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    MANA 15(2): 557-584, 2009

    pesquisando no peRigo:

    etnogRafias voluntRiase no acidentais*

    Alba Zaluar

    Relativismo cultural na nova ordem mundial

    A questo do relativismo cultural, importante elemento na perspectiva terica

    da Antropologia porque baseado no entendimento do outro, assume carterpolmico na passagem do milnio ou do sculo XX para o XXI. O dissenso

    dentro da disciplina apareceu na forma de fuso ou no de horizontes, de

    permanncia ou no do hiato entre interlocutores que no se confundem nem

    entram em completo acordo, mas principalmente no que fazer diante dosdilemas postos pelos novos sujeitos-objetos e dos impasses advindos da di-fuso planetria de posturas universalistas, como a dos direitos humanos.

    O que fazer com o relativismo cultural diante da globalizao da econo-

    mia e dos meios de comunicao, do ecoturismo, do aparecimento de naesmodernas entre os povos ditos tribais, e da crtica da modernidade em casa?

    Novos problemas, novas perplexidades, novos dilemas apresentaram-se parao antroplogo. Os nativos so agora cidados de seus respectivos pases,

    muitos deles transformados em nativos antroplogos de seus povos, histo-riadores de sua histria, filsofos de seu modo de encarar o mundo.

    Geertz (1988) aponta as novas dvidas, algumas tratadas com ironia.

    decente? Quem somos ns para descrev-los? tico ou politicamentecorreto? Lamenta o abandono das velhas questes: o que evidncia, como

    ela coletada, como palavras se ligam ao mundo, textos experincia, obras vida? Reclama do abandono damimesis, da representao e da objetivi-

    dade, tambm preocupaes do crtico literrio, como efeito deletrio dosdesconstrutivistas que atacaram a prpria lngua como fascista e tirnica.

    Neste paradigma, a etnografia seria como um discurso sem referente, por-tanto, aberto licena potica, antes privilgio dos artistas, agora reinotambm dos que abandonam o realismo que guiava os primeiros etngrafos

    para exercitarem a criatividade em remontar outros mundos, outros pensa-res, outros fazeres. Este exerccio, de uma reao lngua encarcerada em

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    uma casa-priso, levou a etnografia a uma situao-limite, um beco semsada da disciplina.

    O dilema no estaria apenas nos problemas de traduo da culturanativa, tradicional, tribal ou antiga para a cultura da qual faz parte o antro-plogo uma cultura contempornea, moderna ou ps-moderna baseada

    hoje em universalismo no centrado no sujeito ocidental, mas devedora datolerncia diferena e do respeito aos direitos do outro. No estudo dos

    novos objetos urbanos, como relativizar quando a cultura em questo considerada juridicamente fora da lei e moralmente inaceitvel pelos que

    fazem parte da mesma parcela da populao, da mesma classe social, da

    mesma vizinhana? Poder-se-iam tratar os criminosos que passaram a agircada vez mais violentamente, at mesmo contra seus vizinhos e iguais,

    como uma cultura autnoma, ou como meros marginais ou desviantes, domesmo modo que usurios de drogas, contestadores, ou pessoas que ado-

    tam estilos no-conformistas de vida? Mas, afinal, haveria um lugar para o

    fazer antropolgico, neste caso limite, um estudo de predadores de outraspessoas, vtimas e vizinhos?

    As respostas so vrias. Novas culturas ou redes globalizadas ultrapas-sam as sociedades nacionais e esto no mundo necessitando de registro,

    conhecimento e entendimento. Sociedades nacionais esto cada vez maishbridas ou diferenciadas internamente, abrigando muitas culturas, subcultu-

    ras ou estilos, tambm precisando de registro e interpretao. Novos temas,

    tais como etnicidade urbana, redes de trficos transnacionais, relaes sociaisna Internet, situaes teatrais entre desconhecidos nas cidades, ocuparam

    as mentes (e os coraes) dos antroplogos.Talvez o mais espinhoso de todos os dilemas atuais do fazer antropo-

    lgico seja o dos direitos humanos no mundo globalizado, cheio de inter-venes e trocas interculturais, mas com exemplos frequentes de violaes

    aos direitos de minorias tnicas ou de gnero dentro dos novos pases que

    foram surgindo aps o fim dos imprios coloniais. O que fazer quando nati-vos fora da situao colonial oprimem outros povos em regimes autoritrios,

    fazem guerras de extermnio, ou por causa da limpeza tnica, ou em nomedo fundamentalismo religioso? Como interpretar a discriminao religiosa,

    l e c, e a negao absoluta da verdade do outro? Deve silenciar-se sobre

    tais violncias por causa da perspectiva relativista da disciplina?

    Outras perguntas se colocam, pois, para o antroplogo: possvel estu-dar os nativos em vrios pases de fronteiras artificiais, mas defendidas a ferroe fogo pelas armas nas guerras tnicas e nos fundamentalismos religiosos?

    Ao revelar o fundamentalismo islmico, possvel criticar simultaneamenteo fundamentalismo cristo que tanto estrago faz entre ns e no mundo todo?

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    Ao estudar os envolvidos no trfico de drogas ilegais, movidos diferentemente

    pela busca de altos lucros, pelo poder conseguido pelo uso constante de ar-

    mas de fogo e pela atrao que o dinheiro e a arma exercem sobre as mentesmais frgeis dos jovens e das mulheres, possvel deixar de exercer a crtica

    cultural, da qual no se eximiram etngrafos que consolidaram a disciplina,e falar da crueldade de suas aes e da destruio que os cerca?

    Antroplogos tambm passaram a estudar nativos racistas, supremacis-tas brancos em sua casa, como na frica do Sul. Do mesmo modo, nativos

    localmente sediados, conectados com trfico internacional de drogas ilegaise adeptos dos seus mtodos violentos de solucionar conflitos e disputas,

    tornaram-se objetos de curiosidade etnogrfica. Como operar os princpiosdo relativismo cultural sem deixar de apresentar todos os efeitos malficospara coletividades civis, nas quais traficantes vivem sem compartilhar intei-

    ramente suas prticas sociais, principalmente as limitadas por valores morais,prticas que tais empreendimentos econmicos ilegais trazem? No resta

    dvida de que novos problemas e dilemas ticos, por vezes dilacerantes, seantepuseram ao fazer antropolgico: o que so direitos humanos e qual o

    seu alcance entre nativos no-ocidentais; quem conta como pessoa humana

    e quem deve ser ouvido(a) dentro das sociedades estudadas; como lidar coma opresso de pessoas no interior das sociedades dos nativos quando os

    opressores so tambm nativos?As concepes relativistas da disciplina seriam justificativas suficientes

    para negar os direitos universais, conquistas da humanidade desde o sculo

    XVIII e que foram ampliados pouco a pouco para incluir direitos indgenas,direitos coletivos, direitos de minorias religiosas, sexuais, tnicas? Ora,

    tais direitos fazem parte de uma cultura globalizada e invadem os espaosculturais em todo o planeta com a mesma rapidez de outras manifestaes

    culturais. No possvel ignor-los em nome de uma uniformidade culturalinexistente desde sempre. Claro que essa difuso acentuou conflitos inter-

    nos, deu-lhes nova argumentao e legitimidades, antes nunca ou pouco

    usadas.O antroplogo no pode se calar sobre o tratamento dado a refugiados,

    estrangeiros ou desclassificados nas novas unidades polticas artificiais dafrica, nem aos inimigos dentro de uma favela em alguma cidade brasi-

    leira. As lgicas do confronto guerreiro, da ideologia do terror ou da guerra

    molecular, fenmenos mundiais que se manifestam em variados e pequenosrecantos deste vasto planeta, operam pela desumanizao do inimigo ou dos

    dissidentes, o que justificaria as atrocidades cometidas contra eles nos cincocontinentes por razes e processos diferentes. Contudo, como afirmaram os

    fundadores da disciplina, no se pode deixar de levar em considerao o

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    que pensam as pessoas afetadas por tais violncias e violaes. A elas cabe

    a ltima palavra, que so mltiplas, sobre o que acontece, onde, como, por

    quem e por qu.No que tange a estudos de grupos que fazem parte de sociedades

    maiores, especialmente grupos no compostos de forasteiros, desviantesou dissidentes, mas de criminosos fora da lei, a aplicao das concepes

    relativistas da disciplina tambm gera problemas na medida em que muitos

    discordam de o relativismo cultural ser tambm moral (Zaluar 1994). Istoquer dizer que, quando se trata de moralidades que provocam vtimas em

    outros setores da mesma sociedade inclusiva, todo o cuidado pouco no

    uso da relativizao.Em trabalho de campo etnogrfico bem-feito deve estar registrado otratamento dado aos inimigos, localmente chamados de alemes, dentro

    de uma favela em alguma cidade brasileira, narrando inclusive as atroci-

    dades cometidas contra eles, assim como a fala dissidente dos vizinhos detraficantes, aterrorizados por eles e pelos policiais violentos. S desta forma

    ser possvel entender a constelao de prticas sociais mais do que violentas,belicosas e cruis, como parte da construo de uma identidade masculina

    guerreira, assim como os dois poderes despticos que tornaram o viver nasfavelas to cheio de perigos e sofrimentos atrozes. Diante deles, ouvindo-os

    falar sobre esses sofrimentos, o pesquisador no pode se restringir a registrar

    a cultura diferente dos traficantes ou a dos policiais violentos.

