A FANTÁSTICA VIAGEM IMAGINÁRIA DE AUGUSTO EMÍLIO ZALUAR · de Alba Zaluar, antropóloga carioca...

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A FANTÁSTICA VIAGEM IMAGINÁRIA DE AUGUSTO EMÍLIO ZALUAR: ensaio sobre a representação do outro na antropologia e na ficção científica brasileira.

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A FANTSTICA VIAGEM IMAGINRIA DE AUGUSTO

EMLIO ZALUAR: ensaio sobre a representao do

outro na antropologia e na fico cientfica brasileira.

Edgar Indalecio Smaniotto

A FANTSTICA VIAGEM IMAGINRIA DE AUGUSTO

EMLIO ZALUAR: ensaio sobre a representao do

outro na antropologia e na fico cientfica brasileira.

1 edio - 2007

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Copyright 2007 by Edgar Indalecio Smaniotto

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Editora Corifeu Ltda.

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Ilustrao da capa Henrique Alvim Corra (1876-1910)

Primeiro artista brasileiro de fico cientfica

Reviso e Diagramao Edgar Indalecio Smaniotto

Capa e finalizao

Equipe Corifeu

1 edio Setembro 2007

A reproduo parcial ou total desta obra, por qualquer meio, somente ser permitida com a autorizao por escrito do autor. (Lei 9.610, de 19.2.1998)

CIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTE

SMANIOTTO, Edgar Indalecio. A FANTSTICA VIAGEM IMAGINRIA DE AUGUSTO EMLIO ZALUAR: ensaio sobre a representao do outro na antropologia e na fico cientfica brasileira./Edgar Indalecio Smaniotto. 1 edio Editora Corifeu - Rio de Janeiro 2007 196 pp. Prefcio: Dr. Christina de Rezende Rubim. ISBN: 978-85-7794-010-3 1. Antropologia 2. Emilio Zaluar 3. Fico cientifica brasileira I Ttulo

mailto:[email protected]

minha querida Karina, esposa dedicada que, com seu inteligente e carinhoso desvelo, me permitiu a tranquilidade indispensvel realizao deste modesto, porm exaustivo, trabalho. Aos meus pais, Elidio Candido Smaniotto e Carmem Lcia Alves. professora doutora Christina de Rezende Rubim, mestra querida com quem aprendi a conhecer a fascinante cincia antropolgica, que me deu a honra de t-la como orientadora e, mais importante que isto, como amiga. Sem a qual este livro, da mesma forma que a dissertao de mestrado que deu origem a ele, no seria possvel Agradecemos tambm as observaes atentas e generosas dos professores doutores Wilton Carlos Lima da Silva, Viviane Souza Galvo e Giovanni Antnio Pinto Alves, que examinaram as diferentes verses deste trabalho, em nossa banca de qualificao ou de defesa de mestrado.

Atravs da abundante e espantosa literatura chamada de fico cientfica, sobressai no entanto a aventura de um esprito quase adolescente ainda, que se desdobra medida do planeta, se empenha numa reflexo na escala csmica e situa, de maneira diferente, o destino humano no vasto Universo. Mas o estudo de semelhante literatura, to comparvel tradio oral dos narradores antigos, e que d provas dos profundos movimentos da inteligncia em marcha, no coisa sria para os socilogos.

Louis Pauwels e Jacques Bergier, O Despertar dos Mgicos.

Pois o abismo de C. P. Snow entre as duas culturas comeou a ser atravessado, repetidamente, por espritos livres que simplesmente se recusaram a aceitar categorias empertigadamente traadas. De fato a fico cientfica uniu o vazio das duas culturas com uma via expressa.

David Brin Ns, os hobbits: uma reavaliao

imprudente e hertica de J. R. R, Tolkien. Em vez de mapear a cultura em uma hierarquia epistmico-ontolgica tendo no topo o lgico, o objetivo e o cientfico, e na base o retrico, o subjetivo e o no cientfico, devssemos mapear a cultura por meio de um espectro sociolgico, criando uma linha que vai da esquerda catica, onde os critrios so constantemente mudados, at a direita auto-satisfeita, onde os critrios so fixos, ao menos no momento.

Richard Rorty, Thomas Kuhn, as Pedras e as Leis da Fsica.

PREFCIO

Christina de Rezende Rubim Professora Doutora / UNESP - Marlia

A constatao das diferenas entre os homens sempre

existiu, em todos os tempos histricos e nos diferentes espaos deste planeta. Os encontros, reconhecimentos, trocas e emprstimos foram constantes em maior ou menor grau, dependendo dos contextos, sendo que os isolamentos absolutos por um perodo significativo praticamente inexistiram.

Na antiguidade grega e romana eram chamados brbaros todos aqueles que no faziam parte destas sociedades. Na Idade Mdia, os no-cristos eram considerados pagos, isto , sem alma e sem Deus, impossveis de serem ganhos para o reino divino.

Mas a partir do Renascimento, com as grandes navegaes e a descoberta de um novo mundo que comeou a surgir a necessidade de formulaes mais sistemticas sobre essa multiplicidade de outros. Mesmo porque, apesar da conscincia dessas diferenas, sempre nos reconhecemos como parte de uma mesma voz, uma substncia nica que nos singulariza como espcie. Uma empatia/simpatia que nos une e separa ao mesmo tempo, tornando-nos parte de um mesmo todo e ao mesmo tempo construindo trajetrias e identidades singulares e contrastivas.

A caracterstica mais extraordinria do carter intelectual [do chefe Basoto] seu talento para generalizaes. Enquanto Mr. Casalis l para ele algum trecho de histria milenar ou moderna, a seu pedido, sua mente divaga sobre a filosofia do assunto. E passando a mo direita na coxa e se recostando no sof do missionrio, como um homem que descobriu um novo princpio ou as novas provas que vinha procurando

para apoiar aquela que ele deseja que seja mais firmemente estabelecida, s vezes ele se expressa com sentimentos que beiram ao xtase. Casalis, diz ele. vejo que os homens sempre foram os mesmos em todas as pocas. Gregos e romanos, franceses, ingleses e Basotos, todos possuem a mesma natureza. (Relatrio de um missionrio sobre o chefe Basoto, Moshoeshoe, escrito em 1843).

O pensamento antropolgico conseqncia dessa histria, desses encontros e desencontros da cultura ocidental com os demais povos do mundo, e que surgiu no sculo XIX na Europa ocidental.

Conceitos como o de progresso e evoluo marcaram substancialmente este perodo que historicamente se caracteriza pelo colonialismo europeu. Esta expanso faz com que a disciplina ganhe especificidades em contextos nacionais diferenciados como, por exemplo, o ingls, francs, norte-americano e tambm no Brasil.

Em nosso pas, a antropologia comeou a se organizar bem mais recentemente, na primeira metade do sculo XX, especificamente no ano de 1934 com a criao da Universidade de So Paulo (USP). Isso no quer dizer que anteriormente a esse perodo no houvesse pensamento nacional sobre as diferenas entre as culturas. Entre ns, a temtica principal colocava no centro das preocupaes as origens do homem americano.

Com a transferncia da famlia real para o Brasil, com a instalao da sede do governo portugus na colnia em 1808, criou-se, ento, as condies bsicas e iniciais para o surgimento das instituies do saber como, por exemplo, o Museu Nacional no Rio de Janeiro, a Biblioteca Nacional etc, o que proporcionou condies para o desenvolvimento do pensamento social, cultural e poltico entre ns.

A Era dos Museusi (Stocking Jr.: 1983) foi o momento subsequente dessa histria, com o apogeu, no final do sculo XIX, do Museu Nacional no Rio de Janeiro, o Museu Paulista i Ver sobre os museus brasileiros o texto de Schwarcz (1989; 1993).

em So Paulo e o Museu Paraenseii em Belm do Par. Estas eram as nicas instituies no pas que cumpriam um papel relevante enquanto local de pesquisa e produo cientfica. Foi um momento onde se sistematizaram as discusses sobre o homem americano presentes desde o descobrimento, tendo-se, ento, como referencial terico, o paradigma evolucionista em voga na Europa do final do sculo passado. Os intelectuais da chamada gerao de 1870, tinham como preocupao central a criao de um saber prprio sobre o Brasil atravs do cientificismo, empenhados que estavam em conhecer, investigar e mapear o pas e a sua realidade (Pontes: 1989, p. 363). Foi uma poca efervescente e de uma reflexo constante sobre a realidade brasileira, inclusive, com a fundao do Partido Republicano, a Proclamao da Repblica (1879) e a abolio da escravatura (1888).

Segundo Luiz de Castro Faria (1993: p. 70), a primeira tentativa de se criar uma universidade brasileira foi em 1881, apelidada de napolenica por ter como proposta, a unificao das faculdades existentes em todo o pas. Os intelectuais positivistas rejeitaram a idia:

preciso desistirmos, de uma vez por todas, da vaidade de ter uma cincia nacional. A cincia universal no seu destino, e basta que seja elaborada por quem j estiver em condies de faz-lo. a diviso dos ofcios aplicada as naes. (Teixeira Mendes apud Castro Faria: 1993, p. 72)

desse perodo que trata o presente trabalho de pesquisa que a dissertao de mestrado de Edgar Indalecio Smaniotto defendida no Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais, um aluno de filosofia da UNESP que em fins de 2003, cursou vrias disciplinas de antropologia, escolhendo-me como orientadora. A pesquisa trata de Augusto Emlio Zaluar, autor pertencente aquela gerao do final do sculo XIX, e que tinha como uma de suas principais preocupaes intelectuais a problemtica do que hoje denominamos

iiMais tarde Museu Paraense "Emlio Goeldi".

diversidade cultural, um tema pouco discutido naquele momento no pas.

Imigrante portugus, intelectual e, por acaso, tatarav de Alba Zaluar, antroploga carioca que j lecionou em vrias instituies brasileiras, Emlio Zaluar nos apresentado a partir de algumas outras preocupaes que acompanham Edgar em sua trajetria acadmica, que contempla as preocupaes filosficas da pluralidade dos mundos e a literatura de fico cientfica, com a diversidade cultural na antropologia.

Como parte de um ritual acadmico, a construo de dissertaes e teses segue um caminho que, algumas vezes, no lugar de abrir a discusso sobre o mundo em que vivemos, limita o pensamento a determinadas temticas mais ou menos em moda a cada contexto histrico. No vivemos um momento em que comum discorrer sobre vida extraterrestre nas cincias sociais.

Edgar tem essa coragem. Escolhe como temtica a diversidade cultural mais ampla possvel, contemplando uma disputa temtica que se localiza entre a literatura fantstica e o problema da diversidade cultural na antropologia como cincia que estava se construindo, o que sugere tambm a dicotomia entre uma escrita literria e acadmica, ainda em construo naquele perodo e muito discutida em nosso campo atualmente.

