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8/13/2019 A Guarda Nacional e o processo de construo do Estado nacional brasileiro: estudo de caso sobre os alistamento
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A Guarda Nacional e o processo de construo doEstado nacional brasileiro: estudo de caso sobre os
alistamentos na provncia da Paraba (1831-1850)
TemporalidadesRevista Discente do Programa de Ps-Graduao em Histria da UFMG
Vol. 4, n. 2, Ago/Dez 2012. ISSN: 1984-6150 www.fafich.ufmg.br/temporalidades Pgina | 220
A Guarda Nacional e o processo de construo doEstado nacional brasileiro: estudo de caso sobre os
alistamentos na provncia da Paraba (1831-1850)1
Lidiana Justo da Costa
Mestranda em Histria / PPGH/ [email protected]
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo entender, na perspectiva de construo doEstado brasileiro, os processos de alistamentos dos guardas nacionais na provncia da Paraba noperodo de 1831-1850. Faremos isto a partir das listas de qualificaes expedidas pelos juzes depaz e das correspondncias e ofcios trocados entre os presidentes de provncia e os comandantesdos batalhes. Nesse sentido, na identificao de parte dos indivduos que foram alistados para
Guarda Nacional, foi possvel observar que apenas nas listas de qualificaes para o servio ativoe para a reserva, realizada no distrito de N. S. das Dores de Alagoa em 1833, houve apreocupao por parte dos responsveis em registrar os nomes dos guardas, suas qualidades,idade e moradia. Sendo assim, propomos uma anlise dos processos de alistamentos na provnciada Paraba.
PALAVRAS-CHAVE:Guarda Nacional, Alistamentos, Milcia.
ABSTRACT:The present article aims to understand, from the perspective of the constructionof the State brazilian, the processes of enlistments of national guards in the province of Parabain the period 1831-1850. We will do this from the lists of qualifications dispatched by justices of
the peace and of correspondence and letters exchanged between the Presidents of the provinceand the commanders of battalions. In this sense, the identification of the individuals who werelisted for the National Guard, it was possible to observe that only the lists of qualifications foractive duty and reserve, held in N. S. Alagoa of Sorrows in 1833, there was concern on the partof officials to register the names of the guards, their qualities, age and habitat. Therefore, wepropose an analysis of processes of enlistments in the province of Paraba.
KEYWORDS:National Guard, Enlistments, Militia.
Poderamos comparar os fios que compemesta pesquisa aos fios de um tapete. Chegadosa este ponto, vemo-los a compor-se numatrama densa e homognea. A coerncia dodesenho verificvel percorrendo o tapetecom os olhos em vrias direes.2
No estudo da documentao apresentada neste artigo buscaremos, atravs dos
pequenos indcios e das pistas, reconstituir o perfil jurdico/tico dos milicianos. Tambm
1O presente artigo um resultado parcial da nossa pesquisa sobre a Guarda Nacional na Paraba, desenvolvido juntoao Programa de Ps-Graduao em Histria, na Universidade Federal da Paraba. Sob orientao da Prof. Serioja R.C. Mariano, coordenadora do Grupo de Pesquisa Sociedade e Cultura no Nordeste Oitocentista.2GINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas e Sinais: morfologia e histria. Tr. Frederico Carotti. So Paulo: Companhiadas Letras, 1989, p. 170.
mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected] -
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focaremos o caso de Manoel da Cruz Barbosa, que pareceu demonstrar um subterfgio para no
participar da milcia. Dizemos isto baseado no que nos falou Ginzburg de que [...] necessrio
examinar os pormenores mais negligenciveis [...]3.
Sendo assim, as listas de qualificaes trazem pistas sobre quem eram os guardas
cidados, personagens que at ento no foram objeto de estudo pela historiografia na Paraba.
As listas nos conduzem a um universo de possibilidades no sentido de nos revelar quem foram
estes personagens que estiveram na milcia e quais os traos que nos permitem desenhar o perfil
dos mesmos. E, indo mais alm, elas despertam nosso interesse na tentativa de entender quais os
critrios envolvidos para que uns fossem designados para o servio ativo, e outros, para a reserva.
Os indcios permitem ao historiador/tecelo a urdira dos fios da narrativa, abrindo possibilidades
para vrias interpretaes, sendo possvel percorrer o tapete com os olhos em vrias direes,como bem argumentou Carlo Ginzburg.
Diante disto, a nossa proposta descortinar um caminho pouco trabalhado pela
historiografia paraibana, que apenas se referenciou a Guarda Nacional porosamente e de forma
no problematizada, como nos livros: Datas e Notas para a Histria da Paraba, de Irineu Pinto
(1908/1977); Histria da Paraba vol. 2, de Horcio de Almeida (1978);Quadro da Revolta Praieira na
Provncia da Parahyba, de Maximiano Lopes Machado (1852/1983); Nordeste, Acar e Poder (1990),
de Martha M. Falco; dentre outros que seguem a mesma abordagem: apresentando a GuardaNacional sem maiores anlises sobre a temtica. Claro que entendemos o lugar social de
produo desses autores e preservamos a importncia dos seus escritos como nosso auxlio para
compreender a histria da Paraba.
Todavia, no mbito nacional, cabe a meno de alguns estudos especficos sobre a
Guarda Nacional. Por exemplo, o livro pioneiro sobre a milcia, intitulado A milcia cidad: a
Guarda Nacional de 1831 a 1850, de Jeanne Berrance de Castro (1977); Minotauro Imperial, de
Fernando Uricoechea (1977);A Guarda Nacional em Minas (1831-1873),de Maria Auxiliadora Faria(1977); A Guarda Nacional em Pernambuco: a metamorfose de uma instituio, de Maria das Graas
Andrade de Almeida (1986); e estudos mais recentes como Uniformes da Guarda Nacional (1831-
1852): a indumentria na organizao e funcionamento de uma associao armada, de Adilson Jos de
Almeida (1998);Quando o servio os chamava: Milicianos e Guardas Nacionais no Rio Grande do Sul (1825-
1845), de Jos Iran Ribeiro (2005); A Guarda Nacional na Provncia Paraense: representaes de uma
milcia para-militar (1831-1840), deHerlon Ricardo Seixas Nunes (2005). A dissertao de mestrado
3GINZBURG, Carlo.Mitos, Emblemas e Sinais: morfologia e histria, p. 184.
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Os Oficiais do Povo: A Guarda Nacional em Minas Gerais Oitocentista 1831-1850, de Flvio Henrique
Dias Saldanha (2006);e a teseO Imprio da Ordem: Guarda Nacional, Coronis e Burocratas em Minas
Gerais na segunda metade do sculo XIX, 1850-1873, tambm de Saldanha (2009).
