A EXPANSÃO DA CULTURA CANAVIEIRA E OS NOVOS … · Caracterização física do ... Os declínios...
Transcript of A EXPANSÃO DA CULTURA CANAVIEIRA E OS NOVOS … · Caracterização física do ... Os declínios...
1
A EXPANSÃO DA CULTURA CANAVIEIRA E OS NOVOS ELEMENTOS NO CENÁRIO DE QUIRINOPOLIS - GO: POEIRA E QUEIMADAS
Nilda Aparecida Pascoal Rezende Universidade Estadual de Goiás - UFG
Regina Maria Pasquali [email protected]
Resumo Este texto é resultado de visitas de campo e pesquisa empírica realizados em áreas que ainda não aderiram ao cultivo de cana-de-açúcar em duas regiões do município de Quirinopolis/GO. O estudo objetivou realizar uma análise sobre as queimadas e poeira provocados pela prática agrícola canavieira nas regiões de Sete Lagoas e Limeira do município evidenciando seus impactos diretos sobre as hortaliças e pomares e a percepção que os produtores têm sobre os danos causados por esses impactos nas propriedades dos mesmos. Para tanto foi realizada uma revisão de literatura utilizando-se obras que tratam das temáticas, além de observações in loco após a implantação da cultura canavieira principalmente nos anos de 2009 e 2010 em Quirinopolis – GO, conversas informais, complementadas com documentação fotográfica. Palavras-chave: Expansão da cana. Queimadas. Poeira. Quirinópolis – GO Introdução É indiscutível a importância do agronegócio tanto para a economia nacional quanto
mundial. Porém, as formas de ocupação de novas áreas necessitam obrigatoriamente
cumprir diretrizes determinadas pela legislação ambiental e para o cultivo da cana-de-
açúcar não é diferente, principalmente nas áreas de expansão dessa cultura.
Assim, a proposição deste artigo é apresentar resultados de observações que vem se
consolidando a partir de visitas de campo e pesquisa empírica sobre o avanço das
lavouras de cana no município de Quirinópolis. Nesse contexto o principal objetivo é
realizar uma análise sobre as queimadas e poeira provocados por essa prática agrícola
nas regiões de Sete Lagoas e Limeira do referido município, além de evidenciar os
impactos diretos sobre as hortaliças e pomares e a percepção que os produtores têm
sobre os danos causados por tal prática nas propriedades que não aderiram ao cultivo da
cana-de-açúcar.
A escolha dessas regiões é em virtude das narrativas apresentadas por produtores que
hoje se encontram cercados pela cana e sofrem com os impactos das queimadas e poeira
constantes na zona rural com danos às propriedades que aderiram à prática canavieira.
2
Área de Estudo O Município de Quirinópolis localiza-se a Sudoeste do estado de Goiás, (Fig.01) na
Mesorregião Sul Goiano, Microrregião de n° 18, distante aproximadamente 300 km de
Goiânia. A área territorial do município é de 3.792 km², portanto representa 1,11% do
Estado goiano. A sede do município está a 540m de altitude e tem sua posição
geográfica determinada pelas coordenadas de 18° 26’ 06” Sul e 50° 27’ 06” oeste.
Conta com uma população de 43.243 mil habitantes (IBGE, 2010).
Figura 01: Localização do município de Quirinipolis – GO
Fonte: Rezende, N. A. P. 2002 Caracterização física do município Em Quirinopolis predomina relevo plano a suave ondulado e solos Latossolos
(Vermelho Eutroférrico, Vermelho e Vermelho Amarelo) (SIEG, 2009); o clima é
tropical típico - Aw (classificação de Köppen) e o regime térmico de acordo com
Nimer (1988) não sofre grandes variações sazonais, uma vez que há predomínio de
médias diárias relativamente elevadas durante todo o ano.
Os declínios de temperatura não refletem nas médias térmicas que são sempre
superiores a 18°C; há ausência quase completa de invasões de ar frio de origem polar
3
durante a primavera e verão, assim favorecendo temperaturas elevadas quase que
diariamente nessa época do ano, principalmente na primavera, período em que o sol
passa pelos paralelos do município e dirigem-se para o sul e a estação chuvosa ainda
não teve inicio.
As chuvas concentram-se basicamente de novembro a março sendo que o trimestre
dezembro - março totaliza 70%, (NIMER, 1989). Essa concentração é resultado da
frequência quase que diária da Linha de Instabilidade Tropical e a ausência no inverno
causa período seco de junho a agosto com chuvas raras. Essa carência de chuvas nesta
época do ano favorece as queimadas que se tornaram recorrentes no município.