SUMRIO INTRODUO 13

1 AUGUSTO EMILIO ZALUAR: ESBOO DE UMA TRAJETRIA.

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1.1 Redator, articulista e tradutor. 27 1.2 O homem de letras 30 1.3 As obras no-literrias 39

2 ENTRE O RELATO DE VIAGEM E A MODERNA ANTROPOLOGIA

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2.1 O relato de viagem 51 2.2 Uma pr-figurao da antropologia. 60 2.3 O antroplogo no mundo do outro 65

3 A ORIGEM DO HOMEM: MONOGENISMO E POLIGENISMO

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4 SERES IMAGINRIOS DO ESPAO. 91 4.1 Pluralidade dos mundos habitados 91 4.2 O aliengena na obra de Zaluar. 110

4 ESTABELECENDO COMPARAES: O DOUTOR BENIGNUS DIANTE DO ROMANCE CIENTIFICO EUROPEU

119 4.1 Jlio Verne e Augusto Emlio Zaluar 120 4.2 H. G. Wells e Augusto Emlio Zaluar 126

5 A FORMAO DE UM MITO CULTURAL: O ALIENGENA NA LITERATURA BRASILEIRA

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5.1 A formao do mito cultural do aliengena 143 5.2 O aliengena na fico brasileira aps Zaluar 158

CONSIDERAES FINAIS 173

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 176

INTRODUO O objetivo desta pesquisa compreender a repercusso

do pensamento europeu no Brasil do sculo XIX, especialmente daquele que trata da cincia das diferenas entre os homens, isto , do outro, do aliengena.

Nossas leituras, salvo engano, nos levaram a constatar que os estudos acerca dos reflexos do pensamento europeu que trata das diferenas entre os homens no sculo XIX no Brasil foram desenvolvidos geralmente a partir da anlise de instituies (SCHWARCZ, 1993 e SCHWARTZMAN, 2003), ou de autores consagrados pela academia (CORRA, 2001). Tendo em vista este panorama, buscamos uma outra via de acesso em nossa pesquisa que nos possibilitaria contribuir com o estudo da cincia das diferenas entre os homens no Brasil.

Se no pretendamos pesquisar instituies nem pensadores sociais, procuramos na literatura essa nova via de acesso. Tivemos por norte a representao que os escritores brasileiros faziam acerca do outro (negro, ndio, europeu etc.), em seus romances. Era imprescindvel, entretanto, delimitarmos nossa pesquisa a um perodo de tempo, a um autor ou a uma obra especfica. Uma vez que tnhamos uma certa experincia na anlise e comentrio de obras especficas (adquirida durante nosso curso de graduao em filosofia), optamos pelo estudo de uma obra literria especfica.

Para tanto, estruturamos nossas referncias metodolgicas a partir da anlise internalista de Lvi-Strauss (2004), que prope examinar a produo literria e cientfica de um autor ou comunidade, recuperando o dilogo interno de sua prpria obra e buscando reconstruir a lgica da composio interna desta, pois a principal tarefa do intrprete restituir a unidade indissolvel do pensamento do autor estudado, sendo fiel ao que ele escreve (GOLDSCHMIDT, 1963).

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Poderamos ter optado por trabalhar com uma obra de autor consagrado pela tradio literria brasileira, Jos de Alencar ou Machado de Assis, entretanto buscamos como objeto desta a obra de um autor marginal, mas que tivesse um pblico leitor (este seria identificado atravs da publicao ou no da referida obra nos ltimos 20 anos), e que tambm influenciasse alguma corrente literria cujos membros estivessem publicando seus textos at pelo menos o final do sculo XX.

Aps pesquisa inicial, escolhemos trabalhar com o livro O Dr. Benignus1 de Augusto Emlio Zaluar. A idia de ter neste romance nosso objeto de pesquisa foi sendo construda a partir da observao de que ele possibilitava diversas chaves de compreenso para o leitor: crtica literria (ponto de origem da fico cientfica brasileira), histria da cincia (uma das primeiras obras de divulgao cientifica brasileira) e crtica filosfica (enquanto defensora da hiptese filosfica da pluralidade dos mundos habitados).

Todas estas leituras podem ser usadas para sua anlise, entretanto no conceito antropolgico do outro, que encontramos nossa chave de interpretao para compreender O Dr. Benignus. E justamente a utilizao feita por Zaluar do conceito antropolgico do outro, que torna a anlise de sua obra importante para os estudos acerca da cincia das diferenas entre os homens no Brasil, no sculo XIX.

Neste perodo, particularmente na Europa, a cincia das diferenas entre os homens estava dividida entre aqueles que pretendiam fazer dela uma cincia da natureza e aqueles

1 O Dr. Benignus, Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1994. Edio crtica, com vrias introdues e uma explicao tcnica quanto aos critrios de modernizao da linguagem, e feita a partir da edio em livros, em dois volumes, de 1875. H indi-caes que o romance teve uma edio anterior em forma de folhetim, fato comum na poca, contidas na seo Ao Leitor (p. 27): Agradeo cordialmente ilustrada redao do O GLOBO a benevolncia com que acolheu o meu trabalho, que hoje principio a publicar...

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que queriam aproxim-la da histria e da filosofia, como afirma Sol Tax:

Na poca moderna, o perodo de trinta anos, de 1840, mais ou menos, at 1870, constitui o mais importante para o estu-do do homem. Poder-se-ia, mesmo, chamar-lhe Guerra dos Trinta Anos, guerra entre duas palavras, etnologia e An-tropologia; guerra entre aqueles que eram historiadores e fi-lsofos, de um lado, e os que defendiam a Cincia, particu-larmente a Biologia (e quaisquer concluses a que ela con-duzisse ), de outro: guerra entre humanitaristas, cuja a cin-cia se relaciona com a causa que defendiam, e puros cientis-tas, dispostos a separar a verdade cientfica de todas as ou-tras preocupaes humanas. (TAX, [S.D.], p. 9-10)

Se a antropologia europia nasce como uma cincia cindida entre estas duas alas, dando a ela um carter interno de competio, ao mesmo tempo em que disputava um lugar entre as cincias estabelecidas, no Brasil se via diante de uma disputa semelhante que acontecia na Europa. Mas com uma peculariedade: aqui, alm da disputa entre etngrafos e antroplogos, a literatura (romantismo naturalista), tambm tomava para si um lugar de direito na interpretao etnogrfica do homem brasileiro (o ndio).

Augusto Emlio Zaluar vai tambm se inserir neste debate com a publicao do romance O Dr. Benignus. Entretanto no far do ndio apenas representao herica (como nas obras de Jos de Alencar) ele discutir, utilizando-se da cincia de sua poca, a hiptese do monogenismo do homem americano e utilizar o mito do aliengena (j presente na filosofia da pluralidade dos mundos habitados), como representao do outro (o civilizado europeu). Por fim, Zaluar tambm discutir a dificuldade encontrada pelo antroplogo em sair do mundo do outro.

Uma vez tendo definido o objeto da pesquisa (o livro O Dr. Benignus) e o conceito norteador de sua leitura (o outro), buscamos recursos metodolgicos para nossa anlise. Mas, ao tratar de um autor do sculo XIX, no podemos esquecer

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que no Brasil Imperial formaram-se alguns movimentos intelectuais que se passaram a reunir em Grupos Literrios2 e Sociedades Cientficas3. Esses estudiosos se subdividiam conforme a adeso a correntes intelectuais europias cientificismo, positivismo, liberalismo, spencerianismo, darwinismo social, ou segundo as instituies cientficas ou polticas das quais faziam parte.

Um possvel retrato a ser feito dessa comunidade de intelectuais possivelmente apontaria para um sincretismo, ou mesmo para um caos terico: intelectuais imitativos, deslumbrados com modas europias, com suas preferncias oscilando ao seu sabor.

Esses intelectuais teriam se constitudo em um grupo mais interessado em imitar teorias estrangeiras do que interpretar a realidade nacional, salvo honrosas excees, principalmente Machado de Assis (SCHWARZ, 2000) e Joaquim Nabuco (MORICONI, 2001). Nestes dois casos, temos intelectuais que sempre foram vistos como excees regra, servindo como norte para anlises que produziro conhecimentos acerca dos dilemas estruturais da sociedade brasileira do sculo XIX.

2 Entre as diversas sociedades literrias existentes na poca, preferimos citar aquelas que reuniam portugueses tais como Zaluar, apesar de este ser naturalizado brasileiro, ou eram de carter misto. Podemos destacar a Sociedade Ensaios Literrios, criada em 4 de dezembro de 1859 e inaugurada a 1 de janeiro do ano seguinte, no Rio de Janei-ro, por iniciativa de Feliciano Teixeira Leito. O Grmio Literrio Portugus, fundado em 1855 por rapazes que trabalhavam no comrcio e que, nos momentos de cio da dura vida de caixeiro, recorriam literatura para se libertar da rotina. Eles chegaram a publicar uma revista, A Saudade. Em 1859, foi fundado o Retiro Literrio Portugus, que tambm dava cursos profissionalizantes. J em 1865 foi fundada a sociedade que se tornaria a mais importante da poca devido aos membros que dela faziam parte. A Arcdia Fluminense contava com a presena de alguns jovens poetas, como Machado de Assis, Joaquim Nabuco, Bethencourt da Silva e Augusto Emilio Zaluar, o mais experiente deles (MACHADO, 2001, p. 272-273). 3 Durante o sculo XIX, foram fundadas diversas instituies cientficas: o Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (1838), o Museu Nacional (1808), o Instituto Ar-queolgico, Histrico e Geogrfico Pernambucano (1868), o Museu Paraense Emlio Goeldi (1866), O Instituto Arqueolgico, Histrico e Geogrfico Alagoano (1869) e o Museu Paulista (1895). Ver: Azevedo (1955), Lopes (2001), Schwarcz (1993), Sch-wartzman (2001).

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Mas, e quanto queles autores menores, que representam a maior parte deste universo? Geralmente so reduzidos s posies sociais que ocupam, aos sistemas de idias que defendiam ou coletividade de membros de um determinado Grupo Literrio ou Sociedade Cientfica.

Muitos desses intelectuais tambm tiveram uma autonomia de idias para alm dos grupos polticos e cientfico-literrios de que participavam, ou dos sistemas filosfico-cientficos europeus, mesmo no tendo o mesmo reconhecimento intelectual de Machado ou Nabuco, mas comearam a ser mais bem estudados. Podemos citar os filsofos Gonalves de Magalhes, Tobias Barreto e Farias Brito (CERQUEIRA, 2002), o astrnomo Luiz Cruls (VIDEIRA, 2001), e o poeta Gonalves Dias (KURY, 2001).

Esses novos estudos revelam que aqueles intelectuais nem eram alheios realidade nacional nem visavam apenas a regurgitar teorias estrangeiras. Estas no eram adotadas aleatoriamente, sofrendo um processo de triagem poltica, cognitiva e social, principalmente atravs do sincretismo que tornava filosofias e vises de mundo, conflitantes na Europa, irms no Brasil.

Ora, se retornarmos Grcia Antiga ou ao Renascena Italiana (TARNAS, [sd] ), para citarmos os exemplos mais bvios e conhecidos, sem dvida no nos escapara o papel importante que teve o sincretismo para o desenvolvimento ocorrido nesses perodos, o que guardadas as devidas propores, tambm ocorreu no Brasil do sculo XIX.

As obras desses intelectuais revelam uma tentativa genuna de movimento de uma situao de dependncia intelectual para uma autonomia, ainda que esta no seja completa, postulando crticas e defesas ao sistema poltico dominante, programas de reforma, teorias filosficas, postulados cientficos e propostas para um Brasil futuro. Este o perodo em que um bando de idias novas avoaava sobre todos ns, de todos os pontos do horizonte... (ROMERO, 1926, p. 22).