Aps essa breve apresentao do estado da arte, situemos os leitores sobre a Guarda
Nacional. Consideramos que a Guarda Nacional, criada pelo ento ministro da justia Diogo
Antonio Feij4 em 18 de agosto de 1831, significou, no perodo regencial, a tentativa de
integrao/unidade da nao. Vale lembrar que naquele momento o Brasil encontrava-se em
processo de construo e vivenciando os contnuos embates/negociaes do governo central
com as elites regionais. Ou, de acordo com Castro 5, a criao da Guarda foi uma resposta dos
civis liberais, diante dos distrbios vivenciados no perodo da abdicao. Dessa maneira, para
Miriam Dolhnikoff: A Guarda Nacional tornou-se um aparato eficiente na manuteno daordem interna e foi a principal fora coercitiva utilizada pelo governo central para a represso das
revoltas que abalariam a Regncia6.
Portanto, observamos como a guarda nacional foi importante no processo de
manuteno da ordem interna, reprimindo as revoltas no perodo regencial. Auxiliando
centro/provncias no controle e na represso de quaisquer levante ou rebelio que por sua vez
viesse a por em risco os frgeis elos da construo da ordem e soberania imperial, bem como a
ordem interna nas provncias, como observamos no caso da Paraba. Conforme percebeu MiriamDolhnikoff, foi no perodo regencial a partir de 1831, que foi posto em prtica o arranjo
institucional. Segundo a autora, esse arranjo reconheceu as autonomias provinciais e teve como
meta a unidade nacional, pois as elites regionais, atuando nos espaos de poder, como por
exemplo, nas assembleias (geral e provincial), foram importantes na arte de pactuar para melhor
conduzir as decises do estado em formao.
4 O padre Antonio Diogo Feij foi sacerdote catlico e poltico liberal e tambm responsvel pela fundao dojornal, O Justiceiro.Sua carreira poltica foi marcada por vrios momentos marcantes. Foi eleito deputado s Cortes deLisboa em 1821; lutou pela extino do celibato, angariando desta forma a inimizade com setores conservadorescatlicos; no ano de 1828 foi eleito secretrio da Cmara, onde esteve na comisso sobre os Negcios Eclesisticos, eem 1831, no perodo Regencial, chegou ao Ministrio da Justia, nesse mesmo ano determinou a criao da GuardaNacional. Como ministro da justia enfrentou a revolta da polcia no Campo de Honra, no Rio de Janeiro. Dentreoutras coisas, levantou a bandeira da substituio do trabalho escravo pelo do imigrante e ainda a regulamentao dainstruo primria, no ano de 1832 renunciou ao cargo. E em 1833, como senador, esteve envolvido nas discussesconcernentes Reforma do Cdigo de Processos. Com a transformao da Regncia Trina em Una em 1834, peloAto Adicional, Feij, em 1835 exerceu o cargo de regente do imprio. Ver: SOUSA, Octvio Tarqunio de . Histriados Fundadores do Imprio do Brasil.v. VII: Diogo Antnio Feij. Rio de Janeiro: Livraria Jos Olympio Editora, 1957.5CASTRO, Jeanne Berrance de.A milcia cidad: A Guarda Nacional de 1831 a 1850. So Paulo: Ed Nacional, 1977.6DOLHNIKOFF, Miriam. O Pacto Imperial: origens do federalismo no Brasil do sculo XIX. So Paulo: Globo,2005, p. 92.
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A criao da Guarda Nacional, no perodo regencial (1831-1840), foi imprescindvel
para o controle e manuteno da ordem interna, sendo uma nova fora coercitiva que
claramente se adequava ao novo arranjo institucional em via de implementao7. Era o elo que
faltava entre centro e provncias, pois, poca, o Exrcito, sem prestgio e sob suspeio 8, foi
posto num segundo plano, muito embora, a Lei de 18 de agosto de 1831 afirmasse que a Guarda
Nacional atuaria como fora auxiliar do mesmo.
A partir de 1837, quando conservadores assumiram a liderana poltica, implantaram
medidas consideradas reformadoras, como: a centralizao do judicirio ou a tentativa de limitar
alguns direitos das Assembleias provinciais. Foi perceptvel a intensa participao dos
representantes das provncias na Cmara dos Deputados, como chama a ateno Miriam
Dolhnikoff, a Cmara dos deputados permaneceu sendo um espao privilegiado derepresentao dos interesses provinciais9. Portanto, um espao de autonomia poltica.
Com o Regresso em 1840, ocorreram mudanas institucionais na Lei de Interpretao
do Ato Adicional de 1834. Ela afirmou que [...] ele continha elementos centrais de um modelo
federativo, embora no tenha sido possvel estabelecer uma federao plena10. Ou seja, a Lei de
interpretao no foi uma ruptura brusca com o estgio anterior, tendo em vista que havia
elementos do federalismo. Como argumentou Dolhnikoff, o Ato Adicional fez alteraes
institucionais como cobrana de impostos, obras pblicas, criao e manuteno de uma forapolicial e controle dos empregos provinciais. E, de certa forma, no que tange s relaes entre
governo central e provncias, as atribuies de ambas foram mantidas. Sendo isto se no um
federalismo pleno, ao menos um modelo de federao, como concluiu a autora.
A perspectiva adotada por Dolhnikoff distancia-se de Mattos11a partir do momento em
que este autor defendeu que o Estado nacional fora obra de uma classe dirigente, classe esta
representada pelo [...] grupo social dos cafeicultores (de origem fluminense, em expanso s
outras provncias) que se teria articulado politicamente de maneira duradoura para conseguirerigir-se em classe senhorial12. Essa classe senhorial ou essa elite Saquarema viabilizara, de
acordo com sua verso, a construo do Estado nacional. Ficando evidente na anlise que o
Estado no foi o impulsionador desse constructo. Pelo contrrio, conforme sugerido pelo autor
7DOLHNIKOFF, Miriam. O Pacto Imperial:origens do federalismo no Brasil do sculo XIX, p. 91.8Cf. GRAHAM, Richard. Clientelismo e Poltica no Brasil do Sculo XIX. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.9DOLHNIKOFF, Miriam. O Pacto Imperial:origens do federalismo no Brasil..., p. 155.10______. O Pacto Imperial:origens do federalismo no Brasil..., p. 286.11MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema. 5 edio, So Paulo: Hucitec, 2004.12MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema, p. 78.
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foi uma elite dirigente (a Senhorial) a fomentadora de um projeto que visava imposio da
ordem dentro da sociedade, visando tambm manuteno econmica da escravido13.