    Desbravando o terreno

    Ocupei grande parte dos meus textos nos ltimos 25 anos em dissecar o carterorganizado/ desorganizado da criminalidade contempornea, usando princi-

    palmente, mas no s, o material resultante do trabalho de campo etnogrfico.Nesse percurso, enfrentei muitos estgios de dvidas, curiosidades, inter-

    pretaes e explicaes para o que foi se constituindo como um dos maioresproblemas coletivos, segundo a percepo dos habitantes deste pas. O trajeto

    foi longo e nele fui transformando a minha identidade profissional.

    Quando comecei, no havia reflexo sobre a pesquisa no meio do perigoe da violncia nas cidades brasileiras. Acrescentei minhas experincias an-

    teriores a este fazer antropolgico que, mesmo em novo contexto carregadode ciladas e riscos, ofcio, exerccio e arte de se aproximar para conhecer

    e se afastar para entender, dois movimentos imprescindveis para garantir

    um mnimo de objetividade do pesquisador e acesso subjetividade dospesquisados.

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    Sempre considerei que a aventura de conhecer outros mundos simb-

    licos uma via de mo dupla da subjetividade e da objetividade. preciso

    navegar em vrios mares ao mesmo tempo, como Malinowski (1975) sereferia ao trabalho etnogrfico, real e metaforicamente, ou jogar simultane-

    amente em vrios tabuleiros, como os gregos nos tempos trgicos (Vernant1992). Isto tambm quer dizer que o pesquisador de campo ao mesmo

    tempo ator, nas diversas situaes de pesquisa, e autor, quando monta o

    projeto, quando faz perguntas, quando escreve com os fragmentos querecolheu. Alguns ps-modernos afirmam at que esta condio de ator

    e de autor deve estar sempre clara quando etngrafos escrevem sobre as

    suas experincias alhures, que ela a narrativa etnogrfica (Clifford 1986;Marcus & Fischer 1986).Mas h novos problemas decorrentes do emaranhado de trocas econ-

    micas, culturais e polticas que marcam o mundo cada vez mais globaliza-

    do hoje. Nas aproximaes com os sujeitos da pesquisa que eu procuravaconhecer, vrios dilemas ticos e demandas prticas, algumas cercadas de

    perigo real, foram surgindo sem que houvesse, como agora, uma reflexosobre elas. Ao longo dos afastamentos para entender, fui acrescentando doses

    cada vez mais altas de sociologia, cincia poltica, economia, psicologia.No processo, virei tambm colecionadora de material secundrio: arquivos

    de recortes de jornais, filmes, estatsticas oficiais sobre o aumento da cri-

    minalidade (um poderoso indicador da atividade organizada, porm muitoconflitiva do crime-negcio). Uma bricoleuse que junta fragmentos sem um

    projeto, sem saber exatamente o uso que se vai dar a eles, mas intuindo queum dia serviro. Preenchiam os vazios deixados entre os fragmentos das falas

    dos entrevistados, elos de uma cadeia que teve que ser refeita com outros

    dados, inclusive estatsticos, para que os sentidos no ficassem restritosao senso comum, aos horizontes limitados, com pontos cegos inevitveis.

    A razo para isto estava no prprio objeto emprico, ou seja, no estado daarte dos estudos e das investigaes policiais e jornalsticas sobre o trfico

    de drogas ilegais.Na delimitao do objeto emprico deste trfico, depende-se do que

    j foi previamente mapeado em outras investigaes feitas pelos agentes

    institucionais encarregados de vigi-los e reprimi-los, assim como da reper-cusso dos casos na imprensa. Diante das falhas e da falta de recursos nos

    setores da inteligncia institucional e da polcia investigativa, existe aindapouco conhecimento no Brasil sobre as dinmicas e os fluxos dos vrios

    tipos de trfico de drogas ilegais abundantes no pas. Por isso, continua

    muito difcil pesquisar o grande banditismo no Brasil. Os grandes bandi-dos ainda no so investigados com o mesmo empenho que os bandidos

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    de menor calibre, nem tampouco julgados e condenados. Os registros de

    suas atividades ilegais esto dispersos na imprensa, mas no h arquivos

    oficiais disponveis para o pesquisador, visto que processos judiciais corremem segredo de justia e o acesso documentao existente no Ministrio

    Pblico e no Judicirio est cercado de complicadas operaes burocrticase decises polticas.

    Isto quer dizer que, para a maior parte dos pesquisadores acadmicos,

    afora os privilegiados que tm contatos com a Polcia Federal ou o Minis-trio Pblico, resta o fado de continuar estudando os jovens delinquentes

    de vizinhanas pobres, os pobres condenados que povoam as prises bra-

    sileiras, os arrependidos ou defroqus de quadrilhas e comandos, dentro efora da priso, que s muito raramente resolvem abrir a boca para contar oque sabem. A lei do silncio tem, de fato, enorme peso nesses locais, no

    excluindo ningum envolvido: moradores, funcionrios governamentais e

    no-governamentais, policiais, milcias. Nada mais adequado para rompera barreira da lei do silncio do que a pesquisa etnogrfica, que se monta

    na confiana entre entrevistador e entrevistado. Mas ela tem que estar so-lidamente baseada na tica de garantir o anonimato e o sigilo sobre quem

    disse o qu. A investigao de campo no tem os objetivos, os mtodos e atica da investigao policial.

    Apesar de admitir a importncia da experincia multidisciplinar e do

    apreo pela variedade de fontes e materiais, considero o fazer antropol-gico imprescindvel como metodologia de trabalho de campo, alm de ser

    o que mais apresenta armadilhas ao pesquisador na interao face a facecom os que violam leis de modo sistemtico, porque o crime faz parte de

    suas vidas cotidianas. Estou me referindo, claro, a criminosos de carreira,

    ou seja, os que j abraaram o crime como modo de vida, ou queles queesto no processo de entrar nesta carreira de modo quase natural, sem a

    necessidade de uma opo ou um projeto. A maior parte dos jovens entre-vistados nas vrias pesquisas da minha equipe, feitas ao longo desses 28

    anos, apresentava-se como quem foi entrando ou sendo levado sem nemsaber muito bem por que, sempre afirmando que ningum me obrigou

    no, fui por mim mesmo. Tal afirmao da independncia de um sujeito

    que no conhece os limites sociais, independncia esta to importante naconstruo da identidade hipermasculina ou da insubmisso incondicio-

    nal, o extremo oposto da docilidade to criticada pelos que os defendem,relativizando como se constitussem uma cultura singular, consensual e

    autnoma. De fato, nessa construo da masculinidade, trata-se de negar

    qualquer proximidade ou conexo com o feminino, outro nome da docili-dade (Zaluar 1994).

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    Que etnografa a mais apropriada e a menos arriscada?

    O trabalho de campo etnogrfico, baseado na observao participante se-gundo esta abordagem, o modo de conhecer a sociedade ou a cultura

    estudada que culmina na sua reconstituio desde o ponto de vista do na-tivo. Isto importante para que os aspectos subjetivos, do psiquismo ou do

    esprito nativo (Malinowski 1975), sejam incorporados s regularidadesobjetivas da estrutura social.

    Para alguns pioneiros da disciplina, radicais da aproximao, o trabalhode campo havia sido pensado como mergulho do antroplogo no mundo do

    outro que ele quer conhecer, o que acaba por diluir as fronteiras e as distin-es entre um e outro. Muitos mergulham tanto que o prprio antroplogo setransforma radicalmente em um processo quase de converso para a cultura

    estudada, seja ela uma religio, um grupo tnico e, mais recentemente, umgrupo criminoso (Rodgers 2007). As posies mais conhecidas desta postura

    foram as de Roger Bastide, que afirmou africanus sum (sou africano) no seu

    texto sobre os fiis do candombl nag da Bahia e advogava virar nativopara entender profundamente o que estes pensavam e sentiam. Esta perspec-

    tiva, muito apreciada pelos populistas, baseou-se na empatia, na simpatia,na sentimentalidade da compaixo e, at mesmo, na identificao mstica

    com os nativos. Os etnlogos que estudaram tribos primitivas poderiam atse considerar adotados ou socializados como crianas na cultura tribal,

    mas tiveram conscincia de que seriam sempre outros, estrangeiros. Passar

    pelos rituais de iniciao ou submeter-se a liturgias de cargos de poder foramoperaes de incluso que poucos antroplogos realizaram, quase restritas

    aos que estudaram religies no-ocidentais.Alm de todos os problemas prticos e ticos aos quais a insero na

    sociedade estudada pode levar, esta incluso, em ltima anlise, significa-ria negar o lugar do observador e, portanto, qualquer objetividade. Ficaria

    apenas a participao no binmio da observao participante.

