A Execução da Prestação de Alimentos e a Prisão Civil do ......

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  • Revista da EMERJ, v. 12, n 46, 2009166

    A Execuo da Prestao de Alimentos e a Priso

    Civil do Alimentante

    Daniel Roberto HertelProfessor e Advogado. Ps-graduado em Di-reito Pblico e DPC pela Faculdade Cndi-do Mendes de Vitria-ES.

    1. INTROITO

    Os alimentos constituem matria de grande relevncia no Di-reito. Na verdade, os alimentos esto relacionados diretamente com o direito vida das pessoas, com o direito dignidade1 e, tambm, com o direito solidariedade familiar. Dessa forma, tutelando-se os alimentos, em ltima anlise, o que se tutela o direito vida e dignidade, ambos com assento no texto constitucional.

    Pretende-se, neste ensejo, analisar alguns aspectos decor-rentes da execuo da prestao de alimentos, assim como da pos-sibilidade de priso civil do executado. Na verdade, a obrigao alimentar possibilita ao credor a utilizao da tcnica processual de execuo do tipo coao, com a respectiva possibilidade de cerceamento do direito de liberdade do devedor dos alimentos.

    importante consignar, desde logo, que a priso civil do de-vedor constitui regime de exceo, sendo, inclusive, limitada a sua aplicao pelo Supremo Tribunal Federal to somente aos ca-sos de dvida de alimentos. Considerou-se, de fato, no julgamento do recurso extraordinrio de n. 466.343-SP, a priso do deposit-

    1 Sobre o princpio da dignidade da pessoa humana e o processo civil moderno, cf.: HERTEL, Daniel Roberto. O processo civil moderno e a dignidade da pessoa humana. Revista Dia-ltica de Direito Processual RDDP, So Paulo, n 55, out., 2007.

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    rio infiel como sendo inconstitucional, por estar em contradio com os princpios preconizados nos tratados de direitos humanos subscritos pela Repblica Federativa do Brasil, em particular, o Pacto de So Jos da Costa Rica.

    Nesse contexto de valorizao e de realocao dos direitos humanos, queda claro que a priso civil do devedor de alimentos tambm merece tratamento meticuloso. A despeito da inexistn-cia de discusso sobre a sua constitucionalidade, importante realizar, luz dos direitos humanos, tanto sob a tica do credor como do devedor, uma anlise balizadora da possibilidade de pri-so do alimentante.

    2. DIREITO AOS ALIMENTOSOs alimentos correspondem a uma prestao destinada a

    uma pessoa, sendo indispensvel para a sua subsistncia e para a manuteno da sua condio social e moral.

    A expresso alimentos apresenta uma acepo vulgar e outra tcnica. No sentido vulgar, os alimentos representam o que necessrio manuteno da vida de uma pessoa. Na acepo tcnica, como destaca Cahali2, basta acrescentar citada noo a idia de obrigao que imposta em funo de uma causa jurdica prevista em lei.

    importante mencionar, ainda, que o termo alimentos, alm de designar a obrigao de sustento de uma outra pessoa, tambm designa o prprio contedo da obrigao a ser prestada. Assim, o termo alimentos pode ser utilizado no sentido de obri-gao alimentar, assim como o seu respectivo contedo.

    O valor da prestao dos alimentos dever ser fixado com base nas necessidades do alimentando e nas possibilidades do ali-mentante. No pode o magistrado, outrossim, deixar de utilizar o critrio de proporcionalidade. Reza, com efeito, o art. 1.694, 1 do Cdigo Civil: Os alimentos devem ser fixados na proporo das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.

    2 CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 3. ed. rev. ampl. e atual. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 16.

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    De qualquer modo, cumpre registrar que o estudo daqueles que so obrigados a pagar alimentos deve ser realizado em outra seara, ou seja, no Direito de Famlia. Em rpida sntese, contu-do, pode-se dizer que so obrigados ao pagamento de alimentos os parentes, os cnjuges e os companheiros (art. 1.694 do CC). O Cdigo Civil de 2002 tambm inovou ao prever, no art. 1.700, que a obrigao de pagar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor.

    A ordem de responsabilizao pelo pagamento dos alimentos a seguinte: ascendentes, descendentes e colaterais de segundo grau, o que inclui apenas os irmos, sejam eles germanos ou uni-laterais.

    3. EXECUO DOS ALIMENTOS SOB PENA DE PRISOTecidas as consideraes propeduticas sobre os alimen-

    tos, cumpre, doravante, analisar alguns aspectos decorrentes da execuo da prestao de alimentos sob pena de priso. En-ceta-se este estudo pela abordagem dos ttulos que permitem a utilizao da execuo pelo rito do art. 733 do Cdigo de Processo Civil.

    3.1 Ttulos que do suporte execuo dos alimentos sob pena de priso: judiciais e extrajudiciais

    Insta registrar, inicialmente, que o art. 733 do Cdigo de Pro-cesso Civil, o qual dispe sobre o rito da execuo dos alimentos sob pena de priso, faz referncia execuo de sentena ou de deciso. Desse modo, no h qualquer dvida quanto possibi-lidade de um ttulo judicial dar suporte execuo sob pena de priso. Por outro lado, a questo da possibilidade de serem exe-cutados sob pena de priso os alimentos contemplados em ttulo extrajudicial no se mostra to simples assim.

