repressão, uma vez que, segundo o Sr. Ferreira Viana Filho:

“ os senhores de escravos e fazendeiros dominavam o Brasil: eles faziam os eleitores; estes os Deputados e Senadores; dos Deputados e Senadores tirava o Imperador seus ministros.” 47

A opinião de boa parte Governo, dos Deputados e Senadores, era favorável ao fim do tráfico, como demonstraram as discussões na Câmara. Mas aceitava o cativeiro, não enxergava nada de anormal no regime escravocrata, como diziam: “ para o bem do país e de sua maior indústria.”

Maior prova disso foi o projeto apresentado pelo Sr. Silva Guimarães com disposições acerca da liberdade de ventre, alforria do escravo pagando a seu dono o preço pelo qual foi comprado e proibição de separar casais. O projeto foi apresentado nas sessões de 22 de março e 02 de agosto de 1850 e na sessão de 04 de junho de 1852. Não foi julgado objeto de deliberação em nenhuma das sessões, recebendo reprovação de quase totalidade da Câmara.

Para o tempo, parecia bastar ao Governo a extinção do tráfico, como afirmava o a maioria do Conselho de Estado, em seu parecer, quanto a barbaridades cometidas por um senhor de escravos no Rio Grande do Sul. Dizia que

“ nada deveria alterar na escravidão entre nós, conservando-se tal como se acha e para evitar discussão no corpo legislativo sobre quaisquer novas medidas a respeito de escravos, quando já se tinha feito o quanto se devia e convinha fazer na efetiva repressão ao tráfico.” 48

O parecer do Imperador foi favorável a esta decisão.

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2.7.2 – Os Africanos Livres

Quanto à sorte dos “africanos livres”, em cumprimento ao artigo primeiro da Lei de 07 de novembro de 1831 e artigo sexto da Lei de 04 de setembro de 1850, nada foi feito de efetivo. A Lei dizia que deveriam ficar “sob a tutela do Estado” e depois reexportados, mas isso nunca foi levado a sério. Ficavam empregados, em princípio nos serviços públicos, depois cedidos a particulares da cidade e interior, sob termo de responsabilidade.

De nada valeu o decreto n.º 1303, de 28 de dezembro de 1853 assinado pelo Sr. Nabuco de Araújo, declarando que os “africanos livres”, cujos serviços foram arrematados por particulares, ficavam emancipados depois de catorze anos, quando os mesmos requeressem. Mas o decreto enfrentava dois embaraços reais: primeiro era quase impossível determinar o paradeiro dos escravos repartidos, uma vez que estavam junto com os escravos da fazenda; e, segundo, a acomodação das consciências quanto à escravidão, tida como normal, aliada à dificuldade dos africanos em requerer a sua liberdade.

Podemos dizer que parte da elite nacional começava a aceitar a repressão ao tráfico. Até porque a forma de redação da Lei foi conveniente. Atacava a introdução de novos africanos no Brasil, mas “anistiava” os proprietários, no que dizia respeito aos africanos trazidos depois da Lei de 07 de novembro de 1831.

2.8 – Tráfico Interprovincial

O tráfico interprovincial de escravos no Brasil, alcançou o seu auge nas décadas que se seguiram à supressão do tráfico africano, mas antes disso, o comércio de escravos entre províncias já era grande. Era expressivo o fluxo de escravos do Norte e, em menor número do extremo Sul, para o Sudeste.

2.8.1 – O Tráfico: Mudança no Eixo de Produção

O tráfico estava diretamente relacionado à produção. Com a mudança do eixo produtivo do Norte para o Sudeste os escravos eram vitais para os interesses dos produtores de café do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, isso fez com que o fluxo aumentasse.

O Governo e membros da Assembléia Geral consideravam que, para o bem do país e da agricultura, o tráfico entre as províncias não poderia ser contestado.49

Dados apresentados por Robert Conrad afirmam que, registrados, nos primeiros meses do ano de 1852 entraram no Rio de Janeiro mil seiscentos e sessenta escravos provenientes do tráfico interprovincial, sendo mil trezentos e setenta e seis dos províncias do Nordeste e cento e catorze do Sul.50

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O interesse pelos escravos era tanto que o tráfico tomou proporções exageradas, fazendo surgir um novo tipo de comerciante, aquele que ia até regiões longínquas do Império, comprava o escravo para revender nos grandes centros de produção de café. Convenciam fazendeiros pobres ou residentes nas cidades a venderem seus escravos. Ofereciam oitocentos mil réis por um escravo que talvez tivesse produzindo anualmente trinta ou quarenta mil réis para seu dono, formando assim uma partida ou carregamento.51 Embora este novo tipo de tráfico fosse legal, pois não havia lei que dissesse o contrário, sua defesa estava presente no artigo primeiro do projeto de lei do Senado, feito em 1837.

O tráfico conservava muitas características do tráfico africano. Segundo o Sr. Wanderley, ele:

“ reduzia à escravidão pessoas livre e era considerado tão bárbaro e desumano quanto o da Costa da África.” 52

O tráfico interno, com objetivo de ludibriar a cobrança de impostos nos portos das províncias de saída, submetia por vezes os escravos a duras jornadas por terra.53

Além de escravos para produção agrícola, que eram a grande maioria, também mulheres jovens eram procuradas para ganho na prostituição, na reprodução, ama-de-leite, costureira, cozinheira, lavadeiras e escravos chamados ladinos. Estes treinados num ofício ou profissão como marceneiro, carpinteiro, ferreiro, barqueiro, alfaiate, sapateiro, cozinheiro, etc.

Era possível ver, segundo o Sr. Perdigão Malheiro,

“comboios de escravos atravessando as ruas das cidades ou ainda firmas especializadas que os ofereciam para venda. Os escravos nascidos no Brasil tomaram o lugar dos africanos nos galpões e quadras de leilão nas ruas principais dos centros comerciais do país.” 54

2.8.2 - O Conflito entre Norte e Sul

Em discussões na Câmara referentes ao tráfico interno, se estabeleceu um conflito entre “Norte” e “Sul”.

As Assembléias Legislativas das províncias do “Norte” tentaram através de pesadas taxas de importação deter o tráfico, mas não conseguiram.55 Primeiro porque muitos senhores de escravos foram atraídos por ganhos imediatos. Segundo, porque o café se tornou o grande produto nacional, rendendo em média quatro vezes mais que uma fazenda polivamente e cinco vezes mais que o açucar.

Uma outra tentativa de conter a saída de escravos foi feita pelo Sr. João Maurício Wanderley, que se tornou Barão de Cotegipe, que apoiado por deputados das

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províncias que estavam perdendo escravos, apresentou projeto na Câmara56 no sentido de colocar o tráfico interprovincial como infração da Lei de 04 de setembro de 1850.

O Sr. Silveira Motta, contrário ao projeto, dizia que ele “afetava os interesses profundos do país”, ofendia o direito de propriedade; e a primeira condição dela, que era sua livre disposição por parte do proprietário. Além de não se acomodar aos interesses do país. Em defesa do projeto, o Sr. Araújo Lima, disse que a deterioração econômica e o despovoamento do Nordeste poderiam trazer a ruína de parte do Império, criando graves males para a nação, inclusive para o Sudeste próspero. 57

Afirmava ele em sessão da Câmara que:

“ A conseqüência de uma mudança radical nas condições de trabalho das províncias será o antagonismo político entre províncias do Sul e do Norte, porque estas, logo que não tiverem escravos, se empenharão para que não haja-os no Sul; as províncias do Sul quererão o contrário e veríamos saltar deste choque de interesses entre nós, os mesmos perigos que têm ameaçado a União dos Estados Unidos da América...” 58

O tráfico era resultado da maior capacidade dos plantadores de café em pagar por uma mercadoria que era novamente escassa.

Neste sentido, o tráfico interprovincial nos faz afirmar que o crescimento ou declínio da população escrava de certa região estava relacionado ao seu sucesso econômico. Ou seja, quando o café atinge o auge como produto de exportação, também foi o momento de maior entrada de escravos nos centros produtores. Quanto à saída de escravos do “Norte”, estava ligada à perda de hegemonia do açúcar e algodão brasileiro no mercado internacional,59 fenômeno que vinha de longe.

2.8.3 – O Tráfico e o Crescimento das Idéias Emancipacionistas

Considerando o peso do escravo na produção e a importância da escravatura; levando em consideração a economia brasileira; era quase impossível, no início da década de 1850, falar em “abolição da escravidão”. Por outro lado, podemos considerar que o tráfico interprovincial apressou não só a transformação das províncias do “Norte” para o “sistema de trabalho” livre, mas também o movimento emancipacionista, que tinha entre seus maiores representantes, na Câmara dos Deputados, parlamentares provenientes deste espaço geográfico.

Essa transformação na forma de trabalho trouxe consigo mudanças importantes e irreversíveis do ponto de vista econômico. A idéia de que a escravidão já não era indispensável começou a ganhar corpo no cenário nacional na década de 1860 principalmente nos círculos abolicionistas.

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Este processo, momento de ruptura com a Inglaterra, foi de fato revertido pela crise do Uruguai, a necessidade do Governo Imperial em defender os interesses dos criadores brasileiros e, como resultado, a Guerra da “Tríplice Aliança”.

Este conflito fez entrar em colapso o processo institucional de luta contra a escravidão, ao mesmo tempo em que criava condições materiais completamente diferentes. É interessante observar que o número de escravos decresce drasticamente, como resultado de sua utilização enquanto soldados da guerra, polícias nas províncias, etc. Paradoxalmente, os anos 1870 serão anos de esvaziamento do movimento abolicionista, anos de vazio político, que antecederam, contudo, a derrocada final, com a crise “final” do escravismo nacional.

No entanto, isso não surgiu da noite para o dia.Foram iniciadas propostas de reforma que incluíam a emancipação dos escravos

de certas províncias; facilitada foram elas pelo impacto do tráfico interprovincial e pelo convencimento de que a situação econômica da província do Ceará havia melhorado por causa do aumento do trabalho livre e o declínio da escravatura.60 Foram apresentadas também propostas no sentido da eliminação gradual do sistema escravista, que em 1867, seria recomendada por Sua Majestade Imperial.

A discussão destas propostas na sociedade fizeram com que o Governo, a Câmara e o Senado começassem a elaborar projetos de lei tendo por fim a eliminação gradual do elemento servil, culminando com a aprovação da Lei de 28 de setembro de 1871.

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2.9 – LEI N.º 581 - de 4 de Setembro de 1850

Estabelece medidas para a repressão do trafico de africanos neste Império.

Dom Pedro por graça de Deus, e unânime aclamação dos povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil: fazemos saber a todos os nossos súditos que a Assembléia Geral decretou, e nós queremos a Lei seguinte:

Art.1.º As embarcações brasileiras encontradas em qualquer parte, e as estrangeiras encontradas nos portos, enseadas, ancoradouros, ou mares territoriais do Brasil, tendo a seu bordo escravos, cuja importação é proibida pela Lei de 07 de novembro de 1831, ou havendo-os desembarcado, serão apreendidas pelas autoridades, ou pelos navios de guerra brasileiros, e consideradas importadoras de escravos.

Aquelas que não tiverem escravos a bordo, nem os houverem proximamente desembarcado, porém, que se encontrarem com os sinais de se empregarem no tráfico de escravos, serão igualmente apreendidas, e consideradas em tentativa de importação de escravos.

Art. 2.º O Governo Imperial marcará em regulamento os sinais que devem constituir a presunção legal do destino das embarcações ao trafico de escravos.

Art. 3.º São autores do crime de importação, ou de tentativa dessa importação o dono, o capitão ou mestre, o piloto e o contramestre da embarcação, e o sobrecarga. São cúmplices a equipagem, e os que coadjuvarem o desembarque de escravos no território brasileiro, ou que concorrerem para os ocultar ao conhecimento da autoridade, ou para os subtrair a apreensão no mar, ou em ato de desembarque, sendo perseguido.

Art. 4.º A importação de escravos no território do Império fica nele considerada como pirataria, e será punida pelos tribunais com as penas declaradas no artigo segundo a Lei de 07 de novembro de 1831. A tentativa e a cumplicidade serão punidas segundo as regras dos artigos trinta e quatro e trinta e cinco do Código Criminal.

Art. 5.º As embarcações de que tratam os artigos primeiro e segundo, e todos os barcos empregados no desembarque, ocultação, ou extravio de escravos, serão vendidos com toda a carga encontrada a bordo, e o seu produto pertencerá aos apresadores, deduzindo-se um quarto para o denunciante, se houver. E o Governo, verificado o julgamento de boa presa, retribuirá a tripulação da embarcação com a soma de quarenta mil réis por cada um africano apreendido, que será distribuído conforme as leis a respeito.

Art. 6.º Todos os escravos que forem apreendidos serão reexportados por conta do Estado para os portos donde tiverem vindo, ou para qualquer outro ponto fora do Império, que mais conveniente parecer ao Governo; e em quanto essa

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reexportação se não se verificar, serão empregados em trabalho debaixo da tutela do Governo, não sendo em caso algum concedidos os seus serviços a particulares.

Art. 7.º Não se darão passaportes aos navios mercantes para os portos da Costa da África sem que seus donos, capitães ou mestres tenham assinado termo de não receberem a bordo deles escravo algum; prestando o dono fiança de uma quantia igual ao valor do navio, e carga, a fiança só será levantada se dentro de dezoito meses provar que foi exatamente cumprido aquilo a que se obrigou no termo.

Art. 8.º Todos os apresamentos de embarcações, de que tratam os artigos primeiro e segundo, assim como a liberdade dos escravos apreendidos no alto mar, ou na costa antes do desembarque, no ato dele, ou imediatamente depois em armazéns, e depósitos sitos nas costas e portos, serão processados e julgados em primeira instância pela Auditoria de Marinha, e em segunda pelo Conselho do Estado. O Governo marcará em regulamento a forma do processo em primeira e segunda instância, e poderá criar Auditores de Marinha nos portos onde convenha, devendo servir de Auditores os Juizes de Direito das respectivas comarcas, que para isso forem designados.

Art. 9.º Os Auditores de Marinha serão igualmente competentes para processar e julgar os réus mencionados no artigo terceiro. De suas decisões haverá para as relações os mesmos recursos e apelações que nos processos de responsabilidade.

Os compreendidos no artigo terceiro da Lei de 07 de Novembro de 1831, que não estão designados no artigo terceiro desta Lei, continuarão a ser processados, e julgados no foro comum.

Art. 10.º Ficam revogadas quaisquer disposições em contrário.

Mandamos por tanto a todas as Autoridades a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e fação cumprir, e guardar tão inteiramente, como nela se contêm. O Secretario de Estado dos Negócios da Justiça a faça imprimir, publicar e correr. Dada no Palácio do Rio de Janeiro aos quatro de Setembro de mil oitocentos e cinqüenta, vigésimo nono da Independência e do Império.

D. Pedro II, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil

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2.10 –Notas do Capítulo

1. A.C.D., Tomo II, p.324, 1848.2. A.C.D., Tomo II, p.325, 1848.3. A.C.D., Tomo II, p.328, 1848.4. A.C.D., Tomo II, p.329, 1848.5. A.C.D., Tomo II, p.331, 1848.6. A.C.D., Tomo II, p.333, 1848.7. A.C.D., Tomo II, p.335, 1848.8. A.C.D., Tomo II, p.336, 1848.9. A.C.D., Tomo II, p.337, 1848.10. A.C.D., Tomo II, p.337, 1848.11. A.C.D., Tomo II, p.338, 1848.12. A.C.D., Tomo II, p.339, 1848.13. A.C.D., Tomo II, p.339-42, 1848.14. A.C.D., Tomo II, p.343, 1848.15. A.C.D., Tomo II, p.343, 1848.16. A.C.D., Tomo II, p.345, 1848.17. A.C.D., Tomo II, p.347, 1848.18. A.C.D., Tomo II, p.346, 1848.19. A.C.D., Tomo II, p.349, 1848.20. A.C.D., Tomo II, p.349, 1848.21. A.C.D., Tomo II, p.350, 1848.22. A.C.D., Tomo II, p.351, 1848.23. A.C.D., Tomo II, p.408, 1848.24. A.C.D., Tomo II, p.408, 1848.25. A.C.D., Tomo II, p.409, 1848.26. A.C.D., Tomo II, p.409, 1848.27. A.C.D., Tomo IV, p.176, 1850.28. Paço da Câmara dos Deputados 20.07.1850.29. A.C.D., Tomo IV, p.270, 1850.30. A.C.D., Tomo I, p. 181, 1848.31. A.C.D., Tomo IV, p.276, 1850.32. A.C.D., Tomo I, p.13, 1852.33. A.C.D., Tomo I, p.200, 1852.34. A.C.D., Tomo II, p.174, 1852.35. A.C.D., Tomo II, p.175, 1852.36. A.C.D., Tomo II, p.176, 1852.37. A.C.D., Tomo II, p.176, 1852.38. A.C.D., Tomo II, p.178, 1852.39. A.C.D., Tomo II, p. 245-56, 1852.

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40. A.C.D., Tomo II, p. 698, 1852.41. A.C.D., Tomo II, p. 782, 1852.42. A.C.D., Tomo IV, p.384, 1850.43. A.S.I.B., Tomo I, p.176, 1837.44. SOARES, M. Campanha Jurídica para Libertação dos Escravos, p.31, 1938.45. SOARES, M. Campanha Jurídica para Libertação dos Escravos, p.57, 1938.46. MORAES, E. Escravidão Africana no Brasil, p. 52-53, 1986.47. In Revista dos Anais, ano II, n.º 21, p. 137.48. MORAES, E. Escravidão Africana no Brasil, p. 57, 1986.49. A.C.D., Tomo II, p.319-20, 1851.50. CONRAD. R. Últimos Anos da Escravidão no Brasil, p. 66, 1978.51. A.C.D., Tomo IV, p. 349, 1854.52. A.C.D., Tomo IV, p. 350, 1854.53. A.C.D., Tomo V, p.246, 1854.54. MALHEIRO, P. M.A. A Escravidão no Brasil, Tomo II, p.119, 1944.55. A.C.D., Tomo IV, p. 350, 1854.56. A.C.D., Tomo IV, p. 124, 1854.57. A.C.D., Tomo IV, p. 246-77, 1854.58. A.C.D., Tomo IV, p.346-48, 1854.59. CONRAD, R. Últimos Anos da Escravidão no Brasil, p. 74-77, 1978.60. MALHEIRO, P. M.A. A Escravidão no Brasil, Tomo II, p.161, 1944.

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Capítulo III: Lei n.º 2040 de 28 de setembro de 1871“ Lei do Ventre Livre ”

3.1 - Considerações Iniciais

A perspectiva do capítulo é fazer um comentário do trabalho parlamentar, com relação a Lei n.º 2040 de 28 de setembro de 1871 – “Lei do Ventre Livre” - a partir de projetos apresentados pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados em 1870; pelo Governo através do Sr. Ministro da Agricultura, em 1871; e, sobre o Projeto do Governo convertido em Projeto de Lei, no dia 18 de agosto de 1871.

O trabalho do capítulo será concentrado especialmente no artigo 1º. do projeto, que segundo a Comissão, segundo os defensores e os dissidentes, era a idéia capital do mesmo: a Liberdade de Ventre. Nas palavras da Comissão de 1871, a Lei de 1850 estabeleceu que não entrariam mais escravos no Brasil. Esta lei estabeleceria, à vista de alguns, que no Brasil não nasceriam mais escravos. Estancaria, pois, a escravidão pela raiz e aproximaria o dia da abolição total.

Esses projetos tinham por base o trabalho da Comissão Especial de Conselheiros de Estado, nomeada por Sua Alteza Imperial, em 1867. Redigiram eles um projeto acerca do elemento servil, com seus motivos e justificação das providências a serem tomadas.

O projeto, redigido pelo Gabinete 3 de Agosto, presidido pelo Conselheiro Sr. Zacarias, foi arquivado pelo Gabinete 16 de Julho, presidido pelo Sr. Paulino de Souza. E novamente colocado em discussão pelo Gabinete 7 de Março, presidido pelo Sr. Visconde do Rio Branco.

3.2 – A Perspectiva da Extinção Gradual

A discussão relativa ao elemento servil foi, em parte, retomada a partir da Fala do Trono, na sessão de 22 de maio de 1867. Ali o Imperador disse à Câmara que:

“o elemento servil no Império, não pode deixar de merecer oportunamente a vossa consideração, provendo-se de modo que, respeitada a propriedade atual, e sem o abalo profundo da nossa primeira indústria, a agricultura, sejam atendidos os altos interesses que se ligam a emancipação.”1

E na sessão de 09 de maio de 1868:

“o elemento servil tem sido objeto de assíduo estudo, e, oportunamentesubmeterá o governo à vossa sabedoria conveniente proposta.” 2

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3.2.1 - Apresentação de Projetos

A sessão de 23 de maio de 1870, foi dedicada à apresentação de projetos referentes ao elemento servil.

1.O Sr. Araújo Lima apresentou um projeto que mantinha as leis que regulavam o estado servil, com algumas modificações (Art. 1o.);

Basicamente a lei declarava livre os filhos de mulher escrava ou ingênuos, nascidos a partir da sua publicação (Art. 2o.);

Os filhos eram obrigados a servir o senhor de sua mãe, gratuitamente durante a menoridade (§1o.); por outro lado, os donos de escrava eram obrigados a alimentá-los e educá-los durante o tempo em que fossem servidos por eles gratuitamente (§2o e 3º). Os filhos menores de 7 anos acompanhariam as mães, no caso de alienação ou transmissão de propriedade. O novo senhor ficaria com os direitos e obrigações de seu antecessor (§4o.). As associações autorizadas pelo governo ou parentes poderiam obter os ingênuos para alimentá-los e educá-los gratuitamente, desde que autorizados pelo juiz de órfãos; sem indenização, se concordarem os senhores das mães; com indenização, fixada pelos interessados ou por arbitramento (§5o.). Os senhores eram obrigados a libertar seus escravos sempre que alguém, autorizado por eles, oferecesse o valor devido. O preço era fixado por aprazimento dos interessados, e, na falta, por arbitramento (Art. 3o.);

No caso de libertação, os filhos menores de 7 anos acompanhavam as mães, sem indenização ( § único ). O governo mandaria levantar matrícula de todos escravos. Os que não fossem incluídos por seus donos seriam, declarados livres (Art. 4o.);

A lei previa matrícula especial para os ingênuos, mencionando nascimentos e óbitos (Art. 5o.); esta questão tinha importância, porque era comum o aproveitamento de matrícula dos escravos mortos nos anos 1860-70.

O Governo seria encarregado de expedir o regulamento da lei, estabelecendo pena de 30 dias de prisão ou multa de 200$, contra os infratores, bem como processo e competência (Art.6o.);

Por fim, revogavam-se as disposições em contrário (Art. 7o.).

I - Formação da Comissão Especial de 1870: Cautela e Prudência

Após apresentação deste projeto o Sr. Teixeira Júnior, apresentou requerimento - em regime de urgência - sobre a questão do elemento servil, no sentido de constituir uma Comissão Especial, para dar seu parecer, atendendo interesses ligados ao assunto. A base que fundamentava sua idéia era que, o país precisava ser preparado para sofrer o abalo difícil da transição necessária entre o estado atual e futuro da questão.

Declarou ainda que, em conversa com o Presidente do Conselho de Estado, o mesmo revelou não achar oportuno iniciar uma medida. Tinha, segundo ele, o poder legislativo, mais autoridade para iniciá-las. Partindo deste ponto de vista,

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“tinha o propósito de apresentar algumas idéias, mas querendo proceder com prudência e reflexão, consultei diversos membros da casa, que ponderaram no sentido de apresentarmos um projeto comum, evitando assim, inconvenientes e delongas, na discussão de simples detalhes”.3

A idéia presente era de preparar uma transição cautelosa e prudente, “quanto exige nossa principal indústria, a agricultura e a garantia da riqueza pública e particular”. Sem deixar, é claro, de aceitar um acordo que facilitaria o resultado que desejavam obter. Além de recuperar projetos já formulados a respeito por diversos membros da casa a Comissão pretendia apresentá-los com a autoridade de um trabalho coletivo.

Neste sentido, a Comissão teria como objeto de trabalho os projetos apresentados nesta sessão e muitos trabalhos existentes, incluindo estudos feitos pelo Governo Imperial . Por fim, ressaltou que o requerimento tinha por finalidade constituir a Comissão e não, determinar seu trabalho. Assinaram: Teixeira Júnior, Pereira da Silva, Ferreira Vianna, O. Junqueira, T. do Amaral, Joaquim de Souza Reis, João Mendes de Almeida, Cândido Torres Filho, Limas e Silva Sobrinho, Duarte de Azevedo, Perdigão Malheiro e Francisco de Paula Toledo.

No que se refere à Comissão, o debate surgiu quando o Sr. Araújo Lima questionou o número de membros da mesma, uma vez que no requerimento determinavam nove membros e o regimento da casa previa formação de comissões entre três e cinco membros. Após discussões, o Sr. Teixeira Júnior enviou a mesa emenda modificativa: “em lugar de nove membros, diga-se cinco”.

II - Projetos do Sr. Perdigão Malheiro

O Sr. Perdigão Malheiro apresentou quatro projetos acerca do elemento servil. Abolicionista de cabeça e coração como ele mesmo se definia, demonstrou idéias moderadas. Não desejava, no seu dizer, a emancipação precipitada e irrefletida. Foi defensor de providências graduais que conduziriam ao fim desejado. Declarou que se o governo quisesse conservar indefinidamente a escravidão, não o acompanharia neste modo de pensar. Se um partido escrevesse em sua bandeira: “escravidão e não liberdade”, não poderia contar com ele em suas fileiras.

No seu entender, uma nação que pautasse seu desenvolvimento, progresso industrial e material, sua civilização, essencialmente no elemento servil, seria indigna de figurar entre as nações civilizadas. Avaliou que o Brasil estaria isolado no mundo civilizado e cristão se Cuba não mantivesse uns mil escravos, mas ressaltava, que os filhos destes já eram livres.

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Em outros países, afirmava ele, foi preciso uma revolução democrática e republicana para que o Governo assim decidisse. Dizia não desejar isto para o Brasil, para tanto apresentava suas idéias sintetizadas em quatro projetos:

• O primeiro, reformava a legislação penal e o processo criminal em relação aos escravos, com a intenção de melhorar a sorte dos mesmos, neste ramo do direito;

• O segundo, continha reformas do direito civil. Modificava a lei de 15/09/1869, tomava providência a respeito do direito de quem libertasse um escravo, em juízo e fora dele. Estabelecia alguns casos de libertação que não estavam nas leis atuais, com ou sem indenização. Facultava a libertação em dois casos: a bem da família e a bem de serviços que fossem relevantes a terceiros. Garantia o pecúlio do escravo, em favor de seu cônjuge, descendente ou ascendente;

• O terceiro, declarava revogado o princípio do direito civil em que a escravidão era perpétua e hereditária. Atacava a fonte que alimentava a escravidão: o nascimento, a partir daí estabelecia garantia dos declarados livres;

• O quarto, autorizava a alforria gratuita dos escravos da nação e autorizava o governo a faze-lo. Proibia as ordens e corporações de possuir qualquer escravo a partir desta data. Aquelas que os possuíssem, deveriam libertá-los em termos moderados, mediante indenização ou conforme entendessem.

Do ponto de vista prático, o conjunto de medidas não atacava diretamente a questão da emancipação, não retirava a propriedade de ninguém, mantinha a ordem social e a organização do trabalho.

III - Solicitações ao Governo Imperial

Nesta sessão foi aprovado em debate a formação da Comissão Especial incumbida de solicitar com urgência do Governo Imperial, cópia dos projetos sobre o elemento servil, submetidos ao Conselho de Estado em 1867 e 1868, bem como o parecer dos Conselheiros e quaisquer outros estudos concernentes à questão. Quanto a Câmara, deveria remeter a comissão todos os projetos concernentes ao assunto, apresentados nesta data (23/05/1870). A Comissão Especial foi eleita em 24/05/1870, com os seguintes membros: recolhidas 82 cédulas saíram eleitos Teixeira Júnior, 65 votos; Rodrigo Silva, 62;Andrade Figueira, 59; Oliveira Junqueira, 54; Barros Barreto, 44.4

O Deputado Theodoro M.F. Pereira da Silva, apresentou projeto relativo a registro de escravos do Império e dos libertados, assim como revisão anual dos

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registros. Pediu providências a respeito de registro de crianças, casamentos e óbitos, bem como o recenseamento anual dos escravos.5

IV - Solução com Base nos “Interesses Nacionais”

Na sessão de 07 de julho de 1870, o Sr. José de Alencar apresentou um projeto relativo ao elemento servil. Na apresentação do projeto que foi submetido à Câmara, começou dizendo que a solução desta questão devia conformar-se aos interesses nacionais e à civilização. Afirmava que os meios diretos para a emancipação eram perigosos e sem proveito, pois poderiam produzir resultados contrários aos esperados. Poderiam produzir uma reação, demorando assim, a revolução que estava operando no espírito público, e que, bem auxiliada, poderia trazer a solução que todos desejavam.

Sendo defensor dos meios indiretos, acreditava que o Estado não deveria estar inerte e indiferente. Deveria auxiliar na revolução que ocorria no espírito público, o seu projeto seria um auxilio neste sentido. Considerou três idéias:

Segundo ele, o Estado deveria coadjuvar as iniciativas individuais aumentando o número de libertações.

Demonstrou a conveniência de que, pouco a pouco, a população escrava fosse deixando a cidade e internando-se para alimentar a indústria agrícola, conforme relatório apresentado por Eusébio de Queiroz, quando se consumou a extinção do tráfico.

Por fim, propôs uma pequena modificação no direito civil, com relação ao escravo como propriedade. Segundo ele, não alterava nem de leve a instituição. A modificação proposta se referia ao direito de testar6 como não sendo um direito natural ( exceto herdeiros forçados ou necessários ) e sim direito convencional, isto é, concessão do poder público. Portanto, esse direito deveria ser restringido por legislação em relação ao escravo.

Afirmou ainda,

“ser a instituição da escravidão: caduca, condenada pela moral, que será extinta um dia, mas não pode ser alterada, sob pena de precipitar sua dissolução.”7

3.2.2 - O Parecer da Comissão de 1870

A Comissão Especial formada pelos parlamentares , apresentou na sessão de 16 de agosto de 1870, parecer e projeto de lei sobre o elemento servil.

O discurso era no sentido de que a idéia civilizadora e humanitária da emancipação não encontrava adversários entre os brasileiros. Não se tinha que lutar contra o antagonismo de partidos, não se tornou instrumento político ou bandeira de agitação, era uma questão grave e eminentemente social.

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O juízo estrangeiro, era favorável:

“In Brazil slavery has never found a party nor apologist, either in the press or the tribune.” 8

Não era também menos certo, segundo eles, que a emancipação importaria uma profunda transformação na vida social, preexistente à Constituição do Estado, respeitada e garantida por ela, e, essencial à ordem pública.

Na visão dos parlamentares, o problema não poderia ser resolvido sem a devida prudência e reflexão, sob pena de trazer conseqüências desastrosas para a sociedade. A Comissão caminhou, segundo idéias expressas pelo próprio Imperador:

“de modo que, respeitada a propriedade atual, e sem o abalo de nossa primeira indústria - a agricultura, sejam atendidos os altos interesses que se ligam a esse assunto”.

A existência continuada da escravidão no Brasil, é explicada segundo a Comissão, pela moderação das leis. Entendia que:

“no Brasil a grande dificuldade que há a se vencer, é aliar os legítimos interesses da riqueza pública e particular com as medidas indispensáveis para preparar a extinção gradual do elemento servil; substituir as forças produtivas que ele atualmente ministra, pelo trabalho livre, facilmente acessível aos nossos agricultores; mudar a condição de escravo para a de colono, sem prejuízo do direito de propriedade, e; sem o abalo da agricultura. Promover, enfim, a imigração por meio de atrativos eficazes que garantam o bem estar dos estrangeiros que vierem auxiliar a grande obra de regeneração e progresso que vamos empreender.”9

Desde aí, a Comissão tentou estabelecer medidas que preparassem lentamente a solução.

No seio da Comissão se discutiu a viabilidade de medidas eficazes, uma vez que, não existia estatística exata da população, justificando o adiamento de medidas. Era necessário esperar o recenseamento geral do Império, que seria decretado, pelo projeto do Sr. Conselheiro Paulino de Souza. Entretanto, a maioria da Comissão entendeu que algumas medidas não dependiam de dados estatísticos, ou poderia se usar os que possuíam.

A mais urgente necessidade entendida pela Comissão era discriminar com possível certeza não só a população livre e escrava do Império, mas também sexo, idade, profissão, estado, nacionalidade, nascimento e mortalidade. Ainda, promover a matrícula especial dos escravos existentes no Império, para com segurança, calcular efeitos e conseqüências das medidas.

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I - A Comissão e suas Medidas

A Comissão indicou medidas parciais, diretas e indiretas para a geração atual e medidas que segundo eles, extinguiriam a escravidão para a geração futura “sem detrimento, nem ofensa da propriedade e dos interesses sociais”:

a) Para a Geração Atual

• Autorizava ao Governo conceder liberdade aos escravos da nação, libertando desde já os filhos de escrava que nascessem depois da presente lei;

• Proibia as ordens regulares e demais corporações de mão-morta10 de adquirir escravos;

• Confirmava, da jurisprudência constante na obra “Escravidão no Brasil”, texto do historiador, jurista e abolicionista Perdigão Malheiro, a especificação de casos de liberdade com ou sem indenização;

• Criava um fundo para promover a emancipação e auxiliar o pagamento dos juros de títulos de renda que se emitirem;

• Permitia aos escravos formarem um pecúlio com destino especial a sua libertação, de seus descendentes ou ascendentes;

• O serviço do escravo poderia ser locado, como meio de resgatar sua liberdade, limitando, porém, este tempo em no máximo sete anos;

• Tomava providências para manter a integridade da família, filhos menores de oito anos acompanhavam a mãe em caso de libertação. Na venda, alienação, doações ou partilha a família permaneceria unida, inclusive os filhos até quinze anos.

• Promessa de proteção aos escravos libertos.

b) Para a Geração Futura:

• Previa liberdade aos filhos de escrava nascidos a partir da lei; ficando o liberto sob proteção do senhor da mãe para criá-los e tratá-los. Sempre que possível devia dar-lhes instrução elementar. Poderiam os senhores receber título de renda de 500$ e juros de 6% ao ano do Governo, ficando o filho de escrava com seu patrono exercendo serviços até os quinze anos. Depois, entre os quinze e vinte e um anos, receberia de seu patrono uma retribuição módica por seu trabalho. O patrono poderia ceder a uma associação autorizada pelo Governo, o direito de criar e tratar os filhos de escrava, com direito a usufruir de seu trabalho até os vinte e um anos; o mesmo poderia ocorrer com filhos de libertas que os quiser entregar. As associações poderiam alugar o serviço dos libertos obrigando-se a constituir um pecúlio para cada indivíduo. Findo o período, deveria procurar ocupação para os

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mesmos. O Governo também poderia mandar recolher os libertos em estabelecimentos públicos para educá-los e aplica-los em alguma indústria ou profissão.

Nas disposições gerais do projeto, afirmava-se que o Governo e presidentes de províncias auxiliariam, com os meios a seu alcance, a criação de associações destinadas a emancipar escravos. Deveria educar os emancipados e promover a introdução de braços livres no país. Esses meios poderiam ser: isenção de impostos na taxa de propriedade e transmissão de escravos; privilégios sobre locação dos serviços do escravo libertado para indenização do preço de compra, etc. As associações seriam submetidas à inspeção do Juiz de Órfãos.

Por fim, a Comissão - que não conseguiu a unidade interna pretendida, pois o Sr. Andrade Figueira foi vencido na forma do parecer e o Sr. Rodrigues Alves votou em separado - autorizou o Governo a regulamentar o projeto para aprovação no legislativo.

II - O Voto em Separado

O Sr. Rodrigues Alves, em seu voto em separado, afirmou não ser um escravocrata, mas discordou dos demais, que fosse o momento de iniciar medidas, embora não fosse defensor da duração indefinida da escravidão. Afirmava que a idéia da emancipação estava presente nas consciências, mas na verdade o modo de resolver o problema pairava vago, incerto e indefinido. Conceituava: “o escravo não é somente um Capital, é um instrumento de trabalho”. No seu entender, a verdadeira opinião estava na vida ativa, sua força, sua riqueza, sua propriedade, último reduto da ordem - a agricultura. Ofereceu emendas referentes a geração atual e propôs um estudo criterioso e atento, referente a geração futura11, justamente pela falta de dados confiáveis e políticas definidas para a sociedade. Censurou a Fala do Trono de 1867 e 1868, como inoportuna pela inserção de assunto de tamanha gravidade num documento oficial.

Afirmava ainda, que a idéia da emancipação poderia estar presente nas consciências, mas na verdade, o modo de resolver o problema era incerto e indefinido. A verdadeira opinião, segundo ele, estava no último reduto da ordem, a agricultura.

Na sessão de vinte e três de agosto de 1870, ficou definido que os escravos da nação poderiam ser alforriados pela Casa Imperial, independente de indenização.

III - Criação de uma Associação Emancipadora

O Sr. Melo Morais, na sessão de vinte e quatro de agosto de 1870, enviou à mesa, requerimento de criação de uma associação emancipadora. Para isso fez

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conhecer os estatutos. Para dizer o número da população escrava no Brasil, usou o censo apresentado em Paris (1867), e, calculou que com a soma de 112,000:000$, em vinte e quatro anos, estaria extinta a escravidão no Brasil. Na sua interpretação, os senhores teriam lucro, pois lhes era garantido o valor dos escravos, que poderiam ficar a seu serviço mediante aluguéis. Os escravos também lucrariam, porque ficariam livres, desde o ato em que lhe era passada a carta de liberdade. Ficavam obrigados a pagar com seu trabalho a emancipação. A sociedade lucraria, porque em lugar de vagabundos e proletários, ficaria com homens úteis que se empregariam no trabalho, o que não tem acontecido com os que tem sido libertos com verbas testamentárias, que, saindo da escravidão, sem nada lhes custar, “tornaram-se pesados e inúteis a sociedade”. O Governo lucraria porque sem distrair-se de seus importantes trabalhos, deixava à sociedade emancipadora, os cuidados da libertação dos escravos. Por fim, afirmou que essas idéias são do Sr. Joaquim Loureiro da Costa Guimarães, transmitidas a amigos capitalistas, que confeccionaram os estatutos e os submeteram ao Governo. Agora seriam submetidos à Câmara, a fim de receber parecer favorável da Comissão.

A tese de acabar com a escravidão, “sem ofensa do direito de propriedade e abalo da principal indústria - a agricultura”, parecia ser opinião da maioria, embora alguns parlamentares tenham se manifestado no sentido de o momento não ser oportuno para aplicar medidas emancipatórias. As dificuldades permaneciam, pois o escravo além de capital era instrumento de trabalho. Portanto, seria impossível dizer que a agricultura não sofreria nenhum abalo. Como chegar então a emancipação? A indenização seria uma saída, mas eram necessárias medidas econômicas. Contudo, elas não figuravam no projeto.

IV - Emancipação: Questão Social ?

Na idéia geral da Câmara, a questão figurava como “social”. Porém, nos discursos, as preocupações abrangiam os campos social, político e econômico. Os interesses refletiam problemas de ordem jurídica e social que, abalavam profundamente a capacidade produtiva do país, a riqueza pública, a propriedade agrícola, o crédito do Estado...

Quando a Câmara dos Deputados apontava para medidas graduais, era perceptível a idéia geral de que só o progressivo aumento da riqueza nacional e a prosperidade estável das finanças poderiam determinar o fim da instituição servil. Neste sentido, não satisfeitas essas condições, a escravidão permaneceria por muito tempo. Em vários discursos, os parlamentares afirmavam que o momento não era propício. Era necessário mais tempo, precisavam de medidas preparatórias como ocorreram em outros países12. Desde a extinção do tráfico em 1850, os poderes públicos nada haviam feito em favor da emancipação. O projeto e o parecer da Comissão foram engavetados.