    Quando esta postura foi trazida para o estudo de grupos criminosos nocontexto urbano contemporneo, chegou-se aos imponderveis da vida real

    de forma trgica. Fazer parte de gangues,pandillas, galeras ou quadrilhas,submetendo-se aos seus rituais de iniciao e s exigncias de participao

    em atividades criminosas, colocou os antroplogos-participantes em dilemas

    ticos insolveis: para ser aceito por eles e entend-los, o antroplogo teriaque aceitar participar de suas atividades criminosas como parceiro, podendo

    ser julgado, condenado e preso como qualquer criminoso.Em CarnalSociology, Loc Wacquant (2004:vii-viii) defende que o me-

    lhor meio de pesquisar a imerso iniciatria e a converso para vivenciar as

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    mesmas prticas dos grupos estudados, neste caso, um grupo de boxeadoresnegros de um gueto americano, mas que foi tomado como modelo no estudo

    de grupos criminoso. Diz ele:1

    [...] no h nada melhor do que a imerso iniciatria e at mesmo a converso

    moral e sensual para o cosmos sob investigao Isto permite que o socilogo

    se aproprie na e pela prtica dos esquemas cognitivos, estticos e ticos que

    aqueles que habitam este cosmos executam nas suas aes cotidianas.

    A imerso na prtica de criminosos foi de fato vivida perigosamente por

    alguns estudiosos de gangues norte-americanas e latino-americanas. Jeff Far-rell e Mike Hamm (1998) enumeraram algumas das aventuras e desventuras

    vividas por pesquisadores que pretendiam, mesmo lidando com grupos forada lei, seguir os cnones da disciplina quanto aproximao e absoro da

    cultura do outro. Dennis Rodgers (2007:456), inspirado em Loc Wacquant,narra como vivenciou a iniciao e a imerso em umapandilla (gangue) na

    Nicargua, imerso que apresentou como uma astcia para ficar mais seguro

    e ser mais respeitado em uma cidade violenta, mas que teve outros efeitos:2

    [...] ao tornar-me membro da gangue, eu era frequentemente forado a adotar,

    ou se esperava que eu adotasse, um nmero de padres de comportamentos

    particulares, alguns dos quais eram de fato compostos pelo meu ser chele

    quadrilheiro... Isto inclua ter que participar de uma gama de aes violentas e

    ilegais, inclusive guerras entre gangues, roubos, brigas, espancamentos, lutas

    esportivas e conflitos com a Polcia, cujo resultado foi me submeter a uma srie de

    coisas que eu poderia ter evitado, inclusive ser atacado, ameaado, espancado,

    esfaqueado, alvo de tiros e atirado de um carro em movimento.

    O mais interessante deste texto que chele, segundo o autor, signifi-

    ca europeu e estrangeiro, ou seja, apesar de se considerar includo comomembro da quadrilha ao participar de suas atividades ilegais, o pesquisador

    nunca deixou de ser tido como estrangeiro pelos demais comparsas. Mesmoassim, reafirmou que deveria participar das aes criminosas da gangue.

    As concluses metodolgicas a que cheguei foram bem diferentesdestas e tomei outros rumos mais condizentes com a perspectiva de que

    o pesquisador continua sendo estrangeiro e, portanto, nunca deixam deexistir diferenas culturais, ticas e morais que o distanciam dos sujeitosde sua pesquisa.

    A questo terica bsica est no fato de que tais estudos no rompemcom a ideia de que cultura ou sociedade refere-se a unidades delimita-

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    das, com homogeneidade e consenso internos que permitem falar apenasde algumas regularidades encontradas entre os conflitos, as divergncias e

    as incoerncias que fazem parte da dinmica cultural e social. Como sem-pre encontrei a polifonia, as divergncias, as incoerncias e os conflitos no

    contexto urbano, assim como etnlogos que estudaram os processos sociais

    de mudana em algumas sociedades tribais, os conceitos de cultura esociedade foram por mim substitudos pelo foco nas redes, nas disputas,

    na dinmica da formao e da transformao de grupos, quase-grupos eredes, bem como nas subjetividades diversas.

    Quadrilhas, gangues e galeras existem em vizinhanas que abrigam

    outras formas de associao, outros valores e outras prticas com as quaisesto em divergncia, ou at mesmo conflitos belicosos, mas em permanente

    contato. No devem ser abordadas como tribos primitivas com padres cultu-rais abrangentes e com grau de autonomia reconhecvel, ou at mesmo como

    sociedades parciais, tal como sociedades camponesas. Em outras palavras,para parafrasear os estudos de campesinato, grupos de criminosos so uma

    part societyde outrapart society, ou uma subcultura de outra subcultura,

    includas em vizinhanas, bairros, classes sociais, unidades maiores iden-tificveis no pela homogeneidade cultural, mas pela diversidade e pela

    existncia de um Estado em um pas com fronteiras geogrficas definveis. impossvel no considerar os efeitos jurdicos e os julgamentos morais que

    cercam as atividades criminosas dos sujeitos que continuam a pertencer a

    redes sociais mais amplas, locais ou no, e a interagir com outras pessoasem contextos sociais dentro e fora do mundo do crime, pois isto ser parte

    dos seus egos (selves) sociais.Porm, muito antes de essas desventuras dos pesquisadores do crime

    serem registradas em letra de forma, Evans-Pritchard (1951) j havia de-nunciado tal postura como a do argumentoif I were a horse, a ser evitada

    em qualquer pesquisa de campo etnogrfico. No seu engano, o etngrafo

    imaginaria que poderia pensar, sentir e agir como se fosse um cavalo paraentend-lo. O mesmo argumento poderia ser empregado no estudo de loucos,

    doentes, leprosos e criminosos de vrios tipos. Por isso, Geertz (1988), refle-tindo sobre suas manifestaes mais atuais, afirma que esta transformao

    da pessoa do antroplogo impossvel, pois terminaria na mera descrioimaginria daquilo que os nativos, tomados como coletividade homognea,

    una e consensual, pensam e sentem uma descrio do antroplogo, vistoque no existe esta sociedade consensual. Caracterizei-a como a miopiaetnogrfica que impede a viso de longe.

    Aceitei que a observao participante impossvel para estudar gru-pos mais ou menos organizados de criminosos de carreira, e fiquei com a

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    observao, abandonando a participao, pelo menos nas aes violentas ecriminosas que os sujeitos da pesquisa praticavam como meio de vida. No

    entanto, a abordagem qualitativa continuou sendo privilegiada, visto que, pormeio de entrevistas aprofundadas e outras tcnicas, possvel compreenderas disposies, os valores e os motivos que os levam a praticar crimes, ou

    seja, possvel considerar a dimenso da subjetividade dos pesquisados.As concluses a que cheguei sobre a dinmica dos conflitos violentos entre

    os grupos juvenis criminosos no foram muito diferentes daquelas a quechegaram os antroplogos que se iniciaram neles, sem ter me tornado mem-

    bro da quadrilha ou da galera, apenas utilizando as tcnicas de entrevistas

    e de grupos focais. O mesmo hermeneuta Geertz (1983) afirmava que oantroplogo no tem que recorrer a uma capacidade sobre-humana de au-

    tonegao do seu ego ou de co-sentimentalidade com os estudados, pormsimplesmente ser aceito como parceiro em conversaes para reconstituir

    os sentidos da cultura local que estuda.

    Entre os problemas prticos de pesquisar no meio do perigo, fugindodo tiroteio, driblando omisses, dissimulaes e mentiras de quem tem que

    esconder suas atividades ilegais, est, pois, o da identidade que assumiro pesquisador. No se pode ser nem infiltrado (o que equivaleria a decretar

    a prpria morte), nem iniciante (ardil posto ao que quer se tornar nativo eque pode lev-lo a problemas com a lei, j apontados com regularidade na

    literatura citada, ou na prpria morte do antropo-traficante principiante ou

    antropo-assaltante de primeira viagem).

    A etnografa no acidental e a tica do viajante mediador

    Afora a primeira incurso em Cidade de Deus em 1980, quando acabei estudan-

    do inesperadamente a quadrilha de Manoel Galinha e Ailton Batata, as demais

    pesquisas que realizei sobre grupos criminosos no podem ser consideradasetnografias acidentais ou pesquisas involuntrias (Rodgers 2007). Adotei,

    por isso, o trabalho de campo como viagem propositada ou passagem de ummundo para o outro. O antroplogo como viajante procura conhecer previamente

    o seu campo e se prepara como pode para ele. No que surpresas estejam supri-

    midas, mas saber entrar e saber sair so procedimentos fundamentais para

    realizar o vai-vem da postura antropolgica, permanecendo outro e conhecendoo nativo para conhecer-se melhor na diferena. Participar e observar, ser de le estar c, registrar l e escrever c, ouvir teorias e conceitos nativos e pensar

    conceitos e teorias antropolgicas so, portanto, tenses que nunca se desfazem,nem quando se pesquisam criminosos de vrios calibres.

