A Filosofia da Prestidigitação

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 “Tenho pensado quão interessante seria um artigo escrito por um autor que quisesse e que pudesse descrever, passo a passo, a marcha progressiva seguida em qualquer uma de suas obras até chegar ao término definitivo de sua realização.”  Edgar Allan Poe, em A Filosofia da Composição. A FILOSOFIA DA PRESTIDIGITAÇÃO  por Paulo Henriq ue de Aragão PRELÚDIO Desde que Edgar Allan Poe (1809-1849) destrinchou seu corvo em  A Filosofia da Composição, muitos outros contadores de histórias revelaram o modus operandi  de suas  próprias obras. Ainda assim, o ofício da criação continua um mistério para muita gente que, não raro, idealiza uma baforada de inspiração seguida de um transe que leva ao trabalho  pronto, como que resultado de um encantamento. Romanceand o um pouco, i sso pode até ser tomado como verdadeiro, mas o fato é que na magia do  storytelling , a transpiração é mais necessária que a inspiração sobrenatural.  No presente e nsaio descrevo, de mo do mais ou menos re sumido, a pequena jornada para retirar uma série curta de animação do limbo inspiracional e levá-la à sua modesta forma definitiva 1 . Como Poe, convido o leitor a chegar mais perto do palco, dar uma olhada por trás da cortina, descobrir os alçapões, rolamentos, disfarces e artifícios que “em noventa e nove  por cento dos casos são o peculiar do histrião literário 2 . Ou neste caso, do fictício histrião audiovisual batizado de Animágico. Figura 01: Rodrigo Foka em Animágico! O Grande Truque (2011). 1  Há maior ênfase no d esenvolvimento narrativo, mas todas as etapas da produção audiovisual são observadas. 2  POE, Edgar Allan. A filosofia da composição.  

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Como Poe, convido o leitor a chegar mais perto do palco, dar uma olhada por trás da cortina, descobrir os alçapões, rolamentos, disfarces e artifícios que “em noventa e nove por cento dos casos são o peculiar do histrião literário” . Ou neste caso, do fictício histrião audiovisual batizado de Animágico.

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Tenho pensado quo interessante seria um artigo escrito por um autor que quisesse e que pudesse descrever, passo a passo, a marcha progressiva seguida em qualquer uma de suas obras at chegar ao trmino definitivo de sua realizao. Edgar Allan Poe, em A Filosofia da Composio.

A FILOSOFIA DA PRESTIDIGITAOpor Paulo Henrique de Arago

PRELDIO Desde que Edgar Allan Poe (1809-1849) destrinchou seu corvo em A Filosofia da Composio, muitos outros contadores de histrias revelaram o modus operandi de suas prprias obras. Ainda assim, o ofcio da criao continua um mistrio para muita gente que, no raro, idealiza uma baforada de inspirao seguida de um transe que leva ao trabalho pronto, como que resultado de um encantamento. Romanceando um pouco, isso pode at ser tomado como verdadeiro, mas o fato que na magia do storytelling, a transpirao mais necessria que a inspirao sobrenatural. No presente ensaio descrevo, de modo mais ou menos resumido, a pequena jornada para retirar uma srie curta de animao do limbo inspiracional e lev-la sua modesta forma definitiva1. Como Poe, convido o leitor a chegar mais perto do palco, dar uma olhada por trs da cortina, descobrir os alapes, rolamentos, disfarces e artifcios que em noventa e nove por cento dos casos so o peculiar do histrio literrio2. Ou neste caso, do fictcio histrio audiovisual batizado de Animgico.

Figura 01: Rodrigo Foka em Animgico! O Grande Truque (2011).1 2

H maior nfase no desenvolvimento narrativo, mas todas as etapas da produo audiovisual so observadas. POE, Edgar Allan. A filosofia da composio.