Como podemos perceber, so diferentes perspectivas em torno do constructo do
Estado nacional. Enquanto a primeira defende o federalismo e o pacto imperial, a outra
perspectiva revestiu de protagonismo a elite dirigente, esta, na sua acepo, fomentadora da
unidade nacional. Discordamos de Mattos (2004), nesse aspecto, pois entendemos que essa viso
do autor no levou em considerao que as elites provinciais tambm procuraram atores centrais
nesse processo, participando das decises tomadas pelo governo, chegando at a se posicionarem
contrrios s decises tomadas no Rio de Janeiro, caso fossem ameaados.
Na Paraba, por exemplo, tivemos um caso que exemplifica esta situao que estamos
discutindo e o mesmo foi estudado por Serioja Mariano 14. Mariano mostrou que a dissoluo da
Constituinte em 1823 e a nomeao de um Presidente de Provncia15(de fora da localidade, como
vai se tornar prtica comum) ocasionaram na Paraba uma srie de insatisfaes por parte da elite
local que se viu ameaada pelo governo do Rio de Janeiro. Essas manifestaes ocorreram em
vilas importantes no cenrio poltico e econmico, s para citar algumas: Pilar, Nova da Rainha,
Real do Brejo de Areia e Itabaiana, alm de S. Miguel, locais onde foi notrio o discurso de
repdio ao autoritarismo do imperador. Fazendo com que o presidente de provncia, Felipe Nri,
nomeado por D. Pedro I, fosse hostilizado pela elite local do Brejo de Areia. E no ato da recusa,os revoltosos alegaram que no aceitariam a nomeao de um presidente de provncia feita por
um imperador que dissolvera a Constituio, uma atitude que demonstra a no passividade dos
revoltosos diante do poder central. E, como bem citou Mariano,
A organizao do Estado Nacional de forma centralizadora gerou grandeschoques entre as lideranas nacionais e locais, bem como a continuidade da
13V-se por parte da anlise do autor uma supervalorizao da elite cafeicultora fluminense que, no seu entender,teria prescrito a forma e a norma a ser seguida pelo Estado para a construo da nao. Nesse jogo de poder divididoentre os dois mundos, o do governo e o da casa, so representantes dessa dicotomia os Luzias (mundo da casa), queeram na sua concepo:inaptos para [...] construir uma articulao poltica que viabilizasse seu projeto poltico(MATTOS, 1987, p. 169). E em seguida, os Saquaremas (mundo do governo), detentores de um plano, de umprojeto para a direo do Estado imperial: a centralizao das instituies e a imposio da ordem. No entanto, paraconseguir esta faanha, conforme entendemos na proposta do autor, esses dois grupos, aparentemente opostos,precisavam em algum momento dialogar. A casa representava o poder privado, enquanto o governo, o poderpblico. O que nos d a ideia de troca: como se um necessitasse do outro para funcionar. Nesta teia derelacionamentos, a Coroa tambm no escapara. Pois, no entender da elite Saquarema, a transformao da Coroa emum partido seria eficaz na tarefa de tornar [...] cada um dos Luzias parecido com todos os Saquaremas. MATTOS,Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema, p. 192.14MARIANO, Serioja R. C. A Ptria local em perigo: a ameaa do governo central provncia da Paraba em 1824.In: I ENCONTRO DE HISTRIA DO IMPRIO BRASILEIRO, 2008, Joo Pessoa.Anais...Joo Pessoa: UFPB,2008, p. 804-813.15O primeiro Presidente da provncia da Paraba foi o pernambucano Felipe Nri, nomeado em fins de 1823, vindoassumir o cargo no incio de 1824.
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mudana do eixo econmico do norte para o sul, o que implicava uma perda depoder das elites locais do norte notadamente na Parahyba, que se sentiamdesrespeitados com as aes do governo do Rio de Janeiro. 16
Dessa maneira, a partir desta constatao, entendemos que a centralizao empreendida
pelo governo do Rio de Janeiro j vinha encontrando alguns obstculos para se efetivar nas
instncias locais, tendo em vista que as elites tambm quiseram participar do processo de
construo do Estado nacional brasileiro. Neste aspecto, nos aproximamos da concepo de
Miriam Dolhnikoff por entender que, nesse processo de construo do Estado-nao, vrias
culturas polticas17interagiram numa tentativa de impor suas orientaes nesse jogo de poder. A
centralizao perseguida pelo Estado monrquico foi alcanada sim, mas precisou fazer arranjos
com as elites provinciais para, desse modo, estabelecer o pacto imperial. O Estado Monrquico
fortaleceu-se amparado por acordos tcitos intra-elites, garantindo por sua vez, a almejadaunidade poltica, a permanncia da escravido e a excluso social.
Miriam Dolhnikoff analisou esse processo como conflituoso e, contrariando
interpretaes anteriores, argumentou que foi estabelecido um pacto entre as elites centristas e as
elites provinciais. Reconhecendo ainda que, apesar deste pacto, houve momentos de tenses
entre estes dois polos divergentes de poder, mas estas tenses foram negociadas at que
chegassem a um acordo que beneficiasse os dois lados. Sobre isto, a autora citou vrios exemplos
e debates dentro das Assembleias Provinciais, que visavam defesa dos interesses dos deputadose das provncias que os mesmos representavam. E como ilustrao, tomou como cenrios os
estados de Pernambuco, So Paulo e Rio Grande do Sul. Ela demonstrou atravs dos debates que
ocorreram na Cmara dos Deputados, os embates, acordos e arranjos dos mesmos, impondo suas
proposies frente ao governo central.
Assim, segundo assegurou, a no fragmentao do Estado brasileiro foi possvel graas
aos arranjos institucionais que permitiram acomodar as elites; dando-lhes total autonomia
administrativa e garantindo-lhes participao na Cmara dos Deputados18
.Pode-se observar que
16MARIANO, Serioja R.C. A Ptria local em perigo: a ameaa do governo central provncia da Paraba em 1824, p.811. Confira tambm: MARIANO, Serioja R. C., Culturas Polticas, Administrao e Redes familiares na Paraba(1825-1840). Revista de Histria Saeculum, Joo Pessoa, n. 24, p. 11-24, jan./jun. 2011.17 Entenda-se por Culturas Polticas conjunto de valores, comportamentos e formas de conceber a organizaopoltico-administrativa, resultado de um longo e dinmico movimento de interaes e de acumulao deconhecimentos e prticas que se tornam predominantes em uma determinada sociedade e em um dado tempohistrico, no qual, entretanto, nem ela exclusiva, ou muito menos definitiva . MARTINS, Maria Fernanda. Ostempos de Mudana: elites, poder e redes familiares, sculos XVIII e XIX. In. FRAGOSO, Joo Luis R.;ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de; SAMPAIO, Antnio Carlos Juc de (Orgs.). Conquistadores e Negociantes: histriade elites no Antigo Regime nos trpicos. Amrica Lusa, sculos XVI a XVIII. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira,
2007, p. 403-434.18DOLHNIKOFF, Miriam. O Pacto Imperial:origens do federalismo no Brasil, p. 14.