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    O mais interessante nesta perspectiva que o antroplogo viajante passade um mundo ao outro e acaba sendo, por meio do seu texto, uma ponte entre

    os dois mundos. Como pertence a um e conhece o outro, traduz, interpretae explica o outro para o um. Nos seus textos, criaria mapas simblicos dooutro mundo no qual foi um viajante, mas no um turista acidental. Mais que

    um mero broker, um intermedirio entre culturas diferentes, o antroplogovira momentaneamente um marginal que no pertenceria nem a uma nem

    a outra, estando na passagem entre elas. Sendo assim, ele junta mundosinvisveis um ao outro, diminuindo a cegueira cultural e a arrogncia tnica

    que os separam ainda mais do que a diferena, porque alimenta o dio e o

    ressentimento. O ofcio do etngrafo ajuda a destruir as construes sim-blicas feitas para criar imagens negativas do outro, principalmente as dos

    que se tornam os discriminados bodes expiatrios que carregam a culpa domal no mundo.

    Foi esta a postura, que s pode ser entendida no registro tico da disci-

    plina, que adotei nos meus estudos sobre a criminalidade nas favelas do Riode Janeiro e que acabou por me apontar outra forma de participao, mais

    indireta, para completar o binmio fundador da pesquisa etnogrfica. Servista como uma pessoa justa e legal na gria local, sem dvida facilita o

    rapport entrevistador-entrevistado sem que haja a necessidade de adeso aomundo do outro. Ainda no mesmo registro, mas vinculado ao conhecimento

    previamente adquirido de como as redes do trfico de drogas ilegais funcio-

    nam, est outra atitude que aproxima traficantes do pesquisador. aquelaque fica clara quando o entrevistador revela que sabe da extenso dessas

    redes e do envolvimento de pessoas muito longe dali, seja socialmente, porserem de classes sociais superiores, seja espacialmente, por estarem em

    outras cidades, estados, pases. Isto alivia tenses em quem se considerasempre acusado de todos os males decorrentes da atividade ilegal.

    Entretanto, se desde o incio nas minhas pesquisas usei a abordagem

    antropolgica e os mtodos que caracterizam o trabalho de campo etnogr-fico, quando comecei a estudar quadrilhas de traficantes, deparei-me com

    problemas ticos e prticos que desconhecia e me envolvi em outras formasde participao que no estavam na interao direta com os nativos. Reco-

    lher material de campo que se baseia na possibilidade de adquiri-lo mediante

    a interao, o contato face a face, o olho no olho entre o observador e

    outro ser humano dotado de subjetividade um dos sujeitos da pesquisa tornava-se complicado, perigoso e cheio de surpresas.

    Para quem estuda grupos margem da lei, enfrentando a perseguio da

    polcia e da justia, muitas armadilhas e perigos vo aparecer, a maior partedos quais sem roteiro, sem expectativas j discutidas, sem um cdigo claro de

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    pesquisando no peRigo568

    como se comportar para adquirir a confiana dos estudados sem ter que se

    tornar um criminoso como eles. No h frmulas para passar adiante. A arte

    de se relacionar e a criatividade em fazer as perguntas certas a pessoas certasno se aprende em textos acadmicos, mas na experincia vivida, na ateno

    redobrada para saber entrar e saber sair, expresses nativas corriqueiras,principalmente nas vizinhanas dominadas por traficantes. Igualmente, a arte

    de participar de um debate pblico fora do contexto social imediato da situaode pesquisa tambm foi surgindo, muitas vezes de forma inesperada, mas nunca

    involuntria. Foi esta forma de participao poltica que fui descobrindo juntocom as pesquisas de campo realizadas ao longo de quase 30 anos.

    A abordagem antropolgica tambm imprescindvel porque fornece apostura epistemolgica segundo a qual, na interpretao deste e de outrosfenmenos sociais, preciso romper o preconceito contra os mais fracos e

    desfavorecidos que tendem a ser apontados como os agentes culpados destacriminalidade. A ruptura contra os esteretipos e as ideias de senso comum,

    abundantes que so em contextos sociais marcados pelo medo concentrado

    em certos locais e em certas categorias de pessoas, fundamental para osucesso deste empreendimento intelectual. Nesta postura possvel conciliar

    o estudo do trfico de drogas ilegais com os princpios ticos da disciplinasem surpresas ou dilemas.

    Por isso, o meu interesse nos historiadores da mfia italiana, lidosdesde as minhas primeiras pesquisas, que afirmavam que a mfia nunca

    foi fenmeno rural, tradicional e de ordem pblica paralela na Siclia, mas

    sempre esteve conectado com o controle ilegal ou ilegtimo de mercados,contratos e negcios tendendo ao monoplio econmico e vitria eleitoral

    garantida (Luppo 2002). Embora nem todos se deem conta, esta crimina-lidade se constituiu ao trmino do sistema feudal na Itlia, ainda durante o

    sculo XIX. J ento misturava promiscuamente negcios e criminalidade,poltica e favoritismos, clientelismos, fraudes eleitorais e parcialidade naaplicao da lei ou da fraude jurdica. O trfico de drogas ilegais na Itlia,

    como em outros pases do mundo, seria o resultado de profundas mudanashistricas que provocaram hibridismos culturais, rearranjos da propriedade

    fundiria e jogos polticos complexos, tudo ao fio da navalha de uma violnciasem perdo. Este autor recusou o argumento da direita de que os mafiosos

    seriam os pequenos delinquentes, os bandidos, os insubmissos ao servio

    militar, mas no os grandes negociantes nem os polticos que os protegiam,negando igualmente a teoria explicitamente racista que fala da cultura e da

    raa inferiores para explicar a mfia no sul da Itlia.No Brasil, tive que enfrentar pessoalmente as tentativas bairristas e

    racistas de explicar o crescimento da violncia como resultado da cultura

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    carioca baseada na malandragem, por extenso, nos favelados (negros,

    pardos e brancos pobres) da cidade.3 O atraso como metfora da violncia,

    na verdade, constituiu-se no bode expiatrio da ao repressiva do Estadoe, para os pesquisadores, no obstculo epistemolgico a ser superado. As

    consequncias foram graves. A represso policial, apesar das oscilaesdevidas a mudanas de governo ao longo dos ltimos 25 anos, concentrou-

    se nas favelas de algumas regies, principalmente aquelas localizadas nossubrbios e na zona norte da cidade, as mais antigas, e onde havia uma

    populao negra carioca descendente de escravos e vinculada s manifes-taes da cultura afro-brasileira, principalmente o samba.

    Como sempre acontece quando o preconceito e os esteretipos de crimino-sos predominam na imaginao policial, pouca ou nenhuma investigao feitapara desvendar e desmantelar as redes articuladas do trfico de drogas ilegais

    e do trfico de armas, alm de muitas outras mfias que controlam negcios demodo ilegal, mesmo quando as mercadorias so legais. Estas redes articuladas

    ultrapassam barreiras de classe, de permetros urbanos, de fronteiras estaduais

    e nacionais, e se imiscuem nos negcios legais, nas instituies do Estado e nosgovernos. A articulao entre Estado e trfico de drogas ilegais sempre esteve

    presente, desde os seus primrdios e sempre foi discutida pelos estudiosos dotema. No possvel, pois, restringir-se ao varejo, s pontas desta vasta rede

    que apenas mais visvel entre os mais humildes dos seus membros.Por isso, a abordagem que adotei em 1980 para estudar a violncia

    urbana, j ento apresentada na mdia como o resultado apenas da ao de

    pequenos e mdios delinquentes que habitavam as regies mais pobres eas favelas da cidade, procurava desconstruir os esteretipos cristalizados

    nos extremos do espectro ideolgico. De um lado, porque a pobreza seria afbrica de criminosos a encarcerar; de outro, porque a pobreza e a desigual-

    dade fariam dos pobres necessariamente homens violentos, e s o combate pobreza resolveria o problema do crime. As duas posturas privilegiavamos pobres e ajudavam a cristalizar os esteretipos do criminoso e os precon-

    ceitos contra os favelados.O principal problema desta abordagem, que no s estudava os po-

    bres, mas tambm os privilegiava como parte da explicao do aumentoda violncia, era a ausncia da conexo entre este inusitado crescimento,

    notvel entre os jovens pobres, e as profundas transformaes nas formas de

    criminalidade que se organizaram em torno do trfico de drogas, em especialda cocana, e do contrabando de armas no final da dcada de 1970. Estes

    dois negcios, extremamente lucrativos, atravessaram fronteiras nacionais epassaram a mobilizar vrias mfias e redes transnacionais com seus agentes

    pertencentes a classes superiores, mdias e tambm populares. No se falava

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    do que representavam esses negcios no funcionamento de um mercadolivre de quaisquer limites institucionais ou morais, com que nem os mais

    liberais entre os liberais sonharam, justamente por transacionar mercadoriasilegais. O fio da meada ultrapassava o local, o pequeno territrio da pesquisade campo, e foi imprescindvel segui-lo para entender o que acontecia no

    pequeno espao ao qual o pesquisador teve acesso mais direto.Essa recusa em aceitar novas formas de associao entre criminosos,

    das quais as mais visveis e acessveis estavam nos locais caracterizadoscomo os da pobreza, mudou o cenrio no s da criminalidade, mas tambm

    da economia e da poltica no pas. Criou-se um crculo vicioso que atra-

    sou em muito a possibilidade de reverter o processo por meio de polticaspblicas de preveno mais eficazes. Alm disso, promoveu o progressivo

    desmantelamento nos bairros pobres do que havia de rica vida associativa,to importante no direcionamento de suas demandas coletivas e da sua

    sociabilidade positiva, civilizada, to importante na formao do capital

    social e da eficcia coletiva, consideradas, na abordagem ecolgica atual,como fundamentais no controle social informal que impede o crescimento

    da criminalidade (Sampson et alli 1997).Com isto, espalhou-se entre alguns dos muitos jovens pobres que moram

    nesses locais um etos guerreiro que os tornou insensveis ao sofrimento alheio,orgulhosos de infligirem violaes ao corpo de seus rivais, negros, pardos e

    pobres como eles, agora vistos como inimigos mortais a serem destrudos

    numa guerra sem fim. E, ao final, permitiu abalar a civilidade dos moradoresde cidades brasileiras, civilidade que fora construda ao longo de dcadas,

    principalmente nas variadas associaes vicinais, inclusive as recreativasescolas de samba, os blocos de carnaval, os maracatus, as folias etc.