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em meio a este movimento intelectual que Augusto Emlio Zaluar (18251882), vai se apropriar do conceito do outro interpretando e representando este atravs de uma perspectiva prpria. Teremos por objeto justamente a anlise deste processo e suas influncias na literatura brasileira con-tempornea. Salientamos que nossa investigao no abarca-r a totalidade da produo bibliogrfica de Augusto Emlio Zaluar; nos ateremos particularmente na obra O Dr. Benignus.

Este estudo nos possibilitara analisar o conceito do outro desenvolvido por Zaluar, e aprofundar as investiga-es, feitas por diversos autores, referentes constituio do campo das cincias sociais no Brasil no sculo XIX, momento de constituio institucional e epistemolgica destas disci-plinas.

Segundo Corra (1987), temos uma abundncia de lite-ratura a respeito da composio ideolgica da intelectuali-dade brasileira, mas uma escassez de reflexes a respeito de sua atuao concreta e produo intelectual. O que propo-mos justamente uma reflexo sobre a produo intelectual de Zaluar, ainda que restrita a apenas uma de suas obras.

Assim, ao analisarmos a referida obra de Zaluar [que praticamente desconhecida dos pesquisadores da rea4], pre-tendemos transform-la numa fonte bibliogrfica significati-va para os pesquisadores da formao do pensamento social brasileiro, uma vez que no temos conhecimento de pesqui-sas sobre divulgao antropolgica romanceada no Brasil,

4 No achamos referncia alguma alm de obras que abordam a histria da fico cientfica. Podemos destacar como obras bsicas para entender o gnero literrio os trabalhos de: Asimov (1984); Carneiro (1968); Causo (2003); Cunha (S. D.); Oliveira (2001); Otero (1987); Schoereder (1986), e a introduo de Alba Zaluar ao O Dr. Benignus, sua obra mais conhecida Peregrinaes pela Provncia de So Paulo (18601861), citada por diversos historiadores, principalmente Srgio Buarque de Holanda (HOLANDA apud TAUNAY, 1975).

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que tenha por tema norteador o conceito antropolgico do outro5.

Lembramos que a histria da constituio do campo da antropologia no Brasil o que alguns autores (CORRA, 1987, 2001 e RUBIM, 1996) chamariam de pr-histria da disciplina tem sido feita seguindo mais ou menos as mes-mas linhas, mas com uma acentuada nfase temtica nas instituies (RUBIM, 1996), principalmente porque a passa-gem do poder colonial para os sujeitos da soberania nacional coincide com a fundao de instituies de saber, onde a antropologia vai aos poucos se construindo, o que no deixa-r de ter conseqncias em sua histria (CORRA, 2001).

Atravs da leitura critica de O Doutor Benignus, de Za-luar, segundo a perspectiva da etnografia do pensamento (GEERTZ, 1997), procuraremos contribuir para a histria da constituio e desenvolvimento do campo da antropologia no Brasil, seguindo uma abordagem e um tratamento analti-co circunstanciado na referida obra. A etnografia do pensamento um modo de compreenso possvel do pensamento que uma determinada cultura (aqui usada em sentido amplo) tem de si mesmo.

Pretendemos, assim, articular o texto O Dr. Benignus, s teorias cientficas6 e ao pensamento e cultura que o

5 Seria Edgard Roquette-Pinto (1884-1954), a se dedicar na primeira metade do sculo XX, mais intensamente a divulgao das cincias em geral e da antropologia. Formado em medicina, mas antroplogo de profisso, Edgard Roquette-Pinto, participaria da fundao da Academia Brasileira de Cincias, onde por sua iniciati-va foi criada a Rdio Sociedade do Rio de Janeiro, projetada para ser uma escola de cincia e cultura para todos os brasileiros analfabetos. Tambm fundou o Servio de Assistncia ao Ensino e sua filmoteca que distribuiria filmes e slides para o ensino de cincias naturais, participou da criao de diversas revistas de divulgao cientfica (Radio, Electron e Revista Nacional de Educao), e em conjunto com o cineasta Humberto Mauro criou o Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE) que produziu e distribuiu nas escolas filmes sobre descobertas cientficas, cidades histricas, higiene, biologia, literatura etc. Ver: LIMA, Nsia. S, Dominichi de. Um Mestre da Cincia para Todos. Revista Nossa Histria. Ano 2, n. 17 de maro de 2005. Rio de Janeiro: Editora Vera Cruz. p. 72-75. 6 O conceito de teorias cientficas que tambm vale para textos cientficos usado por nos neste trabalho num sentido amplo. De uma maneira geral se refere:

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perpassam, visando compreenso da utilizao do conceito do outro por Zaluar. A anlise que estamos propondo, com efeito, possibilitar a articulao e a disputa de legitimi-dade entre o saber antropolgico, cientfico e literrio (LE-PENIES, 1996), encontrados na obra de Zaluar. Poderemos ento entender, na dimenso discursiva, como esses campos do conhecimento percorrem uma mesma trajetria emprica, no sendo praticadas em domnios.

Nesta perspectiva, a obra de Zaluar se torna indispen-svel para entender essa virada epistmico/cultural dentro do pensamento social brasileiro, na medida em que se pro-pe a ser um transunto das idias de seu tempo (ZALUAR, 1994, p. 28), ao mesmo tempo em que pretende contribuir para o que o prprio autor denomina de pesquisa antropo-lgica.

Ao analisar essa dimenso do pensamento social brasi-leiro hoje reconhecidamente chamado de antropologia que ao imbricar com outros saberes7, estipulou critrios clas- 1. s teorias sobre o homem e a sociedade elaboradas ao longo dos sculos XVIII e XIX, cujas origens se encontram na fsica e na histria natural, ou na considerao do homem como extenso e / ou complexificao do mundo fsico ou do reino animal. 2. s disciplinas cientificas constitudas no mesmo contexto em torno do homem e das sociedades, como a Antropologia, a Psicologia, a Sociologia etc. 3. Aos saberes e disciplinas que, no contexto de elaborao de O Dr. Benignus, na ltima metade do sculo XIX, adotaram o discurso da cincia com a pretenso de se transformar-se em cincia, como a Histria, a Crtica Literria e mesmo um certo tipo de literatura, produzida no mbito do romance naturalista, no qual O Dr. Benignus se insere que estava muito em voga, especialmente na Frana de Jlio Verne e Camille de Flammarion. 4. A paradigmas como o evolucionismo ou o positivismo que propem uma perspectiva sistmica que pretende abarcar tanto o mundo fsico da natureza como o mundo humano e social. 5. s teorias que, tomando emprestado da cincia o conceito de raa, propem, fora do quadro conceitual das cincias, classificaes e hierarquias para os seres humanos e as sociedades. 6. s teorias cientficas at ento em voga, que podemos nomear de forma genri-ca como Filosofia Pluralista, esta que trata da existncia de seres extraterrestres. At o final do sculo XIX, essas teorias eram tratadas por cientistas de peso como Sir William Herschel e Nicolas Camille Flammarion 7 No caso especfico da obra de Zaluar, ser interessante principalmente um apro-fundamento maior das relaes que este estabelece entre a pesquisa antropolgica e

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sificatrios sobre o teor civilizatrio das sociedades indge-nas com pretenses de legitimar cientificamente a manu-teno do projeto poltico e centralizador da monarquia, in-tegrando-se, por meio das expedies cientficas8, com outras cincias, para colaborar com a composio de um maior co-nhecimento do espao da nao (PEIRANO, 1991).

Pretendemos, ao estudar o conceito do outro no pen-samento de Augusto Emlio Zaluar, justamente dar uma con-tribuio ao que Mariza Corra (2001) denomina de uma historiografia ainda frgil dos intelectuais brasileiros e da formao do campo da antropologia no Brasil, especialmente ao perodo denominado de pr-cientfico.

Segundo o referencial metodolgico proposto por Geertz (1997),

O pensamento (qualquer tipo de pensamento: o de Lord Russell ou do Baro Corvo, o de Einstein ou de algum caa-dor esquim) deve ser compreendido etnograficamente, ou seja, atravs de uma descrio daquele mundo especifico onde este pensamento faz sentido. (p. 227)

Qualquer estudo que use como referncia a etnografia do pensamento deve ser um empreendimento histrico, so-ciolgico, comparativo, interpretativo, e um pouco escorre-gadio, tendo por objetivo tornar assuntos obscuros mais inteligveis (Geertz, 1997).

Ao analisar o conceito do outro poderemos, atravs do arcabouo metodolgico da etnografia do pensamento, tratar da diversidade de temas e concepes apresentadas e astronmica, a que seu personagem se dedica simultaneamente, tentando lig-las para formar uma teoria evolucionista que d primazia ao continente sul-americano como bero da humanidade, tema at ento defendido por antroplogos como Ladislau Netto, que discutiam as hipteses de ocupao mediterrnea e bblica da Amrica. Ver Netto (1876, 1877, 1885). 8 O prprio Zaluar comenta no livro vrias destas expedies antropolgicas. Segue o nome do naturalista que comandou cada expedio e o captulo que aparece na obra de Zaluar: Saint Hilaire (XIV, XXIV, XXV), Spix e Von Martius (XXX), Dr. Lund (XXI), Couto de Magalhes (VII, XVIII, XXIX, XXII) e Emmanuel de Liais (III, VI, VIII, XIII, XXI, XXII).Para uma reflexo sobre o assunto: Cruz (2002), Kury (2001), Junior (1975), Revista da USP (1996).

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inerentes ao conceito (da forma como apresentado por Za-luar), e seus desdobramentos (no campo das discusses da cincia das diferenas entre os homens no sculo XIX at a literatura de fico cientfica contempornea).

Trata-se de uma reflexo que parte dos modos de fazer da Semitica9 para tratar dos processos se significao, das relaes, das mediaes ou, ainda, dos processos de signifi-cao do conceito do outro no texto de Augusto Emilio Zalu-ar e seus desdobramentos. Todos estes processos no podem ser tratados de forma que sejam apenas um auxilio na inter-pretao da obra, pois, tudo aquilo que ela contm em seu interior, seja de carter cientifico, literrio, cultural ou aquele aglomerado de histrias plausveis que chamamos de senso comum, de vital importncia para o seu entendimento.

Uma das premissas mais importantes deste mtodo que:

As varias disciplinas (ou matrizes disciplinares) humanistas, cientficas-naturais, ou scio-cientficas, que compem o dis-curso disperso da academia moderna, so mais que simples posies intelectuais vantajosas. So, para invocar uma fr-mula de Heidegger, modos de estar no mundo; ou formas de vida, para usar uma expresso wittgensteiniana, ou ainda variedade da experincia intelectual, adaptando de James. (Geertz, p. 232)

Ao explorarmos neste trabalho o conceito do outro que se torna presente na obra de Augusto Emilio Zaluar, poderemos identificar a forma pela qual ele se coloca no mundo, sendo possvel, ento, reconstituir a variedade de experincias intelectuais que ele absorveu e que nos deixou atravs de sua obra. No podemos esquecer que, apesar de estarmos trabalhando com uma obra fictcia, o autor busca deixar muito claro que no est fazendo um simples roman-

9 Aqui no sentido mais amplo de teoria e / ou cincia geral dos signos.

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ce10. Ele v sua obra como uma exposio didtica de seu pensamento e daqueles com os quais dialogava.

