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Flávio Limoncic e Francisco Carlos Palomanes Martinho (Organizadores) A experiência nacional Identidades e conceitos de nação na África, Ásia, Europa e nas Américas 1ª edição Rio de Janeiro 2017

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Flávio Limoncic e Francisco Carlos Palomanes Martinho (Organizadores)

A experiência nacionalIdentidades e conceitos de nação na África, Ásia, Europa e nas Américas

1ª edição

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1. Contestação e nacionalismo em Angola

Andrea Marzano e Marcelo Bittencourt

Introdução

Entre 1886 e 1887, José de Fontes Pereira redigiu 13 artigos, com o título “A independência de Angola”, para o periódico luandense O Futuro d’Angola. O eminente jornalista filho da terra criticava duramente a administração portuguesa, ameaçando as autoridades com a ideia de uma possível independência da colônia. A subalternização dos chamados filhos da terra, no entanto, prosseguiria, bem como o movimento reivindicativo por eles protagonizado.

A partir de 1926, a ditadura do Estado Novo sufocou as suas vozes contestadoras, construindo a empresa colonial com base numa cres-cente presença de colonos. Seriam necessárias algumas décadas para que a ideia de independência voltasse a circular em Angola, ainda que de forma clandestina, mas definitiva. Nos anos 1950, o enfrentamento anticolonial, bem como diferentes concepções de nação angolana, ganhariam corpo.

Nos anos 1970 e, sobretudo, nas décadas seguintes, alguns autores refletiram sobre a contestação urbana em Angola, entre o fim do sécu-lo xix e o início do Estado Novo, definindo-a como protonacionalis-mo.1 Outros buscaram reforçar as diferenças entre duas grandes fases da contestação angolana.2 Na primeira, teríamos o protagonismo

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de filhos da terra em críticas diretas, incisivas, à forma assumida pela dominação colonial em Angola, particularmente no que dizia respeito às medidas que levavam à sua subalternização. Já na segunda fase, a partir de meados do século xx, a ideia de independência se tornaria central, e as massas seriam crescentemente convocadas a participar.

Nosso objetivo é discutir as tensões geradas pela presença colonial portuguesa, especialmente em ambiente urbano e, ainda mais parti-cularmente, em Luanda, nesses dois momentos da história angolana. Buscaremos explicitar, em cada um deles, as diferentes formas de contestação à dominação colonial.

contestação urbana à forma de dominação colonial

A abordagem da contestação urbana à dominação colonial em Angola envolve, necessariamente, a compreensão do processo de formação dos agentes sociais envolvidos em suas primeiras manifestações. A precocidade da presença portuguesa em Luanda, remontando ao fim do século xvi, e a fragilidade numérica dos europeus, que permaneceria pouco alterada até a segunda metade do século xix, propiciaram a consolidação de um segmento privilegiado de filhos da terra. Dedicando-se ao comércio atlântico de escravos ao longo dos séculos xvii, xviii e parte do xix, ocupando cargos na restrita administração colonial, no Exército e no clero, africanos negros e mestiços que dominavam códigos culturais europeus distanciaram-se, política, econômica e culturalmente, da massa de nativos considerados incivilizados, sujeitos à escravidão e, após a sua ilegalidade, a diferentes formas de trabalho forçado.3

Marcado pelo discurso de igualdade entre os habitantes do impé-rio, o liberalismo português do século xix reconheceria à população colonial os direitos e deveres da cidadania portuguesa. Afirmava-se, assim, que os portugueses da Europa, da África e da Ásia teriam suas vidas reguladas pelas leis da metrópole. Se o discurso e a legislação liberais permitiram que o segmento privilegiado de filhos da terra fosse incorporado, mediante a adoção dos códigos culturais europeus, nos

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quadros da cidadania portuguesa, a maioria da população nativa, dividida em línguas, culturas e organizações sociais próprias, perma-neceria em uma situação jurídica indefinida. Pautado em uma ideia abstrata de igualdade, o liberalismo português silenciava a respeito de realidades concretas, cotidianas, especificamente coloniais, como a escravidão, o trabalho forçado, as diferenças culturais e o racismo.

Em 1821, os liberais estenderam às colônias o direito de voto, o que permitiu que colonos e filhos da terra passassem a escolher seus representantes para o Parlamento, em Lisboa.4 Os candidatos a de-putado eram apontados previamente pelo governo da metrópole, e as eleições em Angola eram marcadas pelo desinteresse e pelas acusações de fraudes. Apesar das limitações desse quadro formal, é possível que ele tenha favorecido o amadurecimento de críticas à ação política de ministros, deputados e, no plano local, de governadores.

Os silêncios do liberalismo, bem como as distâncias entre o discurso metropolitano e as vivências coloniais, abririam espaço para uma nova geração de militares que, com experiência no terreno, a partir do fim do século xix se tornariam ideólogos do regime colonial e seriam respon-sáveis por uma considerável inflexão nas proposições metropolitanas para as colônias. Para esses intelectuais, dos quais Antônio Ennes e Mousinho de Albuquerque seriam notáveis exemplos, os habitantes do império não eram todos iguais. Os africanos eram incivilizados, resistentes ao trabalho, precisavam ser submetidos a leis específicas. E cada colônia diferia, em suas potencialidades e desafios, não apenas da metrópole, como também das demais. Como consequência dessa afirmação, esses intelectuais defendiam a autonomia das colônias, particularmente no terreno legislativo. Podendo ser confundido com o respeito às diferenças, o discurso da geração de 1895 respondia a uma série de especificidades da experiência colonial: o objetivo de exploração da mão de obra africana, a crença na sua inferioridade racial e cultural e, enfim, o fato de que a maioria dos nativos não via vantagens no trabalho para os europeus.

Antes mesmo que as propostas da geração de 1895 se materializas-sem em leis, os filhos da terra começaram a manifestar, sobretudo na imprensa, sua insatisfação com os rumos da dominação colonial em

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Angola. Seu descontentamento devia-se à subalternização que vinham sofrendo em decorrência do aumento do número de colonos europeus, que tendiam a tomar para si os melhores cargos públicos, a expropriar as melhores terras e, enfim, a concorrer com esses nativos na exploração do trabalho dos chamados indígenas.5 O jornal mais representativo dos interesses dos filhos da terra foi O Futuro d’Angola. E seu mais aguerrido jornalista foi o angolense, como também se designavam os filhos da terra, José de Fontes Pereira. Nascido em Luanda em 1823, Fontes Pereira foi advogado provisionário e também colaborou re-gularmente para outros jornais, como O Cruzeiro do Sul, O Arauto Africano, O Mercantil e O Pharol do Povo.

Entre 30 de setembro de 1886 e 22 de junho de 1887, Fontes Pereira publicou, n’O Futuro d’Angola, uma série de 13 artigos denominada “A independência d’Angola”. Os artigos eram uma resposta a 11 textos publicados n’O Mercantil, também de Luanda, defendendo a ideia de que o domínio português convinha aos povos da colônia, por civilizá--los. O articulista d’O Mercantil teria argumentado, segundo Fontes Pereira, que faltava ilustração aos povos de Angola, para que pudes-sem projetar e manifestar o desejo de se livrar do domínio português. Ironicamente, teria afirmado que a ideia da emancipação era a ordem do dia em toda a colônia, e que pairavam dúvidas sobre se os povos de Angola iriam preferir um monarca estrangeiro, o rei do Congo, a rainha Ginga ou o regime republicano. O articulista teria questionado, ainda, quem poderia ser o novo presidente de uma possível República, perguntando “onde [estariam] os homens abastados e científicos que devem ocupar os cargos e dirigir a administração do novo Estado, como foram encontrados por ocasião de se levar a efeito a independência do Brasil”.6 Para os que, na sua opinião “em pequeno número”, indicavam na imprensa os caminhos para a emancipação, teria afirmado que “o governo português é tão benéfico que tem permitido aos nativos a ascensão em todos os ramos da pública administração”.7

Nos artigos de Fontes Pereira, são expostas críticas à má adminis-tração da colônia,8 destacando-se que Portugal não tem feito nada pela sua civilização9 e, particularmente, pela instrução dos indígenas.10 Diante da ineficácia civilizadora da metrópole, Angola teria “o direito

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de sacudir o jugo que a oprime e esfacela, e escolher quem, sem a sub-jugar (...) lhe dê toda a proteção para o seu desenvolvimento moral e intelectual”.11

A ameaça de que os filhos da terra buscariam “um outro protetor” não apenas reforçava a crença na superioridade da cultura de origem europeia, como também assumia um sentido muito especial, em um momento em que diferentes países europeus concorriam pelo domínio de regiões do continente africano. Por outro lado, fica evidente, em tal ameaça, o reconhecimento da fragilidade dos filhos da terra que, diante de uma massa de indígenas, teriam dificuldades para construir uma nação civilizada.

Fontes Pereira estabelece uma comparação entre a colonização de Angola e a do Brasil.12 Promovendo a civilização e a instrução, Portugal teria preparado o Brasil para a emancipação e para a manutenção de relações fraternas após a independência. Em Angola, ao contrário, o descaso das autoridades, ao longo de 400 anos, autorizaria seus habitantes a trabalhar pela emancipação.13 O Brasil aparece, ainda, como responsável pela falta de desenvolvimento de Angola, por ter enriquecido com os braços dessa colônia, arrancados por meio do comércio atlântico de escravos.14 O mesmo estaria acontecendo, na sua opinião, com São Tomé, para cujas roças eram deslocados traba-lhadores de Angola.15

Os portugueses aparecem, nos artigos, como os únicos responsáveis pelo comércio atlântico de escravos, bem como pela sua manutenção apesar da ilegalidade.16 Ao apresentar o tráfico como obra dos euro-peus, Fontes Pereira desconsidera a participação histórica de filhos da terra em tal comércio. Referindo-se às práticas de seu tempo, o jornalista critica a manutenção do “comércio da escravatura” com aprovação das autoridades, mencionando, particularmente, a trans-ferência de serviçais para as roças de São Tomé, em transações disfar-çadas de resgate de prisioneiros de guerras entre diferentes sociedades africanas.17 Para Pereira, a retirada de trabalhadores compromete, pela carência de mão de obra, o progresso de Angola.18 Por esse motivo, o jornalista defende que, no lugar dos de Angola, sejam enviados nativos da ilha de Palmas para as plantações de São Tomé.19