    Durante anos procurei entender os meandros e os fluxos da extensarede que toma aspectos mais empresariais e organizados em alguns pon-

    tos, o que nos permite perceber a logstica eficiente de distribuio de suas

    principais mercadorias: as drogas ilegais e as armas. Concomitantemente,desde 1986 investigava os efeitos dessa atividade nas formaes subjetivas

    dos jovens nela envolvidos, em especial sua concepo de masculinidade,na fragmentao social e no desmantelamento do associativismo presente

    nas favelas e nos bairros pobres da cidade. Mais do que uma tipologia do

    trfico de drogas ilegais, se tradicional ou empresarial, interessava recons-

    tituir os fluxos e os processos que tornaram to eficiente e to lucrativo esteempreendimento que se espalhou pelo territrio nacional, embora comalgumas peculiaridades locais, e que acabou por desmantelar o que havia

    de promessa na parca, mas crescente, participao poltica encontrada nosbairros populares e nas favelas do Rio de Janeiro nos anos 1980.

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    O pragmatismo nas escolhas metodolgicas

    O primeiro obstculo prtico que enfrentei quando comecei a estudar qua-drilhas de traficantes de drogas ilegais em bairros pobres do Rio de Janeirofoi o das mentiras, um tema bastante discutido e que alguns autores trans-

    formaram no cnone que nega a diferena entre verso e verdade. Fez-senecessrio outro corte epistemolgico: romper com este cnone de que a

    verso nativa a verdade.Esta a rea mais pantanosa da pesquisa sobre o trfico de drogas ilegais.

    Primeiro, porque o objeto emprico uma parte de outra parte de uma sociedade

    parcial que est includa em sociedade nacional ainda mais ampla. Segundo,porque a atividade ilegal do crime-negcio altamente conflitiva: so muitas

    as verses, porque h aquelas dos que combatem os crimes, aquelas dos quecometem os crimes e aquelas dos que sofrem como vtimas desses crimes. Por

    fim, a mentira faz parte da clandestinidade das atividades estudadas. So muitas

    as falsidades necessrias para se manter na atividade: omisses, dissimulaes,inverdades so obstculos presentes na fala dos nativos a serem vencidos em

    todos os momentos na pesquisa. Para ser bem-sucedido na hermenutica da

    desconfiana, preciso diversificar os informantes, em diferentes posies nodrama ou nas redes do crime, e ampliar as fontes de dados.Diante da variedade de depoimentos obtidos e das dificuldades em

    reconstituir as aes nas quais os entrevistados haviam participado, logo

    comecei a escrever sobre a necessidade de no confundir as narrativas dosinformantes com o real a ser registrado. que as mentiras so to mais

    comuns quanto mais envolvidos eles estejam em atividades ilegais e clan-destinas, as quais gostariam de manter longe do conhecimento da polcia e

    at mesmo da prpria famlia, de vizinhos e colegas.As barreiras para conseguir depoimentos fidedignos no eram somente

    as advindas da interao com algum de fora, de raa e classe superior, de

    outro sexo, e que poderia at ajudar na sua defesa caso fossem processados,mas tambm da necessidade primeira de manter este segredo, intrnseco

    clandestinidade. O resultado foi que, nas primeiras entrevistas, feitas aindaingenuamente por mim, a relao entre o falante e o ato da sua fala estava

    longe da sinceridade e eu nem percebia isto. A descoberta de que mentiam

    para mim foi possvel porque me fiz acompanhar, desde as pesquisas nofinal dos anos 1980, por assistentes de pesquisa, jovens estudantes univer-

    sitrios moradores do local e que conheciam alguns dos personagens damarginalidade desde crianas. Eles foram meus guias e mediadores, antes

    de se tornarem assistentes de pesquisa e realizarem entrevistas, segundo oroteiro e a rede de entrevistados previamente planejados.4

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    A partir da, a hermenutica da desconfiana em relao ao materialpermaneceu como algo a ser sempre considerado e superado, a fim de que

    a comunicao entre pesquisadores e os sujeitos envolvidos em crimes,que os faziam alvo de extrema e contnua represso, e cujas prticas ilegais

    deveriam permanecer secretas, no se tornasse intil ou impossvel. O c-none antropolgico da vinculao entre verso e verdade, j abalado pela

    polifonia encontrada em pesquisas anteriores, desmoronou definitivamente.

    A postura relativista ortodoxa, como disse em texto anterior (Zaluar 2004),no mais poderia ser mantida.

    O primeiro estratagema que empreguei para superar o entrave da des-

    confiana e da mentira foi a contratao desses assistentes, que acabarampor fazer a maior parte das entrevistas, segundo o plano traado por mim.

    Assim, a relao dual face a face, olho no olho entre entrevistador/ entre-vistado foi vivida por terceiros que recolhiam as entrevistas para posterior

    anlise da antroploga. Escrevi vrios textos de c, para serem lidos pormeus pares, destacando a importncia e a necessidade da mediao desses

    terceiros. E esta mediao deixava tambm suas marcas nas falas recolhidaspelos assistentes, segundo as perguntas formuladas, por partilharem com os

    entrevistados um cdigo de significados e regras de comunicao do qual

    eu permanecia excluda.5 Era isto que garantia mais rapport interao,mais confiana entre entrevistador e entrevistado, maior confiabilidade nas

    respostas obtidas e mais distncia da pesquisadora principal que era eu.As entrevistas tornaram-se por isso um quebra-cabea de significados

    despedaados, e os dados ali contidos, fragmentos cujo sentido eu deveriabuscar entre os ditos de entrevistados e entrevistadores. Conclu que os fatos

    no so apenas construdos teoricamente e conquistados na prtica seduto-

    ra do pesquisador, mas so tambm frutos das condies estrategicamentemontadas pelo pesquisador, mesmo quando no ele quem est l. E esses

    fatos ou dados so mais claramente fragmentos de textos, no caso, fragmen-tos de discursos dirigidos a outrem. Para decifr-los, como eu no estava

    l, nem perto, nem dentro e no me deixara envolver pelo fascnio

    da conversao que prende a ateno dos interlocutores no entendimentodo contedo, dos significados do dito, podia visualizar melhor a situao da

    entrevista em suas condies de possibilidade (Zaluar 2004). De fora, lendoum depoimento to mais de dentro do que eu prpria jamais conseguiria,

    atingia mais facilmente a distncia necessria para observar as figuras deretrica, os padres discursivos, os pontos de referncia compartilhados nas

    conversas das quais no participei. Entretanto, o individual, o idiossincrtico,

    o criativo, o perceptivo e o afetivo presentes nas narrativas dos nativos tam-bm surgiam, sem perderem seu aspecto social, de formao subjetiva.

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    A fuso de horizontes, pretendida no projeto hermenutico da interpre-tao, nunca se completava porque as diferenas e as novidades davam-lhe

    um carter de caminhos paralelos e abertos, incompletos, definitivamentemarcados pelo gnero, pela idade, pela biografia pessoal, pela histria.

    Convivendo e conversando com o perigo

    No h como negar que o estudo de tal objeto emprico, povoado de sujeitos

    envolvidos em atividades ilegais e violentas, vigiado por policiais violentos

    que apresentam uma dupla face no tratamento do trfico de drogas ilegais, muito perigoso. Enfrentei, algumas vezes sem nem perceber, certas situaes

    em que agresses graves poderiam ter acontecido.Logo que cheguei Cidade de Deus, em 1980, sem ter alcanado

    ainda a Praa Matusalm onde conheci o drama de Manoel Galinha e seusparceiros, procurei uma forma de me inserir na vizinhana e pessoas em

    quem me apoiar. Um deles me foi indicado por um fotgrafo que publica-va no principal jornal do Rio de Janeiro fotos de violncia feitas ali. Este

    jovem me sugeriu ir assistir a um ritual religioso que acontecia durante a

    noite no conjunto habitacional. Fui dirigindo o meu carro, acompanhadade dois amigos, e estacionei perto da sua casa para irmos a p at ao local.