Estabeleceremos assim, dentro dos limites presentes neste trabalho, um esboo geral da vida e viso de mundo de Zaluar, indispensvel para compreender e enriquecer a an-lise internalista de sua obra. Portanto, o carter metodolgico de nossa pesquisa se caracterizar, em vrios momentos, pela sua flexibilidade, j que trabalharemos com diversas fontes para assim viabilizar o cumprimento dos objetivos almejados. Como nos diz Becker (1999) [...] quando estudamos [...] temos que conceber mtodos novos apropriados para o segredo que nos confronta [...] medida que as circunstncias da pesquisa o exijam [...] (p. 13).

A pesquisa foi construda de forma a contemplar no primeiro captulo um resumo biogrfico da vida de Augusto Emlio Zaluar, apresentando suas principais obras e temas discutidos por ele em sua carreira literria. Tambm salientamos algumas instituies literrias e cientficas com as quais manteve contato.

O segundo captulo busca discutir o pensamento de Zaluar a respeito da dificuldade que o antroplogo encontra-ria para sair do mundo do outro. Essa discusso feita por Zaluar durante a trama do livro O Dr. Benignus, sendo repre-sentada pelo personagem Willian River que, para a antrop-loga Alba Zaluar, representaria uma espcie de pr-figurao da situao vivida por muitos etngrafos que no sabem como sair do mundo do outro (ZALUAR, Alba. 1994, p. 374).

No terceiro captulo, nosso enfoque se d no contexto das discusses acerca da origem do homem americano, ana- 10 O esprito humano, enriquecido com a grande soma de conhecimento com que as cincias tm opulentado o seu patrimnio intelectual, no pode contentar-se unicamente com as leituras frvolas ou livros de exageradas e s vezes perigosas sedues. Compreendem-no assim as sociedades mais adiantadas. Na Inglaterra, na Alemanha, nos Estados Unidos so raras as obras de pura imaginao e essas mes-mas passam pela maior parte despercebidas. Assim deve ser. Para que o trabalho de um escritor tenha significao aceitvel, preciso primeiro que tudo que eles sejam transunto das idias de seu tempo. ( Zaluar, 1994, p.28). No um romance, nos alerta o autor, mas uma crnica de viagem. (Zaluar, 1994, p. 371)

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lisando a forma com que Zaluar se insere neste debate, parti-cularmente sua defesa do monogenismo do homem ameri-cano. Ao pretender provar a origem do homem no continen-te americano (no Brasil) e sua posterior migrao para outros continentes, ele busca justamente tornar este outro, que o nativo da Amrica, parte integrante da sociedade brasileira.

No quarto captulo, introduzimos a questo do mito do aliengena como um personagem literrio pelo qual Zaluar representa o outro civilizado, mais evoludo, o europeu ou o norte-americano. Para tanto apresentamos as diversas representaes com que este outro aliengena apareceu na cultura ocidental da Grcia Antiga ao sculo XIX. Particu-larmente, demos ateno influncia literria exercida pelo escritor esprita Nicolas Camille Flammarion no pensamento de Zaluar acerca da representao do personagem do alien-gena como o outro civilizado.

No penltimo captulo, procuramos comparar o ro-mance cientfico O Dr. Benignus com seus similares euro-peus. Enfatizamos sobretudo como o aliengena, este perso-nagem representativo do conceito antropolgico do outro, utilizado de forma distinta pelo autor ingls H. G. Wells e pelo brasileiro Augusto Emlio Zaluar. Cada um representa neste personagem a forma com que sua cultura interage com o outro: uma ameaa no caso do ingls, ou um salvador no caso do brasileiro.

Por fim, no ltimo captulo procuramos fazer uma an-lise da importncia dos mitos de nacionalidade (Brasil como um paraso tropical, Brasil como uma democracia racial, os brasileiros como um povo sensual e dcil, e o Brasil como um pas com potencial para a grandeza como nao), e a partir do referencial terico proposto por Axel Honneth e Mary Elizabeth Ginway demonstrar que a representao do outro na figura literria do aliengena por Zaluar acabou por transformar esta figura literria em um mito cultural que reforaria o reconhecimento moral do outro superior aos mitos culturais brasileiros.

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A fim de defender nossa hiptese, fazemos uma breve apresentao de algumas obras de fico cientfica brasileira dando nfase utilizao, nestas obras ao personagem do aliengena como uma representao do outro: guia espiritu-al, um enigma ou mesmo uma imagem de ns mesmos no futuro. Assim buscamos sobretudo interpretar o conceito antropolgico do outro na obra de Zaluar e sua perma-nncia na literatura brasileira atual.

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CAPTULO 1 AUGUSTO EMILIO ZALUAR:

ESBOO DE UMA TRAJETRIA Augusto Emilio Zaluar nasceu em Lisboa em 14 de fe-

vereiro de 1826, filho de Jos de Oliveira Zaluar11, major gra-duado, que servira de comissrio pagador da diviso dos Voluntrios Reais de El-Rei, na campanha do Rio do Prata, antes da Independncia do Brasil. Augusto Zaluar matricu-lou-se no 1 ano da Escola Mdico-cirrgica de Lisboa, dis-posto a seguir esses estudos, mas acaba por descobrir-se mais apto literatura.

Ainda cursando a faculdade se alistou nas tropas po-pulares que fizeram a revoluo de 1844, sob as ordens da Junta do Porto. Nesta poca decidiu abandonar a medicina e entrar para a literatura.

Colaborou com diversos jornais de Lisboa e algumas revistas, entre elas Epoche, Jardim das Damas, Revista Popular e outras publicaes daquele tempo, principalmente com po-emas. J em 1846 publica um folheto intitulado Poesias, pri-meira parte12. Mas no encontrou nos meios literrios rendi-mentos que lhe possibilitassem se sustentar.

Decidiu assim, vir para o Brasil, chegando no Rio de Janeiro a 3 de janeiro de 1850. Tratou logo de tentar viver de meios puramente literrios e jornalsticos. Fez parte das re-daes do Correio Mercantil e do Dirio do Rio de Janeiro; e em Santos, da Civilizao. Em 1856 naturalizou-se brasileiro.13

11 Infelizmente no conseguimos identificar o nome da me de Zaluar. 12 Zaluar, Augusto Emilio. Poesias. Lisboa: Imprensa Nacional, 1846. 13 Informaes retiradas do: Portugal Dicionrio Histrico, transcrito por Manuel Amaral, disponvel em http://www.arqnet.pt/dicionrio/zaluar.html, acesso em 22/06/2004.

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1.1 Redator, articulista e tradutor Em 2 de dezembro de 1857, na cidade de Petrpolis,

fundou, em parceria com Quintino Bocaiva, o Parayba, pe-ridico no formato de jornais, do qual foi redator chefe. Este circulava s quintas-feiras e domingos, e tinha por objetivo o estudo e exame das questes locais, administrativas, econmicas, industriais, comerciais e agrcolas, de cuja prtica ou aplicao poderia resultar verdadeira e real utilidade provncia.14 Duran-te o tempo em que circulou, contou com a colaborao de Machado de Assis, Charles Rybeyrolles, Remigio de Sena Pereira, Thomaz Cameron, Frederico Damke e outros.

Para termos uma idia das preocupaes amplas de Augusto Emlio Zaluar, em diversos campos do conhecimen-to, vejamos alguns exemplos de artigos de sua autoria publi-cados em jornais da poca.

Quando Petrpolis se preparava para enfrentar suas primeiras eleies municipais, em pleno sculo XIX, a Cma-ra Municipal de Vassouras levantava a bandeira em busca de um pouco de arejamento na administrao dos municpios da Provncia.

Augusto Emlio Zaluar, sob o ttulo "O Elemento Munici-pal", deu conta do arroubo vassourense, na edio de 10 de janeiro de 1858 de "O Parahyba". Tratava-se de um ofcio diri-gido pela Cmara de Vassouras a todas as demais cmaras fluminenses, solicitando o empenho de cada uma no sentido de obter-se dos poderes provinciais e centrais a municipaliza-o dos impostos da dcima urbana, das patentes de aguar-dente, da contribuio de polcia e do consumo de gado.

Cada um desses impostos, dizia Zaluar, "merece uma discusso sria, para provar-se a necessidade e convenincia de sua municipalizao e essa discusso ter sem dvida lugar mais tarde em nossas colunas".

14 Informaes retiradas do Editorial da 1 edio.

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O articulista, de certa forma, agitava a questo da au-tonomia municipal, que uma dcada mais tarde seria um dos postulados fundamentais da propaganda republicana. E co-brava o afastamento da poltica, ou melhor, dos interesses e das manipulaes dos polticos, por parte da administrao dos municpios. A vida municipal no deveria estar ao al-cance das barganhas dos grupos em disputa do poder nas esferas provinciais e nacionais.

Os interesses que as Cmaras Municipais so chamadas a promover, so de natureza a repelirem qualquer ingerncia do poltico na sua direo e, tanto embarao tem este achado em tomar assento nas cadeiras dos vereadores, que ciosa de tudo quanto possa ser utilizado em favor de seus manejos, lhes tem sorrateiramente cassado todos os mais importantes direitos, deixando-os quase reduzidos a simples administra-dores de obras, para as quais no h fundos.

E mais adiante: "... o que se quer que o elemento munici-pal reganhe a ao que lhe compete". Este foi o inicio de um r-duo debate que tinha por objetivo ltimo a autonomia da Cidade de Petrpolis. Zaluar, nas matrias publicadas em seu jornal, sejam de sua autoria ou no, j que ele era o reda-tor-chefe, se colocou sempre como uma voz atuante neste debate. Seus resultados e posteriores desdobramentos no sero aqui tratados, j que escapam da alada deste trabalho. Pretendemos apenas mostrar o carter ecltico das preocu-paes de Augusto Emlio Zaluar.

Vejamos outro exemplo, em um pequeno trecho de um artigo seu publicado em "O Parahyba", na edio de 20 de fevereiro de 1859, referindo-se ao o tema da dificuldade que ope navegao a barra do rio, que s praticvel na en-chente das mars, alvitrou:

No a estrada de ferro de Niteri a Campos ... que ser a linha ativa do interior para a capital do Imprio. A linha flu-vial e martima disputa, nova direo que se pretende dar comunicao daqueles pontos com os grandes mercados, a barateza com transportes, que a primeira e principal con-

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dio, para facilitar o incremento da lavoura e do comrcio e, que tem sido encarada at hoje por este motivo, pelos mais abalizados economistas, a incontestavelmente prefer-vel, desde que se coteje a sua importncia, com uma outra estrada interior.

Mais adiante, asseverou Zaluar:

Assim pois, parece-nos afoitamente, que o carril de ferro de Niteri a Campos, no neste momento a via de comunica-o indispensvel, que deve por em contato os grandes cen-tros produtores daquele ponto da provncia com o mercado da capital. Antes os melhoramentos da barra de Campos, em que o governo, conseguindo maiores vantagens, dispensaria talvez, uma soma inferior totalidade do juro com que tem de favorecer a empresa desta estrada de ferro, que resolveri-am em proveito daquele municpio e dos outros a quem ser-ve de intermedirio, o no difcil problema do seu pronto engrandecimento.

Enfim, o que visualizava Zaluar, em sua extraordinria percepo daquele quadro comercial e geopoltico, era a construo de uma estrada de ferro, que atingindo So Fid-lis se projetasse para o interior, onde o Paraba j no era navegvel por embarcaes de porte, de modo que toda a produo do norte da provncia e de uma parte de Minas Gerais chegasse pela ferrovia ao porto fidelense, de onde, pelo rio, via Campos e So Joo da Barra, chegaria com segu-rana aos centros consumidores.

