A Gestão De Pessoas No Brasil

download A Gestão De Pessoas No Brasil

of 17

Transcript of A Gestão De Pessoas No Brasil

  • 7/25/2019 A Gesto De Pessoas No Brasil

    1/17

    CAPTULO 1

    Gesto de recursos humanose cultura brasileira: umaperspectiva integradora

    Neste captulo discutimos alguns dos temas relativos influncia da

    cultura dos pases na gesto de recursos humanos (GRH). Afinal, as prticas deges to so universais ou no? Essa questo hoje ob je to de im portante de batena aca de mia e se re vela clara men te nas aes dos exe cutivos (mesmo que elesno tratem o tema explicitamente).

    Analisamos os diversos aspectos do assunto, iniciando pelo exame de trsdiferentes abordagens da relao gesto versuscultura: convergente/universa-lista, divergente/relativista e a denominada por um dos autores de divergnciaconvergente. Entre esses modelos, h uma discusso sobre a aplicabilidadeuniversal de vrias prticas supostamente associadas ao alto desempenho.

    O fato que estratgi as de gesto mo der nas e bem-sucedidas em certos pa -ses no trazem os resul tados es pe rados em outros. Alm dis so, h mu ito o queentender sobre as verdadeiras responsabilidades da rea de RH e da gerncia deli nha na gesto de pessoas.

    No Brasil, nossas pesquisas demonstram que muitas das prticas de gestono tm respondido aos desafios enfrentados pelas empresas. No se podemais ignorar a grande importncia das pessoas para o desempenho organiza -cional, nem tampouco a influncia da cultura na estratgia de negcio e na es-tratgia de gesto. Vamos analisar a cultura brasileira, seus principais traos esua di nmica de forma a melhor compreender tudo isso.

    DIFERENAS CULTURAIS: ADAPTAR-SE OU NO?H trs abor dagens sobre a in fluncia da cul tura do pas na gesto das em pre sas:a uni versalista, tambm chamada de con vergente; a relativista, ou divergente; ea que um dos autores des te livro denominou de divergncia convergente.1Elas

  • 7/25/2019 A Gesto De Pessoas No Brasil

    2/17

    tm relevncia quando tratamos das prticas de gesto de recursos humanos(GRH), pois fundamentam a discusso sobre a sua aplicabilidade universal.

    A abordagem convergente (universalista)Nessa abordagem argumenta-se, explcita e implicitamente, que h uma ni camelhor maneira de ad ministrar e organizar pessoas, incorporada nas melhoresprticas funcionais especficas de recrutamento, ava liao de desempenho, re -munerao e outras.

    Esta corrente de pen samento foi muito propagada pela academia at osanos 1970 e retomada mais recentemente devido ao impacto da globalizaona operao das empresas, especialmente nas grandes multinacionais. Empre-sas de sucesso, especialmente aquelas que tm operado, sem desafios, por lon-gos perodos de tempo nos mercados domsticos, algumas vezes adotam aabordagem convergente. o caso da vare jista brit nica Marks & Spencer, queao iniciar operaes na Frana e na Blgica transferiu intotumas suas pr ticas.At as sacolas de compras da primeira loja estabelecida em Pa ris eram idnticass usadas na Gr-Bretanha. Traziam estampada uma bandeira britnica, comos dizeres: Compre em lojas britnicas, mantenha os empregos dos britni -cos! No preci so dizer que os primei ros pas sos da empresa no seu pro ces so

    de internacionalizao no foram bem-sucedidos.A abordagem convergente da Marks & Spencer pode parecer ingnua, mas

    o fato que, de tempos em tempos, mui tas empre sas aca bam seguindo essemesmo caminho, com todo o entusiasmo. Por exemplo, o sistema de ben-chmarkingou a mode lagem de melhores prticas so manifestaes de uni ver-salismo sobejamente utilizadas. A empresa identifica outras firmas bem-su-cedidas ou exempla res, faz um levan tamento das suas pr ticas de GRH e tentaimit-las, apesar das diferenas de contexto. So mnimas, s vezes nulas, aspossibilidades de essa abordagem fragmentada adicionar valor empresa, ex-ceto nos estgios mais bsicos da construo dos fundamentos da GRH. Aindaassim, frequentemente adotada.

    No processo de interna cionalizao das empresas brasileiras, comum atransferncia das prticas da matriz para as subsi dirias liderada pelos mes-mos dirigentes que criticam o padro de comportamento das multinacionaisque desembarcam no Brasil e querem aplicar o seu modelo organizacional nasfiliais, sem nenhuma adaptao. Outra prtica que pre senciamos a cpia,por al gu mas or ga niza es, de modelos bem-sucedidos em outras como do

    agressivo sistema de metas e remu nerao da Ambev ou da estrutura de rela -es da Natura. Muito vlido o benchmarking,mas se no adap tado cri ti ca men -te s condies do contexto de cada organizao pode levar a resultados opos-tos aos esperados.

    2 A Gesto de Pessoas no Brasil ELSEVIER

  • 7/25/2019 A Gesto De Pessoas No Brasil

    3/17

    No que se refe re con tribu io da GRH para o desempenho da em pre sa(tema que de senvolve mos no cap tu lo 2), nosso ponto de vista que a abor da-gem convergente pode no permitir a conexo das prticas aos objetivos estra -

    t gi cos da em presa. A rea de RH permanece em seu estgio mais primrio, o deexecuo. Isso porque a convergncia ignora os argumentos sobre consistnciae adequa o, a despe ito do fato de que as di feren as de contexto le gal e cul tu ralexigem, no mnimo, algum tipo de recon figurao das prticas para que elassejam eficazes.

    A abordagem divergente (relativista)Essa teoria reconhece que o contexto absolutamente importante. Tem muitosadeptos entre os estudiosos de RH na Europa2e alguns no Brasil. A corrente di-vergente foi muito enfatizada nos anos 1970, impulsionada por estudos clssi -cos, como o de Hofstede, que demons tra ram o impac to da cultu ra de cada pasna gesto. No fi nal da d ca da de 1980 e in cio da de 1990, so freu um novo im-pulso com a importncia dada ao estilo japons de gesto, propagado e quaseidolatrado em diversas partes do mun do. O estilo tinha sua alavancagem basea -da nas especificidades da cultura japonesa.

