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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO UNIDADE ACADÊMICA DE HUMANIDADES, CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - MESTRADO A HISTÓRIA COMO CIÊNCIA E SUAS DECORRÊNCIAS PEDAGÓGICAS: UMA ANÁLISE DO PROJETO POLÍTICO- PEDAGÓGICO DO CURSO DE HISTÓRIA DA UNESC A PARTIR DE MARC BLOCH CRICIÚMA, OUTUBRO DE 2009.

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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO

UNIDADE ACADÊMICA DE HUMANIDADES, CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - MESTRADO

A HISTÓRIA COMO CIÊNCIA E SUAS DECORRÊNCIAS PEDAGÓGICAS: UMA ANÁLISE DO PROJETO POLÍTICO-

PEDAGÓGICO DO CURSO DE HISTÓRIA DA UNESC A PARTIR DE MARC BLOCH

CRICIÚMA, OUTUBRO DE 2009.

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ANDRÉ AUGUSTO BOUSFIELD

A HISTÓRIA COMO CIÊNCIA E SUAS DECORRÊNCIAS PEDAGÓGICAS: UMA ANÁLISE DO PROJETO POLÍTICO-

PEDAGÓGICO DO CURSO DE HISTÓRIA DA UNESC A PARTIR DE MARC BLOCH

Dissertação apresentada à Diretoria da Una de Humanidades, Ciência e Educação da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC, como prérequisito para obtenção do título de Mestre em Educação. Orientador: Prof. Dr. Ilton Benoni da Silva

CRICIÚMA, OUTUBRO DE 2009.

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Dedico este trabalho aos meus pais,

Maria da Silva Cabral Bousfield e Paulo

Augusto Bousfield, sinais vivos do amor

incondicional de Deus em minha vida.

Também dedico ao Arthur Bousfield,

sobrinho querido, que mais uma vez provou ser

um mestre na capacidade de recuperação.

À Edimara Maciel, que ofereceu água

em meu deserto com sua presença e amor.

Aos meus irmãos Fabiana e Paulo

Marcondes, e cunhados Pérside e Romildo,

que me mostraram o que de fato é fraternidade.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Ilton Benoni da Silva, pela

paciência, dedicação e pelo legado de idéias oferecidas em cada aula, cada debate,

em cada orientação e em cada conversa informal.

Aos meus professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da

UNESC, pelas aulas ministradas, conversas esclarecedoras e pelos momentos de

descontração.

Agradeço ao Prof. Dr. Dorval do Nascimento e Prof. Dr. Vidalcir Ortigara

pela motivação e direcionamentos significativos.

À Igreja Presbiteriana de Rio do Sul, pela compreensão e apoio, sem o

qual até aqui não seria possível.

À coordenação do curso de História da UNESC, pelas contribuições,

atenção e motivação para dar continuidade a esse projeto.

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QUEM SOU? Quem sou? Freqüentemente me dizem que saí do confinamento de minha cela tranqüilo, alegre e firme como um senhor de sua mansão de campo. Quem sou? Freqüentemente me dizem que costumo falar com os guardiões da prisão confiada, livre e claramente, como se eu desse as ordens. Quem sou? Também me dizem que superei os dias de infortúnio orgulhosa e amavelmente, sorrindo, como quem está habituado a triunfar. Sou, na verdade, tudo o que os demais dizem de mim? Ou sou somente o que eu sei de mim mesmo? Inquieto, ansioso e enfermo, como uma ave enjaulada, pugnado por respirar, como se me afogasse, sedento de cores, flores, canto de pássaros, faminto de palavras bondosas, de amabilidade,com a expectativa de grandes feitos, temendo, impotente, pela sorte de amigos distantes, cansado e vazio de orar, de pensar, de fazer, exausto e disposto a dizer adeus a tudo. Quem sou? Esse ou aquele? Um agora e outro depois? Ou ambos de uma vez? Hipócrita perante os demais e, diante de mim mesmo, um débil acabado? Ou há, dentro de mim, algo como um exército derrotado que foge desordenadamente da vitória já alcançada? Quem sou? Escarnecem de mim essas solitárias perguntas minhas; Seja o que for tu o sabes, ó Deus: sou Teu!

Dietrich Bonhoeffer

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RESUMO

A história como ciência e suas decorrências pedagógicas: uma análise do projeto político-pedagógico do Curso de História da UNESC a partir de Marc Bloch Autor: André Augusto Bousfield Orientador: Prof. Dr. Ilton Benoni da Silva Esta pesquisa, inserida na linha de pesquisa Educação e Produção do Conhecimento nos Processos Pedagógicos, produz análise de um curso de História do ensino superior, no Brasil, que forma pesquisadores e professores. A investigação é realizada a partir de postulados científicos da própria História como saber. Parte dos alertas oriundos do racionalismo aberto bachelardiano, para buscar uma orientação teórica no campo da própria História. Isto é, ancora as perguntas no pensamento de Marc Bloch, historiador do século XX e um dos fundadores da Escola dos Annales, movimento francês na historiografia que rompeu com os pressupostos positivistas da conhecida “Escola histórica metódica”. A obra primordial de Marc Bloch que serviu a esse propósito foi Apologia da história, ou, O ofício de Historiador, último trabalho feito por ele antes de ser assassinado pelos alemães em meio a II Guerra Mundial. A pergunta central, sobre a concepção de cientificidade na formação do professor historiador, portanto de natureza epistemológica e de imbricações pedagógicas, foi dirigida ao Curso de História da UNESC, representado pelo seu Projeto-Político Pedagógico. Optou-se por uma pesquisa qualitativa, de análise de conteúdos, que parte das categorias blochianas sobre o modo de operar da História como saber científico, para escrutinar as noções de história e de historiografia manifestadas no PPP do Curso. Duas são as razões principais da escolha do Curso de História da UNESC. A primeira, porque sua proposta institucional, pedagógica e política assume a Licenciatura e o Bacharelado como indissociáveis. A segunda, complementar à primeira, porque com Bloch percebeu-se que o engendramento articulado entre pesquisa, ensino e formação se dá inerentemente no âmbito de como a História se efetiva enquanto ciência. Isto é, a partir do modo de operar de seu método científico, que exige dos profissionais dessa área prestarem contas do que produzem, nas minúcias de cada passo metódico e, além disso, mostrar capacidade de análise de conhecimentos e historiografias já produzidas por outros de sua comunidade científica. Nesse sentido, a análise do referido Projeto, com base nos postulados blochianos, revelou que, ao não ficar marcadamente evidenciada a noção sobre que ciência está sendo colocada em operação nos processos formativos do futuro pesquisador e professor, por falta de um posicionamento teórico-metodológico explícito e/ou um hibridismo teórico, pode comprometer a percepção de especificidades dessa ciência. Palavras-chave: Ciência. História. Produção do conhecimento. Projeto político-pedagógico. Ensino de História.

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ABSTRACT

History as science and its pedagogical consequences: an analysis of the political-pedagogical project of the History Course at Unesc from the perspective of Marc Bloch Author: André Augusto Bousfield Advisor: Prof. Dr. Ilton Benoni da Silva

This work belongs to the research line Education and Knowledge Production in the Pedagogical Processes and aims at analyzing a Brazilian undergraduate History program that forms researchers and teachers. The analysis is based on scientific assumptions in History as knowledge. This work is based on the principles established by the Bachelardian open rationalism. This reference was enriched by the thoughts of Marc Bloch, a 20th historian and one of the founders of the Annales School, a historiography French movement that broke with the Positivists assumptions of the "Traditional History". Mark Bloch's work selected was The Historian's Craft, his last book before being murdered by the Nazis during II World War. The research question was the conception of science in History teachers formation, na epistemological and pedagogical question. The study locus was the History course at Unesc as it is represented by its Pedagogical Political Project. I chose a qualitative research in which, based on Blochians' categories, the PPP was analyzed in order to observe its notions of history and historiography. I chose the History course because its political and pedagogical proposal assumes teaching formation and baccalaureate as inseparable. With Bloch I could perceive that the linkage between research, teaching and education is inherent to History as science. This science works from the starting point of its scientific method, which forms and demands professionals who shall respond for what they produce in detail and, besides, for their capacity of analysis of knowledge and historiographies produced by others. The analysis revealed that the PPP does not states clearly which notion of science it is working with, nor assumes a clear theoretical, methodological position, and tends to present a hybrid theoretic perspective that can affect the scientific specificities of this science. Keywords: Science. History. Knowledge production. Pedagogical-political project. History Teaching.

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LISTA DE ABREVIATURAS

ANPUH – Associação Nacional de História

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CNE – Conselho Nacional de Educação

INEP – Associação Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

PPP – Projeto Político-Pedagógico

PUC-MG – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

MEC – Ministério da Educação

UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais

UFU – Universidade Federal de Uberlândia

UNESC – Universidade do Extremo Sul Catarinense

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SUMÁRIO

1 A PROBLEMATIZAÇÃO .......................................................................................10

1.1 Configuração do problema ..................................................................................10

1.2 Relações entre problemas pedagógicos e epistemológicos................................18

1.3 A processualidade científica da História e a formação de professores de História

..................................................................................................................................25

1.4 O Projeto Político Pedagógico (PPP) do curso de História da UNESC...............27

1.5 O caminho metodológico a título de sistematização ...........................................28

2 HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA EM MARC BLOCH: A QUESTÃO DO MÉTODO

..................................................................................................................................31

2.1 A História no campo epistemológico (séculos XIX e XX) ....................................31

2.1.1 O surgimento da Escola dos Annales: a primeira geração...............................35

2.2 A produção historiográfica de Marc Bloch...........................................................38

2.3 Ciência histórica e não um hobby .......................................................................41

2.4 Apologia da História: nada por declaração..........................................................43

2.5 O ensino e aprendizagem de História .................................................................46

2.6 O método científico e suas manifestações na formação do Historiador..............52

2.6.1 A legitimidade do esforço intelectual em História .............................................53

2.6.2 A atitude do historiador diante da história efetiva: a escolha do objeto............54

2.6.3 A estética da linguagem científica em História .................................................56

2.6.4 A noção de temporalidade e a “tomada de consciência”..................................57

2.7 O método crítico para a História: o valor da análise dos testemunhos para a

educação...................................................................................................................61

3 A CIENTIFICIDADE NO PPP DO CURSO DE HISTÓRIA DA UNESC.................71

3.1 O curso de História da UNESC e o surgimento do PPP .....................................71

3.2 A manifestação da “cientificidade” na elaboração do PPP..................................74

3.3 A concepção de História e a relação com o método ...........................................78

3.4 A concepção de Educação e a relação com o método em História ....................82

REFERÊNCIAS.........................................................................................................97

ANEXO ...................................................................................................................101

ANEXO A – PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DO CURSO DE HISTÓRIA...102

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1 A PROBLEMATIZAÇÃO

Este capítulo introdutório trata do itinerário percorrido nesta pesquisa,

com o objetivo de se conceber e apresentar uma problemática, com um tema,

referenciais teóricos, caminhos metodológicos, objetivos e hipóteses em relação ao

problema.

1.1 Configuração do problema

A temática sobre a cientificidade da História em processos pedagógicos,

da presente pesquisa, surge de interrogações minhas durante um período no curso

de graduação em História, diante do amplo e complexo debate sobre qual melhor

corrente teórico-metodológica seguir ao se fazer pesquisa para elaboração de um

TCC (Trabalho de Conclusão de Curso). A pergunta mais recorrente dirigia-se à

problemática da cientificidade nos processos de produção de conhecimento na área.

Por isso mesmo, esta pesquisa parte de um incômodo pessoal. Ou seja, quando um

indivíduo faz um curso de graduação em História, seja licenciatura ou bacharelado,

no Brasil em pleno século XXI, aprende o que é ciência historiográfica? E de que

tipo de ciência está-se tratando? Isto tanto no que concerne aos processos de

produção de ciência historiográfica, como naqueles momentos do seu ensino? De

fato, o ensino é apenas a conseqüência articulada de uma ciência? Que cientista é

formado, ao se terminar o curso de bacharelado e licenciatura em História?

O curso, na sua efetividade, não ofereceu todas as respostas a respeito

das primeiras inquietações, que num primeiro momento parecem ser fáceis de

responder, caso seja apenas no nível da opinião. Claro, algumas explicações podem

ser arroladas: um período breve de curso, a falta de recursos teórico-metodológicos

e bibliográficos, além da constatação de que a pergunta sobre a cientificidade da

História já vem sendo feita há algum tempo, embora não acompanhe a História

desde sempre, e ainda não foi resolvida. Trata-se de um debate atual e pertinente.

Na realidade, o debate em torno da natureza científica da História se arrasta desde o

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século XIX (GLENISSON, 1983, p. 16). É um debate até certo ponto recente, mas

muito amplo.

Esta pesquisa não vem trazer mais uma resposta sobre a pergunta: É a

História uma ciência? Trata-se de outras questões: Que ciência, que saber, ou

melhor, que História é manifestada num curso de graduação em História e que

historiador (professor) tal curso se objetiva a formar? E, mais especificamente,

interrogar e identificar, pela presença ou ausência, que método ou métodos

científicos são acessados num programa de formação de professores em

História e como, se for o caso, determinado método se manifesta. Afinal, não se

trata de defender a cientificidade da História por uma declaração institucional e tão

pouco de analisar os fatores sociais, econômicos e políticos que também configuram

uma realidade na educação superior. Trata-se de analisar, num campo específico, a

processualidade da História, tanto na sua produção de conhecimento quanto

imbricadamente na formação docente. O campo de análise é um curso de

graduação em História conforme se apresenta no Projeto-político-pedagógico. Esta

pesquisa visa a analisar o PPP do curso de História da UNESC.

Muitas pesquisas no Brasil têm se dedicado ao estudo da formação de

professores na área de História. Convém aqui citar e destacar a professora Dra.

Selva Guimarães Fonseca, que tem se dedicado à área de ensino de História. Em

sua obra Os caminhos da História Ensinada, a autora explora as linhas de política

educacional no Brasil entre as décadas de 1970 e 1990 no que se refere à prática do

ensino de História. Além disso, a autora dá atenção à pesquisa histórica em relação

ao ensino dessa disciplina, que tem sido negligenciada em muitos centros de pós-

graduação e publicações especializadas. Para a autora, segundo o apresentador do

livro, Marcos A. Silva, “[...] pesquisa e ensino de História são faces de um mesmo

saber” (FONSECA, 1993, p. 10). Declarando-se testemunha ocular, Fonseca

apresenta as questões que mais lhe incomodavam nesse processo. Por exemplo,

afirma ela que, no final da década de 1970, era perceptível uma lacuna entre a

História que se discutia e se produzia na academia e aquela destinada ao ensino

nas escolas de 1º e 2º graus. A autora se perguntava por que certos temas eram

privilégio de várias leituras e interpretações no espaço acadêmico e nem sequer

eram mencionados nos currículos e livros didáticos de 1º e 2º graus. Quando

mencionados, apenas uma versão, uma linha interpretativa era tida como

verdadeiramente histórica (FONSECA,1993, p. 11).

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A autora também discute sobre os processos de produção e difusão do

conhecimento histórico e as relações entre os diferentes espaços do saber e a lógica

subjacente a essas relações. Em suma, Selva Guimarães Fonseca, na obra citada,

segue a linha investigativa que procura saber sobre o significado do ensino de

História e das mudanças nele anunciadas no interior das lutas políticas e culturais

dos diferentes setores sociais em determinados momentos históricos. A autora se

propõe a pensar sobre como essas mudanças se constituíram nas duas últimas

décadas da história brasileira do século XX: a formação de professores, o lugar

ocupado pela disciplina no currículo escolar, a definição do conteúdo de História a

ser ensinado, como essas questões se projetaram ao longo da década de 1960 e se

concretizaram nas de 1970 e de 1980. No capítulo IV, último capítulo de sua obra,

“Longe da escola, na escola: vozes da universidade e da indústria cultural”, a autora

escreve:

As mudanças ocorridas no ensino de História nas décadas de 70 e 80 situam-se no movimento historiográfico vivido no Brasil, nas modificações ocorridas no debate acadêmico, no mercado editorial, na pós-graduação, enfim, na produção da História. (FONSECA, 1993, p. 111).