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Fontes Pereira estabelece comparações entre o passado e o presente, afirmando que, até o século xix, os colonos se esforçavam para ins-truir os indígenas, tendo-os como parceiros e preparando-os para a ocupação de cargos públicos. Para reforçar essa afirmação, apresenta, inclusive, uma relação de africanos “pretos” e “mulatos”, que foram educados na colônia e ocuparam cargos de prestígio.20 O avanço da instrução primária é, aliás, uma de suas reivindicações, embora ele concorde em deixar para um segundo momento o desenvolvimento da instrução secundária.21

O jornalista distingue, claramente, a colonização portuguesa em duas épocas. Para Pereira, a monarquia absoluta fez mais pela civili-zação de Angola do que a monarquia liberal.22 Nesse sentido, enumera realizações positivas de capitães-mores à época da monarquia abso-luta23 e feitos negativos das autoridades do período liberal.24 Além de criticar diretamente governadores-gerais nomeados pela metrópole no tempo da monarquia liberal,25 Fontes Pereira apresenta uma listagem de filhos da terra, brasileiros e europeus assassinados na colônia por ordem ou com a conivência das autoridades na década de 1830.26

Suas principais críticas são voltadas à questão da ocupação dos cargos públicos. Para o estudioso, as autoridades metropolitanas usam Angola como local de despejo de funcionários, seus afilhados e protegidos, que não conseguiriam posição semelhante no reino.27 Assim, define os funcionários enviados pela metrópole como pássaros de arribação,28 que inclusive aproveitariam sua posição para desviar, para si, recursos da colônia.29 Fontes Pereira chega a comparar os filhos de Angola, negros, mestiços e até brancos, que seriam honestos na ocupação dos cargos públicos, com os funcionários enviados da metrópole,30 que seriam, além de desonestos, despreparados.31

O jornalista menciona, em particular, o decreto de 27 de dezembro de 1877, que “monopoliza as nomeações de funcionários que devem servir nas colônias”, e o decreto de 29 de novembro de 1883, “que manda abrir concurso na repartição do ultramar para a nomeação dos escrivães de 1ª e 2ª instância das comarcas dessas colônias”.32 Assim, defende que europeus nomeados na metrópole estariam “roubando” os cargos até então ocupados por filhos da terra,33 prejudicando,

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também, residentes, que seriam colonos estabelecidos há mais tempo, e, talvez, seus descendentes.34 É nesse sentido que o autor defende a possibilidade de união entre filhos da terra e residentes, para juntos afastarem o jugo português.35 Reforçando a valorização da civilização europeia e a ideia de que não se trata de um movimento antieuropeu, Fontes Pereira afirma que, com a emancipação e a República, Angola receberia europeus de todas as nações, que promoveriam, finalmente, o seu progresso.36

Logo no primeiro artigo da série, o jornalista critica uma lei da me-trópole que proibia que os funcionários públicos nativos das províncias ultramarinas gozassem licenças no reino, como faziam os europeus. Na sua opinião, se a metrópole pretendia distinguir os nascidos no reino dos nascidos no ultramar, deveria abandonar estes últimos, deixando “ao seu [arbítrio] escolher um protetor, mas não um conquistador”.37

Embora Fontes Pereira radicalize seu discurso a ponto de sugerir a independência de Angola, assumindo uma posição incomum até mesmo entre os angolenses, a centralidade que atribui à questão dos cargos públicos revela preocupações específicas com a situação dos filhos da terra, bem como um projeto político para o qual os indígenas não são, em geral, convidados a participar. Podemos perceber, nas entrelinhas do seu discurso, que uma possível nação angolana seria liderada por filhos da terra e por europeus residentes que se aliassem ao grupo. A substituição dos dirigentes não alteraria, de modo radical, a situação do conjunto da população, que, ainda considerada incivilizada, per-maneceria encarada como mão de obra em potencial. Não por acaso, suas referências à transferência de indígenas para as roças de São Tomé são frequentemente acompanhadas da preocupação com a carência de trabalhadores resultante desse processo. No mesmo sentido, em um único artigo que critica a expropriação de terras dos pretos livres dos concelhos do leste, Fontes Pereira ressalta, exatamente, o despovoa-mento deste e dos outros concelhos, o que prejudicaria a agricultura e o comércio.38

Apesar dos limites de tal projeto político, Fontes Pereira, não por acaso no último artigo, dá “um passo à frente”, referindo-se, através da menção a um texto publicado em O Século, de Lisboa, à possibi-

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lidade de união entre Angola e Moçambique para afastar o domínio português.39 Isso não representa, entretanto, a ruptura definitiva com a ideia de um projeto político restritivo, por ser consequência direta dos descontentamentos e anseios de uma pequeníssima parcela europeizada da população nativa. Sobretudo porque, também em Moçambique, os filhos da terra sofreram subalternização e protagonizaram, no início do século xx, especialmente na capital Lourenço Marques, um movimento reivindicativo baseado na atividade jornalística e no associativismo.40

Mais radical do que a ameaça de união entre filhos de Angola e filhos de Moçambique foi a menção, no mesmo artigo, a uma série de revol-tas indígenas que afastaram, em regiões específicas da colônia, o jugo português.41 Sugerindo a possibilidade de união entre indígenas e filhos da terra pela independência de Angola, Fontes Pereira apresentava um argumento final a favor da melhoria das condições do pequeno segmento europeizado da população nativa. No entanto, seu discurso permanecia distante da realidade da maioria da população africana da colônia, divi-dida em línguas, culturas e regiões diferentes, sem grandes possibilidades de construção de uma identidade comum e, além disso, encarando os filhos da terra como exploradores e mesmo aliados dos europeus.

As críticas e reivindicações de filhos da terra, em fins do século xix, não impediram a manutenção da sua subalternização. Ainda reagindo a essa situação, alguns dos seus principais intelectuais reu-niram protestos no volume A voz de Angola clamando no deserto, publicado em 1901.

No interior do movimento dos filhos da terra, mas também em cír-culos mais restritos de colonos, adensaram-se, animadas por uma das facetas do discurso da geração de 1895, as reivindicações de autonomia legislativa, administrativa e financeira das colônias.42 Tais reivindica-ções, que marcaram a primeira década do século xx, faziam parte do contexto de agitação republicana, expresso, em territórios coloniais, na formação de centros republicanos e lojas maçônicas em algumas cidades, que atraíram sobretudo colonos, mas também angolenses.

Entre 1904 e 1911, o número de núcleos maçônicos na colônia chegou a 11, difundindo os princípios republicanos. A primeira loja, denominada Independência Nacional, surgiu em Luanda em 1901.43

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Embora se conheça pouco sobre a maçonaria em Angola, é possível supor que o sugestivo nome desse núcleo fosse uma alusão à indepen-dência de Portugal frente às demais potências europeias ou, em outras palavras, à soberania nacional portuguesa. Assim, poderíamos apro-ximar o surgimento da maçonaria em Angola ao legado da revolta do Porto, ocorrida em 1891 e motivada, em parte, pelo Ultimato britânico, que pôs fim às pretensões portuguesas de ocupação das regiões entre Angola e Moçambique.44

As notícias da Proclamação da República, em 5 de outubro de 1910, aceleraram a atividade política nos núcleos republicanos da colônia. O objetivo era a organização partidária para a eleição de representantes de Angola no Parlamento – o qual viria a elaborar a primeira Consti-tuição republicana. No mês seguinte, foi criado o Partido Reformista de Angola (pra), com um programa voltado para a reestruturação da administração da colônia, com base no princípio da autonomia legislativa, orçamentária e fiscal. A proposta do pra incluía, também, o prosseguimento da missão civilizadora de Portugal em relação às populações nativas. Não questionava, portanto, a ideia de que Angola era uma fração ou prolongamento da pátria portuguesa. O que não significava que os reformistas não aventassem a possibilidade de Angola tornar-se, um dia, independente, a exemplo do Brasil, podendo, nesse caso, manter-se como mercado privilegiado de Portugal.45

O pra buscava conciliar objetivos metropolitanos com interesses, que tendiam cada vez mais a se tornar antagônicos, de colonos e fi-lhos da terra. Embora fosse formado majoritariamente por colonos, o pra convidava os angolenses, nas páginas do jornal A Reforma, a participar de seu projeto político.46 A defesa da autonomia da colônia era, sem dúvida, o principal elemento de união entre as reivindica-ções de colonos e filhos da terra, já que estes também criticavam, no jornal O Angolense, a centralização administrativa, que teria efeitos perniciosos sobre a economia de Angola. O combate aos preconceitos de raça, essencial para que os colonos reformistas pudessem atrair o apoio dos filhos da terra, não impedia a presença de manifestações racistas no jornal A Reforma, evidenciando a ambiguidade e os limites da possível aliança entre os dois segmentos sociais.47

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Também tendo em vista as primeiras eleições do novo regime, re-publicanos de última hora formaram o Partido Republicano Colonial (prc), que divulgava suas aspirações no jornal Voz de Angola e não se afastava muito das pretensões autonomistas do pra.48 Uma das diferenças entre os programas dos dois partidos era a defesa, pelo prc, da introdução do ensino secundário na colônia, uma importante bandeira dos filhos da terra.

Em abril de 1911, os dois partidos começaram a indicar seus candidatos. Ambos tentaram, nas páginas da imprensa, atrair o apoio dos filhos da terra.49 Nenhum dos dois obteve grande sucesso, apesar da vantagem conquistada pelo prc, que indicou o angolense Aníbal Matoso da Câmara Pires, residente havia anos em Lisboa, como candidato pelo círculo de Luanda. Os candidatos reformistas saíram vitoriosos, e, em setembro de 1911, quando já estava quase concluída a discussão de questões que diziam respeito às colônias, tomaram posse os três novos deputados por Angola. Decidiu-se pela extinção do pra em assembleia geral de 13 de fevereiro de 1912.50 Quatro dias depois, como vimos, publicou-se o último número de A Reforma.