    De fato, como consignado, o art. 733 do CPC, que trata da execuo sob pena de priso, no faz referncia a ttulo extrajudicial, mas to somente sentena ou deciso. O pro-fessor Alexandre Cmara, nesse contexto, no admite a execu-o dos alimentos previstos em ttulo extrajudicial pelo rito de

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    priso3. Por outro lado, Wambier, Talamini e Almeida admitem a execuo dos alimentos que esto previstos em ttulo extrajudicial sem qualquer restrio4.

    Parece-me que, luz do princpio da efetividade do processo e das modernas tendncias do direito processual civil, deve ser admitido o processamento da execuo dos alimentos previstos em ttulo extrajudicial nas modalidades sob pena de penhora ou sob pena de priso.

    De fato, o art. 19 da Lei de Alimentos (Lei n. 5.478/68)5 faz referncia ao cumprimento do julgado ou do acordo. Desse modo, o preceptivo no limita a execuo apenas aos ttulos judi-ciais. Parece-me, ento, perfeitamente admissvel a execuo dos alimentos previstos em ttulo extrajudicial sob pena de priso.

    Nesse particular, deve-se mencionar que podero ser execu-tados sob pena de priso os alimentos acordados em sede de es-critura pblica de separao ou de divrcio consensual, realizado com base na Lei n. 11.441/07. A referida lei, com efeito, imple-mentou no CPC a possibilidade de serem realizados a separao e o divrcio pela via administrativa, isto , por meio de escritura pblica.

    Eventual acordo de separao, realizado por escritura pbli-ca, que estabelea o pagamento de penso alimentcia, portanto, poder ser executado tanto pelo rito da execuo sob pena de penhora (art. 732 do CPC), como pelo rito da execuo sob pena de priso (art. 733 do CPC). Aplica-se, aqui, a mesma orientao antes expendida. Realmente, o art. 19 da Lei de Alimentos faz referncia a julgado ou a acordo, incluindo-se, assim, o ttulo ex-trajudicial que resultar da escritura de separao.

    3 CMARA, Alexandre Freitas. Lies de direito processual civil. 11. ed. ver. atual e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. v. 3. p. 366.4 WAMBIER, Luiz Rodrigues, ALMEIDA, Flvio Renato Correia de, TALAMINI, Eduardo. Curso avanado de direito processual civil. 8. ed. rev. atual e ampl. So Paulo: Revista dos Tri-bunais, 2006. v. 2. p. 443.5 Art. 19 da Lei n. 5.478/68. O juiz, para instruo da causa, ou na execuo da sentena ou do acordo, poder tomar todas as providncias necessrias para o seu esclarecimento ou para o cumprimento do julgado ou do acordo, inclusive a decretao de priso do devedor at 60 (sessenta) dias.

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    3.2 Tipos de alimentos que comportam execuo sob pena de priso

    A fim de dar maior efetividade execuo e de se tutelarem os direitos aos alimentos na perspectiva que a sua magnitude im-pe, parece-me que o melhor entendimento aquele que admite que sejam executados pelo rito do art. 733 do Cdigo de Processo Civil os alimentos provisrios, os definitivos e os provisionais.

    No se pode mesmo estabelecer qualquer distino entre os alimentos fixados em sede de ao cautelar ou em sede de qualquer outra ao que envolva o Direito de Famlia. Sejam os alimentos fixados liminarmente (alimentos provisrios) ou na sentena (ali-mentos definitivos), permitiro a utilizao do rito da execuo sob pena de priso do art. 733 do Cdigo de Processo Civil.

    Da mesma forma, os alimentos gravdicos, cujo suporte en-contra-se na recente Lei n. 11.804/08, tambm permitem a uti-lizao da execuo sob pena de priso do art. 733 do CPC. Tal se d at mesmo em decorrncia do que est previsto no art. 11 da referida lei, que esclarece serem aplicveis aos alimentos gra-vdicos, supletivamente, as disposies da Lei de Alimentos e do Cdigo de Processo Civil.

    3.3 Prestaes dos alimentos que so exigveis na execuo sob pena de priso

    Insta registrar que a jurisprudncia tem limitado as pres-taes que podem ser executadas sob pena de priso. De fato, no se tem admitido que toda a dvida relativa aos alimentos seja cobrada com a utilizao do meio de coero do tipo priso. Real-mente, admitir-se isso implicaria violao ao princpio do menor sacrifcio possvel do devedor, previsto no art. 620 do Cdigo de Processo Civil.

    O Superior Tribunal de Justia, a propsito, tem limitado a execuo da prestao dos alimentos sob pena de priso s lti-mas trs prestaes e s que se vencerem durante a tramitao da execuo. A referida orientao j est cristalizada na smula de n. 309 do STJ, in verbis: O dbito alimentar que autoriza a priso civil do alimentante o que compreende as trs prestaes

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    anteriores ao ajuizamento da execuo e as que se vencerem no curso do processo.

    Assim, se o devedor de alimentos estiver devendo dez pres-taes, no podero todas elas serem objet