Selva G. Fonseca diz que a expansão do ensino superior nesse período

tem como fundamento uma concepção de ensino, especialmente de ensino superior,

como capital, fator de desenvolvimento econômico, cujo crescimento é significado de

democratização e de progresso (FONSECA, 1993, p. 113). A autora cita uma crítica

de Marilena Chauí com relação a esse processo:

Sobre o silêncio e o medo, entre 1969 e 1984, ergue-se a universidade modernizada, onde se fará dos conselhos departamentais e interdepartamentais, das congregações, das comissões dos Conselhos Universitário, da administração, uma intrincada rede de poder burocrático fortemente centralizado, em nome da “eficiência, modernização, flexibilidade administrativa e formação de recursos humanos de alto nível” para o desenvolvimento do país, graças a um repertório de soluções realistas e de medidas operacionais que permitem racionalizar a organização das atividades universitárias, conferindo-lhes maior eficiência e produtividade. (CHAUÍ, 1988, apud FONSECA, 1993, p. 113).

A crítica analítica da autora pode ser resumida no que ela diz sobre a

organização empresarial em que a universidade brasileira nas décadas de 1970 e

1980 se desenvolveu. A produção historiográfica nesse período surge num contexto

marcado, por um lado, pelo autoritarismo e pela perseguição ideológica da ditadura

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militar e, por outro, pelo movimento de organização da sociedade na luta pela

democracia e pelos direitos básicos de cidadania.

Em outro compêndio de sua autoria, Didática e Prática do Ensino de

História, Selva Guimarães Fonseca reúne experiências que compuseram seu

desenvolvimento como professora de História no ensino fundamental e médio, de

Didática e Metodologia de Ensino de História e como formadora de professores e

pesquisadores da área. No capítulo V da primeira parte do livro, “Como nos

tornamos professores de História: a formação inicial e continuada”, Fonseca traz

uma coletânea de reflexões, resultados de pesquisas sobre formação de professores

de História no Brasil. A autora é bem explícita nas problematizações:

Quais os paradigmas de formação têm norteado as práticas dos cursos superiores de História? O que propõe o texto/documento das Diretrizes curriculares Nacionais dos cursos Superiores de História, aprovadas em 2001, produto das novas políticas educacionais do MEC, para formação inicial de professores? Como se articulam as questões da formação inicial/universitária, a construção dos saberes docentes e as práticas pedagógicas no ensino de história? (FONSECA, 2003, p. 59).

A autora levanta a problemática do distanciamento entre a história

ensinada nas escolas e nas universidades. Segundo suas pesquisas, no recorte

entre as três últimas décadas do século XX, houve nas universidades uma

diversificação de abordagens, problemas e fontes no que concerne à formação do

profissional de História. Mas em relação às escolas, estas eram apenas lugares de

transmissão, e o livro didático a principal, quando não a única fonte historiográfica

utilizada por professores e alunos (FONSECA, 2003, p. 61). Para a autora, essa

realidade foi resultado do modelo inicial de formação de professores de História e

Geografia seguido nos cursos de licenciatura curta em Estudos Sociais instalados no

Brasil durante a ditadura militar. A autora escreve que se tratou “de um projeto de

desqualificação estratégica, articulado a diversos mecanismos de controle e

manipulação ideológica que vigoraram no Brasil no período do regime militar (...)”

(FONSECA, 2003, p. 61). Isso gerou a dicotomia entre as licenciaturas curtas e

plenas e o bacharelado. Uns orientavam suas carreiras para a pesquisa, enquanto

outros ocupavam o mercado educacional, gerando mais distanciamento entre a

formação universitária e educação escolar básica. Isso provocou debates entre os

profissionais da área em defesa de um outro processo de formação, criticando a

“formação livresca, distanciada da realidade educacional brasileira, à dicotomia

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bacharelado/licenciatura, visando uma formação que visasse o professor de história

produtor de saberes, capaz de assumir o ensino como descoberta, reflexão e

produção” (FONSECA, 2003, p. 62), ou seja, a formação do professor/pesquisador.

Para a professora Selva G. Fonseca, os reflexos desse contexto ainda

ecoam nos dias atuais, sobretudo pela perplexidade dos recém-formados diante da

complexidade da educação escolar, resultado também de “uma concepção de

formação docente, consagrada na literatura da área como modelo da racionalidade

técnica e científica ou aplicacionista” (FONSECA, 2003, p. 62). Chamado pela autora

de “três + um”, esse modelo marca profundamente a organização dos programas de

formação de professores de História, em que os alunos cursam as disciplinas que

transmitem os conhecimentos de História em três anos e depois cursam em um ano

as disciplinas obrigatórias da área da pedagogia, aplicando os conhecimentos na

prática de ensino, também obrigatória.1 Mesmo sendo um modelo bastante

questionado, segundo a pesquisadora, ele ainda é norteador nos cursos de

formação de professores de História no Brasil. Segundo Fonseca, a crítica a esse

modelo foi muito debatida nos anos 1990 e se dava a partir de contribuições de

pesquisadores como Donald Schon, Zeichner, Gauthier, Tardif, Nóvoa, Alarcão,

entre outros. Para a autora, esse modelo disciplinar e aplicacionista é inadequado e

historicamente “cumpre funções ideológicas, epistemológicas e institucionais

precisas na organização e manutenção do status quo” (FONSECA, 2003, p. 63).

Para a autora, não basta ao professor apenas saber alguma coisa se ele não sabe

ensinar e construir condições concretas no seu exercício.

Fica claro, pelo exposto, que essas obras de Selva Guimarães Fonseca

têm muita importância para se ter acesso ao estado da arte do ensino de História no

Brasil e para apreender algumas relações sobre a importância da qualificação

constante do ensino de História, contemplando a formação de professores em

História, configurações de cursos e o ensino-aprendizagem propriamente ditos. No

entanto, não há correlação explícita em forma de análise entre métodos-científicos,

teorias, ensino e formação docente. Sua análise contempla aspectos sociais,

políticos, econômicos e culturais, mas não se direciona, de forma mais detida, às

questões essencialmente epistemológicas, embora as cite em alguns momentos e

explicite a importância dessas questões.

1 A autora enfatiza a palavra obrigatória, para mostrar as opiniões que alegavam desnecessárias as disciplinas pedagógicas.

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Na tentativa de circunscrever o espectro desse debate, buscou-se contato

com os trabalhos, dissertações e teses que tratam da formação de professores em

História, sobretudo no banco de dados da CAPES. Nesse cenário, é possível

perceber que a temática sobre a formação de professores em História está quase

sempre voltada para as questões factuais na política, nas configurações de grades

curriculares e nas contextualizações socioculturais, em grande medida pautadas por

recortes temporais. A pesquisa Formação de professores de História: experiências,

olhares e possibilidades (Minas Gerais, anos 80 e 90) do ano de 2000, da autora Ilka

Miglio de Mesquita, sob orientação da professora Selva Guimarães Fonseca, traz,

por exemplo, uma reflexão sobre o papel da universidade na formação inicial e na

construção da prática docente em três Universidades selecionadas: PUC-MG

(Pontíficia Universidade Católica de Minas Gerais), a UFMG (Universidade Federal

de Minas Gerais) e a UFU (Universidade Federal de Uberlândia). Sua conclusão, a

partir do caminho metodológico escolhido, a história oral, aponta que formar o

professor de história está além de propostas curriculares e que: “(...) formar

professor de história significa proporcionar ao profissional as condições reais para

produzir conhecimentos históricos, para dialogar com fontes e saberes construídos e

transgredir práticas pedagógicas, materiais didáticos e guias curriculares que

aprisionam o debate, o conhecimento e a reflexão sobre a própria experiência”

(MESQUITA, 2000, p. 152).

O trabalho O Ensino Superior de História na Paraíba (1952/1974):

aspectos acadêmicos e Institucionais, de Francisco Chaves Bezerra, objetiva

apresentar e analisar os aspectos organizacionais dos cursos de História na

Paraíba, os motivadores políticos, além de analisar as presenças e ausências do

trabalho de pesquisa entre esses profissionais. Também o trabalho de mestrado de

Alix Pinheiro Seixas de Oliveira, As políticas educacionais e a formação do

profissional de História (1996-2002) de 2005, investiga a relação entre as políticas

educacionais pautadas nas Diretrizes Curriculares (CNE/CES) e na Avaliação (INEP)

desenvolvidas entre 1996 e 2002, e a concepção docente da formação do

profissional de História, tendo como ponto de partida a centralidade do modelo de

competências na legislação. Nessas duas pesquisas, a ênfase é dada às práticas

políticas e seus resultados de influência na formação de professores de História, em

realidades específicas.

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Outros trabalhos, que também não se distanciam da ênfase nas práticas

políticas e governamentais, apresentam elementos contextuais ligados à política

econômica e às realidades socioculturais. O trabalho de mestrado de Carmen

Rangel da Silva, A formação do professor de História em tempos neoliberais e pós-

modernos, de 1996, é um exemplo característico. Convém frisar que a autora

também apresenta a evolução teórica que discute a educação e a História em

função dos seus paradigmas, transferidos aos estudantes na academia.

Outras pesquisas buscaram percorrer caminhos em suas análises que

levam em conta perspectivas de cunho mais teórico-metodológico, tendo como foco

a formação teórica dos professores em graduação, produção do conhecimento

historiográfico, as representações de professores, cursos específicos e etc. Alguns

trabalhos justificam tais ênfases, como a pesquisa de João Gilberto da Silva

Carvalho Construindo o saber histórico em sala de aula: representações de

professores de história (2002), em que o autor analisa a identidade do professor de

História em termos de valores e crenças. A tese de doutorado de Flavia Eloisa

Caimi, Processos de conceituação da ação docente em contextos de sentido a partir

da Licenciatura em História (2006), aborda questões ligadas à cognição do

professor, ressaltando na análise seus percursos de aprendizagens e

desenvolvimentos profissionais. Trata-se de uma pesquisa-intervenção. O trabalho

de mestrado de Daniel Florence Giesbrecht, A formação do professor de História

frente aos paradigmas do conhecimento: o curso de história no centro do debate,

pesquisa de 2005, analisa o processo de formação de professores de História

perante o que ele chama de principais paradigmas que envolvem a produção do

conhecimento histórico e a educação, como positivismo, marxismo e os Annales.

Seu campo de estudo foi o curso de História da PUC de Campinas (SP). O autor fez

entrevistas com docentes e analisou o Projeto Pedagógico do curso, concluindo que

a despolitização da sociedade brasileira e o capitalismo e suas reações na

sociedade influenciam diretamente os cursos superiores.

Numa abordagem mais conceitual, Marco Aurélio do Santos, em Tempo

histórico e o ensino de história, dissertação de mestrado de 2006, traz reflexões

acerca de como as diversas concepções de tempo histórico influenciaram e

influenciam a historiografia e o seu ensino. Por sua vez, João Batista Vale Junior, na

sua dissertação de mestrado de 2000 intitulada: Currículo e prática docente:

formação teórica dos alunos do curso de Licenciatura Plena em História da

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Universidade Estadual do Piauí, traz uma reflexão analítica sobre os modelos que

nortearam e norteiam o ensino superior de História na Universidade Estadual do

Piauí, procurando avaliar a relação existente entre o currículo formal e a prática

docente e como essa relação influencia a formação teórica dos alunos. Um dos

resultados dessa pesquisa, que chama a atenção, é a adesão que os docentes e

alunos intermediários e do final do curso tiveram ao que o autor chama de modelo

teórico resultante do paradigma da escola dos Annales.

Outro pesquisador, Everaldo Paiva de Andrade, na sua tese de doutorado

de 2006, Um trem rumo às estrelas: a oficina de formação docente para o ensino de

história (O curso de História da FAFIC), também fazendo análises mais conceituais,

discute significados de formar, principalmente a partir do debate sobre como

configurar a Licenciatura e Bacharelado num curso de História, além de analisar

saberes e práticas que já estão consolidados no campo de análise desse autor.

De um modo geral, esses trabalhos e outros artigos a que se teve

contatos, alguns apresentados na ANPUH, têm como objeto a formação de

professores em História e diretamente o ensino de História. Além de fazerem a

análise da formação profissional, a grande maioria dos trabalhos consultados faz a

análise a partir das práticas docentes nas instituições de educação básica. Tais

pesquisas observadas serviram para que esta pesquisa se contextualizasse ao

debate e tivesse acesso ao estado da arte sobre o ensino superior de História no

Brasil, sem se tornar mera repetição.

Diante desse quadro, convém frisar que esta pesquisa parte de uma

questão de caráter mais epistemológico que social. Isso não ocorre de nenhum

modo a eventual descrédito que o autor desta pesquisa venha ter em relação a

explicações ou reflexões de cunho social. Trata-se, sim, de se entender que a

problemática do conhecimento e de sua produção em processos formativos requer,

além de interrogações e explicações sociais, análises de cunho epistemológico, ou

seja, interrogar sobre o modo de operar, na produção, na evolução, na formação e

na eventual superação de um determinado saber, como é o caso da História.

A busca de perceber que tipo de ciência prepondera e como ela opera

através do seu método, e principalmente perceber analiticamente a sua presença ou

ausência num determinado curso formativo, nasce do acesso ao pensamento de

Gaston Bachelard (1884-1962) no que concerne à relação da pedagogia com a

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epistemologia. É do pensamento de Bachelard que se justifica o porquê e o caráter

desse questionamento.

1.2 Relações entre problemas pedagógicos e epistemológicos

Emergem as questões colocadas devido ao contato não proposital, mas

de suma importância, com alguns conceitos do pensamento de Gaston Bachelard

(1884-1962) ligados à racionalidade científica, aproximação que se deu graças à

minha inserção no Programa de Pós-graduação em Educação da UNESC

(Universidade do Extremo Sul Catarinense) na linha de pesquisa Educação e

Produção do Conhecimento nos Processos Pedagógicos. A intencionalidade da

pesquisa não se limita a buscar apenas respostas, mas principalmente lançar

perguntas sobre a cientificidade e, no caso específico, a cientificidade da História,

isto é, ampliar a capacidade de análise e reflexão sobre essa questão e fazer a

análise em um ambiente acadêmico específico, com a consciência da

impossibilidade de avaliar vários e, muito menos, todos os cursos de graduação em

História no Brasil no espaço de tempo de realização do mestrado. Além disso, um

curso se apresenta de vários modos e em espaços diferentes. Por isso, em caráter

bem específico, contempla-se exclusivamente o PPP do curso de Licenciatura e

Bacharelado em História da UNESC, como expressão oficial do que o curso

representa ser.

É desse cenário que surge o interesse e a perspectiva de estabelecer

relações de questões sobre cientificidade, racionalidade científica e educação. Como

aponta o professor Ilton Benoni, abordando o pensamento de Bachelard:

(...), não se pode pensar o ensino de ciências senão de forma colada ao movimento de constituição da própria ciência: a construção da ciência é já uma construção pedagógica. Portanto, não se trata de uma postura pedagógica que antecede a ciência, tampouco que venha em decorrência dela. Trata-se, sim, de conceber a ciência como uma forma de racionalidade, uma postura relacional - do homem com o mundo e com os outros homens – essencialmente pedagógica, construtiva, realizante. (BENONI, 1999. p. 21).

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Assim, é perceptível e explícita a relevância educacional nessa temática

proposta quando se pergunta sobre o estatuto epistemológico de determinado saber.