    Os adeptos da teoria divergente tm seu lema an corado em provrbios

    como Quan do em Roma, faa como os ro manos. O lema Pen sar glo bal, agirlo cal, to di vulgado nos anos 1990 e com va ri aes mais re cen tes, re fora essaforma de pensar e deve ser ain da so mado ao impac to das diferen as do ambi enteinstitucional. Muitos dirigentes de empresas multinacio nais ostentam queessa a premissa do seu mo delo de gesto, inclusive como for ma de anga riarmaior simpatia da comunidade local. Porm, levado ao extremo, o argu-mento de que tudo depende do contexto especfico no encontra eco entreos gestores pragmticos.

    Os relativistas podem arguir, com muito j bilo, que o fracasso da LincolnElectric que implantou rigorosamente nos diversos pases em que ingressou amesma po ltica de remu ne rao que era a grande cha ve do seu modelo de ges -to susten ta seu ponto de vista. No entanto, essa histria tambm no tosimples assim. No significa que os sistemas de recompensa e de avaliao dede sempenho, liga dos tanto ao desempenho individual quanto ao da empresa,no possam ser utili zados fora do pas de ori gem. No significa, por exemplo,que o modelo da Ambev no fun cionaria na Blgica. Tal conclu so seria to in-g nua quan to a de que h uma nica me lhor manei ra de ad mi nis trar, como

    defendem os universalistas.Depois de uma anlise cuidadosa, uma concluso adequada pode ser que aabordagem divergente da GRH pode funcionar na Blgica seas pesso as que po-dem ser selecionadas acharem o sistema de recompensa atraente, seno hou-

    Gesto de recursos humanos e cultura brasileira 3ELSEVIER

  • 7/25/2019 A Gesto De Pessoas No Brasil

    4/17

    ver problemas legais com as medidas subjacentes ao cdigo da legislao traba -lhista belga, seo sistema de trabalho puder ser projetado de maneira a permitiravaliar o desempe nho individual, seas prticas adequadas puderem construir e

    manter a crena dos em pre gados na ges to, sea gesto tiver a sensibilidade deno partir do pressuposto de que seu mtodo o nico exato, se... Alguns des-ses podem descartar o uso de tal sistema ou torn-lo excessivamente dispen-dioso. Tal conjunto de condies nos leva terceira perspectiva, que discutire-mos a seguir.

    A divergncia convergente: mais integradoraA lgica ocidental exclusiva, enquanto a oriental tende a ser inclusiva. Talob servao contm, por si mesma, um vis cultu ral. Num momen to em que aeconomia se tor na cada vez mais glo bal e o im pac to dos avan os da tec no lo giada in formao est mais pre sen te, no se pode ter uma viso limitada dos as -pectos multiculturais, pois, evidentemente, as fronteiras da comunicao socada vez meno res.

    Por ou tro lado, no parece fcil diferenciar o que global e no sofre in-fluncia da cul tura local de as pec tos que so impactados pelo con tex to de de -ter minada sociedade. Esse o desafiodessa terceira abordagem, que admite ha -

    ver as duas dimenses de ges to, a con ver gen te e a di ver gente. Nosso argu men -to que as diferenas en tre pases e regies refletidas nas organizaes so maisevidentes em relao a aspectos relacionados a valores, enquanto outros, maishard,no sofreriam impactos significativos do ambiente cultural em que a em-presa est localizada.

    Essa abordagem nos parece mais integradora. Um bom exemplo disso que, independentemente de onde a em presa se localiza, alguns desafios so co-muns, como a aplicao de princpios de boa governana corporativa, a neces-sria reduo de custos, o desenho das estruturas organizacionais e algumasoutras questes que visam garantir con dies bsicas de competitividade. Po -rm, a mesma estrutura ou metodologia im plantada traduzida e interpretadadiferentemente em culturas diversas. As razes disso passam por questes apa -rentemente simples como determinada palavra ter significados distintos emculturas dis tin tas. Se isso, por um lado, mos tra a ri que za da di ver sidade, poroutro, amplia os potenciais de choque. Em pro blemas relacionados a, porexem plo, como lidar com o poder ou com o sentimen to que per tena a de ter -minado grupo, podem-se esperar variaes significativas entre pases, pois se

    trata de aspectos que en volvem valores.Se o cor te de an li se for por funo or gani zaci o nal, tam bm se pode afir-mar que al gu mas funes, a exemplo da rea de con tro la do ria ou mes mo da fi-nanceira, esto mais expostas e pressionadas por foras globais, entre as quais

    4 A Gesto de Pessoas no Brasil ELSEVIER

  • 7/25/2019 A Gesto De Pessoas No Brasil

    5/17

    se inclui a lei Sarbanes-Oxley. Podemos ver na Figura 1.1 o grau de homogenei-zao global e de diferenciao local de diferentes funes.

    De todos os campos da administrao, a gesto de recursos humanos (ain-

    da que haja diferenas em relao aos seus diversos aspectos) geralmente con -siderada como a mais sensvel ao contexto local. A programao cultural umarazo fundamental dis so o que nos leva a dis cutir, na sesso seguinte, o mo-delo de ao cultural brasileiro , mas no se constitui na nica explicao. Apresso das regulamentaes nacionais tambm importante. Por exemplo, asempre sas norte-americanas podem negociar suas polti cas de administrao dehoras extras, e em geral relu tam em pagar o tempo excedente de tra balho aosseus profissionais. J no Japo e na Alemanha esse procedimento consideradoilegal. Acrescen te-se s razes aqui expos tas que as pr ti cas de GRH es to sujei -

    tas a rigorosa ao dos sindicatos de trabalhadores, cuja fora e cuja postura somais ou menos rele vantes para as aes da em pre sa de acordo com o pas e otipo de in ds tria.