A vegetação nativa é o Cerrado com algumas manchas de Mata Atlântica. Porém, hoje o
município conta com menos de 10% de cobertura natural conforme informações da
Emater/local – (2011). Quanto à hidrografia o município que está à direita do Rio
Paranaíba é drenado por importantes tributários tais como Rio São Francisco, Rio dos
Bois, Rio Preto e uma série de ribeirões e pequenos córregos.
Metodologia A coleta de dados é resultado de observações feitas in loco após a implantação da
cultura canavieira principalmente entre anos de 2009 e 2010. Inicialmente foram
ouvidos de forma aleatória pequenos produtores rurais que de fato vivenciam os efeitos
das queimadas e da poeira, problemas resultantes da expansão da cana- de- açúcar e
seus efeitos sobre o cotidiano de cada família. Posteriormente, foram estabelecidas
conversas informais com anotações complementadas por documentação fotográfica e
observações das paisagens geográficas, principalmente nos finais de tarde com o
objetivo de perceber e melhor compreender os danos provocados pela poeira e
queimadas nas regiões de Sete Lagoas e Limeira. Para completar a base científica fez-se
busca teórica em material bibliográfico para então iniciar uma discussão a respeito dos
impactos gerados pela poeira e queimadas constantes.
A expansão da cultura canavieira em Quirinópolis município do sudoeste Goiano O Cerrado goiano produz quantidade considerável de grãos, no entanto já foi
considerada uma paisagem de pouco valor comercial. Para Santos et al. (2009) as
chapadas foram particularmente rechaçadas pela maioria dos proprietários pecuaristas
da região que preferiam no passado ocupar as vertentes inclinadas. No momento atual as
4
chapadas são mecanizadas, adubadas, irrigadas e cobiçadas pelo considerável valor
econômico advindo da modernização agrícola, especialmente com o avanço da lavoura
canavieira.
O Cerrado é descrito por Aguiar, Machado e Marinho-Filho (apud SANTOS et al.,
2009, P. 406 ) como: ... uma área de aproximadamente 1,8 milhão de Km quadrados (cerca de21% do território brasileiro) e corta diagonalmente o país no sentido nordeste-sudoeste. A área central do Cerrado limita-se quase com todos os biomas, à exceção dos Campos Sulinos e os ecossistemas costeiro e marinho, mas existem também encraves de Cerrado na Amazônia, na Caatinga e na mata Atlântica (por exemplo na região de Barbacena, MG). Tais áreas são remanescentes de um processo histórico e dinâmico de contração e expansão das áreas de Cerrado e de florestas, provocado por alterações climáticas ocorridas no passado.
Na década de 1970 o Cerrado passou a ser conforme Ferreira (2001) e Mendes (2009)
áreas para a expansão da agricultura comercial, de políticas e programas
governamentais, ação de programas como POLOCENTRO e do PRODECER, política
de preço mínimo, subsídio a combustíveis para as áreas mais remotas e
desenvolvimento de tecnologia para as condições de clima e solo.
Outro fator favorável à ocupação do Cerrado foi a crise do petróleo nos anos 70,
período em que o Brasil viu a necessidade de buscar novas fontes alternativas de energia
que pudessem substituir o petróleo e derivados. Assim, foi instituído por meio do
Decreto nº 76.593, de 14 de novembro de 1975, o Programa Nacional do Álcool – Pro-
Álcool. Inicialmente baseou-se na produção de álcool anidro para misturá-lo à gasolina
estimulando a agroindústria canavieira a melhorar a criação e a genética das sementes,
melhorias tecnológicas nas usinas e destilarias, além de desenvolvimentos na indústria
automobilística.
Para Lachefsky e Teixeira (2006) o ciclo do Pró-Álcool esgotara no final dos anos 80
com uma crise de governança e confiabilidade do setor sucroalcooleiro gerada pelo
desabastecimento do vasto mercado nacional que havia sido criado. O financiamento
público ao programa escasseou a partir de 1987 enquanto o mercado internacional de
açúcar teve preços em ascensão. Estes fatores por um lado desestimularam a expansão e
a renovação dos canaviais e, por outro, levaram os produtores a desviar a matéria-prima
da produção de etanol para a de açúcar, visando principalmente a exportação. Como
resultado ocorreu um forte desabastecimento do biocombustível no final de 1989 e
grandes filas nos postos de todas as cidades brasileiras.