O pra e o prc canalizaram, até certo ponto e por pouco tempo, a contestação urbana à forma de dominação colonial, especialmente entre o segmento branco da população.51 Assim como a maior par-te dos filhos da terra, tais partidos rejeitavam os métodos e a ineficácia da dominação portuguesa. O que não se questionava, tanto entre colonos quanto entre filhos da terra, era a ideia de que os indígenas seriam fundamentais, como mão de obra, para o progresso da colô-nia. Os membros do prc defendiam a imposição de um “imposto de trabalho”, por certos dias ou meses do ano, para todos os indígenas. Esta seria, para esse grupo, uma medida educativa, que deveria ser mantida até que os indígenas fossem capazes de compreender o valor do trabalho.52

Embora expressassem insatisfações e fossem fruto de movimentos mais amplos de contestação, os dois partidos representavam a esperan-ça, especialmente de colonos, em relação à República. Também os filhos da terra manifestaram suas expectativas com o novo regime. No dia 19 de novembro de 1910, enquanto uma grande aglomeração de pessoas se

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concentrava em frente ao palácio, foi entregue ao governador-geral uma “Mensagem dos Filhos de Angola”, na qual 150 subscritores assumiram a responsabilidade de informar ao governo da República sobre os males da colônia e suas causas. Entre estas, destacaram o “ódio de raça”, que criava uma “atmosfera de antipatia entre os cidadãos da mesma pátria”. Defendendo o fim definitivo da escravatura, que continuava existindo apesar da legislação em contrário, afirmaram, ainda, que os “dois elementos – europeu e angolense –, igualmente portugueses, deviam agir no mesmo sentido e identificar as suas aspirações no bem da pátria comum”. Apesar do apoio explícito ao novo regime, os filhos da terra, revelando a ambiguidade de sua posição social e política, ameaçaram veladamente as autoridades, afirmando que abririam mão do “sagrado” direito de insurreição contra a República.53

O impacto da República revelou-se, a curto prazo, decepcionante . É certo que sua instauração atendeu a uma grande aspiração de re-sidentes e filhos da terra ao estabelecer, pelas leis de 15 de agosto de 1914, a autonomia política e financeira das colônias, conferindo largos poderes aos governadores-gerais. Tal processo teria continuidade na revisão constitucional de 1920, que criaria o cargo de alto comissá-rio, eleito pelo Senado e dotado de grande independência em relação à tutela ministerial metropolitana. Apesar disso, os filhos da terra logo perceberiam que parte dos textos legais responsáveis pela sua subalternização eram oriundos não de Lisboa, mas dos poderes locais.

O governador-geral Norton de Mattos, na Portaria Provincial nº 43, de 26 de janeiro de 1913, definiu como não indígenas os naturais da província que sabiam “falar corretamente o português”, exerciam “alguma arte ou profissão liberal”, pagavam contribuições ou tinham “hábitos ou costumes europeus”. Tal definição foi reafirmada pela Lei Orgânica de 15 de agosto de 1914.54 Assim, a legislação da Repú-blica consagraria, ao lado da definição jurídica do indígena, a figura do assimilado. As expressões máximas dessa política, já no Estado Novo, foram os decretos que estabeleceram o Estatuto Político Civil e Criminal dos Indígenas de Angola e Moçambique, de 1926, o Código de Trabalho dos Indígenas nas Colônias Portuguesas de África, de 1928, o Estatuto Político Civil e Criminal dos Indígenas, de 1929,

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e o Estatuto dos Indígenas Portugueses das Províncias da Guiné, Angola e Moçambique, de 1954. Este último, uma adaptação do pri-meiro, incluiu a descrição dos requisitos para que negros e mestiços fossem considerados civilizados ou assimilados, ganhando o direito à cidadania portuguesa.

Considerando-se que, na monarquia liberal, os nativos das colô-nias eram legalmente portugueses, a segmentação da população era, para os filhos da terra, um rebaixamento de estatuto. Essa situação seria agravada posteriormente, sobretudo no mandato de Norton de Mattos como alto-comissário, por documentos legais que negavam aos assimilados igualdade plena em relação aos europeus.55

Os filhos da terra continuaram se organizando em defesa de seus interesses. Entre 1910 e 1930, estiveram envolvidos em mais de uma dúzia de associações recreativas, culturais e de ajuda mútua. As mais conhecidas, a Liga Angolana e o Grêmio ou Centro Africano, foram oficializadas em 6 e 20 de março de 1913. Juntamente com os jornais nativos, a Liga Angolana foi fechada em 1922, sob acusação de conspi-ração separatista. Em 1925, foi autorizada a sua reconstituição, dando origem à fundação, em 1930, da Liga Nacional Africana. A inserção da expressão nacional em seu nome, por exigência do governo, seria uma alusão à nação portuguesa.

A formação de duas associações nativas, em 1913, revela a presença de hierarquias entre os filhos da terra. O Grêmio Africano, que ale-gadamente tinha apenas fins “instrutivos, educativos e recreativos”, agrupava famílias nativas renomadas desde pelo menos o século xix, que, apesar de relativamente subalternizadas, ainda ocupavam car-gos médios na administração e se dedicavam ao comércio. A elas se juntavam, ainda, alguns europeus. Do ponto de vista das atividades políticas, o grêmio se manteve distante dos grandes confrontos que opuseram os filhos da terra às autoridades e aos colonos. A Liga An-golana, por sua vez, embora tivesse membros de famílias tradicionais do meio angolense, agregava uma maioria de sócios dos estratos mais baixos dos nativos civilizados. Eram mestiços mais escuros e negros, funcionários subalternos, empregados do comércio, operários e pe-quenos proprietários rurais. Aos objetivos “instrutivos e recreativos”,

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a Liga agregava a defesa dos interesses e direitos dos associados. Não contemplava, em seu programa, a defesa da autonomia da colônia, e a maioria de seus dirigentes atuou moderadamente, reiterando a sua lealdade a Portugal e ao governo republicano.56

O associativismo de filhos da terra teve lugar, também, na metró-pole, envolvendo indivíduos provenientes de diversas colônias. A mais importante dessas organizações foi a Junta de Defesa dos Direitos d’África (jdda), criada em 1912 por santomenses, cabo-verdianos e angolanos. Por meio do jornal Voz d’África e, posteriormente, do Tribuna d’África, a jdda defendia, em Portugal, a autonomia das colônias e a instrução das populações nativas em estabelecimentos de ensino nos moldes europeus, entre outras reivindicações.57 Em 1919, a jdda sofreu uma dissidência, possivelmente influenciada pelas di-visões do movimento pan-africano internacional. Dois santomenses e um angolano formaram a Liga Africana, que passou a editar o jornal Correio d’África. Em 1921, a Junta foi reorganizada como Partido Nacional Africano, tendo como porta-voz o jornal Protesto Indígena.58

Ainda na década de 1910, em Angola, os filhos da terra foram acusados de fomentar revoltas indígenas no campo, contra a cobrança de impostos e a expropriação de terras, e mesmo de planejar movi-mentos de mata brancos, sofrendo prisões, perseguições e desterro. Em consequência de um desses episódios, ocorrido em Malange no início de 1914, ativistas da Liga Angolana foram desterrados e presos. Até mesmo um europeu foi implicado nos acontecimentos. Acusada de intenções separatistas, a Liga logo tratou de desmenti-las. Um de seus dirigentes, Manuel Inácio dos Santos Torres, reconheceu poste-riormente na imprensa as dificuldades de obtenção da independência de Angola, que seriam motivadas, em parte, pelo fracasso da ação colonizadora portuguesa. Para Santos Torres, se Portugal tivesse sucesso em sua empreitada colonizadora, Angola poderia se tornar independente e manter os laços com a antiga metrópole, tornando-se, nessa relação, um novo Brasil.59

As declarações de Santos Torres revelam uma considerável continui-dade em relação ao discurso de Fontes Pereira, expresso quase trinta anos antes, no que diz respeito às comparações com o caso brasileiro.

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Além disso, Santos Torres compartilhava com Fontes Pereira, perten-cente a outra geração de filhos da terra, o radicalismo incomum entre seus pares. Declarações relativas ao desejo de independência não eram frequentes entre os membros da Liga Angolana.60

No fim da Primeira Guerra Mundial e nos anos que se seguiram, o aumento da inflação, sobretudo em Luanda, gerou protestos de filhos da terra e de colonos, que reivindicavam aumentos salariais e denunciavam os comerciantes por abuso nos preços. Ocorreram ma-nifestações e greves, das quais se destacaram a dos ferroviários dos caminhos de ferro de Ambaca, em 1918, e a dos funcionários públicos, em 1920. Embora tenham sido aparentemente liderados por europeus, tais movimentos favoreceram a hostilidade e as acusações contra os membros da Liga Angolana, apontados como incentivadores das greves operárias e dos assaltos a casas comerciais.61

O crescimento econômico de Angola, com base na produção de açúcar e café, e as dificuldades na Europa, relacionadas à vigência da Primeira Guerra Mundial, contribuíram decisivamente para o aumen-to da migração de portugueses para a colônia. Por volta de 1920, os colonos eram, no distrito de Luanda, quase 20 mil. A intensificação da presença de europeus, que concorriam com os filhos da terra pela ocupação dos cargos públicos, aprofundaria o processo de subalter-nização a que os últimos já vinham sendo submetidos.62

Em seu mandato como alto-comissário a partir de 1921, Norton de Mattos buscou promover a economia e o povoamento europeu. Nesse ano, a reorganização administrativa do funcionalismo público afastou os últimos nativos que ocupavam cargos locais relativamente importantes, como chefe de circunscrição e chefe de posto. Na mesma época, uma reforma dos corpos militares determinou que as compa-nhias indígenas seriam comandadas exclusivamente por europeus. Mesmo para os cargos mais baixos exigia-se cada vez mais, dos nativos, a instrução secundária, restrita ao seminário de Luanda, às missões metodistas de Luanda e Malange e ao liceu de Luanda, fundado em 1919. Mattos introduziu, ainda, a diferenciação racial no funciona-lismo público, por decreto de 19 de maio de 1921, formalizando a remuneração diferenciada para europeus e africanos. Os nativos dos

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quadros inferiores foram alocados no Quadro Auxiliar, criado na ocasião, no qual só poderiam ascender a amanuenses de primeira classe. A partir dessa categoria, a única forma possível de promoção seria “por distinção”. Tais medidas geraram uma onda de protestos dos filhos da terra.

A intensificação das expropriações de terras no mandato de Norton de Mattos e algumas medidas que mantiveram o trabalho forçado provocaram a eclosão, em 1921-1922, da Revolta do Catete, que mobilizou indígenas do campo.63 Membros da Liga Angolana foram acusados de fomentar o protesto indígena e organizar um movimento armado contra a soberania portuguesa. Em fevereiro de 1922, a Liga Angolana e o jornal O Angolense foram fechados, ao mesmo tempo que se verificou uma sequência de perseguições, prisões e desterro de lideranças entre os filhos da terra.