Pensar sobre a cientificidade de algum saber é pensar educação. Por isso, as

questões centrais desta pesquisa buscam apoio inicial nos alertas e nas reflexões

sugeridas pelo pensamento de Bachelard.

Gaston Bachelard articula suas reflexões sobre a processualidade da

ciência e da educação. Cabe esclarecer que a intenção aqui não é discorrer

literalmente sobre o pensamento epistemológico de Bachelard, mas a partir dele e

de algumas de suas reflexões sobre: “o que é ciência?”, direcionar-se a um

referencial teórico no campo da própria História e que produza o debate sobre a

cientificidade da História no sentido de construir e localizar categorias e conceitos,

ou seja, ferramentas que permitam observar e analisar uma determinada realidade

acadêmica focalizando o seu Projeto Político-Pedagógico (PPP).

Com Bachelard foi possível perceber que o acontecer histórico da ciência

deve ser estudado numa perspectiva mais epistemológica do que historiográfica ou

social. Ou seja, pesquisar e estudar História das ciências, para esse pensador, não

é fazer historiografia nenhuma, mas é fazer perguntas e reflexões epistemológicas,

justamente porque fazer ciência, dentre tantas perspectivas, é produzir

conhecimento. Bachelard escreve algo que ajuda a entender isso de modo mais

elucidativo:

Percebe-se assim a diferença entre o ofício de epistemólogo e o de historiador da ciência. O historiador deve tomar as idéias como se fossem fatos. O epistemólogo deve tomar os fatos como se fossem idéias, inserindo-as num sistema de pensamento. Um fato mal interpretado por uma época permanece, para o historiador, um fato. Para o epistemólogo, é um obstáculo, um contra-pensamento. (BACHELARD, 1996, p. 22).

A epistemologia bachelardiana contempla a processualidade do

conhecimento em produção, e não quem o produz nem somente o próprio

conhecimento em si, isto é, como produto acabado. Bachelard ao afirmar (1996, p.

293): “(...) indicamos rapidamente de que modo, a nosso ver, o espírito científico

vence os diversos obstáculos epistemológicos e se constitui como conjunto de erros

retificados”, revela que suas indagações se dão em torno da ciência e de como ela

se processa agindo diretamente na formação do espírito científico. É a partir dessa

dinâmica epistemológica que Bachelard apresenta algumas dificuldades, alguns

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apontamentos críticos e também instrutivos na formação de um indivíduo que possa

compreender a dinâmica da ciência e seus aspectos de formação.

Ao analisar a ciência e algumas tentativas de se fazer ciência, Bachelard

o faz historicamente, mas não como historiador, antes como epistemólogo, sem se

preocupar em tratar de narrativas factuais. Para ele esse é o direcionamento de

desenvolvimento de cientificidade que um espírito em formação científica deve

seguir. E é assim que a verdadeira ciência se processa na história humana, sem

marcos engessados, sem um apogeu final e sempre abordando e revolucionando as

conquistas científicas do passado a partir de crítica e superação, e não na idolatria,

do já alcançado. Percebe-se, aqui, uma visão histórica baseada na racionalidade,

que nunca se fecha, e sempre deve mudar, retificando e superando o já instituído

como saber verdadeiro.

Bachelard (1996, p. 11) afirma que o desenvolvimento individual de um

espírito científico passa por três estágios muito mais precisos do que os propostos

por Comte: “a) o estado concreto, em que o espírito se entretém com as primeiras

imagens do fenômeno [...]; b) o estado concreto-abstrato, em que o espírito

acrescenta à experiência física esquemas geométricos e se apóia numa filosofia da

simplicidade; c) o estado abstrato, em que o espírito adota informações

voluntariamente subtraídas à intuição do espaço real, [...] desligadas da experiência

imediata e até em polêmica declarada com a realidade primeira, sempre impura,

sempre informe”. Esses três estágios são marcos que possibilitam a história, a

transformação, o desenvolvimento histórico da ciência e do cientista, ou seja, uma

história que revela uma dinâmica inerente à própria ciência. Em outras palavras,

toda cientificidade implica uma historicidade.

Para Gaston Bachelard, a história da ciência e a formação do espírito

científico não são um emaranhado acumulado de “grandes descobertas” sobre o

real. Aliás, sua ênfase na história da ciência não está baseada nas grandes

descobertas, mas nos grandes questionamentos, nas grandes problematizações,

nas perguntas mais bem elaboradas, nas grandes revoluções científicas que

alcançaram resultados muito mais amplos, criando novas concepções de mundo.

Para as concepções epistemológicas de Bachelard, as perguntas mais bem

elaboradas são as personagens principais nas narrativas histórico-científicas,

quando essas tiram toda a base de verdade do conhecimento já acumulado. A

conquista científica, para Bachelard, é sempre temporária, sempre passível de

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crítica, sempre destinada a se tornar obsoleta. Por isso, a importância da paciência

sobre uma pesquisa desinteressada, que deve ser um dos pré-requisitos básicos de

um pesquisador. É assim que um educador deve ensinar aos seus alunos, ou seja,

gerar interesse de pesquisa com vistas a transcender o interesse comum, banal, o

interesse das primeiras observações.

No entanto, na formação de um indivíduo para ciência, a visão

predominante de sua época, Bachelard identifica e propõe superar a aprendizagem

pelo exato, em que se acentuam exatamente as “consideradas grandes

descobertas”, aliadas à própria experiência pessoal e empírica desse espírito. O fato

se torna grande por causa de quem conta. E é nessa dinâmica de formação que o

indivíduo esbarra em obstáculos que impedem a sua evolução para o aprendizado e

produção de conhecimento. São os obstáculos epistemológicos e pedagógicos,

definidos por Bachelard (1996, p. 17):

(...) não se trata de considerar obstáculos externos, como a complexidade e a fugacidade dos fenômenos, nem de incriminar a fragilidade dos sentidos e do espírito humano: é no âmago do próprio ato de conhecer que aparecem, por uma espécie de imperativo funcional, lentidões e conflitos. É aí que mostraremos causas de estagnação e até regressão, detectaremos causas de inércia às quais daremos o nome de obstáculos epistemológicos.

E continua:

O conhecimento do real é luz que sempre projeta algumas sombras. Nunca é imediato e pleno. As revelações do real são recorrentes. O real nunca é “o que se poderia achar”, mas é sempre o que se deveria ter pensado. (...). Ao retomar um passado cheio de erros, encontra-se a verdade num autêntico arrependimento intelectual. No fundo, o ato de conhecer dá-se contra um conhecimento anterior, destruindo conhecimentos mal estabelecidos, superando o que, no próprio espírito, é obstáculo à espiritualização.

Um iniciante na ciência nunca é jovem, mas antes, velho em seus vícios,

que não são seus, mas da realidade cientificamente estagnada em que está

inserido, coloca Bachelard. Para Bachelard, deixar de ser estagnado é deixar de ser

repetitivo e ao mesmo tempo rejuvenescer, é conhecer, e o ato de conhecer é

colocar-se contra um conhecimento anterior. Um obstáculo epistemológico se

incrusta no conhecimento não questionado. Por isso a ciência sempre se coloca

contra a opinião e hábitos intelectuais outrora úteis que tendem a ser inúteis. O

educando é bem educado quando aprende que sempre deve mudar, pois esse deve

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ser seu mais importante conteúdo, ter necessidade de necessidades, para não

correr o risco de ter uma cabeça bem feita, fechada. Ou seja, um espírito científico,

consciente, sabe que se deve conhecer para melhor perguntar, questionar.

Os obstáculos epistemológicos são identificados com mais propriedade

quando se estuda o curso histórico do pensamento científico e a prática educacional.

Contudo, o epistemólogo deve analisar as fontes que outrora um historiador pudesse

escolher, e analisá-las a partir da razão mais desenvolvida, mais atual, pois é na

construção de racionalidades que esse epistemólogo deve se direcionar e não em

meros resultados.

Na atitude objetiva de se vencer esses obstáculos, como a experiência

primeira, o conhecimento geral, o uso e abuso de imagens usuais, o conhecimento

unitário e pragmático, obstáculos do conhecimento quantitativo e tantos outros que o

autor identifica, o espírito científico se constitui como um conjunto de erros

retificados, que nada mais é do que o processo de superação desses obstáculos.

Educadores devem levar em conta que, em relação direta com esses obstáculos,

está uma cultura que já existe entre os educandos, enraizada na vida cotidiana. Não

basta passar o conteúdo de uma vez para aquisição, mas antes superar o que já foi

passado pela vida comum.

Diante de tudo isso, Bachelard afirma que o espírito científico se funda na

negação do que está dado como pronto, preocupando-se não com o fenômeno em

si, mas com o porquê do fenômeno. Por isso, na atitude objetiva, existe a

necessidade de um abstrair-se de muitas coisas, como do conhecimento pronto e do

conhecimento sensível. Nessa dinâmica, as questões e perguntas científicas

ganham mais valor do que as respostas. Ou seja, a ciência progride historicamente

não pelo que acumula factualmente, mas pelo que é capaz de questionar, com

estudos que não jogam no lixo o conhecimento adquirido, mas também não trata

esses conhecimentos como dogmas divinos. Por isso também a idéia de fracasso se

faz notória para Bachelard, pois sem a noção de fracasso “o erro é maior ainda”

(BACHELARD, 1996, p. 295). E é a partir dessa consciência dos erros que existe a

possibilidade de deixar os estímulos primeiros em relação ao objeto e submeter-se

ao crivo de uma comunidade científica. Sempre será pelo olhar do outro que o aval

será dado ao espírito científico no labor científico.

As crises ganham uma supervalorização para Bachelard, pois é a partir

delas que é possível atingir grandes revoluções científicas, como a teoria da

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relatividade de Einstein, por exemplo. Assim, transcende-se o que já está dado e

supera-se seja um método, um dado ou mesmo o que é dito como verdade. Tal

revolução será tão impactante que atingirá todas as realidades científicas, colocando

em ‘xeque’ verdades anteriormente colocadas e utilizadas. As mudanças são de

base, e não apenas em vãs descobertas. Aliás, para esse pensador, não é a

descoberta que deve ser valorizada na ciência, mas o rompimento com o que a

gerou.

A socialização, ou seja, a educação da ciência se dá, para Bachelard,

quando esta se torna fácil para o ensino. Assim, não é o conteúdo fácil, mas uma

ciência de fato, fácil de ser ensinada pela sua dinâmica racional revolucionária. E

isso é inerente à própria ação dinâmica da ciência, que não se fecha em conteúdos

somente, mas se abre para novas perspectivas dinâmicas. Por isso, aquele que

realmente aprende ciência deve saber ensiná-la. Para Bachelard, a Escola deve ser

fundada a partir da produção do conhecimento científico, deve ser fundada pela

ciência, e não o contrário. Ele escreve:

Na obra da ciência só se pode amar o que se destrói, pode-se continuar o passado negando-o, pode-se venerar o mestre contradizendo-o. Aí, sim, a Escola prossegue ao longo da vida. Uma cultura presa ao momento escolar é a negação da cultura científica. Só há ciência se a Escola for permanente. É essa escola que a ciência deve fundar. Então os interesses sociais estarão definidamente invertidos: a Sociedade será feita para a Escola e não a Escola para a Sociedade. (BACHELARD, 1996, p. 310).

Assim, em outras palavras, só há História da ciência quando esta

progride, mas sua progressão é por conquistas, conquistas que não são resultados

de afirmação, antes resultados de negação. Por isso mesmo, imbricado a esse

pensamento, nos processos científicos haverá sempre um compromisso com uma

pedagogia crítica, em que a razão sempre critica, a começar por ela mesma e sua

tradição e não apenas contra a religião, contra uma ordem tradicionalista

estabelecida, escreve Georges Canguilhem no prefácio da obra El Compromisso

racionalista (BACHELARD, 1973, p. 9).

Numa conferência proferida em 20 de outubro de 1951 no Palais de La

Découverte e depois publicada no livro L’Enagement Rationaliste (1972), Bachelard

intitulou sua palestra de: A atualidade da história das ciências, onde tratou de expor

para que serve estudar história das ciências, ou melhor, “sob que forma a história

das ciências pode ter uma acção positiva sobre o pensamento científico”, em sua

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contemporaneidade (CARRILHO, 1991, p. 71-72). Ele afirma que a história das

ciências não é inteiramente uma história como as outras. Os historiadores das

ciências devem ater-se aos processos científicos, e não procurar explicações

contextuais e institucionais na política, economia e etc. “A temporalidade da ciência

é um crescimento do número das verdades, um aprofundamento da coerência das

verdades. A história das ciências é a narrativa deste crescimento, deste

aprofundamento” (CARRILHO, 1991, p. 72). Nisso deduz-se que a história das

ciências, para esse autor, deve ser sempre descrita como a história de um progresso

do conhecimento, evolução dos conceitos, isto é, a história das suas retificações.

Nessa história, nas análises do conhecimento, o epistemólogo, em

completa oposição às prescrições que são recomendadas tradicionalmente ao

historiador para que não julgue, julga, apresenta juízos de valor justamente por que:

(...) a história das ciências é essencialmente uma história julgada, julgada no pormenor da sua trama, com um sentido que deve ser permanentemente afinado por valores de verdade. A história das ciências não pode ser somente uma história de registros. As actas das academias contêm naturalmente numerosos documentos para a história das ciências. Mas estas actas não constituem verdadeiramente uma história das ciências. É preciso que o historiador das ciências trace, a partir delas, linhas de progresso. (CARRILHO, 1991, p. 75).

E mais:

(...) se o historiador de uma ciência deve ser juiz dos valores de verdade referentes a essa ciência, onde ele deverá aprender a sua profissão? A resposta não oferece dúvidas: o historiador das ciências deve, para julgar bem o passado, conhecer o presente; deve aprender melhor que puder a ciência cuja história se propõe a fazer. E é nisto que o historiador das ciências tem, quer se queira quer não, uma forte ligação com a actualidade da ciência. (...). O historiador das ciências, na própria medida em que for instruído na modernidade da ciência, aprenderá nuances cada vez mais numerosas e cada vez mais finas, na historicidade da ciência. A consciência de modernidade e a consciência de historicidade são aqui rigorosamente proporcionais. (CARRILHO, 1991, p. 76).

O pensamento de Bachelard auxilia na reflexão sobre a ciência, sobre a

formação científica a partir da própria operacionalidade da ciência. Se uma ciência

tem uma pedagogia, essa pedagogia intrínseca produz efeitos e exigências ao seu

ensino numa instituição escolar. Faz-se, aqui, desse alerta o centro da questão

principal desta pesquisa: que repercussões para o ensino de História, na formação

de professores de História, uma concepção dominante de determinada linha

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científica sugere? Ou em outras palavras, o que é inegociável cientificamente

falando e se faz necessário na formação de professores de História? Aqui com

essas questões a temática da reflexão levantada é colocada deste modo: A História

como ciência e suas decorrências pedagógicas. Mas isso será visto com mais

objetividade ao longo da pesquisa. Dessa reflexão bachelardiana, porém, decide-se

pensar num curso que institucionalmente apresente uma proposta de ensino

articulando formação de professores com pesquisa e produção de conhecimento.

Em outras palavras, um curso que condense Licenciatura e Bacharelado. Por isso a

escolha do curso de História da UNESC.

O que convém agora também diante dessas reflexões sobre o

racionalismo aberto de Bachelard é partir para o outro momento, ou seja, a busca de

um referencial do campo da História que pense a História em seus processos

científicos de produção e formação. Tal pensador abordado é Marc Bloch.

É com ele que essas questões serão pensadas e será feita a análise num

curso específico de Licenciatura e Bacharelado, curso de História obviamente, pois

esse foi o campo escolhido. Desse curso, a análise dirigir-se-á à manifestação

institucional e documental principal do curso, no caso específico o seu Projeto-

político-pedagógico.