Alm das atividades de articulista e redator, Zaluar vi-ria a se dedicar a tradues de obras literrias para os folhe-tins da poca. Traduziu Os moicanos de Paris para o Correio Mercantil. Nessa poca as tradues comeavam a ser feitas para os jornais daqui antes mesmo de terem sido terminadas na Frana. Devido a problemas com o editor francs, Ale-xandre Dumas interrompeu a obra no jornal parisiense, por muito tempo.

O criativo Zaluar, entretanto, prosseguiu na confeco do romance e lhe deu um final. Algum tempo depois, Du-

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mas retomou a obra, e o Correio Mercantil voltou a publicar sua traduo, dando continuidade ao original do autor, co-mo se nada tivesse acontecido. Seria interessante localizar essa traduo acabada por Zaluar e compar-la com o origi-nal. Seria apenas um remendo ou Zaluar teria sido capaz de dar a ele um final digno do autor francs?15

Entretanto Zaluar no era o nico a fazer esse tipo de trapaa. Vejamos um exemplo citado por Machado:

O Jornal do Comrcio usou a mesma ttica na publicao da srie interminvel de Rocambole, traduzido pelo conselheiro Souza Ferreira. Em certa ocasio, o correio com o jornal pari-siense atrasou. O que fazer? Qualquer soluo era vlida, menos interromper as aventuras do heri de Ponson du Ter-rail. O tradutor, ento, passou a colaborar na obra, chegando a matar alguns personagens. Foi uma ousadia que lhe custou trabalho em dobro. Ferreira viu-se obrigado a ressuscitar su-as vtimas, conciliando os captulos falsificados com o texto original, que chegou dias depois. (MACHADO, 2001. p. 44)

Segundo Ubiratan Machado (2001), tal comportamento era corriqueiro, uma vez que as tradues eram feitas sem qualquer autorizao dos autores ou de seus editores, no havendo assim qualquer respeito propriedade intelectual. Mesmo porque, salienta o autor, no havia qualquer legisla-o sobre direito autoral ou convenes internacionais.

1.2 O homem de letras Alm da atividade jornalstica, Zaluar se dedicou in-

tensamente poesia. Em 1851, publica Dores e Flores16, que teria sua continuao publicada em 1862, com o ttulo de Revelaes17. Apesar de almejar ser poeta, era impossvel a 15 Zaluar tambm traduziu o seguinte livro: FIGUIER, Louis. COLOMBO, Christo-vo. Os Sbios Illustres. Rio de Janeiro : Oliveira & Ca.[Typographia Americana], 1869. 16 Zaluar, Augusto Emilio. Dores e flores. Rio de Janeiro: Typ. De F. de Paula Brito, 1851. 17 Zaluar, Augusto Emilio. Revelaes. Rio de Janeiro-Paris: Livraria de B. L. Garni-er, 1862.

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Zaluar, como para a grande maioria dos escritores brasileiros da poca, sustentar-se apenas vendendo livros.

Paula Brito, que foi editor de Zaluar, foi tambm o pri-meiro a dar um tratamento mais profissional aos seus lana-mentos. J na dcada de cinqenta do sculo XIX, ele colocava anncios de seus livros nos jornais. Tambm dava exemplares grtis para os assinantes da revista Marmota, de sua proprie-dade. Em mdia sua assinatura custava cerca de 5$.

Para termos uma idia de quanto isso significava, O guarani, lanado em 1857, custava 4$, enquanto Dores e Flores podia ser adquirido a 2$. Mas se compararmos com a renda da poca, estes valores se mostravam exorbitantes. O salrio de um funcionrio pblico era de cerca de 100$ mensais, um par sapato custava de 3 a 5$, um par de meia 1$800, enquan-to a mensalidade de um aluno primrio variava de 18$ em regime de meia penso, a 30$ com diria completa. Sendo assim, com exceo das obras de Jos de Alencar, poucos autores venderam mais que 500 volumes na poca18.

Em 1862, o scio de Zaluar no jornal "O Parahyba", Quintino Bocaina, lanou o Projeto Biblioteca Nacional, que pretendia publicar um volume por ms, o que aconteceu ape-nas no seu primeiro ano. J em seu segundo ano foi transfor-mado em uma revista que teve apenas trs exemplares.

Saram pela coleo as seguintes obras: Lrica Nacional, antologia organizada por Quintino Bocaina; Esboos Bio-grficos de vultos histricos, pelo Baro Homem de Melo; As minas de prata, de Jos de Alencar; Estudos Econmicos, por G. C. Bellegardi; Contos do Serto, por Leonardo de Castilho; Lady Clare, sem nome do autor ou tradutor; Memrias de um sargento de milcias, de Manuel Antonio de Almeida; e Apon-tamentos Histricos, topogrficos e descritivos da cidade de Para-nagu,por Demtrio Accio Fernandes da Cruz.

Destas, a primeira obra, Lrica Nacional, contava com a colaborao da Zaluar, entre diversos outros poetas, como:

18 Informaes retiradas de: MACHADO (2001, pg. 73).

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Aurlio Lessa, Antonio Carlos Ribeiro de Andrada, Antonio Joaquim Ribas, Marques Rodrigues, Aquiles de Miranda Varejo, A. J. de Macedo Soares, Augusto F. Colin, Bernardo Guimares, Cludio Manuel da Costa, Constantino de Ama-ral Tavares, Casimiro de Abreu, Francisco Otaviano, F. da Costa Carvalho, Henrique Csar Muzzio, Jos Eli Otoni, Jos Bonifcio, Joo Cardoso de Meneses e Sousa, J. A. Tei-xeira de Melo, J. M. Machado de Assis, Jorge H. Cussen, Joo Silveira de Sousa, Junqueira Freire, Laurindo Rabelo, Fagun-des Varela, Leandro Barbosa de Castilho, Manuel Antonio de Almeida, lvares de Azevedo, M. A. Porto-Alegre, Pedro de Calasans, Pedro Lus, Quintino Bocaina, Salvador de Men-dona e Trajano Galvo.

Esta antologia reunia os mais importantes poetas brasi-leiros da poca. Em sua introduo, um ensaio de Antonio Deodato de Pascal, criticava a imitao corrente que a literatu-ra brasileira fazia de suas matrizes europias e clamava por uma nacionalizao desta, ainda que segundo Wilson Martins a antologia tambm fosse mais voltada para o passado do que para o futuro, sendo claramente pouco revolucionaria19.

Outras antologias contaram com a participao de Za-luar, tais como: Ao Senhor Dom Pedro II, homenagem da Impren-sa Nacional20 e Colleco de poesias21. Zaluar viria tambm a compor poemas de cunho patritico, dos quais podemos destacar Uruguayana22, poema consagrado a celebrar a to-

19 MARTINS, Wilson. Histria da Inteligncia Brasileira. VOL. III (1855-1877). So Paulo: Cultrix e Editora da USP, 1977. 20 Ao Senhor Dom Pedro II, homenagem da Imprensa Nacional. Coletnea de versos dedicados todos a D. Pedro II, pelos poetas D. Magalhes, Odorico Mendes, Delfina da Cunha, Gonalves Dias, Paula Brito, Fagundes Varella, Zaluar, Zeferino Rodrigues, Rodolfo Ornellas, Paranacapiacaba e Mucio Teixeira. Rio de Janeiro: [s.n.], 1887. 21 Colleco de poesias, que contm poemas de. : F. Palha, J. de Lemos, L. C. Sousa Almada, A. de Serpa, Mendes Leal Junior, A. E. Zaluar, L. Corra Caldeira, Antonia Pussich, Joo d'Azevedo, A. F. de Castilho, J. P. das C., Jos Osorio, Gentil e A. P. da Cunha. [S.l. : s.n.,s.d.]. 22 Zaluar, Augusto Emlio. Uruguayana. Rio de Janeiro : Typographia Universal de Laemmert, 1865.

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http://catalogos.bn.br/scripts/odwp032k.dll?t=bs&pr=dpt_retroconor_pr&db=dpt_retroconor&use=pb&disp=list&sort=off&ss=NEW&arg=typographia|universal|de|laemmerthttp://catalogos.bn.br/scripts/odwp032k.dll?t=bs&pr=dpt_retroconor_pr&db=dpt_retroconor&use=pb&disp=list&sort=off&ss=NEW&arg=typographia|universal|de|laemmert

mada dessa praa pelo exrcito brasileiro. De forma geral, os homens de letras se engajaram no conflito.

Primeiramente era desejo destes combater na linha de frente, organizando corpos de voluntrios acadmicos. Mas o Imprio no estava disposto a mandar a fina flor da inte-lectualidade brasileira, j to escassa, para morrer como bu-cha de canho. Era prefervel enviar os voluntrios das ca-madas mais baixas da sociedade.

Os escritores por sua vez davam sua contribuio com poemas impressos e recitados, crnicas e peas teatrais que foram decisivas para a difuso simptica da idia de ser um voluntrio da ptria, um heri da nao.

Machado (2001) destaca as seguintes obras como re-presentativas desta tendncia: O pesadelo de Humait (poe-mas), de Castro Alves; A glria da marinha brasileira no combate do Riachuelo (drama), de Pimentel; Os voluntrios (pea) de Ernesto Cibro, entre outras. Vejamos uma pequena descri-o do autor:

Em 1 de maro de 1868, o navio So Jos chega Corte, em-bandeirado, trazendo as primeiras notcias sobre a queda de Humait, a batalha mais cruenta travada at ento no conti-nente. A vitria leva o povo ao delrio. Passeatas com bandas de msica, vivas, missas de ao de graas, muitos discursos e poesias. Os estabelecimentos pblicos se embandeiram e, noite, iluminam as fachadas. Um Te-Deum, oficiado na Igreja de Santo Antonio, com orquestra e iluminao especial, foi as-sistido por mais de mil pessoas. No final, vrios poetas reci-tam, no interior do templo, no adro, nas escadarias. Dois dias depois, a cidade ainda vive em plena euforia, quando chegam alguns invlidos de guerra. Recebidos no cais Pharoux, so conduzidos em cortejo at a sede do Dirio do Rio de Janeiro, na Rua do Ouvidor, 97, diante da qual a multido se aglomera. So trs horas da tarde. Como sem-pre, poetas e oradores parecem encontrar as palavras e as imagens que o homem simples do povo gostaria de dizer. Da janela do jornal, Castro Alves recita O pesadelo de Hu-mait, despertando o entusiasmo popular. Outros poetas se

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apresentam na mesma tribuna improvisada: Augusto Emlio Zaluar, Ramos de Azevedo, Jos Tito Nabuco de Arajo, L. M. Pecegueiro, Aqquiles Varejo, Pires Ferro, Vitorino de Barros. (MACHADO, 2001, p. 31)

Para esses poetas, era um dever patritico apoiar seu pas na guerra que transcorria, sobretudo para Zaluar, um nacionalista, que apesar de no ser brasileiro de nascimento, acreditava piamente no destino do Brasil como grande na-o, o que ficar patente ao analisarmos sua obra O Doutor Benignus, no captulo 5 - Estabelecendo Comparaes: O Doutor Benignus Diante do Romance Cientfico Europeu.

Mas no foi apenas em relao Guerra do Paraguai que Zaluar e outros poetas participaram como defensores e agitadores de uma causa poltica. As crenas de Zaluar em vida extraterrestre (esta relao ser mais bem trabalhada no captulo 4 Seres Imaginrios do Espao), o levaria a ser um homem tolerante e um forte combatente da escravido, como vemos nesta seguinte quadra de sua autoria.