As acusações feitas aos filhos da terra precisam ser problematizadas. Embora seja plausível supor que alguns dos membros desse grupo, manifestando-se contra as arbitrariedades dos colonos, tenham fomen-tado revoltas indígenas no campo, é pouco provável que o conjunto deles tenha buscado, em algum momento, promover um movimento de massas contra a dominação portuguesa. E mesmo que tivesse buscado, dificilmente teria conseguido. A identidade dos filhos da terra perma-necia claramente distinta da dos indígenas. Estes, por sua vez, tendiam a desconfiar dos primeiros e, mais do que isso, a identificá-los com os colonos. A atuação de filhos da terra nos quadros da administração – bem como a posição de intermediários entre europeus e indígenas, ao longo do estabelecimento da dominação colonial – fazia que fossem vistos, com frequência, com distanciamento e hostilidade pelos afri-canos não civilizados. Vale lembrar, ainda, que a concorrência pela exploração do trabalho indígena, que tendia a opor colonos e filhos da terra, dificultava, também, a confiança da massa de africanos na pequena parcela europeizada da população nativa.

De todo modo, a intensificação da repressão parecia anunciar o futuro próximo. O fechamento político no Estado Novo, inaugurado em 1926, tenderia a silenciar a contestação angolense, provavelmente levando os filhos da terra a privilegiar o esforço individual para o

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reconhecimento como assimilados, nos quadros da legislação vigente. Tal situação perduraria até a década de 1940, quando ventos nacio-nalistas e independentistas começariam a agitar os ares da colônia.

Anticolonialismo e nacionalismo

A instalação da Polícia Internacional de Defesa do Estado (Pide),64 em Angola, em 1957, foi a manifestação mais contundente de que o regime colonial tinha em conta as mudanças ocorridas no cenário político local. A Pide foi acionada pelas autoridades portuguesas a fim de investigar a divulgação de panfletos anticoloniais clandestinos. As diversas organizações políticas que pululavam na capital angolana, responsáveis por tal divulgação, apesar de limitadas quanto à implementação de ações concretas, estavam crescendo em número e em adesões.

A Angola dos anos 1950 tinha mudado bastante em relação aos primeiros anos do século xx. A intensificação da presença portuguesa foi, antes de tudo, física, principalmente quando comparada ao padrão anterior. A população branca da colônia saltou de 9.198 indivíduos em 1900, o equivalente a 0,2% da população total, para 44.083 em 1940, ou 1,2% da população total, chegando aos surpreendentes 172.529 em 1960, algo em torno dos 3,6% do total.65

A legislação e a ação das autoridades coloniais, por sua vez, busca-riam atender às demandas dessa crescente migração, concentrando-se na imposição do trabalho aos indígenas e na negação do direito de propriedade aos africanos. As expropriações de terras continuaram a ocorrer, bem como a restrição das oportunidades para os descendentes dos filhos da terra que, como vimos, haviam questionado, mais de meio século antes, o formato da dominação colonial.

Se a presença e, consequentemente, a pressão colonial estavam mais intensas, o mesmo não pode ser dito em relação ao discurso metropoli-tano acerca das suas colônias. A partir de 1951, Portugal passou a ter oficialmente províncias ultramarinas, e não mais colônias. A mudan-ça de designação estava inserida em uma estratégia de diferenciação entre o colonialismo português e os demais colonialismos europeus,

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confrontados desde o imediato pós-Segunda Guerra com os desejos e as lutas por independência na Ásia. A estratégia governamental adotaria Gilberto Freyre como seu defensor, promovendo seu “lusotropicalismo” como a melhor demonstração da “peculiaridade” portuguesa.

A colonização havia gerado uma novidade no tecido social angola-no. Entre os descendentes dos filhos da terra e os indígenas, ganhara espaço e consistência numérica uma camada de angolanos que, ao se afastar do trabalho obrigatório nas zonas rurais e se aproximar tanto dos pequenos empreendimentos industriais coloniais quanto das áreas urbanas, transformou-se num importante ator desse novo cenário de contestação anticolonial. Pela sua migração mais recente para as cidades, ainda que quase sempre para as periferias, esses agentes man-tinham laços estreitos com as áreas rurais, não tinham o português como língua materna, eram negros e, tendo sofrido a discriminação racial de perto, percebiam os mestiços como privilegiados no mundo colonial.66

Apesar dos limites e dos obstáculos, a colonização tinha dado lugar a segmentos sociais angolanos diferenciados, mais visíveis nas áreas urbanas e em suas respectivas periferias. Ainda assim, nessas áreas, ao contrário de em outras regiões africanas, em especial na Áfri-ca Ocidental, não se constituiu, de fato, uma burguesia nativa. Negros e mestiços de maior destaque alcançaram a posição de professores, enfermeiros e funcionários públicos, mas não conseguiram controlar setores da produção, quer agrícola, quer industrial. Eram assalariados, mas, na comparação com os indígenas, obtinham pequenos privilégios, como seria o caso do acesso menos restrito às instituições de ensino.

Não seria de se estranhar, portanto, que alguns grupos pertencentes a tais segmentos intermediários olhassem com apreensão e buscassem distância tanto de ideologias horizontalizantes, como o socialismo e o comunismo, quanto de uma possível aproximação com os indígenas. Esse passo numa direção mais nitidamente nacionalista sempre foi o temor dos segmentos intermediários, enclausurados entre a arrogância colonial e a exploração do indigenato. A sociedade colonial, construída de forma hierárquica e racializada, deixara marcas profundas entre os africanos. A mudança de posição entre os mais receosos se processaria

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de forma lenta, com o correr da luta, quando se evidenciou que uma futura independência era uma possibilidade real.67

Sinais de mudança na forma de pensar e sentir em Angola foram dados já em fins dos anos 1940, com movimentos culturais que ex-pressavam uma visão nacionalista, através da exaltação das diferentes línguas e dos diversos costumes presentes no território angolano, espe-cialmente na literatura e na música, buscando sempre realçar o “patri-mônio africano” da região.68 Não se apresentava ainda um programa político de luta contra as autoridades coloniais, mas tais movimentos foram importantes na mobilização e conscientização daqueles que futuramente iriam encabeçar a luta anticolonial. Deles participavam jovens negros, mestiços e brancos, mergulhados no ambiente urbano e suburbano de Luanda, que deram seus primeiros passos no terreno das associações culturais69 para, em seguida, desaguar na movimentação política subterrânea.70

Surge, então, uma nova cena de contestação e reivindicação, que será adensada nos anos 1950, assumindo contornos anticoloniais. Demonstrando íntima ligação com o clima geral de descolonização reinante na África e na Ásia, a movimentação política em Angola dava provas de que a estratégia colonial de blindar o território contra tais influências não resultara como o esperado.

A opção pela clandestinidade e pela luta armada na condução do embate anticolonial em Angola seria, em grande medida, resultante da intransigência do governo português. O autoritarismo e o sistema de partido único que moldavam o regime impediam o diálogo com outras forças políticas, não só nas colônias, mas também na metrópole. Ao contrário de várias colônias francesas e inglesas, nas quais os africa-nos conheceram a possibilidade de formar partidos políticos e conviver com uma relativa liberdade de imprensa,71 as colônias portuguesas, desde 1926, não possuíam canais institucionalizados de comunicação entre colonizadores e colonizados, a não ser aqueles voltados para a legitimação do regime e da condição colonial.72

O resultado desse fechamento político se faria presente na década de 1950, quando teve início a organização de pequenos grupos de ação política clandestina, estabelecidos nas zonas urbanas e em suas

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periferias, em especial nos musseques73 e nos bairros pobres, mas com ramificações que alcançavam trabalhadores e estudantes que circulavam pelo centro. A configuração desses grupos apontava para vínculos de solidariedade construídos nas relações familiares, na vi-vência comunitária religiosa, no trabalho ou, de forma mais diluída, no mesmo ambiente cultural. Esses filtros de diferentes ordens eram resultado, principalmente, do temor à perseguição pelas autoridades coloniais, limitando tais organizações a pouco mais de duas dezenas de militantes. A clandestinidade, indiscutivelmente, dificultava a ar-regimentação de novos quadros.

Todavia, o importante a ser destacado é que muitos desses grupos adotavam nomes que evidenciavam pretensões nacionais, apesar de estarem limitados a âmbitos locais. Esse seria o caso, entre outros, do Exército de Libertação de Angola (ela), do Movimento de Inde-pendência Nacional de Angola (Mina), do Movimento de Libertação Nacional (mln), do Movimento de Libertação Nacional de Angola (mlna), do Partido Comunista Angolano (pca) e do Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola (Plua).74

O nacionalismo angolano, construído a partir de Luanda, conheceu uma fase inicial em que a certeza da luta pela independência não levava os correligionários a adotar uma determinada perspectiva nacional. As contradições estavam presentes, quer no tocante à escolha de quem iria comandar as ações a fim de se obter a tão sonhada libertação, quer quanto à definição de quem iria compor a nação a ser libertada. Para completar, também já era possível vislumbrar as futuras disputas quanto à forma de governo a ser adotada. Todavia, essas dúvidas não se constituíram como um obstáculo capaz de impedir a intensificação do confronto, nem mesmo o início da luta armada de libertação.75

Contrastando com os padrões da contestação do fim do século xix e do início do xx, as novas organizações políticas angolanas, apesar de serem clandestinas e acanhadas em número de militantes e de se desdobrarem numa série de pequenas legendas, apresentavam uma nova postura, uma determinação inquestionavelmente antico-lonial, independentista, nacional. Sonhavam em ser mobilizadoras e conscientizadoras. Pressupunham a participação dos indígenas, e não

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apenas de um pequeno segmento de descontentes com algumas leis e condutas coloniais. Eram, sobretudo, ativas. Afinal, suas atividades se iniciaram com a distribuição de panfletos e a realização de reuniões clandestinas e, em poucos anos, muitos de seus militantes passaram à luta armada.76

A criação do Movimento Popular de Libertação de Angola (mpla) resulta, em grande parte, dessa movimentação luandense e do interior próximo à capital, sobrepondo-se, portanto, aos pontos mais antigos da colonização. Como outros movimentos de libertação africanos, o mpla formou-se a partir de duas correntes: os que estavam na colônia – os do interior – e os que estavam na metrópole ou haviam passado recentemente por esse local – os do exterior.77