Por isso, é preciso definir uma metodologia e, conseqüentemente, os

instrumentos de análise, e justificar o porquê escolher Marc Bloch como referência

teórica fundamental.

1.3 A processualidade científica da História e a formação de professores de

História

Diante da exposição de alguns conceitos do pensamento de Bachelard

em relação à ciência, racionalidade, educação e história, esta pesquisa foi

direcionada a buscar apoio teórico no pensamento de outro autor francês: Marc

Bloch (1886-1944).

Marc Bloch foi um pensador, historiador que lidou com o universo

epistemológico do campo da História e, imbricadamente, com a educação histórica.

Ele foi um dos inauguradores da Escola dos Annales em 1929, na França, ao co-

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fundar a revista Annales d’Historie Économique et Sociale. Esse historiador

inaugurou uma escola, no sentido profundo do termo. Marc Bloch também foi vítima

da Klaus Barbie, ao ser fuzilado em 16 de junho de 1944, em plena 2ª Guerra

Mundial (BLOCH, 2001, p. 11).

A Escola dos Annales (século XX) influenciou e influencia historiadores no

mundo inteiro, como também no Brasil. Essa escola nascida na França a partir de

1929 se estabelece como pensamento crítico em claro confronto ao pensamento

historiográfico tradicional. Começa a ser delineada pelos pensamentos de Marc

Bloch e Lucien Febvre. A denominação Escola dos Annales é oriunda da publicação

do periódico citado acima, revista que trazia reorientações aos estudos

historiográficos. Sobre as Escola do Annales haverá uma apresentação geral no

segundo capítulo, abordando a fase da qual Marc Bloch foi membro-fundador. É

desse arcabouço teórico sistematizado nesta pesquisa que serão lançadas as

perguntas sobre a cientificidade da História e suas manifestações pedagógicas num

curso de graduação em História e como o próprio curso lida com isso.

Dito de outro modo, é especificamente com base nos textos de Marc

Bloch, sobretudo em sua obra Apologia da História ou O Ofício do Historiador, em

que ele escreve, em tom apologético, sobre o universo do historiador como cientista

e da historiografia como ciência, que as análises serão elaboradas e executadas. Tal

tarefa é desafiante, tamanha a complexidade do pensamento de Bloch. Outras obras

do autor a que se teve acesso também foram consultadas. Uma das obras é a

coletânea de textos de Marc Bloch organizada por sua filha Étienne Bloch intitulada

História e Historiadores (1995). Esses textos ponderam e tratam sobre o que é e o

que deve ser a História e o trabalho do historiador, além de tratar explicitamente

sobre o ensino de História.

Diante dos receios, o que mais incomoda, quando se usa uma referência

teórica, é o cuidado para não cair num mero hibridismo ou num ecletismo sem nexo

e o cuidado para não cometer anacronismos, isso sem falar no perigo de dizer o que

o referencial não diz. Por isso, uma leitura no intuito de perceber e localizar as bases

de um pensamento é muito mais importante do que uma simples exposição, e nesta

pesquisa isso se faz necessário.

Outros textos serão utilizados, como um dos mais recentes em português

A história nova (2001), coletânea de Jacques Le Goff, que é uma nova versão da

obra de 1978 intitulada La Nouvelle Histoire, em que esse autor organiza,

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juntamente com textos de sua autoria, uma abordagem sobre o que é a Escola dos

Annales como campo científico, também em tom apologético e crítico. Entretanto, o

fundamento referencial para esta pesquisa, partindo do pressuposto da questão

bachelardiana sobre o que é ciência e suas imbricações para os processos

escolares, é a obra Apologia da História ou O Ofício do Historiador edição em

português de 2001, além das outras obras de Marc Bloch a que se teve acesso.

Bachelard define e defende em suas perspectivas o que é ciência. Bloch defende a

História como uma ciência. Coincidentemente, ambos, contemporâneos, mesmo um

sendo epistemólogo e o outro historiador, lançavam argumentos contra os

pressupostos positivistas. Com isso, em hipótese nenhuma está-se afirmando que o

pensamento de ambos coincide, mas num primeiro momento pode-se

hipoteticamente colocar que existam intersecções.

É com Bachelard que chegamos a Bloch, mas é com Bloch que as

perguntas serão feitas, perguntas de base e não perguntas por resultados,

perguntas de natureza científica e ao mesmo tempo de natureza educacional. Por

isso mesmo não bastam perguntas, é preciso direcioná-las ao campo específico. É,

portanto, para o Projeto Político-Pedagógico do curso de História da UNESC que as

perguntas serão lançadas e a análise será focada.

1.4 O Projeto Político Pedagógico (PPP) do curso de História da UNESC

A problemática que esta pesquisa levanta focaliza-se em identificar que

História pode ser manifestada num Projeto Político-Pedagógico (PPP) de

determinado curso de graduação de História que visa ao mesmo tempo formar

professores de História e pesquisadores (cientistas). Embora cada curso de

graduação em História no Brasil tenha suas peculiaridades próprias, todos fazem

parte de um mesmo contexto, ou seja, seguem as mesmas orientações do Ministério

da Educação e do Conselho Nacional de Educação.2

O PPP investigado é do ano de 2002, elaborado pelo curso de

Licenciatura e Bacharelado em História da Universidade do Extremo Sul Catarinense

2 BRASIL. Ministério da Educação e Cultura (MEC). Diretrizes Curriculares dos Cursos de História. Brasília, 2001.

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(UNESC), localizada em Criciúma (SC). Essa escolha se justifica por duas razões: a

primeira, pela proximidade que o autor desta pesquisa teve e tem com o curso; a

segunda, porque esse curso, a exemplo de alguns outros, condensa a formação em

Licenciatura e Bacharelado. Como bem é explicitado no referido PPP e em seus

objetivos:

Os novos objetivos do Curso, bem como as habilidades e competências dos formandos/as evidenciam claramente uma visão de história preocupada com questões sociais e ambientais. A inclusão do bacharelado fortaleceu a nossa preocupação em instituir uma cultura de pesquisa. Ao optarmos pela formação do professor/a-historiador/a, nos propomos a desenvolver habilidades e competências para que o futuro profissional domine a arte de ensinar e pesquisar na perspectiva do conhecimento histórico. (Projeto político e pedagógico do curso de História da UNESC, 2002, p. 3).

Diante da proposta do próprio curso, esta pesquisa traz perguntas, com o

auxílio do pensamento de Marc Bloch, a respeito desse PPP no que se refere ao

conceito de História e à concepção de historiador que nele se manifesta. Ou seja, a

questão não é saber onde e como o curso forma cientistas, mas que cientistas e,

principalmente, com que ciência historiográfica ou conhecimento historiográfico esse

curso objetiva formar. Assim, a análise contempla o que é manifestado no PPP, seja

por presença ou ausência, considerando esse documento como uma das principais

expressões da dinâmica do curso. Não é visado, pelo menos nesta pesquisa e num

primeiro momento, analisar a formação dos acadêmicos em suas praticidades ou

nas dinâmicas de ensino e aprendizagem em suas relações com os professores.

Todavia, admite-se que esse campo também é um bom lugar para se direcionar

essas perguntas, pois entre o que é manifesto e o que é efetivo existe um

considerável distanciamento ou pelo menos peculiaridades próprias de cada campo.

1.5 O caminho metodológico a título de sistematização

Esta análise, por se tratar de um trabalho de cunho científico, deve ater-

se a um método e antes a um pressuposto teórico. Trata-se de uma pesquisa

qualitativa, um estudo de caso histórico-organizacional, um trabalho de cunho

interpretativo e analítico, sem intenção alguma de intervenção (TRIVIÑOS, 1987, p.

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134). Escreve Triviños (1987, p. 134), em relação aos estudos de casos histórico-

organizacionais:

O interesse do pesquisador recai sobre a vida de uma instituição. A unidade pode ser uma escola, uma universidade, um clube, etc. O pesquisador deve partir do conhecimento que existe sobre a organização que deseja examinar. Que material pode ser manejado, que está disponível, ainda que represente dificuldades para seu estudo.

E continua, ao escrever sobre o método de análise de conteúdo:

Podemos dizer, também de forma geral, que recomendamos o emprego deste método porque, como diz Bardin, ele se presta para o “estudo das motivações, atitudes, valores, crenças, tendências” e, acrescentamos nós, para o desvendar das ideologias que podem existir nos dispositivos legais, princípios, diretrizes etc., que, à simples vista, não se apresentam com a devida clareza. Por outro lado, o método de análise de conteúdo, em alguns casos, pode servir de auxiliar de instrumento de pesquisa de maior profundidade e complexidade, como o é, por exemplo, o método dialético. (TRIVIÑOS, 1987, p. 159-160).

O caminho da fundamentação teórica, no que tange às intrincadas e

necessárias relações entre epistemologia e pedagogia, já foi exposto em sua

primeira parte, quando foram abordados aspectos do pensamento de Bachelard.

Com Bachelard também houve o alerta em relação ao campo para análise. A

continuação, que será o segundo capítulo, abrangerá os conceitos, categorias e

reflexões que Marc Bloch oferece em seus escritos e ponderações, sobretudo em

relação à cientificidade da História. É a partir dele que será definido de que ciência

Histórica está-se falando; qual o papel do historiador; o que é “História problema”; a

quem, por que e quando a História deve se contrapor; como a cientificidade da

História altera e se manifesta no ensino da História e na formação de professores.

Evidentemente, será necessário dar voz a outros historiadores, mesmo alguns que

se colocam contra o pensamento de Bloch, para que se tenha noção do que cada

conceito e categoria em Bloch significam. Os objetivos e buscas traçados neste

capítulo são de fundamental importância para a análise.

Já no terceiro capítulo, a partir dos conceitos e categorias de Marc Bloch,

as perguntas analíticas foram dirigidas ao PPP do curso de História da UNESC, ou

seja, é a análise propriamente dita. O objetivo deste capítulo III é caracterizar a

proposta do PPP em análise e identificar que ciência historiográfica é nele

manifestada. A partir disso, perceber como essa ciência se relaciona com a proposta

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pedagógica. A análise também se direcionará à justificativa do curso para a oferta de

habilitações em licenciatura e em bacharelado.

Nessa etapa da pesquisa, o objetivo é, portanto, localizar os pressupostos

de formação e ver se estes têm relações com pressupostos históricos e científicos. A

questão central é sobre que historiador o PPP manifesta formar no curso e que

dinâmica relacional é identificada na expressão “professor/pesquisador”.

Justificam-se tais objetivos não para propor uma melhora no curso

analisado ou uma nova elaboração do PPP do curso em análise, tampouco defender

a necessidade da presença do discurso blochiano no PPP do curso de História da

UNESC. Longe disso está a proposta da pesquisa.

Tanto no capítulo introdutório como nos capítulos II e III, as questões

pedagógicas estão presentes juntamente com as questões epistemológicas relativas

à História e seu ensino. Isto é, a pedagogia não é uma desculpa e a produção do

conhecimento não é uma locomotiva a levar engatadas as questões pedagógicas.

Na realidade, elas se imbricam em si mesmas, não para causar confusão, mas para

qualificar a proposta e ampliar a própria visão educacional do autor e se for o caso,

de quem ater-se a ler este trabalho.

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2 HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA EM MARC BLOCH: A QUESTÃO DO MÉTODO

Se o que se quer analisar é a cientificidade da História e suas

decorrências pedagógicas num campo específico de formação de professores e

historiadores, cabe neste momento trabalhar alguns conceitos essenciais em Marc

Bloch (1886-1944) para que seja possível, a partir disso, compreender os critérios e

conceitos de cientificidade nesse autor e saber por que a História precisa ser

definida como ciência, ciência que deve ser ensinada e aprendida, ou seja, que se

expressa na efetividade, e não apenas com declarações. Muito mais do que isso, é

preciso perceber que o que está em jogo nos critérios e categorias de cientificidade

é justamente o método científico e seu ensino.

2.1 A História no campo epistemológico (séculos XIX e XX)

Não basta conceber uma determinada ciência nas suas origens com

vistas a validar o seu presente, mais importante é buscar entender suas condições

de possibilidade nos campos do saber.

No campo epistemológico moderno, é possível compreender que não há

mais uma historicidade comum e universal, uma narrativa comum do mundo.

Qualquer saber, qualquer ciência, qualquer objeto, seja científico ou não, possui

uma historicidade singular, com leis internas de funcionamento e segundo uma

cronologia decorrente de cada coerência singular.

O século XIX parece ser o ponto de referência da revolução e

transformação das ciências até então. Não por coincidência, justamente no século

XIX a História torna-se uma profissão, uma atividade de especialistas, e o debate da

cientificidade da História é inaugurado, segundo Marc Bloch (2001, p. 20). Mas esse

não é o único motivo. Dermeval Saviani (2006, p. 7) escreve:

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Em visão retrospectiva, é possível constatar que a História só se pôs como um problema para o homem, isto é, só emergiu como algo que necessitava ser compreendido e explicado, a partir da época moderna. A razão é relativamente simples. Enquanto os homens garantiam a própria existência no âmbito de condições dominantemente naturais, relacionando-se com a natureza através da categoria da “providência”, o que implicava o entendimento de que o meio natural lhes fornecia os elementos básicos de subsistência os quais eram apropriados em estado bruto exigindo, quando muito, processos rudimentares de transformação que, por isso mesmo, resultavam em formas de vida social estáveis sintonizadas com uma visão cíclica do tempo, não se punha a necessidade de se compreender a razão, o sentido e a finalidade das transformações que se processam no tempo, isto é, não se colocava o problema da história.

O mundo das ciências no século XIX e início do século XX já não era

mais o mesmo, e tanto Bachelard como Marc Bloch e muitos outros autores tinham

consciência disso. “A teoria cinética dos gases, a mecânica einsteiniana, a teoria dos

quanta, alteraram profundamente a noção que ainda ontem qualquer um formava

sobre ciência”, escreve Bloch (2001, p. 49) em seu tempo. Nesse sentido, é possível

entender que, para Bloch, a progressão de determinada ciência, quando de fato

ocorre, altera outras ciências, e mais do que isso, altera toda uma realidade e todos

os campos epistemológicos. Ele escreve que a noção de ciência não foi diminuída,

mas flexibilizada, “substituindo por muitos pontos, o infinitamente provável, o

rigorosamente mensurável pela noção de eterna relatividade da medida” (2001, p.

49).

Um autor que estudou e analisou esse período foi Michel Foucault em Les

mots et les choses (As palavras e as coisas), de 1966. Nessa obra, o autor analisa a

constituição histórica dos saberes sobre o homem. Roberto Machado (1981, p. 123)

afirma e analisa o que é possível chamar de ciências humanas na perspectiva

foucaultiana. Para ele, Foucault, em sua obra acima citada, descreveu outras

épocas, anteriores à modernidade, para mostrar porque antes da modernidade não

foi possível um saber sobre o homem. São as épocas: o período do Renascimento,

e o período Clássico. Depois Foucault apresenta a sua periodização e a análise do

período moderno, mas ele não faz isso para apresentar uma progressão histórica

para a formação dos saberes do homem na modernidade. Antes o contrário, quando

apresenta ao longo da obra os três períodos até o seu presente, Foucault o faz

categorizando esses períodos em três epistémês: 1) Semelhança (Renascimento,

final do séc. XVI); 2) Representação (Idade Clássica, século XVII ao final do século

XVIII): 3) História (Modernidade, século XIX até o seu próprio tempo, o século XX).