5
No início da década de 90 o governo brasileiro aboliu os descontos no Imposto sobre
Produtos Industrializados (IPI) dos carros a álcool. Ao mesmo tempo o setor
sucroalcooleiro foi desregulado e pôs fim às cotas regionais, o controle da exportação e
dos preços. Das medidas que compunham o programa original resta hoje apenas a
obrigatoriedade da mistura de 25% de álcool anidro à gasolina.
Mas, conforme Pezzo & Amaral (2007) com a publicação do Terceiro Relatório do Painel
Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), em julho de 2001, reconhece-se a
ocorrência do aquecimento global e a necessidade de diminuir as emissões de gases do
efeito estufa, e com a entrada em vigor do Protocolo de Quioto, em 2005, e o compromisso
dos países industrializados em reduzir suas emissões de gás carbônico acelerou-se o
processo de substituição gradual do uso de combustíveis fósseis por renováveis.
Portanto, mais uma vez o Brasil voltou a investir na cultura de cana-de-açúcar e de
acordo com a União Agroindústria Canavieira – ÚNICA (2005) o país passou a ser o
maior produtor da cultura no mundo; as terras do Cerrado Goiano ganharam novamente
destaque no cenário nacional como nova área de expansão para o cultivo da cana de
açúcar, sobretudo, o sudoeste goiano que teve um salto de 81% da área plantada entre as
safras de 1999/2000 e 2003/2004 e já respondia por 6,6 % da produção canavieira no
Brasil (IEL, 2006).
Nesse contexto, Quirinópolis torna-se um dos municípios do estado de Goiás visto pelos
investidores como ideal para a expansão do agronegócio com biocombustível e este tem
início em 2004 com uma área de 4.000 há, saltando para 60.000 ha na safra 2010/11
conforme informações da Emater/local (2011), fator este que comprova crescimento
intenso e acelerado do seu cultivo nessas terras e também nas que compõem a
microrregião Quirinópolis. Nota-se a ocupação de áreas outrora destinadas a pastagens,
cultura de soja e milho.
A transformação recente na paisagem agrícola do município e microrregião de
Quirinópolis tem ocorrido sem um planejamento de zoneamento agrícola. Dias (1992)
afirma ser terras vistas pelos donos do capital, planejadores, financiadores e agricultores
apenas como chão a ser ocupado, isto é, só se aproveita o Cerrado enquanto substrato
para as atividades agrícolas, como se não houvesse mais nada aproveitável na região.
A cultura da cana foi recebida como uma nova redenção para os produtores rurais que
amargavam prejuízos com as culturas de soja, milho e pecuária decorrentes de
estiagens, falta de políticas ou incentivos para esses produtores, além da ferrugem
6
asiática que atingiu o município em 2002. Hoje, o canavial tem deixado preocupados
aqueles que não aderiram ao seu cultivo, especialmente quanto aos impactos gerados,
porém pouco considerados em suas particularidades principalmente na fase agrícola,
como a poeira formada pelo tráfego de treminhões, maquinário pesado e queimadas
durante o período de colheita.
Transporte de cana e os impactos no cenário rural de Quirinópolis Dentre os diversos problemas ambientais provocados pela cultura canavieira a poluição
do ar é um dos impactos mais danosos ao homem e deve ser melhor analisada, pois
representa uma séria ameaça à saúde da população que fica ilhada e sofre com a
emissão de partículas de poeira que vão para a atmosfera e , causam problemas
respiratórios, irritação nos olhos e sufocamento, dentre outros.
A logística de transporte do álcool e açúcar, especialmente o dá cana se da por canavieiros
também conhecidos por Romeu e Julieta ou treminhão. São extensos, em média com 30
metros de comprimento e capacidade para carregar até 74 toneladas e quando se respeita o
limite de carga “é normal transportar 80 toneladas e até mais depende da qualidade da
cana” (relato de motorista). A circulação destes por estradas rurais e rodovias é intenso no
pico da safra impactando ainda mais as estradas das regiões citadas, as quais já são
precárias e carecem de conservação. Elas não foram preparadas para este tipo de
transporte, fato que vem provocando transtornos no trânsito, acidentes, emissão de gases e
partículas de poeira aumentadas pela frota de tratores e pequenas carretas 24 horas por
dia, todos os dias da semana no período de colheita que vai geralmente da segunda
quinzena de março a meados de dezembro. (conf. foto 1)
Foto 01: Nuvem de poeiras formada por treminhão no transporte da cana – 2010.