Em Luanda, as seguidas detenções da Pide, em 1959 e 1960, não só confirmaram que as ações de contestação eram realizadas e mo-bilizavam, particularmente, funcionários públicos, empregados do comércio, enfermeiros, estudantes, monitores agrícolas e operários, como também propiciaram os primeiros encontros entre diferentes grupos anticoloniais. Mais do que isso, os encarceramentos provoca-ram a desarticulação das redes clandestinas, dando força, na sequência, à ideia de se acionar vozes que estivessem no exterior e que pudessem divulgar a existência da luta anticolonial em Angola. É assim, a partir de contatos estabelecidos nas prisões luandenses, que o mpla passa a agregar muitos dos militantes desses pequenos grupos políticos.78

A base de apoio e de consolidação do mpla no exterior era formada, sobretudo, por estudantes que migraram para a metrópole em busca do diploma universitário, algo impossível na colônia pela inexistência de cursos superiores até 1964. Chegados a Portugal nos anos 1940 e 1950, esses jovens negros, mestiços e brancos, provenientes das diver-sas colônias portuguesas, logo sentiriam necessidade de criar locais de acolhimento e convivência, como a famosa Casa dos Estudantes do Império (cei).79

Antes mesmo do ingresso no mpla, muitos militantes da causa independentista angolana participaram, com africanos das demais colônias portuguesas, de um movimento que, de certa forma, mantinha uma postura unificada pelo colonizador, o Movimento Anticolonial

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(mac).80 Tendo origem na vivência no ambiente de contestação colonial da metrópole em função da aceleração do processo de independência na maioria das colônias francesas e inglesas, essa perspectiva acabaria sendo ultrapassada pelas lutas de libertação nacional desenvolvidas nos diferentes territórios.

Não obstante, foi também a partir dessa experiência comunitária ocorrida na metrópole que muitos desses jovens, que estavam na concepção e articulação do mac e do mpla, se aproximaram da es-querda estudantil portuguesa, mobilizada pelo Movimento de Unidade Democrática (mud) e pelo Partido Comunista Português (pcp). Tal aproximação seria influente, ao mesmo tempo que já sinalizava para qual bloco de poder os quadros angolanos com esse percurso estavam direcionando suas atenções. A radicalização do cenário da Guerra Fria empurraria o mpla para o campo de atuação e interesse dos países do Leste Europeu, ainda que a legenda optasse por não evidenciar essa filiação de forma mais explícita, a fim de não dar elementos para a campanha acusatória das autoridades portuguesas, segundo as quais as manifestações pela independência em Angola eram fruto da infiltração de “agentes do comunismo internacional”.81

O contexto mundial da bipolarização, a sequência das independências africanas – assumindo rumos diferentes e muitas vezes divergentes –, bem como a dispersão das lideranças do mpla por vários países, são aspectos fundamentais para o entendimento da forma como tomou corpo o projeto oficial de construção da nação angolana, que seria apresentado em seu Programa Maior.82 O documento, que reivindi-cava a independência imediata e completa, espelhava essa fase inicial da luta e a gestação do próprio movimento, refletindo-se nas ideias de criação de uma frente e de coordenação das várias organizações políticas angolanas.

Quanto ao projeto de nação, destacava-se a ênfase na condenação a quaisquer “distinções de etnia, de classe, de sexo, de idade, de tendên-cias políticas, de crenças religiosas e de convicções filosóficas”. Com tal postura, ainda que no campo programático, o mpla se destacava dos demais movimentos de libertação angolanos. Sua capacidade dis-cursiva e seu posicionamento nacionalista se fariam presentes tanto

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na estrutura organizativa e política, explicitada em seus documentos oficiais, como nas preocupações quanto ao futuro da nação que se sonhava. Seu programa demonstrava atenção aos patrimônios culturais dos diferentes grupos étnicos existentes no território e esboçava um horizonte “republicano, democrático e laico”, regulado por um Estado forte. Evidenciava-se, dessa forma, a familiaridade de seus dirigentes com as disputas existentes no cenário internacional, e seu receio em apresentar uma vinculação política automática.

Não obstante o cuidado na exposição da amplitude de suas ideias, o nacionalismo esboçado pelo mpla estava longe de congregar os interesses de todos aqueles que diziam apoiar sua luta, e mesmo de seus dirigentes e militantes. Alguns dos temas mais explosivos, como as questões étnicas e raciais, continuariam como focos de tensão e conflito dentro do movimento, e viriam à tona nas diversas dissidên-cias enfrentadas pela organização ao longo da Guerra de Libertação, a primeira delas já ao fim de 1962.83

Os projetos de nação em discussão estavam intimamente ligados às trajetórias das organizações políticas criadas nesse período e, sobretu-do, às bases sociais de apoio que esses grupos congregavam. Também os percursos individuais tinham peso considerável, ainda mais quando se tratava de lideranças importantes do ponto de vista da articulação e da mobilização política. Nesse sentido, ganham destaque os embates entre Viriato da Cruz e Agostinho Neto, dois nomes incontornáveis na criação do mpla, na longa troca de correspondência entre os di-ferentes líderes da luta anticolonial angolana, ainda em 1959 e 1960, posteriormente publicada por Lúcio Lara.84 Rivalidade que condensaria em campos opostos grupos com experiências diferentes no tocante a fatores como formação acadêmica, vivência fora de Angola, cor da pele e grupo étnico de origem.85

Indiscutivelmente, o terreno do nacionalismo angolano se apresen-tava pantanoso e repleto de obstáculos. Os fatores citados anteriormente seriam alguns dos temas geradores e fomentadores de divergências no in-terior do mpla, o que não impedia que esses elementos, ou ainda outros, estivessem presentes e atuantes nas demais organizações anticoloniais. O mais grave naquele contexto, porém, é que tais fatores extrapolavam

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os movimentos e exerciam um papel importante no confronto entre as diferentes forças políticas e suas lideranças, como poderemos ver ao observarmos outro importante ator nesse cenário: a União das Populações de Angola (upa), liderada por Holden Roberto.

A upa, que em 1962, após sua associação com outras organiza-ções, seria transformada na Frente Nacional de Libertação de Angola (fnla), era uma derivação de outro movimento, denominado União das Populações do Norte de Angola (upna).86 Essa formação inicial estaria ligada, por sua vez, à polêmica surgida, em 1955, em torno da disputa sucessória no Reino do Congo.87 Os derrotados, que num primeiro momento acusaram a interferência portuguesa na sucessão, na sequência empenharam-se na consolidação da upna, que pretendia fazer reviver os dias de glória do antigo Reino do Congo, o que ficava explícito pela menção regional presente em seu nome.

A base de apoio inicial desse grupo seria justamente o grande núme-ro de angolanos do grupo etnolinguístico bakongo, que vivia de ambos os lados da fronteira Norte da colônia e, com frequência, transitava para o chamado Congo belga, procurando por melhores salários e condições de trabalho. Essa ligação, intensificada a partir da década de 1940, faria que a parte Norte de Angola fosse, em grande medida, marcada politicamente pelos acontecimentos no Congo-Léopoldville.88

O fundamental para a virada na disposição da upna e, consequen-temente, para a criação da upa, seria a presença de seu presidente, Holden Roberto, na Conferência dos Povos Africanos, organizada em Acra em dezembro de 1958.89 Sua participação proporcionou o contato com destacadas lideranças africanas, como Frantz Fanon e Kenneth Kaunda, o que provavelmente foi decisivo para a guinada nacionalista. Ainda no correr da conferência, Holden Roberto divulgou um mani-festo em nome da União dos Povos de Angola.90

A transição apressada para uma sigla que buscava refletir uma postura nacional, comprovada pela ausência de documentos oficiais que sinalizassem essa mudança, não encobriria o fato de que os militantes do movimento e, mais importante, seus alvos preferen-ciais eram angolanos com uma trajetória muito influenciada pela sociedade congolesa e, sobretudo, pela vivência em Léopoldville.91

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É importante ressaltar que na capital congolesa surgira um na-cionalismo marcado pela segregação racial, expresso por meio de afirmações de consciência étnica e racial.92

Em resumo, a experiência colonial de muitos militantes da upa foi, em grande medida, moldada por um ambiente cultural e político muito diverso do que servira de base para os quadros que criaram o mpla. Apesar de as duas organizações terem suas gestações marcadas pelo mundo urbano, Léopoldville e Luanda eram cidades muito diferen-tes. Enquanto a capital congolesa era o principal polo de atração dos bakongos, a capital angolana seduzia a todos os habitantes da colônia. Acrescentemos, ainda, o componente exterior na formação e, de certa forma, na diferenciação do mpla.93

É assim que os líderes do mpla passam a tecer acusações à upa, identificando-a como um movimento não angolano, racista e tribalista. Os líderes da upa, por sua vez, apresentam os dirigentes do mpla como não africanos, mestiços e comunistas. O mpla apostava numa perspectiva nacional mais restrita, tentando subtrair a legitimidade dos dirigentes e militantes da upa ao realçar o suposto defeito de terem nascido no vizinho Congo ou vivido parte de suas vidas nesse local. Também a presença maciça dos bakongos no movimento rival era criticada por tornar turva a ideia de nação angolana. No outro extremo, a upa tremulava a bandeira da africanidade, buscando expor a presença de mestiços nos corpos dirigentes do mpla como obstáculo intransponível a qualquer legitimidade do movimento de libertação. Para Holden Roberto, os líderes do mpla tinham o agravante de se-rem comunistas, o que, na sua avaliação, era a prova de que tentariam impor um regime incompatível e estranho aos angolanos.

Apesar das configurações diversas e até mesmo divergentes, fruto, em grande parte, das diferentes formas como se construiu a relação co-lonial, alguns passos no sentido da associação desses dois movimentos de libertação foram ensaiados.94 No entanto, após o insucesso dessa iniciativa e de uma fase de acusações de ambos os lados, passou-se para o confronto armado.95 A disputa pelo controle do nacionalismo angolano se revelaria uma batalha longa e sangrenta, que caminharia em paralelo à luta de libertação nacional.96

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As ações denominadas 4 de Fevereiro97 e 15 de Março,98 ambas ocorridas em 1961, marcam o início da luta armada de libertação an-golana, ao mesmo tempo que explicitam a divisão desse nacionalismo, já que cada uma delas seria encampada, respectivamente, pelo mpla e pela upa.99 Se as diferentes ações revelam, exemplarmente, fissuras no nacionalismo angolano do início dos anos 1960, rachaduras também se insinuavam, como vimos, no interior dos respectivos movimentos.