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O Imperador, na Fala do Trono em 1871, na Sessão de Abertura da Câmara, voltou a insistir na questão do elemento servil:

“... considerações de maior importância aconselham que a reforma da legislação sobre o estado servil, não continue a ser uma aspiração nacional indefinida e incerta.

É tempo de resolver a questão, e vossa esclarecida prudência saberá conciliar o respeito à propriedade existente com esse melhoramento social que requer nossa civilização e até o interesse dos proprietários.

“o Governo manifestará oportunamente todo o seu pensamento sobre as reformas para que tenho chamado vossa atenção.”13

3.3 - O Projeto do Governo

O Ministro da Agricultura, apresentou na sessão do dia 12 de maio de 1871, o projeto do Governo referente ao estado servil.14

3.3.1 - A Comissão Especial de 1871

Na sessão de 15 de maio de 1871, procedeu-se a votação do requerimento de urgência sobre o elemento servil, proposto pelo Sr. Cândido Mendes, na sessão de 12 de maio, que previa a formação de uma Comissão Especial, composta de cinco membros, para dar parecer sobre o projeto do Governo. Ele foi aprovado, então, em regime de urgência. A Comissão foi formada:

“recolheram 82 cédulas, sendo duas em branco e foram eleitos os Srs. Luiz Antônio Pereira Franco e Joaquim Pinto Santos com 43 votos; Raymundo Ferreira de Araújo Lima e João Mendes de Almeida,41 votos; e Ângelo Thomaz do Amaral, 40 votos.”15

Os parlamentares se manifestaram frente ao projeto:

“... a emancipação lenta e gradual efetuada, será uma medida de alta prudência e humanidade, que, esmaltando ainda mais o glorioso reinado de V.M. Imperial, testemunhará também o civismo e a previdência dos legisladores brasileiros.

“A Câmara dos Deputados aguardará as outras propostas do Governo, conforme V.M. Imperial se dignou a anunciar-lhe, e as tomará por maior consideração...”16

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3.3.2 - Emancipação: O que se pode fazer.

O Sr. Paulino de Souza, em oposição ao projeto do Governo afirmava, na sessão de 16 de maio de 1871, a questão da emancipação como melindrosa, que preocupava a todos os espíritos, questão gravíssima que mexia nas bases da Constituição social, afetava as relações criadas por lei e cimentada pelo tempo com nos costumes. Desestruturava a organização do trabalho, sobressaltava os proprietários rurais e poderia comprometer todos os interesses desses concidadãos.

Afirmava que a questão não tinha solidez no Brasil. Em 1867 e 1868, o discurso do Imperador falava em tempo oportuno, disse que a questão seria estudada; em 1870, o Sr. Deputado Teixeira Júnior interpelou o Chefe do Gabinete 16 de julho, que respondeu definindo a possível posição do ministério. A marcha, segundo ele, era pequena, outros países demoraram até meio século para a emancipação.

Afirmava ainda que a libertação dos escravos da Casa Imperial e Estado e matrícula de todos os escravos eram as únicas medidas que poderiam ser aplicadas já. Ele faz análise da situação na época e afirmava que as emancipações estavam intimamente ligadas a atos de caridade individual e associações humanitárias, que não teriam outro motivo senão sentimentos de benevolência. Dizia que o Governo aludia a pressão de opinião, mas a imprensa, principalmente o “Jornal do Comércio”, em fins de abril, recomendava prudência e discrição, para não comprometer o país.

Na sua fala propôs ainda, uma emenda que não determinava compromissos, que pudesse ser adotada por todos: pelos favoráveis a proposta do Governo, pelos que a julgavam inoportuna, pelos que a rejeitavam em parte. Apelava pelos direitos que se criaram à sombra da lei, protegidos por ela e mereciam respeito do legislador. Demonstrou o desejo claro de deslocar a questão do terreno político, dizendo ser uma questão social “para evitar responsabilidade”. O Sr. Pereira Silva apoiava a emenda, pois ela não trazia engajamento, compromisso futuro. Em suma, esses parlamentares rejeitavam a proposta do Governo.

O Sr. Visconde do Rio Branco (Presidente do Conselho), fez uma fala em oposição ao Sr. Paulino de Souza, dizendo que a questão era política e não poderia ficar a cargo do “tumulto das paixões”, dos acontecimentos, do conflito de interesses e animosidade dos partidos. Em setembro de 1870, os parlamentares manifestaram o desejo de que o Governo iniciasse a reforma, manifestasse seu pensamento. O projeto não poderia ser condenado sem debate.

Durante as discussões, vários parlamentares manifestaram sua posição, contra ou a favor do projeto do Governo.17

Após as discussões, o projeto foi levado a votação. O Sr. Pereira Júnior fez requerimento para votação nominal da emenda do projeto. Procedida a votação, a emenda foi rejeitada por 63 votos contra 3518. O projeto do governo foi enviado à Comissão Especial.

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3.4 - “O Governo da Desordem”

Na sessão de 10 de junho de 1871, o Sr. Perdigão Malheiro ofereceu requerimento relativo a proposta do Governo, que seria remetida à Comissão Especial. Aproveitou para questionar se o projeto do Governo teria levado em consideração consulta aos lavradores, presidentes de províncias e informações de ministros e cônsules no estrangeiro. Afirmava que a Câmara não tinha conhecimento integral dos documentos que levaram o Governo a formular o projeto em tão pouco tempo, pois o gabinete teria se formado em 07 de março.

Afirmava ser a derrota dos proprietários a derrota de todos. Estavam ameaçados na sua propriedade e segurança - paz da família e segurança pública e individual -. O projeto provocava a anarquia do sistema de produção e da propriedade agrícola, além da desobediência do escravo. Quebrava a força moral do senhor, não lhe dava garantias. A autoridade estava, segundo o texto, parcialmente do lado do escravo e do liberto, enquanto o senhor, a vítima, reputado inimigo a debelar, ficava inteiramente exposto.

Acreditou serem as considerações suficientes para justificar seu requerimento pedindo com urgência ao Governo: (a) cópia de trabalhos e estudos do Conselho de Estado; (b) cópia de pareceres e informações dadas pelos presidentes das províncias; (c) remessa de dados, estudos e averiguações que permitiram ao Governo formular o projeto; e, (d) comunicação dos ofícios, informações e documentos enviados ao Governo por agentes diplomáticos e cônsules do Brasil no estrangeiro, onde havia escravos, quando neles se tratou da abolição (sala das sessões, 10/06/1871).

Após discussão sobre o mérito das considerações e do requerimento, o Sr. Andrade Figueira propôs um aditamento à proposta, incluindo pareceres dados em 1867. E que o Governo informasse se tratou de adquirir publicações sobre o elemento servil, orçamento votado pelo legislativo; na afirmativa, que as publicações fossem distribuídas aos membros do legislativo.

3.4.1 - Em defesa da Classe

Na sessão de 15 de junho de 1871, o Sr. Paulino de Souza, no desempenho do mandato

“de que me encarregaram os lavradores e proprietários do rico e importante município de Valença”

como ele disse, apresentou representação dirigida à Câmara, assinada pelos mesmos, contra a proposta do Governo, para ser enviada à Comissão Especial. Disse ainda, que os proprietários:

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“foram movidos pelo amor ao bem público, a defesa dos direitos a classe a que pertencem e, de interesses mais vitais do país”19.

Acreditava que manifestações análogas apareceriam, pois o Governo queria ferir de morte a lavoura, pela desorganização do trabalho e indisciplina nos estabelecimentos rurais.

3.5 - O Parecer da Comissão de 1871

Na sessão de 30 de junho de 1871, a Comissão Especial, apresentou seu parecer sobre o projeto do executivo, sobre o elemento servil.20

A Comissão afirmou que o projeto do Governo, era digno de aprovação, com algumas modificações. Consideraram na quase totalidade o parecer de 16/08/1870, apresentado pela Comissão Especial anterior.

3.5.1 - Resolução do Problema na Perspectiva da Comissão

Para a Comissão, extirpar a escravidão, era uma exigência da opinião universal do século. Dos princípios da religião, moral e política, da necessidade de sentarmos em pé de igualdade no convívio das nações, da humanidade do sentimento brasileiro e dos perigos de mais prolongada decisão. Resolver o problema, segundo a Comissão, passaria por cinco vertentes: I - a religião; II - a humanidade; III - a pátria; IV - os escravos ; V - os particulares.

I - A religião.

Ensinou que o homem é feito a imagem de Deus, tão poucos negam hoje o escravo ser homem, portanto à imagem do Criador. Baseados em palavras de Cristo “não façais aos outros o que não quereis que vos faça”; e do anúncio do evangelho a libertação dos cativos. Não poderíamos ler o código sacrossanto sem anunciar a reabilitação do escravo à igualdade humana. Portanto, a moral religiosa, a religião e também a moral social invocam a supressão do cativeiro.

II - A humanidade.

Proferiu sua sentença final. Este século deveria ser conhecido como o século da liberdade, o Brasil está ocupando o ultimo lugar nesta empreitada. A escravidão rebaixou, aviltou, repulsou uma massa de homens que tinham por crime a cor da pele que os marcou para a condenação. Hoje a humanidade inteira, como um só homem rejeita a escravidão, espelho de tirania, antípoda

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da liberdade, corruptora de opressores e oprimidos, mentira social, gérmen de dissolução, rêmora de progresso, inimiga da prosperidade e civilização.

III - A pátria.

Mesmo os que falam dos perigos, afirmam que o cativeiro tem seus dias contados. Em breve prazo há de se reconhecer, pelo raciocínio e experiência, que a abolição do estado servil é condição de prosperidade. A escravidão é hoje nosso atraso, nos empobrece e desmoraliza, é um espetáculo odioso, embrutecedor e desonra o trabalho. O trabalho pena e prêmio da humanidade desequilibra-se na terra de escravos.O produto dos escravos é sempre tosco, brutal, moroso, pouco lucrativo; o trabalho livre é empreendedor, criativo, hábil, lucrativo em decuplo. Para chegarmos a esse ponto de felicidade precisamos de braços, mas a abolição não extingue os braços existentes. Por um lado, o escravo transformado em cidadão produz muito mais e melhor; por outro, o país adquirirá braços imigrantes, que dificilmente viriam para um país escravo. Portanto, parece-nos conveniente acabar com essa instituição fonte de todo atraso.

IV - Os escravos.

A liberdade é um direito do homem, natural, congênito, inaferível. A escravidão colocou vasta proporção de homens na classe dos vencidos, de párias, vítimas nascidas do abuso da força. A relação entre senhor e escravo foi confundida com o domínio oriundo da verdadeira propriedade. No escravo a personalidade, obra de Deus, foi aniquilada por um veto humano.

V - Os proprietários de escravos.

Eles têm interesses reais, extensos, respeitáveis, se da natureza não os recebeu como direitos, conferiu-os a sociedade. Para o senhor o escravo é um capital valioso, um instrumento de trabalho. O capital como significado de propriedade não, pode ser arrebatado sem indenização, mas pode ser expropriado por interesse público; o instrumento de trabalho pode ser conservado como organização diversa, ou substituído. Os proprietários estribam pois, não em direito natural, mas em razão política de ordem pública. O abuso de força que estigmatizou a escravidão, não pode ser o mesmo usado pelo poder público para aboli-la. Razão há para reivindicar ao servo natural liberdade, mas, em virtude de nossa organização, cumpre acompanhar essa reivindicação de indenização do justo preço do seu serviço ou continuar esse

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serviço com suavidade, como necessidade da razão política, ante a qual emudecem momentaneamente os ímpetos do coração e da mente.21

3.5.2 - Avaliação do Projeto do Governo e Emendas da Comissão

A Comissão avaliou todas as sugestões do Parlamento, imprensa, livros e projetos avulsos. As sugestões iam desde a ruptura imediata do escravismo, a deixar que a escravidão acabasse por si mesma. A partir deste material era possível perceber que vários elementos concorriam para que a emancipação de fato acontecesse. Porém, era ela dificultada pelos supostos interesses e direitos civis dos proprietários de escravos. Pelo menos no discurso, não havia ninguém que defendesse a escravidão perpétua. O debate parlamentar estaria centrado na forma, ou seja, no como e quando.

Evidentemente, para uma sociedade alicerçada na mão-de-obra escrava, qualquer solução traria uma crise, pois abalaria as raízes da sociedade. Mas a Comissão tentou passar a idéia de que a agricultura, os agricultores e o Império não seriam arruinados, haveria sim, engrandecimento. Dizia ser conveniente acabar com a escravidão, mas respeitando os interesses dos senhores dos atuais cativos, e não menos, velar pela sorte destes. Isso, contudo, em momento algum era deixado encaminhar-se através de propostas concretas.

III - Análise da Comissão:

a) A abolição imediata ou “deferida com indenização”

Segundo a Comissão, seria calamidade, para a segurança do Estado, para a fazenda pública, para os particulares, para os escravos. Corresponderia a um vulcão destruidor. Expressou sua visão do escravo como um elemento desconhecido e desconhecedor da sociedade, não educados, incapazes de exercer as graves funções do cidadão. Deveriam ser vigiados e reprimidos em todo o Império. O país seria convertido em uma espelunca de malfeitores. Faltava ao escravo religião, disciplina, ensino, moralidade. Além disso, seria criada uma lacuna nos instrumentos de trabalho, alteração do sistema, sem tempo para substituição de braços. Prejudicaria a nação, os proprietários e o próprio escravo, a quem a liberdade sem preparo seria precipitação.

Do ponto de vista econômico seria inviável. Calculando o total de escravos em 1.500.000 cabeças, avaliando cada um a 800$, subiria o encargo do Estado, só para esta aplicação seria preciso um mil e duzentos contos. Isso representaria a taxa per capita de 150$, num país com 8.000.000 de habitantes, em benefício de alguns milhares de senhores, num país necessitado de investimentos em melhorias materiais e morais (sociais). Por fim, considerava a idéia inadmissível.

b) Abolição imediata e sem indenização

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A Comissão disse não poder admiti-la. Seria monstruosidade, pois o Estado, não podendo proclamar a escravidão legítima, proclamou-a legal, e, têm assegurado a propriedade do escravo, como do restante da propriedade. Arrancar o escravo das mãos de seu possuidor sem indenizá-lo, seria ato de violência. Seria injustiça substituindo injustiça.

c) Libertação das escravas permanecendo os homens no cativeiro

Foi interpretada pela Comissão como um pensamento incompreensível. No seu entendimento a escrava poderia ser vista de duas formas: meio de reprodução e instrumento de trabalho. Na primeira, a lei do Ventre Livre revogava o princípio “partus sequitur ventrem”. Vista como instrumento de trabalho, não pode ser colocada em condição privilegiada com relação ao homem. A desigualdade instauraria a anarquia e desordem. Os estabelecimentos teriam três classes de pretos: as senhoras pretas, os escravos pretos e as crianças livres. Essa idéia colocaria o varão cabeça do casal em condição de inferioridade, além de dividir as famílias. Aumentaria os elementos de insubordinação, seria incentivo a imoralidades repugnantes, povoando as fazendas com indivíduos do mesmo sexo. A Comissão não pôde aderir a tal projeto.

d) Meios indiretos

Afirmava que a idéia era vaga. Alguns opinavam que deveria deixar o cancro se extirpar pela ação da natureza. Outros tentavam fixar um prazo remoto para extinção do estado servil, como providência única. O fundo de emancipação, como foi posto, não satisfaria sua necessidade, quer fosse, pela ação do escravo produzindo para pagar sua liberdade, quer fosse ação do Governo, pela cobrança de impostos. Seria ilusório fixar um prazo.

Por um lado, se o fundo fosse muito grande, grande também seria o perigo de bandos de escravos anualmente livres, sem preparo, à sociedade. Tornariam impraticável a continuidade da instituição. Se ao contrário, o fundo fosse diminuto, a abolição nunca chegaria. Também não seria prudente o expediente lembrado de conservar a escravidão de ventre até os 21 anos, após isso seria livre. Essa idéia foi repelida pelo entendimento de que ninguém mais devesse nascer escravo.

Contra os dissidentes, que diziam não ter o Brasil tradição na discussão do problema, a Comissão afirmava que nenhum assunto tem sido tão estudado em outras nações como no Brasil. Há mais de meio século é assunto de atualidade: desde o Tratado de 1817; o Tratado de 1826; a Lei de 07 de novembro de 1831; a Lei de 04 de setembro de 1850. Após esses quatro atos, vinte e um anos decorreram, para o verdadeiro ato de extirpar definitivamente a raiz da escravidão.

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Aos impugnadores do projeto, que se referiam à necessidade de dados estatísticos mais confiáveis, para cálculo do ônus do Tesouro, a Comissão afirmava não ser preciso estatísticas acuradas. Pequenos seriam os sacrifícios do erário público. Pois as libertações propostas nasceriam das disposições do direito, do concurso de associações ou de particulares, ou do fundo de emancipação. A liberdade de ventre não oneraria a nação. Os sacrifícios do Governo não seriam avultados. O mesmo trabalharia com títulos de renda de 600$, referentes a nascimentos de 12 meses, que não compreenderiam um terço destes, visto que a caridade de particulares, os hábitos e a preferência dos senhores pelos serviços até 21 anos, reduziriam em muito os encargos da fazenda. A procrastinação por este motivo traria uma inação perigosa.

A Comissão introduziu, com aquiescência do Governo, algumas modificações. Pelo projeto e alterações, chegariam à extinção pelo sistema de emancipação lento e gradual, com reformas, segundo eles, sábias, meditadas e prudentes. Quanto ao escravo, decretavam o nascimento livre, facilitava as libertações. Quanto ao senhor, respeitavam o que ele chamava de propriedade, estabelecendo a libertação dependente de indenização. Finalmente, o Estado diminuiria seus encargos, dando libertação à geração futura.

IV - Idéias Capitais do Projeto, Segundo a Comissão

Em se tratando de especificidades, quatro eram as idéias capitais do projeto: a) liberdade de ventre; b) direito de redenção; c) pecúlio; e d)juízo especial.

a) Liberdade de ventre

Embora não fosse algo de novo, no que tange a projetos de emancipação, era a disposição fundamental do projeto que tinha maior adesão da Comissão. O entendimento era de que, se realmente queriam por fim a escravidão, deveriam estancar-lhe a fonte. Pela lei de 1850, estabeleceu-se que no Brasil não entrariam mais escravos; por esta, que no Brasil não nasçam mais escravos.

Desde o Sr. Silva Guimarães, no Art. 1º do seu projeto de 1850 “Todos os nascidos de ventre escravo no Brasil serão considerados livres da data da presente lei em diante”22; passando pelo projeto apresentado pela Sociedade Contra o Tráfico de Africanos, pelo Sr. Perdigão Malheiro; pelo Sr. Francisco da Câmara Leal; Sr. Tavares Bastos; Sr. Visconde de São Vicente; Sr. Visconde de Itaboraí; Sr. Visconde de Jequitinhonha; Sr. Visconde de Rio Branco; Srs. Conselheiros Souza Franco, Nabuco e Torres-Homem; Sr. Visconde de Sapucaí; ao projeto submetido à Comissão especial em 1870, todos proclamavam a liberdade de ventre.

A Comissão entendeu que essa medida aproximaria o dia da abolição total, pois afirmavam que “na raça escrava os nascimentos não compensavam os óbitos”. Ademais afirmavam que, a tendência a libertar estava crescendo. Solenidades

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religiosas, festas, aniversários, funções domésticas, tudo servia de pretexto. Acreditavam que em breve não teriam mais escravos no Brasil.

A discussão que se fez, levando ainda em conta esse ponto, foi a de direito de propriedade. Não seria o fruto da escrava propriedade do senhor, também sua propriedade? - Seria se se fundasse no direito natural, mas a escravidão foi direito criado por lei, portanto, pode ser modificado. Ademais, a propriedade do escravo difere da propriedade sobre as coisas, pois é propriedade de pessoas, a escravidão é instituição do direito civil, que privilegia uma raça em detrimento de outra.

Alguns contrários à liberdade de ventre argumentavam que os nascituros seriam objeto de ódio das mães, que por inveja de sua prole provocariam infanticídios e da malevolência dos senhores, pela lesão de seus interesses. Mas a realidade, com relação às mães, mostrava o contrário. Por causa da escravidão, o amor materno têm provocado inúmeros infanticídios para poupá-los da miséria do cativeiro. Quanto ao interesse dos senhores, fora contemplado, deixava-lhe a opção de receber do Estado 600$ em títulos de renda. Com 6% de juros anuais durante 30 anos, preço superior ao valor usual de um escravo de 8 anos; ou utilizar seus serviços até os 21 anos.

b) Direito de redenção

Afirmava a Comissão que este estava assentado no direito absoluto à liberdade. A escravidão só se conservava em atenção à razão política e ao interesse particular. A liberdade de ventre resguardava as gerações futuras. Para as atuais, era preciso medidas que fossem diminuindo o “domínio do homem pelo homem”. Nesse sentido, definiu-se que o interesse público suplantava o particular, desde que indenizado. Bastaria então, que a lei marcasse os casos previstos e desse regras para indenização.

No entender da Comissão, isso estava implícito nos artigos do projetos de avaliação dos serviços, animação das associações, criação de fundos, favores às alforrias, liberdades de escravos pertencentes à nação, à Coroa, heranças vagas, desamparados pelos senhores, não matriculados, acrescidos da remissão forçada, etc.

c) Pecúlio

Foi consagrado o direito do escravo formar um pecúlio, com autorização do senhor, destinado à sua libertação, à de seu cônjuge, descendente ou ascendente. Essa doutrina fora recomendada por ilustres homens de Estado - mesmos defensores da liberdade de ventre - e estabelecida pelo uso.

d) Juízo Especial

Quanto às medidas referentes ao Juízo Especial, a Comissão considerou-as secundárias, dispensáveis, substituíveis. Resolveu propor a desistência deste ponto do

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projeto. Importava desvanecer quaisquer apreensões que hajam suscitado , devido ao espírito franco, patriótico no qual residia a feitura da lei. Nenhuma nova intervenção deveria ser outorgada à autoridade, no seio da família, nos estabelecimentos particulares, na relação com escravos, a libertos e menores, além da instituída pela legislação vigente.

No caso de abusos, sevícias, crimes de senhores de escravos, sempre esteve “patente ao cativo o recurso do poder público”. Sobre igual tutela ficaria o pecúlio do escravo empregado em seu nome ou permissão do senhor, ou em nome do senhor do interesse do escravo. Falecendo este, o senhor entregaria o pecúlio a quem pertencer, “e se abusar, o que não é crível”, os interessados levariam suas queixas ao conhecimento da justiça. Esta deveria cumprir o seu dever.

Por fim, foi pedido que “o parecer e as propostas de alterações fossem impressas”, para que os parlamentares pudessem ver detidamente e assim, entrar os mesmos na ordem dos trabalhos.

3.6 - Solicitação ao Governo

Na sessão de 06 de julho de 1871 o Sr. Perdigão Malheiro apresentou requerimento, requisitando que o governo enviasse com urgência exemplares do folheto impresso em 1868, denominado “Trabalho sobre a Extinção da Escravatura no Brasil”, feito pelo Conselho de Estado de 1867. Deveria enviá-los em número suficiente para os membros da Câmara. Do mesmo modo, deveria enviar também trabalhos do mesmo Conselho, em 1868, que vieram em cópia ultimamente.

3.6.1 - Discussão Parlamentar do Projeto do Governo

Na sessão de 10 de julho de 1871, entrou em 2a.discussão a proposta do governo sobre o elemento servil. De início apareceu uma questão: o Sr. Ferreira Viana, liberal, apresentou um requerimento de preferência, contrapondo o projeto da Comissão de 1870 ao projeto do Governo. Em seu discurso retrocedeu a discussão ao voto de confiança23, já aprovado pela Câmara. Ponderou sobre as vantagens de se discutir um projeto apresentado por uma Comissão Parlamentar. Tentou, por uma verificação, saber se os dissidentes seriam maioria para rejeitar a proposta do Governo, embora fosse contra a idéia central presente nos dois projetos.

Em sentido contrário, o Sr. Visconde do Rio Branco, conservador, afirmava que o projeto de emancipação não era desconhecido de liberais e conservadores, nem prerrogativa de um partido. Todos poderiam passar à história como defensores da emancipação. Se alguns diziam que ele se afastava dos dogmas conservadores em defesa do projeto, outros porém, avançaram além do partido liberal, que nunca colocou

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em dúvida o direito do executivo apresentar projeto. Isso de forma alguma seria ofensa às prerrogativas parlamentares.

A questão pode ser entendida como política, pois, os dissidentes da proposta do Governo não apoiaram o projeto da Comissão em 1870. No momento de discussão, estrategicamente confrontavam o projeto do Governo e o da Comissão. Sabiam que a questão colocada seria determinante para definir os iniciadores da emancipação.

I - A Tática dos Dissidentes

O Sr. José de Alencar, conservador, colocou-se como dissidente da proposta. Para ele, a dificuldade não estaria em o Governo apresentar ou não uma proposta, mas sim, no fato de que o ministério, imediatamente após ascender ao poder, divorciar-se das idéias de seu partido, não o representava. Fez uma distinção entre o Partido Liberal - marcha na vanguarda, aventa as idéias, aponta-as à opinião, lança-as em discussão - , e o Partido Conservador - não aceita doutrinas sem que estejam bastante amadurecidas, acompanha, segue atrás da opinião. Formulou uma crítica ao Sr. Visconde do Rio Branco, Presidente do Conselho, dizendo que ele saiu do seio de seu partido, contra os impulsos da opinião pública, provocando agitação e abalando profundamente a sociedade:

“ revolução íntima que operava no Brasil em relação a emancipação pelo melhoramento dos costumes, generosidade do caráter brasileiro, pela civilização, era o desenvolvimento da regeneração moral que em pouco extinguiria a escravidão independente dos esforços do “o que se notava antes do projeto era o progresso contínuo, suave, e natural da Governo e das declamações dos propagandistas. A reforma espontânea sem necessidade de uma lei, seria muito mais glorioso para nós, seria a emancipação feita pela nação, pelo impulso nobre da sociedade brasileira.”24

Na sua opinião, o Governo queria extorquir essa glória da sociedade. Afirmava que o Governo não sofria pressão de opinião para proclamar a lei. De onde viria essa pressão? - No momento, poderia dizer que repercutiu em setores da Europa a idéia que a luta entre Brasil e Paraguai, era a luta do princípio da escravidão, contra o princípio da liberdade. Isso indispôs o espírito público europeu contra o Brasil.

O Sr. José de Alencar tentou fazer um jogo político, para colocar os liberais contra a proposta, dizendo que eles toleravam a reforma, porque, até certo ponto, ela se aproximava de idéias que anteriormente haviam enunciado a respeito da questão. Mas não deixavam de manter suspeitas veementes - reveladas na tribuna e imprensa - em relação ao Gabinete. Poderia se supor que, lançada esta proposta como idéia do Governo, sem os estudos preparatórios necessários, sem ter prevenido a opinião pública, longe de promover sua realização, pretendia este desacreditá-la. Dizia ainda

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que o Sr. Presidente do Conselho separou-se de uma parte importante de seu partido e não conseguiu, apesar de todos os avanços, adesão sincera dos adversários.

Estava convencido que a queda da escravidão seria seguida da queda do Partido Conservador. Por fim, votou pelo requerimento do Sr. Ferreira Viana, representante do Rio de Janeiro, embora combatesse ambos projetos:

“ pois vejo neles a mesma idéia, e não tranqüiliza os ânimos e sobretudo a lavoura. Combato ambos, pois ambos têm a mesma idéia funesta... que é de ventre livre, contra a qual empenharei todas as minhas forças, porque entendo que será fatal, produzirá calamidades capazes de apavorar o Governo, ambos vieram do alto, um o original o outro cópia, um o direito o outro o avesso, ambos imposição do poder a opinião.”25

O Sr. Teixeira Júnior votou contra o requerimento. Fez uso da palavra dizendo que a agitação e os temores poderiam ser causados por solução precipitada, mas também por resistência a medidas salutares que venham a ser iniciadas.

Disse que o Gabinete 16 de Julho era contrário ao início de medidas, limitando-se a por em relevo as dificuldades da questão. O poder legislativo teria mais condições que o executivo para iniciar qualquer medida legislativa. Por outro lado, o projeto da Comissão de 1870 não foi discutido por manobra do Gabinete 16 de Julho, suscitando uma questão de confiança. Confundiu assim, a questão social com a política.

O Gabinete sucedente, 07 de Março, apresentou um projeto que avançava com relação ao anterior, mas continha as mesmas idéias capitais. Os deputados divergentes, então, apressaram-se a condenar, não a proposta, mas o procedimento do Governo. Diziam não admitir algumas idéias, mesmo com a declaração formal do Presidente do Conselho de que o voto de graças não representava adesão total ao projeto do Governo; que poderiam manifestar as divergências no debate. Foram porém, inexoráveis, votaram contra o voto de graças. O pedido de requerimento não tinha sentido, uma vez que o parecer da Comissão anterior fôra quase totalmente considerado no parecer do projeto do Governo.

O requerimento feito pelo Sr. Ferreira Viana foi interpretado pelo Sr. Presidente do Conselho como estratégia para hostilizar o Gabinete, uma vez que, não concordava com as idéias capitais que estavam presente em ambos projetos. Portanto, não adiantava o pedido de preferência. Estavam apenas postergando a discussão da proposta. Era apenas “arma de guerra” para hostilizar a reforma.

Mesmo com toda a discussão, os dissidentes diziam estar de acordo em reformar o estado servil, mas divergiam quanto ao modo.

Na sessão do dia 11 de julho de 1871, o Sr. João Mendes pediu o encerramento da discussão. A Câmara resolveu pela afirmativa. Procederam a votação de preferência

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e o requerimento foi rejeitado. Entrou, portanto, em discussão o projeto do Governo, com o parecer da Comissão Especial deste ano, sobre o elemento servil.

II - A Proposta do Governo: Condenável

O Sr. Barão de Vila da Barra, que apoiava o Governo, combateu a proposta no seu Art. 1o. Dizia que o Governo escolhera o melhor caminho, quando preferiu o processo lento e gradual ao imediato e rápido. Mas não escolheu o melhor caminho quando preferiu a libertação de ventre a de grupo de escravas ou famílias escravas. Avaliava que o projeto cercava de garantias os ingênuos e afrouxava os laços de força moral do senhor. Abalava o direito de propriedade. Para ele, o Governo atribuiu aos lavradores a criação dos ingênuos porque não pode faze-lo, ele próprio. Seriam tantas as despesas com maternidade, asilos, polícia, repartições fiscais, que declarariam a bancarrota do Brasil. Considerava que se alguém quisesse tomar uma desforra desmoralizadora nos senhores pouco acrescentaria a isso.

Ao final do seu discurso afirmava:

“ Condeno o ventre livre, porque o Governo não pode encarregar-se da criação, porque não aproveita o ingênuo, pois o senhor cuida dele por obrigação e não por vontade espontânea ; não aproveita o senhor, pois fica desmoralizado. Condeno o ventre livre, porque ao fim de oito anos o Governo sobrecarregará os cofres públicos, para receber os inválidos, os de moléstia física e moral incuráveis, pois os senhores não optarão pelos seus serviços. Condeno enfim, a lei de ventre, porque podendo haver libertos antes da lei e depois da lei, não devem entrar na sociedade com as mesmas prerrogativas de cidadãos livres, pois não foram preparados para este fim.”26

Lançou a proposta de que o Governo a cada ano encaminhasse a emancipação de um certo número de escravas em idade de ter filhos, ou a libertação de famílias de escravos dando preferência a que tiver um número maior de indivíduos do sexo feminino, tendo sempre em mente que a emancipação não deveria provocar abalos para o país.

III - A proposta do Governo: Aprovada, mas sem Prejuízo da Agricultura

O Sr. Junqueira subiu à tribuna:

“ Empenhei minha palavra a mim mesmo que meu voto seria em favor de idéias de libertar nosso país dessa anomalia, e de modificar o atual estado servil em

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conformidade com a moral, religião e interesses econômicos e políticos deste vasto Império.”27

Contrapondo-se ao orador anterior, dizia que na proposta do Governo o senhor continuava árbitro da redenção. Os escravos desejariam conservar-se em suas boas graças; firmava a relação senhor e escravo. Acrescentou que, a liberdade de ventre foi aplicada em Portugal, em colônias espanholas e em vários estados da América do Norte.

Várias sociedades abolicionistas foram fundadas na Bahia neste período, algumas com estatuto legal e aprovados. Inclusive em algumas delas faziam parte proprietários de terras e de escravos. Como por exemplo, a Sociedade Libertadora Sete de Setembro. Esta sociedade tem um periódico chamado Abolicionista. O principal objetivo das sociedades abolicionistas deste momento era dizer, da possibilidade de emancipação e do uso de braços livres, sem prejuízo e abalo da atual indústria agrícola. Era um movimento considerado de baixo, desde as camadas sociais, mas até este momento não levavam em conta a participação dos escravos nestes movimentos.

O Sr. Junqueira, conservador, atentou para o fato de que o Partido Liberal foi o iniciador da idéia; mas era o momento de realizá-la, com o Partido Conservador nas rédeas do poder. Lembrou que foi o Partido Conservador que extinguiu o tráfico. A cisão dos dissidentes conservadores não tinha razão de ser, uma vez que declaravam-se não escravagistas.

IV - Um Toque de Humanidade... Gradualmente

Afirmava que, a escravidão era uma limitação da personalidade humana e dos seus direitos. Era um fato legal, que poderia, por nova lei, ser modificado. Era preciso fazê-la desaparecer, porém, de modo que

“não traga choques, desgraças públicas e particulares, que seja emancipação gradual”.

Por fim, dizia:

“... vós que declarais que igualmente quereis que se faça alguma coisa em prol dessas idéias de emancipação futura, não vos abraçais com essa proposta, e não preparais para um estável porvir, afim de que depois, quando o trabalho estiver regenerado, e for tornando livre essa população vindoura, lenta e gradualmente, sem abalo, sem que haja o menor indício de perturbação, qualquer de nós, se Deus, nos conceder uma longa vida, em nosso lar, nas fazendas mesmo do interior, ouvindo o cantar alegre dos trabalhadores que regressam do campo ao cair das noites tranqüilas e serenas da terra americana, possa dizer: - Eis aí fruto do nosso trabalho;

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nada fizemos de reprovado; fizemos o melhor que foi possível, decretando a emancipação gradualmente!”28

V - Economia e Política do País

Na sessão de 12 de julho de 1871, continuou a segunda discussão do primeiro artigo da proposta do governo sobre o elemento servil, com as emendas apoiadas.

O Sr. Perdigão Malheiro, começou o seu discurso por não aprovar que o Governo apresentasse a proposta na ocasião, fundamentou em dois motivos: a) pela economia e segurança e b) pelo estado político do país:

a) O primeiro, econômico e financeiro, diz que nosso país não poderia suportar uma reforma com aquele conteúdo de propostas. Atentava que nos trabalhos - de 1867 e 1868 - distribuídos para os parlamentares, alguns Conselheiros foram de parecer que não deveria se tratar desta questão, enquanto não se concluísse a Guerra do Paraguai e nosso estado financeiro e econômico não fosse reparado, de modo a suportar a reforma. Outros foram mais longe, entendiam que não bastava isso. Era indispensável que o Exército fosse distribuído por todo o Império e que pusesse força nos diversos municípios, a fim de por abrigo à segurança pública e à segurança individual.

b) O segundo, se referia ao fato de que o Imperador não poderia ter-se ausentado, nem mesmo para o tratamento da Imperatriz. Sua viagem estava conexa com o debate. Deveria ter acompanhado a discussão até a execução da lei, ou então não deveria ter apresentado a proposta.

a) A Economia

Falou sobre o estado financeiro econômico do país:

“na Fala do Trono e no relatório do Ministério da Fazenda deste ano, diz-se que a renda pública diminuiu. Está provado. Diz-se mais, que o presumido saldo de 10,000:000$ desapareceu. A despesa extraordinária com a Guerra do Paraguai, liquidada a pouco, orça em 386,000:000$; a nossa dívida pública eleva-se a 640,000:000$, cujos serviços, isto é, juros e amortização, absorvem um terço da renda do Estado, calculada em 90,000:000$; os juros andam por 25,000:000$ e a amortização 5,000:000$ ou mais.

Além disso, o nosso meio circulante influi poderosamente no crédito, influi no câmbio, em todas as transações e em todos elementos da riqueza pública e particular...O café sofreu redução em 1869 e 1870, comparando com o termo médio de cinco exercícios anteriores, de 800,000 quilogramas e comparando com o

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exercício médio de 1868 e 1869, uma redução de 41 milhões de quilogramas, em valor superior a 13,000:000$. Indicará isto prosperidade?

O algodão, gênero importantíssimo entre nós, que se desenvolveu à custa dos Estados Unidos, também encontra-se em decadência, também sofreu redução. A circular do Ministro da Fazenda, de 29 de maio de 1871, apontava a crise do algodão que não podia concorrer no mercado estrangeiro com o dos Estados Unidos. Influi ou não este estado de coisas na renda pública e na riqueza pública e privada? Podemos resolver de modo não violento a questão da emancipação nestas condições?

O estado da lavoura não é florescente, sofreu grande abalo por ocasião da crise comercial de 1864, e, ainda não foi restabelecida, agravam-se as dificuldades com a luta, pela falta de braços e pela falta de capitais; a indústria agrícola esta onerada.

O comércio ressente-se também da mesma crise de 1864, agravada pela Guerra do Paraguai e Franco-prussiana, e com justa razão, ligado imediatamente a agricultura partilha da crise.

A simples apresentação desta proposta causa muitos males a indústria agrícola, a propriedade e o crédito agrícola tem sofrido depreciação; ela que precisa de capitais já não o encontra com facilidade, mesmo no próprio Banco do Brasil. Os lavradores têm que recorrer a particulares com muito mais ônus e vexames, todas as nossas dificuldades são lançadas sobre a nossa primeira e principal indústria; o mal dela reflete em todo o sistema. A crise da lavoura há de refletir sobre todos, sobre quem não possui escravos, sobre os que não possuem riqueza alguma e ainda sobre os mais pobres. É mal que há de se estender a todo o país.

Quanto a segurança individual, o próprio ministro da justiça diz que é nula a prevenção de crimes, que não é lisonjeiro o estado da segurança individual, que a força policial é insuficiente, o exército é insuficiente para o serviço do estado... receia que corra perigo a ordem pública, a paz das famílias, a vida, a propriedade, sem que se possa recorrer a autoridade da força pública, porque não existe e não pode ser criada de um momento para outro.

Com prudência pensaram aqueles Conselheiros de Estado que não era o momento de tratar da questão sem que o Império estivesse convenientemente preparado para acudir as necessidades de prevenção, de garantias contra a infração e violência à ordem pública e a segurança individual”29

b) A Política

Uma questão se levantou mais uma vez, o motivo que teria levado o Governo a apresentar tal proposta. Para reafirmar que a proposta do Governo demonstrava o intento de retirar da Câmara a glória da iniciativa de semelhante medida, pronunciaram-se alguns deputados.

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Lembrou-se que assim se fez, em 1823, quando evitaram que a Constituinte brasileira, nossa primeira Assembléia Legislativa, confeccionasse e promulgasse a Constituição de que estava incumbida. Embora se aproveitasse do seu trabalho, calcando no seu projeto a Constituição de então.

Em 1850, com objeto análogo, não se procedeu da mesma forma. O ministério de 29 de setembro de 1848 podia apresentar um projeto seu, mas foi buscar um projeto vindo do Senado, de 1837, fez as modificações que entendeu. Facilmente conseguiu convertê-lo na lei de 1850, sobre o tráfico de africanos.

O resultado do procedimento do Governo foi a reação da Câmara, demonstrada logo na eleição da Comissão Especial; a reação no país em oposição a proposta e a idéia; sobretudo, nos termos em que foi concebida.

VI - Emancipação: Males de Norte a Sul

O Sr. Perdigão Malheiro introduziu um elemento novo na discussão até aqui não mencionado: a rivalidade entre Norte e Sul do Império. Segundo ele, o Sul por ter um número maior de escravos, teria maior interesse na questão. Mas o Norte não deixava de ter escravos; o mesmo mal acontecido no Sul e no Norte. A maior resistência, portanto, dos lavradores do Sul, era porque sentiam-se ameaçados na sua propriedade e segurança.