Fonte: acervo Rezende, N. A. P. 2010
7
Nos finais de tarde o lusco-fusco (foto 2), ganha uma tonalidade amarelada e o horizonte fica
carregado de infinitas partículas de pó em suspensão e dispersas pelo ar para em seguida descerem
como uma “neblina ou garoa fina”. O fenômeno é assustador, pois sufoca os que precisam trafegar
pelas vias vicinais e os poucos proprietários rurais que optaram por morar no campo ou
colaboradores que precisam estar ali a fim de cumprirem tarefas exigidas no meio rural.
Foto 02: Atmosfera carregada de poeira ao entardece em outubro de 2010
Fonte: acervo Rezende, N. A. P – 2010
As pequenas propriedades estão ficando cercadas e descaracterizadas, assim ameaçando
toda uma cultura, com risco até de perder a identidade construída ao longo de uma vida,
já que como alternativa estes pequenos produtores pensam em arrendar, vender o seu
pequeno pedaço de terra para ir viver na cidade, mas os que arrendam correm o risco de,
no futuro, não mais terem condições de refazer o que outrora existia. As famílias que resistem à pressão imposta pela chegada da monocultura da cana-de-açúcar no município, ficam ilhadas e sofrem com as mudanças, propriedades são cercadas pelas grandes plantações de cana, perdendo as relações de vizinhanças que mantinham cotidianos coletivos de comunidade. São grandes áreas sendo ocupadas pela expansão da cana, promovendo variadas formas de desterritorialização (SOUZA, 2010, p.12),
O campo não é mais para os pequenos produtores como outrora. Insistir na prática da
pequena produção é hoje uma aventura, pois não interessa ao grande capital e a cada
novo ciclo de produção a agricultura de subsistência também conhecida como de auto-
consumo ou alimentar ocupa menor espaço em Quirinópolis, consequência da pressão
do grande capital e dos impactos causados pela poeira e queimadas.
No Brasil, esclarece Calaça (2009) que a expansão dos monocultivos de grãos (soja e
milho), da pecuária bovina extensiva, dos florestamentos industriais de eucaliptos e da
8
produção de cana-de-açúcar para os agrocombustíveis (etanol), aliados ao crescimento
dos grandes latifúndios, dos barramentos para hidrelétricas, está exercendo pressões
sobre as terras destinadas à produção de alimentos.
E, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação – FAO (1994)
afirma que os pequenos agricultores trabalham a terra e com produtividade mais que o
dobro da produtividade dos grandes fazendeiros, no entanto as políticas públicas
privilegiam os grandes proprietários.
É perfeitamente compreensível os dados divulgados pela FAO principalmente quando
se vive num município que, de acordo com Secretaria Municipal da Agricultura
(2010), totaliza 1.600 pequenas propriedades com menos de 120 ha, de agricultores
familiares ou camponeses. ... o segmento de agricultores que produzem regularmente excedentes comercializáveis por meio do trabalho organizado em torno da família. Em geral, esses agricultores recebem algum tipo de assistência técnica governamental e têm acesso ao crédito bancário. Comparados aos agricultores de subsistência, os agricultores familiares possuem lotes de terras maiores ou com qualidade superior, o que os torna capazes de produzir mais e com maior regularidade. Normalmente esse tipo de agricultor preocupa-se com a preservação dos recursos naturais, principalmente o solo e as águas (ROSA, 1998, p. 16).
Portanto, é necessário resgatar a política da agricultura familiar para esses pequenos
produtores por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar –
PRONAF e do programa Mais Alimentos do Governo Federal que possibilita
investir/ampliar a produção de alimentos mesmo sabendo que as propriedades não
produtoras de cana estão sendo impactadas pela poeira.
A poeira e a queda na produção de frutas e hortaliças O cultivo da cana-de-açúcar em Quirinópolisna primeira década do século XXI é uma
realidade e o seu ciclo está na fase inicial de uma “nova era” para esse município, no
entanto já registra sérios impactos sobre pastagens, moradias e principalmente nos
hortifruti daquelas propriedades onde seus donos não aceitaram até o momento a nova
atividade econômica.
Nas visitas em campo produtores relataram que a poeira tem acarretado prejuízos na
produção de laranja, abacaxi, banana, caju, manga, dentre outros, já que na época da
floração as flores e folhas são cobertas por uma espessa camada de poeira deixando-
as feias, enrugadas e a brotação em muitas arvores frutíferas como o cajueiro são
9
abortadas comprometendo a nova safra de frutos (foto 3). Quando os frutos vingam
ficam encarangando e adquirem uma cor amarelada, de feio aspecto e,
consequentemente, são rejeitados pelo mercado consumidor. Foto 03: Folhas e frutos de cajueiro abortados pela concentração de poeira vindas da colheita e transporte de cana – 2010.