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a tnica e o diferencial desta interpretao que entram na cena poltica os arranjos institucionais,
ou seja, a acomodao das elites provinciais e a importncia da autonomia administrativa to
prezada por essas elites para que elas mesmas gerissem suas respectivas reas. E, por fim, a
participao dos representantes eleitos pelas provncias, nas Cmaras.
E sendo a Guarda Nacional reflexo desse novo momento poltico, bem pertinente
analisar os processos de alistamentos, percebendo como este novo ordenamento repercutiu entre
os cidados da provncia da Paraba. Vale ressaltar que o nosso recorte temporal, neste artigo, se
justifica com a criao da Guarda em 1831 indo at os anos de 1850 quando a milcia passou por
reformas. E dentre as mudanas que ocorreram nesse ano, tivemos a extino da eleio pelos
guardas de seus oficiais, esta prerrogativa passou para o governo das provncias, ou seja, as
nomeaes para os cargos de oficiais da milcia foram conferidas ao presidente da provncia, esterepresentante do governo central nas provncias.
Antes de discorrer sobre o processo de alistamentos, essencial entender o que
significava ser cidado no sculo XIX, tendo em vista que o termo aparece o tempo todo na
documentao pesquisada, bem como para entendermos melhor quem era esse cidado na
Guarda. De acordo com a Constituio de 1824, era considerado cidado o indivduo do sexo
masculino que tivesse 25 anos de idade, caindo para 21 caso o mesmo fosse chefe de famlia, e
que possusse uma renda equivalente a cem mil-ris anuais19. Segundo a Constituio, quemobedecesse a esses critrios tambm participaria das eleies, como observou Jos Murilo de
Carvalho20, todos os cidados qualificados eram obrigados a votar, os tais, a partir do momento
que dispunham do documento de qualificao eleitoral21, estavam aptos a escolher seus eleitores,
estes, os deputados e senadores. Cabendo aos votantes tambm, a escolha dos vereadores e dos
juzes de paz de suas localidades.
perceptvel na documentao consultada e na historiografia que trata desta questo,
que os processos eleitorais nas provncias no transcorriam de forma pacfica, precisoconsiderar que os votantes estavam inseridos numa teia de relacionamentos e apadrinhamento
poltico. Uma cultura poltica que mostra as motivaes pessoais e clientelsticas, dando a tnica
nesses processos eleitorais no perodo imperial. O votante no agia como parte de uma
19Uma renda que no pode ser considerada um absurdo para os padres da poca, tendo em vista que a maioria dapopulao ativa ou trabalhadora ganhava mais de cem mil-ris anuais. Ver: CARVALHO, Jos Murilo de. Cidadaniano Brasil: o longo caminho, 14 ed. Rio de janeiro: Civilizao Brasileira, 2001.20______. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2001, p. 29-30.21Este foi o primeiro documento de identidade civil, de acordo com Carvalho (1996), ele continha o nome, idade,
estado civil, profisso, renda, filiao, endereo e grau de instruo. Ver; CARVALHO, Jos Murilo de. Cidadania:Tipos e Percursos. Revista Estudos Histricos, Rio de Janeiro, v. 9, n. 18, 1996.
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sociedade poltica, de um partido poltico, mas como dependente de um chefe local, ao qual
obedecia com maior ou menor fidelidade, explicou Carvalho22. Uma situao que pde ser
observada na poltica da Paraba, como foi analisada na tese de doutoramento de Serioja R. C.
Mariano (2005), intitulada: Gente Opulenta e de Boa Linhagem: Famlia, Poltica e Relaes de Poder na
Provncia da Paraba (1817-1824). Nesse trabalho, a autora defende como o familismo foi
utilizado, desde o perodo colonial, como estratgia de ampliao e manuteno dos poderes
locais. Os apadrinhamentos e os laos de famlia influenciando na poltica local e se adaptando a
uma nova realidade a partir dos anos de 1830.
Portanto, foi a este cidado, da Carta Outorgada de 1824, com todos os limites
impostos ao exerccio desta cidadania, que foi permitido o alistamento na Guarda Nacional.
Nesse aspecto, ele levou para a milcia sua vivncia em termos de clientela e apadrinhamento,experimentados com o meio social no qual estava inserido. De acordo com a Lei de 18 de agosto
de 1831, o servio da Guarda Nacional era obrigatrio para todo cidado brasileiro com renda
para serem eleitores ou votantes, com idade de 21 at 60 anos. A lei de reforma da Guarda em
1850 alterou esse critrio para maior de 18 anos e menor de 60 anos23.
Embora fosse obrigatrio, havia tambm isenes para os militares do Exrcito ou da
Marinha, os clrigos que no quisessem se alistar voluntariamente, os carcereiros, os encarregados
das guardas das prises, os oficiais da justia e a polcia24. O alistamento para a Guarda Nacionalficou sob a responsabilidade do juiz de paz de cada municpio25. Ou seja, o governo central
delegou autonomia para cada municpio das provncias, a execuo dos alistamentos para a
milcia cvica. O mesmo reunia o Conselho de Qualificao, composto por seis eleitores
considerados idneos, mais votados do distrito e que tivessem assentado praa na Guarda
Nacional. Caso nas localidades no houvesse esse nmero de eleitores, cabia ao juiz de paz a
escolha de outros cidados. Observamos na nossa pesquisa, at o momento, que o processo de
formao da Guarda Nacional na provncia da Paraba passou por vrios obstculos, seja no quetange a morosidade dos encarregados por cri-la, ou pela falta de materiais, como foi o caso dos
livros de matrculas. Nos discursos dos relatrios dos presidentes de provncia, no perodo
estudado por ns, nota-se que a Guarda Nacional sempre est em processo de (re)organizao.
22CARVALHO, Jos Murilo de. Cidadania no Brasil:o longo caminho, p. 35.23 BRASIL. Leis e Decretos. Lei n. 602 de 19 de setembro de 1850. Colleo de Leis do Imprio. Rio de Janeiro,Imprensa Nacional, 1909, p. 237, 259. Art. 9 e pargrafo 1.24Consolidao das Leis do Imprio do Brasil. Leis de 18 de agosto de 1831 , Art. 12.25 Esses relatrios esto disponveis no endereo eletrnico:. Acesso em: 01 jun. 2012.