Todos se diziam nacionalistas, mas poucos definiam com clareza o que se entendia por tal termo. Além do mais, as explicações nem sempre sobreviviam às oscilações da luta anticolonial e aos embates internos dos movimentos de libertação. De fato, as dissidências vivenciadas por essas organizações políticas do nacionalismo angolano tornam eviden-tes as tensões existentes dentro de cada uma das duas, deixando claro que, por si só, esses grupos já funcionavam como frentes de luta, e não como forças políticas construídas a partir de um projeto unificado. A união de seus líderes em torno de uma determinada bandeira era consequência de solidariedades múltiplas, e os projetos ditos nacionais seriam repetidos exaustivamente, mas não necessariamente consolida-dos, tanto no campo do nacionalismo angolano quanto internamente, em cada um dos movimentos de libertação.

O aparecimento de uma perspectiva nacional, ainda que difusa, nos movimentos de libertação, tem relação estreita com a presença, em seu seio, de pessoas que foram alfabetizadas politicamente no ambiente conhecido como moderno, urbano e colonial. Essa perspectiva nacio-nal, valorizada internacionalmente e reconhecida como o caminho viável para a obtenção do sucesso na luta pela independência, de certa forma reprimiu ou ocultou contestações de outro tipo, assumidamente regionais, que congregavam trabalhadores unidos pela exploração, nem sempre étnicas, mas quase sempre sofrendo tal acusação, como seria o caso da revolta da Baixa do Cassanje.100

As revoltas locais, e mesmo algumas ações individuais, eram, indis-cutivelmente, afrontas à ordem colonial, mas funcionavam em outros moldes. Não apresentavam um discurso organizado, justificado e capaz de alcançar repercussão fora de Angola – fatores fundamentais pela consonância com o momento das independências na África. Mais

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ainda, não tinham relações externas que propiciassem estratégias e suportes militares e diplomáticos. Acima de tudo, não eram nacio-nais, nem ao menos defendiam tal perspectiva. Além de esmagadas pela reação portuguesa, acabariam sendo, quando não encampadas, simplesmente desconsideradas pelos movimentos de libertação.

conclusão

No presente capítulo, buscamos analisar dois diferentes momentos da contestação urbana em Angola. No primeiro, evidenciamos as críticas diretas, incisivas, dirigidas por filhos da terra à forma assumida pela dominação colonial, particularmente no que dizia respeito às medidas que levavam à sua subalternização. Abordamos, também, os anseios de setores colonos pela autonomia administrativa e financeira de Angola, que por vezes os levaram à busca de aliança com os nativos considerados civilizados. Nesse momento, filhos da terra e setores colonos expressaram projetos políticos que excepcionalmente se radicalizaram na defesa da independência e que, de todo modo, não ultrapassaram a concepção vigente de que aos indígenas caberia apenas a enorme tarefa de trabalhar para a porção civilizada da população.

Já no segundo momento, iniciado nas décadas de 1940 e 1950 do século xx, mostramos que, a partir de uma difusa movimentação urbana, a ideia de independência ganhou centralidade. As lideranças que deram vida aos projetos independentistas nesse novo momento foram fruto da proximidade da presença colonial, que tornou possí-vel imaginar a própria ideia de nação. Não por acaso algumas dessas lideranças pertenciam a antigas famílias de filhos da terra.

Gerado, em meio urbano, a partir de pequenas organizações, o nacionalismo angolano seria marcado, mesmo após a independência, por fissuras que se manifestavam nas divergências entre os diversos movimentos e no interior de cada um deles. De todo modo, em claro contraste com a contestação que teve lugar entre o fim do século xix e o início do Estado Novo, finalmente as massas seriam convocadas à luta, inclusive armada.

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Notas

1. René Pélissier. La Colonie du minotaure. Nationalismes et revoltes en Angola (1926-1961). Orgeval: Pélissier, 1978; Mário Pinto de Andrade. Origens do nacionalismo africano. Lisboa: Dom Quixote, 1997; Rosa Cruz e Silva. “O nacionalismo angolano. Um projeto em construção no século xix?” In: Actas do II Seminário Internacional sobre a História de Angola. Luanda: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2000, p.743-802.

2. Marcelo Bittencourt. Dos jornais às armas. Trajetórias da contestação angolana. Lisboa: Vega, 1999.

3. Andrea Marzano. “Filhos da terra. Identidade e conflito social em Luanda”. In: Alexandre Vieira Ribeiro, Alexsander Lemos de Almei-da Gebara (orgs.). Estudos africanos: múltiplas abordagens. Niterói: eduff, 2013, p.30-57.

4. A designação dos territórios ultramarinos variou no discurso e na legis-lação metropolitana. A Constituição liberal de 1822 consagrou o termo províncias ultramarinas, em substituição a colônias. A Constituição republicana de 1911, ainda refletindo os princípios liberais, manteve a designação províncias ultramarinas. A implantação do Estado Novo, em 1926, foi acompanhada da preferência pelo termo colônias, que se manteve até 1951. Nesse novo contexto, em resposta ao avanço dos nacionalismos, os ideólogos do regime salazarista incorporaram o dis-curso lusotropicalista e afirmaram que Portugal não possuía colônias, mas sim províncias ultramarinas. No entanto, é possível afirmar que os dois termos, e ainda outros, foram usados, lado a lado, em todos os momentos.

5. Se em 1850 havia em torno de mil brancos vivendo em Luanda e no interior Leste, até Malange, esse número subiria para 6 mil em 1898. (Jill Dias. “Uma questão de identidade: respostas intelectuais às trans-formações econômicas no seio da elite crioula da Angola portuguesa entre 1870 e 1930”. Revista Internacional de Estudos Africanos, n.1, jan./jun. 1984, p.62-63.)

6. A comparação com o Brasil marcaria, também, o discurso de con-testação à dominação colonial em Angola. Resultante, em parte, dos séculos de comércio atlântico de escravos, que uniram estreitamente, do ponto de vista econômico e cultural, Brasil e Angola, tal referência

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se faria presente, quase setenta anos depois, em estudos que exaltavam o “caráter português” e sua atuação colonizadora no Brasil, na África e na Ásia. Ao contrário do sugerido pelo jornalista d’O Mercantil e pelo próprio Fontes Pereira, o discurso dos mais eminentes acadêmicos luso-tropicalistas tenderia a valorizar as semelhanças, e não as diferenças, do processo de colonização portuguesa na África e na América. (Gilberto Freyre. Aventura e rotina. Sugestões de uma viagem à procura das constantes portuguesas de caráter e ação. Rio de Janeiro: Topbooks, 2001). Para uma análise lusotropicalista da presença portuguesa em Luanda, ver Mário António Fernandes de Oliveira. Luanda, “ilha” crioula. Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1968. Para uma análise crítica do lusotropicalismo, ver Claudia Castelo. O modo português de estar no mundo. O lusotropicalismo e a ideologia colonial portuguesa (1933-1961). Lisboa: Afrontamento, 1998; Gerald Bender. “O luso-tropicalismo”. In: Angola sob o domínio português. Mito e realidade. Luanda: Nzila, 2004, p.41-114; Maria da Conceição Neto. “Ideologias, contradições e mistificações da colonização de Angola no século xx”. Lusotopie, Bordeaux, 1997, p.327-359.

7. O Futuro d’Angola, Luanda, 30 set. 1886, p.1. 8. Idem, Luanda, 30 set. 1886; 21 out. 1886; 24 fev. 1887; 8 mar. 1887. 9. Idem, 21 out. 1886; 19 dez. 1886; 15 jan. 1887; 8 mar. 1887. 10. Idem, 22 jan. 1887. 11. Idem, 21 out. 1886; a mesma ideia se repete em 22 jun. 1887. 12. Idem, 19 dez. 1886; 22 jan. 1887; 24 fev. 1887. 13. Idem, 21 out. 1886; 19 dez. 1886. É interessante salientar que a ideia

da antiguidade da presença portuguesa em Angola, que é um elemento importante do discurso de Fontes Pereira (O Futuro d’Angola, Luanda, 21 nov. 1886; 19 dez. 1886; 15 jan. 1887; 8 mar. 1887), acabaria se tornando, já na segunda metade do século xx, um argumento favorável à manutenção de colônias portuguesas na África, em um contexto em que isso já era questionado no continente por movimentos de libertação e na própria Europa. Tal argumento seria apresentado tanto por intelec-tuais quanto por autoridades do regime salazarista, contribuindo para reforçar a ideia, central no lusotropicalismo incorporado ao discurso oficial, da peculiaridade da presença portuguesa na África.

14. O Futuro d’Angola, Luanda, 22 jan. 1887. 15. Idem

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16. Idem, 21 out. 1886; 21 nov. 1886; 12 dez. 1886; 30 dez. 1886. 17. Idem, 15 jan. 1887; 22 jan. 1887; 6 fev. 1887; 24 fev. 1887; 26 mar. 1887. 18. Idem, 22 jan. 1887; 6 fev. 1887. 19. Idem, 6 fev. 1887. Fontes Pereira provavelmente está se referindo à ilha

de Las Palmas, no arquipélago das Canárias, localizado no oceano Atlântico, na altura de Marrocos.

20. O Futuro d’Angola, Luanda, 21 nov. 1886. 21. Idem, 26 mar. 1887. 22. Idem, 21 nov. 1886; 12 dez. 1886; 15 jan. 1887; 15 jan. 1887. 23. Idem, 21 nov. 1886. 24. Idem, 12 dez. 1886; 30 dez. 1886. 25. Idem, 15 jan. 1887. 26. Idem, 19 dez. 1886. A separação do domínio português em dois mo-

mentos também está presente em textos de João Albasini, represen-tante ilustre dos filhos da terra em Moçambique. Albasini, no entanto, considerava positiva a atuação das autoridades à época da monarquia, direcionando suas críticas para o período republicano. Tal preferência pode ser explicada pelas relações de Albasini com Freire de Andrade, último governador-geral de Moçambique no período monárquico. (José Moreira. Os assimilados, João Albasini e as eleições, 1900-1922. Ma-puto: Arquivo Histórico de Moçambique, 1997, p.39-55).