Quem sou eu? Que importa quem? Sou um trovador proscrito, Que trago na fronte escrito, Esta palavra Ningum!

(Zaluar apud Martins, 1977, pg. 107)

primeira vista esta quadra pode ser pouco elucidati-va, entretanto mudamos de opinio quando descobrimos que ela serviu de epgrafe para o famoso poema abolicionista Quem sou eu?, do poeta Lus Gama. Segundo Martins (1977), enquanto nesta poca diversos poetas escreviam odes independncia da Grcia, da Itlia ou da Polnia, caberia a Lus Gama (1830-1882) iniciar uma poesia realmente social.

Neste poema em que o autor diz que todos so bo-des, a escravido mostrada como um absurdo social, de-sumano e revoltante. O uso do termo bode uma aluso s pessoas que, querendo desmoralizar o poeta, o chamavam de negro e bode. Desmascara-os alegremente, como mem-bros de uma aristocracia pretensiosa e hipcrita.

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Zaluar, ao se comprometer fazer a quadra introdutria, deixou muito clara sua opo pela abolio dos escravos, afinal ele era um leitor de obras francesas e de pensadores iluministas, citados em seu livro O Doutor Benignus. Nada mais natural. Vejamos agora o poema completo:

Se negro sou, ou sou bode, Pouco importa. O que isto pode? Bodes h de toda a casta, Pois que a espcie muito vasta... H cinzentos, h rajados, Baios, pampas e malhados, Bodes negros, bodes brancos, E, sejamos todos francos, Uns plebeus, e outros nobres, Bodes ricos, bodes pobres, Bodes sbios, importantes, E tambm alguns tratantes... Aqui, nesta boa terra, Marram todos, tudo berra; Nobres Condes e Duquesas, Ricas Damas e Marquesas, Deputados, Senadores, Gentis-homens, vereadores; Belas Damas emproadas, De nobreza empantufadas; Repimpados principotes, Orgulhosos fidalgos, Frades, Bispos, Cardeais, Fanfarres imperiais, Gentes pobres, nobres gentes, Em todos h meus parentes. Entre a brava militncia, Fulge e brilha alta bodana; Guardas, Cabos, Furriis, Brigadeiros, Coronis, Destemidos Marechais, Rutilantes Generais, Capites de mar-e-guerra, - Tudo marra, tudo berra.

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Na suprema eternidade, Onde habita a Divindade, Bodes h santificados, Que por ns so adorados. Entre o coro dos Anjinhos. Tambm h muitos bodinhos. O amante da Siringa, Tinha plo e m catinga; O deus Mendes, pelas contas, Na cabea tinha pontas; Jove quando foi menino, Chupitou leite caprino; E, segundo o antigo mito, Tambm Fauno foi cabrito. Nos domnios de Pluto, Guarda um bode o Alcoro; Nos lundus e nas modinhas, So cantadas as bodinhas; Pois se todos tm rabicho, Para que tanto capricho? Haja paz, haja alegria, Folgue e brinque a bodaria; Cesse, pois, a matinada, Porque tudo bodarrada! (Gama apud Martins, 1977, p. 108-109)

Zaluar, entretanto, no se dedicou apenas poesia, es-creveu tambm um romance, O Doutor Benignos, inovador em sua poca, sendo uma de suas nicas duas obras a ter edies recentes, sobrevivendo ao tempo de seu autor. A outra Peregrinao pela Provncia de So Paulo, que comenta-remos a seguir. Ainda que restritas ao interesse de grupos delimitados, Peregrinao, para os historiadores, e Doutor Benignos, no fandom23de fico cientfica brasileiro.

23 Fandom: expresso criada para designar a comunidade de pessoas que lem constantemente fico cientfica, ou seja fs, no caso do Brasil esta comunidade no muito grande, organizando-se em pequenas associaes de leitores-editores, tais como o CLFC (Clube de Leitores de Fico Cientfica), do qual o autor deste traba-lho faz parte.

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Alm do romance citado, Zaluar publicou um livro de contos24. Fez apreciaes crticas para outros autores, como Joaquim Incio Alvares de Azevedo25, um poema em home-nagem a Pedro II26, e uma pea de teatro27.

Eram comuns na poca, poemas e livros dedicados a D. Pedro II. Segundo Machado (2001), esta era uma forma habitual de atrair a ateno do imperador. Predominavam as dedicatrias dignas e contidas, mas algumas eram incomo-damente bajulatrias. No podemos esquecer que o Impera-dor era o grande mecenas das artes e cincias no Brasil, sen-do membro fundador do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (IHGB).

Zaluar, assim como grande parte dos poetas e escrito-res brasileiros da poca, pelas dificuldades de publicao e pelo alcance limitado destas, tinham como soluo as reuni-es em livrarias, redaes etc., onde se formavam associa-es de poetas, para trocarem seus poemas, apreciando-se mutuamente, e editar pequenas revistas.

Podemos destacar as reunies ocorridas no escritrio do advogado Caetano Filgueiras, na Rua So Pedro, 85. Des-tas participavam Machado de Assis, Gonalvez Braga, Casi-miro de Abreu, Jos Joaquim Cndido de Macedo Jnior, Teixeira Melo e o mais maduro deles Augusto Emlio Zaluar.

Tambm eram realizados saraus em diversas casas, com certa regularidade, sempre depois das oito horas. Ma-chado faz uma descrio muito viva e perspicaz destes:

Os saraus geralmente se iniciavam s oito horas da noite, terminando s trs ou quatro da manh. Em alguns, mais de 20 poetas declamavam suas composies, num estilo espa-

24 Zaluar, Augusto Emlio. Contos da Roa. Rio de Janeiro : Typographia do Diario do Rio de Janeiro, 1868. 25 Azevedo, Joaquim Incio Alvares de. Poesias. Rio de Janeiro Typ. Universal de Laemmert 1872. Apreciaes crticas de: Augusto Emlio Zaluar. Jos Feliciano de Castilho Barreto e Noronha. Jos Maria Velho da Silva. 26 Zaluar, Augusto Emlio. Os Rios. A S.M. Imperial o Senhor Dom Pedro Segun-do. [ S.l: s.n, s.d.] 6p. 22cm. Disponvel na Biblioteca Nacional. 27 Esta pea chama-se O cofre da tartaruga, uma conversao em um ato, de 1865.

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lhafatoso, agitado, aos berros, sublinhados por gestos brus-cos, como se quisessem tocar os espectadores e, assim, transmitir a emoo com mais intensidade. Essa maneira de declamar, muito semelhante aos arroubos dos atores em cena, parece ter sido caracterstica da maioria dos recitadores romnticos, mesmo na dcada de 1860, quando o gosto comeava a mudar. Seriam raros os sbrios, de gesticulao medida e palavra de to moderado. Tais ca-sos se deviam mais ao temperamento do que aos hbitos da poca. Deve ter sido o estilo de Machado de Assis, assduo declamador de saraus que, como outros habitues Augusto Emilio Zaluar, o argentino Guido y Spano, Joo Cardoso de Meneses e Souza -, no parece ter sobressado por qualquer qualidade excepcional de recitar. (MACHADO, 2001, p.123 )

Alm destes encontros em casas e saraus, havia as so-ciedades literrias, entre elas a Sociedade Ensaios Literrios, criada em 4 de dezembro de 1859 e inaugurada em 1 de janeiro do ano seguinte, no Rio de Janeiro, por iniciativa de Feliciano Teixeira Leito. Dela no podiam participar brasi-leiros naturalizados, assim como Zaluar.

Em contrapartida, os portugueses fundaram socieda-des como O Grmio Literrio Portugus, fundado em 1855 por rapazes que trabalhavam no comrcio e que, nos momentos de cio da dura vida de caixeiro, recorriam literatura para se libertar da rotina. Eles chegaram a publicar uma revista, A Saudade. Em 1859 foi fundado o Retiro Literrio Portugus, que tambm dava cursos profissionalizantes. Por sua vez, restringiam a entrada de brasileiros.

Em 1865, foi fundada a sociedade que se tornaria a mais importante da poca devido aos membros que dela faziam parte, e por ser aberta tanto a brasileiros como a por-tugueses; A Arcdia Fluminense contava com a presena de alguns jovens poetas, como Machado de Assis, Joo Cardoso de Menezes e Sousa, o adolescente Joaquim Nabuco, Pedro Lus, Bethencourt da Silva, Vitoriano de Barros, Melo Moraes Filho e Guilherme Bellegarde, alm de vrios portugueses

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naturalizados, entre eles Augusto Emlio Zaluar, o mais ex-periente deles. (MACHADO, 2001)

Nestes ambientes literrios foi formada a literatura romntica brasileira, dando ao Brasil uma nova gerao de intelectuais preocupados com os rumos que a nova nao ia tomar.

1.3 As obras no-literrias Zaluar era um homem profundamente interessado em

cincias naturais e fsicas, principalmente em astronomia; havia comeado sua carreira como mdico. Publicou obras sobre diversos temas, como biografia, seja em obra prpria28, ou em parceria29, e tambm obras de carter didtico30, afinal era Lente em pedagogia da Escola Normal.

Mas seria uma obra sua dedicada cincia e tecnolo-gia31, assuntos de vital importncia para Zaluar, que lhe ren-deria o mrito de entrar para o Instituto Histrico e Geogr-fico Brasileiro (I H G B).

No romance O Doutor Benignus, ele faz algumas ante-cipaes cientficas. Podemos destacar sua nfase na impor-tncia dos aparelhos eltricos de iluminao, numa poca em que a lmpada incandescente ainda no havia sido inventa-da, e a previso de que o homem alcanaria o estgio da di-rigibilidade dos bales, feito histrico realizado por Santos Dumont em 1901.

28 ZALUAR, Augusto Emlio. Emlia Adelaide. Rio de Janeiro, Typ. do Dirio de Rio de Janeiro, 1871. 29 CASTRO, Eduardo de S Pereira de. ZALUAR, Augusto Emlio. Os Heres brazi-leiros na campanha do sul em 1865. Rio de Janeiro: Typ. Pinheiro & Comp. 1865. 30 ZALUAR, Augusto Emlio. Lies das cousas animadas e inanimadas; modelos e assunptos de exercicios oraes e por escripto para os meninos de 5 a 8 annos, imi-tao, para uso das escolas primarias 3. ed. Rio de Janeiro, Liv. classica de Alves & comp., 1893. 31ZALUAR, Augusto Emlio. Exposio Nacional Brazileira de 1875. Rio de Janeiro : Typ. do Globo, 1875. (Disponvel na Biblioteca Nacional)

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Entretanto, Roberto de Sousa Causo32 critica Zaluar por no ter se dedicado mais s especulaes tecnolgicas nessa obra, como teriam feito autores ingleses e franceses da poca. Certamente ele teria feito mais pela fico cientfica e pela cincia brasileira se estivesse procedido dessa forma. Mas isso no significa que Zaluar no era entendido nesta rea. Era scio da Sociedade Auxiliadora da Indstria Nacional (SAIN), sediada no Rio de Janeiro, constituda por mais de duzentos scios, na dcada de 1820, e que se reuniam com o intuito de incentivar o uso de mquinas e inventos na agri-cultura e difundir conhecimentos tcnicos, por meio do peri-dico O Auxiliador, a partir de 1833. Ele certamente tinha conhecimento das descobertas tecnolgicas mais recentes, j que elas eram divulgadas e comentadas nestas reunies.