Fonte: acervo Rezende, N. A. P – 2010
No seguimento hortaliça são visíveis os prejuízos com as frutas que vão engruvinhando
e caindo sem madurar. O aboboral é outro cultivo em que a floração cai sem produzir
frutos (fotos 4 e 5). Essas propriedades são responsáveis por aproximadamente 60% da
produção de hortifruti do município, comercializado na feira aos domingos, nos
pequenos mercadinhos e supermercados e também na Cooperativa Agrovale, já que
muitos produtores são cooperados.
Fotos 04 e 05 - Cultivo de abóboras coberto pela poeira formada no corte e transporte de cana-de-açúcar
Fonte: acervo Rezende, N. A. P – 2010
10
A comercialização desses produtos na Agrovale possibilita a aquisição daquilo que lhes
faltam no campo, pois esta é uma cooperativa de produtores rurais e a mesma tem em
suas lojas produtos destinados às necessidades do homem do campo. Essa análise revela
a importância desses produtores no abastecimento de hotifruti local.
Outra questão que vem preocupando o produtor é a dificuldade em encontrar pessoas
que queiram viver e trabalhar no campo principalmente para cuidar de quintal, hortas,
pomares e/ou do rebanho porque a poeira não só causa problemas respiratórios, mas
também porque nada fica limpo, nada prospera e à noite quando a poeira baixa parece
que uma nuvem começa a “desaguar” e as pessoas que ai se encontram ficam sufocadas.
“Não dá mais vontade de morar aqui” (depoimento de morador do campo, 2010).
Para minimizar o problema e atender as cobranças dos produtores e trabalhadores que
ainda vivem no campo as usinas “disponibilizam” caminhões pipas para molhar as
estradas. Todavia, a forma como eles trabalham não resolve o problema o que leva
produtores a interditarem estradas com máquinas como ocorreu nos anos de 2009 e
2010. Essas ações em certos momentos inviabilizam a passagem dos treminhões, pois
como estes são grandes e estão pesados em certos trechos das estradas vicinais não
rodam, sendo obrigados a parar e esperar a terra absorver o excesso de água, fator que
cria um “desconforto” tanto para o produtor quanto para as empresas responsáveis pelo
transporte da cana do campo para as usinas.
Como as áreas com canaviais ocuparam uma área 60.000ha safra 2010/11 (Emater) e o
pico da colheita concentra-se no período mais seco do ano com baixa umidade relativa
do ar e ventos mais constantes é praticamente impossível a curto prazo resolver esta
questão, mesmo porque muitas vezes os caminhões pipas são deslocados para o
combate a incêndios que são frequentes nessa época de colheita.
As queimadas: o retorno de uma velha prática no meio rural de Quirinópolis No Brasil, a utilização do fogo em áreas agrícolas é uma prática comum mesmo
existindo leis de restrição às queimadas nas matas e outras formas de vegetação desde
1934, quando do primeiro Código Florestal Brasileiro conforme Decreto Federal nº
23.793.
Para Langowski (2007) a queimada, no canavial, consiste em atear fogo na cana para
eliminar aproximadamente 30% de folhas secas e folhas verdes que na verdade, é a
biomassa existente (foto 6).
11
Foto 06 - Lavoura de cana queimada.
Fonte: acervo Rezende, N. A. P – 2010
Para a indústria (seja açúcar ou álcool) o manejo, ou seja, transporte dessa biomassa não
interessa, pois ela não tem participação na produção de álcool ou açúcar na fase
industrial. Portanto, para o agronegócio do bicombustível é matéria-prima descartável
A defesa dos adeptos as queimadas está em afirmar que o CO2 liberado por elas não
contribui a médio prazo para o efeito estufa, pois uma quantidade equivalente do mesmo
é retirada da atmosfera via fotossíntese durante o crescimento do canavial no ano
seguinte. Para Langowski (2007, p.8 - 9): ... O canavial realmente absorve e incorpora CO2 em grande quantidade, ao longo do seu período de crescimento que dura de 12 a 18 meses em média e a queimada libera tudo quase que instantaneamente, ou seja, no período que dura uma queimada, ao redor de 30 ou 60 minutos. Portanto, libera CO2 recolhido da atmosfera durante 12 a 18 meses em pouco menos de uma hora. Além disso, junto com CO2, outros gases são formados e lançados à atmosfera, Dentre o coquetel de substâncias químicas nocivas que são lançados à atmosfera durante a queima da cana, destacam-se os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAPs).