    Essas questes, entre outras, fa zem com que as pr ti cas de GRH se jam maisespecficas do contexto do que as prticas de produo, as financei ras, ou mes -mo as de mar ke ting. Diante disso, pode pa re cer que para res ponder a tal es peci -ficidade o melhor caminho seria transferir a gesto de pes soas inteiramentepara as sub sidirias lo ca is isto , fazer como os romanos, em alu so ao pro-

    vr bio ci tado. No entan to, a soluo no assim to simples.O ajuste das pr ticas de GRH ao contexto local explicado como uma es-colha de Hamlet: ajustar-se ou no se ajustar, eis a questo.Na verdade, a ges tode pes soas no um do mnio mono lti co. Algumas prti cas da rea so mais

    Gesto de recursos humanos e cultura brasileira 5ELSEVIER

    Custos

    MKT(Global/Regional)

    Inovao

    Padro dos

    mecanismos

    de controle

    Finanas/

    Controles

    P&D

    Compras

    MKT

    Vendas

    RH

    Benefcios

    Autonomia

    local

    Benefcios

    Integraoglobal

    Adaptado de Paul Evans

    Acessos a recursos locais Cidadania, motivao e accountability

    Velocidade, adaptao e flexibilidade

    Figura 1.1 Integrao global versusautonomia local.

  • 7/25/2019 A Gesto De Pessoas No Brasil

    6/17

    amarradas a questes culturais do que outras, como mostramos nes te captuloe no decorrer do livro, o que refora a nossa posio favorvel divergnciaconvergente.

    Em resumo, a lgica inclusiva nos parece ser a mais sbia. Harmonizar oque global com o que local eis um dos paradoxos do mundo contempor-neo. A competncia cross culturaltor na-se, cada vez mais, um atribu to funda-mental da gesto, transformando-se em mais um dos pa rmetros relevantespara aperformancedo negcio.

    Analisaremos adiante os aspectos mais importantes relacionados a estasquestes, centrando-nos na cultura brasileira.

    CONHECER O LUGAR ONDE SE EST: A PERSPECTIVAINSTITUCIONALEssa perspecti va mostra que a chave da compreenso do comportamento dasempresas em pases diferentes est nas relaes entre os sistemas econmico,educacional, financeiro, legal, po ltico e cultural. Por exemplo, as diferenas en-tre as estruturas institucionais apresentam-se claramente na reao das naes presso mundial para o corte de custos. Muito significativamente, os EstadosUni dos, o pas com o menor n mero de restri es le gais, foram que deflagraram

    a primeira onda de cortes e re duo de pes soal, na me tade dos anos 1980. Em se -guida veio a Gr-Bretanha, onde Mar garet Thatcher tinha removido os obstcu-los mobilidade de trabalho e rigidez de salrios. Frana e Alemanha seguiram,mais lentamente, a mesma rota; as leis trabalhis tas ale ms fa zem com que a im-plementao de medidas exces sivas em larga escala seja muito difcil. A vizinhaDi namar ca o pas europeu com as meno res restries a contrataes e a dispen -sas de empre ga dos. No final da fila vem o Japo, onde os con fli tos co muns re-du o de pessoal so agravados pelo mo delo tradicional de governana corpora -tiva.3O Bra sil um dos pa ses onde a lei trabalhis ta con sidera da an ti ga e in-compatvel com a modernidade das relaes contemporneas.

    CULTURA BRASILEIRA E GESTOAs organizaes brasileiras enfrentam grandes desafios nos ltimos anos, espe -cialmente a partir do processo de abertura econmica iniciado na primeira me-tade da dcada de 1990. O acirramento da disputa por mercados tem motivadoa busca de um padro de competitividade de classe mundial, o que requer maior

    competncia na elaborao da es tratgia do ne gcio e da estratgia de gesto.Novos modelos, importados do chamado Primeiro Mundo, especialmente dosEstados Unidos, so experimentados, alm dos trazidos pela onda japonesa nad ca da de 1990. Afinal, no h tempo para re in ventar a roda. Os resul tados,

    6 A Gesto de Pessoas no Brasil ELSEVIER

  • 7/25/2019 A Gesto De Pessoas No Brasil

    7/17

    entretanto, nem sempre so satisfatrios. Durante a aplicao, percebem-sesrias incompatibilidades. No casa com nossa realidade uma frase fre -quen temente pronunciada nas reunies de avaliao das empresas. Ou seja,

    questiona-se a aderncia organizacional de algumas prticas im portadas.Esses obstculos tm ori gem nas caractersticas especficas da cultura brasi-

    leira. Por conta de sua histria e da influncia de diversos povos no processo decolonizao, o Brasil formou uma identidade nacional bas tante singular.Assim, in vestigar essa realidade tarefa obrigatria para todos os interessadosem desenvolver atividades no pas. Organizaes atentas a isso tm superadoproblemas e crescido com consistncia. Em contrapartida, as que no se pro-pem a encarar essa realidade pagam o preo dos desencontros culturais.

    Para obter melhores resul tados, as empresas precisam administrar encon -tros. Assim, elas agem de forma a nu trir ou no suas prpri as cultu ras organi -zaci o nais, que por sua vez tm a cul tura na ci onal como um dos seus ele mentosestruturais.

    Em se tratando de cultura organizacional, os estudos in ternacionais sobregesto raramente incluem o Brasil. Alm disso, os poucos trabalhos existentesno contemplam as significativas diferenas entre as regies brasileiras. O pas visto em sua totalidade, como se uma empresa sediada no Cear, no Nordestedo pas, e outra em Santa Catarina, no Sul, tivessem realidades idnticas. A nos -

    sa anlise considera a experincia nacional e internacional que acumulamos euma ampla pes quisa realizada no Brasil e em outros pases da Amrica Latina,com 1.732 executivos, por um dos autores deste livro.4

    PRINCIPAIS PILARES DA CULTURA BRASILEIRAUm modelo desenvolvido no livro Gesto Brasileirapor um dos autores5ar ti -cula os trs pilares da cultura brasileira na sua interao com as organizaes: opoder, as relaese a flexibilidade. Na se quncia, de mons tra mos como cada umdeles se reflete na realidade organizacional.