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PRIMEIRO ATO: O COMPROMISSOTodo grande truque de mgica consiste em trs atos. O primeiro ato chamado o compromisso: o mgico mostra platia alguma coisa ordinria mas que provavelmente no o . 3

A Oficina de Produo Audiovisual que idealizei e ministrei sob os auspcios das Oficinas Culturais do Estado de So Paulo4, tinha como objetivo simular uma experincia real de produo, oferecendo aos participantes mais que teorias esquecveis e um certificado logo engavetvel. Com planejamento, dedicao e alguma sorte, teramos no apenas um exerccio de aprendizagem, mas uma obra capaz de ganhar cho atravs de festivais, internet e tudo o mais. Afinal, criamos os filhos para o mundo, no para ns mesmos. No precisaria ser algo original ou revolucionrio, apenas razoavelmente bem produzido, o que j seria muito. Como nos ensina Aristteles (384 a.C.-322 a.C.), pela imitao adquirimos nossos primeiros conhecimentos5, e reafirma Will Eisner (1917-2005), as habilidades so aprendidas atravs da imitao.6 Sendo uma oficina de produo em si e no de criao, eu deveria chegar com um roteiro pronto para ser produzido. Considerei que, no havendo muito tempo disposio para a atividade7, tampouco grandes equipamentos e equipe experiente, para chegar a uma produo de qualidade seria necessrio transformar fraqueza em fora. Optei por desenvolver uma obra animada, j que tenho mais experincia com este tipo de produo, e elegi para isso a variao da tcnica de stop motion8 conhecida como pixilation. Com ela, uma simples cmera fotogrfica daria conta do recado, e os participantes no necessitariam ter habilidades para desenhar ou manipular bonecos com preciso: no pixilation o boneco a prpria pessoa. Prosseguindo com esta ideia e, supondo que a maioria dos alunos seria de iniciantes, pensei: e se nos colocssemos no lugar dos iniciantes do audiovisual? Daqueles pioneiros que, l pelos idos de 1900, inventavam o cinema sem saber exatamente como? Assim sendo: para a gravao no precisaramos de cmera de vdeo, computador, desenhos ou bonecos. Imitando um filme antigo, eventuais defeitos e possvel falta de qualidade tcnica se tornariam parte da linguagem. A gravao em um ambiente interno eliminaria problemas com iluminao oscilante e variao climtica. No teramos que nos preocupar com cores, tudo seria em preto e branco. Nem com captao de udio, a produo seria muda o que inclusive o tornaria entendvel em qualquer lugar do planeta. Feito! Fraqueza se torna fora. Faltava agora o mais importante: o enredo em si. Nada substitui uma boa histria. Inspirado pelos trabalhos altamente inventivos do ilusionista-cineasta Georges Mlis (1861-1938), vislumbrei a criao de um mgico a usar sempre o inesperado e o inusitado da tcnica cinematogrfica para produzir surpresa e humor em suas apresentaes de palco. Diverso pura e simples, um heri picaresco como tantos outros dos primrdios do cinema, como Carlitos9, Gato Flix10, Coelho Oswaldo11, Mickey em suas primeiras aparies12 e o prprio Mlis em alguns de seus curtas-metragens.

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NOLAN, Christopher; NOLAN, Jonathan; PRIEST, Christopher. The prestige: script, p. 01, 02 (traduo do autor). 4 Centros mantidos pela Secretaria de Estado da Cultura que oferecem diversas atividades de formao, totalmente gratuitas. 5 ARISTTELES. Arte potica, p. 04. 6 EISNER, Will. Narrativas grficas. 7 A Oficina de Produo Audiovisual possua uma carga horria total de 18 horas. 8 Animao que tem sua impresso de movimento criada a partir de imagens estticas reais. 9 The Tramp, criado por Charles Chaplin em 1915. 10 Felix the Cat, criado por Otto Messmer e Pat Sullivan em 1919. 11 Oswald the Lucky Rabbit, criado por Walt Disney e Ub Iwerks em 1927. 12 Mickey Mouse, criado por Walt Disney e Ub Iwerks em 1928.

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Figura 02: Georges Mlis em Les Cartes Vivantes (1904).