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Essas periodizações, que ele chama de epistémê, nada mais são do que ordens

estabelecidas por rupturas no campo epistemológico. Ao tratar do objetivo de sua

obra, Foucault (1985, p. 12) escreve no prefácio:

Não se tratará, portanto, de conhecimentos descritos no seu progresso em direção a uma objetividade na qual nossa ciência de hoje pudesse enfim se reconhecer; o que se quer trazer a luz é o campo epistemológico, a epistémê onde os conhecimentos, encarados fora de qualquer critério referente a seu valor racional ou a suas formas objetivas, enraízam sua positividade e manifestam assim uma história que não é a de sua perfeição crescente, mas, antes, a de suas condições de possibilidade; neste relato, o que deve aparecer são, no espaço do saber, as configurações que deram lugar às formas diversas do conhecimento empírico. Mais que uma história no sentido tradicional da palavra, trata-se de uma “arqueologia”.

Foucault, no último capítulo (cap. X) dessa obra, intitulado As ciências

humanas, ao expor sobre as condições de possibilidades das ciências humanas,

defende que o aparecimento delas não pode ser tratado como fenômeno de opinião,

mas sim como “um acontecimento na ordem do saber”, pois pela primeira vez

aparece o homem que se constitui na cultura ocidental, que é o que é necessário

pensar e o que se deve saber. Ou seja, o aparecimento das ciências humanas na

história não nasce de um racionalismo premente, de algum problema científico não-

resolvido, de algum interesse prático “que resolveu passar o homem para o campo

dos objetos científicos” (FOUCAULT, 1985, p. 362).

Em As palavras e as coisas, o autor percebe que, em termos gerais,

todas as visões da história antes da modernidade (da episteme moderna) têm algo

em comum: a unidade de uma grande história plana, em todos os níveis, em todos

os objetos ou seres humanos, uniforme, mesmo que seja por uma queda ou

ascensão, ou cíclica. Ou seja, trata-se do fato de que todas as visões de história

(cíclica, linear, predestinada, etc.) antes da modernidade eram totalizantes e com

uma unidade universal. E essa é a grande diferença causada por uma ruptura na

visão de historicidade moderna. A ruptura é a que Foucault chama de fraturamento

da história. Escreve o autor:

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Ora, é esta unidade que se achou fraturada, no começo do século XIX, na grande reviravolta da epistémê ocidental: descobriu-se uma historicidade própria à natureza; definiu-se mesmo, para cada grande tipo do ser vivo, formas de ajustamento ao meio que iam permitir em seguida, definir seu perfil de evolução; mais ainda, pôde-se mostrar atividades tão singularmente humanas, como o trabalho ou a linguagem, detinham em si mesmas, uma historicidade que não podia encontrar seu lugar na grande narrativa comum às coisas e aos homens (...) (FOUCAULT, 1985, p. 385).

Ponderando a partir dessa análise foucaultiana, é possível afirmar que a

História para Bloch se manifesta enquanto ciência de modo independente, pois

agora ela não precisa mais se inspirar nas ciências da natureza física, visto que até

nessas ciências esses gabaritos exatos deixaram de ser aplicados. Para Bloch, a

História possui uma regionalidade científica dela mesma, original a ela. Falando das

ciências do homem e incluindo a História, ele diz que:

Não sabemos ainda muito bem o que um dia serão as ciências do homem. Sabemos que para existirem – mesmo continuando, evidentemente, a obedecer às regras da razão –, não precisarão renunciar a sua originalidade, nem ter vergonha dela. (BLOCH, 2001, p. 49).

Ou seja, a História, como toda e qualquer ciência, sofre os abalos quando

alguma ciência progride, mas isso não significa dizer que a História, para se fundar

como ciência, precisa se igualar a outras regionalidades de ciência, pois, como

afirma Bloch, o que é necessário para ela se fundar como ciência com sua

originalidade é obedecer às regras fundamentais da razão, que para ele parece ser

constantemente progressiva.

No entanto, Bloch (2001, p. 50) afirma que tomar uma ciência

isoladamente é partir para um fragmento do universal movimento rumo ao

conhecimento. Por isso ele alerta que, para melhor entender e apreciar seus

procedimentos de investigação, é indispensável associá-los com outras ordens de

disciplina. Sua postura nesse momento, numa fusão de crítica e excesso de

humildade ao que parece, é dizer que os técnicos que se propõem a fazer as

relações entre as ciências se auto-intitulam filósofos. Bloch não se considerava um

filósofo ou epistemólogo, principalmente porque a filosofia em sua formação foi uma

lacuna (BLOCH, 2001, p. 50). Além disso, o momento em que ele se encontrava ao

escrever Apologia da História, preso e sem nenhum referencial bibliográfico, lhe

dificultava fazer reflexões no campo da Filosofia da História.

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Como saber científico, a História é e pode ser aprendida e ensinada.

Assim, convém, a partir de Bloch, perceber o que é inegociável na educação da

ciência histórica, e especificamente na formação de professores. Isso será abordado

com mais propriedade a partir daqui. Convém visualizar panoramicamente a

trajetória da produção científica de Bloch, para perceber basicamente suas

influências científicas tanto recebidas como oferecidas, para localizar e evidenciar as

categorias centrais do seu discurso explicitador da sua noção de História e

historiografia e, por decorrência, as questões relativas aos processos formativos do

pesquisador/professor de História. Todavia, faz-se necessário discorrer antes sobre

o que foi a Escola dos Annales em sua fase embrionária.

2.1.1 O surgimento da Escola dos Annales: a primeira geração

Por mais que os seus membros neguem a sua existência no sentido de

uma escola, como diz Peter Burke (1997, p. 11), a Escola dos Annales, ou História

Nova, nascida em 1929 na França, surgiu a partir dos debates nos campos

epistemológicos do século XIX e sobretudo da produção intelectual no campo da

historiografia no século XX, com a organização do periódico que teve quatro títulos:

Annales d’Historie Économique et Sociale (1929-39); Annales d’Historie sociale

(1939-1942, 45); Mélanges d’ historie sociale (1942-4); Annales: économies,

sociétes, civilisations(1946-). Dos membros do movimento, e alguns ligados, Burke

(1997, p. 11) elenca:

O núcleo central do grupo é formado por Lucien Febvre, Marc Bloch, Fernand Braudel, Georges Duby, Jacques Le Goff e Emmanuel Le Roy Ladurie. Próximos desse centro estão Ernest Labrousse, Pierre Vilar, Maurice Agulhon e Michel Vovelle, quatro importantes historiadores cujo compromisso com uma visão marxista da história – particularmente forte no caso de Vilar – coloca-os fora desse núcleo. Aquém ou além dessa fronteira estão Roland Mousnier e Michel Foucault. Este aparece esporadicamente neste estudo em razão da interpenetração de seus interesses históricos com os vinculados aos Annales.

As diretrizes da revista e dos estudos que apresentava tratavam de

substituir a tradicional narrativa de acontecimentos por uma busca analítica de uma

história-problema. Além disso, buscava-se a análise histórica de todas as

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atividades humanas, e não apenas a história política. E em terceiro lugar, como

coloca Peter Burke (1997, p. 12), a colaboração com outras disciplinas: a

geografia, a sociologia, a psicologia, a economia, a lingüística, a antropologia social,

etc.

Diante disso, Peter Burke escreve que sua preocupação na obra A

Escola dos Annales (1929-1989) é qualificar o movimento dos Annales não como

uma escola, no sentido de um grupo monolítico com práticas uniformes, quantitativa

no que concerne ao método, determinista em concepções e hostil à política e aos

eventos. Burke (1997, p. 12) escreve que “esse estereótipo dos Annales ignora tanto

as divergências individuais entre seus membros quanto seu desenvolvimento no

tempo. Talvez seja preferível falar num movimento dos Annales, não numa ‘escola’”.

O movimento é dividido tradicionalmente em três fases. Na primeira,

entre 1920 a 1945, Peter Burke caracteriza o grupo como pequeno, radical e

subversivo, batalhando contra a história tradicional, a história política e a história dos

eventos através de suas pesquisas. Marc Bloch faz parte dessa fase, como já

enfatizado.

A segunda fase, que mais se aproxima de uma escola, segundo Burke

(1997, p. 12), funda-se lidando com novos conceitos como estrutura e conjuntura, e

novos métodos – “especialmente a “história serial” das mudanças na longa duração”.

O exponencial dessa fase foi o historiador Fernand Braudel.

A partir de 1968 surge no movimento dos Annales a terceira fase.

Segundo Peter Burke, essa terceira fase foi marcada pela fragmentação. Muitas

características anteriores das outras duas fases se perderam. Para Burke (1997, p.

13), a unidade com os pressupostos dos Annales se dá apenas no nível da

admiração e na crítica doméstica daqueles que reprovam a pouca importância

atribuída à política e à história dos eventos. Membros dessa fase transferiram-se das

pesquisas da história socioeconômica para a sociocultural. Já outros aventuram-se

numa espécie de redescoberta da história política e mesmo no estilo narrativo. Para

Burke (1997, p. 13), o que une essas três gerações, o que lhes dá certa unidade é a

“interação fecunda entre a história e as ciências sociais”.

Diante desse apanhado sobre o surgimento dos Annales, usando como

base a clássica obra de Peter Burke, cabe aqui ressaltar algumas coisas sobre a

primeira geração dos Annales, segundo o que pontua Peter Burke (1997, p. 23):

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O movimento dos Annales, em sua primeira geração, contou com dois líderes: Lucien Febvre, um especialista no século XVI, e o medievalista Marc Bloch. Embora fossem parecidos na maneira de abordar os problemas da história, diferiam bastante em seu comportamento. Febvre, oito anos mais velho, era expansivo, veemente e combativo, com uma tendência a zangar-se quando contrariado por seus colegas; Bloch, ao contrário, era sereno, irônico e lacônico, demonstrando um amor quase inglês por qualificações e juízos reticentes. Apesar ou por causa dessas diferenças, trabalharam juntos durante vinte anos entre duas guerras.

Os encontros de Bloch e Febvre em Estrasburgo duraram entre 1920 a

1933. Tais encontros foram de vital importância para o movimento dos Annales,

principalmente porque ambos estavam cercados por um grupo interdisciplinar

extremamente atuante, segundo Burke (1997, p. 27). Nesse ínterim, logo no final da

Primeira Guerra Mundial, Febvre tenta elaborar uma revista internacional com a

intenção de dedicá-la aos estudos de história econômica, mas devido a grandes

dificuldades foi abandonado.

Em 1929 é Marc Bloch que tem a iniciativa de organizar uma revista,

nesse caso, francesa. Ambos, Febvre e Bloch, tentaram solicitar a direção da revista

ao historiador de renome na época Henri Pirenne, mas este nega o pedido. Assim,

Bloch e Febvre assumem os cargos de editores da revista.

O primeiro exemplar surge em 15 de janeiro de 1929. A comissão editorial

reunia, além de “historiadores, antigos e modernos, um geógrafo (Albert

Demangeon), um sociólogo (Maurice Halbwachs), um economista (Charles Rist), um

cientista político (André Siegried, um antigo discípulo de Vidal de la Blache)”

(BURKE, 1997, p. 33).

Diante dessa breve exposição sobre o início dos Annales, e

principalmente por se tratar de um assunto complexo, cheio de informações e

detalhes, é conveniente convergir especificamente sobre Marc Bloch. Para melhor

entender a Escola do Annales, é possível ter acesso a obras de altíssimo nível,

como essa de Peter Burke A Escola dos Annales (1929-1989): a revolução francesa

da historiografia.

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2.2 A produção historiográfica de Marc Bloch

A obra de Marc Bloch é vastíssima, não pela quantidade publicada, mas

pela influência que exerceu no campo da historiografia mundial no século XX. Além

disso, o resultado de seus pensamentos e ponderações acerca da História deram

fundamento para a criação de uma escola historiográfica de renome, onde

juntamente com Lucien Febvre gerou em 1929 a prestigiosa escola do Annales, que

teve um papel fundamental na constituição de um novo modelo de historiografia.

Não é por acaso que Marc Bloch é considerado por muitos o maior medievalista e

historiador do século XX.

Diante disso, justifica-se porque apresentar e refletir sobre os conceitos

de Bloch pontuados e trabalhados na sua última obra de 1949, Apologie pour

l'histoire ou métier d'historien (Apologia da história ou o ofício de historiador), obra

que, devido ao assassinato do autor pelo exercito alemão em plena 2ª Guerra

Mundial, ficou inacabada. Primeiro, porque trata-se de uma obra que se objetiva a

perguntar e responder questões de base, questões atualíssimas, que oferecem

reflexões sobre os porquês da existência da História como ciência e dos seus

processos epistemológicos (BLOCH, 2001, p. 15). Em segundo lugar, com a ajuda

de Le Goff, também é possível lançar questões como: esse último trabalho de Bloch

trata da metodologia da História, que traduz de fato a metodologia aplicada em suas

obras, ou marca uma nova etapa de sua reflexão e projetos? Ambas as questões

levantadas por Le Goff, e que ele trabalha no prefácio do livro de Bloch, são

questões de referência e dignas de muita atenção, pois ambas tratam o livro como

um marco nas reflexões metodológicas sobre a História. A intenção de Le Goff é

tentar dizer o que significou esse texto no contexto geral da historiografia, em

particular na historiografia francesa de 1944, e o que ainda significa hoje.

Há também, obviamente, muitos outros textos de Marc Bloch de suma

importância, textos que reúnem e representam vinte e cinco anos de reflexões sobre

a História e sobre o trabalho do historiador, sobre casos como o da compilação e da

organização de diversos trabalhos, alguns inéditos, outros publicados em revistas, e

obviamente na própria revista do Annales. Como já falado no capítulo I, a

responsável por essa obra foi a filha de Marc Bloch, Étienne Bloch, que organizou os

textos em seis temas: “a história e seu método; organização e instrumentos de

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trabalho; a história comparada e a Europa; as representações coletivas; figuras de

historiadores; o ensino da história” (BLOCH, 1998, p. 10). A utilização dessa obra

nesta pesquisa foi importante, pois como escreve Étienne Bloch (1998, p. 6) ela

reúne em detalhes o que foi sintetizado em Apologia da História:

No livro que vamos ler surgem-nos claramente os eixos desse <<pensamento de historiador>> de Marc Bloch e as suas idéias sobre o exercício do ofício de historiador, a que haveria de dar uma forma sintética, infelizmente inacabada, na sua obra póstuma Apologie pour L’histoire ou Métier d’historien.

As outras obras escritas de Marc Bloch sempre foram elaboradas a partir

de muita pesquisa e sempre inseridas no debate contra os positivistas. Em 1924

publica Os reis taumaturgos, obra que procurava entender o poder de toque (curas)

praticado pelos monarcas ingleses e franceses durante a Idade Média. Ao fim, Bloch

reconhecia ter feito uma história do milagre. Seu direcionamento era sempre para

uma história da longa duração, de períodos históricos em estrutura e maiores do que

os tradicionais e que se modificam de maneira mais vagarosa. Segundo Lilia Moritz

Schwarcs, na apresentação à edição brasileira Apologia da História (BLOCH, 2001,

p. 9), com essa obra Bloch se estabelecia como uma espécie de fundador da

“antropologia histórica” ao selecionar eventos marcados pelo seu contexto, mas

acionados por estruturas e permanências sincrônicas anteriores ao momento mais

imediato. Em questão, por exemplo, estava o poder monárquico. Para Peter Burke

(1997, p. 129), Os reis taumaturgos foi uma obra notável em três aspectos:

primeiramente, porque não se limitava a um período convencional, no caso a Idade

Média; em segundo lugar, a obra se destaca por ser uma contribuição ao que Bloch

chamava de “psicologia religiosa”. Escreve Burke (1997, p. 129) sobre este aspecto

que: “O núcleo central do estudo era a história dos milagres e concluía com uma

discussão explícita do problema de como explicar que o povo pudesse acreditar em

tais ‘ilusões coletivas’ (...)”. O terceiro aspecto é a presença daquilo que o próprio

Bloch chamava de “História comparativa”, quando fazia comparações com

sociedades distantes da Europa sobre as temáticas tratadas na obra (BURKE, 1997,

p. 30).