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Escolhemos para este estudo trs listas de qualificaes provenientes do Distrito de N.S.
das Dores de Alagoa, distrito que fazia parte do municpio do Brejo de Areia. Nessas listas, foi
possvel verificar nmeros relevantes sobre os cidados que foram includos na reserva e os que
foram postos no servio ativo da milcia 26. Essas informaes permitem-nos, ainda que
parcialmente, traar os perfis dos cidados que compuseram os quadros da milcia daquele
distrito. Como costumava acontecer no cotidiano das prticas milicianas da Guarda, aps o fim
da matrcula geral dos cidados, o Conselho de Qualificao reunia-se para dar incio formao
da lista do servio ordinrio e da reserva. A primeira lista de qualificao nos fornece informaes
sobre a quantidade de cidados alistados para compor a Guarda do Batalho de Alagoa Grande.
Essa lista, pelo que percebemos na nossa pesquisa, referente ao primeiro alistamento
ocorrido naquela localidade. Constando um total de 227 cidados alistados, destes, 182 foramdesignados para o servio ordinrio do Batalho e apenas 45 cidados foram inseridos na reserva.
Observamos ainda, que no houve a preocupao dos qualificadores em fornecer informaes
sobre a condio jurdica e tnica de todos os indivduos27. No entanto, encontramos referncias
das ocupaes de alguns cidados que integraram a reserva. E dentre eles, 7 eram juzes de paz, 7
delegados, 1 professor, 2 capites de ordenana, 2 Alferes de milcia, 1 Alferes de cavalaria, 1
Alferes de ordenana, 2 fiscais e 7 delegados28. Como vemos, apenas quinze cidados no foram
identificados com a sua ocupao. Conjecturamos que, se no foi um descuido dos responsveispelo alistamento, possivelmente, suas ocupaes deviam enquadrar-se nos critrios de isenes
prescritos na lei de criao da Guarda Nacional, a exemplo dos outros que mencionamos 29.
E seguindo as pistas sobre os alistamentos, os quadros a seguir, foram elaborados de
acordo com duas listas, uma do servio ordinrio e outra da reserva do distrito de N. S. das
26 Escolhemos as listas do Distrito de N.S. das Dores de Alagoa, devido legibilidade das mesmas e porapresentarem informaes mais detalhadas dos cidados alistados para a Guarda naquela localidade. Nsencontramos um total de 5 listas de qualificao, nestas, trs fornecem informaes sobre a condio jurdica outnica dos alistados. Assim, trs listas foram do distrito de Alagoa Grande; uma da capital da provncia, e uma da VilaGalhosa e Curimata, estas constam os nomes e identificam a ocupao dos indivduos postos na reserva. J asdemais informaes sobre os alistamentos, encontramos nas trocas dos ofcios, relatrios e correspondncias dosjuzes de paz e dos comandantes dos batalhes. Nessa documentao, possvel identificar aspectos como aocupao dos cidados e informaes sobre os casos de omisso de alguns deles na prestao dos servios da milcia.27 Pela lei de criao da milcia, os alistamentos para a Guarda Nacional deveriam ocorrer anualmente,especificamente nos meses de Janeiro. No entanto, devido s peculiaridades locais dos municpios as qualificaesnem sempre obedeciam a esta norma, foi o que percebemos no caso da provncia da Paraba. Outra observaoimportante que na documentao que trata sobre os alistamentos, nem sempre os responsveis se preocupavam emtrazer as qualidades, idade e estado civil, como constam nessas duas que iremos apresentar. Pois, no houve numprimeiro momento, uma norma comum a ser seguida no que tange a este processo, nas diversas provncias doImprio.28Alistamento dos Guardas Nacionais do servio ordinrio do Distrito do Batalho de Alagoa Grande, do municpio
da Vila do Brejo de Areia. Arquivo Pblico Waldemar Duarte, Cx: 010, Ano: 1830-1833.29 Coleo de Leis do Imprio do Brasil. Leis de 18 de agosto de 1831,Art. 12, 13.
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Dores de Alagoa de 1833. Ao contrrio da primeira, essas duas listas trazem informaes, como
os nomes, ocupaes, idade, estado civil e moradia, todavia, na elaborao dos quadros, optamos
por excluir o local de moradia. Outra informao relevante que se na primeira o qualificador
especificou que se tratava de guardas do Batalho de Alagoa Grande, as que iremos apresentar,
no foi informado se esses milicianos comporiam uma Companhia, Batalho ou formariam
Sees de Companhia naquele distrito.
No entanto, esses quadros (do servio ordinrio e da reserva) nos do pistas dos
critrios adotados pelos recenseadores no ato do alistamento para a Guarda, os mesmos nos do
outras pistas de quem foram os personagens envolvidos em tais processos. Vejamos:
Quadro I
Lista do servio ordinrio das Guardas Nacionais
do Distrito de N. S. das Dores de Alagoa Grande de 1833
N de Guardas Qualidade Idade Estado Civil
P= 12 18 a 30=63 S= 12
64 B= 12 C= 17
D= 40 40 a 60=1 D= 35
Quadro elaborado por ns, atravs da lista do servio ordinrio de qualificao do Distrito de N. S. das Dores deAlagoa Grande, em 1833. Arquivo Histrico do Estado da Paraba Waldemar Bispo Duarte - Funesc/PB, Cx: 10,Ano: 1830/1833.
Neste quadro, observa-se o alistamento de 64 cidados, indivduos que provavelmente
foram inseridos em Companhias de Infantaria, tendo em vista o que dizia o Art 34 da lei de
1831: A fora ordinaria das companhias de infantaria, ser de 60 a 140 praas de servio
ordinario; todavia o municipio que no contar mais de 50 a 60 Guardas Nacionaes formar uma
companhia30. Portanto, a partir disto, entendemos que esses milicianos formaram uma
Companhia de Infantaria no distrito de Alagoa. Os responsveis pelo alistamento em questo,
como podemos perceber, dividiram estes cidados em qualidades 31 (P, B e D), e como na
30Lei de 18 de agosto de 1831, Art. 34.31Esse termo sempre aparece na documentao quando da designao da origem tnica dos milicianos.
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documentao inexiste a traduo destas iniciais, conclumos, atravs de minuciosas
investigaes, que estas iniciais se referem cor dos milicianos. Sendo importante frisar que o
termo qualidade, no particular provncia da Paraba, tendo em vista que na pesquisa de
Hendrik Kraay 32sobre o censo populacional da Bahia no sculo XIX, o autor observou que os
recenseadores, [...] registrou a populao ao longo de dois eixos, um de condio legal (livre,
liberto ou escravo) e o outro, do que eles chamaram qualidades ou cor, em geral interpretada
como raa pelos investigadores americanos modernos33.