Minha ideia inicial era fazer uma trama ainda mais singela do que efetivamente se fez. Algo como uma tira de quadrinhos em trs quadros, trs atos muito simples de comeo, meio e fim.13 Mas para fazer jus obra do mestre Mlis e chegar ao menos aos ps de suas incrveis faanhas prestidigitadoras, foram necessrios adicionar mais elementos mgicos e narrativos, embora o mote da simplicidade tenha sempre permeado toda a produo. O que chamamos de poema extenso nada mais do que uma sucesso de poemas curtos, de efeitos poticos breves. De nada nos serve demonstrar que um poema s o quando eleva a alma e lhe traz uma excitao intensa: por uma necessidade psquica, todas as excitaes intensas so de curta durao.14 Dos seis encontros oficiais da Oficina de Produo Audiovisual, trs foram reservados para as gravaes. Avaliei que seria melhor usar o personagem em trs episdios independentes de um minuto cada, do que, por exemplo, em um nico curta-metragem de 3 minutos gravando um minuto em cada dia , que poderia ficar inacabado por algum imprevisto. Na pior das hipteses, conseguiramos fazer um s episdio nos trs dias juntos e estaria de bom tamanho. Primeiro escolhi algumas trucagens interessantes para utilizar nos curtas, como deslizamento, transfigurao, aparecimento, desaparecimento, etc. Mas o Animgico! no uma sequncia de efeitos engraadinhos desconexos. Cada um dos episdios tem sua prpria trama, seu prprio fiapo narrativo, que parece simples para um espectador desatento, mas que em realidade no to ordinrio assim. Digo-me, antes de tudo: Dentre os inumerveis efeitos ou impresses que capaz de receber o corao, a inteligncia ou, falando em termos mais gerais, a alma, qual ser o nico que eu deva eleger no presente caso?1513 14

Aristteles discorre sobre os trs atos narrativos em Arte potica, p. 10-11. POE, Edgar Allan. A filosofia da composio. 15 POE, Edgar Allan. A filosofia da composio.

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Em dado momento, adicionando um pouco de magia mgica, pensei que a unidade dramtica de cada episdio poderia ser direcionada por uma das sete leis do Hermetismo16. De fato foi o que fiz.

Figura 03: Hermes Trismegistus, representao de Stefano di Giovanni. Duomo de Siena (1488).

O episdio 1, O grande truque, faz uso da lei hermtica do Ritmo: "Tudo tem fluxo e refluxo; tudo tem suas mars; tudo sobe e desce; tudo se manifesta por oscilaes compensadas; a medida do movimento direita a medida do movimento esquerda; o ritmo a compensao."17 Tudo se movimenta, para frente e para trs, para um lado e para outro. Repare que, como um pndulo com seu ritmo de ascenso e queda, cada elemento animado atinge seu ponto mximo, sustentado por alguns poucos momentos e recomea um novo ciclo. O armrio, a cadeira, o mgico: tudo segue o ritmo.18 Ademais, O grande truque, como primeiro curta-metragem da srie, tem o compromisso de ser um episdio de diapaso, uma referncia a todo o conjunto da obra. A primeira cena de cada personagem ou de cada histria representa sempre a sua essncia, ou sua caracterstica mais importante. Sendo assim, o Animgico nos mostra a que veio j em sua chegada singular ao cenrio. Entra deslizando maravilhosamente e nos exibe seu contrato de veridico, como se dissesse: de mim e da minha histria, espere coisas mgicas, espere o inesperado 19. Outro preceito narrativo aplicado em todos os episdios, mas nO grande truque em especial, a regra da pista e recompensa. Numa histria qualquer, tal pista pode ser um16

Conjunto de crenas filosficas e religiosas baseadas principalmente em escritos atribudos a Hermes Trismegisto, figura arquetpica sincrtica que une a deidade egpcia Toth e o deus grego Hermes (ambos deuses da escrita e da magia). 17 TRS INICIADOS. O caibalion, p. 08. 18 Em animao, comumente chamado de timing. 19 No contrato de veridico, o responsvel pela narrativa estabelece um acordo implcito com o espectador, instituindo as regras prprias do mundo em questo. Esse contrato, em alguns casos no nosso inclusive , pode ser chamado tambm de suspenso da descrena.