    O poderNas organizaes, essa dimenso tem clara influncia na modelagem da hierar -quia for mal, no grau de centralizao e no pro cesso decisrio. O n dice de dis-tncia do poder, criado por Geert Hofstede,6aju da a medir tal influncia. Re-laciona-se com a forma de as pessoas verem a desigualdade na distribuio do

    po der e do statuse com a acei tao ou no des se mo delo como forma de or ga -nizao so cial. Nas em pre sas de pa ses em que o ndice maior, o poder maisconcen trado, centralizado. O Brasil um desses pases, embo ra o discurso dosgestores brasileiros tenha evoludo mu ito nos ltimos anos. De fato, outros

    Gesto de recursos humanos e cultura brasileira 7ELSEVIER

  • 7/25/2019 A Gesto De Pessoas No Brasil

    8/17

    pases latinos tambm obtiveram nmeros bastante altos, o que se pode atri -buir longa histria de submisso dessas populaes ao domnio de soberanosdurante o Imprio Romano.

    Hofste de uti li zou uma esca la de 0 a 100 para de ter minar os ndices de dis-tncia do po der nas empre sas. Em sua pes quisa, o Mxi co apresen tava o n me-ro mais ele vado en tre os pa ses latinos (81). A Argentina, o mais ba ixo (49). OBrasil aparecia na parte superior da tabela (69). Trs dcadas depois, em estudoque realizamos no Brasil (e estendemos a alguns pases da AmricaLa tina), foipossvel observar que o ndice brasileiro variou para 75, isto , ficou no mes mocluster, do ponto de vista estatstico, mesmo depois de significativas mudanasculturais e histricas, como o fim do regime militar.

    Qual o significado deste resul tado? Mesmo que tenha mudado a forma deex pres so de po der e ela mu dou bas tante , a percep o dos executivos queas relaes de poder ainda esto muito marcadas pelo significado da autorida -de. Por outro lado, a am bi o das pes so as de par ti ci par de um sistema mais des -centralizado ou de dimi nuir a distncia de poder entre chefe e subordinadotambm aumentou, contribuindo, portanto, para que a percepo relativa dograu de distncia de poder conti nuasse a mesma.

    A Argentina tambm experimentou diferena pouco significativa (46). Amudana realmente importante deu-se no M xico, nas grandes empresas (43),

    possivelmente como resultado da abertura econmica, das alteraes no pro-ces so educaci onal nas ltimas dca das pois essa uma mu dana que se fazem ge raes e da intera o profunda, in tensa e de mui to tem po com os vizi -nhos norte-americanos.

    Considerados os dados do primeiro estudo, vale uma comparao entre oBrasil (69) e a Gr-Bretanha (35). O es ti lo ingls de ad minis trar carac teri zadopor pequeno grau de centralizao e baixas expresses de dependncia aos su -periores. No entanto, em relao aos dinamarqueses (18), os ingleses so consi -derados mais autoritrios e mais centralizadores. Por sua vez, a cultura brasilei -ra de con cen tra o de po der no dei xa dvidas so bre quem o res ponsvelpela de ci so nem sobre quem deve imple men tar o que foi de ci dido. Alm dis -so, no Brasil, assim como no Japo, o relacionamento acompanha a tradiofamiliar. O lder ainda oferece proteo. O liderado retribui com lealdade. Orompimento das relaes significa uma derrota moral para o chefe.

    Nos pases com pequena distncia hierrquica, a regra vigente estabelececer ta in ter depen dn cia entre os que de tm e os que no detm po der. O ide al um lder democrtico que sabe descentralizar o processo decisrio. A sociedade

    no aprova privilgios nem o uso cor rente de smbo los de poder.Os executivos norte-americanos, por exemplo, defendem o modelo de or -

    ganizao funcional e instrumental, que percebido, sobretudo, como um sis-tema de tarefas e objetivos. As estruturas organizacionais brasileiras, ao contr -

    8 A Gesto de Pessoas no Brasil ELSEVIER

  • 7/25/2019 A Gesto De Pessoas No Brasil

    9/17

    rio, so influenciadas pelas caractersticas de poder e pelo personalismo. Issoconduz a um mo delo funcional marcadamente piramidal. Nas crises, o senti -mento patrimonialista e o patriarcalismo prevalecem, acentuando a centrali -

    zao do processo decisrio. Esse trao o personalismo nos leva a discutirmais adiante o segundo pilar da gesto brasileira.

    Nos empreendimentos controlados pelo governo, de forma geral, so co-muns o culto ao poder e at mes mo o nepo tismo. O ndice encon tra do foi de99, contra 72 nas empresas privadas nacionais e 70 nas multinaciona is. Dasrespostas relativas s estatais, 74% mostram que os su periores diretos so per -cebidos como autoritrios. O percentual cai para 52% nas multinacionais e48% nas nacionais.

    O es tado con siderado o mais rico do Brasil, So Pau lo, tem ndice 64, omais ba ixo entre os pes quisados. Em seguida, vem o Rio de Janei ro, com 67.Mesmo aqueles com menor distncia de poder figuram na metade superior daesca la. Na mes ma fa ixa entre 75 e 80 encontram-se Minas Ge rais (77), RioGrande do Sul (77) e San ta Catarina (80). Os ndi ces mais altos aparecem noNordeste brasileiro, como Cear (84), possivelmente por influncia do corone -lismo, for te naquela regio.

    Enfim, os resultados aqui resumidos mostram que o Brasil apresenta umasignificativa distncia de poder como tra o marcante da sua cultura, e isso se re -

    flete nas prticas de recursos humanos. De qualquer forma, importante reforarque qualquer trao cultural apresenta o seu lado sol e o seu lado sombra, pormais que individualmente as pessoas rechacem um ou outro devido a valores in -dividuais. O lado sol desse trao cultural a rapidez no processo deci srio, es-pecialmente til em situaes mui to volteis. O sombra, mais claramenteidenti fi cado, o no-comprometimento das pes so as, a de le ga o para cima e ono-aproveitamento das competncias disponveis na organizao.