Afirmava que, se quisessem estabelecer comparação, veriam que o Norte não contribuía como o Sul para a riqueza do Estado: o Sul tinha menor número de províncias, maior exportação, maior número de escravos, maior esforço e soma de trabalho para as exportações do Estado. De 200,000:000$, em exportações, o Sul concorre com 60%. As províncias que tinham se colocado com maior insistência contra a proposta do Governo Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, eram justamente as que tinham um número maior de escravos e representavam quase metade dos direitos de exportação do Império. Também concorriam para a exportação, uma vez que, importação e exportação constituíam a balança comercial.

A partir destas considerações, exortava os parlamentares a abandonarem essa rivalidade em nome da comunhão política e a votar contra a proposta do Governo. A alteração do trabalho agrícola, faria a renda sofrer de modo espantoso. Perguntava de onde sairiam os recursos para as despesas do Estado.

Falava assim, segundo ele, não por ser escravagista, mas sim, para que prevalecesse a razão. Não se tratava de discorrer no campo do direito, filosofia, metafísica, princípios religiosos, direito natural. Tratava-se do seguinte:

“admitida a justiça, conveniência e necessidade da extinção da escravidão, quais os meios para se conseguir este fim, do modo o menos inconveniente que se possa? Eis a única questão; mas questão dificílima.”30.

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A imprensa se pronunciava desfavoravelmente ao projeto do Governo, referindo-se nestes termos: na imprensa liberal, na republicana e ultra-liberal, a idéia fundamental da proposta do Governo foi combatida por ser muito tímida. A imprensa conservadora, parte estava muda; e parte se pronunciava contrária à proposta, por ser muito avançada. Isso era motivo para que parlamentares dissidentes criticassem o Governo por insistir, segundo eles, resistindo à manifestação do espírito público.

O Sr. Perdigão Malheiro tentou desqualificar a proposta do Governo, recorrendo a declarações feitas pelos ministros de estrangeiros, marinha e agricultura, em 1867, 1868 e 1870. Estranhava o fato de que, antes da proposta do Governo, eram eles, contra medidas adiantadas, ditas exageradas; e após, se adiantaram tanto em tão pouco tempo. Em suas palavras dizia estar de acordo quanto aos fins. Quanto aos meios e oportunidade, os ministros estavam muito adiantados.

Apelava para suas publicações, parar rebater a acusação de que os dissidentes eram escravagistas ou adversários da libertação, e, para reafirmar sua divergência: meios e oportunidade. Quanto aos atos, dizia não ser emancipador de escravos alheios, libertou os que tinha em companhia. Fez batizar as crianças livres, libertou as do sexo feminino. Estava dando a devida educação para libertar os do sexo masculino. Para quando livres, fossem úteis a si, a seus semelhantes e a sociedade.

3.7 - O perigo do Projeto

Por fim, afirmava que o projeto já produzira muito mal. Se fosse constituído lei, não sabia a que ponto chegariam os males. Além do perigo da ordem pública, crise social, financeira e econômica. O sistema não poderia ser emancipação imediata; nem mesmo, emancipação diferida; mas sim, emancipação, sucessiva e gradual.

Era preciso atender às circunstâncias financeiras, econômicas e políticas do país, da lavoura, do comércio, da indústria, da segurança. Atender à distribuição da população livre e servil; ter por conta elementos estatísticos, para não estancar a produção; olhar para as condições de moralidade dos estabelecimentos. Ver como estava distribuída a população servil no Império, de modo que se houver levante ou insurreição, ou tentativa em algum ponto, não seja fácil propagar por muitas províncias reunidas. Era preciso olhar também que não havia no mundo país que tratasse tão bem seus escravos como o Brasil.

Embora tenha escrito muito sobre a questão escravista, o Sr. Perdigão Malheiro defendia a emancipação pelo caminho lento e suave, ou seja, atos livres da vontade dos donos de escravos. Entendia que o Parlamento não teria necessidade de aprovar leis, mas

“apoiar o movimento espontâneo da emancipação. Essas medidas de nascimento livre, resgate forçado, alforrias forçadas sem critério e medidas

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semelhantes, são perigosas, inconvenientes, vão fazer grande mal a idéia. Grande mal ao país”31

O que os parlamentares dissidentes chamavam de caminho lento e suave, era a compensação estatística, feita entre óbitos e nascimentos, acrescidos das libertações, vejamos:

“... pelas estatísticas levantadas o ano passado, em relação a esta corte, onde as condições são mais favoráveis à escravidão, vê-se que no decênio até 1870, tinham morrido 29.000 escravos, nasceram pouco mais de 14.000, libertaram-se mais de 13.000, de sorte que feita a compensação entre nascimentos de um lado e óbitos e alforrias de outro, teremos em favor da extinção da escravidão 4,2%”. “...Se assim marcha a questão a favor da extinção, pelo excesso sobre nascimentos, proveniente da soma de óbitos e alforrias, é evidente que sem outro processo, em vinte anos talvez a escravatura esteja extinta”32.

3.8 - A Viabilidade do Projeto

Na sessão de 13 de julho de 1871, o Sr. Theodoro da Silva, Ministro da Agricultura, manifestou resposta ao Sr. Perdigão Malheiro. Demonstrou que em relatórios de vários presidentes de província, a opinião pública era favorável a extinção. Várias províncias em suas leis anuais, a partir de 1868, tinham votado com o fim de promover a emancipação dos escravos. A saber: Amazonas, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba do Norte, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Paraná, Santa Catarina, Minas Gerais, Goiás e São Paulo. As leis eram aprovadas para o mesmo fim: libertação de escravinhos, principalmente do sexo feminino. A proposta do Governo era de que os parlamentares acompanhassem o espírito público das províncias.

O ministro rebateu, ao ser ver, a crítica de que o Governo obedecia influência estranha e a crítica feita pelo Sr. Perdigão Malheiro, referente a importância relativa dada ao Norte em relação ao Sul.

Encerrou, dizendo que o êxito da reforma não dependia apenas do Governo e parlamentares. Dependia especialmente dos agricultores e proprietários de escravos. A eles deu um conselho:

“Respeitai a lei, se for adotada, como esperamos. Aproximai-vos do Governo que não é vosso inimigo.”33

Por fim, pediu confiança na lei, pois direitos e defesas não lhes seriam negados.

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3.8.1 - Emancipação: Intervenção Versus Caridade

Subiu a tribuna o Sr. José de Alencar, disse que a proposta do Governo era “pretexto para provocar a revolução”. Defendeu a extinção “plácida e natural”. Afirmava que a causa da emancipação espontânea estava no coração do povo brasileiro. Como exemplo, citou a estatística de 1869, em que só na cidade do Rio de Janeiro 14.000 foram alforriados. Repetiu que a extinção estaria por menos 20 anos, pela caridade dos brasileiros.

Na sessão de 14 de julho de 1871, subiu a tribuna o Sr. Visconde do Rio Branco, Presidente do Conselho. Começou por dizer como o espírito público estava se manifestando quanto a questão:

“Formaram-se associações emancipadoras por todo o Império, a filantropia individual manifestou-se de modo solene, as Assembléias Provinciais, entenderam que deveriam auxiliar o movimento de iniciativa individual, votando fundos de emancipação.”34

Insistiu que as reformas não eram aspirações unicamente de um partido. Em nenhuma parte do mundo , as mudanças tinham ocorrido sem o apoio de todos os partidos.

Questionou o dado da emancipação suave em 20 anos:

“Supondo que a população escrava seja de 1.500.000 almas, com a dedução anual de 5%. Teríamos os seguintes resultados: no fim de 10 anos, 898.105; no fim de 15 anos,694.937; 20 anos,537.729; 25 anos 416.085; 30 anos 321.105.

Se admitirmos que tenhamos atualmente 2.000.000 de almas ... no fim de 30 anos, 429.278. Está demonstrado que no fim de 20 anos não estaria extinta a escravidão”35

3.8.2 - Conselho de um Partidário

Na sessão de 17 de julho de 1871, o Sr. Capanema subiu à tribuna. Disse que a atitude do Governo tinha sido “violenta e ameaçadora e tirou toda esperança de ver triunfar a justiça e o bom senso”. Fiel ao Partido Conservador, disse ter sido afrontado por ser chamado de escravagista, emperrado, amigo do statu quo, tudo isso em nome de uma reforma, segundo ele, imprudentíssima. Voltou a insistir no fato de que a opinião pública se manifestava contrária às medidas emancipatórias . Se existisse pressão “não vinha do povo, vinda do país, mas sim, do alto”. Considerava uma desgraça ver a proposta do Governo aprovada na Câmara.

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Por fim, dirigiu-se ao Sr. Presidente do Conselho, dizendo que uma fração numerosa do Partido Conservador, ao qual pertencia o nobre presidente, reconhecia que sua administração não era vantajosa para o país. Faltava apoio para fazer passar a impensada reforma,

“coerente seria pedir a Sua Alteza Regente Imperial a dissolução da Câmara ou pedir exoneração, cedendo lugar a quem consulte melhor os interesses do país”36

3.8.3 - Em Favor do Ventre Livre

Na sessão de 18 de julho de 1871, o Sr. Luís Carlos, Conservador, subiu à tribuna e considerou a escravidão “espoliação de propriedade do homem sobre ele mesmo”. Lembrou que a idéia de libertação de ventre estava consignada no parecer desta Casa elaborado no ano passado, e, muitos proprietários e fazendeiros a abraçaram.

Afirmava ter apresentado algumas emendas. Votaria por elas, mas não deixaria de votar pela idéia justa que era a liberdade de ventre, caso suas emendas não fossem aceitas. Não queria que se perpetuasse a escravidão Não queria ficar na retaguarda das nações civilizadas. Considerava a idéia de remissão dos cativos não só social. Era o bem do povo, o bem do Estado.

3.8.4 - A Preocupação com os Proprietários

O Sr. Monteiro Castro disse que a idéia da emancipação era idéia de progresso, mas no caso do Brasil, iria desorganizar o trabalho, secar-lhe a origem, sem os devidos preparativos para tamanha mudança:

“ Não temos instrução primária no país, o povo em geral ignora os primeiros rudimentos. Em nossos sertões, sobretudo, não se encontram 5 ou 10% sabendo ler e escrever”. “... sem escola onde se ilumine mais ou menos o espírito do povo, ele não pode conhecer seus direitos e deveres...”.37

Chamava atenção para o aniquilamento dos particulares e a desgraça da Nação, pois não existindo escolas agrícolas, para multiplicar forças diminuindo braços, não tendo estradas de ferro e sendo a lavoura, única indústria, a emancipação decretaria a ruína. As discussões poderiam levar a um verdadeiro vulcão no país. Dizia existirem três meios para acautelarem grandes desgraças: o adiamento da discussão para reflexão de todos; a dissolução da Câmara como apelo ao país; ou a retirada do Gabinete, como ato de patriotismo. Concluiu pedindo que os ministros deixassem suas pastas, visto que outro ministério poderia resolver a questão sem abalos.

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O Sr. Alencar Araripe levantou sua voz dizendo:

“os nossos contendores elevam em prol da causa do cativeiro vozes que melhor uso teriam para ajudar-nos a suprimir este estado de coisas, cuja continuação já nos envergonha.”38

Afirmava que a força do governo era a opinião nacional, e que, maiores amigos dos lavradores eram os defensores do projeto. Não os dissidentes, pois a proposta previa indenização; dava tempo de reestruturação da lavoura, uma vez que determinava a libertação de ventre, mas mantinha a escravidão atual. Logo, o abalo não seria repentino. Ademais, a marcha da emancipação avançaria sempre, ninguém a poderia deter.

3.9 - Aprovação do Projeto

3.9.1 – O Artigo Primeiro

Na sessão de 22 de julho de 1871, o Sr. João Mendes enviou requerimento pedindo o encerramento das discussões referentes ao Art. 1o.. Foi aprovado. O Sr. Andrade Figueira, enviou requerimento com pedido de votação nominal. Foi aprovado.

Os dissidentes da proposta do Governo, manifestaram protesto quanto ao encerramento da discussão. O Sr. Andrade Figueira pediu reconsideração da decisão. O Sr. Capanema disse ser traição, aproveitou-se que a oposição não estava presente39

O Sr. Presidente manteve sua decisão. Contados os votos, declarou encerrada a discussão do Art. 1o. da proposta do governo. Foi aprovado: 62 votos a favor; 37 contra , com 9 ausências.

3.9.2 - Os Outros Artigos: Breve Citação

Entrou em discussão o Art. 2o. da proposta, foram lidas e apoiadas as emendas apresentadas pela Comissão e pelo Sr. Luís Carlos.

A discussão girou em torno do medo de insurreições de escravos e o pouco que a polícia poderia fazer para contê-los.

Na sessão de 24 de julho de 1871, o Sr. Barros Cobra classificou a proposta do Governo de imprevidente. Apelava para dados e estudos. Não concorreria com seu voto para males que antevia:

“É minha convicção profunda quem qualquer que seja o sistema que se adote, de emancipação gradual, e sucessiva, as insurreições hão de surgir a cada canto do

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Império. A primeira conseqüência deste estado de coisas, será a necessidade de montar um exército, só para conter os escravos. Considere-se na dificuldade de formar esse exército, e isso depois de uma guerra que há tornado necessário um rigoroso recrutamento, além de alistamento voluntário”40

Na sessão de 26 de julho de 1871 o Sr. Ferreira Aguiar enviou requerimento de encerramento da discussão. A Câmara consultada resolveu pela afirmativa. O Sr. Duque Estrada Teixeira, pediu votação nominal, a Câmara resolveu pela negativa. Procedida a votação, o Art. 2o. foi aprovado com seus parágrafos e emendas. Rejeitada a do Sr. Luís Carlos.

Entrou em discussão o Art. 3o. da proposta do Governo. A oposição se ausentou, segundo o Sr. Belisário, “para não concorrer com sua presença para que a Câmara deliberasse essa matéria”. Mas o mesmo, que pretendia fazer uso da palavra, não pôde esquivar-se e sair na hora da votação. Concorreu para aprovação do Art. 3o. da proposta.

Entrou em discussão o Art. 4º da proposta. Na impossibilidade de ver rejeitado o projeto do Governo e as emendas da Comissão, os dissidentes tentavam obstruir as votações.

Na sessão de 31 de julho de 1871, o Sr. Duque Estrada tentou inverter a pauta de discussão, pedindo urgência na discussão do orçamento dos negócios estrangeiros. A urgência foi rejeitada pela Câmara. Continuou em discussão o Art. 4o. da proposta do Governo que se estendeu pelas sessões de 1o. de agosto41 e 2 de agosto42.

O Sr. João Mendes enviou requerimento pedindo o encerramento das discussões do Art. 4o.. Consultada a Câmara, é aprovado. O Sr. Paulino Souza requereu votação nominal, foi aprovado. Votado, o Art. 4o. foi aprovado em seus parágrafos e emendas da Comissão, por 59 votos a favor e 39 contra. Rejeitada a do Sr. Luís Carlos.

Nas sessões de 7 de agosto43 e 9 de agosto44 de 1871, entrou em discussão o Art. 5o. da proposta do Governo. Foi aprovado. Entrou em discussão o Art. 6o, aprovado na sessão de 10 de agosto de 1871.45. Entrou em discussão o Art. 7o. da proposta e foi aprovado na sessão de 12 de agosto de 1871.46 O Sr. F. Belisário propõe adiamento de matéria em função da constituição de um projeto específico do Art. 8o.. Foi rejeitado. Entrou o artigo em discussão. Foi aprovado na sessão de 13 de agosto de 187147. Na mesma sessão entrou em discussão o Art. 9o. Foi colocado em confronto o parecer da Comissão e o artigo do projeto. Procedida a votação, foi aprovada a emenda da Comissão, ficando o artigo prejudicado.

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Entrou em 3a. discussão a proposta, juntamente com o parecer da Comissão na sessão de 18 de agosto de 187148. Procedendo à votação nominal, o projeto é aprovado por 61 votos a favor e 35 contra, indo para a comissão de redação.

Por fim, o Sr. Paulino de Souza apresentou requerimento, para que fossem enviadas juntamente com o projeto do Governo para o Senado, as representações dirigidas a Assembléia contrárias a proposta.49

3.10 - Resistência Escrava

A economia mundial, na sociedade do século XIX, passou por modificações profundas. Da fase de exportação de mercadorias passou a exportar capitais. O fluxo de capitais investidos no Brasil, em setores estratégicos de nossa economia, determinou a fase de modernização das cidades e os hábitos dos brasileiros. Tudo o que significava civilização era incorporado a sociedade civil, excluídos os escravos.

O processo de modernização: mecanização dos transportes, estradas de ferro, sistema de cabotagem, gás de iluminação, telefone, bondes de tração animal; contrastavam com a persistência das relações de produção escravistas. Independente de estar nos engenhos de açúcar do Nordeste ou nos cafezais do sul, era o escravo negro quem produzia. Embora algumas diferenças regionais determinassem particularidades na situação do escravo, de ganho, doméstico, agrícola, escravo na mineração, etc. não modificavam o essencial: o escravo era um ser alienado de sua essência humana.

A resistência escrava surgiu a partir da vivência de extrema negação de si, ou seja, a total dominação e alienação. As condições subumanas de tratamento, um sistema rígido de controle social e um aparelho de Estado voltado para defender os direitos dos senhores e seus privilégios impeliram o escravo para a resistência ativa.

Ganhavam força, portanto, os mecanismos de controle. Os níveis de repressão eram totais.

A potencial revolta dos escravos estava sempre em primeiro plano quer para as autoridades, quer para os senhores e seu aparelho repressivo. Foi naquela situação que se manifestou a rebeldia do escravo negro. A compreensão da situação social e política que a economia escravista produzia em relação ao escravo, possibilitava o reconhecimento da importância da resistência negra. Importância esta, presente nas discussões do parlamento, quando em 1871, o Governo apresentou seu projeto de lei referente ao elemento servil. Um dos mais contundentes foi o Sr. Deputado Barros Cobra:

“ É minha convicção profunda que, qualquer que seja o sistema que se adote, de emancipação gradual e sucessiva, as insurreições hão de surgir a cada canto do Império. A primeira conseqüência deste estado de coisas, será a necessidade de montar um exército, só para conter os escravos. Considere-se na dificuldade de

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formar este exército, e isso depois de uma guerra que há tornado necessário um rigoroso recrutamento, além do alistamento voluntário.”50

As experiências vividas desde a Metrópole, com a luta dos negros do Quilombo dos Palmares e outros, estava sempre presente como preocupação para os senhores de terras e de escravos. A figura de Zumbi era demonizada na catequese urbana e nas fazendas.

Embora as revoltas não chegassem ao nível modificador de estruturas, foram motivos de permanente desgaste do sistema.

Quando o Sr. deputado afirmava que o escravo não era um capital apenas, mas também instrumento de trabalho, sabia o quanto onerava ao senhor sua fuga. Além de patrimônio subtraído, perdia tudo aquilo que deveria ser produzido durante o tempo em que o escravo permanecia evadido. Despesas com captura, pagamento de Capitães-do-Mato, recompensa a informantes, despesas com o tempo em que o escravo encontrava-se em prisões do Estado e muitas outras. Some-se a isto a desvalorização, no mercado, do valor do fugitivo. Portanto, o desgaste era mais abrangente que o valor do escravo e seu trabalho.

A destruição eventual, por parte dos escravos, da propriedade e lavoura do senhor, marcaram também ações sistemáticas, praticadas por escravos fluminenses. Já no final da escravidão, eram orientados por abolicionistas radicais. Os episódios são tidos como atípicos, pois não caracterizavam o comportamento da maioria dos escravos no resto do Brasil.

A quilombagem despertava sempre o permanente receio da propagação da rebeldia, da violência dos quilombolas nas fazendas e, mesmo, da insurreição urbana. Durante todo o período de duração da escravidão os senhores viviam o medo, muitas vezes externado no Parlamento: o perigo da “haitização”. A provável articulação dos escravos rebeldes de várias províncias; a necessidade absoluta de saber estatisticamente a população livre e escrava do país, etc. Ao mesmo tempo, havia medo de que os escravos, com conhecimentos desta superioridade numérica, talvez fizessem uma rebelião nacional. Isso fazia com que as medidas repressivas fossem severas (pena de morte, açoite, execução dos rebeldes), leis vistas como medidas de normalidade social.

3.11 - Movimento Abolicionista - 1850-1871

As transformações pelas quais passava a sociedade brasileira desde a abolição do tráfico criaram tensões que repercutiram na vida política. Não se pode propriamente falar em movimento abolicionista até meados do século XIX; e mesmo na fase de 1850-1865, as críticas a escravidão e propostas em favor da emancipação despertavam pouco entusiasmo. Poucas eram as pessoas que publicavam ensaios, livros, sobre a situação dos escravos e as vantagens do trabalho livre; ou apresentavam projetos,

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visando melhorar suas condições de vida. Podemos classificar este período como de grande indiferença frente a sorte dos escravos. As poucas atuações sempre caíam no esquecimento.

Apesar da indiferença da Câmara e do Senado, segundo Emília Viotti, o número de pessoas interessadas no problema do escravo crescia. A escravidão passou a ser tema literário. Em 1846, Gonçalves Dias publicava A Escrava; em 1856, José de Alencar compunha o Demônio Familiar, denunciando os malefícios da escravidão. Pouco depois escrevia Mãe, inspirado no drama do cativeiro. Antônio Joaquim de Macedo, em 1869, publicava Vítimas e Algozes. Escritores nordestinos incluíam os negros como personagens de suas obras.

Entre todos escritores deste período o baiano Castro Alves foi o que mais se identificou com a sorte dos escravos. Tornou-se o mais ardoroso porta voz dos escravos.

Podemos constatar que a situação de vida do escravo não provocava indignação. A sociedade acreditava que não poderia viver sem eles. As ações emancipatórias eram muito limitadas. Surgia aqui uma sociedade emancipadora com o fim de coletar donativos para alforria de escravos; outras ali, com o fim de defendê-los na justiça. Jornais abolicionistas e organizações apareciam e desapareciam, sem nenhuma solidez. Em suma, o movimento estava no período de gestação. Apenas nos meios acadêmicos se mantinha acesa uma certa oposição à escravidão.

Em meados da década de 1860, a questão começa a ser mais discutida no Parlamento: muitos liberais pretendiam levar seu partido a assumir posturas favoráveis a emancipação. A resistência, no entanto, era grande por parte de liberais e conservadores.

Em 1865, solicitado a levar ao Parlamento a discussão da questão servil, o Marques de Olinda, Chefe de Gabinete, respondeu que só uma palavra que deixasse perceber a idéia da emancipação, por mais adornada que fosse, abriria a porta a milhares de desgraças. A maioria dos parlamentares usava a estratégia de nada fazer para aprovar projetos que visassem a emancipação. Evitavam aprovar qualquer medida que colocasse em risco a propriedade escrava.

O próprio Imperador então tomou a frente no processo abolicionista. Pediu ao senador Antônio Pimenta Bueno a elaboração de um projeto de emancipação dos escravos. Em resposta ao pedido, elaborou projeto de emancipação dos filhos de mulher escrava, sugeriu a criação de conselhos provinciais de emancipação; liberdade dos escravos do governo em 5 anos e os pertencentes a organizações religiosas no prazo de 7 anos. O projeto encontrou pouco apoio no Conselho do Estado. O Imperador hesitou em apresentar o projeto. Ninguém queria assumir o risco de debater a questão em plena guerra com o Paraguai.

A pressão abolicionista neste período era mais forte vinda de fora: a Junta Francesa de Emancipação pressionava o Imperador. O impacto da Guerra de Secessão nos Estados Unidos também, que pôs fim a escravidão. A pressão inglesa, exercida

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desde o início do Império, e, o constrangimento de defender uma instituição ultrapassada, colocavam o Brasil em situação difícil internacionalmente.

O número de associações abolicionistas crescia com consistência nos núcleos urbanos. Não apenas estudantes e poetas agitavam a questão. Jornalistas, advogados, médicos, engenheiros, homens e mulheres comuns juntavam-se a eles. A grande imprensa começava a discutir a questão. A opinião pública era solicitada a se manifestar. Alguns políticos discutiam o assunto no Parlamento.

A primeira ação que repercutiu na opinião pública foi o decreto do governo libertando os escravos da nação, designados para o serviço do Exército em 6/11/1866. Daí a discussão viria a se ampliar, tão logo a Guerra do Paraguai terminasse e o Governo viesse a retomar o problema.

3.12 - Situação de Vida do Liberto

A lei do Ventre Livre foi então promulgada. Não se verificaram desordens na agricultura ou insurreições de escravos, nem miséria pública e particular. Nada de crimes, horrores e cenas escandalosas, apregoadas pelos deputados dissidentes na tribuna. Na verdade, em nada mudou a situação de vida dos escravos, tendo em vista a libertação lenta e gradual. Isto incluía a situação de vida daqueles que a lei fizera nascer livres.

O Estado desde o começo foi omisso no controle da lei. Não se esforçava e não tinha condições de faze-lo. Os proprietários de terras e de escravos, de má vontade no cumprimento da lei, acreditavam que estavam sendo lesados em sua propriedade. O poder dos proprietários foi expresso no discurso de Joaquim Nabuco:

“ Ainda não se conhece ao certo o número de escravos que há no Brasil. São eles verdadeiros rebanhos, levados à matrícula nas coletorias , mas entregues somente ao senhor territorial. Parece que o Estado não pode ir além das tranqueiras das fazendas e impor aos senhores a obrigação de fornecer os esclarecimentos para o arrolamento completo dos escravos.”51

A constatação do Sr. Joaquim , mostrou que poucos anos depois de aprovada a lei, os sinais do fracasso da ação parlamentar era visível.

Nenhuma medida fora tomada para educação dos ingênuos, como afirmava o deputado André Augusto de Pádua Fleury, no discurso de 10 de maio de 1882, insuspeito de tendências abolicionistas:

“Não deve ser objeto de nossas reflexões a posição desses menores desprotegidos cujo número aumenta todos os dias , que aí crescem sem educação intelectual, religiosa ou profissional, entre seus pais escravos, e a sociedade, que os declarou livres, a eles, pobres órfãos; mas não os prepara para um dia ocuparem a

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posição que lhes compete, esquecer a injúria que recebem na violência mantida contra aqueles que lhes deram o nascimento?”52

O Jornal do Comércio, em 1882, reconhecia que a média anual de libertação realizada pelo Governo era insignificante.

O Fundo de Emancipação não era aplicado de forma séria. Em 1874, o Sr. André Rebouças afirmava que no Tesouro havia 4.000:000$ inaplicados que poderiam tirar da escravidão 4.000 criaturas. Observava o Senador Cristiano Otoni, em 1883, que segundo estatísticas do Ministério da Agricultura, de 1873 a 1882, 70.183 escravos foram libertados; Destes, apenas 12.898 pelo fundo de emancipação.

Os menores libertos que ficavam com suas mães, na prática, eram tratados como escravos. Alguns senhores falsificavam matrículas e documentos, outros nem se davam a tal trabalho. Sabiam da realidade do “controle” exercido pelo Estado. O fato é que os ingênuos que deveriam ser declarados livres pela lei permaneciam na escravidão.

Quando alugados por associações ou pelo próprio Estado a particulares, tornavam-se, na prática, escravos. O Sr. Carlos de Carvalho, em 1881, confirmava a realidade, afirmando que,

“ mantida a economia da Lei de 28 de setembro de 1871, a escravidão entrará no século vindouro. Basta considerar que os nascidos a 27 de setembro de 1871, são escravos e a fraude não foi eliminada nas declarações de nascimento.”53

Segundo a historiadora Emília Viotti Costa54:“com a Lei o senhor não perdeu o valor da mão-de-obra, na medida que, lhe foi facultada a opção de ficar com o escravo até os 21 anos completos e nenhuma indenização prometida pelo Governo poderia compensar 13 anos de trabalho.” Os proprietários aproveitavam do dispositivo da lei que dizia “ficar o novo senhor sub-rogado nos direitos e obrigações do antecessor” (Art.1o.§5o.) para negociar crianças, em São Paulo, as quais, era atribuído um verdadeiro valor.

A historiadora, Kátia Mattoso, afirma que:

“...Os filhos de escrava, em estado livre, aprenderam desde cedo as duras leis da escravidão: deve trabalhar para existir e para ser reconhecido como bom escravo, obediente e eficaz”. “...Com a ‘idade da razão’ não há mais crianças escravas, mas escravos novos, força de trabalho para seus senhores. Sob suas aparências enganadoras a Lei do Ventre Livre é disto clara confissão, e a mensagem simbólica do olhar que um corpo social inteiro levanta sobre uma criança escrava. A Lei do Ventre Livre é o triunfo das mentalidades antiquadas e perversas.”55

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3.13 - Uma Interpretação da Lei

O advento da Lei n.º 2040 de 28 de setembro de 1871- que supostamente beneficiava os escravos - contentou apenas a minoria intelectualizada. Afinal, para eles, o país entrava na era de humanidade e civilização. Mas

“em verdade como sucede quase sempre com as reformas sociais mais discutidas, a lei não dera satisfação aos temores de uns, nem aos anseios de outros.”56

A meu ver, O processo de discussão da lei revelou quatro tipos de dissidentes ou opositores: a) os que falavam em nome do terror e do medo; b) os políticos, que se apresentavam em nome do Partido Conservador; c) os proteladores, que procuravam adiar a reforma sob o pretexto de que faltavam estudos e novos planos; e, d) os pessimistas, que ofereciam dúvidas e dificuldades, se a proposta fosse convertida em lei.

3.13.1 – Do Terror e do Medo

Alguns deputados contrários ao projeto do Governo acerca do elemento servil, subiam à tribuna e, no sentido de explorar o medo, explorar o fato da resistência escrava estar presente na sociedade, apregoavam o terror. Mas com a aprovação da lei não se verificou a “insurreição geral dos escravos”, temida pelo Sr. Perdigão Malheiro. Não ocorreu “a desordem dos nossos estabelecimentos agrícolas”, prevista pelo Barão de Vila da Barra. Tampouco recrudesceram “a anarquia social e miséria pública e particular”, do Sr. Gama Cerqueira. Muito menos “os dias lúgubres, com todo cortejo, de crimes e horrores e cenas escandalosas”, imaginados pelo Sr. José de Alencar. Pois, os escravos aceitaram a Lei, tanto que diminuiu radicalmente o número de rebeliões de escravos. A Lei teve o papel fundamental de fixar no horizonte da mentalidade dos escravos um término para a escravidão. Começou a se formar uma aliança entre abolicionistas e escravos.

A experiência negra de mais de três séculos de resistência, não conseguindo efetivamente acabar com a escravidão, fez com que fosse pensada a possibilidade de uma alternativa pacífica, por parte dos escravos. O processo legal foi essa alternativa, ou seja, aos senhores foi atribuída a capacidade de resolver o problema servil. Negros ex-escravos - heróis da Guerra do Paraguai ou líderes dentro da comunidade - participavam das correntes abolicionistas, dando a entender à massa escrava que essa alternativa era viável.

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3.13.2 – Em Nome do Partido Conservador

Diziam ser traição aos princípios conservadores o Gabinete 07 de Março, conservador, apresentar uma proposta de emancipação dos escravos. Isto significava divorciar-se das idéias conservadoras. Consideravam a apresentação da proposta um abalo profundo na sociedade.

Significava extorquir da sociedade uma glória que pela emancipação “lenta e suave” e pela caridade individual ela vinha desempenhando, “sem necessidade de lei”, como afirmava o Sr. José de Alencar. Para os conservadores, o Gabinete perdia uma fração importante do seu partido. Não se sustentaria após a reforma, se ela acontecesse, e muito menos, iria adquirir a confiança dos liberais. Consideravam o Gabinete indébito-apropriador da idéia. Aconselhavam: “melhor seria pedir a Sua Alteza Imperial, a dissolução da Câmara ou deixar suas pastas, visto que outro ministério poderia resolver a questão sem abalos”, como afirmavam os Srs. Capanema e Monteiro de Castro.

2.13.3 – Os Proteladores da Reforma

Embora não afirmassem defender a duração indefinida da escravidão, acreditavam que a falta de dados estatísticos precisos, dificultava políticas definidas para o elemento servil. Para o Sr. Rodrigues Alves, defensor desta idéia, “a verdadeira opinião estava no último reduto da ordem - a agricultura.” O Sr. Perdigão Malheiro, falava da necessidade do Governo “consultar lavradores, presidentes de província, ministros e cônsules no estrangeiro”, antes de formular um projeto. Era preciso que o Governo tivesse cálculos precisos de quanto iria gastar com a reforma.

Afirmavam que enquanto o estado econômico e financeiro do país não fosse reparado, não poderia suportar qualquer reforma. A questão servil dependia de “meios e oportunidade.” Era preciso aplicar medidas preparatórias como em outros países, era preciso acautelar, “adiamento da discussão para reflexão de todos”, como dizia o Sr. Monteiro de Castro.

2.13.4 – Os Pessimistas

Eles se aproximavam dos “representantes do terror e do medo”. Para eles, os resultados poderiam ser diferente dos esperados. “De nada serviria ao escravo a liberdade se se transformassem em vagabundos, inúteis a sociedade”, como dizia o Sr. Melo Morais. Os Srs. Paulino de Souza e Pereira da Silva defendiam “atos de caridade individual para evitar engajamento, para não comprometer o país e evitar responsabilidade”. Recomendavam prudência e descrição “para evitar compromissos futuros”.

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Quando estes senhores falavam de compromissos futuros, posso levantar duas hipóteses: a primeira, poderiam estar preocupados se a ação criaria animosidade frente a sociedade para com eles, como políticos de uma câmara temporária; a segunda, poderiam estar preocupados que essa medida desencadeasse uma onda de novas medidas, levando, por fim, ao término da escravidão.

Do outro lado estavam os defensores da proposta , que em nome de Sua Alteza Imperial, tratavam de resolver o problema, com a devida prudência e reflexão, “de modo que respeitada a propriedade atual e sem o abalo da agricultura, pudessem atender os interesses ligados a questão servil”. Os interesses econômicos e políticos do Império estavam em primeiro plano. A proposta capital do projeto, Liberdade de Ventre, 21 anos antes já havia sido apresentada no Parlamento.

Pareceu-me muita ingenuidade ou tática oportunista, o fato de a comissão retirar do projeto - e o Parlamento aprovar - a questão referente ao Juízo Especial. Na verdade, a única forma “efetiva” de controle presente na lei fora retirada. A Comissão a considerou secundária. A não aprovação do Juízo Especial, mostrou explicitamente o que seria da aplicação da lei: nada haveria para fiscalizar sua aplicação.

É difícil dizer se a Lei teve os efeitos desejados ou indesejados por parte dos parlamentares que a aprovaram. Os senhores controlavam o pecúlio do escravo. A morte e a iniciativa particular fazia muito mais libertações que o fundo de emancipação. A matrícula especial não era rigorosamente cumprida. A educação dos ingênuos não era seriamente atendida. Os libertos, muitas vezes, eram abandonados por descaso ou arrependimento dos particulares ou senhores que deviam cuidar deles. A lei pareceu menos um ato de soberania nacional que uma transação do Estado com os proprietários de escravos.

O pretexto de “estancar a escravidão desde a raiz”, apregoado pela Comissão com o Ventre Livre, não teve efeito prático. A venda dos serviços dos menores a particulares através de editais - mesmo proibindo a transferência desses serviços pelo Art. 91 do decreto n.º 5.135 de 13 de novembro de 1872 - em nada diferenciava da venda de escravos. Com relação a isto o Sr. Joaquim Nabuco manifestou veemente protesto , relativo a um edital da praça de Valença, em 1882.

Por fim vou-me reportar às palavras do Marquês de Paranaguá, que dizia ser esta lei “reputada no mundo como a mais monstruosa mentira, a que uma Nação recorreu para esconder seus crimes.”

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3.14 - Lei 2040 - de 28 de setembro de 1871

Declara de condição livre os filhos de mulher escrava que nascerem desde a data desta lei, libertos os escravos de nação e outros, e providência sobre a criação e tratamento daqueles filhos menores e sobre a libertação anual de escravos.

A Princesa Imperial Regente, em nome de Sua Majestade o Imperador, o Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembléia Geral decretou e ela sancionou a Lei seguinte:Art. 1o. Os filhos de mulher escrava, que nascerem no Império desde a data desta lei, serão considerados de condição livre.§1o. Os ditos filhos menores ficarão em poder e sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos.Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá a opção, ou de receber do Estado a indenização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos.No primeiro caso o Governo receberá o menor, e lhe dará destino em conformidade com a presente lei.A indenização pecuniária acima fixada será paga em títulos de renda com o juro anual de 6%, os quais se considerarão extintos no final de 30 anos.A declaração do senhor deve ser feita dentro de 30 dias a contar daquele em que o menor chegar a idade de oito anos e, se a não fizer então, ficará entendido que opta pelo arbítrio de utilizar-se dos serviços do mesmo menor.§2o. Qualquer desses menores poderá remir-se do ônus de servir, mediante prévia indenização pecuniária, que por si ou por outrem ofereça ao senhor de sua mãe, procedendo-se a avaliação dos serviços pelo tempo que lhe restar a preencher, se não houver acordo sobre o quantum da mesma indenização.§3o. Cabe também aos senhores criar e tratar os filhos que as filhas de suas escravas possam ter quando aquelas estiverem prestando serviços.Tal obrigação, porém, cessará logo que findar a prestação dos serviços das mães. Se estas falecerem dentro daquele prazo, seus filhos poderão ser postos á disposição do Governo.§4o. Se a mulher escrava obtiver liberdade, os filhos menores de oito anos, que estejam em poder do senhor dela por virtude do §1o., lhe serão entregues, exceto se preferir deixá-los, e o senhor anuir a ficar com eles.§5o. No caso de alienação da mulher escrava, seus filhos livres, menores de 12 anos, a acompanharão, ficando o novo senhor da mesma escrava sub-rogado nos direitos e obrigações do antecessor.§6o. Cessa a prestação de serviços do filho das escravas antes do prazo marcado no §1o., se por sentença do juízo criminal, reconhecer-se que os senhores das mães os maltratam, infligindo-lhes castigos excessivos.

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§7o. O direito conferido aos senhores no §1o., transfere-se nos casos de sucessão necessária, devendo o filho da escrava prestar serviços á pessoa a quem nas partilhas pertencer a mesma escrava.Art. 2o. O governo poderá entregar a associações por ele autorizadas os filhos de escravas, nascidos desde a data desta lei, que sejam cedidos ou abandonados pelos senhores delas, ou tirados do poder destes em virtude do art.1o.§6o.§1o. As ditas associações terão direito aos serviços gratuitos dos menores até a idade de 21 anos completos e poderão alugar esses serviços, mas serão obrigadas:1o. A criar e tratar os mesmos menores.2o. A constituir para cada um deles um pecúlio, consistente na quota que para este fim for reservada nos respectivos estatutos.3o. A procurar-lhes, findo o tempo de serviço, apropriada colocação.§2o. As associações de que trata o parágrafo antecedente serão sujeitas a inspeção dos juizes de Órfãos, quanto aos menores.§3o. A disposição deste artigo é aplicável ás casas de expostos, e ás pessoas a quem os juizes de Órfãos encarregarem a educação dos ditos menores, na falta de associações ou estabelecimentos criados para tal fim.§4o. Fica salvo ao Governo o direito de mandar recolher os referidos menores aos estabelecimentos públicos, transferindo-se neste caso para o Estados obrigações que o parágrafo 1o. impõe ás associações autorizadas.Art. 3o. Serão anualmente libertados em cada Província do Império tantos escravos quantos corresponderem à quota anualmente disponível do fundo destinado para a emancipação.§1o. O fundo de emancipação compõe-se:1o. Da taxa de escravos.2o. Dos impostos gerais sobre transmissão de propriedade dos escravos.3o. Do produto de seis loterias anuais, isentas de impostos, e da decima parte das que forem concedidas de agora em diante para correrem na capital do Império.4o. Das multas impostas em virtude desta lei.5o. Das quotas que sejam marcadas no Orçamento geral e nos provinciais e municipais.6o. De subscrições, doações e legados com esse destino.§2o. As quotas marcadas nos Orçamentos provinciais e municipais, assim como as subscrições, doações e legados com destino local, serão aplicadas á emancipação nas províncias, Comarcas, Municípios e Freguesias designadas.Art. 4o. É permitido ao escravo formação de um pecúlio com o que lhe provier de doações, legados e heranças, e com o que, por consentimento do senhor obtiver do seu trabalho e economias. O Governo providenciará nos regulamentos sobre a colocação e segurança do mesmo pecúlio.§1o. Por morte do escravo, metade do seu pecúlio pertencerá ao cônjuge sobrevivente, se o houver, e a outra metade se transmitirá aos seus herdeiros, na forma da lei civil.