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dilogo, um objeto, uma ao ou qualquer outra informao aparentemente banal e inconsequente. Essa informao surge displicente, s vezes mais de uma vez ao longo da histria, e costuma passar despercebida pelo pblico. At que vem a recompensa, e mostra que tal dilogo, objeto, ao, etc. sem importncia era na verdade um indcio, uma pista do que estava por vir. No caso de nossa animao, a principal pista o armrio. Trazido ao cenrio pelo Animgico, ele parece logo perder sua utilidade e, apesar do espao que ocupa na cena, facilmente esquecido pela platia. A certa altura, ningum espera mais nada do armrio. At que se desenrola o grande truque e se v para que ele estava ali afinal. Em O grande amor, temos o princpio hermtico do Gnero: "O gnero est em tudo; tudo tem seus princpios masculino e feminino; o gnero se manifesta em todos os planos da criao".20 Este episdio possui o fiapo narrativo mais bem desenvolvido da srie, onde lidamos com uma das maiores necessidades humanas, o amor. O amor arquetpico que faz rodopiar e suspirar, s vezes seguido de uma desiluso, ou como vemos aqui, uma (cmica) metamorfose surpresa. A par de ser um curta mudo, o uso de um sentimento conhecido por todos torna-o mais universal. Discutindo mais propriamente acerca da narrativa, perceba que, tanto neste episdio quanto nos outros, evita-se a todo custo o final postergado. No podemos deixar a peteca cair: a histria atinge seu ponto mais alto o clmax e segue muito rapidamente para seu desfecho, sem delongas. Le grand finale, terceiro curta-metragem, brinca com a lei da Polaridade: "Tudo duplo, tudo tem dois plos, tudo tem o seu oposto. O igual e o desigual so a mesma coisa. Os extremos se tocam. Todas as verdades so meias-verdades. Todos os paradoxos podem ser reconciliados"21. Narratologicamente, se o episdio 1 nos apresenta em grande parte o suspense temos as pistas de que a cadeira se mover e de que algo acontecer com o armrio, embora no saibamos exatamente o que sobrevir (at a recompensa) esta ltima animao nos brinda com a surpresa. No h indicaes de que ao entrar em uma das caixas presentes no palco o Animgico sair na outra. Quando temos a noo de que ele se alterna nas caixas, acaba saindo nas duas ao mesmo tempo, para em seguida sair em nenhuma. H sempre um crescendo, que nos leva ao ltimo, mais importante e impactante truque. Parece bvio, mas alguns contadores de histrias se esquecem da progresso que leva ao clmax, e de que este o ponto culminante da narrativa. S quando se tem continuamente presente a idia do desenlace que podemos conferir a um plano a sua indispensvel aparncia lgica e de causalidade, procurando fazer com que todas as incidncias e, especialmente, o tom geral tendam a desenvolver a inteno estabelecida.22 No se pode estragar o final. Vrios trabalhos magnficos no primeiro e segundo atos tm um desfecho completamente decepcionante. O final deve ser apotetico dentro das propores de cada histria , deve ser memorvel. A prpria srie como um todo tambm faz uso dos princpios narrativos destacados em cada episdio (diapaso, contrato de veridico, arquetipicidade, universalidade, pista e recompensa, suspense e surpresa, gradao contnua, clmax, fuga do final postergado), e da narrativa bsica em trs atos: no primeiro curta temos a apresentao do personagem, no seguinte seu desenvolvimento e no terceiro seu desfecho culminante, le grand finale.20 21

TRS INICIADOS. O caibalion, p. 09. TRS INICIADOS. O caibalion, p. 07. 22 POE, Edgar Allan. A filosofia da composio.

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Estava criado um projeto com menos chances de dar errado, ainda assim, sempre h a possibilidade de fracasso. um investimento de risco. investir na bolsa de valores, no na poupana. Em 28 de outubro de 2010, coincidentemente Dia Internacional da Animao23, aconteceu o primeiro encontro da Oficina de Produo Audiovisual. Aps os roteiros serem debatidos e aprovados pelos participantes, aps novos encontros com definies mnimas das funes, contribuies com idias, criao do figurino, cenrio e objetos de cena, vislumbrei que o Animgico! poderia virar realidade afinal. No havia financiamento concreto para a produo dos curtas, mas uma equipe dedicada e talentosa melhor que dinheiro. Restava definir o ator. Trabalhar com pixilation e animao em geral no nada fcil. So necessrias a preciso de um relojoeiro, a resistncia de um maratonista, a concentrao de um matemtico, e a viso de um artista".24 Teria de ser ainda algum disponvel e responsvel, que para manter a unidade da srie no poderia se ausentar. O voluntrio foi o participante Rodrigo Foka, e no poderia haver melhor: palhao e malabarista, com experincia em apresentaes circenses e bom controle do prprio corpo. Ainda com relao atuao, instru um pouco sobre os gestos dramticos exagerados prprios da comdia muda, e sobre a linha de ao, uma linha imaginria que define posio e postura adequadas para personagens animados. Segundo Preston Blair (1908-1995), a linha de ao a base para ritmo, simplicidade e objetividade em animao25. Deixei os ltimos ensaios a cargo de Rodrigo Arajo, outro participante da oficina, j com experincia em performances audiovisuais e teatrais.