A sociedade era integrada por fazendeiros, comerciantes, advogados, polticos, funcionrios pblicos, mdicos, professo-res, naturalistas, militares e eclesisticos e uma de suas realiza-es foi a publicao do Manual do Agricultor Brasileiro,

Obra indispensvel a todo o Senhor de Engenho, Fazendeiro e Lavrador, por apresentar huma idia geral e philosophica da Agricultura applicada ao Brazil, e o seu especial modo de produo, bem como noes exatas sobre todos os gneros de cultura em uso, ou cuja adopo fr profcua, e tambm hum resumo de horticultura, seguindo de hum eptome dos princpios de botnica e hum tratado das principais doenas que atacam os pretos.(H. M. B. Domingues, Cincia: Um ca-so de Poltica As relaes entre as Cincias Naturais e a Agricultura no Brasil Imprio, tese de doutorado, So Paulo, FFLCH, 1995, pp. 77-78.)

O Manual foi organizado pelo francs Carlos A. Tau-nay e pelo naturalista Ludwig Riedel, que participara da expedio do cnsul russo Langsdorff e assumira a direo da seo de Botnica do Museu Real. Para a sua publicao, em 1839, foi obtida verba junto ao Ministrio dos Negcios

32 CAUSO, Roberto de Souza. Fico cientfica, fantasia e horror no Brasil -1875 a 1950. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2003.

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do Imprio, pois a obra divulgava a atividade agrcola volta-da para a exportao, assim como para o mercado local.

Na primeira parte da obra redigida por Taunay, que adquirira terras e plantava caf, eram apresentados assuntos como melhoramento dos engenhos de cana de acar, as culturas de caf, algodo e fumo, alm de captulos sobre:

Culturas que Devem ser Naturalizadas, Reproduzidas ou Amplificadas e Vegetais Comestveis, Vulgarmente Chama-dos de Mantimentos. Na segunda parte, sob a responsabili-dade de Riedel, constam as Noes Elementares de Botni-ca e o Mapa das Plantas Econmicas e Medicinais mais U-sadas na Economia e Medicina Domestica Brasileira, com in-dicaes para aumentar a produtividade da cultura do ch, cochinilha, cera e produtos passveis de obteno de leo de rcino, amendoim, tabaco, anil, amoreiras, entre outras. (H. M. B. Domingues, Cincia: Um caso de Poltica As relaes en-tre as Cincias Naturais e a Agricultura no Brasil Imprio, tese de doutorado, So Paulo, FFLCH, 1995, p. 83-84.)

Essa sociedade foi o que o Brasil teve de mais prximo de uma Sociedade para o Progresso da Indstria e das Cin-cias da Engenharia. Entretanto, no era objetivo das classes sociais brasileiras mais abastadas (donas de latifndios agro exportadores) fomentar o desenvolvimento industrial do pas, o que levaria ao fracasso da tentativa de industrializao bra-sileira, e mesmo do desenvolvimento econmico do pas.

Dessa maneira, considera-se o desenvolvimento como resulta-do da interao de grupos e classes sociais que tm um modo de relao que lhes prprio e, portanto, interesses materiais e valores distintos, cuja oposio , conciliao ou superao d vida ao sistema scio-econmico. A estrutura social e poltica vai-se modificando na medida em que diferentes classes e gru-pos sociais conseguem impor seus interesses, sua fora e sua dominao ao conjunto da sociedade. (CARDOSO e FALETTO, 1970, p. 22)

Justamente devido ao fato de os interesses das classes sociais brasileiras que tinham poder de deciso estarem liga-

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dos aos grupos latifundirios, no foi possvel a industriali-zao do Brasil na poca. Explica-se assim porque, ao contr-rio de Julio Verne, Zaluar no deu grande nfase para a tec-nologia em seu romance, apresentando-se como um naciona-lista, e querendo fazer uma obra legitimamente brasileira. Aps ter presenciado o fracasso da SAIN em implementar a industrializao no Brasil, provavelmente perdeu as espe-ranas de que esta viesse algum dia a ocorrer, por isso em sua obra, quando se refere cincia considera o dirigvel uma mquina de fabricao americana.

Se por um lado o Brasil era visivelmente governado por uma oligarquia pouco interessada em cincia, o mesmo no se pode dizer do Imperador Pedro II, que tinha interesse poltico em melhorar a imagem do Brasil na Europa.

Vejamos um pequeno exemplo deste esforo:

No dia 28 de Janeiro de 1860, o prestigioso jornal francs L Illutration deve ter surpreendido os leitores preenchendo a sua primeira pgina com a imagem do nosso D. Pedro II. Sob o ttulo Arrive de lempereur du Brsil a Pernambouc (Chegada do imperador do Brasil a Pernambuco), o texto informava sobre a viagem que o monarca realizara pelas provncias do pas, a fim de conhecer as necessidades do povo e a situao dos servios pblicos locais. Referia-se tambm s ruas enfeitadas para a passagem do ilustre visi-tante, ao acolhimento caloroso dos sditos e s melhorias que as suas observaes pessoais, colhidas in loco, poderiam trazer ao pas. A imagem de um governante ilustrado, a-mante das cincias e das artes, vinha articulada misso que lhe foi atribuda: o progresso do Brasil. (ZENHA, Celeste. Os Marqueteiros do Imperador: Mobili-zando diplomatas e gastando muito dinheiro em propaganda, D. Pedro II fez de tudo para construir, na Europa, uma opini-o favorvel sobre o Brasil. Revista Nossa Histria. Rio de Ja-neiro: Biblioteca Nacional, 2004. Ano 1, N. 8. p. 70.)

Era de interesse do Imprio mostrar ao mundo que o Brasil podia chefiar um projeto civilizador na Amrica do Sul, como tambm divulgar a imagem de pas civilizado a fim de

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atrair mo-de-obra para substituir os escravos, j que o fim do trfico negreiro e a nova legislao, que acabava com a escra-vido em mdio prazo, levaria falta de mo-de-obra.

Para tanto o imperador comprava constantemente es-pao nos jornais estrangeiros a fim de divulgar sua imagem. Ao mesmo tempo fazia amizade com personalidades cient-ficas, como Louis Agassiz, que tinha se tornado amigo do imperador durante sua passagem pelo Brasil, em 1865, quando fez diversas conferncias de temas ligados cincia. Por insistncia de sua mulher, foi permitida a entrada de mulheres pela primeira vez neste tipo de atividade no Brasil.

Mas nem s de reportagens e amizades se fazia propa-ganda desta grande nao civilizada. O imperador busca-va uma maior aceitao do Brasil, e logo o Brasil estaria se apresentando nas chamadas Exposies Universais, que comearam a partir de 1851, contando com a participao de representantes europeus, americanos, orientais e africanos. O termo Americanos, aqui se refere aos Estados Unidos.

Apesar de no merecer qualquer destaque especial, a regula-ridade da participao brasileira chama a ateno. At o fi-nal da monarquia, o Brasil estaria presente nas exposies de 1862 (Londres), 1867 (Paris), 1873 (Viena), 1876 (Filadlfia) e 1889 (Paris), enquanto outros pases da Amrica Latina no tomariam parte sequer de uma feira, a Argentina entrou a-penas na de 1889. (SCHWARCZ, 1998, p. 397)

O Brasil realmente tinha pouco destaque em feiras que pretendiam expor as ltimas conquistas tecnolgicas da bur-guesia capitalista. Nestas os produtos expostos eram dividi-dos em: manufaturas, maquinarias, matria-prima e belas-artes. No caso do Brasil, o destaque no estava na tecnologia:

Para a primeira apresentao internacional, em 1862, o Brasil levou o que tinha de melhor: caf, ch, erva-mate, guaran, arroz, borracha, tabaco, fibras vegetais, abelhas, algodo e feno. Alguns produtos de nossa indstria tambm foram a-presentados maquinaria em geral, materiais para estrada de ferro e construo civil, telgrafos, armamentos militares

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mas no despertaram ateno. Apesar de a inteno ser, tambm, mostrar como o Brasil fazia parte dessa orquestra das naes progredidas, os prmios ficaram para o caf e a cermica marajoara. Como sempre, l fora era o nosso lado extico que estava em pauta. (SCHWARCZ, 1998, p. 395)

Antes de participar das chamadas Exposies Univer-sais, era necessrio organizar no pas uma exposio nacio-nal, para assim escolher os itens a serem enviados. Segundo Schwarcz (2000), o governo imperial financiava estas exposi-es mesmo sabendo que teria prejuzo. A primeira Exposi-o Nacional de 1861, por exemplo, teve gastos da ordem de 66:164$200 e nos 42 dias em que esteve aberta e foi visitada por 50739 pessoas obteve apenas 15:367$000 de retorno (SCH-WARCZ, 2000, p. 394)

Mas isso tinha pouca importncia, pois o objetivo do imperador era divulgar as conquistas do seu pas. Vejamos como se deu a Exposio Nacional Brasileira de 1875, esta acompanhada por Zaluar.

Esta seria a quarta Exposio Nacional, que prepararia a participao brasileira na Exposio Universal de Filadlfia de 1876. Ficou aberta durante quarenta e cinco dias, com um nmero de 67.568 visitantes, um aumento at considervel em relao primeira.

Augusto Emlio Zaluar fez visitas cotidianas aos sa-les da exposio, que para ele era a sntese mais brilhante do progresso cientfico e material do pas.33 Mas como j salientei acima, apesar de ser um entusiasta da industrializao, Za-luar era, sobretudo, um realista. Ele diria:

Sabemos que nem todos os melhoramentos indicados pelos trabalhos expostos esto em via de construo, que alguns deles tero de ser suprimidos ou modificados; mas no menos certo que muitos se acham em andamento, tanto rela-tivamente a vias frreas e estradas, como a benfeitorias de portos e navegabilidade de rios, edifcios pblicos e outras

33 ZALUAR, Augusto Emilio. Exposio Nacional Brazileira de 1875. Rio de Janeiro : Typ. do Globo, 1875, p. 137.

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muitas obras de utilidade geral. Em presena, pois, de to srios e laboriosos estudos, de to variados trabalhos, de to grandes e colossais empresas, no dado a ningum duvi-dar das aspiraes civilizadoras do pas, nem do esprito da pblica administrao, que d expanso to teis quanto elevados cometimentos. (ZALUAR, 1875, p. 138-139).

O confronto entre a realidade de um pas que pouco fazia para se industrializar e fomentar uma educao cient-fica, e a esperana de Zaluar no destino manifesto de gran-deza do pas aparece em muitos de seus textos. Trabalhare-mos melhor esta questo ao abordarmos O Doutor Benignus.