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Na falta de herdeiros, o pecúlio será adjudicado ao fundo de emancipação de que trata o art.3o.§2o. O escravo que, por meio de seu pecúlio, obtiver meios para indenização de seu valor, tem direito a alforria. Se a indenização não for fixada por acordo, o será por arbitramento. Nas vendas judiciais ou nos inventários o preço da alforria será o da avaliação.§3o. É, outrosim, permitido ao escravo, em favor da sua liberdade, contratar com terceiro a prestação de futuros serviços por tempo que não exceda de sete anos, mediante o consentimento do senhor e aprovação do Juiz de Órfãos.§4o. O escravo que permanecer a condôminos, e for libertado por um deles, terá direito à sua alforria, indemnizando os outros senhores a quota do valor que lhes pertencer. Esta indenização poderá ser paga com serviços prestados por prazo não maior que sete anos, em conformidade com o parágrafo antecedente.§5o. A alforria com a clausula de serviços durante certo tempo não ficará anulada pela falta de implemento da mesma clausula, mas o liberto será compelido a cumpri-la por meio de trabalho nos estabelecimentos públicos ou por contractos de serviços a particulares.§6o. As alforrias, quer gratuitas, quer a título oneroso, serão isentas de quaisquer direitos, emolumentos ou despesas.§7o.Em qualquer caso de alienação ou transmissão de escravos é proibido, sob pena de nulidade, separar os cônjuges, e os filhos menores de 12 anos, do pai ou mãe.§8o. se a divisão de bens entre herdeiros ou sócios não comportar a reunião de uma família, e nenhum deles preferir conservá-la sob seu domínio, mediante reposição da quota parte dos outros interessados, será a mesma família vendida e o seu produto rateado.§9o. Fica derrogada a Ord.liv.4o.,tit 63, na parte que revoga as alforrias por ingratidão.Art. 5o. Serão sujeitas à inspeção do Juiz de Órfãos as sociedades de emancipação já organizadas e que de futuro se organizarem.Parágrafo único. As ditas sociedades terão privilegio sobre os serviços dos escravos que libertarem, para indenização do preço de compra.Art. 6o. serão declarados libertos:§1o. Os escravos pertencentes à nação, dando-lhes o Governo a ocupação que julgar conveniente.§2o. Os escravos dados em usufruto à Coroa.§3o. Os escravos da herança vaga.§4o. Os escravos abandonados por seus senhores. Se estes os abandonarem por inválidos, serão obrigados a alimentá-los, salvo o caso de penúria, sendo os alimentos taxados pelo Juiz de Órfãos.

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§5o. Em geral os escravos libertados em virtude desta lei ficam durante cinco anos sob a inspeção do Governo. Eles são obrigados a contratar seus serviços sob pena de serem constrangidos, se viverem vadios, a trabalhar nos estabelecimentos públicos.Cessará, porém, o constrangimento do trabalho sempre que o liberto exibir contracto de serviço.Art. 7o. Nas causas em favor da liberdade:§1o. O processo será sumario.§2o. Haverá apelações ex-officio quando as decisões forem contrarias á liberdade.Art. 8o. O Governo mandará proceder à matricula especial de todos os escravos existentes no Império, com declaração do nome, sexo, estado, aptidão para o trabalho e filiação de cada um, se for conhecida.§1o. O prazo em que deve começar e encerrar-se a matricula será anunciado com a maior antecedência possível por meio de editais repetidos, nos quais será inserta a disposição do parágrafo seguinte.§2o. Os escravos que, por culpa ou omissão dos interessados, não forem dados á matricula até um ano depois do encerramento desta, serão por este fato considerados libertos.§3o. Pela matricula de cada escravo pagará o senhor por sua vez somente o emolumento de 500 réis, se o fizer dentro do prazo marcado, e de 1$000 se exceder o dito prazo. O produto deste emolumento será destinado ás despesas da matricula e o excedente ao fundo de emancipação.§4o. Serão também matriculados em livro distinto os filhos da mulher escrava que por esta lei ficam livres. Incorrerão os senhores omissos, por negligencia, na multa de 100$ a 200$, repetida tantas vezes quantos forem os indivíduos omitidos, e, por fraude, nas penas do art. 179 do código criminal.§5o. Os párocos serão obrigados a ter livros especiais para registro dos nascimentos e óbitos dos filhos de escravas, nascidos desde a data desta lei. Cada omissão sujeitará os párocos á multa de 100$000.Art. 9o. O Governo em seus regulamentos poderá impor multas até 100$ e penas de prisão simples até um mês.Art. 10. Ficam revogadas as disposições em contrario.Manda portanto a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contém. O Secretario de Estado de Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Publicas e faça imprimir, publicar e correr. Dada no Palácio do Rio de Janeiro, aos vinte e oito de setembro de mil oitocentos setenta e um, qüinquagésimo da Independência e do Império.

Princesa Imperial Regente

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3.15 – Notas do Capítulo

1. Anais da Câmara dos Deputados (A.C.D.), Tomo I, p. , 1867.2. A.C.D., Tomo I, p. , 1868.3. A.C.D., Tomo I, p. , 1870.4. cf. A.C.D., Tomo II, p.70, 1870.5. A.C.D., Tomo II, p.27, 1870.6. Por direito de testar entende-se, deixar desejo expresso em testamento.7. A.C.D., Tomo III, p.39, 1870.8. Special Raport of the Anti-slavery Conference, Paris, 1868, p.118.9. A.C.D., Tomo IV, p.165, 1870.10.Por Corporação de mão-morta, entende-se, estado de bens inalienáveis, como são

os das Comunidades Religiosas, hospitais, etc.11.A.C.D., Tomo IV, p.181,1870.12.cf. A.C.D., Tomo IV, p.166, 1870.13.A.C.D., Tomo I, p. 9, 1871.14.A.C.D., Tomo I, p.43-451871.15. A.C.D., Tomo I, p.47, 1871. 16.Sala das Comissões, Oliveira Junqueira, Cândido Mendes, Tristão de Alencar

Araripe. sessão de 16/05/1871. A.C.D., Tomo I.p.53; sessão de 02/06/1871. A.C.D., Tomo II. p.7.

17. A.C.D., Tomo I, p.53; 101; 127; 142, 1871.18.A.C.D., Tomo II, p. 5, 1871.19.A.C.D., Tomo II, p.93, 1871. 20.A.C.D., Tomo II, pp.220-3421.cf. A.C.D., Tomo II, p.2201871.22.cf. A.C.D. Tomo II, p.227, 1871.23.Decisão das Câmaras Legislativas em virtude da qual, ficava autorizado ao

Governo, a proceder livremente sobre qualquer negócio. No caso, apresentar projeto à Câmara.

24.A.C.D., Tomo III, p. 86, 1871.25.A.C.D., Tomo III, p.90,1 871 .26.A.C.D., Tomo III, p.102, 1871.27.A.C.D., Tomo III, p.102,1871.28.A.C.D., Tomo II, p.106, 1871.29.A.C.D., Tomo III, p.114, 1871.30.A.C.D., Tomo III, p.115, 1871.31.A.C.D., Tomo III, p.122, 1871.32.A.C.D., Tomo III, p. 122, 1871.33.A.C.D., Tomo III, p.131, 1871.34.A.C.D., Tomo III, p.144, 1871.

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35.A.C.D., Tomo III, p.149, 1871.36.A.C.D., Tomo III, p.175, 1871.37.A.C.D., Tomo III, p.192, 1871.38.A.C.D., Tomo III, p. 194, 1871.39.cf. A.C.D., Tomo III, pp.231-35, 1871.40.A.C.D., Tomo III, p. 257, 1871.41.A.C.D., Tomo IV, pp.7-13.42.A.C.D., Tomo IV, pp.25-34, 1871.43.A.C.D., Tomo IV, pp.77-84, 1871.44.A.C.D., Tomo IV, pp.94-103, 1871.45.A.C.D., Tomo IV, pp.105-109, 1871.46.A.C.D., Tomo IV, pp117-127, 1871.47.A.C.D., Tomo IV, pp.132-134, 1871.48.A.C.D., Tomo IV, pp.169-70, 1871.49.A.C.D., Tomo IV, pp.324, 1871.50.A.C.D., Tomo III, pp. 257, 1871.51.A.C.D., Sessão de 04/09/1880.52.MORAIS, E. A Campanha Abolicionista, p.3, 1986.53.MORAES. E. A Campanha Abolicionista, p.150, 1986.54.VIOTTI,E. Da Senzala à Colônia, pp. 393-94.55.MATTOSO, K.M.Q., In Revista Brasileira de História n.º. 16, pp. 37-55.56.MORAES, E. A Campanha Abolicionista, p. 12, 1986.

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Capítulo IV: Lei n.º 3270 de 28 de setembro de 1885

“Lei dos Sexagenários”

4.1 – Considerações Iniciais

O presente capítulo trata da discussão na Câmara dos Deputados dos Projetos de Lei que resultaram na aprovação da chamada “Lei dos Sexagenários” ou “Saraiva-Cotegipe”.

Antes de falar do projeto que deu origem à “Lei dos Sexagenários”, convém tecer alguns comentários acerca do Projeto 15 de julho, centrado na libertação sem indenização dos Sexagenários, abordando os empecilhos para sua discussão que causaram conflitos entre o Governo e Câmara dos Deputados. No primeiro momento, causou a dissolução da Câmara e posteriormente, “em represália”, a Câmara aprovou uma moção de desconfiança e conseguiu a queda do Ministério 06 de junho presidido pelo Sr. Souza Dantas.

Daremos maior ênfase a discussão do Projeto 12 de maio, apresentado pelo Ministério presidido pelo Sr. José Antônio Saraiva que, a partir de uma proposta do Governo, alcançou Consenso na Câmara e resultou na aprovação da referida Lei.

4.2 - A Fala do Trono

Na sessão imperial de abertura da Assembléia Geral Extraordinária, em 08 de março de 1885, sob presidência do Barão de Cotegipe, entre outros assuntos, Sua Majestade, o Imperador, disse que:

“a presente sessão extraordinária foi aconselhada pela necessidade, a que certamente correspondeis com a maior solicitude, de resolver acerca do projeto que o Governo julga útil à extinção gradual da escravidão em nossa pátria, conforme o desejo de todos os brasileiros, de modo que o sacrifício seja o menor possível, sem obstar ao desenvolvimento das forças produtivas da nação.

A vossa sabedoria, reconhecerá a alta conveniência de assegurar a tranqüilidade necessária para completar-se a substituição do trabalho servil.”1

Pediu ainda, que se ocupassem da proposta de fixação de forças de terra e mar, e do exame do orçamento para o exercício de 1885-86, providenciando uma escrupulosa e bem entendida economia, que inspire confiança no restabelecimento do equilíbrio entre a renda e a despesa pública.

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4.3 - O Projeto 15 de Julho de 1884 2

O projeto apresentado na sessão de 15 de julho de 1884, versava sobre a reforma do elemento servil. Tratava da possibilidade de emancipação segundo cinco hipóteses:

a) Pela idade do escravo;

b) Pela omissão em matriculá-lo ;

c) Pelo fundo de emancipação;

d) Pela transgressão do domicílio local do escravo;

e) Outras disposições do projeto.

4.3.1 - Algumas Idéias do Projeto

• Libertação do escravo ao completar 60 anos, com a obrigação do ex-senhor de socorrê-lo nas suas necessidades, ou na falta, despesas por conta do Estado;

• Matrícula dos escravos e liberdade aos que não forem dados à matrícula, cobrança de taxa de matrícula;

• Arbitramento do valor do escravo, segundo sua idade;

• Taxa adicional de 6% nos produtos, exceto nas exportações;

• Imposto por transferência da propriedade escrava;

• Domicílio intransferível do escravo;

• Fixação de domicílio do escravo por cinco anos;

• Contratação e locação dos serviços do escravo;

• Colônias agrícolas para os libertos desempregados;

• Transmissão dos lotes das colônias para propriedade do liberto por título de arrendamento.

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4.3.2 - Entraves para Discussão do Projeto

Desde o momento em que o projeto foi apresentado, o Governo tentava fazer com que este projeto entrasse na ordem do dia para discussão, mas conservadores e dissidentes liberais obstruíam. Até que não foi mais possível adiar o debate. Mesmo assim, o projeto saiu de cena sem a discussão devida, embora muitos de seus artigos estivessem presentes no projeto apresentado pelo Gabinete posterior.

O Governo, através de sessão extraordinária e por intermédio do Sr. Cândido de Oliveira (Ministro da Guerra), na sessão de 08 de março de 1885, pediu que a Câmara se pronunciasse sobre o projeto n. 48 de 1884, de modo a não por em dúvida o pensamento do país, a respeito do elemento servil.

Entendia o Governo que era tempo de satisfazer o compromisso assumido na Fala do Trono, abrindo oportunidade de discussão do projeto de 15 de julho, uma vez que já tinha o parecer das comissões e as sessões extraordinárias foram convocadas para pronunciar-se sobre mérito ou demérito do projeto.

Afirmava ainda que, este projeto teve parecer das comissões reunidas de Justiça Civil e Orçamento. Foi posto à Mesa quando a Câmara dos Deputados foi dissolvida e de acordo com as disposições regimentais deveria ser submetido a votos para o trabalho preliminar ser considerado ou não objeto de deliberação.

O Sr. Moreira Barros (Presidente da Câmara ), disse que a mesa não havia tomado conhecimento do projeto sobre o elemento servil, porque ainda não se oferecera ocasião para examinar outras matérias e dá-las para a ordem do dia. Não fora julgado objeto de deliberação e requeria que essa formalidade regimental fosse preenchida. Iria verificar o que existia a tal respeito para resolver o que seria justo.

I - Visão da Câmara Municipal de Conceição ( Província de Minas Gerais)

O Sr. Affonso Penna, pediu a palavra e enviou à Mesa uma representação da Câmara Municipal de Conceição, Província de Minas Gerais, pedindo a Câmara dos Deputados que negasse seu voto ao projeto 15 de julho de 1884. Como justificativa, chamou atenção para o estado anômalo em que se achava a lavoura do país. Escreveu à Câmara”:

“ a questão do elemento servil e a transformação do trabalho, na substituição do braço escravo pelo livre, é o grandioso problema que prende a atenção de todo brasileiro sensato, e, de cuja solução depende a tranqüilidade do espírito público, presentemente sobressaltado.

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Na calamitosa crise que atravessamos, vendo nossa cara pátria cair a braços com o déficit que a assoberba, ameaçada ainda pela horrível tempestade que nos intimida, causada pelos malefícios deste projeto de 15 de julho, que sem meditar e consultar os vitais interesses da nação, suas desastrosas conseqüências, nos atira um dos poderes da nação.

O transtorno da renda pública e o aniquilamento da particular, já tão onerada de impostos, é conseqüência indubitável que se pode esperar, se bem que a todos sobrem os desejos de ver liberto o último cativo, contudo, é uma questão de tantas e tão graves conseqüências, que, para resolvê-la, é preciso muita prudência e alta sabedoria.

É por isso, que esta Câmara sem distinção de cor política, vem em nome dos cidadãos, representar-vos, para solução da libertação dos escravos, que todos desejam, parece que será de alta conveniência guardar e respeitar o direito de propriedade, garantido pelo nosso pacto fundamental, dando maior desenvolvimento às regras estabelecidas pela humanitária e sábia Lei de 28 de setembro de 1871, que com chave de ouro, pôs termo a reprodução do escravo em nosso país.

O incentivo a contribuição generalizada e uma séria fiscalização faria aumentar o fundo de emancipação, que em pouco tempo, colocaria fim à escravidão, sem prejuízo do proprietário e de interesse para a nação. Uma lei enérgica e sábia que obrigue os ociosos ao trabalho, compelindo os vagabundos das cidades e povoações a se empregarem; seria a melhor lei para os nossos sertões, onde temos numeroso pessoal para o trabalho, mas falta-nos meios para obrigá-los.”3

O Sr. Zama pediu que o projeto entrasse em discussão na ordem do dia da próxima sessão. O Sr. Presidente disse que isso não se resolveria imediatamente. Deveria antes verificar o que havia a tal respeito. Por fim, respondeu ao Sr. Ministro da Guerra que daria o projeto a que ele se referiu para a ordem do dia de 13, sem prejuízo da ordem do dia regimental.

II - O Projeto versus a moção de desconfiança

No dia aprazado, antes da discussão do projeto de 15 de julho, o Sr. Moreira de Barros (Presidente da Câmara), deixou a cadeira da Presidência, que foi ocupada pelo 1º vice-presidente. Da tribuna, apresentou uma moção de desconfiança em relação à política do Gabinete. Disse que a dissidência liberal separou-se do governo, porque não aceitava o sistema de resolver o problema da emancipação dos escravos sem indenização.

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Disse também que queria urgência na discussão do assunto, para tranqüilidade das classes produtoras, alarmadas pela propaganda oficial. Não desejava que fosse prolongado o estado de excitação e ansiedade. Propôs que este o dia , já escolhido anteriormente pelo governo, fosse para conhecimento da resposta do país à consulta que lhe foi feita.

A moção:

“A Câmara dos deputados, não aceitando o sistema de resolver sem indenização o problema do elemento servil, nega seu apoio à política do gabinete”.

( Paço da Câmara dos Deputados 13 de abril de 1885 – Moreira de Barros, Affonso Penna, João Penido, Valladares, Sinimbú Júnior, Mascarenhas, José Pompeu, Felício Santos, Lourenço de Albuquerque e Antônio Carlos Ribeiro de Andrada)

Foi remetida à Mesa, apoiada e posta em discussão.

O Sr. Cândido de Oliveira pediu a palavra e disse não se surpreender com os extremos da paixão partidária e animosidade política apresentada nesta moção de desconfiança, embora no seu entender, devessem se preocupar com o assunto mais grandioso de que possa ocupar-se no presente a representação nacional: o solene debate sobre o projeto 15 de julho, não fossem velhos hábitos parlamentares.

Dizia ser a reforma do elemento servil a vida do Gabinete, a sua razão de ser, o farol de sua política. Achava que a moção de desconfiança iria prejulgar o projeto, substituí-lo, antepor-se ao seu exame, condenando-o; e, só tinha em mira a falta de indenização pecuniária dos sexagenários que é o que separava a dissidência do núcleo do partido liberal.

Esta dissidência, segundo ele, desde a legislatura passada, tentava por meio de moções, ferir o governo no ponto único de sua política. Moções que nada significavam senão o desejo de suprimir o Ministério. Os apresentadores da moção buscaram ponto de apoio na grande falange conservadora: indenização.

Mesmo quando o governo acelerava a discussão do projeto, ocorria que a dissidência adiava-a com evasivas, negativas de encerramento de debates. Até que o representante de Juiz de Fora formulou uma moção, burlando as táticas oposicionistas. Sintetizava a rejeição do projeto, a que não podia esquivar-se o Governo. Os oposicionistas assustaram-se e tentaram iludir com emendas de última hora, mas o Governo então apelou para a soberania moderadora e decretou a dissolução da Câmara dos Deputados.

Depois destes acontecimentos, uma nova Câmara foi eleita pelo voto direto, votantes estes constituídos não da grande massa popular, mas das classes conservadoras, proprietários de escravos que tiveram de delegar seus poderes para a

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solução do problema servil. O partido liberal, se constituiu em maioria dentre os deputados eleitos.

O Sr. Cândido de Oliveira, Ministro da Guerra, achou estranho a moção à discussão do projeto, uma vez que, o afastamento da dissidência estava no art. 1º: indenização ou não pela liberdade dos Sexagenários. Por quê então não emendá-lo ou corrigi-lo e ir a votação ? Perguntava ele.

O Sr. Moreira de Barros, interferiu e pediu que o governo abrisse mão da questão – indenização – presente no artigo primeiro. O Sr. Felício dos Santos disse que o governo já se recusara a fazer isso. O Sr. Zama disse que indenização pecuniária era especulação.

O Sr. Ministro da Guerra afirmava que, pela pequena discussão de momento, era possível perceber que a dissidência queria o projeto, mas não o Ministério. O desejo era político: substituir o Ministério usando como subterfúgio o projeto. Dizia ainda que, se este era o ponto que separava a dissidência do governo e da grande maioria liberal, era preciso entrar na discussão do projeto. Debate franco e leal, e não desta fórmula tortuosa e sofística que os membros do partido liberal, apoiados pela grande massa do partido conservador, encontrara para negar ao Sexagenário o gozo da liberdade. Ou a substituição do Ministério.

O Sr. Sigismundo, pediu a palavra e fez uma declaração dizendo que acreditava nada poderia se opor à corrente emancipadora, que engrossava a cada dia. Cumpria dirigir a marcha para evitar devastações. Dizia querer discutir e propor emendas ao projeto de 15 de julho, cuja repulsa deu em resultado à dissolução da Câmara. Declarou não poder acompanhar o deputado por São Paulo(Sr. Moreira de Barros) na moção que acabava de apresentar. Sendo representante de um rico distrito agrícola, acreditava interpretar fielmente o desejo e sentimento de seus constituintes.

O Sr. Carlos Affonso começou dizendo que foi um dos que, mesmo não sendo escravocrata, votou contra o Gabinete na moção de desconfiança que resultou na dissolução da Câmara na legislatura passada. Isso fez com que ele tivesse problemas, uns e outros exigiam dele tomada de posição contra ou a favor da escravidão, mas votara contra porque o governo não teve a humildade de apresentar o projeto 15 de julho em nome das idéias liberais, do programa liberal.

Neste momento, votaria contra a moção, pois só tem como efeito retardar a marcha. Entendia que a organização de novo Gabinete enfraqueceria as forças para realização da grande e fecunda reforma, pela qual ansiava a nação inteira.

O Sr. Benedito Valladares , em nome da dissidência liberal, protestou dizendo que a moção reconhecia como inoportunas, medidas em bem do melhoramento da sorte dos escravos e da sua libertação, que sacrificam direitos adquiridos à sombra de leis do país. A dissidência, segundo ele, queria a harmonia de todos os direitos e não

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arrastar o país para a anarquia, violando o preceito constitucional de garantia de propriedade. Afirmava que o Gabinete ameaçava a ordem pública.

III - Desconfiança versus Confiança

O Sr. Affonso Celso Júnior, tomou a palavra e disse que após seis meses de discussão não se chegava a termo nenhum. Esse fato faria com que fosse aprofundada a descrença pelos homens e pelas instituições, que lavrava o coração nacional. Dizia que a questão era iniludível: liberdade ou escravidão.

Então ele, apresentou uma moção substituta para andamento dos trabalhos:

“ A Câmara dos Deputados, interpretando o sentimento geral do país, aprova a política emancipadora do atual Gabinete.”

A atitude recebeu apoio da bancada liberal e vivas e aplausos das galerias. Houve tumulto generalizado na Câmara, apartes de todos os lados. O Sr. Presidente da Câmara tentou tomar as rédeas da discussão e disse que qualquer manifestação extremada a sessão seria suspensa.

A moção foi lida, apoiada e posta em discussão junto com a do Sr. Moreira de Barros.

O Sr. Antônio Pinto, cearense abolicionista, dizia lamentar a existência de partidos que ainda defendiam especulação e os enferrujados ferrolhos da senzala. Lamentava também que brasileiros, educados à sombra de instituições livres, não prezassem a santa liberdade. Dizia que em 1882 era conservador e, sacrificado por essas idéias, era pedra de escândalo. No momento acompanharia até o final este Governo. Preferia ver intacta a sua honra, a ter vanglorias e vantagens de uma política mesquinha.

Por fim, dizia que, por ser conservador abolicionista e dar apoio ao Governo teve que sair do partido. Estava no partido liberal, mas era conservador, abolicionista e contra todos os negreiros ; neste momento, para ele, não era preciso se definir como conservador ou liberal, e sim, abolicionista ou negreiro. E se o Gabinete morresse, morreria acompanhado dos ecos de sua voz.

O Sr. Martinho Francisco, subiu a tribuna e disse que as grandes idéias deveriam se relacionar às grandes necessidades do Império. Em presença de uma moção de confiança e uma de desconfiança, examinando os motivos poderia se perguntar: poderão os cofres públicos reconhecer a possibilidade de indenização, ainda quando a origem deste princípio não fosse questionada ? Não, sem dúvida.

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Além disso, dizia que membros do Parlamento que acompanhavam o Governo sem manifestar-se claramente, adiavam o momento em que os velhos de sessenta anos deveriam obter a sua liberdade. Afirmava que, pelos fatos da vida, pouco ou nada vale um homem de sessenta anos. Que valor poderia ter um pobre escravo que viveu durante sessenta anos sob o peso dos trabalhos das fazendas ? Sem dúvida coisa alguma.

Considerava também que esses indivíduos não causariam falta à lavoura e seria notadamente cruel obrigá-los ao árduo trabalho. Ao seu ver, o Governo queria aplicar um princípio de justiça, não coagir ao trabalho quem não poderia faze-lo. Por fim, disse que acompanhava o Governo, na importante tarefa da abolição.

O Sr. Dantas, Presidente do Conselho, subiu à tribuna e avaliou que os passos dados pela Lei de 28 de setembro de 1871 não foram adiantados. Era preciso dá-los neste momento, para que em pouco tempo pudessem proclamar que na América não existiam mais escravos. E que estariam perdendo muito tempo discutindo as moções, quando poderiam estar discutindo o projeto, poderiam emendá-lo, restringi-lo, rejeitá-lo, fazer o que aprouvesse. Terminou sua fala usando palavras sustentadas por José Bonifácio, em Paris, no ano de 1825:

“ Generosos cidadãos do Brasil, que amais vossa Pátria, sabeis que sem a abolição total do infame tráfico da escravatura africana, e sem a emancipação sucessiva dos atuais cativos, nunca o Brasil firmará sua independência nacional e assegurará e defenderá a sua liberal constituição.” 4 ( A.C.D. Tomo II, p.321. 1885)

Por fim, dizia que se quisessem derrubar o Ministério por causa do projeto, cairiam, mas abraçados ao projeto 15 de julho.

Após vários apartes e contestações de oposicionistas e governistas, o Sr. Álvaro Caminha, acentuou o fato de que o projeto precisava ser discutido, até mesmo para ver que tipo de indenização se pretendia: se pecuniária, votaria contra, porque as finanças do país não comportariam tamanho sacrifício. Dizia que não foi, não era e nem pretendia ser governista, mas a questão social o impelia, “ pois se libertamos a infância, libertemos a velhice, a lei libertou o embrião, proclamemos a liberdade...

O Sr. José Mariano : “... do cadáver”.

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O Sr. Álvaro Caminha continuou “... sim, do cadáver, do direito de morrer livre, depois que a lei proclamou a liberdade do berço, proclamemos a liberdade do túmulo”.

O Sr. Felício Santos requereu o encerramento da discussão, foi aprovado. O Sr. Amaro Bezerra fez passar à mesa um requerimento de votação nominal. O Sr. Ulysses Vianna, apresentou uma moção para que o projeto passasse à ordem do dia, pedindo sua prioridade, considerou a possibilidade da moção de desconfiança ser retirada. O requerimento de votação nominal foi aprovado. Feita a chamada, cinqüenta votaram em favor da moção, e contra ela cinqüenta.

IV- Os Republicanos

Entraram em cena os republicanos Prudente de Moraes, Álvaro Botelho e Campos Salles, até então, longe do debate. Diziam ser favoráveis ao projeto 15 de julho, pois o mandato dos mesmos compreendia a emancipação dos escravos e pelo que haviam sido eleitos. Embora vindos de uma região em que os eleitores tinham seus interesses vinculados à lavoura, julgavam-se autorizados a dizer que representavam os interesses dos proprietários.

Os republicanos votaram contra a moção, pois ela queria evitar o debate e forçar a retirada do Gabinete. Era simples questão de Governo, seria mais um embaraço à emancipação.

O Sr. Presidente deu por encerrada a sessão. E deu a ordem do dia seguinte, figurando a 1ª discussão do projeto n.48 de 15 de julho de 1884, sobre a emancipação dos escravos.

Na sessão de 14 de abril de 1885, a discussão não foi feita, o mesmo ocorrendo em todas as sessões, até a de 18 de abril.

V - A Representação de Campinas

Na sessão de 20 de abril, o Sr. Affonso Penna apresentou nova representação contra o projeto do Governo, agora assinada por diversos capitalistas, comerciantes e fazendeiros da região de Campinas e pediu a publicação em Diário Oficial.

Afirmavam na representação serem contrários às idéias abolicionistas. A propaganda governamental estava causando a desorganização da ordem social e seguiria o convulsionamento da riqueza pública e ordem econômica. Robusteciam-se

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na crença de que os Gabinetes até recentemente estavam voltados para o processo ordeiro e pacífico da Lei de 28.09.1871, o aumento do fundo de emancipação e o fomento da corrente imigratória e esforços para dotar o país de uma boa lei de locação de serviços.

Afirmavam não poder continuar calados ante ao projeto 15 de julho, que agitava os espíritos, abalava as instituições, anarquizava os elementos do trabalho, futurando sua completa ruína.

Entendiam não necessitar outra solução além da Lei de 28.09.1871, que era garantidora da ordem social e econômica, estabelecia a transição gradativa de uma situação para outra, sem o menor abalo e ofensa à propriedade então existente. Se ela não estava sendo cumprida na totalidade não caberia aos representantes da nação rasgá-la no que tinha de mais fundamental e verdadeiro: “o respeito ao direito de propriedade”.

Afirmavam que decretar a liberdade dos sexagenários, os quais, constituíam propriedade legítima, independente de indenização alguma era ferir a Constituição do Império( art.179, §22). Ia além, retirava do titular o direito à faculdade de estimar em sua quantidade monetária, aquilo que legalmente possuía, pela fixação do valor máximo por escravo segundo sua idade.

Por fim, diziam que o projeto traria o definhamento da lavoura e do comércio, traria em breve a diminuição das rendas do Estado e um extenso descalabro financeiro. Suas reflexões eram no sentido de opor barreiras a aprovação do projeto.5

O projeto em si, não entrou em discussão no dia 20 de abril, nem nas sessões subseqüentes, até 28 de abril. A Câmara não se reuniu nestes dias para discutir o projeto por falta de quorum; manobras de um lado e de outro por causa do projeto de 15 de julho.

Na sessão de 29 de abril, centralizando a discussão não no monetário da indenização, mas no ataque direto ao direito de propriedade, princípio consagrado na Constituição. Viam o grande perigo de declararem-se livres desde já todos os escravos do Brasil em statu liberi. O Sr. João Penido dizia não abandonar o seu posto, e, o Governo julgasse o que era patriótico: retirar-se do poder ou dissolver a Câmara. O projeto continuou na ordem do dia de 29 e 30 de abril, mas sem discussão e não figurava na ordem do dia de 02 de maio.

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VI - A Manifestação Popular

A agitação nas ruas fazia com que os deputados contrários ao projeto sofressem constrangimentos e trouxessem para a Câmara sua indignação.

Na sessão de 04 de maio, o Sr. Antônio Siqueira, liberal, reclamava de insultos recebidos por ele, dizendo que as pessoas estavam a mando do Governo, mais especificamente a mando da polícia. Considerava que a autoridade havia desaparecido, porque pediu providências e continuava a ser vaiado nas ruas. Considerava vaias dadas pelo Governo. Dizia entender porque o Sr. Joaquim Nabuco escrevera no Jornal do Comércio que o apoio abolicionista ao Ministério atual vinha da identificação dele com a propaganda abolicionista e não por amor ao projeto, que eles reputavam péssimo.

Afirmava que o Governo não defendia a ordem nem a justiça, que era a condição primeira para a liberdade. Não queriam a liberdade para os escravos e nem mesmo tinham a tolerância para com os brancos. A tolerância, segundo ele, sendo o ABC da liberdade.

a) Nova Moção de Desconfiança

Em suma, enviou uma moção que dizia representar os sentimentos que dominavam a maioria da Câmara:

A moção:

“ A Câmara dos Deputados, convencida de que o ministério não pode garantir a ordem e a segurança pública, que é indispensável à resolução do projeto do elemento servil, nega-lhe a sua confiança”. Paço da Câmara, 04 de maio de 1885. Antônio Siqueira, Benedito Valladares, Affonso Penna, João Penido, Felício Santos, Lourenço de Albuquerque e José Pompeu.

O Sr. Cândido de Oliveira( Ministro da Guerra), iniciou dizendo que não poderiam atribuir à complacência do Governo os incidentes de que fora vítima. Afirmava que o Governo nem de leve pactuou com essas arruaças.

Estabeleceu-se um tumulto na Câmara, apartes em concordância ou discordância com a afirmação do Sr. Ministro. O Presidente da Câmara retoma a ordem no recinto e o Sr. Cândido de Oliveira, continuou dizendo estranhar o fato que um deputado tão rapidamente se tornar neodissidente, se referindo ao Sr. Siqueira,

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“antes votava com o Governo, inclusive na moção de 13 de abril, agora apresenta uma moção com as mesmas proposições. Será que tem tanto poder a manifestação de 10 ou 12 pessoas ? Isso é o bastante para repudiar sua solidariedade ao Ministério que tem nas mãos a reforma da ordem pelo projeto 15 de julho ?”

Dizia não ter meios para evitar a moção e não o faria. Mesmo que o projeto fosse rejeitado, a emancipação estaria sempre à frente.

O Sr. Presidente da Câmara colocou a moção em votação. Alguns deputados reclamaram o direito à fala. O Sr. Affonso Penna pediu o encerramento da discussão, aprovado pela Câmara e o Sr. Affonso Celso Júnior pediu votação nominal, foi aprovada.

O Sr. Frederico Borges deu explicação pessoal que votaria contra a moção, pois ela se ligaria aos interesses da causa patriótica da emancipação, causa dileta de sua província.

Feita a chamada responderam “sim” cinqüenta e dois deputados e “não” cinqüenta deputados. A moção é aprovada. 6

4.4 - O Novo Ministério

Depois dos acontecimentos de 04 de maio, o senador Dantas, Presidente do Gabinete 06 de junho, pediu e obteve de Sua Majestade a demissão do Ministério que presidia. Sua Majestade encarregou de organizar o novo Ministério ao Senador José Antônio Saraiva.

Na sessão de 11 de maio, o Sr. Cândido de Oliveira foi encarregado de apresentar o novo Ministério à Câmara. Falou dos motivos já sabidos da moção de desconfiança, a votação de 52 a favor e 50 contra.

Disse que, Sua Majestade quis saber do Presidente do Conselho acerca da solução da crise. Este declarava que, para continuidade do Ministério, seria necessário a dissolução da Câmara. Acrescentou porém, que não achava prudente, consideradas outras circunstâncias do momento político. Este recurso só seria reclamado depois de demonstrada a impossibilidade de formar um novo Ministério para encarregar-se da reforma e realizá-la o quanto antes.

Interrogado sobre o nome do estadista que poderia compor o novo ministério, indicou o Sr. José Antônio Saraiva.

Sua Majestade aceitou a exoneração e ordenou que convidasse o Senador Saraiva para que fosse ao Paço de São Cristóvão, no dia 05 de maio, o que foi cumprido. Finalizou dizendo que de tais fatos foi incumbido dar ciência à Câmara.7

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O Sr. Saraiva subiu à tribuna e disse ter sido encarregado por Sua Majestade para compor o novo Ministério. Disse que as dificuldades políticas e financeiras o impeliram a não declinar da responsabilidade.

4.4.1 - O Programa do Ministério

Anunciou que no seu programa estaria a solução da questão do elemento servil e o melhoramento do estado financeiro do país. O intuito do ministério, segundo ele, era de apressar o mais possível a libertação de todos os escravos, dando porém, tempo à indústria agrícola para reorganizar o trabalho, e, auxiliando esta organização com uma parte do valor do escravo.

Analisava o estado financeiro, dizendo que este merecia cuidados e exigia sacrifícios. Interrupções de planos de vias férreas, sem paralisar obras em execução, economia em todos os serviços, e outras medidas pertencentes à Câmara dos Deputados, que ajudariam a resolver a questão financeira. Equilibrar-se-ia o orçamento e buscar-se-ia a estabilidade e desenvolvimento do crédito agrícola e comercial, do público e particular. Dizia achar que as dificuldades não provinham da falta de recursos, mas da forma como têm sido realizados certos melhoramentos.

4.4.2 - Avaliações do Ministério Anterior

O Sr. Andrade Figueira, líder conservador fluminense, fez avaliação do ministério 06 de junho, censurado pelos conservadores e pela dissidência liberal, dizendo que ele caiu por não poder manter a ordem material e a tranqüilidade pública necessárias para resolver a questão. Disse também que o Gabinete atual “não fez da emancipação do elemento servil questão de confiança e enquanto o ministério trilhar no caminho da moderação e da justiça pode contar com a simpatia dos conservadores.”

Atacou o partido liberal dizendo que este estava no poder há sete anos e não conseguia realizar seu programa. Disse que o Gabinete anterior fora condenado pelo atual porque não soubera administrar nossa situação financeira com prudência, em melhoramentos sociais do país. O Sr. Saraiva interrompeu dizendo que são erros de todos, mas o Sr. Andrade Figueira, voltou a insistir que os maiores erros econômicos e financeiros foram cometidos depois que o partido liberal subiu ao poder.

Afirmava que o Gabinete 06 de junho, nos onze meses que esteve no poder não fez senão perturbar a ordem legal e material nas ruas do país e teria mantido imprensa assalariada às custas dos cofres públicos.

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O Sr. Lourenço de Albuquerque, em nome da ex-dissidência liberal, saudou o Gabinete 06 de maio. Disse que lhe custou combater o Gabinete anterior, de seus correligionários, mas não queria cumplicidade na violação de um direito, condição essencial de uma sociedade bem constituída. A vitória - da moção – em 04 de maio foi da emancipação gradual e prudente dos escravos. Esta, deveria ser a missão do Gabinete atual. A questão é social e não deveria ser apresentada com caráter de partido.

O Sr. Prudente de Morais, republicano, usou a tribuna para dizer que o desejo republicano era substituir a Monarquia pela República Federativa. E que, apoiavam as reformas sociais que consubstanciassem idéias democráticas. Disse não estarem na disputa do poder no atual regime, em questões partidárias votariam em branco. Insistiu que deram apoio ao Gabinete 06 de junho por concordarem com as idéias capitais do projeto de 15 de julho, compromisso assumido com os eleitores.

Depois fez uma análise política da dissolução da Câmara relacionada à posterior queda do Gabinete 06 de junho.8 Em suma, por manobras políticas, sem discutir o projeto do Governo, sem que a Câmara estivesse constituída, que lançaram mão da desconfiança, conseguindo a dissolução do Ministério. Afirmava ainda que a retirada do Ministério de 06 de junho e a posse do 06 de maio não eram atos corretos, segundo o sistema parlamentar.

I - Trabalhador Escravo e Trabalhador Livre

Por fim, argumentou que a questão central não era apenas eliminar o escravo, mas colocar em seu lugar o trabalhador livre. Para tanto, deveriam relacionar leis de emancipação do trabalho servil com aquisição de trabalhadores livres.

O Sr. Affonso Celso Júnior, liberal que apoiava o Ministério anterior, manifestou que desejava eliminar a escravidão de um só golpe; não podendo, aceitava qualquer projeto que adiantasse a questão. Analisava o Ministério passado, dizendo que fez crescer o movimento abolicionista e sua marcha não poderia ser detida. Caiu por querer libertar sem indenização cerca de cem mil anciãos escravizados. Por fim, disse que se o projeto do Gabinete atual for mais adiantado, terá seu apoio.

4.4.3 - Proposta de Consenso

O Sr. Saraiva, Presidente do Conselho, insistiu que, pela agitação da tribuna e das ruas o projeto sobre o elemento servil precederia à questão financeira, embora estivessem relacionados. A questão só poderia ser resolvida pelos partidos juntos. A

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experiência dizia que os partidos deveriam fazer um armistício, para discussões mais graves, para que fossem resolvidas.