Figura 04: Rodrigo Foka e Paulo Henrique de Arago em leitura do roteiro de Animgico!

Equipe instruda, figurino definido, maquiagem testada, ator ensaiado, cmera reservada, locao escolhida. Lidando com audiovisual, voc sempre planeja e organiza tudo. Mas as coisas jamais sero exatamente como voc espera.

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Aniversrio da primeira exibio pblica de imagens animadas, realizada em 1892 por Charles-mile Reynaud (1844-1918). 24 LAYBOURNE, Kit. The Animation book (traduo do autor). 25 BLAIR, Preston. Cartoon animation, p. 92 (traduo do autor)

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SEGUNDO ATO: O GIROO segundo ato chamado o giro: o mgico faz com que a coisa ordinria se torne extraordinria.26

O Centro Cultural de Taubat, local onde era ministrada a oficina, possui um teatro onde imaginei gravar os curtas animgicos. Mas descobri que o espao no estaria disponvel nos dias das gravaes. Restou-nos um salo usado para ensaios do bal da cidade. Optamos por usar um dos lados do salo, aparentemente o nico lado possvel, em que infelizmente perderamos a profundidade, contando apenas com ao horizontal, com entradas e sadas laterais. Entretanto, analisando algumas fotos tiradas no ensaio do dia anterior primeira gravao, criei uma forma de usar outro ngulo do salo e objetos do prprio local como parte da cenografia. As barras laterais do bal davam uma noo maior de profundidade. O biombo por onde saa o Animgico eram duas mesas postas de p, cobertas com tecido TNT preto. A moldura presente no lado direito foi encontrada providencialmente no prprio Centro Cultural provavelmente usada por alguma exposio ou instalao prvia , e posta para contrabalanar com as belas janelas da esquerda. A iluminao era proveniente de lmpadas fluorescentes da prpria locao. Sendo assim, a cmera de vdeo da Oficina Cultural27 que naquelas condies s funcionaria bem com luzes profissionais teve de ser trocada pela cmera de testes28.

Figura 05: esquerda, salo como encontrado pela equipe. direita, o mesmo ambiente pronto para as gravaes.

Os episdios foram todos gravados na ordem de exibio pois como previsto, sua produo foi ficando cada vez mais complexa , e tudo transcorreu sem maiores problemas que no os de uma produo normal. Lembrando, claro, que pelo carter educacional da atividade no tnhamos uma gravao comum, mas uma gravao-aula. Simulando os filmes dos primrdios do cinema, tudo feito num nico plano sequncia. Em nosso caso, um plano sequncia simulado, pois a gravao efetiva acontece apenas na frao de segundo em que se bate a foto29. E utilizando sempre o trip, visto que em animaes como essa, o enquadramento deve ser totalmente parado ou perde-se a qualidade da impresso de movimento.26

NOLAN, Christopher; NOLAN, Jonathan; PRIEST, Christopher. The prestige: script, p. 03 (traduo do autor). 27 Cmera de vdeo mini-DV Panasonic NV-GS300. 28 Cmera fotogrfica Sanyo S750 7.1 megapixels. 29 Cerca de seiscentas fotografias (de 5 megapixels de resoluo) por episdio. Sendo que cada episdio possui, aproximadamente, 40 segundos de durao bruta.

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Figura 06: Rodrigo Foka maquiado por Carolina Moraes. Ao fundo, Sandro Madeira, produtor e operador de cmera da srie.