O fogo no canavial é intenso e passa “lambendo” o que tem a sua frente. Quando se
está em uma estrada a visão que se tem é de uma nova paisagem e à noite os incêndios
vistos ao longe mostram um cenário impressionante, especialmente se o tempo estiver
muito seco e a umidade baixa, realidade típica do inverno e primavera no município e
também no Cerrado goiano. A duração do fogo é curta de vinte minutos e uma hora
dependendo do tamanho do talhão/área, pois o plantio da cana é feito em lotes
semelhante aos arruamentos urbanos. Essa organização possibilita definir plantio,
queima e colheitas.
Ribeiro e Assunção (2002) afirmam que a prática de submeter os canaviais a queima
provoca e eleva uma grande quantidade de poluentes para a atmosfera tais como
12
material particulado (MP), hidrocarbonetos (HC), monóxido de carbono (CO), dióxido
de carbono (CO2) e óxidos de nitrogênio (NOx), os quais trazem sérias consequências
ambientais que refletem no comprometimento da qualidade de vida e saúde da
população.
A emissão de fumaça e fuligem (foto 7) atinge as cidades e distritos a quilômetros de
distância e causa transtornos generalizados aos moradores, pois em consequência da
queimada ocorre o indesejável “pozinho preto” trazido pelas correntes de ar; este
provoca sujeira nas casas e as roupas estendidas em varais ficam com cheiro de fumaça.
À noite, muitas vezes, o sono é interrompido pela fumaça que sufoca e provoca
problemas respiratórios principalmente para crianças e idosos nos períodos de baixa
umidade.
Foto 07 - Queimada em canavial próximo a área urbana de Quirinópolis. A fumaça e fuligens cobrem a cidade incomodando principalmente os que estão na parte peri urbana da cidade.
Fonte: acervo Rezende, N. A. P – 2010
Outro impacto decorrente das queimadas está sobre a fauna, já que um número
significativo de animais silvestres encontra abrigo e alimento em meio ao canavial,
formando ali um nicho ecológico. Pássaros como as pombas colocam ovos e procriam,
enquanto que os seus predadores para ali se dirigem em busca de alimento. Diante da
queimada, poucos conseguem fugir.
Mesmo desprovida de levantamento científico e estatístico a ONG Galeatos passou a
desenvolver um trabalho que consiste em constatar os danos à fauna pelas queimadas,
nas lavouras de cana-de-açúcar. A informação é que “são encontradas aves, mamíferos,
anfíbios e répteis que procuram abrigo e alimento nos canaviais ficam moribundos ou
13
abalados pelo calor, fumaça e fogo ou mortos, além de um número incalculável de
pequenos animais que desaparecem no meio da queimada” (relato informal/2010). Para
representantes da ONG “não é fácil encontrar animais queimados, segundo informações
de trabalhadores, ‘eles’ fazem uma varredura e enterram os animais queimados dando
um fim às provas” (GALEATOS, 2011).
Frequentemente, as queimadas invadem áreas de brejos, um lugar constantemente
alagado e coberto por diversas espécies vegetais e diferentes estratos. Também o fogo
avança sobre as áreas de nascentes circundadas por vegetação ciliar, Áreas de
Preservação Permanente e Reserva Legal destruindo-as como indica a foto 08. No
Artigo 1º, § 2º, inciso III, da Medida Provisória n. 2.166-67, de 24 de agosto de 2001,
que altera dispositivos do Código Florestal– Lei n. 4.771, de 15 de setembro de 1965 a
qual afirma: É a área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção da fauna e flora nativas.
Estas áreas conforme o Código Florestal deve representar no mínimo 20% da
propriedade rural.
Foto 08 - Queimada em canavial em sequência fogo passa para área de Reserva Legal - 2010
Fonte: acervo Rezende, N. A. P – 2010
Outro impacto decorrente das queimadas está no aumento da temperatura do solo, fator
que acarreta perda de nitrogênio e da camada bacteriana (foto 9). Para Miranda et al.
(2004) logo após o fogo ocorre a alteração do pH e grandes fluxos de nutrientes
aparecem apenas na superfície do solo (primeiros 10 cm) sendo estes rapidamente
14
imobilizados, provavelmente pela absorção no complexo de troca no caso dos cátions e
pela fixação em combinação com Fe e Al no caso do P. Estes aumentos desaparecem 3
meses após a queimada devido à absorção pelas plantas e o P e Ca foram os mais
rapidamente imobilizados. A fonte potencial de perdas inclui a volatilização, o
transporte das cinzas pelo vento e perdas por suspensão ou solução no escoamento
superficial durante as chuvas subsequentes.