Em 1928 Bloch toma a iniciativa de ressuscitar velhos projetos, entre eles

fundar uma revista histórica. Marc Bloch e Lucien Febvre (1878-1956) tornam-se

editores da revista dos Annales:

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(...) publicação essa que daria origem a todo um movimento de renovação na historiografia francesa e que está na base do que hoje chamamos de “Nova História”. Nos primeiros números – e apesar do predomínio de artigos de historiadores econômicos – ficavam expressas as prerrogativas do grupo: o combate a uma história narrativa e do acontecimento, a exaltação de “uma historiografia problema”, a importância de uma produção voltada para todas as atividades humanas e não só a dimensão política e, por fim, a necessária colaboração interdisciplinar. (Bloch, 2001, p. 10).

Em 1931 Bloch publica uma obra sobre a história rural francesa, em que

utiliza fontes literárias. Nessa obra Marc Bloch aplica seu método “regressivo”,

buscando ler a história ao inverso e utilizando-se de temas do presente. Em 1939 é

a vez de A sociedade feudal, uma espécie de painel sobre a história européia de 900

a 1300. Em suma, os textos de Bloch “convertiam-se em motes de ataques a

modelos mais empíricos” (Bloch, 2001, p. 10).

Com 53 anos, Bloch resolve alistar-se mais uma vez no exercito francês.

Sendo a França derrotada, volta à vida acadêmica por um breve período, pois em

1943 entra para a resistência do grupo de Lyon. Preso em 1944, e em condições

deploráveis, Marc Bloch dedica-se a escrever mais dois livros: o primeiro – A

estranha derrota –, em que associa a experiência particular das duas guerras e se

debruça sobre a derrota francesa de 1939. Le Goff, no prefácio de Apologia a

História (BLOCH, 2001, p. 17), caracteriza essa obra como um estudo perspicaz,

pois se trata de um trabalho de história, refletido no calor do acontecimento e sem

nenhum caráter jornalístico. A segunda obra que é a referência central deste

trabalho: Apologia da história ou O ofício do historiador, editada após a sua morte

em 1949, traz reflexões sobre método, objetos e documentação histórica. A ação

política faz parte da obra. Por isso mesmo, Marc Bloch (2001, p. 10) escreve: “a

história serve a ação”. Nesses tempos difíceis, dizia Bloch (2001, p.11): “a história se

encontra desfavorável as certezas”. Marc Bloch foi torturado pela Gestapo e depois

fuzilado em 16 de julho de 1944 em Saint Didier de Formans, perto de Lyon, por

fazer parte da resistência francesa.

Tal trajetória, além de surpreendente, inseriu Marc Bloch no rol dos

maiores historiadores da humanidade. Mas muito mais do que isso, releva que ser

historiador não é “passa tempo”, e o próprio Marc Bloch discorre sobre isso quando

trata de legitimar a História como ciência, como será visto no próximo tópico.

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2.3 Ciência histórica e não um hobby

Eis uma pergunta de base: Para que serve a História? Uma questão

respondida inúmeras vezes, mas que quase sempre precisa de uma nova

formulação, exatamente porque o desafio é sempre conhecer melhor a realidade

primeira. Obviamente, a pergunta que Bloch nos auxilia a fazer, não tem um caráter

utilitarista, mas um caráter de legitimidade. Qual a legitimidade da História?

Bloch, em meados do século XX, contextualizado ao seu momento,

escreve que a sociedade ocidental espera muito de sua memória e, por isso mesmo,

o historiador deve ser chamado e incumbido a prestar contas, pois a civilização

ocidental inteira está interessada na resposta. Essa espera ocidental foi sempre

presente, tanto pela herança cristã, que Bloch caracteriza como religião de

historiadores, como pela herança antiga. Bloch caracteriza os gregos e latinos como

historiográficos. Obviamente, aqui Bloch (2001, p. 42) assume que as sociedades

mudam, as psicologias coletivas variam, no entanto o ocidente ainda assim espera

muito da sua memória. Le Goff (BLOCH, 2001, p. 17), no prefácio de Apologia da

História, escreve a respeito: “a própria expressão ‘legitimidade da história’,

empregada por Marc Bloch desde as primeiras linhas, mostra que para ele o

problema epistemológico da história não é apenas um problema intelectual e

científico, mas também um problema cívico e moral”.

O historiador deve “prestar contas” (BLOCH, 2001, p. 41). Marc Bloch

(2001, p. 42) coloca os historiadores entre os artesãos que precisam dar provas da

consciência profissional. Bloch (2001, p. 17) coloca que “o debate ultrapassa, em

muito, os pequenos escrúpulos de uma moral corporativa. A civilização inteira tem

interesse. Eis simultaneamente afirmadas à civilização como objeto privilegiado do

historiador e a disciplina histórica como testemunha e parte integrante da

civilização”.

Se alguém afirmar que epistemologicamente a História não serve para

nada, não pode negar, no entanto, que ela entretém muita gente, como as outras

ciências e, talvez, mais ainda que as outras. Bloch escreve que a História atrai, mas

não é isso que a faz científica. Isso que é comum nas outras ciências, esse interesse

primeiro, escreve ele, é o que vem “antes da obra de ciência, [...], o instinto que leva

a ela [...]”. Antes do desejo de conhecimento, o simples gosto. O autor (BLOCH,

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2001, p. 43) inclusive fala da Física, e diz que os primeiros passos nela devem muito

“aos gabinetes de curiosidade”.

E até nesse obstáculo a História se diferencia de outros saberes, pois os

“gozos estéticos” da História são próprios dela mesma, porque são as atividades

humanas que fazem parte de seu objeto específico que seduzem mais do que

qualquer outra coisa. Seduz a imaginação dos homens. Bloch diz que não é

interessante extrair a beleza poética da História, porém questiona se História é

apenas um passa tempo e se vale tanto a pena escrevê-la. Para Marc Bloch (2001,

p. 44) vale a pena, se o esforço for honesto, indo em direção “às suas molas mais

ocultas, e, por conseguinte, com dificuldade”, em direção ao que é mais difícil e

racional. Escreve ainda o autor:

Com toda certeza num mundo que acaba de abordar a química do átomo e mal começa a sondar os segredos dos espaços estelares, em nosso pobre mundo que, justamente orgulhoso de sua ciência, não consegue criar para si um pouco de felicidade, as longas minúcias da erudição histórica, muito capazes de devorar uma vida inteira, mereceriam ser condenadas como um desperdício de forças absurdo a ponto de ser criminoso, se devesse apenas para dissimular um pouco de verdade uma de nossas distrações. (BLOCH, 2001, p. 44).

Diante disso, expõe duas possibilidades de reflexão: ou é preciso

desaconselhar a prática da História a todos os espíritos capazes de serem mais bem

utilizados em outro lugar; ou é como conhecimento que a História terá de provar sua

“consciência limpa” (2001, p. 44), ou seja, uma ciência que se forma e que ajuda a

formar. Uma das preocupações de Bloch refere-se à necessária vigilância dos

historiadores, pois, se eles não ficarem vigilantes, a ciência histórica, a História,

pode cair no descrédito. A ciência histórica é um fenômeno histórico, submetido às

condições históricas, que pode ser a legitimidade da História, mas também sua

fragilidade.

A História não pode ser tratada como um hobby intelectual, se quiser em

suas regionalidades e dinamicidades ser ciência. Obviamente, a História só se

personifica pela ação dos historiadores, ou seja, é responsabilidade deles tal função.

Ninguém é médico por passatempo, tampouco físico, afinal mesmo com

autodidatismo é necessário um aprimoramento educacional e epistemológico, não

obstante, científico. No caso da História, a existência de uma faculdade de História

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não resolve o problema, porém ajuda nas reflexões acerca do profissional da

História e do ofício do historiador.

Desse ponto, Bloch então resolve fazer e propor um exercício apologético

da ciência histórica a partir da análise dos pressupostos metodológicos do seu

método. A próxima abordagem trata disso.

2.4 Apologia da História: nada por declaração

Para Marc Bloch (2001, p. 46), sua obra faz a apologia da História, mas

não por declaração. Ele não quis exorcizar fantasmas ou tão pouco separar, para

um debate, o que a História tem de bom ou ruim. Não se trata de mais um

testemunho no tribunal. Seu esforço é uma avaliação pelo grau de certeza dos

métodos que uma pesquisa historiográfica utiliza ou deve utilizar, “até na humilde e

delicada minúcia de suas técnicas” (BLOCH, 2001, p. 46). Ou seja, sua postura é: a

História é uma ciência, logo vamos estudar o método científico nos mínimos

detalhes. É no modo de operar o método que a ciência da História deve ser avaliada

como tal, principalmente diante dos problemas impostos ao historiador que lida com

o método científico (BLOCH, 2001, p. 46). Como, por que e para que um historiador

pratica seu ofício? Como escreve Bloch (2001, p. 46): “Ao leitor cabe decidir, em

seguida, se tal ofício merece ser exercido”. E mais:

(...) a história não é a relojoaria ou a marcenaria. É um esforço para conhecer melhor: por conseguinte, uma coisa em movimento. Limitar-se descrever uma ciência tal qual é feita é sempre traí-la um pouco. É mais importante dizer como ela espera ser capaz de progressivamente ser feita. (2001, p. 44).

Bloch pontua as dificuldades em se estudar métodos, que são variáveis

ligadas até onde cada ciência chegou em seu desenvolvimento nunca terminado.

Ele justifica e argumenta dizendo que a Física Newtoniana era mais fácil de expor do

que a atual, ou melhor, a da sua atualidade. Percebe-se aqui um dos critérios de

progressão científica para Bloch, que parece estar ligado a graus de dificuldade.

Voltando para a História, o autor delineia que a História enquanto ciência,

enquanto empreendimento racional de análise, é muito jovem. É uma ciência em

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marcha, mas que está na infância. Bloch a coloca na balança, abordando que, sob a

velha forma da narrativa, apinhada de ficções coladas aos acontecimentos

apreensíveis, a História é velha, mas como ciência, a História está em um estágio

inicial, em constituição. Como ciência possui dificuldades, como:

(...) penetrar, enfim, no subterrâneo dos fatos de superfície, para rejeitar, depois das seduções da lenda ou da retórica, os venenos, atualmente mais perigosos, da rotina erudita e do empirismo, disfarçados em senso comum. Ela (a História) ainda não passou, quanto alguns dos problemas essenciais de seu método, os primeiros passos. (2001, p. 47).

Aparece aqui claramente uma aversão a pensadores que trabalham a

História defendendo a sua similaridade com a Arte, com a ficção e não com a

ciência. No entanto, o debate travado por Bloch se direciona mais solidamente

contra outros pensamentos e conceitos, sobretudo os de cunho positivista.

Marc Bloch, no calor do debate, se coloca à frente de seus imediatos

(entre os dos séculos XIX e XX), por considerá-los alucinados por uma imagem

bastante rígida, uma imagem verdadeiramente comtiana das ciências do mundo

físico, em que tudo deveria desembocar em demonstrações irrefutáveis, em

definições baseadas em leis imperiosamente universais. É possível identificar tal

postura em pensadores e correntes de pensamento de tradição iluminista, que

tinham uma visão de História como o progresso da humanidade. Outros, como os

positivistas e os historiadores da escola metódica, viam a História como uma

exposição objetiva, do fato. Entre esses se destaca uma das maiores expressões da

escola metódica e que foi um dos professores de Marc Bloch: Charles Seignobos

(1863-1929). Esse cenário, segundo Bloch, gerou duas tendências conflitantes no

que tange aos estudos históricos.

Uma tendência formula uma posição no sentido de instituir uma ciência da

evolução humana, conformando-se com o ideal pancientífico. Esses pensadores

levaram tão a sério os seus trabalhos, diz Bloch (2001, p. 47), que deixaram de lado

realidades bem humanas, que lhes pareciam não ter importância alguma. A esse

tipo de conhecimento, um resíduo segundo Bloch, eles chamavam de

acontecimento; era também uma parte da vida mais individual. Ele exemplifica

falando criticamente de uma escola, mas que muito lhe influenciou:

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Essa foi em suma, a posição da escola sociológica fundada por Durkheim. Ao menos se não ignorarmos concessões que, à primeira inflexibilidade dos princípios, vimos pouco a pouco introduzidas por homens inteligentes demais para não sofrerem a revelia, a pressão das coisas. Nossos estudos devem muito a esse grande esforço. Ele nos ensinou a analisar mais profundamente, a cerrar mais de perto os problemas, a pensar, ousaria dizer, menos barato. Não falaremos dele senão com reconhecimento e respeito infinitos. Se hoje parece ultrapassado, é, para todos os movimentos intelectuais, cedo ou tarde, o resgate de sua fecundidade. (2001, p. 48).

Confirmando a influência de Durkheim em Bloch, Peter Burke (1997, p.

26) pontua:

A carreira de Bloch não foi muito diferente da de Febvre. (...); contudo, como comprova a análise de suas últimas obras, sua maior influência foi a do sociólogo Émile Durkheim, que iniciou sua carreira de professor na École mais ou menos na época de seu ingresso. Ele mesmo um egresso da École, aprendeu a levar a história com seriedade através de seus estudos com Fustel de Coulanges ( LUKES, 1973, p. 58ss, apud, BURKE, 1997, p.26).

E ainda:

Em sua maturidade, Bloch reconheceu sua profunda dívida com a revista de Durkheim, Année Sociologique, lida entusiasticamente por um grande número de historiadores de sua geração, tais como Lois Gernet, dedicado ao estudo das letras clássicas, e o sinologista Marcel Granet (BLOCH, 1935, p. 393, apud, BURKE, 1997, p. 26.).

Já, outros pensadores, que se alinham a uma tendência que se distância

daquela primeira, não conseguindo colocar a História nos quadros do legalismo

físico, inclinaram-se em ver nela, em lugar de um conhecimento científico, uma

espécie de jogo estético, ou melhor, de exercício benéfico à saúde do espírito.

Foram denominados à vezes, diz Bloch, de “historiadores historizantes” (2001, p.

48), ou historiadores românticos, que Marc Bloch reluta em chamá-los de

historiadores.

Como ciência definida, não apenas por vãs declarações, a História se

autodestina a ser ensinada e aprendida. Para Bloch, ensino e aprendizagem são

características de cientificidade numa determinada ciência, como a História. Esse é

o aspecto do pensamento blochiano que se analisa a seguir.

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2.5 O ensino e aprendizagem de História

Apreciaria que, entre os historiadores de profissão, os jovens em particular se habituassem a refletir sobre essas hesitações, esses perpétuos “arrependimentos” de nosso ofício. Será para eles a maneira mais segura de se preparar, por uma escolha deliberada, para orientar racionalmente seus esforços. Desejaria sobretudo vê-los participar, em número cada vez maior, dessa história ao mesmo tempo ampliada e aprofundada, da qual somos vários – em nosso caso, cada vez mais raros – a conceber a proposta. Se meu livro puder ajudá-los, terei a sensação de que não foi [absolutamente] inútil. Há nele, confesso, um lado de programa. (BLOCH, 2001, p. 49).

Fica explícito, nessa citação, que Bloch entende que defender a ciência

histórica como ele a concebe é defender o desenvolvimento dos jovens

pretendentes a serem historiadores e professores. Ou seja, trata-se de fazer

apologia à ciência histórica e, por conseguinte em uníssono, para não dizer que se

tratam das mesmas coisas, a apologia à formação científica de um historiador. Bloch

revela que sua intenção foi também apresentar um programa que amplie as

possibilidades de jovens historiadores refletirem sobre essas questões

epistemológicas e de formação na obra Apologia da História.