Acabados os encontros da Oficina, voltei ao trabalho solitrio, iniciando o processo de montagem final. Um trabalho mais de animador que de editor, realizado quadro a quadro para dar o ritmo necessrio aos movimentos dos personagens e mesmo a sequncias inteiras. Nesta etapa coube tambm a sincronia definitiva entre o som e a imagem, elemento fundamental de um audiovisual sem dilogos. Um servio bem realizado neste quesito permite ao espectador ver sons e ouvir movimentos, numa espcie de sinestesia simbitica. A trilha sonora escolhida para a srie refora a identidade de retorno ao cinema mudo, ao tempo dos pianistas na sala de projeo. Para O grande truque e primeira apario do Animgico, temos The entertainer aquele que entretm, o que afinal o que nosso ilusionista faz , um ragtime30 clssico de Scott Joplin (1867-1917). Essa msica carrega em si toda a essncia sonora dos filmes teoricamente sem som. Para O grande amor, algo mais suave. Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) e sua conhecida Marcha turca, da Sonata para piano n11 em la maior, do o tom do curtametragem. A msica mais sublime da srie. O pirotcnico Le grand finale um caso a parte. Como o prprio curta em si, a msica mais grandiosa que as anteriores, executada no com um simples piano, mas uma orquestra. A dana do sabre de Aram Khachaturiam (1903-1978) sem dvida a msica perfeita para o grande final: mais elementos sonoros, maior grandiosidade, tenso com irreverncia. Com seus movimentos vigorosos e paradas bruscas, este o episdio que mais sofre influncia da trilha sonora31. Embora muitas vezes a msica d o ritmo da animao, todas as composies foram editadas. Como aprendi com Uma odisseia de Natal32, num audiovisual o som mais malevel que a imagem33. Excetuando-se as msicas, outros efeitos sonoros so apenas pontuais e no a qualquer movimento ou truque, como poderia ser em um desenho animado clssico. Respeitando a30

Gnero musical afro-americano, constitudo geralmente de composies para piano, muito populares no incio do sculo XX. 31 Cogitei usar a Dana hngara de Johannes Brahms (1833-1897), mas a melodia possui uma solenidade exagerada e soava europia alm da conta. 32 Idem. Brasil, 2006. Escrito por Paulo Henrique de Arago, dirigido por Paulo Henrique de Arago e Carolina Karayannopoulos (como Carolina Soares). 33 ARAGO, Paulo Henrique de. Uma odisseia de Natal, p. 97.

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influncia do cinema mudo e, como cada composio musical por si s j traz informao sonora o suficiente, h apenas um rudo extra por episdio, acompanhando pequenos efeitos animados em duas dimenses. Alm dos acima mencionados elementos em 2D, como videografismo se que se pode chamar assim algo to modesto , h a incluso do tradicional contador regressivo inicial, seguido de cartelas de ttulo em preto e branco, que j mostram ao espectador o que espera por ele34. Tais cartelas so simulaes de aberturas de desenhos animados antigos, como as Silly Symphonies35 produzidas por Walt Disney (1901-1966). Os curtas-metragens foram todos montados no programa Adobe Premiere Pro. As cartelas iniciais e finais criadas em Adobe Flash e Corel Photo-Paint. O filtro que d a aparncia de filme antigo do Nero Vision36. Animaes totalmente prontas37. E agora?

TERCEIRO ATO: O GRANDE TRUQUEO terceiro ato chamado o grande truque a parte de giros e voltas, onde as vidas se suspendem e voc v algo to impressionante como jamais havia visto. 38

agora que a produo encontra o destino para o qual nasceu. Em 31 de dezembro de 2010 foi disponibilizado em seu recm criado canal oficial39, um teaser trailer do Animgico!. Meses depois, com os trs curtas-metragens j montados, foi disponibilizado um novo trailer, com imagens dos prprios episdios. A primeira exibio pblica apenas dO grande truque, como numa espcie de prestreia da srie foi em 07 de maio de 2011, no Museu Nacional da Repblica, em Braslia, como parte do Festival Internacional de Filmes Curtssimos40. J a primeira exibio pblica da srie completa foi na Mostra de Cinema Infantil de Florianpolis41, em junho e julho nas mostras competitiva e itinerante, alm da abertura da sesso de Ponyo42, longa-metragem indicado ao Oscar de Melhor Animao. Aps o lanamento nacional na Mostra, os curtas foram disponibilizados na internet em forma de websrie com um episdio por semana43. Tudo em copyleft44.