Foto 09 - Queimada em canavial. No detalhe remanescente de árvore do cerrado e ao fundo APP também queimada.
Fonte: acervo particular. Rezende, N. A. P – 2010
As ações antrópicas capitalizadas é no atual momento uma ameaça para a preservação e
manutenção desses ambientes úmidos. De acordo com o engenheiro agrônomo Ari Maia
foi queimado 50% dos 60.000ha da cana cultivada em 2010 no município.
Ainda foi possível constatar queimadas em Área de Preservação Permanente – APP
considerada pela Lei n. 4.771, de 15 de setembro de 1965, e recepcionada pela atual
Constituição na Lei Federal nº 7.803/89 como sendo: área protegida ... coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas.
Mesmo sendo reconhecidas por suas qualidades e funções ambientais, e protegidas por
legislação específica as áreas de preservação permanente – APPs, continuam a ser
degradadas por ações antrópicas próprias dos espaços rurais que as ocupam com a
pecuária, piscicultura, hortaliças e outros como indica a foto 10.
15
Foto 10 - Queimada em área de APP – 2010.
Fonte: acervo Rezende, N. A. P – 2010
As condições ambientais verificadas ao longo de 2010 durante o período da e pós
colheita da safra agravaram sensivelmente com as queimadas. O aumento destas
associadas às condições climáticas verificadas no último ano, quando do prolongado
período de estiagem, teve reflexos severos sobre pastagens, rebanho, currais e moradias
dos que não aderiram a esse cultivo ou o fizeram parcialmente e continuam residindo no
campo; eles estão sempre temerosos com as próximas queimadas.
Muitos produtores só estão conseguindo trabalhadores fixos para permanecer no campo
no período chuvoso, já que no período de seca eles vão embora e esse processo está se
tornando cíclico, pois a produção também é cíclica e obedece a uma dinâmica natural
em que durante um período do ano planta-se a cana-de-açúcar e noutro promove sua
colheita.
São nítidas as consequências dessa atividade econômica, principalmente as relacionadas
aos pequenos produtores. Assim, faz-se necessário que o poder público municipal
desenvolva políticas capazes de minimizar as questões locais e promova o
desenvolvimento sustentável.
Considerações finais A análise anteriormente comentada deixa claro que os objetivos da pesquisa foram
cumpridos sobre as queimadas nos canaviais e poeira decorrente do transporte de cana
nas regiões de Sete Lagoas e Limeira do município e seus impactos diretos sobre as
hortaliças e pomares; averiguou-se e também a percepção que os produtores têm sobre
os danos causados por esses impactos nas propriedades dos que não aderiram ao
16
cultivo da cana de açúcar que foram analisados os impactos nas regiões de Sete Lagoas
e Limeira.
Os produtores indicaram as áreas de impacto, bem como, aquelas de expansão da cana
nas regiões em estudo. A observação empírica ao longo de quase uma década,
especialmente nos anos de 2009 e 2010, permitiu observar o processo de expansão da
cana no sudoeste na microrregião Quirinópolis e em especial nesse município.
Neste contexto, serão necessários novos estudos com o intuito de avaliar outras
variáveis, assim como a composição de bases de dados para análises e o aprimoramento
de políticas mais adequadas para este conjunto de produtores como, por exemplo,
zoneamento agrícola e ambiental, uso e ocupação do solo, biodiversidade, monocultura
canavieira, movimentos migratórios e mão de obra empregada e muitos outros que
surgem a cada dia como consequência da expansão da lavoura canavieira.
Por fim, esta pesquisa possibilitou vivenciar as dificuldades de produtores e moradores
e o interesse em dar continuidade a pesquisa e novas fontes primárias para melhor
subsidiar e analisar questões que aqui não foram respondidas.