Estas iniciais referentes cor possibilitam traar o perfil dos guardas. Dessa maneira,
observamos que dos 64 convocados para o servio ordinrio, 12 eram pretos, 12 brancos e 40 de
categoria (D), esta designao foge um pouco dos padres. Desta feita, aventamos a hiptese de
que (D) designe o grupo constitudo de pardos, mas ainda estamos analisando esta possibilidade.Cabendo destacar que esta categoria sempre aparece na documentao quando da designao da
cor dos milicianos. Quanto condio civil dos mesmos, 12 eram solteiros, 17 eram casados e 35
foram includos na categoria (D), categoria ainda obscura no que concerne classificao do
statuscivil. Dentre estes, 63 tinham entre 18 e 30 anos e apenas 1 entre 40 e 60 anos de idade.
Depreende-se a partir destas informaes, que os alistados para o servio ordinrio em
Alagoa Grande possuam um perfil misto quanto s categorias tnicas e ao estado civil. Embora
houvesse uma hegemonia no quesito idade entre os guardas de 18 e 30 anos. Vale a pena chamarateno para a diversidade tnica neste quadro, o que nos remete a discusso de Jeanne B. de
Castro34, que situou a milcia como um espao de integrao tnica. E sobre isto, Hendrik Kraay
apontou que no Exrcito, os oficiais eram brancos, e nas milcias, havia batalhes de pretos,
pardos e brancos, s em 1837 alterou-se os padres de excluso, pois (as tropas pagas ou as
primeiras linhas), exclua os pretos, aceitava relutantemente os pardos e preferia os brancos35.
Vemos a Guarda Nacional tambm como um diferencial, assim como a ruptura
proposta pelos criadores da mesma em no adotar em suas fileiras divises raciais. Masconsideramos um equvoco consider-la como um espao de integrao tnica. Jos Iran
Ribeiro36, em seu estudo no percebeu esta integrao. Todavia, nossa hiptese de que essa
integrao tnica pode ter ocorrido, diga-se, em algumas provncias do imprio, partindo da
32KRAAY, Hendrik. Poltica Racial, Estado e Foras Armadas na poca da Independncia:Bahia 1790-1850. So Paulo:Hucitec, 2011.33KRAAY, Hendrik. Poltica Racial, Estado e Foras Armadas ..., p. 39. (Grifos nossos).34CASTRO, Jeanne Berrance de.A milcia cidad:A Guarda Nacional de 1831 a 1850, 1977.35KRAAY, Hendrik. Poltica Racial, Estado e Foras Armadas na poca da Independncia:Bahia 1790-1850, p. 46.36RIBEIRO, Jos Iran.Quando o servio os chamava: os milicianos e os guardas nacionais gachos (1825-1845).SantaMaria: Editora da UFSM, 2005.
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Atravs da lei, os guardas alistados no distrito de N.S. das Dores de Alagoa, em 1833,
foram postos na reserva devido a vrios fatores. Um dos motivos pode ter sido o fato do servio
ser oneroso para o convocado, neste caso, os alistados eram obrigados a prestarem servio
apenas em acontecimentos atpicos, ou seja, que no fizesse parte da rotina cotidiana da
localidade e que necessitassem deles urgentemente. H ainda a possibilidade de alguns serem
empregados pblicos, mdicos, advogados, cirurgies, empregados dos Arsenais ou oficinas
nacionais, ou ainda, dentre os 27, a possibilidade de serem estudantes ou seminaristas38.
Quanto s informaes sobre as ocupaes dos guardas nacionais e demais observaes,
estas s aparecem na documentao, a partir de 1837 em diante. Ainda assim, fica complicado
traar um padro nico de ocupaes dos mesmos, tendo em vista que as informaes
pertinentes s ocupaes, s se referenciaram aos que foram propostos para os cargos de oficiaisda Guarda Nacional. Cabendo ressaltar que esses informes eram submetidos e avaliados pelos
presidentes de provncia e, a partir deles, aprovaria ou no os indivduos sugeridos pelos
Comandantes dos Batalhes. Contudo, podemos verificar que as ocupaes mais frequentes dos
que integraram as propostas, foram: negociantes, criadores de gados e agricultores. J quando as
propostas no traziam as ocupaes, havia a seguinte referncia: o cidado tem rendas
necessarias39 ou em So Joo do Cariri, por exemplo, integrando a proposta para alferes
secretrio, estava Francisco Cordeiro da Cunha professor de primeiras letras40
.Em meio a isto, vale frisar que os pedidos de dispensa tambm foram comuns, e pela
lei, podiam apelar para a dispensa, os Senadores, Deputados, Magistrados, cidados com idade de
50 anos, Oficiais de milcias com 25 anos de servio, os reformados da Marinha ou Exrcito e os
empregados nas administraes dos correios. Ou, os acometidos por enfermidades que os
tornassem inabilitados para servio41. Os pedidos de dispensa eram feitos ao Conselho de
Qualificao, e o solicitante deveria provar suas razes com documentos comprobatrios, ou
suas reais necessidades.O caso de Manoel da Cruz Barbosa, ilustrativo nesse sentido:
38Leis de 18 de agosto de 1831,Art. 18.39Foi o caso da proposta do tenente coronel, Loureno Dantas _ de Goiz, para Oficiais da Companhia do Batalhoda Guarda Nacional, do municpio de Patos, de 26 de agosto de 1837. Arquivo Pblico Waldemar Duarte, Cx: 014(A), Ano: 1837.40Propostas para oficiais subalternos do Batalho da Vila de So Joo do Cariri, enviada pelo tenente coronel, Bentoda Costa Vilar ao presidente da provncia Baslio Quaresma Torreo, em 19 de agosto de 1837. Arquivo Pblico
Waldemar Duarte, Cx: 014 (A), Ano: 1837.41Leis de 18 de agosto de 1831,Art. 28.
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Diz Manoel da Cruz Barbosa que ele fora alistado para o servio da Guarniodesta capital, e isto talvez em razo da marcha que est prestes a fazer oBatalho de 1 linha, e tambm porque o suplicante empregado de muitotempo do servio do trem de guerra, e se persuade, que tanto indispensvel sefaz a marcha do mesmo Batalho, quanto o servio do suplicante no trem, eque por isso no se pode dividir,suplica por isso a V. Ex seja servido, depoisde concedida a informao do respectivo inspetor, mandar exemplar o suplentedo servio da Guarda Nacional.42
O requerente recebeu reforo do capito inspetor do trem de guerra, Severo Gonalo de
Morais, que enviou uma correspondncia ao vice-presidente da provncia Afonso Albuquerque
Maranho Cavalcante43a despeito do referido cidado, dizendo:
Sendo-me apresentado a respeitvel despacho de V. Ex datado de 13 docorrente [ilegvel] no requerimento incluso de Manoel da Cruz Barbosa [...] e quepresentemente includo no destacamento empregado no servio da guarnio
desta Provincia; [...]e rogo a V.Ex se digne dispensa-lo do servio dodestacamento por um ms enquanto acaba de aproveitar uma poro deCorriame que est consertando; sendo de presumir que no far tortura aoservio do referido destacamento [...].44
O caso de Manoel pode ser ilustrativo de outros casos de pedidos de dispensas da
Guarda Nacional na provncia, e deixa algumas brechas para que se questione se havia outros
motivos por trs da justificativa de j estar empregado.