    Com a competio crescente, as empresas tero como absorver esse ladosombra. A demanda pela substituio do paternalismo por uma relao deinterdependncia. possvel que algumas corporaes, para elevar seu grau decom petitividade, consigam tornar a cultura organizacional mais igualitria,apesar da influncia con trria da cul tu ra do pas. No Brasil, te mos exemplosdesse movimento: empresas como Banco ABN AMRO Real, Brasilprev, CPFL,Natura e Nutrimental vm obtendo sucesso nessa empreitada, mesmo que emgraus e formas distintos.

    No processo decisrio, porm, preciso que a autoridade central encorajeo ris co compartilhado e sua contrapartida, que o reconhecimento da equipe.

    Somente assim ser possvel transformar em realidade o sonho de uma relaomais harmnica e produtiva entre lderes e lidera dos. Hoje as pessoas se mos -tram cada vez mais partidrias da descentralizao, da maior participao nasdecises, da autonomia.

    Gesto de recursos humanos e cultura brasileira 9ELSEVIER

  • 7/25/2019 A Gesto De Pessoas No Brasil

    10/17

    Ocorre ainda outro fenmeno importante, possivel mente transformador.A abertura de merca do gerou uma presso para que as empre sas adquiram umnvel global de competitividade. Em combinao com a vocao natural de

    comprometimento com os objetivos do lder, esse fato pode trazer influnciasestruturais positivas para as relaes de poder em nossas empresas.

    As relaesEssa di menso caracterizada por duas faces: a natureza das ligaes que os in -div duos estabelecem entre si numa sociedade e a forma de expresso de senti -mentos e emoes.

    No que se refe re s ligaes, te mos que nas soci edades individualistaselasso mais tnues, pois o relacionamento mais orientado aos objetivos do indi -vduo e de seu ncleo familiar mais prximo. J nas coletivistas, caracterizadaspor vn culos mais fortes, a in tegrao entre as pesso as fe ita desde o ber o emgrupos coesos.

    A segunda face, da expresso de sentimentos e emoes, diferencia as socie -dades pelo grau em que se manifes ta. As so ci edades que se ex pres sam com maisclareza so consideradas emocionais,en quanto aquelas que no se co lo cam aber-tamente so neutras. importante no confundir a forma ou capacidade de ex -

    pres so com o fato de ter ou no ter sentimen to, do que no tra tamos aqui.No se ve ri fi ca uma correla o di re ta entre as duas faces. Exis te, por exem-

    plo, uma tendncia de que as sociedades mais coletivistas expressem commaior abertura sen timentos e emoes, como o caso do Bra sil. Mas isso no ob ser vado quando ana li samos a Itlia ou o Japo, como ser visto mais fren te.

    Nas sociedades individualistas valoriza-se quem diz o que pensa, enquantonas emo ci onais o mais im portan te ex pres sar o que sente. Associa-se a fran-queza honestidade. Na famlia, em regimes austeros de educao, a criana ensinada a dizer sempre a verdade. Nas sociedades coletivistas, devido aos la-os mais fortes, existe maior intimi dade, mas evita-se o con fli to a todo o custo.O mais importante viver harmoniosamente com os outros membros do gru-po. Nos negcios, por exemplo, o estabelecimento de uma relao amistosa ge -ralmente precede qualquer transao comercial.

    So bre essa mesma face, Hofstede7v clara distino entre pases subdesen -volvidos e desenvolvidos. Como exemplo, Sucia, Estados Unidos e Gr-Bretanha apre sentam ndices de individualismo acima da mdia. Todos os pa -ses da Am ri ca La ti na ali nham-se abai xo desse pa tamar. Alm disso, o alto grau

    de individualismo est associado a razes protestantes, e o baixo grau tradioreligiosa catlica, como ocorre no Brasil.Quan to expresso, o brasileiro afetivo, alegre e hospitaleiro, caracters -

    ticas emocionais que muitas vezes se manifestam at mesmo por meio do to -

    10 A Gesto de Pessoas no Brasil ELSEVIER

  • 7/25/2019 A Gesto De Pessoas No Brasil

    11/17

    que. Essa mesma forma de manifestao est presente em so ciedades como aitali ana (que, por outro lado, no que se refe re s ligaes, a prime ira face da di -menso relacional, mais individualista do que a brasileira). J o Japo apre -

    senta traos de uma sociedade considerada neutra, da mesma forma que aInglaterra. Nes tes dois pa ses a expres so das emoes fe ita de for ma sutil esubliminar e nem sempre captada por pessoas de outras sociedades, espe -cialmente das emo cionais.

    Na cultura brasileira, v-se que a interao entre as faces coletivista e emo -cio nal gera um lado sol, muito importante: as pessoas so facilmente mobili -zveis. Portanto, na organizao os gestores podem rapidamente ganhar a ade -so e o comprometimento dos co laboradores em pro jetos estratgicos.8Essa uma vantagem potencial das empresas brasileiras. Entretanto, no se pode dei -xar de discutir o lado som bra. As emoes ou as re laes podem gerar con se -quncias negativas quando melhorar aperformancedeixa de ser o foco do gru-po. Avaliaes impregnadas de amizade e pouco marcadas por neutralidade eprofissionalismo podem, em algumas situaes, gerar um sentimento de injus-tia, prejudicando o desempenho da corporao.

    A face coletivista da cultura brasile ira pode ser demonstrada pelos nme-ros encon trados. Na relao individualismo versus coletivismo, quanto maisbaixo o valor obtido, menor ser a ten dncia ao individualismo. Nos anos

    1960-70, a m dia do pas re gistrada por Hofstede foi de 38, o que in dicou claratendncia coletivista. O valor obtido em nosso estudo (41) revela que no hou -ve mudana significativa nas ltimas trs dcadas. Importante notar ainda asvariaes regionais que observamos. Na Regio Sudeste, o estado mais rico doBrasil, So Paulo, obteve ndice 50; Rio de Janeiro e Esprito Santo, 49; MinasGerais, 44. Os maiores graus foram veri ficados no Sul (26 no Rio Gran de do Sule 34 em Santa Catarina, contrariando a afirmao de Hofstede de que quantomais rica a regio maior o ndice de individualismo) e no Nor deste (12 na Bahiae 16 em Pernambuco). Nessas sociedades, os laos entre as pessoas so aindamais fortes e fa zem par te de seus valores centrais.