    Mas o jovem no nos dizia onde seria o ritual nem quando comearia. Seusvizinhos acompanhavam nossa conversa com um interesse que me chamou

    a ateno. Quando resolvi ir embora, percebi que o carro no arrancavamais. Imediatamente um senhor, vizinho do jovem, interveio e lhe disse

    rispidamente para colocar os cabos da bateria que ele havia arrancado sem

    que ns percebssemos, ou seja, os vizinhos viram e impediram o crime, oque ainda era possvel ento, certamente mais um dos muitos assaltos ou

    sequestros que aconteciam na cidade.Posteriormente, um dos meus assistentes de pesquisa, que morava em

    Cidade de Deus, me afirmou que eu quase havia sido estuprada numa das

    visitas casa de um jovem de quem achava ter ficado amiga na primeira faseda pesquisa, quando andava sozinha pelo conjunto no incio dos anos 1980.

    Eu teria escapado pensei ao recordar a situao porque passei um dosmeus gravadores para que ele entrevistasse colegas e por ter emprestado

    um livro que ele gostaria muito de ler. Anos mais tarde, este mesmo rapaz, j manejando a ferramenta da Internet, me enviou uma mensagem. Nas

    conversas telefnicas que se seguiram, negou veemente que tivesse contado

    tais fatos ao meu assistente de pesquisa. Como ele tinha o mesmo nome queo personagem do evento anterior, eu jamais ficarei sabendo exatamente o

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    pesquisando no peRigo574

    que aconteceu e de quantos perigos escapei pelo simples fato de ter sidosempre coerente e explcita quanto aos objetivos da pesquisa.

    E isso foi tudo. Nunca fui assaltada, agredida, ofendida ou maltratadanos muitos anos que passei fazendo pesquisa de campo neste conjunto. Na

    verdade, sentia-me mais protegida quando estava dentro da favela do quequando andava pelas ruas do Centro ou dos bairros de classe mdia do Rio

    de Janeiro.6 Mas estvamos nos anos 1980, ainda nos primrdios do trfico de

    drogas ilegais associado ao trfico de drogas e de armas, que foi se tornandocada vez mais violento e cruel com o passar dos anos e a consolidao dos

    comandos que os dirigiam desde as prises, principalmente em So Paulo e

    no Rio de Janeiro. Nas dcadas seguintes, os cuidados tiverem de ser redo-brados para entrar na favela e a conscincia do perigo, com o consequente

    sentimento de medo, passou a ser a companhia cotidiana dos envolvidos notrabalho de campo das pesquisas seguintes.

    Os maiores perigos que pesquisadores enfrentam no campo continuamsendo os riscos de confrontos efetuados pelo controle militar das comunida-

    des visitadas, sempre que ocorre uma guerra pelo comando do morro entrea faco instalada e a faco invasora ou, como acontece no Rio de Janeiro

    agora, entre a Polcia (inclusive com suas organizaes paramilitares ile-

    gais, as milcias) e os traficantes. Pesquisadores e demais profissionais quetrabalham em vrios centros de atendimento existentes nesses locais conti-

    nuaro a observar as marcas deixadas por traficantes e policiais em paredes,janelas, portas, sem saberem muito bem como lidar com a eventualidade de

    um tiroteio em tempo real. Um dos primeiros aprendizados passa a ser o docdigo de prenncios e os avisos explcitos que moradores recebem para

    se recolher ou no aparecer em tais locais. Indagar se possvel entrar a

    cada dia, a cada hora, saber como entrar e saber como sair sem perturbarou incomodar os traficantes que dominam as comunidades procedimento

    imprescindvel para quem quer levar a termo o estudo e sobreviver.Assim como no Brasil, os relatos de pesquisadores que estudaram trafi-

    cantes em outras partes do mundo esto ainda mais cheios das desventuras

    e das situaes de risco por que passaram, chamando a ateno para outrapostura imprescindvel, esta mais de ordem utilitria, em registro prtico-ins-

    trumental. Manter a calma e esconder o medo passa a ser um procedimentodo kit sobrevivncia. Bruce Jacobs (1998:165) resume esta postura assim:7

    [...] Como outros pesquisadores observaram, a preocupao com a violncia

    pode levar os etngrafos a parecerem apavorados, ou a reagirem de forma

    inadequada a situaes e perigos comuns na rua [...] Um comportamento

    medroso facilmente percebido por pessoas violentas e pode muitas vezes

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    pesquisando no peRigo 575

    levar prpria violncia. Assim, Berk e Adams frisam a importncia de manter

    a calma quando ameaado: O investigador ser constantemente observado e

    testado pelas prprias pessoas que ele est estudando. Isto mais verdadeiroainda (para) os delinquentes que [...] valorizam a coragem diante do perigo.

    Deve se lembrar aqui que o perigo inerente ao trabalho de campo com

    infratores da lei, se no por outra razo, porque h sempre a possibilidade de

    perigosos mal-entendidos culturais entre pesquisadores e objetos de pesquisa.

    Isto mais verdadeiro ainda em relao pesquisa entre vendedores de crack

    na rua, que usam cotidianamente a violncia ou as ameaas de violncia para

    conseguir cumplicidade [...].

    Ainda no registro utilitrio, manter a assimetria entre o sujeito obser-

    vador e o sujeito observado, entrevistador e entrevistado, pesquisador epesquisado, especialmente quando os ltimos destes pares de interao

    esto ou estiveram no mundo criminal, portanto cercados de segredos esilncios quanto ao que se passa no mundo de ilegalidades, pode produzir o

    efeito de tornar mais provveis revelaes e confisses. Ao contrrio do que

    dizem os que advogam a identificao e a assimilao entre entrevistador eentrevistado, a prpria distncia que facilita a interlocuo e as confisses

    sinceras de ambas as partes.Foi enquanto mulher que vislumbrei uma possvel interpretao ino-

    vadora nas anlises feitas sobre a criminalidade no Brasil. A repetio de

    certos arranjos e associaes simblicas relacionando o uso da arma de fogo,o dinheiro no bolso, a conquista das mulheres, o enfrentamento da morte e

    a concepo de um indivduo completamente autnomo e livre gritavamaos meus olhos que as prticas do mundo do crime vinculavam-se a um etos

    de masculinidade exacerbado, exagerado, centrado na ideia de um chefe

    desptico cujas ordens no poderiam ser desobedecidas8 (Zaluar 1989 e1990). Sem discordncias nem oposies, a paz do cemitrio no conduzia

    s confisses sinceras nem s revelaes audazes. Era necessrio continuara cat-las de muitas maneiras.

    Mesmo assim, o afastamento do pesquisador, que no da vizinhana,nem da classe social, nem do sexo do interlocutor, pode estimular as confidn-

    cias. claro que isto s funciona quando vem acompanhado do esclarecimentoquanto aos objetivos cientficos do estudo, quanto manuteno do anonimato,

    ao desinteresse de quem fez o qu substitudo pelo foco em como e por quetantos fizeram. Em outras palavras, o afastamento deve ser duplo ou triplo:alm de se distanciar dos prprios investigados, preciso deixar claro que o

    pesquisador no tem os mtodos e os objetivos da investigao policial queprocura os suspeitos a serem acusados em inquritos e processos judiciais,

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    pesquisando no peRigo576

    assim como os de jornalistas, que buscam personagens importantes para narrarem notcias selecionadas por serem de interesse dos leitores. A imagem do

    pesquisador no pode ser confundida nem com a do investigador de polcia,nem com a do jornalista, figura tambm temida por no ter os mesmos com-promissos cientficos e por publicar muito rapidamente as descobertas ou

    furos de suas entrevistas,9 dos quais os nomes dos envolvidos fazem parte.Para convencer que no e no age como um jornalista ou um policial, o

    pesquisador no precisa se identificar com o criminoso a ponto de passar aparticipar de suas atividades ou se confundir com ele.

    Como mais um estratagema para soltar o verbo dos entrevistados,

    portanto ainda no registro utilitrio, est o emprego de grupos focais ou deentrevistas coletivas com mais de dois entrevistados. Nos primeiros, realiza-

    dos segundo tcnicas j estabelecidas, renem-se de cinco a oito indivduosem uma mesma sesso para observar a interao entre eles e registrar todas

    as suas reaes e dilogos a partir das perguntas feitas coletivamente. Usei

    esta tcnica na pesquisa em que foram comparados os estilos de trfico e deuso de drogas ilegais em trs bairros do Rio de Janeiro (Zaluar 2001).