Observe que o requerente pediu dispensa num momento em que o Batalho de 1 linha
estava prestes a fazer uma marcha, possivelmente para outra parte da provncia. Ou seja, caberia Guarda Nacional, naquele momento, reforar ainda mais o contingente de milicianos para a
guarnio da capital. Talvez, para Manoel da Cruz Barbosa no fosse muito atraente e lucrativo
sair de sua ocupao no trem de guerra, e gratuitamente se dispor a tal servio, afinal, no era
remunerado. Ele ainda recebeu reforo, com a intercesso do capito inspetor Severo Gonalo de
Morais, ao vice-presidente da provncia. O capito, na correspondncia, fez questo de mostrar a
necessidade de sua permanncia ali, pedindo para que fosse concedida a Manoel mais seis meses
de dispensa.
No foi possvel identificar qual o grau de ligao entre os dois, pois possivelmente
havia outros empregados mais qualificados. Todavia, aventamos a possibilidade de que ele fosse
42Requerimento de Manoel da Cruz Barbosa, pedindo dispensa da Guarda Nacional, tendo em vista que o mesmo empregado do Trem de Guerra. Arquivo Pblico Waldemar Duarte, Cx: 011, Ano: 1834.43Exerceu o cargo de vice-governador da provncia da Paraba de Janeiro a Abril de 1834. Foi tambm governadorda provncia de Pernambuco e senador do imprio de 1826 a 1836. Ver: ALMEIDA, Horcio de. Histria da Paraba.2. ed. V. I. Joo Pessoa: UFPB, 1978.44Ofcio do Capito Inspetor do trem de guerra, Gonalo Severo Morais, pedindo ao vice-presidente da provnciaAfonso de Albuquerque Maranho Cavalcante, dispensa da Guarda Nacional de dois empregados indispensveis
para o servio no respectivo trem. Arquivo Pblico Waldemar Duarte, Cx: 011, Ano: 1834.
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um correligionrio/apadrinhado do capito inspetor, o que mais provvel. O que se quer
mostrar com isto, que subterfgios ou intersees, feitas por superiores em favor de seus
partidrios/ apadrinhados, definia tambm quem estaria convocado para o servio ativo ou no
da milcia.
De outro modo, mesmo que no conseguissem escapar do servio ordinrio ou da
dispensa, conforme prescrito na lei, isto no quer dizer que os guardas no encontrassem meios
para negociar a ida para o batalho. Estratgias para burlar a lei foram uma constante. Podemos
identificar isto no ofcio enviado pelo comandante Joaquim Batista Avondano, datado de 30 de
abril de 1840, em resposta ao presidente da provncia sobre o que estava acontecendo no
Batalho sob seu comando. Vejamos o que disse o comandante:
[...] tenho a honra de remeter a V. Ex do [ilegvel] chefe cobrindo o dos doiscomandantes do 1 e do 2 batalhes de seu comando, e deles se v que costume dispensarem-se alguns guardas, de certos servios por contriburemcom suas quotas para a sustentao das msicas ou bandas de cornetas.45
O ofcio foi dado em resposta ao questionamento do presidente da provncia, sobre o
que estava acontecendo no 1 e 2 batalho da capital da provncia. Ele fora informado que os
comandantes dos dois batalhes estavam dispensando guardas do servio em troca de suas
quotas para a sustentao das msicas ou bandas de cornetas46.Esse episdio revela primeiro,
algo que possivelmente afetava os demais batalhes da Guarda Nacional por toda provncia, afalta de instrumentos para o pleno funcionamento das bandas de msicas. Como se pode
perceber neste pedido:
Tenho tomado conta do comando do 2 batalho da 2 legio como tenentecoronel [...] encontrei dois cornetas os quais no so suficientes para servir 6companhias [...] rogo a V.Ex reconhecida ao menos 6 cornetas, a exemplo do1 batalho desta cidade. Requisito tambm 5 cornetas (instrumentos) por teruma em bom estado.47
Esse pedido mostra que havia necessidades no respectivo Batalho da capital, portanto,
contribuir financeiramente para a sustentao das bandas de cornetas, por exemplo, deve ter sido
o caminho encontrado por alguns guardas nacionais, para conseguirem barganhar a dispensa do
servio. Esse caso, particular a capital da provncia, no quer dizer que no tenha acontecido em
45Ofcio do comandante Joaquim Batista Avondano para o presidente da provncia, Frederico Carneiro de Campos,datado de 30 de abril de 1840. Arquivo Pblico Waldemar Duarte, Cx: 018, Ano: 1840.46 De acordo com Silva (1813), corneta era uminstrumento de couro, ou de marfim para fazer som, usado dosrusticos e caadores, e dos cavalleiros andantes Cf: SILVA, Antonio Moraes. Diccionario da lingua portugueza. Lisboa:Typographia Lacerdina, 1813. Este servio deveria ser pago pelo governo da provncia quando no pudesse sergratuito.47 Correspondncia enviada pelo comandante do 2 Batalho da 2 Legio das Guardas Nacionais ao presidente
Frederico Carneiro de Campos, no dia 14 de janeiro de 1845. Arquivo Pblico Waldemar Duarte, Cx: 023, Ano:1845.
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outros municpios da provncia. Os milicianos eram tambm mantenedores da milcia, ou seja,
compravam seus prprios fardamentos, contribuam com armas, e o que fosse necessrio. Como
bem afirmou Fernando Uricoechea, a milcia representou gasto mnimo para os cofres
pblicos48. A lgica do Estado central era que os membros da milcia contribussem
liturgicamente.
De um modo geral a organizao da Guarda Nacional por toda provncia do imprio,
encontrou obstculos para se formar. Um exemplo foi observado na fase de alistamentos, os
cidados convocados encontravam mecanismos para no integrar a mesma, isto devido a vrios
fatores, um deles que o servio acabava sendo oneroso. Afinal, eles tinham que abandonar seus
afazeres dirios e sua subsistncia, para atender ao chamado quando eram convocados.