Fez uma análise do projeto 15 de julho. O Governo não fechava questão em vários pontos da reforma, que poderiam ser substituídos ou melhorados. O Ministério queria extinguir o elemento servil dentro de certo número de anos, dando tempo para que o trabalho se reorganizasse, pois toda questão no tocante a indústria, dizia ele, estava concentrada na lavoura. A agricultura era a única indústria que sustentava os cofres públicos e mantinha a prosperidade do país.

Dizia que no projeto, que seria apresentado na sessão seguinte da Câmara, procuravam reorganizar o trabalho com os meios da colonização, mas também através dos libertos, que mereceriam maior atenção e cuidados. Esperava que a questão não demorasse, pois não necessitariam de grande número de anos para libertar todos os escravos. Falava em nome do partido liberal, mas era indispensável o apoio e colaboração dos conservadores.

4.5 - O Projeto 12 de maio de 1885

O Sr. Pádua Fleury apresentou o projeto, na sessão de 12 de maio, elaborado de acordo com o Governo, tendo por fim a libertação gradual dos escravos e a substituição do trabalho destes pelo trabalho livre nos estabelecimentos agrícolas, impedindo que se perturbassem as fontes de produção que prendiam o estado financeiro do país. Tratava-se de uma questão neutra, para a qual, deveriam concorrer todos os partidos da Câmara.

Regula a extinção gradual do elemento servil

A Assembléia Geral resolve:

Art. 1º - Proceder-se-á em todo o Império a nova matrícula dos escravos, com declaração do nome, cor, sexo, filiação, se for conhecida, ocupação ou serviço em que for empregado, idade e valor, calculado conforme a tabela do § 3º; §1º - A inscrição para a nova matrícula far-se-á à vista das relações que serviram de base para a matrícula especial efetuada em virtude da Lei de 28 de setembro de 1871, ou à vista das certidões da mesma matrícula, ou à vista do título de domínio, que nele estiver exarada a matrícula do escravo; §2º - À idade declarada na antiga matrícula se adicionará o tempo decorrido até o dia em que, pelo senhor ou por quem suas vezes fizer, for apresentar na repartição competente a relação para matrícula ordenada nesta Lei.

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A matrícula que for efetuada em contravenção às disposições dos §§ 1º e 2º será nula, e o Coletor ou Agente Fiscal que a efetuar incorrerá em uma multa de cem mil réis a trezentos mil réis, sem prejuízo de outras penas em que possa incorrer. §3º - Será de oito meses o prazo concedido para matrícula, devendo ser enunciado por editais com antecedência de 60 dias. §4º - Serão considerados libertos os escravos que no prazo marcado, não tiverem sido dados à matrícula, e esta cláusula será expressa nos editais.§5º - O senhor, ou quem suas vezes fizer, pagará pela inscrição de cada escravo mil réis de emolumentos, cuja importância será destinada às despesas de matrícula e o que restar ao fundo de emancipação. §6º - Encerrada a matrícula os senhores de escravos ficarão relevados de multas em que tiver incorrido por inobservância das disposições da Lei de 28 de setembro de 1871, relativas à matrícula e declaração prescritas por ela e pelos respectivos regulamentos.

Da fixação do valor do escravo

Art. 2º - O valor a que se refere o art. 1º, será declarado pelo senhor do escravo, nunca, porém, além do máximo correspondente à idade do matriculado, conforme as seguintes categorias de idade:

Escravos menores de 20 anos ................................1:000$000Escravos de 20 a 30 anos ...................................800$000Escravos de 30 a 40 anos ...................................600$000Escravos de 40 a 50 anos ...................................400$000Escravos de 50 a 60 anos ...................................200$000

§1º - O valor dos indivíduos do sexo feminino se regulará do mesmo modo, fazendo-se, porém, abatimento de 25% sobre os preços acima estabelecidos.§2º - Os escravos de 60 anos serão obrigados, a título de indenização pela sua alforria, a prestar serviços aos seus ex-senhores por espaço de 03 anos.§3º - Os escravos que, ao promulgar esta lei, forem maiores de 60 e menores de 65 anos, logo que completarem esta idade, não serão mais sujeitos aos aludidos serviços, qualquer que seja o tempo que os tenham prestado, com relação ao prazo acima declarado.§4º - É permitida a remissão dos mesmos serviços, mediante valor não excedente à metade do valor arbitrado para os escravos da classe de 55 a 60 anos de idade.§5º - Todos os libertos maiores de 60 anos, preenchido o tempo de serviço, continuarão em companhia de seus ex-senhores, que serão obrigados a alimentá-los, vesti-los e tratá-los em suas moléstias, usufruindo de serviços compatíveis com as

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forças deles, salvo se os Juizes de Órfãos os julgarem capazes de subsistirem sem necessidade da proteção de seus ex-senhores.

Das alforrias por indenização

Art. 3º - Os escravos inscritos na matrícula, serão libertados mediante indenização de seu valor pelo fundo de emancipação ou por qualquer outra forma legal.§1º - Do valor primitivo com que for matriculado o escravo se deduziram 6% anualmente, contando, porém, para a redução qualquer prazo decorrido, ou seja a libertação feita pelo fundo de emancipação ou por qualquer outra forma legal.§2º - As libertações pelo pecúlio serão concedidas em vista das certidões do valor do escravo e da certidão do depósito desse valor nas estações fiscais designadas pelo Governo. Essas certidões serão passadas gratuitamente. §3º - Enquanto não encerrar a nova matrícula, continuará em vigor o processo atual de avaliação dos escravos, para os diversos meios de libertação, com o limite fixado.§4º - Não é devida indenização no caso de alforria do escravo, que, por motivo de moléstia, for julgado inválido ou incapaz de qualquer serviço; sendo os seus ex-senhores obrigados a alimentá-los, enquanto permanecerem em sua companhia.

Do fundo de emancipação

Art. 4º - O fundo de emancipação será formado: I - Com as taxas e rendas para ele destinados na legislação vigente; II - Com as taxa de 5% adicionais a todos os impostos gerais, exceto os de exportação. Esta taxa será cobrada desde já livre de despesas de arrecadação. III - Com a emissão anual de até 06 mil contos de réis, de títulos de dívida do Estado, a juros de 5%. Esses títulos começarão a ser amortizados depois da total extinção da escravatura.

§1º - Os juros dos títulos que forem emitidos serão satisfeitos com o produto do imposto adicional, enquanto o poder legislativo não decretar fundos para seu pagamento, aumentando as verbas dos juros da dívida interna. §2º - A emissão de títulos poderá ter aumento anual de mil contos de réis ou mais, se a importância da taxa adicional for suficiente para o pagamento dos respectivos juros.

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§3º - A taxa adicional continuará a ser arrecadada depois da abolição total dos escravos, até extinguir-se a dívida proveniente da emissão de títulos amortizados por esta lei.

Art. 5º - O fundo de emancipação dividir-se-á em três partes:

§1º - A primeira parte continuará a ser aplicada de conformidade com o disposto no art. 27 do regulamento aprovado pelo decreto n.5135 de 13 de novembro de 1872.§2º - A Segunda parte, que é a que resultar do produto da taxa adicional, será aplicada à libertação dos escravos mais velhos e, dentre os de igual idade, os de menor valor; bem como, ao pagamento dos juros dos títulos emitidos em virtude desta lei.§3º - A terceira parte, será aplicada de preferência, para libertação de escravos empregados na lavoura, cujos senhores se resolverem a substituir, em seus estabelecimentos, o trabalho escravo pelo livre, observadas as seguintes disposições:I – Libertação de todos os escravos existentes nos ditos estabelecimentos e obrigação de não admitir outros;II – Indenização pelo Estado da metade do valor do escravo assim libertado, em títulos de 5%, preferidos os senhores que reduzirem mais a indenização e alforriarem maior número de escravos ;III – Usufruição dos serviços dos libertos por tempo de cinco anos, salvo a disposição do art. 2º, §1º da presente lei.§4º - A prestação de serviços pelos libertos de que trata o parágrafo anterior, e noutras disposições desta lei, será remunerada com alimentação, vestuário, tratamento das enfermidades e uma gratificação pecuniária por dia de serviço que deverá ser determinada nos regulamentos do Governo.

Art. 6º - A distribuição do fundo de emancipação continuará a ser feita como atualmente, sendo os títulos de 5% distribuídos pelos municípios na razão da população escrava empregada na lavoura.

Do domicílio do Escravo

Art. 7º - O domicílio do escravo é intransferível para Província diversa da em que estiver matriculado ao tempo da promulgação desta Lei. §1º - A mudança importará aquisição da liberdade, exceto nos seguintes casos: I - Transferência do escravo de um para outro estabelecimento do mesmo senhor. II - Se o escravo tiver sido obtido por herança ou por adjudicação forçada em outra Província. III - Mudança de domicílio do senhor. VI - Evasão do escravo.

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§2º - O escravo evadido da casa do senhor donde estiver empregado não poderá, enquanto estiver ausente, ser alforriado por nenhum dos meios declarados nesta lei.§3º - Incorrerão em multa de quinhentos mil réis (500$)000) a um conto de réis ( 1:000$000) os que seduzirem ou acoitarem escravos alheios .São competentes para impor multas os juizes de direito com recurso voluntário para os presidentes das relações dos respectivos distritos.§4º - A imposição de multa de que trata o parágrafo anterior, não exclui a ação criminal, nem civil para satisfação do dano causado com a privação dos serviços dos escravos.

Domicílio do Liberto

Art. 8º - É domicílio obrigatório por tempo de cinco anos, contados da data da libertação, o município onde tiver sido alforriado, exceto o das capitais. §1º - O que se ausentar de seu domicílio será considerado vagabundo e será preso pela polícia para ser empregado em trabalhos públicos ou colônias agrícolas.§2º - O liberto que provar perante o Juiz de Órfãos, moléstia, que determine a necessidade de mudar de domicílio, e bom procedimento, poderá alcançar do dito Juiz de Órfãos licença para se ausentar, declarando o lugar para onde transfere o seu domicílio.

Art. 9º - Qualquer liberto encontrado sem ocupação, será obrigado a empregar-se ou a contratar seus serviços no prazo que lhe for marcado pela polícia. §1º - Terminado o prazo, sem que o liberto mostre ter cumprido a determinação da polícia, será por esta enviado ao Juiz de Órfãos, que o constrangerá a celebrar contrato de locação de serviços, sob pena de 15 dias de prisão com trabalho e de ser enviado para alguma colônia agrícola no caso de reincidência.§2º - O governo estabelecerá em diversos pontos do Império ou nas Províncias fronteiras colônias agrícolas, regidas com disciplina militar, para as quais serão enviados os libertos sem ocupação.

Disposições Gerais

Art. 10 – Não podem ser dados em penhor escravos, senão, com cláusula que constitui, sendo de estabelecimentos agrícolas, a infração desta disposição importa a aquisição da liberdade;Art. 11 – São nulas as cláusulas a retro nas vendas de escravos ou qualquer estipulação que embarace ou prejudique a liberdade;Art. 12 – São válidas as alforrias concedidas, ainda que o valor exceda ao da Terça do outorgante, e sejam ou não necessários os herdeiros que porventura tiver;

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Art. 13 - Nos regulamentos que expedir para a execução desta Lei o Governo determinará:I – As relações e obrigações dos libertos para com seus ex-senhores e vice-versa;II – As obrigações dos libertos que contratarem seus serviços e as do que os contratarem para com aqueles;§1º - Poderá estabelecer multa de 200$ e de prisão com até 30 dias.§2º - Esta pena será imposta pelo Juiz de Paz, com recurso voluntário para os Juizes de Direito.§3º - Os contratos de locação de serviços serão celebrados perante o Juiz de Paz do domicílio do liberto.§4º - No processo, que estabelecer, o Governo determinará os deveres dos promotores públicos como curadores dos libertos, e de Juizes de Direito como fiscais dos atos das autoridades encarregadas da proteção dos mesmos libertos, bem como dos Juizes de Paz, podendo estabelecer multa para as faltas que cometerem.§5º - regulamento será posto em execução e sujeito à aprovação do poder legislativo, consolidadas todas as disposições relativas ao elemento servil, constantes na Lei de 28 de setembro de 1871 e respectivos regulamentos, que não forem revogados.

Art. 14 – ficam revogadas as disposições em contrário.

Sala das sessões da Câmara dos Deputados, 12 de maio de 1885.

4.5.1 - Formação da Comissão Especial

Requereu em seguida a formação de uma Comissão Especial de 09 membros, para dar seu parecer sobre o projeto. A Comissão foi formada tendo como membros: Pádua Fleury (liberal); Franklin Dória (liberal); Lourenço de Albuquerque (liberal); Ulysses Vianna (liberal); Andrade Figueira (conservador); Prudente de Morais (republicano); Maciel (liberal); Prisco Paraizo (liberal) e Antônio Prado (conservador).

O projeto foi remetido à Comissão, foi lido e impresso, para entrar na ordem dos trabalhos.

I - O Parecer da Comissão Especial

Na sessão de 19 de maio a Comissão Especial apresentou seu exame do projeto e disse que, o seu parecer era, com ligeiras alterações por ela oferecidas, de que fosse logo contemplado na ordem dos trabalhos da Casa.

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II - O Voto em separado

O Sr. Antônio Prado, votou em separado, pois discordava do não arbitramento do valor pecuniário do escravo de sessenta a sessenta e cinco anos. Esse arbitramento, segundo ele, deveria ser conseqüência do direito de propriedade.

A dedução anual de 6% do valor primitivo era uma limitação do direito de propriedade. Propôs outra tabela9 . Segundo ele, garantiria melhor os interesses da produção, pelo estado crítico das finanças. Era contra a taxa de 5% dos impostos gerais para o fundo de emancipação.

a) Justificativa do voto em separado

O Sr. Antônio Prado, conservador, subiu à tribuna para justificar seu voto em separado como parte da comissão e como oposição ao Governo nesta questão. Começou por dizer que existiam três questões candentes fora do terreno partidário: a questão servil, a questão financeira e a imigração. Daria seu apoio ao Governo se ele se inspirasse no patriotismo.

Disse que os mecanismos criados pela lei de 28 de setembro de 1871: estancamento da fonte escravidão, sistema de libertação gradual, fundo de emancipação, pecúlio e contrato de prestação de serviços, determinariam o fim da escravidão. Mesmo sem dados estatísticos precisos, apelava para os números, ou seja, um milhão quinhentos e quarenta mil em 1871, um milhão e cem mil, ou menos, novecentos mil em 1885, para demonstrar a redução quase que pela metade em quatorze anos. Independente de qualquer deliberação do corpo legislativo, com os elementos de extinção que tinham e pelo influxo benéfico da propaganda abolicionista, dizia que em dez anos a escravidão estaria tão reduzida que seria possível abolição imediata e simultânea sem abalos para a sociedade. Isso se o Governo não se colocasse do lado dos agitadores da praça pública. Mas apoiaria o governo se ele colocasse novas medidas que assegurassem um prazo razoável aos possuidores de escravos, para transformação do trabalho. Apoiaria o Governo neste sentido, mas não via como fixar o liberto na propriedade. Não acreditava na medida de cinco anos de fixação na propriedade. Então, acreditava que com a introdução de trabalhadores livres, a proteção à imigração seria indispensável na reforma do elemento servil. Permitiria a organização do trabalho. Achava que parte do fundo de emancipação dos mais velhos deveria ser aplicado para introdução de imigrantes.

O Sr. Maciel aprovava o parecer da Comissão com a retirada dos parágrafos dez, onze e doze do artigo terceiro.

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Na sessão imperial de Encerramento da Convocação Extraordinária e Abertura da Primeira Sessão da Décima Nona Legislatura, em 20 de maio de 1885, presidida pelo Sr. Barão de Cotegipe, Sua Majestade, o Imperador, voltou a tocar na questão da emancipação dos escravos:

“ A extinção gradual da escravidão, assunto especial da sessão extraordinária, deve continuar a merecer-vos maior solicitude. Essa questão, que se prende aos mais altos interesses do Brasil, exige uma solução que tranqüilize a lavoura. Confio-a, pois, à vossa sabedoria e patriotismo.

Pendem de vossa decisão diversas propostas do Governo, que examinareis, dando preferência as que satisfizerem os interesses importantes do Estado, sem acréscimo da despesa pública, que é impossível hoje aumentar. Pede medidas que equilibrem a renda pública e despesas do Estado.” 10

4.5.2 - Um Projeto Alternativo

Na sessão de 21 de maio de 1885, O Sr. José Mariano, apresentou um projeto do Sr. Manuel Francisco Dias da Silva Júnior, relator proprietário do Jornal da Agricultura, sobre o assunto do elemento servil.11. Entre outras coisas tratava da matrícula geral dos escravos, não transferencia da propriedade escrava, liberdade aos maiores de sessenta anos e aos que não foram incluídos na matrícula de 1871. Fixava preço máximo do escravo, dedução anual de 20% do valor do escravo, taxas por escravo possuído. Além do fundo de emancipação e criação de colônias militares para onde deveriam ser levados escravos libertos pelo fundo de emancipação, que não encontrassem trabalho no distrito no prazo de sessenta dias, título de propriedade dos lotes, com cem por duzentos metros quadrados, por pessoa maior de vinte anos que se dedicasse à lavoura. Suprimentos para o primeiro semestre e instrumentos agrícolas necessários. Dariam, a título de pagamento do terreno e suprimentos, cinco dias mensais do seu trabalho pessoal, durante o período colonial, destinado à construção de escolas, igrejas, Câmara Municipal, estradas sólidas de comunicação entre as colônias e mercados próximos. A direção das colônias estaria a cargo de oficiais do corpo de engenheiros que, quando em comissão, não deveriam receber salários. Haveria instrução obrigatória para os ingênuos e multa para quem não os enviar para a escola. Os libertos de dezesseis a cinqüenta anos assinariam um termo de obrigação de trabalho. Haveria pena de detenção e trabalho nas colônias para a quebra da obrigação ou delito de vadiagem. As colônias poderiam receber índios catequizados com os mesmos favores dos libertos. O Governo regulamentaria a lei no prazo de noventa dias.

A representação e o projeto de 26 artigos foi remetido à Comissão Especial.

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4.5.3 - O Projeto em Primeira Discussão

O projeto, apresentado pelo Sr. Pádua Fleury deveria entrar em discussão na sessão de 26 de maio. Os oposicionistas fizeram obstrução.

Entrou, portanto, em discussão na sessão de 27 de maio de 1885. Tomou lugar o Sr. Presidente do Conselho. O Sr. Andrade Figueira subiu à tribuna e pediu suspensão da sessão e envio do projeto para a ordem do dia seguinte; quando então o Sr. Presidente tencionava consultar a plenária.

I - Protestos Contra o Projeto

O Sr. Eufrásio Correia pediu a palavra. O projeto não poderia ser aprovado sem protestos, uma vez que apenas mudava os termos do projeto 15 de julho. Atacava ele também o direito e legitimidade da propriedade escrava, quando não estabelecia indenização pecuniária para o escravo de sessenta anos. Dizia ele que tendo o escravo a idade que for a propriedade era a mesma. Então os princípios reguladores deveriam ser os mesmos.

Dizia também que os impostos não deveriam ser pagos por províncias como o Amazonas, que não tinha mais escravos. Depois fez uma ponderação :

“a província do Amazonas... sua vida, o seu engrandecimento e os seus gozos, vem justamente do trabalho escravo. Infelizmente não temos outro. O que somos, o que gozamos, aquilo que vestimos, tudo que consumimos não é senão fruto do trabalho escravo. Nós todos, pois devemos contribuir com o contingente preciso e na medida de nossas forças, para suprimir a escravidão no Brasil. Porém, apesar de pensar assim, não posso aceitar o princípio de 5% no projeto sobre todas as nossas importações.” 12

Propôs, para que o Governo resolvesse a questão da indenização, um empréstimo. O pagamento do imposto para garantir o empréstimo seria da geração futura, que iria usufruir do benefício da libertação.

Foi também contra o fato do indivíduo, considerado livre ter que residir cinco anos no município em que fora escravo. Estavam sendo colocados como uma classe inferior de homens. Dizia que o indivíduo livre teria o direito de se estabelecer onde lhe aprouvesse.

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Disse mais, o maior serviço que o Presidente do Conselho havia prestado fora fazer desaparecer o tumulto, a agitação das praças públicas, a invasão dos lares, a revolução nas fazendas e a perturbação da ordem em toda parte; pensava que o Governo tinha feito grande serviço, fazendo respeitar e garantir os interesses e pensamentos da sociedade, que não podia ser postos em dúvida.

II - A Escravidão e o Direito de Propriedade

O Sr. Spinola interferiu, dizendo que os interesses da escravidão eram transitórios. Rebateu o Sr. Eufrásio, dizendo que os interesses da escravidão eram inexistentes, permanentes eram os interesses da propriedade. Por fim, dizia que a questão da emancipação, não seria resolvida por meio de projetos sem prazo definido, mas sim, pela liberdade e munificência particular que estava fazendo mais que o Governo geral e provincial. Pensava que o Governo deveria apresentar um projeto com dois artigos: o primeiro dos quais deveria determinar o prazo pelo qual devessem ficar livres os escravos no Brasil.

A discussão ficou adiada pela hora.

Na sessão de 28 de maio de 1885, em continuidade da discussão do projeto o Sr. Valladares, justificou sua adesão ao projeto: não foi concebido como uma questão política ou partidária. Dizia que o Brasil não poderia ser dividido entre dois inimigos: os que tem a desgraça de possuir a propriedade servil e os que querem arrancá-la. Disse não poder punir os proprietários atuais que encontraram a instituição, produto de outros tempos, civilização e idéias.

Dizia que a escravidão foi produto de mil coisas. No Brasil, foi da impossibilidade de cultivar o solo sem o emprego do braço africano, empregando no desenvolvimento desta mercadoria recursos como a Inglaterra e Estados Unidos. Entendia que o escravo era uma mercadoria útil à nação... O Sr. Spinola interferiu dizendo que a responsabilidade atual era a de querer mantê-la.

Ele continua dizendo que:

“a instituição existe, a legislação do país a reconhece, o patrimônio consistente do elemento servil se formou à sombra das leis do país.

É base da fortuna privada, do crédito dos particulares, fonte de renda do Estado e de seu crédito.” 13

Afirmava que a escravidão era instituição promovida e encorajada pelo Governo da Metrópole. Formou o patrimônio dos brasileiros, foi fonte de riqueza pública; a propriedade servil era anterior a qualquer lei. O Governo apenas deu forma,

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regularizou o que existia. O Sr. Presidente do Conselho desconsiderava tudo isso, quando rejeitou o princípio da indenização da propriedade.

Atestava que o foco abolicionista estava nos empregados públicos. A lavoura deveria ficar em paz em matéria de impostos, pois muito já concorria para o fundo de emancipação. Dizia que: “quem quer libertar escravos alheios que pague-os, de seus ordenados e grandes aposentadorias”.

III - Visão Sobre o Escravo

Para ele, apressar a libertação, instantânea, revolucionária, talvez acontecesse como no Ceará. Ficou sem braços para o trabalho, pela libertação dos escravos. A miséria foi tal que os escravos seduzidos ou mal aconselhados pelos abolicionistas que fugiram de Pernambuco para lá, regressaram às fazendas de seus senhores, por lá não poderem se manter.

Apelou para as circunstâncias financeiras do país e para o que tinha notícias que ocorrera na Inglaterra, Estados Unidos e França. Uma vez emancipados, os negros procuravam os povoados a procura de trabalhos mais leves e a maior parte se entregava à vadiagem, vícios e crimes, abandonando os estabelecimentos agrícolas. Não era de se estranhar pela recordação dos dias nublados do cativeiro e não haveria meios para contê-los.

Disse que conhecia os trabalhadores escravos e conhecê-los quando libertos, não contava com eles. Uma vez libertos, iriam se dispersar necessariamente. Deu exemplo do Conde de Prados que libertou seus escravos em testamento e:

“ hoje seus herdeiros vivem de filantropia, pela ineficácia de esforços de conservarem os libertos em sua condição e os libertos com obrigação de prestação de serviços em suas fazendas, tendo que conceder-lhes liberdade plena e pedir que fossem em paz, pois não queriam trabalhar. Tiveram de arrendar suas lavouras a um proprietário de escravos vizinho. Fato idêntico aconteceu na Paraíba do Sul. Se continuarem assim, os dias da lavoura estão contados, os grandes estabelecimentos hão de desorganizar-se e desaparecer. A reforma deve ser bem refletida, pois poderá trazer a felicidade da pátria ou a sua ruína.”14

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IV - A Peculiaridade Brasileira

O Sr. Gomes de Castro, reportou à Fala do Trono que trouxe a questão servil, quando se estava perdendo a guerra do Paraguai, e que de lá em diante os gastos foram muitos. Afirmava que

“ a circunstância brasileira era diversa de todos os países que tiveram que lutar contra essa vergonhosa herança do passado. Na Europa, nessas nações de filantropos, que querem libertar nossos escravos, e entretanto deixam morrer de fome e frio homens livres, seus concidadãos, os governos tinham que acabar com uma instituição a centenas de léguas, presente nas colônias, muitas das quais não contavam com representantes no parlamento da metrópole: aqui a instituição é doméstica, lançou raízes profundas, enlaça-se conosco em todas as relações de nossa vida, surge como um fantasma pavoroso até no melhor de nossas alegrias.”15

Dizia que os atuais proprietários não poderiam ser punidos pelo fato de a lei penal não declarar crime... o Sr. Spinola rebateu dizendo que a Lei de 07 de novembro de 1831, os declarou criminosos.

Por fim, o Sr. Castro dizia que se o Sr. Presidente do Conselho queria libertar os escravos dava-lhe os parabéns, mas pedia que meditasse com calma. Pedia que ele vivesse bastante e se desse um passo em falso nessa reforma, nada o absolveria de ter levado a desolação e o luto ao seio da família brasileira. Recebeu apoiados do Sr. Andrade Figueira.

V - Questão de Meios e Oportunidade

Na sessão de 29 de maio, o Sr. Almeida Oliveira, liberal signatário do projeto 15 de julho, disse que era o momento de tratar o problema de frente, mas se encontrava apreensivo e receoso; desejava solução para tranqüilidade dos proprietários e para todos que tinham interesses vinculados à lavoura.

Voltou a colocar a questão antiga de oportunidades e meios, demonstrava que ninguém era inimigo da emancipação. Mesmo os que combatiam o projeto do Governo, achavam a escravidão nódoa, usurpação do semelhante, crime, aviltamento do caráter, martírio para quem sofria e infelicidade de quem explorava. Falou de duas faces da escravidão: afugentava o imigrante estrangeiro e não criava hábito de trabalho livre no nacional.

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Dizia que ouvia falar de meios práticos para resolver o problema: uns queriam solução radical; outros solução parcial; uns emancipação geral, de chofre, sem indenização; outros emancipação gradual com indenização até para velhos. Se poucos defendiam a emancipação geral sem indenização, não sabia qual era a dificuldade de estabelecer os meios práticos.

Afirmava não ver problemas na realização da reforma, não seriam colocados de chofre na sociedade indivíduos não preparados para serem livres, seria gradual e com obrigação de permanência no município, o inválido pagaria com serviços sua liberdade. Considerava que o Estado foi arrastado pela história, a libertação acontecida em duas províncias, contra a vontade do Governo, acelerou o movimento abolicionista, o Governo teve que chamar a si a questão ou deixar que fosse resolvida pela propaganda. Na atualidade, ela não seria resolvida sem ônus para o Estado e para particulares.

“ A lei de 1871, vinte anos depois só produziu entre nós 20.000 liberações, a verdadeira causa entre nós de emancipação é a morte e a liberdade dos particulares, isso diz que a escravidão só terminará no século vindouro.”16

Subiu à tribuna o Sr. Dias Carneiro, dizendo que o projeto se reportava a duas coisas:

“apressar a libertação dos escravos e convertê-los em trabalhadores agrícolas para não desorganizar a lavoura, mas não tratava de uma terceira: a transformação lenta das raças do país, em um tipo nacional, preparando a adaptação do escravo como parte integrante de nossa comunhão política.”17

VI - Sexagenário: Livre para quê ?

Apresentou também o receio de que o projeto contrariasse o desenvolvimento natural das vantagens colhidas na libertação dos escravos e transformação do trabalho que estava acontecendo pela vontade dos brasileiros. Temia que o futuro fosse comprometido. Quanto ao sexagenário, oferecer a liberdade quando ele mais precisava do seu senhor, dizia ele, era um presente inútil; o benefício só seria compreensível se o Governo oferecesse uma pensão para viver com tranqüilidade os restos de seus dias... o Sr. Andrade Figueira interrompeu dizendo que isso era um capricho de Sua Majestade, que completaria sessenta anos em dezembro. Para ele, bom seria se a lei fosse votada no dia 02 de dezembro, seu aniversário.

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VII - Idéias do Projeto

a) Libertador

Retomou a palavra o Sr. Dias Carneiro dizendo:

“votemos a lei, inspiremos no patriotismo do país, no seu futuro, sem receio de agitadores imprudentes, dos anarquistas das ruas, eles não constituem a nação, não podem dirigir seus destinos”. 18

O Sr. Saraiva disse que queria a emancipação não por medo dos anarquistas, mas por consciência.

Na sessão de 1º de junho, o Sr. Saraiva deu resposta a indagações de deputados que haviam ocupado a tribuna na sessão anterior. Dizia que o projeto consagrava a idéia da libertação com indenização, até mesmo dos velhos. Disse que o projeto não era refém do abolicionismo, como diziam alguns, pois a indenização era contrária ao princípio revolucionário e aspirações do abolicionismo de libertação imediata. Determinar prazo, seria trazer anarquia às fazendas e perturbação nas famílias, embora o projeto, sem precisar número de anos, tinha a idéia do prazo através da diminuição do valor do escravo, alforrias e mortalidade. Acreditava que ficaria extinta a escravidão em dez anos.

Por fim, dizia ele, não poder esperar a ação do tempo. Poderiam por ela ficar afogados ou debaixo de um incêndio horroroso, de que não podiam livrar-se. Isso seria pensar a questão, mas não observar o exterior.

b) Desastroso

Na sessão de 02 de junho, o Sr. Andrade Figueira, subiu à tribuna e disse que era preciso conciliar os interesses humanitários com interesses da pátria, interesses de ordem, crédito público e organização do trabalho. Afirmava que a idéia do projeto não respeitava o princípio da indenização e o da emancipação gradual, mas aniquilava a propriedade que julgava reconhecer, por meio de deduções anuais sem indenização e aniquilava no mesmo dia esta propriedade. Também era contra a idéia da tabela, uma vez que, era o proprietário quem deveria orçar o valor máximo do escravo, pois era o dono da propriedade. Por esses e outros erros ele não pretendia emendar o projeto, mas rejeitá-lo.

Atacou também a disposição do projeto em que o escravo deveria ficar cinco anos no município em que fora libertado, dizendo fazer ressurgir princípios medievais de servidão. Dizia que segundo a experiência, os ex-escravos não ficariam nas

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fazendas. Isso traria desorganização da lavoura pela disputa dos proprietários pelo trabalhador livre. Defendeu a idéia da emancipação pelo curso natural da história. Se eram um milhão e seiscentos mil pela matrícula da Lei de 28 de setembro de 1871, agora são oitocentos mil, durante o tempo que nos separa do próximo século, não teremos mais escravos. Afirmava que um problema desta ordem só gradualmente seria resolvido. Porque perturbá-lo com medidas artificiais ?

Aconselhou que ao invés de despender seis mil contos de réis com a libertação de escravos, que já se achavam no país e eram produtores forçados do território nacional, deveria usar o dinheiro para povoar o Império com colonos estrangeiros, seria mais útil para a própria lavoura. “O melhor era deixar o lavrador no gozo pacífico de sua propriedade, dando a lavoura meios para acelerar a introdução do trabalho livre”. Propõe um modelo híbrido nacional de escravos e trabalhadores livres, onde quase não havia ou não havia escravos.19 O Sr. Saraiva retrucou dizendo que não poderiam deixar a questão servil ao sabor dos ventos e tempestades.

VIII - A Fala Republicana

O Sr. Prudente de Morais, republicano, usou um artigo do órgão conservador mais autorizado de São Paulo, para falar dos erros do líder do partido conservador e representante do Rio de Janeiro Sr. Andrade Figueira:

“ Nesta questão toda resistência é vã e perigosa; a libertação dos escravos é questão de tempo; não há resistência capaz de desviar o golpe decisivo que se aproxima em razão inversa dos esforços; nas atuais circunstâncias do país, frente as exigências do absolutismo, não é o direito de propriedade que deve falar aos nossos agricultores; mantê-los na crença que o direito convencional é bastante poderoso para prolongar por muito tempo o statu quo da questão social do elemento servil é a maior das imprudências.”20

Dizia ainda, que estavam em um plano inclinado para baixo, impossível de retroceder. As leis de 1831, 1850 e 1871, não podiam ser marcos finais na campanha abolicionista, estavam aquém das necessidades e reclamos da opinião. A dificuldade seria saber o melhor processo para eliminar a escravidão no país e substitui-la por trabalho livre. O partido republicano que queria a descentralização das províncias, apostava na idéia de entregar às províncias a solução da questão, para que resolvessem de acordo com suas condições peculiares. O Ceará, o Amazonas e o Rio Grande do Sul, atestavam esta possibilidade.

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O Sr. Felício Santos considerava a solução desastrosa para o país, outros deputados a consideravam anormalidade, dissolução do Império.

O Sr. Prudente de Morais, disse que concordou com o projeto 15 de julho de 1884. Afirmava que o grande motivo de discórdia, os sexagenários, já deveriam estar livres pela Lei de 07 de novembro de 1831. Sendo mais radical, também os seus descendentes. A escravidão, segundo ele, era a violação do direito do homem: a propriedade de si mesmo ou a liberdade, porque não se funda na razão e no direito. Se a solução tivesse por base o direito e a justiça, deveríamos propor a libertação imediata dos escravos, mas temos que nos guiar pelas necessidades vitais do país, necessidades econômicas, por isso, estou discutindo neste terreno.

Comentando o projeto, disse haver equívoco na tabela que dava término da escravidão em 10 anos e também em atribuir valor ao escravo de 15 a 20 anos, uma vez que a escravidão estava com os dias contados. Outra medida vexatória do projeto segundo ele era o domicílio obrigatório do liberto. Achava que deveriam viver onde quisessem. Caso delinqüíssem, se fossem refratários ao trabalho, seriam punidos, mas não deveriam impor às cartas de liberdade, o título de cidadãos, uma exceção odiosa.

Fez também a proposta que o Governo investisse como São Paulo, que estava obtendo bons resultados, na vinda de imigrantes. Isso ajudaria na consecução da segunda parte do projeto: substituição do trabalhador escravo, pelo trabalhador livre.

X - Um Governo Conivente com arbitrariedades

Na sessão de 05 de junho o Sr. Gaspar Drumond, fez requerimento, pedindo ao Ministério da Justiça, informações sobre providências tomadas quanto aos fatos ocorridos na província de Pernambuco: proteção escandalosa do Governo a delitos cometidos por escravos, processos contra lavradores e proprietários de escravos; falsos abolicionistas promovendo perseguições injustas sob fatos inverídicos e falsos. Assaltos de propriedades, escravos arrancados das propriedades, desorganização do trabalho e organização de insurreições.

Disse também que o Governo empregou meios ilícitos para obter a vitória do Sr. Joaquim Nabuco tais como: fraude, falsificação, violência, corrupção oficial, assassinatos. Em ato de desespero frente à derrota do Sr. Nabuco, o presidente da província quis inutilizar à força a vitória proclamada do candidato conservador. Estes fatos nenhuma repressão tiveram. Limitaram-se a deter os escravos , depois de consentir uma passeata triunfal que faziam os abolicionistas e partidários do Sr. Nabuco.

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O jornal Diário de Pernambuco, de 10 de maio último, dizia que, em Serinhaém, havia uma bastilha onde ocultavam escravos e mandavam-nos para o Ceará.

Depois das denúncias, o Sr. Drumond, passou a discutir a abolição, dizendo ser a favor da libertação dos cativos, mas respeitando os direitos de todos, sem desorganização do trabalho. O poder público, não poderia ser cúmplice do atentado à lavoura. Defendia três fatores para o término da escravidão:

“a morte, a iniciativa particular e o fundo de emancipação.”21

O Sr. Maciel propôs o encerramento da primeira discussão do projeto. Foi aprovado. Procedeu-se a votação do projeto em primeira discussão. Foi aprovado e passou a segunda discussão.

4.5.4 – O Projeto em Segunda Discussão

Na sessão de 18 de junho de 1885, o Sr. Costa Pereira, apresentou uma representação favorável ao projeto da Liga da Lavoura. Depois, propôs algumas emendas,22 no sentido de favorecer a não desorganização do trabalho. A representação foi remetida à Comissão Especial.

Na sessão de 19 de junho, continuou-se a discussão, sem alteração de idéias dos defensores e oposicionistas à forma e redação do projeto. O Sr. Ildefonso Araújo propôs adiamento da discussão por alguns dias.

I - O Artigo Primeiro

a) Ainda o Direito de Propriedade

Na sessão de 30 de junho foram apresentadas pelos republicanos, emendas ao artigo primeiro do projeto e postas em discussão conjuntamente.23

O Sr. Bernardo Mendonça Sobrinho, de Alagoas, subiu à tribuna e disse defender o direito daqueles que legitimamente adquiriram escravos. Na sua opinião, o Presidente do Conselho, não poderia levar adiante a reforma, porque esta não era exigida pelas conveniências públicas. O país não a reclamava com a sofreguidão que estava sendo tratada. O Presidente deveria reger-se pelo patriotismo e não pela agitação infundada e funesta a que estavam entregues.

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Afirmava que o projeto era o mesmo do 15 de julho que não havia agradado a Câmara, nem ao país. O apoio era ilusório, lhe faltaria no momento certo. O projeto não poderia sacrificar direitos legítimos adquiridos; comprometendo interesses atuais e futuros das classes laboriosas, que concorriam para o crédito no interior e exterior.

Fez a discussão de que em nenhum país a escravidão foi abolida com tamanha velocidade.24 Na sua opinião a abolição seria plenamente realizada de acordo com a Lei de 28 de setembro de 1871, executada em todas as suas disposições, sem desorganização do trabalho, sem ferir direitos dos senhores e sem agravar a situação das finanças.

Por fim analisava o projeto dizendo que a única coisa aproveitável do projeto era referente à matrícula. Dizia que a tabela feria o direito de propriedade: “o senhor vende seu escravo pelo preço que quiser”, os escravos de maior valor deveriam ser os de vinte a quarenta anos, pois “esses davam mais serviço”.

O Sr. Saraiva disse que o orador e o Sr. Andrade Figueira, que haviam-se manifestado contra o projeto, não queriam coisa alguma.

Na sessão de 1º de julho, foram apresentadas pelos Srs. Aristides Spinola e Bulhões Jardim emendas ao projeto.25

b) Substituição do Trabalho Escravo pelo Livre

Na sessão de 02 de julho foram apresentadas emendas26 ao projeto e colocadas em discussão conjuntamente. O Sr. Manoel Portela usou da palavra para fazer análise das falas anteriores.27 O Sr. Montandon prestou seu apoio ao projeto dizendo ser abolicionista e organizador do trabalho. Não condenava os excessos da opinião abolicionista, pois dizia que ao povo pertenciam as idéias e ao corpo legislativo deliberar pela vontade da nação. Porém, se a escravidão for substituída com a rapidez que querem aqueles que exigem prazo limitado, significará sem dúvida a bancarrota do país. Precisamos na discussão deste projeto, ter atenção do como e de que modo vamos substituir cerca de trezentos mil escravos, aclimatados e habituados ao trabalho de dez a doze horas por dia empregados na lavoura do café. Defendia os adicionais de cinco por cento dos impostos, dizendo serem necessários para a organização do trabalho. Dizia que o Governo foi feliz em tratar dos sexagenários.