    Outro dado que, analisando-se a estrutura de capital, percebe-se que noh diferen a significativa de ndi ceentre empresas estatais (43), privadas nacio -nais (42) ou privadas multinacionais (40).

    Finalizando, vale destacar que um dos reflexos da interao entre a confi -gurao das relaes de poder e a importncia das re laes pessoais pode serobservado na forma de tratar os conflitos. Na tpica cultura brasileira evi ta-se oconfli to com quem tem mais poder. Os que ocu pam posio de re lativa men te

    me nos poder fogem do embate, pois querem preservar a estrutura das relaespessoais, que estaria ameaada em um confron to aberto e direto. Por outrolado, os que ocu pam as posi es mais al tas no evitam confli tos com a mesmaintensidade.

    Gesto de recursos humanos e cultura brasileira 11ELSEVIER

  • 7/25/2019 A Gesto De Pessoas No Brasil

    12/17

    Assim, diante da necessidade de confronto, a so luo encontrada envolve,mui tas vezes, a ao de um me diador, o que pode re que rer por parte dos inter -locutores muita flexibilidade que se constitui no terceiro pilar da cultura bra-

    sileira, analisado a seguir.

    FlexibilidadeSem mistificao, podemos afirmar que a flexibilidade um atributo distintivoda nossa cultura. Representa, na verdade, uma categoria com duas faces, logopercebidas pelos estrangeiros que vi sitam o Brasil: adaptabilidade e criatividade.

    A adaptabilidade identificada nas empresas que demonstraram grande agili-dade para se ajustar, por exemplo, aos vrios pacotes econmicos governamentaisou s constantes mudanas de regras. A ri gor, o con ceito no se re laci o na com pro -du zir algo novo. No cri ao em sen tido puro, mas capaci dade de se exer ci tardentro de li mi tes prefixados. Essa li mitao im pos ta pelo meio, no qual exis te umreconhecimento das normas e, em funo delas, ocorre o ajuste dos elementos ope-rativos. So desenvolvidos novos hbitos apropriados nova conveno.

    O conceito de criatividade, este sim, est as sociado inovao e se mani -festa, por exemplo, nos feste jos carnavalescos, nas atividades esportivas e emoutras iniciativas populares. A criati vidade ocorre em situaes em que existe

    igualdade de fato ou de dire ito. Mesmo nas escolas de sam ba, por exemplo,prevalece o relacionamento pessoal e certa autonomia do indivduo, ainda quemarcadas pela clara estrutura de poder.

    Temos, portanto, que a flexibilidade possibilita conviver com a hierarquiaem um am bi en te de igualdade de fato.

    O lado sol da flexibilidade, dentro do contexto de incertezas do mundocontemporneo, pode representar um grande ativo para as empresas. Trata-sede uma vantagem importante especialmente em pases emergentes, caracteri -zados por situao macroeconmica instvel, nos quais se faz necessrio en -contrar alternativas inovadoras na busca de competitividade.

    Este pilar tem como lado sombra a esper teza, a ten tati va de le var vanta-gem em tudo, conduta que est sendo gradativamente expurgada de nossa cul-tura. Outra faceta ne gativa a indisciplina, tendncia que leva, por exemplo, aadiar tarefas ou a impedir a estabilizao de processos. Para efeito de gesto,isso significa, muitas vezes, cair na armadilha das modas gerenciais, uma formapoliticamente correta de resistir s verdade iras mudanas.

    A flexibilidade explica alguns dos paradoxos dessa complexa sociedade,

    que consegue ser alegre e harmnica, mesmo na pobreza e na desigualdade.Apesar do baixo nvel crtico, h sempre quem surpreenda pela capacidade deadaptao e de inveno. Dessa forma, o brasileiro constitui-se em mestrenuma arte, a de con vi ver com os opostos.

    12 A Gesto de Pessoas no Brasil ELSEVIER

  • 7/25/2019 A Gesto De Pessoas No Brasil

    13/17

    AS FORAS EXTERNAS E A CULTURA ORGANIZACIONALA necessidade de melhorar aperformance uma for a externa que hoje atua namudana ou na ressignificaodos valores que sustentam ou sustentaram pormuito tempo as culturas organizacionais. Esse fenmeno gera impactos noscomportamentos observve is e pode ter influncias estruturais mais profun-das. O brasileiro tem uma maneira prpria de gerenciar. As novas exigncias domercado globalizado, entretanto, tendem a gerar alteraes de atitude que per -mitam s empresas tornar-se mais competitivas e superar o tpico subdesempe -nho satisfatrio.9

    Empresri os, dirigentes e profissionais de recursos humanos debatem oscaminhos possveis da mudana cultural. Na verdade, porm, a maior parte

    dos discursos ainda no se converte em autntica alterao de valores. As orga-nizaes somente renovam suas culturas por fora da necessidade de transfor -maes ra dicais do pon to de vista do ne g cio ou da ges to. Entre os casos maiscomuns, figuram os processos de fuso e aquisio, nos quais os valores cen-trais das empresas adquiridas so, muitas vezes, profundamente alterados. Poroutro lado, alguns desses movimentos podem ser caracterizados como ressig -nificao cultural quando os valores continuam os mesmos, mas seu signifi-cado modernizado, por exemplo para fazer face a mudanas sociais.

    A mudana pode ser comparada transfor mao da lagarta em borboleta.Tal processo, ainda que roman tizado por muitos, bastante penoso. Imagine -mos o medo e a dor. A la gar ta fica cega, per de os mem bros e seu cor po se rachaantes que surjam as belas asas. O mes mo ocorre na transformao cor po ra ti-va.10A mudana envolve medo e incmodos. Mas preciso reconhecer, nestemomento, modelos de gesto vitoriosos.