Mas, como vimos no caso de Manoel da Cruz Barbosa, mesmo convocado para o
servio ativo, ele se valeu da lei para conseguir escapar, e por sua vez do apadrinhamento do
capito inspetor. E mesmo no tendo encontrado na documentao, sua dispensa, acreditamos
que raramente um pedido como o dele teria sido rejeitado pelo presidente de provncia, ainda por
cima, confirmado pelo seu superior. Partindo do pressuposto de que at o presidente de
provncia, tinha que negociar sua autoridade com as elites locais. Alguns guardas cidados
conseguiram escapar do servio ativo de outras formas, uma delas foi aproveitando-se da pobreza
material dos batalhes, vendo nisto um bom motivo para sustentar financeiramente a milcia,recebendo em troca a dispensa do servio, por um dia ou por semanas, ou ainda, valendo-se de
sua posio social.
importante salientar que estar no servio ativo ou na reserva, envolveu uma srie de
questes polticas, no quesito favores e apadrinhamentos. Nos perodos das eleies, ficavam
mais evidentes as perseguies, pois os milicianos tambm eram eleitores, portanto, a tenso
aumentava nessa fase. Como aconteceu na freguesia de Santa Rita e em Cruz do Esprito Santo,
onde a Guarda Nacional fora transformada em recurso eleitoral pelo partido do governo JooAntonio de Vasconcelos49, presidente da provncia. No jornal liberal, O Reformista, saiu notcia:
[...] o destacamento da Guarda Nacional, alm de um recurso eleitoral, temservido para a satisfao de dios e vinganas. Homens aleijados e que nuncaserviro na Guarda Nacional tem sido notificados para virem destacar, sobpena de prizo; [...] Na Cruz do Esprito Santo, teve de reunir-se o Batalho, ecomparecero 30 e tantos guardas e o coronel publica e escandalosamente
48URICOECHEA, Fernando. O Minotauro Imperial. A burocratizao do Estado patrimonial brasileiro no sculoXIX. Rio de Janeiro/So Paulo: DIFEL, 1978, p. 15.49Governou a Paraba de maio de 1848 a janeiro de 1850. Cf. ALMEIDA, Horcio de. Histria da Paraba. 2. ed. V. I,1978.
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disse- aquelle que quiser votar na chapa do governo d um passo a frente; e oque fizer ser prezo e amarrado[...]. 50
Portanto, observamos como as questes pessoais, de disputas polticas, estavam na
ordem do dia, a ponto do jornal fazer referncia de como a Guarda nacional serviu para asatisfao de dio e vingana. Outra questo abordada era sobre a convocao de pessoas que,
pela lei, estariam isentas. A lei era objetiva quanto s pessoas que tinham alguma deformidade, e
que estavam incapacitadas para participar da Guarda. O artigo 28 dizia: Sero tambm
dispensados do servio os cidados, que tiverem enfermidades que os inhabilite para fazerem o
servio51. Sendo assim, a convocao de homens com imperfeies fsicas para o servio ativo
no distrito de Santa Rita, nada mais foi do que abuso de poder por parte dos integrantes do
partido Conservador. Vale destacar que essa denncia fora feita pelo jornal da oposio, do
partido Liberal, portanto, carregado de intenes. Mas no negamos a prtica do mandonismo
dentro da Guarda52. Alm disto, em Cruz do Esprito Santo, o coronel, que era partidrio do
governo vigente, utilizara sua patente para punir guardas que no votavam com o governo,
chegando a torturar aqueles que votavam com a oposio, prendendo-os e os amarrando com
cordas.
Tudo isto faz retomar a discusso inicial deste trabalho, sobre o sentido do Ser
cidado. Afinal, como podemos conferir atravs das leis, era uma cidadania com limites
impostos ao exerccio pleno. Mesmo que a Constituio de 1824 tenha sido inspirada na
Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, h de se concordar que o liberalismo adotado
naqueles tempos, teve que se adaptar realidade brasileira, em que a escravido, o latifndio e o
homem livre, conforme sugeriu Roberto Schwarz53, foram peas formadoras da vida ideolgica,
no se explicando um sem o outro.
Uma situao que evidencia as relaes clientelsticas na Guarda Nacional, com prticas
de apadrinhamentos de uma cultura poltica que permanece no Brasil, notadamente na Paraba.
Entendemos, portanto, que o favor, esteve presente por toda parte, combinando-se s mais
50Jornal, O Reformista, Parahyba, 3 de agosto de 1849, p. 4.51Leis de 18 de agosto de 1831, Art. 28.52 Para uma discusso mais aprofundada, indicamos: CARVALHO, Jos Murilo de. Mandonismo, Coronelismo,Clientelismo: uma discusso conceitual. Revista de Cincias Sociais, Rio de Janeiro, v. 40, n. 2, p. 241; LEAL, VictorNunes. Coronelismo, Enxada e Voto. Rio de Janeiro: Forense, 1948; QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Mandonismolocal na vida poltica brasileira e outros ensaios. So Paul: Alfa-mega, 1976; LEWIN, Linda. Poltica e Parentela na Paraba.Um Estudo de Caso da Oligarquia de Base Familiar. Trad. Andr Villalobos. Rio de Janeir: Record, 1993; e SILVA,Celson Jos da.Marchas e Contra-Marchas do Mandonismo Local. Belo Horizonte: RBEP, 1975.53SCHWARZ, Roberto.Ao vencedor as batatas: forma literria e processo social nos incios do romance brasileiro. SoPaulo: Duas Cidades, Ed. 34, 2000.
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8/13/2019 A Guarda Nacional e o processo de construo do Estado nacional brasileiro: estudo de caso sobre os alistamento
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A Guarda Nacional e o processo de construo doEstado nacional brasileiro: estudo de caso sobre os
alistamentos na provncia da Paraba (1831-1850)
TemporalidadesRevista Discente do Programa de Ps-Graduao em Histria da UFMG
Vol. 4, n. 2, Ago/Dez 2012. ISSN: 1984-6150 www.fafich.ufmg.br/temporalidades Pgina | 237
variadas atividades [...]54. E, sendo parte daquele universo, cabe considerar que nos municpios
das provncias, a Guarda Nacional, teve que comprometer-se com a poltica oficial, a esta poltica
deveria se comprometer quem a comandava. Mas havia, tambm, as estratgias de manuteno
do poder nas provncias, como foi o caso de Manoel da Cruz Barbosa que dependeu da filiao e
das relaes tecidas com um grupo local influente para conseguir a iseno do servio miliciano.
Recebido em: 10/05/2012Aprovado em: 29/06/2012
54SCHWARZ, Roberto.Ao vencedor as batatas..., p.16.