O Sr. Delfino Cintra, na sessão de 03 de julho de 1885, dizia aceitar as idéias capitais do projeto no tocante a extinção do elemento servil. Quanto à organização do trabalho, não acreditava nos cinco anos e não duvidaria em dar seu voto ao projeto se os impostos fossem destinados à imigração e colonização. Esta seria a única solução para organização do trabalho conveniente às províncias de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

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c) A Opinião do Abolicionismo

O Sr. Joaquim Nabuco subiu à tribuna, se colocou contra o projeto. Para ele, uma pequena reforma poderia impedir a grande reforma que a nação desejava. Fez alusão as semelhanças entre os projetos do Sr. Dantas e do Sr. Saraiva, dizendo que conservadores e dissidentes liberais votam em homens e não em projetos.

Disse, em artigos publicados no Jornal do Comércio, com o pseudônimo de Garrison, que a reforma não era mais adiantada por causa do poder dos cafezistas do Rio de Janeiro. Escreveu também outros artigos dizendo que a garantia do abolicionismo estava menos no Sr. Dantas no Ministério, do que na abstenção do Sr. Saraiva no Senado.

Afirmava que o projeto era:

“ nada menos de uma humilhação para o país e a dignidade nacional, e infelizmente, para os liberais, era uma lei que reduzia o partido a coveiros dos escravos de 65 anos e a capitão-do-mato dos escravos fugidos.” 28

Falou também contra os direitos adquiridos pela Lei de 28 de setembro de 1871. O Sr. Zama interferiu dizendo que não havia solução definitiva sem a abolição completa, todos que fizeram a Lei de 28 de setembro de 1871, pensavam ter resolvido o problema. “Mas nas revoluções sociais ninguém pode impedir seu curso natural e progressivo.” 29 O Sr. Nabuco apelou para a execução da Lei de 07 de novembro de 1831.

Dizia que esta reforma era para os conservadores pararem de inclinar para o lado republicano... “todos os dias anunciam os funerais da Monarquia”, dizia o Sr. Bezerra Cavalcanti. Acreditava faltar ao Imperador uma intuição clara da importância nacional do momento abolicionista, do alcance desta idéia na sorte mesmo da Monarquia.

A disposição dos verdadeiros abolicionistas, dizia ele, “é a seguinte, se a tivéssemos responsabilidade do Governo do Estado, se dispuséssemos de votos bastante nesta Câmara para fazer passar um projeto de lei, proporíamos no dia de hoje a abolição imediata da escravidão. Lutando, porém, contra correntes opostas votaremos toda e qualquer medida que aumente a velocidade adquirida pelo movimento abolicionista.”30

Na sessão de 06 de julho, o Sr. Zama, tomou a palavra e disse que pouco se demoraria por prescrição médica; mas “acreditava estar defendendo os interesses da infeliz classe de escravos. Era abolicionista e desconhecia o direito da propriedade

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escrava, não admitia a propriedade do homem sobre o homem, e não admitia indenizar o que era fruto da violência, crime e iniquidade.

“ Se tivesse na posição de Presidente do Conselho, em um país de cento e quarenta e cinco mil eleitores ao invés de um milhão e quatrocentos mil que representavam a idéia abolicionista, não teria dúvida em pedir a Câmara aprovação de um projeto de lei que declarasse extinta a escravidão, pois a missão do Governo, entendia ele, era atender os interesses gerais da nação. Em nome dos interesses dos escravos aceitava o projeto, reputava-o pouco, mas era alguma coisa, suas aspirações só seriam satisfeitas com um projeto que extinguisse completamente a escravidão.”31

A Comissão fez emendas ao projeto, mudando a tabela inicial de preços do escravo. 32

O Sr. Nabuco fez a colocação de que a lei era contrária ao movimento abolicionista e não à oposição, e que, além de coveiros e capitães-do-mato, também colocava-os na posição de corretores de escravos.

Embora com idéias próximas, divergia do Sr. Zama, quando achava que o partido liberal deveria estar no movimento nacional e não freá-lo ou contê-lo. Diz rejeitar a corretagem que venha a caber-lhe em nome deste projeto. Recebe apoiados da Câmara e aplausos das galerias.

Na sessão de 09 de julho o Sr. Pádua Fleury fez pedido de encerramento da discussão do art.1º. São lidas, apoiadas e postas em discussão emendas ao projeto.33

Foi apresentada uma emenda substitutiva ao artigo primeiro34, pedindo o fim da escravidão no Império. O Sr. Presidente da Câmara disse que a emenda só poderia entrar em terceira discussão.

Embora alguns deputados pedissem a palavra, foi votado o encerramento da discussão. Aprovado por cinqüenta e seis votos favoráveis e vinte e seis contra.

Como emendas foram enviadas no dia do encerramento da discussão do artigo e não lidas e discutidas o Sr. Araújo Góes requereu que a votação do artigo primeiro fosse em outra sessão, depois do conhecimento das mesmas. O Sr. Joaquim Nabuco interveio no sentido de não começar a discussão do artigo segundo, antes da votação do artigo primeiro. O Sr. presidente deu como procedente.

Submeteu-se à votação pela ordem, emendas apresentadas ao artigo primeiro.35

Na sessão de 14 de julho, foi aprovado o artigo primeiro. Rejeitado o substitutivo e as emendas aprovadas foram enviadas à Comissão de Redação.36

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II - O Artigo Segundo

Entrou em discussão o artigo segundo. O Sr. Araújo Góes apresentou emendas. A Comissão Especial apresentou um substitutivo,37 que passou a ser o eixo da discussão.

Na sessão de 15 de julho, foram apresentadas declarações de voto.38 Foi lida, apoiada e colocada em discussão juntamente com o projeto emenda do Sr. Carvalho França, que destinava parte do dinheiro para subvencionar a imigração.39

a) Apoio e Oposição ao Artigo

O Sr. Bezamat subiu à tribuna e apoiou o artigo segundo do projeto do Governo. Disse não saber se o Governo conseguiria reorganizar o trabalho, sem prejuízo da lavoura e sem perturbação dos estabelecimentos agrícolas, mas lhe daria seu voto.

Na sessão de 16 de julho, o Sr. Andrade Figueira iniciou dizendo que assumia a tribuna para combater o artigo segundo do projeto e subiria para combater todos os artigos deste funesto projeto. Primeiro fez consideração à mudança de ares na Câmara, para receber o projeto 12 de maio tendo rejeitado o 15 de julho.40 Eram iguais, segundo ele. Depois de muito versar sobre a questão da política nacional, entrou na discussão do artigo segundo, tendo por base o substitutivo da Comissão. Falou que o artigo reconhecia a propriedade servil, quando se referia à indenização pelo fundo de emancipação.

Dizia que a taxa de cinco por cento era pesada demais para a situação do país. Poder-se-ia conseguir a emancipação sem este sacrifício, não teriam o direito de lançá-la sobre o país. Disse que não votaria imposto para indenização, “ nem a nação, nem os proprietários, nem os abolicionistas querem impostos para abolição, talvez somente alguns credores da lavoura o querem”. Outro inconveniente segundo ele, seria o fato dos libertos serem obrigados a ficar cinco anos no município, é abuso da lei. Não concordava com a existência de trabalho livre e escravo na mesma fazenda.

Na sessão de 17 de julho, foi lida, apoiada e colocada em discussão emenda41 ao artigo segundo.

O Sr. Lourenço de Albuquerque disse admirar o projeto 12 de maio com a mesma intensidade que combateu o 15 de julho. Falou do artigo segundo e dos três destinos do fundo de emancipação que, no seu entender, operavam as mudanças que o Governo queria realizar.

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Na sessão de 20 de julho continuou a discussão do artigo segundo, o Sr. João Penido apresentou duas emendas42, que lidas ficaram sobre a mesa, para serem tomadas na devida consideração oportunamente.

O Sr. Saraiva subiu à tribuna para fazer a defesa do artigo segundo. Falou das idéias presentes no projeto. Uma delas era a diminuição por porcentagem do valor anual do escravo. Em tempo mais ou menos fixado, a escravidão estaria terminada no Brasil, e até sem dispêndio dos cofres públicos. A outra idéia era que ninguém envelhecesse na escravidão. Neste sentido, o uso do fundo para libertar os mais velhos era idéia capital do projeto. Dizia ainda que, emendas foram e serão aceitas, mas não deveriam diminuir a eficácia do projeto: extinção gradual da escravatura e organização do trabalho.

Depois passou a responder questões políticas envolvendo os Srs. Andrade Figueira e Lourenço de Albuquerque,43 estritamente relativas à questões partidárias.

b) Um projeto de Remissão dos Escravos

Na mesma sessão o Sr. Joaquim Nabuco leu um documento do Sr. Visconde da Silva Figueira e da Viscondessa da Silva Figueira, de Santo Antônio de Pádua, que apresentava um projeto para remissão dos escravos. Em síntese, baseava-se em dois pontos:

“liberdade imediata e plena dos sexagenários e liberdade do resto dos escravos com a obrigação de prestação de serviços por seis anos ao senhor ou até completar sessenta anos.”44

Enviava outro documento com a relação de matrícula e averbação dos crioulos escravos segundo as idéias do projeto,45 sendo cento e sessenta escravos com idade média entre vinte e trinta anos e vinte e sete sexagenários, considerados livres.

c) A Timidez do Projeto do Governo

Na sessão de 21 de julho, o Sr. Cândido de Oliveira teceu considerações relativas à questão ministerial e partidária.46 Depois passou a analisar o artigo segundo. Disse que o projeto queria a decretação da liberdade dos sexagenários tanto quanto o projeto 15 de julho, mas viu-se obrigado a usar um disfarce frente às exigências do conservadorismo. A votação dos adicionais de cinco por cento para aumentar a libertação dos mais velhos, ficou menor, pela proposta de acordo que colocou no bojo da taxa, despesas com a imigração. A reforma do elemento servil não deveria, segundo ele, cogitar esse assunto.

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Afirmava que houve necessidade de diminuir a energia emancipadora do projeto para contentar o conservadorismo. Dizia obrigado pelo exposto a não dar o seu voto ao artigo segundo, por ser reação contra a idéia emancipadora. Negaria seu voto a toda medida que exigisse indenização.

Defendia a idéia do prazo, ante a idéia de indenização dizendo que:

“os proprietários de escravos agrícolas, querem é o instrumento de trabalho, o que desejam é um certo período de paz e tranqüilidade, de segurança e garantia, durante o qual possam se preparar para o novo sistema.”47

Votava contra o artigo porque “o país não pode comportar elevada tributação e por causa do destino que lhes dava o projeto e a emenda substituta. Sobretudo, para auxiliar a imigração, e, também por não ser possível, pois os fatos protestam contra a disposição do liberto trabalhar cinco anos com o seu ex-senhor.48

d) A Defesa dos Conservadores

Na sessão de 22 de julho, o Sr. Carlos Peixoto teceu uma discussão, fazendo defesa do partido conservador que apoiava o projeto, da necessidade deste apoio para que se efetivasse a reforma. Era contra a radicalização dos abolicionistas. Por isso, os conservadores mudaram o projeto: “se se tratasse de questão de partido o Sr. Nabuco e dissidentes teriam que acompanhar o Sr. Saraiva, ainda que esse tivesse que fazer concessões,” dizia ele.

Afirmou em defesa dos conservadores que apoiavam o projeto, que a maioria parlamentar, apoiava a idéia generosa do Gabinete Saraiva, da extinção gradual com indenização do elemento servil.

e) Votação do Artigo Segundo

O Sr. Zama requereu e a Câmara aprovou o encerramento da discussão do artigo segundo. Votou-se primeiro o substituto da comissão e ficou prejudicado o artigo segundo. As emendas salvas foram também votadas.

A primeira parte do substitutivo da Comissão foi votada e aprovada. Responderam “sim” sessenta e oito deputados e “não”, trinta. A segunda parte foi aprovada por cinqüenta e nove a trinta e oito.49 A terceira parte foi aprovada em votação simbólica.50 Posto a votos, o item III foi aprovado.51 Aprovados também os

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parágrafos segundo, terceiro e parte do quarto do substitutivo da Comissão. Procede-se à votação nominal da terceira parte do parágrafo quarto, aprovada por setenta a vinte oito. Aprovada simbolicamente as partes seguintes.52 O Sr. Presidente da Câmara declarou concluída a votação do artigo segundo.

III - O Artigo Terceiro

Na sessão de 23 de julho entrou em discussão o artigo terceiro da proposta. Foi lida, apoiada e posta em discussão junto com o artigo emenda,53 substitutiva da Comissão.

O Sr. Carlos Affonso, fez declaração, dizendo que votou e votaria em qualquer projeto que indenizasse os proprietários e não desorganizasse o trabalho agrícola. Entre apartes e considerações o deputado fez demonstração , tendo por base a população escrava de um milhão, usando estatística do engenheiro Raphael Souto, pois não existia uma oficial. Demonstrou que a emancipação se daria no prazo de seis anos, com emissão de títulos no valor de trezentos e cinqüenta mil contos de réis , exigindo dispêndio anual de dezessete mil contos de réis, reduzindo ano a ano,54 tendo por base que o fundo de emancipação produza três mil contos de réis. E cinco por cento da renda e amortização do capital de sessenta mil contos de réis, aplicáveis um ano depois de promulgada a lei à emancipação dos escravos de ambos os sexos. Tocando sessenta por cento para os homens e quarenta por cento para as mulheres.

Na sessão de 24 de julho o Sr. Corrêa Araújo e o Sr. Prudente de Morais apresentaram emenda55 ao artigo terceiro.

a) Comércio Interprovincial

O Sr. Ildefonso de Araújo começou seu discurso falando da calamidade em que se encontrava a lavoura. Iniciada já antes de 1859, dizia ele, as províncias do norte vendiam seus escravos para o sul, não para substituí-los por máquinas, mas para pagar dívidas. A lavoura perdia braços, decaía a produção e aniquilava-se.

Disse que a agricultura atravessava verdadeira crise:

“o açúcar e café estão depreciados, o valor da propriedade diminuído, o crédito agrícola abalado, os agricultores sem crédito recorrem a particulares com grande ônus, o comércio vive da lavoura, a indústria fabril que começa depende também da lavoura. Por isso a emancipação deve ser resolvida com a maior prudência, para não acarretar mais desgraças ao país.”56

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Apoiava o projeto do Governo, porque segundo ele, por não desorganizar o país.

b) Câmara ou Mercado de Escravos ?

O Sr. Nabuco disse que se o projeto fosse votado, a Câmara se transformaria em mercado de escravos e o Sr. Presidente do Conselho em pregoeiro marroquino. Em meio a conflitos foi pedido que ele retirasse as palavras, mas não o fez e justificou dizendo que votaram tabela para a mercadoria homem, fizeram comparecer mais de 1 milhão de criaturas ao recinto e determinaram seu valor. Por isso, a representação nacional transformou-se em um vasto mercado de escravos. A Câmara votou pontos que o abolicionismo mais objeta : tabela, impostos e agora propõe degradação do valor da tabela.

Afirmava ainda que não estavam fazendo uma lei para 1885, mas para 1900 ou mais, se pensassem na duração de anos, como queriam alguns.

Fez ponderações com relação ao imposto adicional, dizendo entre outras coisas que o déficit crescente dos orçamentos anuais, a depreciação e flutuação excessiva do meio circulante, a idade do Imperador e as pressões que adviriam de sua morte, com a crise servil, haveriam de contribuir para fazer com que o dinheiro não imigrasse para o Brasil. Só o fariam sob garantia de pagamento em ouro.

Terminou por dizer que a força escravista do Brasil era tamanha que consagrava dois partidos a unirem-se para perpetuá-la. De sua parte, negava à instituição sinistra as exéquias que lhe pediam, negava a honra e homenagem do reconhecimento nacional. Aplausos nas galerias.

O Sr. Duarte de Azevedo subiu à tribuna na sessão de 25 de julho de 1885. Teceu comentários, dizendo porque os conservadores não apoiaram o Gabinete 06 de junho e apoiaram o 06 de maio; em síntese se relacionava à questão do direito de propriedade.57

c) Votação do Artigo Terceiro

Na sessão de 27 de julho, depois que o Sr. Araújo Góes Júnior apresentou suas emendas, 58 o Sr. Zama requereu e a Câmara aprovou o encerramento da discussão do artigo terceiro. Foi requerido o voto nominal para a tabela do parágrafo primeiro, parte do parágrafo segundo e parágrafo sétimo. Foi aprovado o parágrafo primeiro substitutivo da Comissão com sessenta e sete votos a favor e trinta e cinco contra. Procedeu-se a votação nominal da parte do parágrafo segundo, aprovado por sessenta e

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dois contra trinta e seis. A outra parte foi aprovada em votação simbólica, assim como os parágrafos terceiro, quarto, quinto e sexto. Em votação nominal foi aprovado o parágrafo sétimo, por sessenta e cinco votos, contra vinte e nove. Votadas as emendas discutidas foi aprovado o artigo terceiro, que foi para a Comissão de Redação.59

IV - O Artigo Quarto

Na sessão de 03 de agosto entrou em discussão o artigo quarto. Na mesma sessão o Sr. Zama requereu e a Câmara aprovou o encerramento da discussão . Foi aprovado o artigo quarto com votação nominal apenas para o parágrafo quinto, aprovado por quarenta e quatro contra quarenta votos.60

V - O Artigo Quinto

Entrou em discussão o artigo quinto. O Sr. Frederico Borges pediu a palavra e fez uma análise do processo de libertação no Ceará61 e afirmou que examinando o artigo: “ revogam-se as disposições em contrário” ele atentava contra as leis de 07 de novembro de 1831 e 28 de setembro de 1871, contra o direito comum e contra a sua província, que era um solo livre.

Na sessão de 04 de agosto, o Sr. Joaquim Pedro manifestou-se dizendo porque apoiou o projeto 15 de julho e não aceitou “in totum” o que estava sendo votado. Antes de deixar a tribuna explicou sua situação no grupo abolicionista parlamentar. Disse não aceitar a abolição imediata, com ou sem indenização:

“ quero, repito, uma solução sem grande abalo para a fortuna particular, sem desorganização do trabalho, sem sacrifícios para o Estado. Sem gravames para o contribuinte, resolver o problema servil, de acordo com as exigências de civilização e do progresso do país.” 62

O Sr. Zama requereu o fim das discussões, a Câmara aprovou. Posto a votos, o artigo quinto foi aprovado.

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4.5.5 - O Projeto em Terceira Discussão e sua Aprovação

O projeto passa para terceira discussão. Apartes e discussões, sobretudo por parte do liberais radicais, que se diziam do partido abolicionista. Segundo o próprio Sr. Nabuco, para fazer com que a nação conhecesse suas idéias. Disse que o projeto não passava com a sustentação do partido liberal inteiro, o que seria fatal para a marcha da idéia.63

Na sessão de 06 de agosto foi lida e enviada para impressão a redação final do projeto sobre a extinção gradual do elemento servil, com as emendas aprovadas na segunda discussão.64

Na sessão de 07 de agosto a terceira discussão foi adiada.

Na de 08 de agosto o Sr. Adriano Pimentel apresentou requerimento, pedindo ao Ministério o número de escravos matriculados na província do Amazonas. Na segunda parte da ordem do dia o Sr. Nabuco disse que os abolicionistas tinham interesse que o projeto fosse para o Senado, convertido em lei para que, segundo expressão da Gazeta de Notícias, o país possa tratar seriamente da emancipação. O projeto entrou em terceira discussão. Foram apresentados os substitutivos.65

Na sessão de 10 de agosto, foram apresentadas emendas ao projeto, que não puderam ser discutidas antes.66

Na sessão de 12 de agosto, o Sr. João Penido apresentou um projeto de n.º 55/1885), pedindo a revogação da lei de 10 de junho de 1835, que estabelecia castigos aos escravos.

Na sessão de 13 de agosto, após discussão, foram rejeitados os substitutivos dos Srs. Bulhões Jardim e outros. Assim como, o apresentado pelo Sr. Carlos Affonso.67

O Sr. Andrade Figueira, requereu votação nominal do projeto, que foi aprovado. O projeto foi adotado em terceira discussão por setenta e três votos a favor e dezessete contra.

O projeto e emendas aprovadas foram para a Comissão de Redação.

Na sessão de 14 de agosto de 1885, a Comissão de Redação apresentou a redação final do projeto.68

4.6 - O Pedido de Demissão do Ministério 06 de Maio

O Ministério 06 de maio, presidido pelo Sr. José Antônio Saraiva, após aprovação do projeto pela maioria dos dois partidos constitucionais, julgou necessário reunir os ministros para decidir sobre a sua continuidade, tendo por base a

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possibilidade de não se reconstituir a maioria liberal. Era esperar o voto de desconfiança ou pedir demissão.

A decisão dos ministros foi de retirar-se já. Pediram então hora a Sua Majestade Imperial para levar a declaração. O Imperador ordenou que convidassem os presidentes da Câmara e do Senado, a comparecerem no palácio no mesmo dia 15 de agosto.

Como o Ministério insistia na demissão, foi conversado com os dissidentes liberais se apoiariam um novo Ministério Liberal, pois eram maioria da Câmara. A resposta foi positiva. Sua Majestade disse que teriam um novo Ministério Liberal. Convidado o Visconde de Paranaguá, não aceitou ele a incumbência de formar o Ministério.

4.7 - O Gabinete Provisório e a Moção de Desconfiança

Então foi organizado um “Governo Provisório” sob presidência do Sr. Barão de Cotegipe, um conservador. Na sessão de 24 de agosto de 1885, o novo Ministério foi apresentado à Câmara. No discurso, não cogitou sobre a questão servil, apenas falou sobre o orçamento e a imigração. Isso lhe valeu uma moção de desconfiança apresentada no mesmo dia 24 de agosto de 1885 e assinada por cinqüenta e cinco parlamentares.69 O Sr. Presidente do Conselho disse que o Ministério não se retiraria com a aprovação da moção.

O Sr. Zama requereu que o Governo desse sua opinião acerca do elemento servil.

Na sessão de 25 de agosto, voltou a discussão sobre a redação final do projeto acerca do elemento servil.70 Como o Sr. Barão de Cotegipe se recusava a dar sua opinião sobre o projeto, o Sr. Cândido de Oliveira pediu, via requerimento, o adiamento da discussão do projeto, até ser votada a moção de desconfiança. O Presidente da Câmara sustentou que a votação do projeto era anterior a votação da moção. O requerimento do Sr. Cândido Oliveira foi rejeitado pela Câmara.

O Sr. Zama pediu o encerramento das discussões. Foi aprovado. Posto a votos foi aprovada a redação final do projeto. E enviada ao Senado.

A Câmara dos Deputados passou a discutir a moção. foi aprovada por sessenta e três votos contra quarenta e nove, estabelecendo o conflito com o Ministério: ou ele se retirava ou pedia ao Imperador a dissolução da Câmara. Houve pedido de suspensão das sessões até que o Imperador pudesse decidir.

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4.8 - O Projeto no Senado

As discussões das sessões do Senado, referentes ao projeto estão nos Anais do Senado do Império do Brasil, nos Tomos III e VI, sessões de 26 de agosto de 1885 a 25 de setembro de 1885. Não aprofundaremos aqui a discussão do Senado, uma vez que este trabalho discute, preferencialmente, Câmara dos Deputados.

4.8.1 - Formação da Comissão Especial

O projeto entrou em discussão no Senado na sessão de 26 de agosto de 1885.71

O Sr. Cristiano Ottoni enviou à Mesa um requerimento pedindo a formação de uma Comissão Especial de cinco membros, para dar o seu parecer sobre o projeto.

Antes porém, apresentou algo que considerava erros do projeto:

“ promovia a restauração do comércio de escravos, autorizava matrícula de escravos já arrolados na mesma duplicata em número de cinqüenta ou até duzentos escravos, autorizava a matrícula de escravos mortos, cujos óbitos não foram registrados. Desenvolverá os abusos denunciados no uso do fundo de emancipação e abrirá portas para especulações mais clamorosas. O preço da tabela é exageradíssimo, poderá salvar da ruína fazendeiros enchendo a algibeira de seus credores, favorece os credores, não a lavoura, o projeto é aplaudido por esses sanguessugas da lavoura.”72

Pediu a formação para dar parecer sobre o projeto e sobre idéias de um substitutivo, organizado nas seguintes bases:

1) Supressão de tudo que se refere a fixação de valor do escravo, indenização, novos impostos e emissão de títulos de dívida;

2) Suprimir o que se refere a fundos de emancipação para serviço de imigração;

3) Decretar a libertação de um décimo dos escravos por ano e colocar como cláusula a prestação de serviços; estatuir que nenhum caso de escravidão passará de dez anos.

Na sessão de 27 de agosto não houve quorum.

Na sessão de 28 de agosto o requerimento foi votado dividido em duas partes: foi aprovada a primeira, que se referia à formação da Comissão Especial; e rejeitada a

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idéia do substitutivo. A Comissão foi formada pelos Srs. Fausto Aguiar, Barros Barreto, Cruz Machado, Soares Brandão e Leão Velloso.

I - O Parecer da Comissão Especial

Na sessão de 29 de agosto a Comissão Especial deu seu parecer:

“ Considerando que o assunto longo tempo tem constantemente preocupado o espírito público, impondo-se ao estudo dos poderes do Estado e classes interessadas...

Considerando mais: que urge adotar a solução da Câmara dos Deputados por notável maioria dos dois partidos constitucionais julgou mais acertada e conveniente ao estado do país...

É de parecer: que a proposição entre em discussão e seja aprovada”. Sala das sessões, 29.08.1885.73

4.8.2 - Aprovação do Projeto no senado e Sanção Imperial

Na sessão de 19 de setembro de 1885, o projeto foi aprovado em segunda discussão74 e colocado em terceira.

Na sessão de 25 de setembro, o projeto foi aprovado em terceira discussão, tal qual passou na segunda discussão. Nenhuma emenda foi incorporada, portanto não necessitava voltar à Câmara dos Deputados. Foi redigido para ser dirigido à sanção imperial.

4.9 – Uma Interpretação da Lei

A presente interpretação é uma mostra de como os senhores deputados pensavam e se expressavam quanto à questão da Abolição, três anos antes dela acontecer. A idéia majoritária presente, inclusive da qual fazia parte o Imperador, era da extinção gradual da escravidão; desta idéia abria-se um leque de possibilidades. Outra idéia era pela libertação imediata, mas mesmo seus defensores tinham reservas quanto a sua efetivação, ou melhor, colocavam a defesa do trabalho organizado, acima da libertação imediata dos escravizados. Foi, certamente o agravamento da crise social, que já se estendia desde 1882, que levou a mudança de opiniões.

I – A Idéia da extinção Gradual

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a) O Direito de Propriedade e da Indenização

Esse pensamento se manifestou quando estava em discussão o projeto 15 de julho de 1884. Além das manifestações da Câmara dos Deputados, a Câmara Municipal de Conceição, Província de Minas Gerais, se posicionou, dizendo querer solução para a libertação dos escravos, mas guardando e respeitando o direito de propriedade. A mesma Câmara acreditava não serem necessárias medidas além da “Lei do Ventre Livre”. Bastaria incentivar a contribuição e melhorar a fiscalização do fundo de emancipação, que o fim da escravidão chegaria, sem prejuízo dos proprietários e “dos interesses da nação”.

Também a sociedade, através de comerciantes, capitalistas e fazendeiros, apresentava sua discordância quanto a alteração do estado da escravidão. Entendiam que a Lei de 1871 era suficiente, pois garantia a ordem social e econômica e não feria o direito de propriedade, negado pela falta de indenização no projeto de 1884.

Essa foi uma idéia seguida por dissidentes liberais e uma parcela conservadora que custou a queda do Gabinete Dantas. Acreditavam que, mais importante que as medidas em benefício dos escravos seria não sacrificar os direitos adquiridos à sombra das leis do país.

Defendiam o pagamento de indenização por parte do Estado para libertar os sexagenários, pois o não-pagamento “feria a Constituição” e “traria descalabro financeiro”. Fortaleciam a idéia de que não necessitariam outra providência além da Lei de 28.09.1871, pois esta garantia a ordem social e econômica e estabelecia a transição gradativa da situação de escravo a homem livre, sem abalo e ofensa à propriedade.

Manifestavam o medo de que nova lei pudesse abrir as portas para a libertação de todos os escravos, idéia contrária a emancipação gradual e prudente.

Defendiam a continuidade da escravidão, pois era a base da fortuna privada, do crédito de particulares e do Estado e fonte de renda do Estado. Chegavam a afirmar as Leis como medidas artificiais que atrapalhavam o curso natural da história. Em suma, a escravidão deveria terminar pela morte dos escravos, iniciativa particular e fundo de emancipação.

b) A Substituição do Escravo pelo Imigrante

Esta idéia tinha entre seus representantes o setor republicano da Câmara, talvez pela experiência de São Paulo. Mais uma vez, a questão central não estava em eliminar

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o trabalho escravo, mas na relação entre a emancipação do trabalho servil, conjugada com a aquisição de trabalhadores livres. Essa idéia foi vencedora no projeto. A Lei trouxe consigo o subvencionamento da colonização para o Brasil, aumentando o número de imigrantes. Se a média nos primeiros cinco anos da década de 1880 era de trinta mil, com o apoio do Governo saltou para cento e quarenta mil.75

A idéia da proteção à imigração estava relacionada ao descrédito em pensar o africano como trabalhador livre. Apoiavam medidas para assegurar a transformação do trabalho, a realocação de impostos desde a libertação dos escravos para a imigração e colonização. Quanto aos africanos a Lei estava mais empenhada em garantir os interesses de fazendeiros e escravistas, fixando prazo para permanência nas fazendas, depois de libertado.

c) Os “Defensores” dos Sexagenários

Por que a Lei se chamou de “sexagenários” ? Talvez não tanto pelo seu conteúdo, mas porque queriam passar a idéia de ser uma medida em defesa dos escravizados. Vejamos. No projeto de 1884 atestavam a liberdade do escravizado ao completar sessenta anos e a obrigação de socorro pelo seu ex-senhor ou pelo Estado.

Esta foi a idéia que custou caro ao Gabinete Dantas. Era preciso apresentar algo mais maleável. Penso que a questão nem era como afirmavam, de diminuição da renda particular ou desorganização do trabalho. Estudos diversos afirmam que a dureza do trabalho produtivo da agricultura era impossível de ser realizado por um sexagenário, à época.

A queda me pareceu estar relacionada ao não pagamento de indenização, ou seja, a avidez do lucro que fascinava os traficantes e se perpetuou nos proprietários de escravos. Os defensores da emancipação dos sexagenários, sem indenização, foram vencidos pela cláusula de prestação de serviços.

Posições como as do Sr. Zama, que dizia ser a propriedade escrava fruto da violência, crime e iniqüidade, pareceram extremadas na Câmara. Era bem verdade que não se referia a todos os escravos, mas aos sexagenários.

Outra idéia muito defendida pelos proponentes do projeto, era o uso do fundo para libertar os mais velhos. Em nosso entender, aí estava embutida a idéia da extinção gradual e não desorganização do trabalho. Um dos deputados, ao defender a libertação dos sexagenários sem indenização, perguntava e respondia sem dúvida alguma que alguém que viveu durante sessenta anos sob o peso dos trabalhos da fazenda de nada mais valeria ao processo produtivo.

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Em síntese, a idéia do não sacrifício do país, das forças produtivas, da riqueza pública e particular venceram a idéia da extinção da escravidão, até mesmo a dos sexagenários.

d) A Idéia de Prazo

A idéia de prazo manifestou-se na Câmara e no Senado. Nela, a solução do elemento servil estava em apressar o máximo possível a libertação de todos os escravos, porém dando um tempo à indústria agrícola para reorganizar o trabalho. Voltava à idéia defendida por muitos da agricultura como a única indústria que sustentava os cofres públicos e mantinha a prosperidade do país. Sem escravos não haveria agricultura possível.

O Governo, defensor desta idéia mesmo que implicitamente, uma vez que não determinava com precisão o número de anos, tentou, através do Sr. Saraiva, Presidente do Conselho, a idéia, relacionando meios da colonização e dos libertos, que mereceriam maior atenção e cuidados no projeto. Pareceu-nos que esses cuidados eram no sentido de fixar o ex-escravo à terra e na crença de que não estavam preparados para serem livres.

A idéia de prazo estava presente na tabela, com diminuição do preço do escravo com o passar dos anos. Na crença do aumento das alforrias e na mortalidade escrava, que segundo alguns libertava mais que o fundo de emancipação.

II – Libertação Imediata. Mas, Sobretudo, Defesa do País

Esta idéia estava presente no círculo abolicionista, que por vezes dissonava internamente. O Sr. Affonso Celso Jr. dizia ser a favor da eliminação da escravidão de um só golpe, mas aceitava qualquer projeto que adiantasse a questão. Aceitou o projeto do Governo de extinção gradual. O Sr. Zama queria um projeto que declarasse extinta a escravidão. Mas em nome dos interesses dos escravos aceitou o projeto de libertação gradual. Diziam ser a escravidão a violação do direito do homem a liberdade, mas tinham que defender os interesses e necessidades econômicas do país.

O único que na plenária manifestou de forma plena seu repúdio ao projeto foi o Sr. Joaquim Nabuco. Classificava-o como retrocesso das idéias abolicionistas e acusou a Câmara de transformar-se num novo mercado de escravos e os liberais seus correligionários em coveiros dos escravos de sessenta e cinco anos e capitães-do-mato de escravos fugidos.

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Acusou a Câmara de subserviência aos interesses dos escravistas que se uniam para perpetuar a escravidão. Acreditava que ninguém poderia retardar o curso natural e progressivo do término da escravidão. Nem mesmo ele foi capaz de formular propostas efetivas de inclusão do escravizado, que afirmava dever ser libertado.

A impressão que tivemos era que os defensores da libertação imediata estavam muito mais nas galerias , nas províncias, nas fazendas e em outros espaços sociais que no corpo legislativo do Império.

4.10 – Resistência Escrava

Em decorrência da abolição do tráfico em 1850, surgiu a preocupação com a vida do escravo. Acreditamos que tenderam a ser melhor tratados, mas isso não correspondia necessariamente a trabalhar menos, e sim, a possibilidade do aumento de seu tempo de vida. Neste sentido, conflitos entre senhores e escravos se concretizavam por estratégias diversas. Os escravos defendiam certos espaços de autonomia, quer fosse conseguidos por meio de acomodação ou fugas, quer fosse por sabotagens ao trabalho e insurreições geralmente direcionadas aos senhores, feitores ou pessoas que lhe eram próximas.76

As situações de descontrole da ordem pública, causadas pelos escravos rebelados, raramente eram comentadas na Câmara dos Deputados e pela pesquisa que ora apresentamos não foi apresentada como objeto de discussão. Encontram-se, contudo, nos jornais e processos policiais da época.

A ação da chamada Maçonaria Negra (1848), o quilombo de Manuel Congo (1838) a forte presença da Maçonaria Vermelha entre os abolicionistas, aparecem nos processos e jornais da época, juntos os “pagodes” reprimidos, com suas mães e pais-de-santo.

As revoltas escravas nas fazendas, aliadas ao crescimento das sociedades libertadoras e abolicionistas atacavam o tão sagrado direito de propriedade, trazendo consigo o medo de uma revolta com amplitude suficiente para perturbar a ordem pública do Império.

Essas revoltas dos escravos eram reprimidas pela força e tentavam passar a idéia de movimento localizado que não colocava em risco a segurança do Império. Mas nas entrelinhas, os deputados ligados aos setores escravistas dirigiam-se aos abolicionistas como anarquistas de ruas, agitadores imprudentes e incitadores de rebeliões. Falavam em processos e perseguições contra lavradores e proprietários de escravos, assaltos a propriedades, desorganização do trabalho e insurreições escravas.

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Esta situação de incertezas provocou no poder constituído a necessidade de propor Leis que – em aparência – minorassem as péssimas condições da vida escrava com o intuito de mantê-los na submissão.

A toda denúncia de crime de escravos, com seus requintes de crueldade davam a conotação do risco. Na plenária da Câmara à época do tráfico interprovincial, se discutia o impacto da grande massa de escravos, vindos do norte, tornando a região um “barril de pólvora”.

Uma idéia que corroborou o aumento da resistência escrava e consequentemente contribuiu para o fim da escravidão era a visão que os fazendeiros, proprietários e os próprios legisladores tinham do escravo. Desde o início da escravidão a idéia do africano como inimigo irreconciliável, como criminoso, imoral e selvagem fazia com que pensassem estar sempre ameaçados em suas alegrias, que a explosão poderia ocorrer a qualquer momento, colocando em risco a viabilidade econômica do país, a si próprios e suas famílias.77

Explorando esta visão, o abolicionismo radical, ante a maior incidência de crimes contra senhores, exprimia por um lado a repulsa do escravo ao trabalho e, por outro a necessidade de leis graduais, que pudessem acomodar e controlar a ordem pública.

A repulsa dos escravos em cumprir contratos temporários de trabalho em função da alforria, dava margem ao pensamento de que sem a agricultura: principal indústria e dependente do trabalho escravo, não mantê-los sob controle significaria viver na penúria ou de favores. Um exemplo desta visão foi a apresentação na Câmara, entre outros casos, o do Conde de Prados, que deixou em testamento a liberdade de seus escravos condicionada a prestação de serviços. Constava que após sua morte seus descendentes tiveram que alugar suas terras, pois os escravos se recusavam ao trabalho.

Embora carecendo maiores pesquisas, temos exemplos de senhores que pela necessidade de sobrevivência e acomodação dos escravos aos serviços, prometiam para depois da morte repartir com eles suas terras. Outros possibilitavam certos espaços de autonomia produtiva para sua subsistência.

Mas a situação de vida na escravidão e a possibilidade da liberdade conjugada com a crise da sociedade escravista tornava a situação explosiva. Porque nem as promessas de alforria ou posse da terra eram suficientes para convencer o escravo acerca de suas possibilidades futuras. A própria relação estabelecida durante os séculos de escravidão fazia com que desconfiassem das boas intenções dos proprietários. Muito pouco sabemos sobre os libertos que tiveram acesso à terra por concessão e aí constituíram seu modo de vida. O que temos de pesquisas se refere muito mais aos grupos fugitivos, que formavam os quilombos.78

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A dificuldade de contenção da rebeldia escrava pelos instrumento de pressão da fazenda fez com que a responsabilidade de manutenção da ordem ficasse a cargo da polícia. Cabia a ela controlar os conflitos sociais, assegurar a tranqüilidade pública, combater a ação de criminosos, libertos e escravos seus alvos destacados, justificado pela defesa do direito de propriedade, exigido pela classe de senhores. Além das funções acumuladas a partir da reforma do Ato Adicional.79

A ação repressiva da polícia era violenta. A prática do açoite e torturas faziam parte dos instrumentos de trabalho nas cadeias contra os que se opunham ao regime escravista. Mas esta ação não impedia que homicídios de feitores, fugas em massa, insubordinação geral e desordem nas cidades fizessem parte do cotidiano da última década da escravidão, desestabilizando o sistema.

Sendo a polícia o principal órgão repressor, os problemas começaram a avolumar-se quando, segundo documentos da própria polícia, havia recusa de perseguir os fugitivos. Ou a insuficiência do efetivo não permitia cumprir seu papel repressor. Além do aumento do volume das rebeliões, que passava a ocupar estradas, vilas e cidades, escapando ao controle. Exemplo disto foi o ofício enviado pelo chefe de polícia ao Presidente da Província, sobre o perigo iminente devido ao reduzido número de praças e o aumento considerável do número de revoltas:

“ Vossa excelência deve saber das contínuas revoltas que se dão nas fazendas desta província e da atitude que os mesmos têm tomado de tempos para cá. As sociedades libertadoras e abolicionistas crescem de momento a momento e se tornam mais exigentes e desrespeitosas do legítimo direito da propriedade escrava... Estando as coisas neste estado tem como justo o fundamento de que, de um momento para outro revoltem-se muitos escravos existentes nas diversas fazendas e que unidos com os desta capital e com um grande grupo de desordeiros que por aí andam e perturbem a tranqüilidade pública de modo considerável. 80

Em suma, a realização de um movimento autônomo dos escravos que ultrapassasse o universo local e por vezes regional, não se concretizou, embora tenham contribuído de forma efetiva para o término da escravidão. Muitas vezes abafados pelas autoridades policiais e judiciais, ou acomodados ao sistema escravistas através de relações comerciais entre quilombolas e comerciantes de cidades e vilas, 81 não alcançaram grande repercussão nacional.