    Hoje, o brasileiro vive um fascinante desafio: revalorizar os tesouros de suavaliosa herana cultural e, ao mesmo tempo, harmoniz-los aos conceitos tra-zidos pelos ventos da mudana. Nesse contexto, cabe ao executivo gerenciar

    um amplo conjunto de paradoxos. Do ponto de vista da cultura organizacio -nal, os gestores vivem hoje o desafio de planejar e executar quase simultanea-mente, aprendendo enquanto revisam conceitos e modelam novas estruturas.Como parte dessa aventura transformadora, precisam revalorizar e depurar oque lo cal, ao mesmo tem po que fil tram e assi milam o que glo bal. Por fim,tm a obrigao de preservar o senso crtico diante da necessidade de abando-nar preconceitos e de imprimir velocidade a seus procedimentos. Essas so asduras provas que os gestores brasileiros tero de enfrentar nos prximos anos.

    Espe ra-se que con tenha de for ma especi al o lado sol das relaes e da flexi bi -lidade, atributos tradicionais da cultura, para triunfar nessa disputa.Todo esse debate da in fluncia da cul tu ra nos modelos de gesto traz

    tona ques tes como: qual o pa pel da rea de RH e qual o pa pel do exe cutivo de

    Gesto de recursos humanos e cultura brasileira 13ELSEVIER

  • 7/25/2019 A Gesto De Pessoas No Brasil

    14/17

    li nha na gesto das pessoas? Em que medi da essa funo deve estar centra liza -da ou descentralizada e ser responsabilidade principal do gestor direto? No Bra -sil te mos ouvido de for ma cada vez mais fre quente que o gestor tambm o

    gestor de suas pessoas. Tambm esse tema apresenta matizes culturais que se-ro analisados a seguir.

    A INFLUNCIA DA CULTURA NA MODELAGEMDA FUNO RECURSOS HUMANOSAs duas dimen ses de an lise so a conferncia de responsabilidade(na me di daem que a GRH entendida como responsabilidade da gern cia de linha, e no

    como um papel meramente fun cional) e a integrao(na me dida em que as ta -refas de GRH esto integradas com as atividades estratgicas e de negcios).Isso discutido na sequncia e apresentado no quadro Os vrios conceitos so -bre GRH.

    O debate europeu sobre o modelo norte-americano de GRHComo reao ao universalismo norte-americano, surgiu um fluxo enorme depesquisas nos anos 1990, encabeadas pelo projeto da Price Waterhouse/Cran -

    field, sobre a gesto de pessoas na Europa a partir dessa perspectiva contextuale institucional. Vamos destacar aqui um dos achados mais importantes dessarea, nomeadamente o entendimento de que o conceito de GRH varia signifi -cativa men te de um pas para outro, e mesmo en tre vi zi nhos, seja na Escan di-nvia,11seja em pases da Am rica La tina como o Brasil. Os pesquisadores euro -peus costumam ver com certa suspeita o modelo norte-americano, molda dopelo contexto institucional dos Estados Unidos; discutem a possibilidade dasua apli cao nos mltiplos e variados contextos institucionais da Eu ropa.12Aexistncia ou no de um modelo europeu correspondente ainda motivo decerta discordncia. Na sequncia, vamos falar dos diver sos conceitos e analisara situ ao brasileira.

    Os vrios conceitos sobre GRHBrews ter e Holt Larsen13avali aram as diferenas entre os relativos tamanhosdas reas de RH, sua representativida de no quadro de dirigentes, seu envolvi -mento na definio da remu nerao dos executivos da empresa e outras vari -

    veis encontradas em empresas de dez pases europeus. O estudo mostrou nveisdiferentes tan to de integrao da GRH com a es tratgia de negcios como detransferncia da responsabilidade sobre os recursos humanos para os gestoresde linha. Ao mapear os resultados, os autores obtiveram quatro qua drantes.

    14 A Gesto de Pessoas no Brasil ELSEVIER

  • 7/25/2019 A Gesto De Pessoas No Brasil

    15/17

    No quadrante mecnicoprofissional, a GRH vis ta como parte da res ponsa-bilidade dos especialistas fun cionais, que no esto, no entanto, liga dos aosprocessos do negcio ou ao tra balho da equipe di ri gen te. A rea de RH enfatiza

    o respeito pelos imperativos legais (especialmente importantes na Alemanha)e pelas questes tcnicas relativas seleo de empregados, remunerao, trei -namento etc.

    O quadrante referente aoestrategista cautelosomos tra uma rea de RH quetem influncia estratgica e exerce alto grau de controle centralizado sobre o re -crutamento e o desenvolvimento, sobre a avaliao e as recompensas.

    No oeste bravioos gerentes de li nha veem as tare fas da GRH, como as de re-crutamento, desenvolvimento e recompensa, como parte essencial da sua pr-pria fun o. A rea de sempe nha ape nas um papel de apoio tcni co, e no hconexes estratgicas de longo prazo entre o desenvolvimento da estratgia e ode talentos.

    No quadranteparceiro de negcios, v-se que a rea de RH est intimamenteenvolvida com a evoluo da estratgia de negcios. A responsabilidade opera-cio nal pela GRH fica com a gerncia de linha, e algu mas vezes com o apoiofunci o nal. No que se refe re s pol ti cas, o dire tor de RH vis to como ca tali sa-dor e coor denador e a rea pe que na.

    No Brasil, o estgio da maioria das empresas pesquisadas represen tado

    por uma mescla de oeste bravio e mecnico profissional, adicionada de um

    Gesto de recursos humanos e cultura brasileira 15ELSEVIER

    H

    Oeste bravio

    Estrategista cauteloso S Principal

    N

    F

    E

    SU

    GB

    Mecnico

    profissional

    I

    A

    D

    Figura 1.2 RH: Responsabilidade de linha versusfuncional.