    No final da dcada de 90, resolvi ampliar o campo das pesquisas sobreo trfico de drogas comparando trs bairros da cidade do Rio de Janeiro,

    o que me permitia usar os dados estatsticos e discutir como a pobreza ea desigualdade social se combinam com os estilos de trfico e de uso de

    drogas. Nesta comparao foram utilizadas vrias fontes de dados. As es-

    tatsticas oficiais da polcia foram coletadas para conhecermos a incidnciade alguns crimes, tidos como vinculados ao trfico de drogas ilegais e s

    dvidas que os compradores de suas mercadorias e servios contraem, taiscomo roubos e furtos de autos, outros roubos e furtos; ou ento os que so

    resultado dos mtodos de resoluo de conflitos internos, como o homicdio,tambm denominados homicdios sistmicos. Os dados do IBGE sobre as

    regies administrativas onde esto localizados os bairros que, alis, lhes

    do o nome, permitiram a comparao demogrfica, a socioeconmica e ade atividades econmicas que poderiam ajudar a entender as condies de

    vida nesses bairros, especialmente de seus jovens, principais protagonistase vtimas dos crimes violentos, sobretudo do homicdio.

    Por fim, foi necessrio estudar a organizao do trfico em cada um des-

    ses locais, escolhidos justamente por terem inmeros estabelecimentos legais

    de lazer e boemia, alm de vrias favelas. As ligaes entre os traficantes doasfalto e da favela, assim como entre os usurios e esses traficantes foramobjeto de investigao etnogrfica em cada um dos bairros escolhidos.

    Procurei trazer tambm as outras vozes dos espectadores-vtimas natragdia particular de uma guerra sem sentido e sem fim, que ocorre nas

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    pesquisando no peRigo 577

    mais ricas e maiores cidades brasileiras, divididas tambm pelos efeitosdo fundamentalismo cristo que re-encantou o mal e transformou as mais

    importantes e difundidas manifestaes da cultura afro-brasileira em ma-nifestaes do demnio.

    No trabalho de campo, a observao silenciosa e discreta, junto com

    as entrevistas aprofundadas que seguiam um roteiro aberto, mostrou ser omtodo essencial para revelar as redes de trfico e os estilos de consumo

    numa situao de pesquisa repleta de riscos e perigos. O objetivo era enten-der os processos sociais objetivos, e no nomes de pessoas, principalmente

    na distribuio das drogas ilegais, assim como as formaes subjetivas que

    constituram o consumo, revelando o simbolismo que as caracterizam paradiversos tipos de usurios. O pressuposto terico era o de que todos os

    dados advm da relao social entre os pesquisadores e os sujeitos que seconstituem em seu objeto de estudo, o que exige reciprocidade e confiana.

    Estvamos particularmente interessados na formao de um etosguerreiro

    entre jovens atrados pelo trfico, assim como na formao subjetiva da mas-culinidade em vrios outros estilos de lazer (como os bailesfunk e charme,

    ou de esportes como ojiu-jitsu e as torcidas organizadas do futebol).No final da pesquisa, foram montados trs grupos focais em cada bairro,

    mtodo igualmente fundamental para revelar os mecanismos diferenciadosdo trfico de drogas em cada bairro, bem como as distintas disposies e

    concepes de masculinidade. O objetivo era entender os processos sociais

    existentes no trfico, ou seja, a dinmica das relaes entre fornecedores dearmas e drogas, traficantes e usurios, assim como as formaes subjetivas

    reveladas no simbolismo e nos rituais das interaes entre os atores. Os con-tatos para entrevistas foram feitos seguindo a rede de conhecidos dos usurios

    ou nos locais de lazer escolhidos para a observao silenciosa. Desse modo,muitas definies e imagens e vrios significados contextuais do crime, do

    desvio, da droga, da polcia, do bairro, das diversas atividades de lazer, das

    relaes entre os usurios, entre eles e os traficantes, entre todos e a polciaforam transmitidos pela observao direta, por conversas informais depois

    registradas e pelos relatos de experincias de nossos informantes.A comparao entre os bairros no que se refere aos estilos de uso no

    se mostrou importante para se entenderem as diferenas nas incidncias de

    alguns crimes, especialmente homicdios, roubos e furtos, apontados como

    relacionados ao trfico de drogas. J os estilos de trfico e a maneira pelaqual tanto repassadores quanto usurios se relacionam com os donos daboca ou os donos do morro revelaram-se de fundamental importncia.

    Todas as informaes foram obtidasin loco ou na situao artificial, masno menos necessria, do grupo focal montado na universidade. Quandoin

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    loco, os pesquisadores testemunharam tiroteios e tiveram que se esconderjunto com moradores no envolvidos. Isto no teve nenhum efeito no seu

    rapport com os ltimos, porque deixou de ser um acontecimento extraordi-nrio. Passou a ser o corriqueiro, o usual, parte do cotidiano de todos que

    moram nas favelas dominadas por traficantes.A ltima pesquisa feita no mbito das atividades do NUPEVI foi aquela

    montada em 2007 junto com um aluno que queria estudar as sadas do trfico,

    mais do que as entradas para ele, j to discutidas na literatura. O objetoemprico era a reconstruo das trajetrias de indivduos que abandonaram

    o trfico para entender os diferentes significados e padres da sada.

    Montei, a partir de um personagem da primeira pesquisa que fiz emCidade de Deus, protagonista da guerra romanceada e filmada com repercus-

    so internacional, uma rede de ex-prisioneiros que, como ele, no desejavammais voltar ao trfico de drogas. Nas entrevistas coletivas, tcnica criada por

    mim para realizar esta pesquisa, este personagem atuou ao mesmo tempocomo recrutador que convocava os demais, informante-chave e mediador

    na interlocuo entre entrevistados e entrevistadores. Embora tivessem sidofeitas algumas entrevistas individuais, os grupos assim montados nunca ul-

    trapassaram quatro pessoas, para que fosse possvel aprofundar as histrias

    de vida de cada um. O informante-chave fazia a mediao para esclareceros pontos obscuros, as possveis deturpaes ou os mal-entendidos devidos

    ao linguajar carregado de grias etc. Conhecedor dos truques e das ciladasdo seu meio, no deixava passar mentiras nem bazfias comuns entre os

    que vivem situaes de perigo e de ilegalidade.Como acontece no grupo focal, a interlocuo com o entrevistador

    pode desencadear a conversa independente entre os entrevistados, tanto

    mais interessante quanto mais discordarem um do outro, desmentirem fatos,esclarecerem dvidas e aprofundarem o conhecimento de cada um a respeito

    do que sabem sobre as muitas atividades reunidas na expresso trfico dedrogas ilegais. Os que gostam de exagerar seus feitos, ou de esconder suas

    responsabilidades costumavam ser imediatamente corrigidos pelos demais

    presentes, em especial pelo informante-chave, que permaneceu como ummembro da equipe de entrevistadores, formada por mim e um doutorando,

    Luiz Fernando Almeida Pereira (2008), que escreveu sua tese de doutoradocom base no material desta pesquisa. A dupla insero deste informante-

    chave, baseada na confiana nele depositada pelos dois lados da situao depesquisa, foi fundamental para que orapport estabelecido criasse entendi-

    mento entre os interlocutores e distendesse os receios de denncia, traio

    ou escama, usuais entre os que penetram no mundo da ilegalidade, vigiadae punida por agentes da lei nem sempre agindo de forma legal.

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    A maior vantagem desta pesquisa foi que, pelo arranjo das entrevistascoletivas na prpria universidade onde se localiza o NUPEVI, os entrevis-

    tadores, eu e Luiz Fernando no tivemos que correr os riscos de andar pelasvielas das favelas ou ruas dos bairros em que traficantes tm conhecidos

    pontos de venda, e de onde dominam territrios maiores. Pelos mtodos deescolha dos entrevistados intermediados pelo informante-chave, tambm

    no corramos o risco de ser confundidos com policiais ou jornalistas.

    A pesquisa em entrevistas de pequenos grupos, marcadas na univer-sidade, resolvia, portanto, os principais problemas da pesquisa no perigo: o

    acesso e o controle das mentiras contadas. Ir at a universidade significava

    estar em uma sala com o gravador ligado e consciente de que deveria res-ponder a perguntas sobre atividades criminosas. Ir at l em pequeno grupo

    previamente conhecido era um exerccio de interdependncia e interlocuoentre os entrevistados pois, como sujeitos e objetos na entrevista, poderiam

    estabelecer uma vigilncia mtua sobre o que era narrado por cada um aseu tempo, alm de falar de suas prprias experincias e interpretaes.

    Nesta pesquisa, seguimos os mesmos procedimentos ticos das an-teriores: manter o anonimato do entrevistado e o sigilo de algumas das

    informaes que no queriam tornar pblicas. Entender a rede de relaes,

    conflitos e dilemas dos entrevistados no pode ser confundido com oferecerdenncia a um rgo repressor, outro perigo apontado pelos pesquisado-

    res em sociedades com um sistema judicial muito presente, que exige dealguns deles tal denncia em funo de seu conhecimento das atividades

    criminosas.