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Como dito anteriormente, a primeira sequncia de cada obra exibe sempre sua caracterstica essencial. Idem. EUA, 1929-1939. Escrito e dirigido por Walt Disney, Ub Iwerks, Burt Gillet, entre outros. 36 Um filtro muito bom, diga-se de passagem, pois permite controlar totalmente as intensidades de preto e branco, batimento, riscos e tom de spia, recurso inexistente em vrios outros programas similares. 37 O primeiro episdio tem 1 minuto e 33 segundos de durao, e os outros dois possuem 1 minuto e 24 segundos cada. As somas so sempre 7, aplicando aqui um importante ingrediente numrico do Hermetismo e da Alquimia. 38 NOLAN, Christopher; NOLAN, Jonathan; PRIEST, Christopher. The prestige: script, p. 04 (traduo do autor). 39 www.videolog.tv/animagico 40 Festival International des Trs Courtes, originrio da Frana e estendido para outros 15 pases. A edio brasileira de 2011 teve 350 filmes inscritos, e 44 selecionados. 41 Maior evento do gnero no Brasil, segundo dados da organizao, disponveis em www.mostradecinemainfantil.com.br. 42 Gake no ue no Ponyo. Japo, 2008. Escrito e dirigido por Hayao Myiazaki. 43 Foram criados cartazes, peas promocionais e convites para a estreia virtual, com divulgao por e-mail e redes sociais. 44 Animgico! est sob licena Creative Commons BY-NC-ND. A obra pode ser exibida, transmitida, copiada e distribuda livremente, desde que creditada a autoria, sem qualquer alterao ou criao em cima da obra original, e exclusivamente para fins no comerciais.

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O dia 28 de outubro se aproxima novamente. Exato um ano aps o primeiro encontro da Oficina de Produo Audiovisual, o Animgico! ser agora exibido no Dia Internacional da Animao, em centenas de cidades Brasil afora, neste que o maior evento cinematogrfico simultneo do planeta45. Aquele mesmo evento que acontecia no justo momento em que apenas planejvamos a srie. Criamos os filhos para o mundo. Abracadabra!

Figura 07: Cartaz de Animgico!

Paulo Henrique de Arago.Santa Cruz de Tenerife / San Cristbal de La Laguna, outubro de 2011. (revisado em Pindamonhangaba, janeiro de 2012).

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Segundo dados da organizao, disponveis em www.abca.org.br/dia.

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REFERNCIAS TEXTOS ARAGO, Paulo Henrique de. Uma odisseia de Natal: criando uma animao baseada em mitos e contos de fadas. Disponvel em: . Acesso em: 08 de setembro de 2011. ARISTTELES. Arte potica. Traduo de Paulo Costa Galvo. Disponvel em: < http://www.dominiopublico.gov.br>. Acesso em: 27 de setembro de 2010. BLAIR, Preston. Cartoon animation. Laguna Hills: Walter Foster, 1994. BROOKE, Michael. Georges Mlis: an in-depth look at the cinemas first creative genius. Disponvel em: . Acesso em: 27 de maro de 2011. CRIADOR de Animgico na sesso do filme na Mostra. Mostra de Cinema Infantil de Florianpolis, Florianpolis, 09 de julho de 2011. Disponvel em: < http://www.mostradecinemainfantil.com.br/2011/07/09/criador-de-animagico-nasessao-do-filme-na-mostra>. Acesso em: 13 de julho de 2011. DINIZ, Maria Lcia Vissotto Paiva. Contratos na mdia. Disponvel em: < http://webmail.faac.unesp.br/~mldiniz/publicacoes/artigo011.html>. Acesso em: 02 de janeiro de 2012. EISNER, Will. Narrativas grficas. Traduo de Leandro Luigi Del Manto. So Paulo: Devir, 2005. KELLISON, Cathrine. Produo e direo para TV e vdeo: uma abordagem prtica. Rio de Janeiro: Campus, 2007. LAYBOURNE, Kit. The animation book. New York: Three Rivers, 1998. MAGALHES, Marcos. Cartilha Anima Escola. Disponvel em: . Acesso em: 08 de outubro de 2010. McLAREN, Norman. Technical notes on A chairy tale. Disponvel em: . Acesso em: 23 de novembro de 2010. NOLAN, Christopher; NOLAN, Jonathan; PRIEST, Christopher. The prestige: script. Disponvel em: . Acesso em: 25 de outubro de 2011. POE, Edgar Allan. A filosofia da composio. Traduo de Diego Raphael. Disponvel em: . Acesso em: 22 de dezembro de 2009. RIGA, William. Filmes Curtssimos: 350 filmes inscritos. Pop Mdia, 12 de abril de 2011. Disponvel em: . Acesso em: 19 de abril de 2011. SALLES, Filipe. Imagens musicais ou msica visual: um estudo sobre as afinidades entre o som e a imagem, baseado no filme Fantasia (1940) de Walt Disney. Disponvel em: < http://www.mnemocine.com.br/filipe/tesemestrado/index.htm>. Acesso em: 30 de julho de 2011. TRS INICIADOS. O Caibalion. Disponvel em: . Acesso em: 27 de agosto de 2010. TRISMEGISTO, Hermes. Tbua de esmeralda. Disponvel em: . Acesso em: 02 de janeiro de 2012. VOGLER, Christopher. A jornada do escritor: estruturas mticas para escritores. Traduo de Ana Maria Machado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