Foi a direção do movimento pelas forças abolicionistas e a conseqüente mudança na forma de luta que foi vista como o elemento desarticulador da escravidão.

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4.11 – Movimento Abolicionista

O movimento abolicionista na década de 1880 se esforçou para estabelecer pontos de contato entre a inquietação escrava nas fazendas e a movimentação nas cidades. Revoltas, fugas generalizadas ajudaram o movimento a interagir com as camadas médias urbanas. Censurado pelas autoridades políticas e de polícia, impulsionou ele a desestabilização da ordem social escravista do Império. Essa solidariedade entre escravos e abolicionistas radicais foi percebida e combatida, tornando-se o maior desafio interno à manutenção da ordem escravista.

Além de impulsionar o processo abolicionista, o movimento teve peso na melhoria do tratamento dispensado aos escravos nas últimas décadas da escravidão. Influenciava a opinião pública ou denunciava nos jornais as condições de vida da população escravizada. A abolição da pena de açoite, pelo menos legalmente, considerada pelos fazendeiros como meio eficaz de controle dos escravos, era vista por abolicionistas como Joaquim Nabuco como melhoramento de sua condição.82

Em contraposição, para mantê-los no serviço, os fazendeiros intensificavam a disciplina e os castigos, como atitude desesperada. Tentavam evitar o quanto possível a indisciplina e fuga dos escravos. Sobretudo, tratavam de manter sob controle os que permaneciam nas senzalas, acelerando o ritmo de trabalho para evitar perdas de lucros e desarticulação da produção.

Advogados abolicionistas ganhavam pleitos judiciais relativos a escravos fugidos, indisciplinados ou que sofriam maus tratos; além de influenciarem o consenso ideológico acerca do direito de propriedade, muito defendido na Câmara e no Senado. Na verdade, muito poucos poderiam provar a legitimidade de sua propriedade. Grande parte dos escravizados, por exemplo, eram descendentes de africanos ilegalmente mantidos no cativeiro, em contravenção à Lei de 07 de novembro de 1831.

As forças abolicionistas que se organizavam em todos os lugares eram interpretadas pelos fazendeiros como perigosas à ordem pública. Não raro sofriam pressão quando envolvidas em disputas entre senhores e escravos. Grupos de fazendeiros se armavam para expulsar advogados interessados em alforrias de escravos, ameaçavam juízes de direito que eram obrigados a deixar localidades, acusando-os de aconselhar escravos a desobedecer seus senhores e agitação da escravaria.

Esse movimento, que ganhou proporção nacional, teve seu peso nas lutas pela emancipação. Mas no nosso entender serviu muito mais ao sistema social que aos escravos. Ou seja, às personalidades que o popularizaram através da imprensa e tribunas, fazendo com que ganhasse as ruas. Isso preocupou os senhores e seus representantes na Câmara e no Senado, mas também amorteceu a luta legítima dos escravos que, com maior ou menor intensidade, eram travadas desde o início da

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escravidão. O término do escravismo tornou-se uma questão legal, onde os escravos não tinham comando direto do processo.

O movimento assimilou as políticas reformistas dos senhores que buscaram, dentro dos quadros da escravidão, introduzir elementos do trabalho assalariado. Eram humanistas e progressistas, às vezes aplaudidos e elogiados.83 Por outro lado, o movimento dos escravos possuía uma dinâmica própria, mostrava claramente a superação das possibilidades acomodativas do sistema, quer seja pela melhoria do tratamento enquanto mão-de-obra, quer seja quanto à visão gradualista da emancipação. Em suma, os escravos em suas lutas foram também vencidos pelos abolicionistas, seus defensores.

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4.12 – Lei n.º 3270 – de 28 de setembro de 1885

Regula a extinção gradual do elemento servil

D. Pedro II, por graça de Deus e Unânime aclamação dos povos, Imperador constitucional e defensor Perpétuo do Brasil: fazemos saber a todos os nossos súditos que a Assembléia Geral decretou e nós queremos a lei seguinte:

Da Matrícula

Art. 1º - Proceder-se-á em todo o Império a nova matrícula dos escravos, com declaração do nome, nacionalidade, sexo, filiação, se for conhecida, ocupação ou serviço em que for empregado, idade e valor, calculado conforme a tabela do § 3º; §1º - A inscrição para a nova matrícula far-se-á à vista das relações que serviram de base para a matrícula especial ou averbação efetuada em virtude da Lei de 28 de setembro de 1871, ou à vista das certidões da mesma matrícula, ou da averbação, ou à vista do título de domínio, que nele estiver exarada a matrícula do escravo; §2º - À idade declarada na antiga matrícula se adicionará o tempo decorrido até o dia em que for apresentar na repartição competente a relação para matrícula ordenada nesta Lei.A matrícula que for efetuada em contravenção às disposições dos §§ 1º e 2º será nula, e o Coletor ou Agente Fiscal que a efetuar incorrerá em uma multa de cem mil réis a trezentos mil réis, sem prejuízo de outras penas em que possa incorrer. §3º - O valor a que se refere o art. 1º será declarado pelo senhor do escravo, não excedendo o máximo regulado pela idade do matriculando, conforme a seguinte tabela:

Escravos menores de 30 anos ...................................900$000Escravos de 30 a 40 anos ...................................800$000Escravos de 40 a 50 anos ...................................600$000Escravos de 50 a 55 anos ...................................400$000Escravos de 55 a 60 anos ...................................200$000 §4º - O valor dos indivíduos do sexo feminino se regulará do mesmo modo, fazendo-se, porém, abatimento de 25% sobre os preços acima estabelecidos. §5º - Não serão dados a matrícula os escravos de 60 anos idade em diante; serão, porém, inscritos em arrolamento especial para fins dos §§ 10 a 12 do art. 3º; §6º - Será de um ano o prazo concedido para a matrícula, devendo ser este anunciado por editais afixados nos lugares mais públicos com antecedência de 90 dias, e publicado pela imprensa, onde a houver.

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§7º - Serão considerados libertos os escravos que no prazo marcado não tiverem sido dados à matrícula, e esta causa será expressa e integralmente declarada nos editais e nos anúncios pela imprensa. Serão isentos de prestação de serviços os escravos de 60 a 65 anos que não tiverem sido arrolados; §8º - As pessoas a que incumbe dar a matrícula escravos alheios, na forma do art. 3º do Dec.n.º 4835 de 1º de dezembro de 1871, indenizarão os respectivos senhores o valor do escravo que, por não Ter sido matriculado no devido prazo, ficar livre. Ao credor hipotecário ou pignoratício cabe igualmente dar à matrícula os escravos constituídos em garantia. Os Coletores e Agentes Fiscais serão obrigados a dar recibo dos documentos que lhes forem entregues para inscrição da nova matrícula, e os que deixarem de efetuá-la no prazo legal incorrerão nas penas do art. 154 do Código Criminal, ficando salvo aos senhores o direito de requerer de novo a matrícula, a qual, para os efeitos legais, vigorará como se tivesse sido efetuada no tempo designado. §9º - Pela inscrição ou arrolamento de cada escravo pagar-se-á 1$ de emolumentos, cuja importância será destinada ao fundo de emancipação, depois de satisfeitas as despesas da matrícula; §10º - Logo que for anunciado o prazo da matrícula, ficarão reveladas as multas incorridas na inobservância das disposições da Lei de 28 de setembro de 1871, relativas à matrícula e declarações prescritas por ela e pelos respectivos regulamentos. A quem libertar ou tiver libertado, a título gratuito, algum escravo, fica remetida qualquer divida à Fazenda Pública por impostos referentes ao mesmo escravo. O governo no regulamento que expedir para execução desta Lei, marcará um só e o mesmo prazo para apuração da matrícula em todo o Império.

Art. 2º - O fundo de emancipação será formado: I - Das taxas e rendas para ele destinados na legislação vigente; II - Da taxa de 5% adicionais a todos os impostos gerais, exceto os de exportação. Esta taxa será cobrada desde já livre de despesas de arrecadação, e anualmente inscrita no orçamento da receita apresentado à Assembléia Geral Legislativa pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda; III - De títulos da dívida pública emitidos a 5%, com amortização anual de ½ %, sendo os juros e amortização pagos pela referida taxa de 5%; §1º - A taxa adicional será arrecadada ainda da libertação de todos os escravos e até extinguir a dívida proveniente da emissão de títulos autorizados por esta lei;§2º - O fundo de emancipação, de que trata o n.º I deste artigo, continuará a ser aplicado de conformidade ao disposto no art. 27 do regulamento aprovado pelo decreto n.º 5135 de 13 de novembro de 1872;

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§3º - O produto da taxa adicional será dividido em três partes iguais:A primeira parte será aplicada à emancipação dos escravos de maior idade, conforme o que for estabelecido em regulamento do Governo.A Segunda parte será aplicada à libertação por metade ou menos da metade do seu valor, dos escravos da lavoura e mineração cujos senhores quiserem converter em livres os estabelecimentos mantidos por escravos.A terceira parte será destinada a subvencionar a colonização por meio do pagamento de transporte de colonos que forem efetivamente colocados em estabelecimentos agrícolas de qualquer natureza. §4º - Para desenvolver os recursos empregados na transformação dos estabelecimentos agrícolas servidos por escravos em estabelecimentos livres e para auxiliar o desenvolvimento da colonização agrícola, poderá o Governo emitir os títulos de que trata o n.3 deste artigo. Os juros e amortização desses títulos não poderão absorver mais que dois terços do produto da taxa adicional consignada no n.2 do mesmo artigo.

Das Alforrias e dos Libertos

Art. 3º - Os escravos inscritos na matrícula, serão libertados mediante indenização de seu valor pelo fundo de emancipação ou por qualquer outra forma legal. §1º - Do valor primitivo com que for matriculado o escravo se deduzirão:

No primeiro ano .......................... 2%No segundo ................................. 3%No terceiro .................................. 4%No quarto .................................... 5%No quinto .................................... 6%No sexto ...................................... 7%No sétimo .................................... 8%No oitavo .................................... 9%No décimo .................................11%No décimo primeiro ..................12%No décimo segundo .................. 12%No décimo terceiro ................... 12%

Contar-se-á para esta dedução anual qualquer prazo decorrido, seja feita a libertação pelo fundo de emancipação ou por qualquer outra forma legal. §2º - Não será libertado pelo fundo de emancipação o escravo inválido, considerado incapaz de qualquer serviço pela junta classificadora, com recurso voluntário para o juiz de direito.

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O escravo assim considerado permanecerá na companhia de seu senhor. §3º - Os escravos empregados nos estabelecimentos agrícolas serão libertados pelo fundo de emancipação indicado no art.2º, §4º, Segunda parte, se seus senhores se propuserem a substituir nos mesmos estabelecimentos o trabalho escravo pelo trabalho livre, observadas as seguintes disposições:a) Libertação de todos os escravos existentes nos mesmos estabelecimentos e

obrigação de não admitir outros, sob pena de serem declarados libertos;b) Indenização pelo Estado de metade do valor dos escravos assim libertados, em

título de 5%, preferidos os senhores que reduzirem mais a indenização;c) Usufruição de serviços dos libertos por tempo de cinco anos.

§4º - Os libertos obrigados ao serviço nos termos do parágrafo anterior, serão alimentados, vestidos e tratados pelos seus ex-senhores, e gozarão de uma gratificação pecuniária por dia de serviço, que será arbitrada pelo ex-senhor com aprovação do Juiz de Órfãos. §5º - Esta gratificação, que consistirá em pecúlio do liberto, será dividida em duas partes, sendo uma disponível desde logo, e outra recolhida em uma Caixa Econômica ou Coletora, para lhe ser entregue, terminado o prazo de prestação de serviços a que se refere o §3º, última parte. §6º - As libertações pelo pecúlio serão concedidas em vista das certidões do valor do escravo, apurando na forma do art. 3º, §1º, e da certidão do depósito desse valor nas estações fiscais designadas pelo Governo. Essas certidões serão passadas gratuitamente. §7º - enquanto não encerrar a nova matrícula, continuará em vigor o processo atual de avaliação dos escravos, para os diversos meios de libertação, com o limite fixado no art. 1º, §3º. §8º - São válidas as alforrias concedidas, ainda que o seu valor exceda ao da terça do outorgante e sejam ou não necessários os herdeiros que porventura tiver. §9º - É permitida a liberdade direta de terceiro, para alforria do escravo, uma vez que, se exiba o preço deste. §10 - São libertos os escravos de 60 anos de idade, completos antes e depois da data que entrar em execução esta Lei; ficando, porém, obrigados a títulos de indenização pela alforria, a prestar serviços a seus ex-senhores pelo espaço de três anos. §11 - Os que forem maiores de 60 anos e menores de 65 anos, logo que completarem esta idade, não serão sujeitos aos aludidos serviços, qualquer que seja o tempo que os tenham prestado com relação ao prazo acima declarado. §12 - É permitida a remissão dos mesmos serviços, mediante valor não excedente à metade do valor arbitrado para os escravos da classe de 55 a 60 anos de idade. §13 - Todos os libertos maiores de 60 anos, preenchido o tempo de serviço de que trata o §10, continuarão em companhia de seus ex-senhores, que serão obrigados a alimentá-los, vesti-los e tratá-los em suas moléstias, usufruindo de serviços

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compatíveis com as forças deles, salvo se preferirem obter em outra parte os meios de subsistência e os Juizes de Órfãos os julgarem capazes de fazer. §14 - É domicílio obrigatório por tempo de cinco anos, contados da data da libertação do liberto pelo fundo de emancipação, o município onde tiver sido alforriado, exceto o das capitais. §15 - O que se ausentar de seu domicílio será considerado vagabundo e será preso pela polícia para ser empregado em trabalhos públicos ou colônias agrícolas. §16 - O Juiz de Órfãos, poderá permitir a mudança do liberto, no caso de moléstia ou por outro motivo atendível, se o mesmo liberto tiver bom procedimento e declarar o lugar param onde pretende transferir seu domicílio. §17 - Qualquer liberto encontrado sem ocupação, será obrigado a empregar-se ou a contratar seus serviços no prazo que lhe for marcado pela polícia. §18 - Terminado o prazo, sem que o liberto mostre ter cumprido a determinação da polícia, será por esta enviado ao Juiz de Órfãos, que o constrangerá a celebrar contrato de locação de serviços, sob pena de 15 dias de prisão com trabalho e de ser enviado para alguma colônia agrícola no caso de reincidência. §19 - O domicílio do escravo é intransferível para Província diversa da em que estiver matriculado ao tempo da promulgação desta Lei. A mudança importará aquisição da liberdade, exceto nos seguintes casos: 1º - Transferência do escravo de um para outro estabelecimento do mesmo senhor. 2º - Se o escravo tiver sido obtido por herança ou por adjudicação forçada em outra Província. 3º - Mudança de domicílio do senhor. 4º - Evasão do escravo. §20 - O escravo evadido da casa do senhor donde estiver empregado não poderá, enquanto estiver ausente, ser alforriado pelo fundo de emancipação. §21 - A obrigação de prestação de serviços de escravos, de que trata o §3º deste artigo, ou como condição de liberdade, não vigorará por tempo maior do que aquele que a escravidão for considerada extinta.

Disposições Gerais

Art. 4º - Nos regulamentos que expedir para a execução desta Lei o Governo determinará: 1º - Os direitos e obrigações dos libertos a que se refere o §3º do art.3º para com seus ex-senhores e vice-versa. 2º - Os direitos e obrigações dos demais libertos sujeitos à prestação de serviços e daqueles a quem esses serviços devam ser prestados. 3º - A intervenção dos Curadores Gerais por parte do escravo, quando este for obrigado a prestação de serviços, e, as atribuições dos Juizes de Direito, Juizes Municipais e de Órfãos e Juizes de Paz nos casos de que trata a presente Lei.

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§1º - A infração das obrigações a que se refere os n.ºs 1 e 2 deste artigo será punida conforme sua gravidade, com multa de 200$ ou prisão com trabalhos até 30 dias. §2º - São competentes para imposição dessas penas os Juizes de Paz dos respectivos distritos, sendo o processo o do Decreto n.º 4824 de 29 de novembro de 1871, art. 45 e seus parágrafos. §3º - o açoitamento de escravos será capitulado no art. 260 do Código Criminal. §4º - O direito dos senhores de escravos à prestação de serviços dos ingênuos ou à indenização em títulos de renda, na forma do art.1º, §1º, da ei de 28 de setembro de 1871, cessará com a extinção da escravidão. §5º - O governo estabelecerá em diversos pontos do Império ou nas Províncias fronteiras colônias agrícolas, regidas com disciplina militar, para as quais serão enviados os libertos sem ocupação. §6º - A ocupação efetiva nos trabalhos da lavoura constituirá legítima isenção do serviço militar. §7º - Nenhuma Província, nem mesmo as que gozarem de tarifa especial, ficará isenta do pagamento do imposto adicional de que trata o art.2º. §8º - Os regulamentos que forem expedidos pelo Governo serão logo postos em execução sujeitos `a aprovação do poder legislativo, consolidadas todas as disposições relativas ao elemento servil constantes da Lei de 28 de setembro de 1871 e respectivos regulamentos que não forem revogados.

Art. 5º - Ficam revogadas as disposições em contrário.

Mandamos, portanto, a todos as autoridades, a quem o, conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir e guardar tão inteiramente, como nela se contém. O Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura. Comércio e Obras Públicas a faça imprimir, publicar e correr. Fada no Palácio do Rio de Janeiro aos 28 de setembro de 1885, 64º da Independência e do Império.

D. Pedro II, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil

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4.13 – Notas do Capítulo

1. A.C.D. , Tomo I, p.168-69, 1885.

2. A.C.D. , Tomo III, p.162-65, 1884.

3. Sessão Ordinária da Câmara dos Deputados, em 17.10.1884.

4. A.C.D. , Tomo II, p.321, 1885.

5. A.C.D. , Tomo II, p.429-31, 1885.

6. A.C.D. , Tomo III, p.12, 1885.

7. A.C.D. , Tomo III, p.06, 1885.

8. A.C.D. , Tomo III, p.26, 1885.

9. A.C.D. , Tomo III, p.250, 1885.

10. A.C.D. , Tomo IV, p.12, 1885.

11. A.C.D. , Tomo IV, p.4-5, 1885.

12. A.C.D. , Tomo IV, p.121, 1885.

13. A.C.D. , Tomo IV, p.135, 1885.

14. A.C.D. , Tomo IV, p.143, 1885.

15. A.C.D. , Tomo IV, p.149, 1885.

16. A.C.D. , Tomo IV, p.171, 1885.

17. A.C.D. , Tomo IV, p.173, 1885.

18. A.C.D. , Tomo IV, p.178, 1885.

19. A.C.D. , Tomo IV, p.227, 1885.

20. A.C.D. , Tomo IV, p.248, 1885.

21. A.C.D. , Tomo IV, p.271-79, 1885.

22. A.C.D. , Tomo IV, p.471-72, 1885.

23. A.C.D. , Tomo V, p.63, 1885.

24. A.C.D. , Tomo V, p.65-66, 1885.

25. A.C.D. , Tomo V, p.86, 1885.

26. A.C.D. , Tomo V, p.116, 1885.

27. A.C.D. , Tomo V, p.117-19, 1885.

28. A.C.D. , Tomo V, p.154, 1885.

29. A.C.D. , Tomo V, p.155, 1885.

30. A.C.D. , Tomo V, p.161, 1885.

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31. A.C.D. , Tomo V, p.206, 1885.

32. A.C.D. , Tomo V, p.206, 1885.

33. A.C.D. , Tomo V, p.297, 1885.

34. A.C.D. , Tomo V, p.298, 1885.

35. A.C.D. , Tomo V, p.319-37, 1885.

36. A.C.D. , Tomo V, p.343-47, 1885.

37. A.C.D. , Tomo V, p.348, 1885.

38. A.C.D. , Tomo V, p.367, 1885.

39. A.C.D. , Tomo V, p.382, 1885.

40. A.C.D. , Tomo V, p.395-402, 1885.

41. A.C.D. , Tomo V, p.443, 1885.

42. A.C.D. , Tomo VI, p.09, 1885.

43. A.C.D. , Tomo VI, p.11-16, 1885.

44. A.C.D. , Tomo VI, p.17, 1885.

45. A.C.D. , Tomo VI, p.17-21, 1885.

46. A.C.D. , Tomo VI, p.28-31, 1885.

47. A.C.D. , Tomo VI, p.33, 1885.

48. A.C.D. , Tomo VI, p.35, 1885.

49. A.C.D. , Tomo VI, p.66-67, 1885.

50. A.C.D. , Tomo VI, p.67, 1885.

51. A.C.D. , Tomo VI, p.68, 1885.

52. A.C.D. , Tomo VI, p.68-69, 1885.

53. A.C.D. , Tomo VI, p.89, 1885.

54. A.C.D. , Tomo VI, p.102-05, 1885.

55. A.C.D. , Tomo VI, p.118, 1885.

56. A.C.D. , Tomo VI, p.119, 1885.

57. A.C.D. , Tomo VI, p.151-53, 1885.

58. A.C.D. , Tomo VI, p.160, 1885.

59. A.C.D. , Tomo VI, p.161-76, 1885.

60. A.C.D. , Tomo VI, p.324, 1885.

61. A.C.D. , Tomo VI, p.324-29, 1885.

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62. A.C.D. , Tomo VI, p.355, 1885.

63. A.C.D. , Tomo VI, p.355-60, 1885.

64. A.C.D. , Tomo VI, p.366-68, 1885.

65. A.C.D. , Tomo VI, p.449-55, 1885.

66. A.C.D. , Tomo VI, p.476-78, 1885.

67. A.C.D. , Tomo VI, p.546-51, 1885.

68. A.C.D. , Tomo VI, p.561-64, 1885.

69. A.C.D. , Tomo VII, p.13, 1885.

70. A.C.D. , Tomo VII, p.36, 1885.

71. A.S.I. , Tomo III, p.111-13, 1885.

72. A.S.I. , Tomo III, p.112, 1885.

73. A.S.I. , Tomo III, p.132, 1885.

74. A.S.I. , Tomo III, p.142, 1885.

75. CORTES, G. M. Migração e Colonização no Brasil, p.24, 1958.

76. MACHADO, M.H. Crime e Escravidão, 1987.

77. AZEVEDO, C.M. Onda negra, medo branco, p. 116-18,

78. REIS, J.J. SANTOS, F.G. Liberdade por um fio, 1996.

79. MACHADO, M.H. O Plano e o Pânico, p. 69, 1994.

80. MACHADO, M.H. O Plano e o Pânico, p. 71, 1994.

81. REIS, J.J. SANTOS, F.G. Liberdade por um fio, 1996.

82. NABUCO, J. O Abolicionismo, p. 100-01, 1988.

83. REBOUÇAS, A. Agricultura Nacional, p. 175-90,

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Capítulo V: Lei N.º 3353 de 13 de maio de 1888“A Lei Áurea”

5.1 – A Fala do Trono

A Vigésima Legislatura da Câmara dos Deputados iniciou seus trabalhos em 27 de abril de 1888, com sessões preparatórias, que duraram até 2 de maio do mesmo ano.

No dia 3 de maio Sua Alteza Imperial Regente, em nome de Sua Majestade O Imperador, abriu a sessão, fazendo um balanço sobre a situação do Estado, entre outros assuntos não deixou de falar sobre a extinção da escravidão.

“ A extinção do elemento servil, pelo influxo do sentimento nacional e das liberdades particulares, em honra do Brasil, adiantou-se pacificamente de tal modo, que é hoje aspiração aclamada de todas as classes, com admiráveis exemplos de abnegação da parte dos proprietários.

Quando o próprio interesse privado vem espontaneamente colaborar para que o Brasil se desfaça da infeliz herança, que as necessidades da lavouras havia mantido, confio que não hesitareis em apagar do direito pátrio a única exceção que nele figura em antagonismo com o espírito cristão e liberal de nossas instituições.

Mediante providências que acautelem a ordem da transformação do trabalho, apressem pela imigração o povoamento do país, facilitem a comunicação, utilizem as terras devolutas, desenvolvam o crédito agrícola e aviventem a indústria nacional, pode-se asseverar que a produção sempre crescente tomará forte impulso e nos habilitará a chegar mais rapidamente aos nossos auspiciosos destinos.” 1

5.2 – A Derrubada do Gabinete 20 de agosto

A sessão de 7 de maio de 1888, prestou-se a discutir o episódio envolvendo um oficial reformado da Marinha e praças da polícia. Constava que o referido oficial estava em estado de loucura e a praticar desatinos na rua; o mesmo foi recolhido ao xadrez.

Este fato fez com que desordens se avolumassem, pela natural rivalidade entre praças da Marinha e a Força Policial. Praças da Marinha atacaram estações policiais e as patrulhas rondantes, ferindo e desarmando praças da polícia.

O Governo, por sua vez, empregou a força policial e pediu apoio à força de linha do Exército que auxiliou no policiamento da cidade, retirando os praças da Marinha e reprimindo as desordens.

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Os fatos que se passavam eram comunicados à Sua Alteza Imperial Regente, que estava em Petrópolis, pelo senhor Mac Dowell, Ministro da Justiça, bem como as providências tomadas. Comunicações essas que Sua Alteza dignava-se responder.

No entanto, em 4 de maio, Sua Alteza, não satisfeita com as providências, exige a demissão do Conselheiro Chefe da Polícia (Rapa Cocos). O senhor Presidente do Conselho, Barão de Cotegipe, disse que não seria possível ceder, visto que o Chefe de Polícia agiu em tudo de acordo com ordens e determinações do Governo.

Então, o Presidente do Conselho de Estado enviou a Sua Alteza Imperial Regente pedido de demissão coletiva do ministério:

“Resultando do seu contexto, que a Vossa Alteza Imperial podem merecer mais crédito outras informações, que não as dadas sob a responsabilidade dos seus conselheiros constitucionais, não resta ao gabinete outro alvitre senão o de pedir, como pede, respeitosamente a Vossa Alteza Imperial a sua demissão Coletiva; sentindo contudo ter que tomar essa resolução atualmente, quando temos a consciência de que não nos falta apoio da verdadeira opinião pública, nem os recursos necessários para manter a ordem.

Julgo não dever entrar em justificações – por desnecessárias – visto como pareceriam ter por fim permanecer numa posição, que aceitei unicamente por dedicação à causa pública e obediência a Sua Majestade o Imperador. Digne-se Vossa Alteza a dar-me suas ordens.” 2

Sua Alteza após ter lido a carta, aceitou a demissão coletiva do Ministério, ordenando ao senhor Barão de Cotegipe, que convidasse o senhor Conselheiro de Estado, senador João Alfredo Correia de Oliveira, a comparecer ao paço imperial, o que foi cumprido. Esse episódio abriu uma outra discussão, colocando no centro a questão da extinção da escravidão, ou melhor, qual seria o partido que faria desaparecer a escravidão ? A sessão de 7 de maio se prestou também a essa discussão.

5.3 – O Novo Ministério: 07 de março

O senhor João Alfredo reuniu-se com Sua Alteza Imperial, recebendo a incumbência de organizar o novo ministério.

Desejando saber o motivo da retirada do ministério 20 de agosto, Sua Alteza disse que

“a julgar pelas manifestações anteriores, o fato seria inevitável em maio,

quando se reunissem as câmaras, e que se antecipa em virtude de ocorrências de momento, das quais havia surgido divergências entre a opinião de Sua Alteza e do Gabinete, não só quanto a causas determinantes, como também quanto às providências que deveriam ser tomadas na espécie.” 3

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De volta a São Cristóvão, conversou com o senhor Barão de Cotegipe. Porém, não recebeu novos esclarecimentos.

Para constituir o ministério, consultou alguns amigos e, julgou-se afortunado, por conseguir reunir os ilustres brasileiros que compuseram o Gabinete 7 de março. Falando à Câmara, julgou desnecessário apresentar programa de governo, uma vez que, já se encontrava expresso na Fala do Trono.

Disse apenas que, se o ministério tiver apoio do Parlamento, empenhará todo esforço para que o programa se converta em realidade. Sobretudo para que se efetue antes a reforma do elemento servil, que é aspiração nacional, e que o Ministério tem empenho em fazer tão perfeita quanto a opinião pública indica e quer.

5.3.1 –A Proposta de Abolição

Disse ainda que, seria apresentada, na próxima sessão, a proposta do Poder Executivo, para que se converta em lei “a extinção imediata e incondicional da escravidão no Brasil.”

Por fim, disse que só ficou sabendo as causas da demissão do ministério 20 de agosto, através do senhor Barão de Cotegipe, após ter organizado o novo ministério.

O episódio da queda e ascensão de ministérios fez com que se colocasse na ordem do dia a questão da extinção da escravidão. E mais, que poder teriam os partidos para realizá-la.

Foi o que apontou a fala do senhor Maciel, deputado liberal do Rio Grande do Sul, dizendo que:

“a oposição liberal muito poucas palavras tem a proferir neste momento, em que o ministério apresenta à Câmara, depois da declaração, que o honrado Presidente do Conselho acaba de fazer, de apresentar amanhã, no parlamento, uma proposta de emancipação imediata e sem condições.” 4

Manifestou ainda, em nome da oposição liberal “admiração” por ver os conservadores, “antes sustentadores do regime condenado, hoje presidente das exéquias solenes e pacíficas da negra instituição.” E que, apesar de ter tomado para si uma bandeira liberal: a liberdade, poderá contar os votos ao projeto de liberdade.

Disse, se referindo à Fala do Trono, que o programa de Governo era por demais simples, pois se restringia a extinção da escravidão. Dizia ser possível decretar a extinção da escravidão já, mas não era objeto de decreto a ordem pública garantida, a liberdade dos cidadãos desveladamente cuidada, a riqueza pública florescente e o complexo de todos elementos que torna um Estado feliz e próspero.

Afirmava que a confiança nacional e a tranqüilidade repousa quando à frente do governo de um país estão cidadãos, que pela persistência de seus princípios, pela

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coerência de toda vida política, oferecem de antemão um quadro vivo de como será o amanhã por ele presidido. Mas, essa confiança que inspira os que jamais abandonaram suas idéias não pode inspirar o atual ministério.

Era por esse motivo que a minoria liberal votava e queria a extinção da escravidão, mas fazia reservas ao ministério. Não tinha idéia alguma, nem agora nem nunca, de fazer da questão que o ministério se proponha a resolver, uma arma partidária, pois o voto que daria ao projeto era uma homenagem a sua própria crença. Esquecendo que a bandeira da liberdade vinha trazida pelas mãos daqueles que constantemente a tinham combatido.

5.4 – Abolição: momento da Pátria

O senhor Joaquim Nabuco, também liberal, ao usar a tribuna, em contraposição ao senhor Maciel, no que se refere a questão da extinção da escravidão, ofereceu ajuda para a realização do programa, pelo menos da fração do partido que sempre foi abolicionista.

Não considerava ser momento de ouvir a voz dos partidos, mas era “um momento da pátria.”

Afirmava que, dentro dos limites da vida nacional e feitos os descontos da marcha de um século todo, 1888 era maior acontecimento para o Brasil, do que 1789 fora para a França. Era, segundo ele, uma nova pátria que começava, os velhos partidos, manchados com o sangue de uma raça, responsáveis pelos horrores de uma legislação bárbara, barbaramente executada, deveriam ser na hora da libertação nacional, “como o bode emissário nas festas de Israel, expulsos para o deserto, carregados com as faltas e as maldições da nação purificada.”

Considerava que a nação neste momento não deveria fazer distinção de partidos, ela estava entregue a emoção de ficar livre. Ela confundia em um mesmo sentimento o senhor Dantas e o senhor João Alfredo; senhor Bonifácio morto e senhor Antônio Prado vivo. Ela não perguntava se quem faria a abolição seria liberal ou conservador. Colocava como exemplo que, quando da vitória contra o Paraguai, para deixar pulsar os corações de brasileiros não se perguntavam se Osório vencedor de 24 de maio era liberal, ou se Caxias que tinha tomado Assunção era conservador.

Quando a abolição tiver sido feita, dizia ele, poderiam recomeçar essas lutas partidárias que se travavam de fato em torno das comarcas para nomear juizes de direito e das patentes da guarda nacional. Neste momento, porém, o terreno era outro e muito diverso, se trava nada mais, nada menos, de fechar a cova americana, onde por amor do ouro, foram atirados dois mundos: o negro sobre o índio.

Divergiu do senhor Maciel por não pedir coerência rigorosa, pois foi ela que fez o povo perder a fé no governo parlamentar. Fez uma avaliação dos ministérios anteriores:

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“ se o partido conservador vai fazer a abolição a culpa – digo sem recriminação – dessa substituição de papeis deve recair sobre a dissidência liberal de 1884, que impediu o ministério Dantas de vencer as eleições daquele ano, de arrastar consigo o eleitorado de todo país e de realizar uma reforma muito mais larga do que seu projeto.

Houve porém, sempre no partido liberal uma minoria de homens tímidos que fizeram com que os grandes nomes de nossa história, na questão que mais interessa ao partido liberal, a da escravidão, isto é, da formação do povo brasileiro, fossem conservadores, ao invés de liberais: foram eles que impediram Antônio Carlos de fazer o que Eusébio fez; que impediram Zacarias de fazer o que fez Rio Branco e que impediram Dantas de fazer o que vai fazer João Alfredo. Eles nunca tiveram fé no povo, nem nas idéias liberais. Mas o escravo já tem sido por demais explorado.” 5

Afirmava que os liberais estavam sofrendo em todas as províncias o jugo conservador, sofriam em suas garantias constitucionais, mas os escravos estavam sofrendo em sua pessoa e seu corpo: “ os escravos são vítimas da política estreita de ambos os partidos.” Acreditava haver mérito em apoiar o ministério conservador, que estaria servindo aos interesses do partido liberal.

Acreditava que, discutir se era o partido liberal ou conservador, que teria direito de fazer a reforma seria cair no rigor de uma etiqueta constitucional pior que a etiqueta monárquica, “que fazia um rei da Espanha morrer sufocado, se não encontrasse perto o camarista que tinha direito de tocar o braseiro.”

Perguntava: “os escravos por acaso são liberais ? Fazem questão de serem salvos por este ou aquele partido ? Não. Eles querem é a liberdade do cativeiro.”

Ele fez um balanço de sua ação parlamentar:

“ Todo meu esforço em política há muitos anos tem consistido em minorar as condições do nosso povo, até hoje privado de teto, de educação e de garantias. A nação brasileira é coisa muito diversa das classes que se fazem representar e que tomam interesse pela vida política do país. É para as necessidades morais e materiais da vastíssima camada inferior que forma o nosso povo, e das quais a abolição é a primeira, sem dúvida alguma tenho trabalhado para voltar as vistas ao tipo de governo existente.

Nunca acusei nosso governo de ser pessoal, acusei-o de não servir-se do seu poder, criação da Providência que lhe deu o trono, em benefício do nosso povo sem representação, sem voz, sem aspiração.

Agora essa ditadura adquire caráter nacional, promovendo a abolição, por isso, longe de merecer censuras, ou ironias e, até ultrajes pelo despeito partidário, a Princesa Imperial merece a máxima gratidão do nosso povo.

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Eu quisera que o partido liberal nesse momento compreendesse que o honrado Presidente do Conselho vai também envolto no manto sagrado ao qual está ligado a fortuna do nosso partido. Esse manto confere o privilégio da inviolabilidade a todo aquele que se apossa dele.” 6

Afirmava que o partido liberal não acreditava, ainda no ano passado (1887) que se pudesse fazer a abolição imediata e incondicional. E não o fez por divisões internas. Embora o partido tivesse uma série de ministérios abolicionistas; embora tivesse tradição abolicionista, não conseguiu fazer a abolição.

Apontava, no seu discurso, para uma transformação geral da sociedade brasileira, inclusive dizendo que a proposta de abolição imediata e incondicional pegou de surpresa os conservadores e os liberais que, apesar de ter caminhado muito desde 1884, não tinham chegado ao ponto de inscrever em seu programa de governo a abolição imediata e incondicional.

Acreditava que transformaram-se os próprios fazendeiros, cujas festas maiores são a libertação de seus escravos.

Falou com sinceridade, segundo ele, ao partido liberal e desejou que ele voltasse o mais breve possível ao poder. Mas, no momento o que tinha que fazer era dar sustentação ao ministério, para que realizasse o mais breve possível, a obra da abolição, depois levantaria a bandeira da autonomia das províncias, sem a qual não seria possível nenhuma política de futuro.

Mas, entendia ele, que os escravos não deveriam receber no mesmo dia a notícia da libertação e da derrubada do gabinete que os libertou. Deveriam ficar solidários até a completa execução de sua política abolicionista, pois poderiam complicar com uma questão política a libertação efetiva da raça negra.

Afirmava que complicariam a efetivação da lei, pois os acontecimentos políticos estavam nas mãos dos grandes proprietários de terras, que estariam com a ferida ainda sangrando e os que fizeram a abolição seriam punidos pela falta de apoio.

Analisava que politicamente sendo minoria o partido liberal não poderia subir ao poder, senão, pelo apoio de uma parcela conservadora, que seria justamente a escravista, e, “seriam tão impopulares como o partido republicano, que teve a fraqueza de aceitar, ao invés de repelir a escravidão desvairada.”

Entendia ele, que o processo político mudaria com uma nova raça na comunhão brasileira, tinha certeza que se mostrassem indiferença ao processo, teria medo que a raça negra escolhesse o partido conservador, acreditando que foi ele e não o partido liberal quem mais concorreu para sua liberdade.

Às vezes isolado, outras tantas reconhecido em suas idéias, se sentia bastante determinado em apoiar a política abolicionista do gabinete, para exigir que ele execute a lei com lealdade. O presidente do conselho que foi auxiliar na lei de 1871, agora figura como autor da lei de 1888. Sua glória estará em apressar a passagem da lei nas duas câmaras e depois no modo de executar a lei.

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O senhor Joaquim Nabuco, considerava o presidente do conselho um inimigo de ontem, inimigo de amanhã, mas por enquanto sublime realizador da obra da redenção.

5.5 – Mesmo não Convertido “ Voto no Projeto !”

Subiu à tribuna o senhor Lourenço de Albuquerque, deputado liberal pela província de Alagoas, dizendo que o partido liberal já havia fechado questão em torno do apoio a abolição imediata e incondicional, afirmava não ser um convertido, votaria contra se fosse possível reconstituir o trabalho servil. Disse portanto não reclamar parte alguma nas glórias da emancipação que se iria decretar. Acreditava que o país durante muito tempo iria sofrer as conseqüências da medida que se iria tomar, se entendia que a medida deveria ser tomada o quanto antes, era porque a julgava inevitável.

Voltou a discussão para a queda do gabinete 20 de agosto, que segundo ele, tinha avançado bastante na lei que aprovou o fim dos castigos corporais nos escravos, mas estagnou. Entendia ele ser esta a causa da queda. Embora a Princesa Imperial Regente tivesse insinuado ao senhor Barão de Cotegipe diversas vezes que deveria fazer algo em relação ao elemento servil. Embora estivesse acontecendo a famosa batalha das flores em Petrópolis, embora tivesse o jornal dos príncipes que pregava abertamente a abolição, o senhor Barão de Cotegipe, relutou em fazer alguma coisa e o gabinete morreu por não dar um passo além de 1885.

Afirmava ele:

“ o trabalho servil está definitivamente acabado, já não existe escravidão no Império, o que existe é um fantasma de escravidão que está estorvando a organização do trabalho livre e mantendo um estado de excitação que oferece sérios perigos. Por isso, digo, enterremos logo o cadáver da escravidão, para que possamos preparar o futuro como é nosso dever.

Voto no projeto do governo, sem constrangimento algum, sem ambição de glória.

Aqueles que querem tornar o partido liberal suspeito ao governo na questão servil não querem desarmar, dizem que é preciso que o partido abolicionista continue organizado, mesmo depois da abolição, esses querem ser patronatos dos libertos, como tivera o patronato dos escravos.

Na questão abolicionista glórias tem o operário do abolicionismo. É honroso que a Coroa anime reformas humanitárias e exigidas pela civilização, mas deve faze-las dentro de certos limites e com maior cautela.” 7

O senhor Duarte de Azevedo, afirmou que a Abolição começou em tempos mais difíceis, quando foi estancada no seio materno. Dizia que no momento atual

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ninguém tinha o direito de fazer recriminações, os dois partidos sustentaram ministérios escravocratas.