27. O Futuro d’Angola, Luanda, 15 jan. 1887; 22 jan. 1887; 24 fev. 1887; 8 mar. 1887.

28. Idem, 21 nov. 1886. 29. Idem, 21 nov. 1886; 12 dez .1886; 30 dez. 1886. 30. Idem, 30 dez. 1886. 31. Idem, 19 dez. 1886. 32. Idem. 33. Idem, 12 dez. 1886; 19 dez. 1886; 30 dez. 1886; 26 mar. 1887. 34. Idem, 19 dez. 1886. 35. Idem, 22 jan. 1887; 8 mar. 1887; 26 mar. 1887. 36. Idem, 22 jan. 1887. 37. Idem, 30 set. 1886. 38. Idem, 15 jan. 1887. 39. Idem, Luanda, 22 jun. 1887. 40. Aurélio Rocha. Associativismo e nativismo em Moçambique. Con-

tribuição para o estudo das origens do nacionalismo moçambicano

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(1900-1940). Maputo: Promédia, 2002, p.185-242; José Moreira, op.cit., p.39-90; Valdemir Zamparoni. “Notas sobre classe em África”. In: Entre Narros & Mulungos. Colonialismo e paisagem social em Lourenço Marques (c.1890-c.1940). Tese de doutorado em História. São Paulo: USP, 1998, p.364-393.

41. O Futuro d’Angola, Luanda, 22 jun. 1887. 42. Até a década de 1920, foi frequente a convivência entre colonos e filhos

da terra em diferentes espaços e mesmo associações. A intensificação da presença de colonos e os conflitos daí resultantes tornariam essa convi-vência cada vez mais difícil. (Andrea Marzano. “Práticas esportivas e expansão colonial em Luanda”. In: Victor Melo, Marcelo Bittencourt, Augusto Nascimento – orgs.) Mais que um jogo: o esporte e o continente africano. Rio de Janeiro: Apicuri, 2010, p.71-99.

43. Aida Freudenthal. “Um partido colonial – Partido Reformista de An-gola – 1910-1912”. Revista Internacional de Estudos Africanos, n.8 e 9, jan./dez. 1988, p.20.

44. Muitos centros maçônicos e republicanos foram fundados e mantidos por ativistas da revolta do Porto deportados para Angola e por indi-víduos nascidos no reino que cumpriam pena por delitos de imprensa. Alguns centros republicanos tinham seus próprios jornais.

45. Aida Freudenthal. “Um partido colonial – Partido Reformista de An-gola – 1910-1912”. Revista Internacional de Estudos Africanos, ns.8 e 9, jan./dez. 1988, p.28-31.

46. O primeiro número do semanário A Reforma é datado de 1º de de-zembro de 1910. Nesse número, o jornal é apresentado como órgão do Partido Reformista de Angola, transcrevendo, inclusive, seus estatutos e programa. O último número, de 17 de fevereiro de 1912, anuncia o fim do partido e do próprio jornal. Acrescenta, ainda, que os compromissos assumidos, como anúncios e assinaturas já pagas, serão cumpridos por outro jornal, com nome diferente e “sem cor política”.

47. Aida Freudenthal. “Um partido colonial – Partido Reformista de An-gola – 1910-1912”. Revista Internacional de Estudos Africanos, ns.8 e 9, jan./dez. 1988, p.34-38.

48. Segundo Aida Freudenthal, o jornal Voz de Angola foi fundado em 2 de janeiro de 1911 (Idem, p.23). No entanto, o Arquivo Histórico de Angola possui, em seu acervo, um semanário de mesmo nome, cujo primeiro número é de 5 de janeiro de 1908. No primeiro editorial, o

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referido periódico se apresenta como sucessor do bissemanário Defesa de Angola, que, segundo Júlio de Castro Lopo, era ligado à maçonaria e existiu entre 1903 e 1907. (Júlio de Castro Lopo. Jornalismo de Angola. Subsídios para sua história. Luanda: Centro de Informação e Turismo de Angola, 1964, p.55-56.) Sua proclamação de princípios, bem como o lema “Libertando pela paz, igualando pela justiça, progredindo pela autonomia” sugerem afinidade ideológica com o que viria a se tornar o Partido Republicano Colonial. Possuímos cópias digitalizadas dessa coleção até o ano 3, número 52, de 31 de dezembro de 1910. Nada aponta, nesse número, para a interrupção da publicação. Segundo Júlio de Castro Lopo, o jornal Voz de Angola foi extinto em 18 de maio de 1911, em seu 177º número, em função do falecimento de seu diretor e redator principal Júlio Lobato, que tinha como pseudônimo Xavier da Câmara. Nascido no Porto, em Portugal, Lobato foi jornalista e funcionário público em Angola. Entre 22 de agosto e 1º de junho de 1908, foi presidente da Comissão Municipal de Luanda. (Idem, p.94) Tudo indica que o jornal mencionado por Freudenthal é o mesmo que está disponível no Arquivo Histórico de Angola, tendo sido fundado, portanto, em janeiro de 1908, e não em janeiro de 1911.

49. De acordo com a lei eleitoral, tinham direito de voto “todos os chefes de família e todos os cidadãos que soubessem ler e escrever” (Aida Freuden-thal, “Um partido colonial – Partido Reformista de Angola – 1910-1912”. Revista Internacional de Estudos Africanos, ns.8 e 9, jan./dez. 1988, p.46).

50. Idem, p.50-52. 51. A presença de maçons, monarquistas e republicanos, bem como des-

ses dois partidos, foi estudada, por Fernando Tavares Pimenta, como expressão de um “autonomismo angolano” (Fernando Tavares Pimen-ta. Brancos de Angola. Autonomismo e nacionalismo (1900-1961). Coimbra: Edições Minerva Coimbra, 2005, p.77-116).

52. Aida Freudenthal. “Um partido colonial – Partido Reformista de An-gola – 1910-1912”. Revista Internacional de Estudos Africanos, ns.8 e 9, jan./dez. 1988, p.39-40.

53. Maria da Conceição Neto. “A República no seu estado colonial: com-bater a escravatura, estabelecer o indigenato”. Ler História, Lisboa, n.59, 2010, p.205-225.

54. Eugénia Rodrigues. A geração silenciada. A Liga Nacional Africana e a representação do branco em Angola na década de 30. Lisboa:

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Afrontamento, 2003, p.24. A primeira distinção legal entre africanos civilizados e indígenas teve lugar, ainda antes da República, no terreno do direito criminal. O decreto de 20 de fevereiro de 1894 substituiu, para o caso dos indígenas, a pena de prisão pelo trabalho correcional de 15 dias a um ano (José Moreira da Silva Cunha. O sistema português de política indígena. Coimbra: Coimbra Editora, 1953, p.122). No que diz respeito à legislação laboral, a primeira distinção manifestou-se no Regulamento do Trabalho de 1899, que introduziu o uso do passe e obrigou todos os africanos adultos ao trabalho assalariado, exceto se detentores de rendimentos suficientes (Idem, p.21).

55. O descontentamento de filhos da terra com a institucionalização da figura do assimilado, pelo contraste com o indígena, ocorreu, em Mo-çambique, em decorrência da Portaria Provincial nº 317, de 9 de janeiro de 1917, que estabeleceu que os “indivíduos de raça negra” que se dis-tinguiam culturalmente dos demais deveriam solicitar às autoridades um alvará de assimilação. Para a concessão do alvará, os candidatos seriam avaliados, em seus costumes, por funcionários coloniais (José Moreira da Silva Cunha. O sistema português de política indígena. Coimbra: Coimbra Editora, 1953, p.106).

56. Eugénia Rodrigues, A geração silenciada. A Liga Nacional Africana e a representação do branco em Angola na década de 30. Lisboa: Afrontamento, 2003, p.27-29.

57. Mário Pinto de Andrade, Origens do nacionalismo africano. Lisboa: Dom Quixote, 1997, p.89-97. Entre fevereiro e agosto de 2013, os dois jornais coexistiram.

58. Eugénia Rodrigues, A geração silenciada. A Liga Nacional Africana e a representação do branco em Angola na década de 30. Lisboa: Afrontamento, 2003, p.35.

59. A Província, Luanda, 8 maio 1916, p.1. 60. Eugénia Rodrigues, A geração silenciada. A Liga Nacional Africana

e a representação do branco em Angola na década de 30. Lisboa: Afrontamento, 2003, p.32.

61. Idem, p.34-35. 62. Jill Dias, “Uma questão de identidade: respostas intelectuais às trans-

formações econômicas no seio da elite crioula da Angola portuguesa entre 1870 e 1930”. Revista Internacional de Estudos Africanos, n.1, jan./jun. 1984, p.70-72.

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63. Eugénia Rodrigues, A geração silenciada. A Liga Nacional Africana e a representação do branco em Angola na década de 30. Lisboa: Afrontamento, 2003, p.35-38. Antes mesmo da sua posse como alto--comissário, em 1921, uma lei de 1919 criou reservas de terras para os indígenas, interditando-lhes a propriedade individual, e decretou propriedade do Estado as terras ainda não registradas. Declarando-se “indígenas trabalhadores civilizados”, os prejudicados por essas medidas buscaram, sem sucesso, proteção estatal, obtendo, no entanto, o apoio de jornais de Luanda que representavam os filhos da terra.

64. Substituindo a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (pvde), em 1945, a Pide atuou no controle de fronteiras e nas investigações de ordem política.

65. Marcelo Bittencourt. “Estamos juntos!” O mpla e a luta anticolonial (1961-1974). Luanda: Kilombelombe, 2008, vol.2, p.42.

66. Christine Messiant diferencia o antigo segmento dos filhos da terra, por ela denominado crioulo, dessa camada, que identifica como novos assi-milados (Christine Messiant. “Luanda (1945-1961): Colonisés, société coloniale et engagement nationaliste”. In: “Vilas” et “Cidades”. Bourgs et villes en Afrique Lusophone. Paris: L’Harmattan, 1989, p.125-199; Marcelo Bittencourt, “Estamos juntos!” O mpla e a luta anticolonial (1961-1974). Luanda: Kilombelombe, 2008, vol.2, p.48-49).

67. Idem, p.50. 68. Michel Laban. Mário Pinto de Andrade. Uma entrevista. Lisboa: Edi-

ções João Sá da Costa, 1997, p.59-61. Ver também Marcelo Bittencourt. Dos jornais às armas. Trajetórias da contestação angolana. Lisboa: Vega, 1999, p.112-124.

69. As associações culturais, após a repressão do início dos anos 1920, ressurgiram nos anos 1930 com um perfil reivindicativo menos acen-tuado, mais preocupadas em consolidar a condição que a assimilação assegurava. Tal postura sofreria lenta transformação ao longo dos anos 1940, quando alguns jovens se interessaram por tais instituições, en-xergando nelas a possibilidade de expansão das ideias independentistas (Marcelo Bittencourt, op. cit., 1999, p.122).