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OBRAS AUDIOVISUAIS A CHAIRY TALE (idem). Dir. Norman McLaren, Claude Jutra. 12 min. Canad, 1957. CARLITOS BOMBEIRO (The fireman). Dir. Charles Chaplin; rot. Charles Chaplin, Vincent Bryan, Maverick Terrel. 32 min. EUA, 1916. FANTASIA (idem). Dir. James Algar, Samuel Armstrong, Ford Beebe et al.; rot. Joe Grant, Dick Huemer, Lee Blair et al. 124 min. EUA, 1940. FANTASIA 2000 (idem). Dir. James Algar, Eric Goldberg, Don Hahn et al; rot. Eric Goldberg, Joe Grant, Brenda Chapman et al. 74 min. EUA, 1999. FIRST WIZARD OF CINEMA volume 1 (idem). Coletnea de curtas-metragens. Dir., rot.: Georges Mlis. 115 min. Frana, 1896-1901. FIRST WIZARD OF CINEMA volume 2 (idem). Coletnea de curtas-metragens. Dir., rot.: Georges Mlis. 168 min. Frana, 1902-1904. O BARCO MELDICO (Steamboat Willie). Dir., rot. Walt Disney, Ub Iwerks. 08 min. EUA, 1928. O GRANDE TRUQUE (The prestige). Dir. Christopher Nolan; rot. Jonathan Nolan, Christopher Nolan, Christopher Priest. 130 min. EUA/Reino Unido, 2006. NEIGHBOURS (idem). Dir. Norman McLaren. 08 min. Canad, 1952. SILLY SYMPHONIES (idem). Srie de curtas-metragens. Dir. Walt Disney, Ub Iwerks, Burt Gillet, Wilfred Jackson, David Hand, Ben Sharpsteen, Jack Cutting, Graham Heid, Rudolf Ising, Vernon Stallings, Dick Richard. EUA, 1929-1939. THE FOX CHASE (idem). Dir. Walt Disney. 05 min. EUA, 1928. UMA ODISSEIA DE NATAL (idem). Dir. Paulo Henrique de Arago, Carolina Karayannopoulos; rot. Paulo Henrique de Arago. 15 min. Brasil, 2006.

FICHA TCNICA Gnero: animao (pixilation), comdia Durao: 1min30seg por episdio Idioma: nenhum (mudo) Tema: apresentao de mgica Classificao indicativa: livre para todos os pblicos Criado por: Paulo Henrique de Arago Produzido por: Oficina de Produo Audiovisual, das Oficinas Culturais do Estado de So Paulo (Oficina Cultural Regional Altino Bondesan, de So Jos dos Campos) Locao: Centro Cultural Municipal (Taubat, SP) / Novembro de 2010 Lanamento: Junho de 2011 www.videolog.tv/animagico www.vimeo.com/animagician www.twitter.com/grandeanimagico www.oficinasculturais.org.br

ELENCO E EQUIPE Estrelando: Rodrigo Foka como Animgico! Coestrelando: Carolina Moraes, Daniel Alves Direo, roteiro, edio: Paulo Henrique de Arago Produo: Fbio Cursino, Paulo Henrique de Arago, Rodrigo Arajo, Rodrigo Foka, Sandro Madeira Fotografia: Fbio Cursino Preparao de elenco: Rodrigo Arajo Maquiagem: Carolina Moraes, Marilsa Bernardo, Rodrigo Foka Figurino: Carolina Moraes, Rodrigo Foka Assistncia de produo: Daniel Alves, Luan Jos, Marilsa Bernardo Cenotcnica: Daniel Alves, Luan Jos Operao de cmera: Fbio Cursino, Paulo Henrique de Arago, Sandro Madeira Animao de objetos: Paulo Henrique de Arago, Rodrigo Arajo Msica: Aram Khachaturian, Scott Joplin, Wolfgang Amadeus Mozart

Qual ser o prximo grande truque?