O entendimento da Câmara, segundo ele, era de que a escravidão atrasava o progresso do país, não podia mais ser defendida pelas circunstâncias e necessidades do país, sendo imprestável e nula para a indústria. Afirmava ainda que a Abolição era aspiração de todos os brasileiros.

5.6 – A Proposta do Governo

Na mesma sessão, o Sr. Ministro da Agricultura, apresentou a seguinte proposta do Poder Executivo:

“ Art. 1º - É declarada extinta a escravidão no BrasilArt. 2º - Revogam-se as disposições em contrário.

Palácio do Rio de Janeiro, em 8 de maio de 1888 – Rodrigo Augusto Silva” 8

5.6.1 – Formação da Comissão Especial

Em seguida o senhor Joaquim Nabuco, pediu que se nomeasse uma Comissão Especial com cinco membros, para dar o parecer sobre a proposta do Poder Executivo. O requerimento foi posto em discussão e aprovado sem debate.

O senhor presidente nomeou para a comissão os senhores: Duarte de Azevedo, Joaquim Nabuco, Gonçalves Ferreira, Afonso Celso Júnior e Alfredo Correia, que na mesma sessão apresentou o seguinte:

I – O Parecer da Comissão Especial

“ A Comissão Especial nomeada por esta augusta Câmara, para examinar a proposta do governo sobre o elemento servil, convencida que a proposta satisfaz em tudo a longa aspiração do povo brasileiro, é de parecer que ela seja convertida no seguinte projeto de lei:

Acrescente-se no lugar competente:Art.1º ( como na proposta).Art.2º ( como na proposta).Sala das sessões, em 8 de maio de 1888 – Duarte de Azevedo, Joaquim

Nabuco, Gonçalves Ferreira, Afonso Celso Júnior e Alfredo Correia.” 9

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O senhor Duarte de Azevedo, requereu e foi aprovado, a dispensa de impressão para que o projeto entrasse em discussão na sessão seguinte.

Na sessão de 9 de maio, entrou em 2ª discussão o artigo primeiro do proposta do governo, convertida em projeto de lei. Discursaram os senhores Andrade Figueira, Rodrigo Silva e Alfredo Chaves. O senhor Araújo Góes apresentou a seguinte emenda:

“ Ao artigo primeiro acrescente-se: desde a data desta lei.” A emenda entrou em discussão, que foi encerrada a requerimento do senhor

Afonso Celso Júnior. O senhor Zama requereu, e foi aprovado que a votação fosse nominal. Procedeu-se a votação. Oitenta e três parlamentares votaram “sim”, nove parlamentares votaram “não”. A emenda foi aprovada.

Depois entrou em discussão o artigo segundo, logo encerrada pelo requerimento do senhor Joaquim Nabuco. Posto a votos, foi aprovado o artigo segundo, sendo adotado o projeto assim emendado, para a 3ª discussão.

A requerimento do senhor Araújo Góes o projeto foi enviado a mesma Comissão Especial, a fim de redigi-lo, para entrar em 3ª discussão, suspendendo-se a sessão temporariamente.

A Comissão Especial apresentou a seguinte redação, que entrou em 3ª discussão com as emendas feitas e aprovadas pela Câmara dos Deputados à proposta do Poder Executivo, que declara extinta a escravidão no Brasil.

Acrescente-se no lugar competente:Art.1º ( substitutivo) É declarada extinta, desde a data desta lei, a escravidão

no Brasil.Art.2º ( como na proposta).Sala das Comissões, em 9 de maio de 1888 – Duarte de Azevedo, Joaquim

Nabuco, Gonçalves Ferreira, Afonso Celso Júnior e Alfredo Correia.” 10

O senhor Joaquim Nabuco, fez requerimento pedindo dispensa de impressão, para que o projeto assim redigido entrasse em discussão na sessão seguinte.

5.7 – Opinião de um Abolicionista

Na sessão de 10 de maio o projeto entrou em discussão, com as emendas feitas e aprovadas pela Câmara dos Deputados. Lida, foi aprovada sem debate a redação do projeto que foi remetida ao Senado Vitalício.

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O senhor Joaquim Nabuco, pronunciou um discurso felicitando a Câmara dos Deputados de 1888, o ministério 10 de março, os partidos constitucionais e a Regente do Império:

“ A Câmara votou o projeto que declara extinta a escravidão no Brasil. Desde este momento a responsabilidade passa das suas mãos para as do Senado Vitalício. Vamos esperar da sabedoria, da generosidade, do patriotismo do senado, que ele, onde infelizmente não existe encerramento das discussões, não impeça a passagem de uma lei como esta.

A vitória final do abolicionismo no parlamento, não é vitória de uma luta cruenta, os partidos se abraçam neste momento solene de reconstituição nacional.

O abolicionismo é que mais lucra com essa questão, pois estávamos tão cansados como os escravos, não de trabalhar, mas porque, nosso nome estava ligado a idéia, senão de degradação, ao menos de uma humilhação para nossa pátria.

O abolicionismo carrega o instinto nacional. O sentimento do nosso povo, que, educado nas senzalas e na escravidão, não podia ter outra visão no seu espírito, senão, esta primeira aspiração nacional.

Nós que fomos fermento nos partidos, devemos continuar em nosso posto, pedindo que os paridos estejam sempre à altura das grandes necessidades de nossa pátria, e, que compreendam que não há para o homem público, como não há para os partidos verdadeira prosperidade senão no momento em que eles se esquecem das preocupações individuais e se recordam simplesmente do bem público, do bem da pátria.”11

Na mesma sessão de 10 de maio na Câmara dos Deputados teve lugar o projeto do senhor Affonso Celso Júnior onde se lia que,

A Assembléia Legislativa resolve:Art.1º Será considerada festa nacional o dia em que for sancionada a lei que

declara extinta a escravidão no Brasil.Art.2º Revogam-se as disposições em contrárioSala das Sessões, em 10 de maio de 1888 – Affonso Celso Júnior.

Na sessão do dia 11 de maio o projeto foi lido e julgado objeto de deliberação e remetido a Comissão de Constituição e Legislação.

5.8 –O Projeto no Senado

Na sessão de 11 de maio no Senado, foi lido um ofício do senhor primeiro secretário, datado de 10 de maio do mesmo mês, remetendo as emendas feitas e aprovadas pela Câmara dos Deputados à proposta do Poder Executivo.

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5.8.1 – Formação da Comissão Especial

O Senador Dantas, imediatamente apresentou e fundamentou o seguinte requerimento:

“ Requeiro que seja nomeado pelo presidente do senado uma Comissão Especial de cinco membros, para dar parecer sobre a proposta do Poder Executivo, convertida em lei pela Câmara dos Senhores Deputados, extinguindo desde a data desta lei a escravidão no Brasil” 12

Foi apoiado, posto em debate e sem discussão, aprovado.O senhor presidente nomeou para a Comissão Especial os senhores: Dantas,

Afonso Celso, Teixeira Júnior, Visconde de Pelotas e Escragnolle Taunay. A ela foi remetida com urgência a proposta.

I – Parecer da Comissão

“ A Comissão Especial, nomeada pelo Senado para examinar a proposta do poder executivo convertida em projeto de lei pela Câmara dos Senhores Deputados e que declara extinta a escravidão no Brasil...

Considerando que o mesmo projeto contém providências urgentes, por inspirar nos mais justos e imperiosos intuitos e consultar grandes interesses de ordem econômica e de civilização;

Considerando que ele satisfaz a mais veemente aspiração nacional, abstendo-se de oferecer qualquer emenda, tornando expresso que ficam igualmente abolidas todas as obrigações de prestações de serviços provenientes da legislação em vigor, ou de libertação condicionalmente conferida, por entender que isso se acha virtualmente compreendido no aludido projeto; é de parecer que entre em discussão para ser adotado pelo Senado.”

Paço do Senado, em 11 de maio de 1888 - Dantas, Afonso Celso, Teixeira Júnior, Visconde de Pelotas e Estrognolle Taunay.

5.9 – A Discussão no Senado

O Sr. Dantas requereu dispensa de impressão do parecer, a fim de que o projeto entrasse na ordem do dia, da próxima sessão. Posto a votos, foi aprovado.

Na sessão do dia 12 de maio entrou em 2ª discussão o artigo primeiro da proposta. Subiu à tribuna o Sr. Barão de Cotegipe, ninguém mais pediu a palavra, então a discussão foi encerrada. Segui-se a 2ª discussão do artigo segundo, não havendo quem pedisse a palavra, foi encerrada a discussão.

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Posto a votos, foi aprovado o artigo primeiro, com a emenda apresentada pela Câmara dos Deputados. O artigo segundo também foi aprovado. A pedido do senador Cândido de Oliveira, que foi aprovado, foi dispensado o interstício, a fim de que o projeto fosse dado para a ordem do dia do dia 13 de maio, convocada para este fim assembléia extraordinária.

Na sessão do dia 13 de maio entrou em 3ª discussão, usaram da tribuna os senhores Paulino de Souza, Dantas e Correia. Não havendo mais oradores, foi encerrada a discussão e considerada a matéria suficientemente discutida, depois do que procedeu-se a votação. Foi a proposta aprovada e adotada para subir à sanção Imperial.

O senhor presidente declarou que iria oficiar ao governo, por meio do Ministério do Império, a fim de saber dia, hora e lugar onde Sua Alteza Imperial Regente, se digna a receber a deputação do Senado para apresentação dos autógrafos do decreto que acabava de ser votado na Assembléia Geral; a deputação foi composta pelos membros da Comissão Especial e dez senadores sorteados. 13

O senhor João Alfredo, Presidente do Conselho, antes de declarar o que tinha sido oficiado em nome do governo, falou das notícias de melhora do Imperador do Brasil, recebidas através de telegrama dos médicos e disse que a resolução com relação ao elemento servil, vai ser agradável ao enfermo, que sempre fez os mais ardentes votos para ver extinta, no Brasil, a escravidão.

Depois declarou estar autorizado pela Sua Alteza Regente, comunicar que seriam recebidos, às três horas da tarde, no paço da cidade.

Após este momento foram lidos e assinados os autógrafos do seguinte decreto:

“ A Assembléia Geral resolve:Art. 1º É declarada extinta, desde a data desta lei, a escravidão no Brasil.Art. 2º Revogam-se as disposições em contrário.”Paço do Senado, em 13 de maio de 1888 – Antônio Cândido Machado, 1º vice-

presidente – Barão de Mamanguape, 1º secretário – Joaquim Floriano de Godoy, 2º secretário.

A Assembléia Geral dirigiu ao Imperador o decreto incluso, que julgava vantajoso e útil ao Império e pediu a Sua Majestade Imperial se dignar a dar sua sanção.

A Assembléia Geral decreta: Art. 1º É declarada extinta, desde a data desta lei, a escravidão no Brasil.Art. 2º Revogam-se as disposições em contrário.”A Princesa Imperial Regente, em nome do Imperador, consente.Paço da Cidade em 13 de maio de 1888 – Princesa Imperial Regente Rodrigo Augusto Silva

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5.10 – “O Golpe Final”

A Princesa Imperial, em nome de Sua Majestade, o Imperador senhor Dom Pedro II, fez saber a todos os súditos do Império que a Assembléia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte:

Art. 1º É declarada extinta, desde a data desta lei, a escravidão no Brasil.Art. 2º Revogam-se as disposições em contrário.”

Mandou, portanto, a todas as autoridades, a que o conhecimento e execução da referida lei pertenceria, que a cumprissem e a fizessem cumprir e guardar na totalidade.

Na sessão do dia 14 de maio, o senhor Afonso Celso relatou a entrega da lei que extinguiu a escravidão no Brasil à Sua Alteza Regente, falou em nome do senhor Dantas, que não pode comparecer a sessão. Disse que Sua Alteza recebeu com especial agrado e afirmou que:

“seria o dia de hoje um dos mais belos de minha vida , se não fosse saber meu pai enfermo. Deus permitirá que ele nos volte para tornar-se, como sempre, tão útil a nossa pátria.” 14

Na sessão de 21 de maio, foi apresentado e teve leitura o projeto do senhor Rodrigues Peixoto, relativo a extinção de dívidas resultantes da transmissão de propriedade escrava, taxa sobre escravos e multa respectiva:

“A Assembléia resolve:Art. 1º ficam extintas todas as dívidas resultantes da transmissão da

propriedade escrava, taxa de escravos e multa respectiva;§1º O governo mandará dar por findas quaisquer ações judiciais que, por esse

motivo, se estiverem promovendo.§2º Restituirá as quantias cobradas amigável ou judicialmente, depois da data

em que foi promulgada, a lei 3.353, que extinguiu a escravidão.Art. 2º Revogam-se as disposições em contrário.”Sala das Sessões, em 21 de maio de 1888 – Rodrigues Peixoto.

Na sessão de 22 de maio, foi julgado objeto de deliberação e remetido à Comissão de Orçamentos e Contas.

O projeto do Sr. Rodrigues Peixoto foi objeto de discussão na sessão de 24 de maio, avaliaram que a lavoura depois da Lei de 13 de maio 1888, se achava na maior dificuldade financeira. Era natural que não tivesse recursos para pagar impostos a que

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estava sujeita pela lei que regulava a escravidão. Pediu informações a respeito do projeto enviado Comissão de Orçamentos e Contas, pois a lavoura agonizante não poderia esperar muito tempo o favor que solicitara.

O senhor Presidente informou que a Comissão ainda não tinha apresentado seu parecer.

5.11 – Em Defesa dos Ex-senhores

O Sr. Coelho Rodrigues aproveitou para apresentar um projeto complementar a lei de 13 de maio desde ano; que no seu entender carecia de justificação, mas limitou-se a remetê-lo à Mesa. Depois fez a leitura:

Providências Complementares a Lei n.º 3.353 de 13 de maio de 1888, que extinguiu a escravidão no Brasil.

Indenização aos ex-senhores.

“ Art.1º Fica o governo autorizado a indenizar, em títulos da dívida pública os prejuízos resultantes da extinção do elemento servil, aos ex-senhores de escravos e aos credores hipotecários ou pignoratícios, em relação aos compreendidos nos respectivos títulos de crédito, podendo para isso fazer as operações necessárias.

§1º A justificação desses prejuízos terá como base os valores da tabela do §3º do artigo primeiro da lei n.º 3.270 de 28 setembro de 1885, com as deduções correspondentes ao tempo decorrido, e as demais que forem acordadas entre os representantes do governo e as partes, ou seus procuradores.

§2º São representantes do governo, para este fim, os membros de uma comissão nomeada por ele composta de um membro do Supremo Tribunal de Justiça, um Conselheiro de Estado, um empregado do Tesouro, outro da Secretaria de Agricultura e mais um capitalista ou proprietário. Essa comissão poderá nomear outros delegados nas províncias, onde existiram escravos até 13 de maio de 1888.

§3º As pessoas que, depois de terem justificado seus prejuízos, renunciarem à indenização, gozarão dos favores concedidos pela a primeira parte do artigo oitavo e pelo artigo nono do decreto de n.º 3.371 de 07.01.1865, além de outros, que para o futuro serão decretados, assim como, os ex-senhores de escravos que libertaram antes da extinção da escravidão.

Art. 2º as alforrias concedidas com as cláusulas de prestação de serviços, sem salário, antes da lei de 13.05.1888, consideram-se livres da condição desta; as concedidas com salário, desde logo, consideram-se sujeitas a condição, até o fim deste ano, ou até o prazo ajustado, se o foi, mas tanto estas, como aquelas devem ter o respectivo contrato registrado no cartório do respectivo juiz de paz, dentro de dois

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meses da publicação desta lei, na folha oficial da província do domicílio dos contratantes.

Art. 3º Ao serviço da dívida do elemento servil, além dos 5% adicionais estabelecidos pelo artigo segundo da lei n.º 3.270, será aplicada a renda do imposto sobre os vencimentos, elevado desde já:

A 50% dos vencimentos das comissões, ou encargos acumulados, excetuando os dos artigos vinte e nove e trinta da Constituição;

A 25% do subsídio dos deputados e senadores;A 10% dos empregados de qualquer ordem ou comissões que vencerem mais de

2:000$ anualmente, excetuadas as dotações da família imperial e os soldos dos militares em terra e mar;

A 5% de outros empregados, ou comissões retribuídas;Parágrafo Único: Os empregados aposentados ou jubilados, que exercerem

outros cargos ou comissões retribuídas, perderão durante exercício desde, todas as vantagens da aposentadoria ou jubilação para o serviço da mesma dívida;

Art. 4º Fica o governo autorizado a aplicar a fundação de asilos de menores e inválidos e ao estabelecimento de colônias agrícolas ou fabris, o saldo existente do fundo de emancipação.

Parágrafo Único: A este fundo remeterão as quantias depositadas em juízo, nas causas de liberdade, para indenização dos senhores.

Art. 5º A locação de serviços industriais e domésticos poderá ser regulada pelas Assembléias Legislativas nas províncias, e na corte, por postura da Câmara Municipal.

Art. 6º Continuam em vigor as disposições das leis de 28 de setembro de 1871 e 1885, na parte que não foram revogadas pela de 13 de maio, e não o são pela presente.

Sala das Comissões, em 24 de maio de 1888 – Coelho Rodrigues. 15

Na sessão de 30 de maio, o senhor Pedro Beltrão, apresentou a indicação, por intermédio do senhor Ministro da Fazenda, dizendo que se fazia sentir ao governo a necessidade de dar completa execução ao artigo segundo da lei n.º 3.353 de 13 de maio do corrente, fazendo cessar a cobrança de 5% adicionais a todos os impostos gerais, exceto os de exportação e restituindo-se aos contribuintes as quantias indevidamente pagas e ilegalmente arrecadadas desde a data da lei.

A indicação, foi remetida a Comissão de Orçamento.

5.12 – Congratulações

De várias partes vieram felicitações pela promulgação da lei 3.353: 11º Batalhão de Infantaria do Ceará, General Bartolomeu Mitre e Dr. Veiga da Argentina, Câmara Municipal de Angra dos Reis, Câmara Municipal da Capital do Amazonas,

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Câmara dos Deputados da Nação Portuguesa, Sociedade Beneficente Caixeiral, Praça Comercial de Porto Alegre, Acadêmicos de São Paulo, Câmara dos Deputados da Nação Argentina, Câmara Municipal de Niterói, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Associação de Socorros Mútuos Memória a José Clemente Pereira, Associação Tipográfica Fluminense.

5.13 – A Pressão dos Escravos

Entendemos que as ações efetivas dos escravos eram localizadas, não chegaram a formar um movimento nacional organizado, mas o fato de ocorrerem ao mesmo tempo em diferentes partes do Império, sobretudo nas de maior concentração, fazia com que o próprio movimento abolicionista e os poderes constituídos tivessem medo de uma revolução nacional.

5.13.1 – Alternativa Paulista

A ação violenta dos escravos para o abandono da escravidão e a proteção abolicionista fez com que fazendeiros desesperados tentassem formas alternativas de controle do sistema escravista.

Alguns recorreram à violência e ao terror com ajuda da força policial, entrando em confronto direto com os fugitivos e seus protetores. Outros preferiram iniciar um processo de libertação de seus escravos para salvarem suas safras, fortunas e sua sociedade.

Essa revolução que acontecia no seio da sociedade brasileira, impulsionando as ações, apontava para uma estratégia no pensamento de um dos mais renomados abolicionistas, Joaquim Nabuco, que afirmava o fim da escravidão por um ato do Parlamento e não por meio da agitação das ruas das cidades ou pelo incitamento de revoltas nas fazendas.

Os proprietários, vendo sua força de trabalho reduzida pelas fugas em massa, apelavam para o Governo provincial, no sentido de ajudar no controle de sua propriedade. As autoridades paulistas por outro lado, informavam ao Governo central a deterioração da situação e pediam auxílio militar.16

Notícias de levantes maciços de escravos nas maiores cidades da província e de fugitivos que se refugiavam em Santos chegavam aos jornais. Escravos, abandonando fazendas, levantes armados, fugitivos que saqueavam e assaltavam nas estradas, recusando-se a trabalhar, faziam parte do relato cotidiano.

O Governo do Barão de Cotegipe, altamente repressor, enviou reforços, colocando as forças nacionais sob comando do Presidente da Província e dando plenos poderes para que pudesse devolver os fugitivos a seus donos. Fazendeiros foram autorizados a contratar capangas, formando uma força auxiliar de contenção das fugas.

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Na Câmara dos Deputados o Sr. Rodrigo da Silva, Ministro da Agricultura, dizia que senhores estavam concedendo liberdade condicional a seus escravos, mas o aliciamento dos abolicionistas havia interrompido esse processo ordeiro e pacífico. Dizia que fugiam em todas as direções e buscavam abrigo em Santos, onde se consideravam livres de qualquer coação legal por parte dos senhores. Afirmava que o trabalho estava sendo desorganizado, mas a concentração de fugitivos representava grave perigo para a ordem pública e a propriedade. Justificava o envio das forças – militares e navais - com

“o intuito exclusivo de manter a ordem pública e de tranqüilizar os grandes interesses agrícolas e comerciais em sobressalto” 17

Por outro lado, as forças nacionais e as forças policiais locais não eram capazes deter os fugitivos. Ou, influenciados pela propaganda abolicionista, não acreditavam mais na legitimidade da escravatura. Um membro da assembléia da província paulista afirmava que o número de fugitivos era tão grande que nem mesmo a totalidade do exército poderia forçá-los a permanecerem no trabalho, inspirados como estavam pela clandestina propaganda dos emissários abolicionistas.

De outro lado, senhores libertavam seus escravos, esperando que se contentassem e conservassem pacificamente no trabalho. O maior exemplo disso vem de um grupo de fazendeiros pertencentes aos três principais partidos políticos que concordaram em estabelecer uma sociedade de fazendeiros com o propósito de promover a emancipação dos escravos da província até 1890. Formaram comissão, prepararam estatuto e marcaram comício público para dar visibilidade ao projeto. Pensavam em estabelecer ações como liberdade condicionada. O jornal Correio Paulistano, apoiador da proposta, advertia que as reformas deveriam vir depressa, pois os exemplos bem sucedidos de fugas poderiam influir no ânimo dos escravos.18

Os abolicionistas usaram a propaganda para fazer chegar até os escravos as notícias de que se reuniam para discutir a emancipação. Tinham como objetivos principais: emancipar todos os escravos da província até 1890 e modificar o sistema de mão-de-obra agrícola nas fazendas, a fim de assegurar que os libertos permanecessem nas fazendas, pelo menos durante o período de transformação da escravidão para o trabalho livre incondicional. O ponto de conflito era se a abolição seria imediata ou provisória. Entre os que agora aderiam à Abolição, Campos Sales e seguidores defendiam a abolição imediata e Antônio Prado adoção de um período adicional de espera.

A maior preocupação era conservar os escravos nas fazendas e evitar a desordem pública geral, através do pagamento de salário, diminuição de horas de trabalho, abolição completa dos castigos, melhor alimentação e vestuário. Mas para isso era preciso prudência e firmeza.

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Julgavam não poder cruzar os braços e assistir o triste espetáculo do abandono das fazendas, o aniquilamento das colheitas, a destruição das propriedades sem fazer nada. Por toda a província fazendeiros iam aderindo a proposta. Fizeram chegar ao Rio de Janeiro notícias do movimento de libertação paulista. Escravocratas como Antônio Prado ou Moreira de Barros dobraram-se às pressões dos escravos.

Apesar disso, conflitos continuavam a ocorrer com escravos que insistiam em abandonar as fazendas. As alternativas para conter o êxodo iam desde a repressão de capatazes em algumas fazendas, passando pela idéia de que outros chegariam para suprir a necessidade da fazenda e a fazer arranjos com Antônio Bento,19 no sentido de fornecer trabalhadores “escravos” retirados de outras fazendas para o trabalho nas plantações de café.

Os fazendeiros paulistas que não aderiram à proposta viram suas roças desertas. Os outros fizeram a transição com a menor perda possível. Abolicionistas de renome, como José do Patrocínio, manifestavam admiração e gratidão ao emancipacionismo dos fazendeiros.

A nosso ver, não foi ato de generosidade, mas sim, tentativa de defender seus interesses econômicos ameaçados. Um esforço para reverter a desintegração do sistema decadente. A fuga em massa dos escravos apressou a transformação de escravocratas convictos em emancipacionistas, colocando São Paulo na vanguarda do movimento, instigando a libertação no nível nacional.

Em fevereiro de 1888, a província foi declarada livre da escravidão. Foi apresentado projeto para aplicar quatrocentos mil réis em cada escravo existente na província. Debatido, foi aprovado pela Assembléia Provincial em 07 de março, mas nunca sancionado pelo Sr. Rodrigues Alves, Presidente da Província.

5.13.2 – O Movimento no Rio de Janeiro

O maior reduto escravista depois da conversão forçada de São Paulo estava no Rio de Janeiro, que recebia apoio de alguns proprietários de Minas e mesmo de São Paulo.

O Governo do Barão de Cotegipe, no ano de 1887, continuava a reprimir com violência as manifestações de escravos e abolicionistas. Proibições de comícios, choques com a polícia foram registrados na província. Em represália, canaviais eram queimados, greves de escravos e fugas em massa para o distrito de Campos onde encontravam refúgio. Para impedir esta ação, grande força policial foi enviada para a região, no sentido de acompanhar os cativos no trabalho.

O movimento abolicionista de Campos foi atacado pela polícia provincial destruindo jornais e prendendo vários dos seus integrantes. Nas manifestações de rua ou em reuniões, o regime do Governo era classificado de repressivo e contrário aos anseios nacionais.

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Os fazendeiros da região de Vassouras e Vale do Paraíba que reagiram iradamente a uma proposta de libertação dos escravos antes da emancipação oficial viram cair com o Gabinete Cotegipe suas últimas esperanças de proteção. Mas mesmo assim, chefiados pelo Sr. Paulino de Souza no Senado, que lhes prometera mais cinco anos de escravidão e Sr. Andrade Figueira, na Câmara dos Deputados, fizeram com que a resistência continuasse.

A situação dos fazendeiros era crítica. O declínio econômico, a situação explosiva das fazendas e a pouca imigração faria com que a abolição inevitavelmente trouxesse a ruína financeira. Segundo o jornal Rio News de 15 de novembro de 1887, os escravos pertenciam mais aos bancos que aos próprios fazendeiros. Então, a resistência estava mais voltada para o pedido de indenização ou período adicional de trabalho para pagarem estessuas dívidas.

O Rio começou a ser afetado, quando em março, fazendeiros da região de Campos começaram a conceder libertação condicional, em indisciplina aberta contra a liderança escravocrata do Sr. Paulino de Souza.

Não havia como segurar o processo abolicionista. O Governo, já sob comando do Sr. João Alfredo Correia e tendo o Sr. Antônio Prado como Ministro das Relações Exteriores, propôs o projeto de Abolição da Escravatura, que foi aprovado em pouco tempo. Os poucos oponentes do projeto, liderados pelo Sr. Andrade Figueira, insistiam na indenização para os proprietários e medidas para garantir a sociedade contra esta classe de cidadãos novos que a ela seriam atirados, sem meios sequer, de proverem sua subsistência.

No Senado, a resistência estava nas mãos do Sr. Paulino de Souza e do Barão de Cotegipe, que embora reconhecendo que o projeto poria fim à anarquia , afirmava que a Lei era o ataque ao direito de propriedade. E logo viria a divisão das terras.

De fato a escravidão já tinha desmoronado. Escravos fizeram na década o que já deveriam ter feito antes: tomar nas mãos a possibilidade de forjar sua liberdade e arrastaram consigo parte da sociedade que apoiou, pois acreditava que a escravatura atrasava o desenvolvimento do país.

5.14 – Movimento Abolicionista

A liderança de abolicionistas fez com que grupos de escravos não mais submetessem à disciplina dos feitores, quer seja no abandono das fazendas ou reivindicando a liberdade.20 Esta ação pode ser considerada o golpe final na escravidão, na medida que forçava os senhores a uma mudança de posição em busca de novas formas de exploração, através de contratos de trabalho com objetivo de manutenção da força de trabalho em sua propriedade.21

Do nosso ponto de vista, os escravos que dominavam as ações de desmonte do sistema escravista nos anos anteriores, através da desorganização do trabalho por insurreições, crimes, formação de quilombos, tornaram-se reféns do movimento

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abolicionista organizado; ao qual foi atribuído poder de dar corpo às reivindicações escravas, inclusive possibilitando o abandono das fazendas de forma “pacífica” dirigindo a nova fase de organização dos mocambos.

Embora não possamos afirmar que a penetração do movimento abolicionista nas senzalas se deu a partir da década de 1880, podemos dizer que sua influência se acentuou na direção dos protestos dos escravos, basicamente acoitando os que fugiam em massa, dirigindo o abandono de fazendas e defendendo-os contra maus tratos e violências cometidas por senhores e polícia.

Com o passar do tempo, sob liderança de abolicionistas urbanos, o movimento toma outra feição.

Camadas populares condenadas a baixos padrões de vida composta por escravos de ganho, libertos, imigrantes e trabalhadores pobres em geral conjugam sua luta com o término da escravidão.

Setores que faziam parte da classe média urbana, opositores das políticas econômicas e sociais do Império, tornavam-se a base de associações abolicionistas. Muitos materiais abolicionistas eram referentes a luta das elites políticas liberais progressistas e republicanos, Jornalistas, intelectuais e profissionais liberais que através da Câmara e do Senado, de artigos publicados nos jornais e livros retratavam a luta pela extinção do comércio de carne humana e a entrada do país no concerto das nações civilizadas.

Os profissionais urbanos no seu conjunto delimitavam os fazendeiros, poderosos negociantes e burocratas como grandes beneficiários das políticas de Estado e combatiam a escravidão, não porque queriam a liberdade dos escravizados, mas porque ela era sustentáculo do privilégio econômico.

Dentro deste processo de mudança, o abolicionismo deixou de fora os deserdados, para os quais o subemprego, o analfabetismo e o desenraizamento não permitia adesão aos movimentos organizados. Sua presença era marcante apenas nos movimentos de rua, onde estimulada pela propaganda de jornais abolicionistas compareciam em massa aos comícios e manifestações.

5.15 – Uma Interpretação da Lei

A Princesa Regente na Fala do Trono parecia desconhecer a realidade do Império que governava. Dizia que a questão da Abolição adiantava-se pacificamente prescindindo em sua fala da ação efetiva dos escravos que desorganizaram o país e do movimento abolicionista alastrado pelo Império. Mais que isso a Redentora propõe a transformação do trabalho não pela dignificação do ex-escravo, mas por medidas que apressem a imigração.

O movimento não poderia ser contido. Chegava à Câmara dos Deputados notícias de fazendeiros, na maioria das províncias, que seguiam o exemplo de São Paulo.

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No início de 1888, o emancipacionismo dos fazendeiros era imitado por habitantes das cidades, espalhou-se por províncias de norte a sul do Império. Em Minas Gerais, cativos abandonavam as fazendas de vários distritos dirigindo-se para a capital; eram ajudados por abolicionistas. No início de março, os fazendeiros não podendo conter o movimento, começaram a conceder liberdade condicional.

Telegramas publicados nos vários jornais e de diversas regiões davam conta do colapso da escravidão. Enquanto proprietários concediam liberdade e pagamento de salários, outros publicavam anúncios para recuperação de escravos. Este era o conflito do fim da escravatura.

A Câmara sabia que a medida que os dias passavam fugiam ou eram libertados escravos em todas as províncias. Grande parte deles se dirigiam aos grandes centros. Embora os senhores estivessem cedendo às suas exigências, permanecia o perigo do conflito aberto, onde grande massa de escravos fugidos, perseguidos, desempregados, sofrendo dificuldades parecidas com a do cativeiro, poderiam colocar em risco a ordem pública.22

O movimento das fazendas e cidades fizeram com que a Lei fosse aprovada em curto espaço de tempo. Mesmo os defensores da escravidão diziam ter votado na Lei não porque eram convertidos, mas porque

rendiam uma homenagem ao inevitável, como submissão aos acontecimentos ou porque não havia outra solução. A abolição já era fato existente, o que restava era insubordinação, perturbação, desordem no trabalho, era uma lei para colocar ordem.23

Diziam acreditar, como o Sr. Lourenço de Albuquerque, que o país durante muito tempo iria sofrer as conseqüência desta medida. E se pudesse reconstituir o trabalho servil votaria contra a lei.

Fazendeiros e seus representantes descontentes fizeram do Barão de Cotegipe o porta-voz nacional dos pedidos de indenização por suas propriedades perdidas. Projetos foram apresentados neste sentido, visando forçar o ex-escravo ao trabalho, incluindo entre as penas prisão e trabalhos forçados.24

Do outro lado, manifestaram-se alguns membros da Casa que sempre estiveram ao lado dos projetos de emancipação apresentados pelo Governo. Os abolicionistas, em sua maioria, pensavam no dever cumprido, “retiraram a humilhação que a pátria sofria”.

A Lei foi aprovada, mas a situação do país ainda era conflitiva. A prática de fazendeiros mal acostumados era denunciada por André Rebouças. Dizia deplorar a persistência de relações rurais de escravidão onde trabalhadores eram trancados à noite, açoitados e colocados no tronco, pagamento de salários irrisórios por dia de trabalho.

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A Abolição foi o “primeiro passo” dado rumo a cidadania negra, os outros... certo que hão de vir, cada qual a seu tempo, com apoio das forças democráticas e das próprias lutas dos interessados.

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5.16 – Lei n.º 3353 de 13 de maio de 1888

Art. 1º É declarada extinta, desde a data desta lei, a escravidão no Brasil.Art. 2º Revogam-se as disposições em contrário.

Princesa Imperial Regente

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5.17 – Notas do Capítulo

1. A.C.D., Tomo I, p.3-4, 1888.2. A.C.D., Tomo I, p.09, 1888.3. A.C.D., Tomo I, p.10, 1888.4. A.C.D., Tomo I, 1888.5. A.C.D., Tomo I, 1888.6. A.C.D., Tomo I, 1888.7. A.C.D., Tomo I, 1888.8. A.C.D., Tomo I, p.24, 1888.9. A.C.D., Tomo I, p.25, 1888.10. A.C.D., Tomo I, p.25, 1888.11. A.C.D., Tomo I, p.67, 1888.12. A.C.D., Tomo I, 1888.13. A.C.D., Tomo I, p.27, 1888.14. A.C.D., Tomo I, p.27, 1888.15. A.C.D., Tomo I, 1888.16. Correio Paulistano 12.06.1887.17. A.C.D., Tomo II, p. 105, 1887.18. CONRAD, R. Os Últimos anos da Escravatura, p. 307, 1978.19. Antônio Bento20. VIOTTI, E. Da senzala à Colônia, p 290-319, 1982.21. CONRAD, R. Os Últimos anos da Escravatura, p. 248-57, 1978.22. A.C.D., Tomo II, p.400-01, 1888.23. A.C.D., Tomo II, p.461, 1888.24. A.C.D., Tomo II, p.311, 1888.

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Conclusão

O processo abolicionista brasileiro efetuou-se na segunda metade do século XIX. Contudo, permaneceram as desigualdades étnicas, a concentração de riquezas, a exploração econômica do negro, a exclusão de empregos e melhores salários e a marginalização no processo escolar. A legislação escravista não levou em conta o negro enquanto sujeito histórico, sendo a abolição mero mecanismo de preservação de interesses das classes dominantes.

A Câmara dos Deputados foi tímida ao aprovar as Leis que visavam a extinção gradual da escravidão. Foi preciso uma forte pressão inglesa, a revolução dos escravos e o apoio do abolicionismo radical para que se efetivasse a libertação.

Desde os posicionamentos de José Bonifácio (1823) a Joaquim Nabuco (1888), passando por outros representantes do abolicionismo, não se encontra uma proposta efetiva de inclusão do negro, que tenha sido aplicada. Existem sim, muitas referências concretas para a introdução dos imigrantes no país em substituição aos negros.

As Leis Abolicionistas bastante representam dentro do processo de eliminação do trabalho escravo. Na verdade, os fatos de grande significação para induzi-las foram o Bill Aberdeen da Inglaterra, as rebeliões escravas ao longo do processo, a ação do abolicionismo e no final, os fazendeiros paulistas.

No entanto, ao examinar a situação de pânico em que entraram as elites do Império, o que fortemente transparece nos debates da Câmara aqui descritos, a tentativa, por sucessivos Gabinetes ou Conselhos, e pela pessoa do Imperador, para encontrar um caminho político que permitisse sair do caos em que o país se encontrou, diante do Bill, levou gradativamente à recuperação do controle da situação.

As classes dominantes foram unidas, na luta pró e contra a saída legal. A opinião pública foi ao longo dos anos galvanizada pela mensagem “civilizatória” da promessa de solução, com que se manipulava. Formou-se um novo movimento, o Abolicionismo, que permitia duplamente: (a) ligar o Brasil às promessas do mundo civilizado; (b) atrair e controlar as lideranças da revolta negra, que buscassem uma saída política, praticamente inócua aos seus interesses.

Essa colossal manipulação foi criada de modo empírico, bastante espontâneo, no embate de forças díspares e mal organizadas. A maçonaria foi o grande cimento. Disso deveria advir o processo regulatório, a queda do Império. Aliás tanto o Imperador quanto a Princesa Regente pareceram não perceber tal processo.

A herança opressiva de exploração econômica sofrida durante séculos influiu no processo de construção das leis abolicionistas para que se ignorasse a pessoa do Negro depois. No nosso entender, a exclusão se deu pelo fato de não ser um trabalhador integrado ao processo de produção; sendo propriedade, deturpava-se e se inibia a consciência crítica do escravo.

Tinha consciência da situação de miséria e de opressão a que era submetido. Por isso, rompia com a escravidão através dos quilombos, fugas, conflitos sangrentos,

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morte dos senhores e acomodação em troca de alguma autonomia. Mas não tinha consciência crítica, isso lhe daria a possibilidade de um movimento nacional em proporções inimagináveis.

Os escravos formavam grupos articulados independentes de qualquer influência externa, movimentos orgânicos em busca de terras que constituíssem seu modo de vida autônomo e alternativo às grandes fazendas.

O abolicionismo não pode ser considerado porta-voz dos escravos, reivindicando liberdade. Eram representantes de um novo projeto de economia em expansão. Defensores de interesses da classe dominante e, até certo ponto, de uma classe média nascente. Não pensavam a possibilidade do desenvolvimento da sociedade brasileira sob o sistema de trabalho escravo. Representavam uma ideologia urbana, ligada ao capital industrial.

Apesar de dizer que a eliminação da escravidão colocaria fim a injustiça que martirizava o escravo, e de não considerar o negro como raça inferior, Joaquim Nabuco, por exemplo, um dos grandes representantes do abolicionismo, dizia que o término da escravidão era importante pois ela arruinava economicamente o país, impossibilitava seu progresso material, corrompia-lhe o caráter, desmoralizava os elementos constitutivos, rebaixava a política, impedia a imigração, desonrava o trabalho manual, retardava a aparição das indústrias promovia a bancarrota, desviava os capitais do seu curso natural, afastava as máquinas, excitava o ódio entre classes, produzia a ilusão de ordem, bem-estar e riqueza, a qual encobria a anarquia moral de miséria e destituição que de norte a sul margeavam o futuro.

Nota-se que ele não era a voz dos escravos, era porta-voz dos interesses mais urgentes de uma classe dominante afinada com as idéias que circulavam na Europa em contraposição aos senhores de escravos, vistos como o atraso da nação. O abolicionismo representava antagonismo dentro da classe dominante.

Ao expressar o colapso das formas do capital mercantil, o abolicionismo é o porta-voz da nascente sociedade industrial, gerada pela extensa Revolução Industrial do século XIX. Ele visualiza um novo papel para o Brasil, como força complementar no industrialismo, na nova divisão de trabalho nascente.

Ali, naquela nova situação internacional, era preciso abrir os mercados das colônias e semi-colônias, introduzir lá os desempregados da Europa, assalariá-los e vender-lhes mercadorias. Acabava a acumulação primitiva. Nesse Novo Mundo, o fechamento e os monopólios da sociedade escravista tornavam-se odiosos. Era preciso varrê-los com a vassoura da Abolição, trazida de fora para dentro pelo movimento abolicionista.

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