70. René Pélissier, La Colonie du minotaure. Nationalismes et revoltes en Angola (1926-1961). Orgeval: Pélissier, 1978, p.247-248.

71. Os primeiros partidos africanos desse período apareceram em função da abertura para a participação de deputados das colônias nas assembleias

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metropolitanas da França e da Inglaterra nos anos 1950. (Marcelo Bittencourt, “Estamos juntos!” O mpla e a luta anticolonial (1961--1974). Luanda: Kilombelombe, 2008. vol.2, p. 58).

72. Ainda assim, não devemos associar as formas de governo existentes na Europa com os desfechos das disputas políticas ocorridas na África. A democrática França, que negociou com suas colônias da África Ociden-tal e Equatorial, em 1958, um plebiscito a respeito da sua manutenção nos quadros da União Francesa, levou adiante, na Argélia, oito longos anos de guerra contra a independência (1954-1962).

73. Bairros pobres, com casas muitas vezes de lata, papelão e tudo o mais que a criatividade permite.

74. Marcelo Bittencourt, “Estamos juntos!” O mpla e a luta anticolonial (1961-1974). Luanda: Kilombelombe, 2008. vol.2, p.65.

75. Nessa fase contaria sobretudo a influência do pensamento de esquerda, transmitido pelos trabalhadores marítimos, pelos exilados do regime ou, ainda, por intermédio de estrangeiros (Michel Laban et al. Luandino. José Luandino Vieira e a sua obra (estudos, testemunhos, entrevistas). Lisboa: Edições 70, 1980, p.16; Mário António Fernandes de Oliveira. Reler África. Coimbra: Centro de Estudos Africanos – Universidade de Coimbra, 1990, p.526).

76. Uma última esperança de mudança dentro dos marcos da legalidade governamental teria lugar com as eleições presidenciais portuguesas de 1958. Nelas concorreria o general Humberto Delgado, em oposição ao candidato salazarista, o almirante Américo Tomás. As eleições deram a vitória ao candidato situacionista, o que provocou várias acusações de fraudes. Carlos Pacheco. “Angola: A descrença dos africanos nos candidatos da oposição”. In: Humberto Delgado. As eleições de 58. Lisboa: Vega, 1998, p.339-353.

77. A polêmica sobre a data de fundação do mpla durou toda a década de 1990. A versão oficial, sustentada pelo partido na segunda década do sé-culo xxi, afirma que data do ano de 1956, enquanto os trabalhos que a contestam insistem que o nome mpla surgiu em fins de 1959, sendo que sua aparição pública só teria lugar em janeiro de 1960. O importante nessa discussão não é propriamente o ano exato de criação da sigla, mas sim o fato de que essa antecipação para 1956 esconde a agitação difusa que estamos realçando. Essa correção proporciona a percepção de divergências de estratégias existentes nesse terreno anticolonial.

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(Marcelo Bittencourt. “A criação do mpla”. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, n.32, 1997, p.185-208).

78. Marcelo Bittencourt, Dos jornais às armas. Trajetórias da contestação angolana. Lisboa: Vega, 1999, p.199-201.

79. Marcelo Bittencourt, “Estamos juntos!” O mpla e a luta anticolonial (1961-1974). Luanda: Kilombelombe, 2008, vol.2, p.68-69.

80. O mac buscou divulgar internacionalmente o desejo de independência das colônias portuguesas. Em 1960 transformou-se na Frente Revolucio-nária Africana para a Independência Nacional das Colônias Portuguesas (Frain), que, como o nome sugere, era uma tentativa de manter alianças entre os movimentos de libertação nacional que tomaram corpo nas colônias. Posteriormente, a Frain passou a se chamar Conferência das Organizações Nacionais das Colônias Portuguesas (concp) (Marcelo Bittencourt, Dos jornais às armas. Trajetórias da contestação angolana. Lisboa: Vega, 1999, p.165-175).

81. Marcelo Bittencourt, “Estamos juntos!” O mpla e a luta anticolonial (1961-1974). Luanda: Kilombelombe, 2008, vol.2, p.68-70 e 76.

82. Lúcio Lara. Um amplo movimento... Itinerário do mpla através de documentos e anotações de Lúcio Lara. Luanda: edição do autor, volume I, 1997, p.509-512.

83. Marcelo Bittencourt. “Fissuras na luta de libertação angolana”. Métis: história & cultura, Caxias do Sul, educs, vol.10, n.19, jan./jun. 2011, p.237-255.

84. Lúcio Lara, Um amplo movimento... Itinerário do mpla através de documentos e anotações de Lúcio Lara. Luanda: edição do autor, vol.I, 1997.

85. Sobre o confronto entre essas duas figuras e seus respectivos grupos pela liderança do mpla, ver Marcelo Bittencourt, “Fissuras na luta de libertação angolana”. Métis: história & cultura, Caxias do Sul, educs, vol.10, n.19, jan./jun.2011, p.237-255.

86. John Marcum. The Angolan Revolution. The Anatomy of an Explosion (1950-1962). Cambridge: The Massachusetts Institute of Technology, volume I, 1969, p.63; e René Pélissier, La Colonie du minotaure. Nationalismes et revoltes en Angola (1926-1961). Orgeval: Pélissier, 1978, p.269, nota 45.

87. Marcelo Bittencourt, Dos jornais às armas. Trajetórias da contestação angolana. Lisboa: Vega, 1999, p.141.

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88. Após o retorno de Patrice Lumumba da Conferência dos Povos Africanos (Acra, 1958), o confronto entre independentistas e o governo colonial belga se intensifica. Lumumba é preso em novembro de 1959, e, em janeiro de 1960, é chamado a participar das negociações em Bruxelas. As eleições e a proclamação da independência do Congo-Léopoldville ocorrem nesse mesmo ano (Marcelo Bittencourt, “Estamos juntos!” O mpla e a luta anticolonial (1961-1974). Luanda: Kilombelombe, 2008, vol.2, p.65-66)

89. René Pélissier, La Colonie du minotaure. Nationalismes et revoltes en Angola (1926-1961). Orgeval: Pélissier, 1978, p.270; John Marcum, The Angolan Revolution. The Anatomy of an Explosion (1950-1962). Cam-bridge: The Massachusetts Institute of Technology, vol. I, 1969, p.66.

90. Marcelo Bittencourt, Dos jornais às armas. Trajetórias da contestação angolana. Lisboa: Vega, 1999, p.142.

91. Em seu esforço para nacionalizar a upa, Holden Roberto considerou a possibilidade de realçar os contatos estabelecidos com figuras atuan-tes na movimentação clandestina em Luanda, em especial o cônego Manuel das Neves. Todavia, seu temor de correr o risco de perder o controle do movimento e do espaço de luta que havia criado, em favor das organizações políticas existentes na capital da colônia, impediu-o de investir nessa conexão (Marcelo Bittencourt, “Estamos juntos!” O mpla e a luta anticolonial (1961-1974). Luanda: Kilombelombe, 2008, vol.2, p.79-85).

92. Christine Messiant. Social and Political Background to the “Demo-cratization and the Peace Process in Angola”. Leiden: African Studies Centre/Seminar Democratization in Angola, 18 set. 1992, p.17.

93. Marcelo Bittencourt, Dos jornais às armas. Trajetórias da contestação angolana. Lisboa: Vega, 1999, p.143.

94. Marcelo Bittencourt, “Estamos juntos!” O mpla e a luta anticolonial (1961-1974). Luanda: Kilombelombe, 2008, vol.2, p.108 e 117.

95. A upa deu o primeiro passo ao atacar tropas do mpla que tentariam abastecer guerrilheiros isolados no norte de Angola (Idem, p.230-245).

96. Para ficarmos no terreno dos movimentos de libertação de maior dimensão, é preciso acrescentar, a partir de 1966, a União Nacional para a Independência Total de Angola (Unita). Formado a partir de uma dissidência da fnla, o movimento comandado por Jonas Savimbi

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conduziu a guerra civil contra o governo do mpla após a Proclamação da Independência de Angola, em 1975.

97. Na madrugada desse dia, em 1961, um grupo de populares atacou as prisões onde se encontravam os líderes independentistas detidos em 1959 e 1960; um segundo ataque, também sem sucesso, teria lugar no dia 10 do mesmo mês. Mais de cinquenta anos depois ainda existem incertezas quanto à matriz política dos articuladores de tais ações, ape-sar de o mpla ter reivindicado a responsabilidade pela sua orientação e organização. (Idem, p.77-79).

98. A revolta, iniciada em 13 de março apesar do nome pelo qual ficou co-nhecida, foi marcada pela violência num grau até então inédito na luta anticolonial. Além dos colonos brancos, também seriam assassinados mestiços e negros identificados como assimilados e muitos ovimbundus que trabalhavam como contratados nas plantações, reforçando assim o perfil étnico e racial da upa. As estimativas oscilam entre trezentos e setecentos brancos mortos, enquanto a reação colonial teria provo-cado a morte de 30 a 50 mil africanos. (René Pélissier, La Colonie du minotaure. Nationalismes et revoltes en Angola (1926-1961). Orgeval: Pélissier, 1978, p.530 e 658).

99. Nesse mesmo ano de 1961, após o início da luta armada de libertação nacional, o governo português promulga o fim do indigenato (Marcelo Bittencourt, “Estamos juntos!” O mpla e a luta anticolonial (1961-1974). Luanda: Kilombelombe, 2008, vol.2, p.55).

100. Cassanje foi uma região que, a partir da década de 1940, sofreu de forma intensa a imposição do cultivo do algodão. A revolta, ocorrida entre dezembro de 1960 e janeiro de 1961, seria marcada, em seu início, pela falta ao trabalho nas lavouras e a recusa ao pagamento do imposto. Com o passar dos dias, o movimento assumiu traços de ação contrários à soberania portuguesa na região, avançando para ataques a bens e propriedades de comerciantes brancos e mestiços. A repressão colonial, que incluiria a ação da força aérea, com o uso de bombas napalm, resultou num elevado número de mortos entre os africanos. Os dados oscilam entre 10 mil e 20 mil mortos. (Aida Freudenthal. “A Baixa de Cassanje: algodão e revolta”. Revista Internacional de Estudos Africanos, Lisboa, n.18-22, 1995-1999, p.245-283).

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