Referências CALAÇA, Manoel. A territorialização do capital no cerrado: agro(bio)combustíveis e o campesinato – questões para debate. In: XI - SIMPÓSIO REGIONAL DE GEOGRAFIA - EREGEO. 2009, Jataí – GO. Anais... Jataí: UFG, 2009. p. 119-130 Censo demográfico. IBGE, 2010. DIAS, B. F. Alternativas de Desenvolvimento dos Cerrados. Brasília: Ibama, 1992. do Sistema Agroindustrial da Cana-de-Açúcar e Prospecção de Novos Investimentos. Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Goiás-EMATER-GO. Quirinópolis, 2011 FERREIRA, Idelvone Mendes. Bioma Cerrado: impactos e perspectivas ambientais In: VII Encontro Regional de Geografia – Eregeo. 2001 Quirinopolis – GO. Anais ... Quirinopolis: UEG, 2001 IEL – INSTITUTO EUVALDO LODI. O Novo Ciclo da Cana: Estudo sobre a Competitividade IEL/NC/SEBRAE, 2006. Disponível em < www.iel.cni.org.br> Acesso em: 26 maio 2011 LACHEFSKY, K. & Teixiera, W (2006), Energia “AGRONEGÓCIO + AGROENERGIA: Impactos Cumulativos e Tendências Territoriais da Expansão das
17
Monoculturas para a Produção de Bioenergia”. Disponível em: <www.fboms.org.br/gtenergia>Acesso em: 15 de maio de 2011. LANGOWSKI Eleutério. Queima da cana – Uma prática usada e abusada. Cianorte, maio de 2007. Disponível em: http://homologa.ambiente.sp.gov.br. Acesso em 15 de maio 2011. Lei Federal n. 7.803, de 18 de julho de 1989. Medida Provisória n. 2.166-67, de 24 de agosto de 2001. MENDES, Estevane de Paula, e Naves, Laila de Souza. Agricultura Familiar e Identidade Cultural: Os produtores rurais do município de Catalão (GO). In.: XI EREGEO – Simpósio Regional de Geografia. 2009. Jataí – GO. Anais... Jataí: UFG, 2009. MIRANDA Heloisa Sinátora. et. al. Queimada de Cerrado:caracterização e impactos. In: AGUIAR, Ludmila Moura de Souza e CAMARGO, Amabílio José Aires de. Cerrado: ecologia e caracterização. Planaltina, DF: Embrapa Cerrados; Brasilia: 2004. NIMER, Edmon. Climatologia da região Centro-Oeste. In: Climatologia do Brasil. 2ªed. Rio de Janeiro: IBGE, 1989. p. 391/419. _________. Climatologia da Região Centro-Oeste. In: DUARTE, Aluízio Capdeville (coord.) Geografia do Brasil: região Centro-Oeste. Rio de Janeiro: IBGE. 1988. Vol.01, p.23/34. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A AGRICULTURA E ALIMENTAÇÃO – FAO 1994. PEZZO, C.R.; AMARAL, W.A.N. O papel do Brasil no estabelecimento do mercado internacional de biocombustíveis. Revista USP - Pensando o futuro: ciências biológicas: São Paulo, n.75. set. a nov.2007. Edusp. RIBEIRO, H.; ASSUNÇÃO, J. V. Efeito das queimadas na saúde humana. Estudos Avançados n. 16(44), p. 125-148, 2002 Disponivel em:<http://www.scielo.br>. Acesso em 20 de maio de 2011. ROSA, Antônio Vítor. Agricultura e meio ambiente. São Paulo: Atual, 1998 SANTOS, Jean Carlos Vieira; MARTINS Pollyany Pereira; Rezende, Nilda Aparecida Pascoal. Espacialidades da palmeira arbórea mauritia flexuosa no município de Quirinópolis (Goiás) In: XI – EREGEO - Simpósio Regional de Geografia. 2009. Jataí – GO. Anais... Jataí: UFG, 2009. Secretaria Municipal da Agricultura - Quirinópolis - 2010 Sistema Estadual de Estatística e Informações Geográfica de Goiás – SIEG, 2009 SOUZA, Edevaldo Aparecido. et. al. CAMPONESES NA ÁREA DE PRODUÇÃO DA INDÚSTRIA SUCROALCOOLEIRA BOA VISTA: A Luta pelo território. In: VIII Simpósio de Geografia. 2010. Quirinopolis – GO. Anais... Quirinópolis: UEG, 2010
18
SOUZA, Edevaldo Aparecido.: SANTOS Rosselvelt José, PAISAGENS NO CERRADO: conteúdos e imaginários. In: VIII Simpósio de Geografia. 2010 Quirinopolis – GO. Anais... Quirinópolis: UEG, 2010. 16 p. ÚNICA – União Agroindústria Canavieira Estado de São Paulo. A energia da cana-de-açúcar: doze estudos sobre a agroindústria da cana-de-açúcar no Brasil e a sua sustentabilidade. São Paulo: Berlendis & Vertecchia. 2005. Disponível em: http://www.embrapa.br/. Acesso em 06 de maio de 2011.