    Cdigos dos pases: A (Alemanha), B (Brasil), D (Dinamarca), E (Espanha), F (Frana),GB (Gr-Bretanha), H (Holanda), I (Itlia), N (Noruega), S (Sucia), U (Sua).Fonte:Adapta do de C. Brews ter e H. Holt Larsen. Human Re sour ce Manage ment in Europe:Evidence from Ten Countries, The International Journal of Human Resource Management, v. 3,1992, p. 409-434.

  • 7/25/2019 A Gesto De Pessoas No Brasil

    16/17

    enorme desejo de agir como parceiro de negcios. Mas, no raramente, peloque se v nas decla raes oficiais de gestores, as organizaes brasileiras se en -caixariam neste ltimo quadrante. Detecta-se, portanto, uma incoerncia.

    Em nossa viso, tal incoerncia pode funcionar como impulsionadora dapr tica con tan to que a dis tncia entre o que dito e o que feito no sejagrande demais e que os responsveis queiram decididamente executar mudan -as. Por outro lado, no entanto, a desarmonia pode ser paralisadora, especial -men te quando no devidamente reconhecida pelos dirigentes principais.Muitas vezes, as pessoas enfatizam tanto o discurso que no tm coragem detomar medi das, s vezes b sicas, que possam contrari ar o que dito.

    Nossas pesquisas indicam que, apesar de o desejo de atuar como parceirode negcios ser forte em empresas de diversos setores, apenas 9% dos presiden -tes das organizaes pesquisadas reconhecem a prtica. Os resultados mostramainda algumas diferenas associadas estrutura de capital: os dirigentes quejulgam que a funo recursos humanos de sua empresa encontra-se no estgiode parceiro de negcios se dividem em 9% dos presidentes de em presas nacio -nais, 10% daqueles de multinacionais e nenhum dos de companhias estatais.

    A percep o de 50% dos di rigentes de empre sas naci onais, 17% dos de mul-tinacionais e todos os de estatais que a funo de recursos humanos desempe -nha um papel fundamentalmente operacional. Isso revela o afastamento dos

    quadrantes estrategista cauteloso ou parceiro de negcios. Por outro lado, noest clara a definio de responsabilidade entre a gerncia de linha e a gernciade recursos humanos. H uma certa flutuao de responsabilidades, que ora as -sumida pela rea de RH, ora pelo exe cutivo de li nha. Em alguns mo mentos esteltimo as sume a responsabilidade de ser o gestor de pessoas, porm nos momen-tos de ma ior con fli to a de volve, sem ne go ciao, para a rea de RH, que nemsempre se sente em condies de colocar o adequado limite.

    preciso en tender o signi fi cado que uma ao como essa tem para a GRHno que se refere a sua po sio de po der na or gani zao. Tal atitu de, alm depermeada pela ao da cultura brasileira, est tambm relacionada com a ma -tu ridade das reas de RH e dos exe cutivos em re lao gesto de pes soas. Umadas consequncias disso a posio em que a maioria das empresas brasileirasse encontra no que se refe re s quatro faces (ou etapas) de GRH, discutidas nocaptulo seguinte.

    No que re mos ne gar ou des va lo ri zar os avanos obtidos na rea no Brasilpor mu itas em pre sas. Exemplos no faltam de que, nos lti mos anos, per corre -mos um grande caminho de evoluo das pr ticas de GRH. O fato que o mun -

    do dos neg ci os e das pessoas pede hoje que essa evolu o seja mai or em velo -cida de e diferente em natu reza. A se configura uma enorme e desafiadoraoportunidade para as empresas, seus dirigentes e os profissionais de recursoshumanos.

    16 A Gesto de Pessoas no Brasil ELSEVIER

  • 7/25/2019 A Gesto De Pessoas No Brasil

    17/17

    PARA VIAGEM

    1. Existem trs diferentes correntes sobre o impacto da cultura nacional no estilo

    de gesto: universalista (convergente), relativista (divergente) e divergnciaconvergente.

    2. As prticas de GRH so mais sensveis ao contexto lo cal do que as finan as, a con-troladoria, as prticas manufatureiras ou at o marketing. Isso por que a GRH lidacom pessoas e as pessoas so diferentes nas vrias partes do mundo. Ainda as-sim, do conjunto de prticas, algumas so mais sensveis do que outras.

    3. As diferenas culturais podem ser alavancado ras ou limitadoras, dependendofundamentalmente do nvel de conscincia e da competncia em manejar es-

    sas diferenas.4. A cultura brasileira tem trs pilares fundamentais: poder, relaes e flexibilida-

    de. Eles inte ragem de forma dinmi ca, cada um apresentando seu lado sole seu lado sombra. Todas as cultu ras tm ambas as faces, e cabe aos lderesexplor-las adequadamente.

    5. A cultura nacional influencia tambm outros aspectos importantes da gestode recursos humanos: a posio da rea de RH no que se refere sua ligaocom a es tratgia da empresa e a defini o de responsabilidades do gestor deRH e do gestor de linha no que se diz respeito a pessoas. O cruzamento dessasduas dimenses gera quatro possibilidades: o estrategista cauteloso, o parcei-ro de neg cios, o oeste bravio e o mecnico profissional.

    Notas1 Tanure, 2005.2 Whitfield e Poole, 1997; Godard e De laney, 2000; Clark e Mallory, 1996.3 Porter, Takeuchi e Sakakibara, 2000.4 Tanure, 2005.5 Tanure, 2005.6 Hofstede, 2001.7 Hofstede, 2001.8 Tanure, 2005.9 Ghoshal e Tanure, 2004.10 Ghoshal e Tanure, 2004.11 Brews ter e Larsen, 1992.12 Sparrow e Hiltrop, 1994; Legge, 1995; Clark, 1996.13 C. Brewster e H. Holt Larsen. Human Re source Mana gement in Eu ro pe: Evi -

    dence from Ten Countries,The International Journal of Human Resource Manage-ment, v. 3, 1992, p. 409-434.

    Gesto de recursos humanos e cultura brasileira 17ELSEVIER