Com o trmino desta obra, comentando a Exposio Nacional de 1875, Zaluar foi agraciado com a sua entrada no IHGB alm de receber homenagens do prprio Imperador34. Vejamos o parecer de admisso de Zaluar na maior institui-o cientfica de ento:

A commisso subsidiaria de trabalhos histricos foi presente a proposta do Sr. Augusto Emilio Zaluar para scio corres-pondente do Instituto Histrico e Geographicco Brasileiro, servindo-lhe de titulo admisso os seus trabalhos litterari-os, e especialmente o livro que ultimamente publicou sob o titulo A Exposio nacional brasileira de 1875. No so desconhecidas commisso as differentes obras com que firmou o Sr. A. E. Zaluar seus crditos de litterato, e fora, repetir o que a critica tem dito de sobejo, encarecer ain-da uma vez o valor dessas produces.O Sr. Zaluar dos bons poetas de nossa gerao, e na espcie litteraria, recen-temente cultivada com tanto brilho por J. Verne em Frana, estreiou elle h pouco o seu talento, dando-nos o Doutor Be-nianus, que um feliz ensaio da applicao daquela mo-

34 Agraciado por Dom Pedro II com a venera de Cavaleiro da Ordem da Rosa, Viu-se Zaluar , a 10 de novembro de 1867, eleito scio efetivo do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, com a aprovao unnime do parecer de admisso relatado pelo Dr. Benjamim Franklin de Ramiz Galvo. Embora no fosse o candidato autor de obra histrica, observava o eminente relator, possua sobejos textos literrios. Arrolava-se entre os bons poetas da sua gerao, compusera o imaginoso romance do O Dr. Benignus, adaptao ao Brasil do gnero de Julio Verne. E devia-se-lhe o excelente estudo A Exposio Nacional Brasileira de 1875 (TAUNAY, 1975, p. 8).

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derna frma de romance s cousas de nosso paiz e descrip-o de nossa natureza. Seu ultimo trabalho A Exposio nacional brasileira de 1875 uma prova da perspiccia e da variada illustrao que a-dornam o talento do Sr. Zaluar, e, posto que a rigor se no possa intitular uma obra histrica tal como a exigem os nos-sos estatutos para titulo de admisso ao grmio desta nobre associao, todavia at certo ponto um documento histri-co para os annaes da industria nacional e um lcido com-mentario de nossas riquezas naturaes. A commisso , pois, de parecer que a proposta est no caso de ser approvada, e ousa esperar muito da applicaco do ta-lento do Sr. A. E. Zaluar ao gnero especialde estudos que constitue a nossa divisa e o nosso legitimo empenho. Sala das sesses do Instituto Histrico e Geographico Brasileiro, 10 de Novembro de 1876.- Dr. B. Franklin Ramiz Galvo, re-lator. Jos Tito Nabuco de Arajo. Foram unanimemente approvados por escrutnio secreto os dois pareceres da commisso de admisso de scios, que haviam ficado sobre a mesa, favorveis aos Srs. Baro de Sc-hreiner e Francisco Manoel lvares de Arajo, sendo estes senhores adimittidos ao Instituto, aquelle como scio hono-rrio e este como correspondente. O Sr. Dr. Joaquim Antonio Pinto Junior pediu a palavra, e leu um trabalho biographico sobre o Dr. Joo Baptista Bada-r e seu assassinato na provncia de S. Paulo. (AZEVEDO, 1876, p. 450-451)

Vale ressaltar nesta nota de admisso o destaque dado aos diversos trabalhos desenvolvidos por Zaluar em reas to diferentes. Alm de ter sido scio da Sociedade Auxiliadora da Indstria, do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (IHGB) e de A Arcdia Fluminense, os interesses de Zaluar o levaro a ser tambm scio correspondente do Observatrio Nacional. No captulo seguinte, discutiremos em pormenores a relao deste com a astronomia.

Para terminarmos esta apresentao de Zaluar, deve-mos conhecer um pouco daquela que sua obra mais discu-

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tida e utilizada por historiadores, inclusive por Srgio Buar-que de Holanda (HOLANDA apud TAUNAY, 1975, p.5-9), a Peregrinao pela Provncia de So Paulo (1860-61).

Trata-se de um relato de viagem, to comum no sculo XIX, com uma leve diferena em relao a seus contempor-neos. Enquanto grande parte dos viajantes, principalmente estrangeiros, estava preocupada em catalogar a natureza brasileira, Zaluar, realizava sua viagem a fim de catalogar os elementos civilizadores desta nao, por isso ela transcorreu nas provncias do Rio de Janeiro e principalmente na de So Paulo, onde comeavam a surgir cidades de mdio porte, alguma indstria e estradas de ferro, devido principalmente cultura cafeeira.

Vejamos um pequeno trecho que elucida estas preocu-paes de Zaluar:

Alm da parte puramente descritiva destes meus aponta-mentos de viagem, tenho empenhado todos os meu esforos para obter a maior soma de dados estatsticos acerca das po-pulaes, da produo do caf, e do nmero de alunos que freqentam as nossas escolas de instruo primria e secun-dria nas povoaes que tenho visitado; infelizmente porm tal a escassez dos documentos, mesmo nos arquivos pbli-cos, que dificilmente se consegue formular um clculo apro-ximado para nos orientar no importante trabalho de uma es-tatstica mais geral e completa. (ZALUAR, 1975, p. 56)

Neste trecho est clara a preocupao de Zaluar, ligada a elementos que seriam por ele vistos como aqueles que le-variam o Brasil rumo ao progresso. Em sua viagem ele no iria catalogar elementos da natureza extica, mas as cidades, suas populaes, economia e educao.

A educao um ponto sempre importante em suas re-flexes. Ele no deixou de comentar, a cada cidade pela qual passava as escolas l existentes, o nmero de alunos de am-bos o sexo e o nvel cultural destas cidades, preocupao esta sem dvida ligada sua condio de pedagogo e escritor. Vejamos:

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Existem na vila duas escolas pblicas de instruo primria: uma do sexo masculino, freqentada por vinte e seis alunos, e outra, do sexo feminino, por poucas educandas. Alm destas, h uma escola de instruo secundria, onde estudam dez alunos, alguns dos quais com muito aprovei-tamento, e paga pelos cofres provinciais, que lhe fornecem 800$000 Rs., e a municipalidade, que entra com 400$000! Raro e louvvel exemplo de filantropia dado por uma popu-lao em favor de sua mocidade! (ZALUAR, 1975, p. 70)

Ainda assim, podemos notar que o autor no consegue se desprender das convenes de seu tempo, apesar de a educao ser parte integrante de suas preocupaes. Para ele a educao estava mais ligada a um ato de compaixo e cari-dade dos governantes, do que a um dever de conced-la esta aos cidados.

As preocupaes culturais do autor so amplas; ele fala sobre a necessidade de cada cidade ter sua biblioteca e tea-tro, e de o povo participar de eventos culturais. A cada cida-de que chegava buscava ter contato com escritores locais, sempre interessado em conhecer suas obras e travar discus-ses com eles. Deixava claro que no gostava muito de festas populares: Eu prefiro os encantos de uma conversa espiri-tuosa a todas as quadrilhas do mundo (ZALUAR, 1975, p. 24)

Preferindo, ao invs destas, participar de animadas conversas com intelectuais, locais, suas conversas, refle-xes e censo prtico o levaram a comentar a necessidade de instalao de estradas de ferros para escoar a produo cafe-eira, de reforma no porto de Santos, de melhorias nas estra-das etc.

Outra preocupao sua era com a necessidade de se conservar o patrimnio histrico da nao, mesmo porque uma nao to jovem no poderia se dar ao luxo de esquecer fatos to importantes e recentes.

Para quem sai de S. Paulo pela estrada de Santos, depois de haver deixado o pitoresco stio da Glria, clebre por uma

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casa que se v distante do caminho e pelo eco que a se desa-fia nas belas noites de luar, o primeiro objeto digno de aten-o que encontra , a pouco mais de uma lgua da cidade, um lugar estril, abandonado e rmo, onde apenas crescem algumas ervas rasteiras e arbustos enfezados, por entre os quais serpeia um triste arroio, e onde imperam a solido e o silncio. Este lugar chama-se a campina do Ipiranga! No h a um monumento, uma coluna, uma pedra, uma estaca ao menos que indique ao passante ser esse o trio onde se con-sumou o fato mais brilhante da histria nacional, e onde se gravou a data imortal da independncia de um povo! (ZA-LUAR, 1975, p. 189)

Zaluar termina sua obra com um captulo interessante do ponto de vista antropolgico: Apontamentos para a Civili-zao dos ndios Brbaros do Reino do Brasil, interessante do-cumento etnogrfico.

Acreditamos, neste breve esboo, ter dado ao leitor uma descrio, ainda que sucinta, suficientemente capaz de mostrar de forma mais ou menos detalhada a vida, a obra e as paixes de Augusto Emlio Zaluar. Um trabalho biogrfi-co mais detalhado, ainda que necessrio, est alm das prer-rogativas deste trabalho.

Vale lembrar, entretanto, que Zaluar faleceu em 3 de abril de 1882, no Rio de Janeiro. A partir deste captulo, de-senvolveremos nossas reflexes, acerca dos aspectos antro-polgicos da obra de Zaluar, tendo como material principal de sua autoria o livro O Doutor Benignus, no sendo nossa inteno fazer o papel de crtico literrio ou mesmo de bi-grafo do autor. Portanto, no iremos considerar suas outras obras como fontes principais para esta pesquisa.

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CAPTULO 2 ENTRE O RELATO DE VIAGEM

E A MODERNA ANTROPOLOGIA Para fazermos uma anlise contundente da obra de Za-

luar, necessitamos no apenas ter conhecimento de sua vida, mas inserir sua produo dentro de um movimento cientfi-co maior. Este seria aquele dos viajantes, que analisamos no presente captulo, onde tambm buscamos discutir o pensa-mento de Zaluar a respeito da dificuldade que o antroplogo encontra em sair do mundo do outro.

Como viajante, Augusto Emilio Zaluar foi membro da-quele ilustre grupo de exploradores que percorreram o inte-rior do Brasil em busca de novas espcimes a fim de enri-quecer as cincias naturais. Como j afirmamos , Zaluar es-creveu a obra Peregrinao pela Provncia de So Paulo (1860-61).

Como j foi informado no captulo anterior, trata-se de um relato de viagem, to comum no sculo XIX, com uma leve diferena em relao a seus contemporneos. Enquanto grande parte dos viajantes, principalmente estrangeiros, es-tavam preocupados em catalogar a natureza brasileira, Zalu-ar, realizava sua viagem a fim de catalogar os elementos ci-vilizadores desta nao, por isso sua viagem transcorreu nas provncias do Rio de Janeiro e principalmente na de So Paulo, onde comeavam a surgir cidades de mdio porte, algumas indstrias e estradas de ferro, devido principalmen-te cultura cafeeira.

Mas para alm desse relato, que no tema deste tra-balho, o livro Dr. Benignus, o qual principiamos a analisar, por sua vez tambm um relato de viagem, apesar de seu ca-rter ficcional. A viagem fantstica do Doutor Benignus de certa forma uma sntese de todos os relatos de viagem que o precederam.

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2.1 O relato de viagem Acompanhando aqui a anlise do professor Nicolau

Sevcenko35, podemos observar a atitude europia para com o continente americano segundo dois olhares diferentes. Pri-meiramente o europeu colonizador viu a vegetao exube-rante do novo mundo como uma ameaa. Assim, ele procu-rou elimin-la, abrindo espao para o cultivo daqueles vege-tais selecionados, mesmo aproveitando outros desta mesma flora, em grande parte com propriedades estimulantes, tais como a pimenta, o ch, acar, cacau etc.

Sevcenko cita o exemplo das Ilhas Canrias, onde toda a vegetao nativa foi eliminada. Desta forma, o europeu imps-se virgindade nativa, iniciando a explorao preda-tria desta. Esta atitude, to bem descrita por Sevcenko, pa-receu entretanto no ser a nica possvel. E tal atit