    Generalizaes impossveis e comparaes necessrias

    Aps a primeira tentativa de aumentar o escopo das investigaes e permitira comparao entre trs bairros do Rio de Janeiro, nos ltimos dois anos

    resolvi ampliar ainda mais o campo de viso proporcionado pela pesquisa

    quantitativa ao realizar um survey o de vitimizao em toda a cidadedo Rio de Janeiro. Para isso tive que recorrer aos mtodos quantitativos

    mais usados por socilogos e epidemilogos. Adquiri um mapa muito maisabrangente, mais preciso e mais interessante para quem j tinha o conheci-

    mento etnogrfico dessa dinmica do trfico de drogas em diversos bairrosda cidade. Conheci as profundas diferenas entre as reas de planejamento,

    as regies administrativas, os bairros e as vizinhanas estudadas. Descobri

    que necessrio, pois, englobar para ter uma viso do conjunto da cidade e,simultaneamente, localizar ainda mais, apertar o foco nas diversas regies

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    existentes nelas, pois as diferenas so marcantes. Agregar e desagregar

    so tambm dois movimentos igualmente necessrios no trato dos dados

    estatsticos ou quantitativos, que podem ser iluminados pelos dados daspesquisas etnogrficas, tambm chamados qualitativos.

    O curioso que as situaes de maior perigo, inclusive de sequestrode um pesquisador, foram vividas na pesquisa de vitimizao nos bairros

    de classe mdia ilhados pela pobreza circundante nos subrbios ou na zonaoeste da cidade. Descobri que mais perigoso entrar na casa de algum

    apavorado com os altos ndices de criminalidade da rea em que vive doque conseguir entrar em favela dominada por traficante. Depois de uma

    negociao inicial e com a ajuda de guia, a pesquisa na favela tornava-se sem imprevistos, contanto que se seguissem as regras de aviso sobre ostiroteios sempre possveis em tais locais.

    Foi esta pesquisa, no entanto, que me permitiu entender a dinmicadiferenciada do trfico de drogas e da represso policial nas diversas reas

    da cidade e que me apontou novos problemas e objetos de pesquisa. A um

    deles chamei de o paradoxo da cidade por que justamente na rea queapresentava os mais altos percentuais de sociabilidade e confiana nos vizi-

    nhos havia maiores propores de vitimizao por violncias, principalmenteas resultantes de tiroteios, com vizinhos e amigos assassinados?

    E nada do que descrevi em etnografias do crime far sentido se nohouver conscincia de que o alcance das pesquisas etnogrficas no Brasil

    sobre o tema do trfico de drogas ilegais tem sido limitado aos grupos que

    operam nas pontas das redes, portanto, aos de menor importncia. Para pre-encher os vazios e ver de longe a floresta, o pesquisador de campo precisa

    daqueles de cujas atividades e identidades ele teve primeiro que se afastar:policiais, promotores e jornalistas. As investigaes policiais, baseadas na in-

    teligncia, e o jornalismo cientfico, que cata fatos entrevistando personagensimportantes desses dramas aqui e alhures, complementaro os dados quea pesquisa etnogrfica no consegue obter. Aplicados os devidos cuidados

    e filtros ao lidar com tais fatos, esta complementao imprescindvel pararealizar o percurso aqui discutido.

    Esta a marca da antropologia do contemporneo praticada em socie-dades cada vez mais diferenciadas e em um mundo que nunca foi to glo-

    balizado, exigindo, portanto, a multiplicidade de fontes de dados, de planos

    de abordagem e de perspectivas tericas. Como Rabinow sugere (2008), preciso averiguar o que acontece em outras disciplinas, ser cauteloso e

    paciente enquanto inventamos novos conceitos e realizamos diligentemen-te novas pesquisas. A antropologia ter que dividir com outros ramos do

    conhecimento as verdades sobre os seus objetos, perdendo a amplitude e a

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    ambio da etnografia tradicional sobre seus objetos tradicionais. Mas ainda

    lhe restar o que s proporcionam a observao participante enquanto

    for possvel participar sem negar de onde vem e quem o observador, comsuas similitudes e diferenas ticas e o registro da interao observador-

    observado marcada, s vezes, por escolhas trgicas.

    Recebido em 13 de abril de 2009

    Aprovado em 24 de junho de 2009

    Alba Zaluar professora titular de antropologia do Instituto de Medicina Social,UERJ. E-mail:

    Notas

    * Parte deste texto foi primeiramente apresentada em Seminrio Internacionalsobre o Crime Organizado, realizado no Ncleo de Estudos da Violncia, USP, em2007, com o ttulo Pesquisando Crime Organizado, cujos anais ainda no forampublicados. Foi revisto, aumentado e recortado para a discusso sobre a etnografiado crime.

    1 No original: [...] there is nothing better than initiatory immersion and evenmoral and sensual conversion to the cosmos under investigation [] It makes pos-sible for the sociologist to appropriate in and through practice the aesthetic, ethicaland cognitive schemata that those who inhabit that cosmos engage in their everydaydeeds.

    2 No original: [] by becoming a gang member I was often forced and expectedto adopt a number of particular behaviour patterns, some of which were in fact com-pounded by my being a chele pandillero [] This included having to participate ina range of violent and illegal activities, including gang wars, thefts, fights, beating,

    fencing and conflicts with the police, as a result of which I underwent a number ofthings that I could have done without, including being attacked, threatened, beatenup, knifed, shot at and thrown out of a moving car.

    3 Certa vez, assim que cheguei a Belo Horizonte para participar de um semi-nrio internacional sobre violncia, fui interpelada por policiais militares mineiros

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    que, de dedo em riste, acusavam um famoso bandido fluminense FernandinhoBeira Mar de ser o mandante do assassinato de um promotor de justia que haviamorrido na vspera naquela cidade. Surpresa, perguntei: mas j terminou a inves-tigao? A resposta foi ainda mais enftica: os bandidos do Rio esto vindo parac e aumentando a criminalidade. Semanas depois, a investigao revelou que opromotor morto era carioca, o executor era um suboficial da PM de Minas Gerais eos mandantes eram donos de postos de gasolina, mineiros, envolvidos na mfia queo promotor investigava.

    4 Os resultados desta pesquisa esto em meu livro Condomnio do diabo, pu-blicado em 1994.

    5

    Esta foi uma das razes que me levaram a incentivar e a ajudar Paulo Lins aescrever o seu romance etnogrfico Cidade de Deus durante seis dos nove anosem que permaneceu na equipe de pesquisa que eu coordenava. Alm de bolsa deestudo, Paulo teve acesso a todo o material j coletado nas pesquisas em que parti-cipou, como tambm da primeira que fiz em Cidade de Deus na praa onde morou emorreu Manoel Galinha, pesquisa feita muito antes que eu o conhecesse.

    6 Os resultados e as interpretaes desta primeira pesquisa de campo solitria emCidade de Deus esto na minha tese de doutorado,A mquina e a revolta, publicadaem 1985 pela Editora Brasiliense.

    7 Traduo de Patrcia Farias.

    8 Ao mesmo tempo, a leitura da teoria sobre formao subjetiva do etos guerreiro(Elias 1993) ajudou-me a interpretar o que percebera.

    9 Entrevistados contavam como os traficantes que falaram demais a jornalistasque publicaram livros sobre o trfico de drogas no Rio de Janeiro, citando seus nomesou deixando muitas pistas para que fossem identificados, acabaram mortos na priso

    pelos seus comparsas revoltados com a traio.

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    Resumo

    O artigo discute a questo do relativismocultural que assume carter polmico napassagem do milnio, principalmentenas divergncias surgidas sobre o quefazer diante dos dilemas postos pelosnovos sujeitos-objetos e dos impassesadvindos da difuso planetria de pos-turas universalistas. Novos problemase dilemas ticos se antepuseram aofazer antropolgico: o que so direitoshumanos e qual o seu alcance entre na-tivos no ocidentais; quem conta comopessoa humana e quem deve ser ouvidonas sociedades estudadas; como lidarcom a opresso de pessoas no interiordas sociedade dos nativos quando osopressores so tambm nativos. Na etno-grafia do crime, possvel e preciso o

    mergulho no mundo do outro a ponto devirar nativo? A antropologia do contem-porneo, praticada em sociedades cadavez mais diferenciadas e em um mundoque nunca foi to globalizado, exige amultiplicidade de fontes de dados, deplanos de abordagem e de perspectivastericas, averiguando o que aconteceem outras disciplinas, sendo cauteloso epaciente na inveno de novos conceitos

    e novas pesquisas.Palavras-chaveEtnografia, tica de pes-quisa, Relativismo cultural, Participao,Distanciamento

    Abstract

    The article discusses the question of cul-tural relativism, an issue that has becomeincreasingly polemical at the turn of themillennium, especially with the diverg-ing opinions on how to respond to thedilemmas posed by the new subjects-ob-jects and the impasses generated by theglobal diffusion of universalist stances.New ethical problems and dilemmas pre-

    vene anthropological practice: what arehuman rights and what are their reachamong non-western natives; who countsas a human person and who should beheard in the societies under study; andhow to deal with the oppression of people within the native societies when theoppressors are themselves natives? Inthe ethnography of crime, is it possible

    or necessary to submerge oneself in theworld of the other to the point of turningnative? The anthropology of the con-temporary, practiced in increasingly dif-ferentiated societies and in an ever moreglobalized world, demands a multitude ofdata sources, approaches and theoreticalperspectives, verifying what is happen-ing in other disciplines, and remainingcautious and patient in the invention of

    our concepts and new research.Key words Ethnography, Research eth-ics, Cultural relativism, Participation,Distancing