Assim, torna-se notória a relevância de analisar e expor os conceitos

trabalhados por Marc Bloch, que mesmo sendo o resultado de seu pensamento ou

uma nova visão e momento sobre a História, defende a cientificidade da História,

que pode e deve ser ensinada e aprendida. Além disso, outros artigos de Bloch

podem ser arrolados e considerados na análise de sua posição sobre a relação

direta entre cientificidade e educação.

Em um dos seus artigos na revista Annales intitulado “Sobre os

programas de história no ensino secundário” (1921), que trata sobre a arte de

lecionar História no ensino secundário, Bloch lança seu parecer acerca da educação

de História na Europa, condenando a divisão tradicional em ciclos. Além disso,

coloca que certas conscientizações são imprescindíveis aos alunos. Tais

conscientizações cabem ao historiador, que é professor, e aos programas cabe

chamarem a atenção no processo de formação dos professores.

A primeira delas é quanto à História contemporânea, que merece e tem o

direito de fazer parte do ensino secundário. Contudo, isso já ocorria no tempo de

Bloch pós 1902, mas com alguns “pecados” contra o espírito histórico, como ele

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mesmo escreve. “A História é acima de tudo a explicação do presente pelo passado”

(BLOCH, 1998, p. 296), por isso o aqui e agora jamais deve ser desligado do

passado, pelo contrário deve ser sempre lembrado nos momentos do ensino e

aprendizagem. É preciso sempre conscientizar os alunos, e obviamente antes os

professores, ou seja, os historiadores de que a noção de evolução histórica na

História é a noção de “continuidade humana” (1998, p. 296). Os ciclos e divisões

tradicionais da história inibem o entendimento de continuidade, sobretudo do

presente. Parece que o presente é sempre tratado como a antítese do passado, o

que para Bloch é uma tremenda inverdade. O que há, por mais diferente que pareça,

é continuidade humana. “Os alunos precisam ter acesso a isso”, escreve o autor

(BLOCH, 1998, p. 296).

Outro ponto em questão e sobre o qual muito se debate nas academias

brasileiras é o eurocentrismo. O que é importante destacar é justamente o fato de

um europeu, fundador de uma escola histórica européia, ter consciência e ver a

importância de se dialogar sobre esse conceito com os alunos de ensino secundário.

Para ele, apenas conhecer o mundo europeu e suas manifestações em nível de

civilização e influência é beirar a ignorância, pois “estas sociedades não são tudo”

(1998, p. 296). Apenas estudar história nesse foco é correr o risco de compreender

muito pouco sobre a marcha do mundo. Os professores de história e os programas

devem preocupar-se em desenvolver essa consciência aos alunos, principalmente

para que se tenha a “noção do diferente”. As palavras de Bloch (1998, p. 296)

revelam com clareza tal problemática que ele já identificava:

Ao nosso lado, na Ásia, na África, na própria Europa vivem outros grandes grupos humanos de tipo muito diferente. Nada preparou o nosso aluno para compreender essas outras sociedades, nem sequer (o que é ainda mais grave) para sentir que são diferentes da nossa. Com efeito, o ensino histórico que recebeu e que incide sobre tudo em épocas próximas dele nada faz para lhe dar o sentido do diferente, e se assim posso dizer, do exotismo histórico. E neste sentido só a história poderá dar-lho, desde que se desenrole perante o seu olhar um espetáculo suficientemente vasto e variado. A história é essencialmente o conhecimento de uma mudança; é uma das razões do seu valor pedagógico.

E continua:

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A compreensão das diferenças no tempo – mais imediatamente sensíveis para nós porque dizem respeito a povos que nos tocam de perto – deve levar espíritos aperceber as diferenças no espaço. Descrever as civilizações antigas ou medievais é abrir os olhos da criança para a variedade do mundo. (1998, p. 296-297).

Bloch não defende o estudo dessas civilizações pelo resquício de um

olhar do outrora colonizador. Escreve o historiador:

A meu ver, seria conveniente atribuir algumas aulas às civilizações do Extremo-oriente e a civilização mulçumana, agora consideradas já não do ângulo da história colonial ou diplomática, mas em si e por si mesmas. O mundo tornou-se grande. Ter idéias sumárias, mas claras e correctas sobre a sociedade chinesa, sobre a Índia e sobre o Islão importa hoje muito mais a um futuro cidadão francês do que conhecer com muito rigor a história diplomática do século XVIII ou a história parlamentar da Restauração. (BLOCH, 1998, p. 297).

Ter a noção do mundo, do diferente e variado, mas também da

continuidade humana, é a base no ensino de História, que transcende as datas, os

fatos e alguns povos contemplados. Segundo Bloch, um programa de ensino de

História no secundário deveria constar de tais direcionamentos. Generalizações à

parte, o que importa perguntar é se no Brasil em pleno século XXI, na formação

superior, essa conscientização levantada por Bloch encontra ecos, em nível de

programa político pedagógico de modo explícito.

Em 1937, Bloch e Febvre publicam um outro artigo nos Annales intitulado

“Para renovação do ensino histórico” (1937). Nesse artigo, Bloch coloca que, nos

Annales, eles nunca se desinteressaram pelas questões do ensino-aprendizagem e

da formação de professores em História. Na realidade, esse artigo, como os próprios

autores colocam, busca expor as intenções dos Annales em relação à formação de

professores, problematizando o assunto, ou seja, o problema dos futuros

historiadores. E logo na apresentação Bloch (1998, p. 299) já coloca que, tratar

do problema da formação dos futuros historiadores, é tratar do ofício de

historiador, e que ninguém pode ficar indiferente a isso. Percebe-se, nesse

momento, uma nota de suma importância, pois aqui explicitamente Bloch coloca que

refletir sobre o trabalho de um historiador implica, entre todas as coisas, pensar

principalmente como se portar como um professor.

O olhar do artigo citado acima é para a formação de professores na

França. No entanto, a problematização que Bloch levanta gera reflexões que servem

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para relacionar a cientificidade da história e seus métodos de investigação, a

formação de professores e a produção do conhecimento. Ou seja, muito mais do

que o caso da França, o que interessa aqui são as reflexões pertinentes, e

intimamente imbricadas, sobre historiografia e os processos formativos dos

docentes/historiadores.

No artigo citado acima, são também levantadas quatro questões de base

sobre o Ensino de História e que merecem muito mais atenção nas suas

ponderações posteriores. Escrevem Bloch e Febvre (BLOCH, 1998, p. 300): 1) Qual

é e qual deve ser o papel deste ensino nas escolas de segundo e terceiro grau

(liceus ou colléges; faculdades)?3 2) Quando o historiador aprendiz sai das escolas

do segundo grau, como conceber os seus estudos de iniciação geral – os que hoje

são sancionados, ou supostamente sancionados, pelo exame de habilitação? 3) O

grande, o escaldante problema da agregação, ou seja – devia ser – do exame-

concurso de aptidão para as funções de professor de história das escolas do

segundo grau. Problema que, aliás, como veremos, consideramos estreitamente

ligado, pelo menos por um dos seus aspectos, aos problemas da habilitação; 4)

Como organizar a iniciação a investigação com as necessárias validações?

A primeira ponderação em relação ao ensino da História no que

concernem às questões acima refere-se às seleções de professores, conhecidas

como concurso de agregação na França4 no tempo de Bloch. O princípio desses, e

que Bloch concorda, é selecionar professores que se ocupem com o ensino

secundário, com as disciplinas de História, principalmente pela importância do cargo.

O esperado em relação aos concursados é que se esforcem para desenvolver a

ciência em seus trabalhos pessoais. É entre esses que devem ser os melhores

recrutados para as faculdades. A busca desse profissional na França é valorizar os

que sabem expor os resultados adquiridos e os que buscam, por si mesmos, chegar

a coisas novas. O concurso, em sua proposta, valoriza o ensino a partir das

investigações, desde o ensino básico ao superior. Todavia segundo Bloch, o

concurso é apenas uma engrenagem de toda a estrutura, embora seja com esse

concurso que se possa selecionar com mais propriedade os jovens. No entanto,

3 Nesse artigo, Marc Bloch partiu dessa questão, mas só trata do ensino superior. 4 Trata-se de um concurso nacional na França, no tempo de Marc Bloch, que selecionava professores de História para ministrarem suas aulas no ensino secundário. Esse concurso exigia uma série de aptidões por parte dos professores, mas que para Bloch, não era suficiente para revelar um ‘saber lidar com a História como ciência’, em sala de aula.

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Bloch também afirma que é preciso simplificar, aligeirar esse processo, além de

especificar e flexibilizar algumas exigências que não estavam sendo consideradas.

Para ele, essas ponderações servem para evitar conseqüências fatais aos futuros

historiadores, como: conformismo intelectual, o desinteresse mórbido pela História e

seu ensino, e o corte injusto dos escrupulosos (1998, p. 301).

Um diploma de professor de História não deve consumar a idéia de que o

indivíduo diplomado e já concursado não tem mais nada a aprender, defende Bloch.

Criticando o concurso de agregação, o autor levanta alguns pontos fundamentais

que o professor deve ter e ênfases que o referido concurso deveria dar. Um deles é

com relação à explicação de textos, testemunhas. No concurso de agregação de

professores na França, a explicação de textos, das testemunhas documentais, não

era exigida. Como Bloch diz, parece que o pedagogo não tem a obrigação de saber

e tão pouco ensinar a interpretação de fontes. Interpretar fontes é tarefa de

historiadores. Bloch defende que professores/historiadores não podem privar-se

dessa técnica fundamental, principalmente por ocasião de concursos para lecionar.

Mas isso gera outra problemática. Não se exigindo capacidade de

interpretação, o sentido de observação histórica perde força. Isso acaba se refletindo

na aptidão dos professores para ensinar aos alunos. No caso do ensino secundário,

alguém poderia argumentar a idéia de que isso os alunos não tem obrigação de

saber. Mas Bloch (1998, p. 306) interroga:

Não seria desejável, de uma maneira geral, que pelo menos nas aulas dos últimos anos o ensino de história tivesse um prolongamento em algumas noções concretas fornecidas sobre a crítica do testemunho cujo manuseio por certo não é necessário apenas aos eruditos? Há professores a fazê-la e felicitam-se pelo resultado.

Isso nada mais é do que oferecer aos jovens a possibilidade de terem

contato, mesmo que rudimentar, com o método crítico. E mais, a formação de um

professor de História tem uma dimensão um pouco maior do que a formalidade de

um curso superior.

Outra crítica em relação ao concurso que não exigia essa capacitação

dos futuros professores refere-se à adaptação, seja por instinto ou capacitação, ao

público discente. Obviamente, as qualidades para a exposição de um conteúdo,

segundo Bloch, não devem mudar: “a ordem, a clareza, o destaque dado ao

essencial, a arte de forçar a atenção” (1998, p. 307). No entanto, tal aquisição não

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dever ser realizada por repetição de receitas técnicas de professores com mais

experiência somente, ou mesmo por algumas horas de estágio dos mais novos. Na

verdade, Bloch aconselha que os futuros professores tenham mais acesso aos bons

resultados que a Psicologia da infância já alcançou. Para o autor, muito mais do que

encarar a exposição de certos professores gabaritados numa seqüência

considerável de horas, importa na verdade ter acesso ao que psicólogos e alguns

médicos têm a dizer e ensinar. E por fim, esses conhecimentos não devem ser

analisados por provas. Na seleção intelectual, que a explicação dos textos, das

testemunhas, seja cobrada, pois trata-se de uma instrumentalização primordial tanto

para o pedagogo como para o historiador na concepção de Bloch (1998, p. 308).

Ainda expondo sua crítica, agora voltado exclusivamente ao ensino

superior, Bloch exclama que na França de seu tempo o concurso de agregação

limita as faculdades a trabalharem apenas os conteúdos exigidos no concurso. Isso

ecoa obviamente no fato de que os programas escolhidos nas faculdades sempre

são modulados, em certas proporções, pelo programa imposto pelo governo.

Mas diante desse vício, e é assim que ele chama a organização superior

dos cursos que preparam professores de História naquela França, o mais gritante e

sensível mal estar é desviar o professor dos seus próprios e pessoais objetos de

estudo: “Entre todos os vícios de um tal regime, o mais imediatamente sensível é

sem dúvida desviar perpetuamente o professor, que é e deve ser ao mesmo tempo

um investigador, desviá-lo do objecto dos seus próprios estudos” (1998, p. 309). Fica

explícito aqui que, para Bloch, o professor de História é um investigador, e isso

presume dizer que o professor de História o é, por ter ofício de historiador; em

contrapartida, o historiador o é também por ser apto a lecionar, isso desde que

nenhum governo ou tradição ideológica ou qualquer outra força de cunho político-

administrativo venha a atravancar esse pressuposto.

Não obstante, ainda há o legado dos professores, que acaba virando

tradição. E essa tradição, segundo Bloch, é uma força maior do que a lei escrita,

porque, se não bastasse o conteúdo imposto, a maneira de tratá-lo, de lecioná-lo

também é imposta pela força dessa tradição, que necessita de renovação. Isso se

torna um obstáculo, principalmente para a renovação do ensino através da

investigação. Escreve o autor: “(...) o nosso ensino superior não está apenas

impedido de renovar eficazmente a história pela investigação como também de lhe

encontrar novas concepções. E como, por sua vez, pesa no secundário, cujos

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professores forma, a rotina passa de um para o outro e alastra como mancha de

óleo” (BLOCH, 1998, p. 310).

As críticas e sugestões que Bloch levanta não podem ser direcionadas

diretamente a programas de formação de professores em faculdades, que deveriam

de modo geral ter em suas propostas tais conscientizações levantadas pelo autor.

Não são infalíveis, como levanta Bloch, são elementos que levam a reflexão em

qualquer programa. Ou seja, Bloch não apresenta um programa substituto e ideal,

ele apresenta propostas para reflexão, que não se limitam a fórmulas de ensino,

mas propõem uma renovação constante a partir da investigação histórica. Assim, o

método científico em História em suas dinamicidades deve ser o eixo central no

ensino, sobretudo na formação de professores em História. Não se trata de

nomenclaturas e imposições, mas da processualidade do método científico,

configurando, aprimorando, retrocedendo a partir do erro e pontuando para

adequação o ensino de História.

Desse modo, cabe aqui, para dar continuidade a este capítulo, visualizar

o método científico em História, contemplando obviamente certos aspectos dos

processos a partir do pensamento de Bloch. Isso se faz necessário para levantar a

importância da exposição de um método, defendida por Bloch, e até onde é possível

saber, por toda corrente de pensamento científico, que sempre contempla o método

e seu processo para a produção do conhecimento e para qualificar a formação de

educadores. Para Bloch, um professor de História deve saber o que é produzir

historiografia através de um método científico em História.

2.6 O método científico e suas manifestações na formação do Historiador

Para Bloch, método em História só é aprendido de um modo, quando

colocado em operação. Por isso, cabe aqui perceber, pelas considerações

blochianas, as manifestações desse método, que é a categoria central na formação

de professores/historiadores, visto que todo historiador tem a obrigação intelectual e

moral de prestar contas do seu método.

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2.6.1 A legitimidade do esforço intelectual em História

O que torna legítimo um esforço intelectual em História? Escreve Marc

Bloch que a História, mesmo que fosse eternamente indiferente ao homo faber ou

politicus, bastaria ser reconhecida como necessária ao pleno desabrochar do homo

sapiens. A resposta dos positivistas de estrita observância, segundo Bloch, àquela

pergunta é a aptidão a ação. Contudo, Bloch afirma que a busca pelo conhecimento,

às vezes sem uma necessidade aparente, uma busca desinteressada, pode gerar

mudanças revolucionárias. Segundo Bloch (2001, p. 45), isso ocorre porque:

A experiência nos ensinou que é impossível decidir previamente se as especulações aparentemente as mais desinteressadas não se revelarão, um dia, espantosamente úteis e práticas. Seria infligir à humanidade uma estranha mutilação recusar-lhe o direito de buscar, fora de qualquer preocupação de bem estar, o apaziguamento de suas fomes intelectuais.

Para Bloch, independente até de qualquer aplicação prática, a História

tem, portanto, “o direito de reivindicar seu lugar entre os conhecimentos

verdadeiramente dignos de esforço, apenas na medida em que, em lugar de uma

simples enumeração, sem vínculos e quase sem limites, nos permitir uma

classificação racional e uma progressiva inteligibilidade” (BLOCH, 2001, p. 45). Ou

seja, o triunfo científico da História, para Bloch, está na utilização de uma

racionalidade que não se fecha em nada, nem mesmo em relação à necessidade de

ação específica, progride sem apogeu ou final sublime, sempre se superando, mas

sempre pela utilização racional de um método em História.

Contudo, surge uma questão. Parece comum que a ciência sempre terá

algo de incompleto se não servir para alguma coisa, ou pelo menos para possibilitar

que as pessoas vivam melhor. Marc Bloch alerta que a utilidade da História nada

tem a ver, não deve ser confundida com, a sua legitimidade intelectual. Aliás, a

legitimidade intelectual vem antes, pois parece mais lógico e necessário

compreender bem antes de agir. Mas alerta o autor que essa resposta não deve ser

respondida apenas pelas exigências do senso comum, o que já revela a

necessidade de independência científica na História.

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Muitos já disseram, segundo Bloch, que a História não tem utilidade nem

solidez. Todavia, essas condenações têm um elemento temível e atrativo: “justificam

antecipadamente a ignorância” (BLOCH, 2001, p. 46).

Diante da realidade efetiva que muitas vezes exige a ação, qual a atitude

do historiador? O historiador deve ter uma postura de caráter profissional, científico

e educacional. Falar assim num primeiro momento parece generalização, mas o

próximo tópico objetiva-se a refletir sobre essa postura defendida por Bloch, que

nada mais serve do que revelar a visão de história que todo o historiador deve ter,

ou pelo menos sempre refletir em busca de uma.

2.6.2 A atitude do historiador diante da história efetiva: a escolha do objeto

Convém, neste momento, refletir sobre a visão de história que Marc Bloch

aborda. Agora, porém, trata-se do que acontece de fato no tempo, como o tempo e

os homens se relacionam e como, a partir disso, é possível produzir conhecimento

científico em História.

A palavra história é antiqüíssima, a tal ponto que muitos, segundo Bloch,

tentaram riscá-la do vocabulário. Independentemente de pesquisa com método, a

história ocorre efetivamente. Ela direciona o olhar para o indivíduo ou a sociedade,

para descrição de crises momentâneas ou duradouras (BLOCH, 2001, p. 51). A

etimologia primordial diz respeito basicamente à pesquisa. O conteúdo da História

muda, mas não existe obrigatoriedade em se mudar de denominação. As mudanças

ocorrem quando os termos são vivos. Escreve Bloch (2001, p. 52):

Mesmo permanecendo fiel ao seu glorioso nome helênico, nossa história não será absolutamente, por isso, aquela que escrevia Hecateu de Mileto; assim como a física de lord Kelvin ou de Langevin não é a de Aristóteles.

No entanto, em vez de defini-la como quem consulta um dicionário, Bloch

pontua que, diante da história efetiva, o que o historiador deve fazer como primeiro

momento é escolher, buscar, em face dessa imensa realidade confusa. Isto é, o

historiador começa a se projetar como tal quando é levado, na história efetiva, a

recortar o ponto particular de suas ferramentas. Para Bloch, este sim é um autêntico

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problema de ação, que de longe passa pela preocupação de se definir o que é a

história. A história efetiva existe, e isso já está resolvido para o nosso autor. O

problema é o que o historiador faz diante da história efetiva, que justamente para ele

é a escolha, a escolha do historiador, que nada tem a ver como a escolha do

biólogo, por exemplo.

Essa escolha se dá no imediato, por isso História para Bloch não é

ciência do passado. Seria um absurdo dizer que o passado é objeto: “Como sem

uma decantação prévia, poderíamos fazer, de fenômenos que não têm outra

característica comum a não ser não terem sido contemporâneos, matéria de um

conhecimento racional? Será possível imaginar, em contrapartida, uma ciência total

do Universo, em seu estado presente?” (BLOCH, 2001, p. 52).

Nas origens da historiografia isso até era comum, mas essas primeiras

memórias, desordenadas, confusas, necessitaram de uma classificação. Como

escreve Bloch, a linguagem tradicional conservou o termo história a todo estudo de

uma mudança na duração temporal. Exemplo: a história do sistema solar é alçada

da astronomia, a história das erupções vulcânicas é alçada da física, mas ambas as

escolhas não pertencem à escolha dos historiadores. Então, qual é a escolha dos

historiadores diante da história efetiva?

A escolha do historiador estará ligada à atitude humana, de uma

sociedade, de um grupo, diante da história efetiva. Basicamente, o critério do

historiador é a presença humana. Ele, o homem, ou melhor, os homens, é que são

parte fundamental do objeto do historiador. Diante de toda produção cultural, são os

seres humanos e suas atitudes em relação a tudo, o que o historiador quer capturar.

O que deve ser critério de escolha dos historiadores é o que está atrás dos artefatos,

documentos, instituições, edificações, etc. As pirâmides são menos importantes para

os historiadores do que as sociedades que as construíram. Como escreve Bloch, o

historiador é como o ogro da lenda, que fareja carne, sabe que ali está a sua caça, a

sua escolha de historiador (BLOCH, 2001, p. 54). É interessante como essa idéia

entra em conformidade em certos aspectos com as análises marxistas, como a

expõe E. P. Thompson (THOMPSON, 1981, p. 55): “A pátria marxista continua onde

sempre esteve, no objeto humano real, em todas as suas manifestações (passadas

e presentes)”.

A partir das escolhas pela presença humana, da busca das fontes e

testemunhas possíveis além de suas análises e averiguações, também existe a

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necessidade de saber expressar-se. Como, a partir de um método de pesquisa, a

arte de expressar-se deve fazer parte do rol de aptidões de um historiador? É o que

a partir do próximo parágrafo será tratado.

2.6.3 A estética da linguagem científica em História

Como a História pode se expressar? Como ciência, ou como arte? É

possível expressar a História dos historiadores, com linguagem matemática? Antes

de responder, é preciso ponderar: “não há menos beleza numa equação exata do

que numa frase correta”, escreve Bloch (2001, p. 54). Mas não há como negar que

toda a linguagem de uma ciência possui uma estética. As atitudes humanas são por

essência muito sutis e delicadas, e muitos fogem de uma medida puramente

matemática. Por isso se faz necessário, para traduzir, expressar as atitudes

humanas em uma linguagem fina, “uma cor correta no tom verbal” (2001, p. 55). O

contraste entre a expressão das realidades do mundo físico e as realidades do

espírito humano é como o contraste entre o fresador e o luthier (fabricante e

regulador de instrumentos de corda). Coloca Bloch (2001, p. 55):

(...) ambos trabalham no milímetro; mas o fresador usa instrumentos mecânicos de precisão; o luthier guia-se, antes de tudo, pela sensibilidade do ouvido e dos dedos. Não seria bom que nem o fresador se contesse com o empirismo do luthier, nem que este pretendesse imitar o fresador. Será possível negar que haja, como o tato das mãos, um das palavras?

Para Bloch, é possível num texto escrito, bem escrito, expressar

cientificidade. Ou seja, a linguagem matemática ainda é linguagem. Aliás, a

linguagem matemática tende a progredir, não quando chega à exatidão da medida,

mas quando essa exatidão tende ao abstrato, juntamente com a linguagem, ao ver

os erros de cada passo alcançado. Não seria diferente na História. O conhecimento

científico em História progride quando as expressões não são exatas, mas tendem

ao abstrato, ao mais complexo. Muitas vezes até linguagem matemática precisa ser

narrada, por mais que os símbolos sejam outros, sobretudo em explicações de

projetos científicos. A História precisa ser narrada, explicada, apresentada, descrita,

e etc., mas isso não deve confundi-la com um estilo literário ou artístico. Não se

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compreende o que não se sabe dizer. Para se explicar, é preciso um estilo. Só é

possível ensinar com integralidade científica e integridade moral, o indivíduo que de

fato aprendeu.

O modo de expressão deve sempre revelar todos os passos da aplicação

do método crítico, sobre tudo pela consciência do acontecido na pesquisa, ou seja,

com expressões que indiquem uma espécie de escalonamento de certeza, pois na

História, a certeza é sempre pueril, pois os testemunhos são falíveis de crítica. Além

disso, nos modos de expressão dos trabalhos de pesquisa, devem também revelar a

concepção de tempo, pois esse elemento é fundamental para aplicabilidade de um

método histórico. Não existe expressão científica em História que não tenha alguma

noção expressiva de tempo como referencia. É o que a próxima abordagem trata.

2.6.4 A noção de temporalidade e a “tomada de consciência”

Bloch (2001, p. 55) coloca: “História, ciência dos homens”, mas

acrescenta: “dos homens no tempo”. Na realidade, esse autor considera que

nenhuma ciência pode se abstrair do tempo, ou seja, nenhuma ciência é atemporal.

Entretanto, para muitas dessas ciências o tempo representa apenas uma medida.

Mas na História, “o tempo é realidade concreta e viva, é o próprio plasma em que se

engastam os fenômenos e como o lugar de sua inteligibilidade” (BLOCH, 2001, p.

55). Bloch exemplifica dizendo que o tempo, para a atomística, é dado fundamental,

para geologia o tempo é dado histórico, para a História é um continuum e perpétua

mudança. É da antítese desses dois atributos temporais da História que provêm os

problemas da pesquisa histórica (BLOCH, 2001, p. 55).

Segundo Le Goff, no prefácio da obra de Bloch (2001, p. 135), o tempo da

História oscila entre o que Fernand Braudel vai chamar a ‘longa duração’, e essa

cristalização, que Bloch chama de momento, em vez de acontecimento, e a

mediadora é a “tomada de consciência”:

O historiador nunca sai do seu tempo, mas por uma oscilação necessária, que o debate sobre as origens já nos deu a vista, ele considera ora as grandes ondas de fenômenos adaptados que atravessam, longitudinalmente, a duração, ora no momento humano em que essas correntes se apertam no poderoso nó das consciências.

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Não é possível progredir para uma unificação da medida do tempo, por

mais que se tente, pois o tempo da História escapa a uniformidade:

O tempo humano (...) permanecerá sempre rebelde tanto à implacável uniformidade como ao seccionamento rígido do tempo do relógio. Faltam-lhe medidas adequadas à variabilidade de seu ritmo e que, com limites, aceitem freqüentemente, porque a realidade assim o quer, apenas zonas marginais. É apenas ao preço dessa plasticidade que a história pode esperar adaptar, segundo as palavras de Bergson, suas classificações às “próprias linhas do real”: o que é, propriamente, a finalidade última de toda a ciência. (BLOCH, 2001, p. 153).

Uma das problemáticas entre os historiadores, e isso se generalizou para

o senso comum, é o que Bloch chama de idolatria das origens. Ou seja, criou-se

uma crença de que o começo explica. Por causa dessa crença, as ciências humanas

muito se atrasaram em relação às ciências da natureza, e uma das causas, segundo

Bloch, foi o evolucionismo biológico do século XIX, que parece supor um

afastamento das origens. Por isso, ele alerta que filiação, origem não pode ser

sinônimo de explicação, isso é uma ilusão dos antigos etimologistas. Com suas

palavras, Marc Bloch diz:

Em suma, nunca se explica plenamente um fenômeno histórico fora do estudo do seu momento. Isso é verdade para todas as etapas da evolução. Tanto daquela em que vivemos como das outras. O provérbio árabe disse antes de nós: “Os homens parecem mais com sua época do que com seus pais”. Por não ter meditado essa sabedoria oriental, o estudo do passado às vezes caiu em descrédito. (2001, p. 60).

Já alguns devotos do imediato concebem o tempo presente como algo

quase que totalmente do passado. Segundo Bloch, o presente, no infinito da

duração, é algo que foge sem parar, algo que mal nasce e já morre (2001, p. 60).

Qualquer ciência que pretenda ser ciência do presente se transforma abruptamente

em ciência do passado. Agora, quando é empregada de maneira mais frouxa, pode-

se dizer que “presente” é igual a passado recente. Mas isso ainda traz sérias

dificuldades, pois a noção de proximidade exige precisão. Diante disso, vêm os

desdobramentos em debates, em que se tenta definir o que é contemporaneidade.

Comumente, a partir do século XIX, só o que era longínquo em medida de tempo era

estudo da História, para os positivistas sobretudo.

Outros cientistas pensam ser perfeitamente normal estudar o presente

humano, pois é este que está vivo. Somente sociólogos, economistas, publicistas e

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jornalistas podem explorar o vivo. Os historiadores, para muitos que partilham dessa

idéia, estudam o que já é morto, o que já está mofado. Mas nesse ínterim, coloca

Bloch, as revoluções técnicas, para não dizer industriais e tecnológicas, geraram

uma ampliação desmedida no intervalo de tempo psicológico entre as gerações

(2001, p. 62). O exemplo que Bloch coloca é que o homem da era da eletricidade e

do avião se sente muito, mas muito distante de seus ancestrais. Assim, esses

mesmos homens concluíram que a ancestralidade, o passado distante, nada

determinou em suas contemporaneidades. Na prática, essa idéia funciona da

seguinte maneira: para “compreender os grandes problemas humanos do momento

e tentar resolvê-los, de nada serve ter analisado seus antecedentes” (2001, p. 63).

Mas segundo Bloch, essa idéia de auto-inteligibilidade assim reconhecida

no presente apóia-se em declarações, postulados. Uma é a crença de que nenhuma

instituição um pouco antiga, nenhuma maneira de se conduzir tradicionalmente teria

escapado às revoluções da modernidade. Mas isso é um erro, como pontua Bloch

(2001, p. 63):

Ao se prolongar aqui o erro sobre a causa, como acontece quase necessariamente na ausência de terapêutica, a ignorância do passado não se limita a prejudicar a compreensão do presente; compromete, no presente, a própria ação.

E o que falar das tradições orais tão presentes e que ligam gerações? E

as tradições escritas, que ligam pensamentos em transferência entre gerações que

muito se afastam em séculos? Trata-se de um erro. No campo epistemológico, o

próprio Bachelard coloca que o olhar para os conhecimentos do passado deve ser

um olhar atento a erros, para que no presente a ciência progrida como conjunto de

erros retificados. Em certa medida de intersecção, Bloch (2001, p. 65) coloca:

Entre as coisas passadas, enfim, aquelas mesmas – crenças desaparecidas sem deixar o menor traço, formas sociais abortadas, técnicas mortas – que, parece, deixaram de comandar o presente, vamos considerá-las, por esse motivo, inúteis a sua compreensão? Seria esquecer que não existe conhecimento verdadeiro sem uma certa escala de comparação. Sob a condição, é verdade, de que a aproximação diga a respeito a realidades ao mesmo tempo diversas e não obstante aparentadas.

Do mesmo modo, enfatiza Bloch que também de nada vale estudar o

passado se nada se sabe do presente. Ou seja, o historiador também deve se

interessar pelo vivo, aliás, diz Bloch (2001, p. 66) a apreensão do vivo é justamente

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“a qualidade mestra do historiador”. Um erudito que menospreza a sua realidade e

não se direciona aos acontecimentos ao seu redor, às pessoas, às coisas, esse

nada tem de historiador. Em outras palavras, o historiador tem de ser um perito do

seu presente, justamente porque o conhecimento do presente é muito importante

para compreensão do passado, e não apenas o inverso. Nisso, a postura do

historiador nem sempre será a mesma do que a ordem dos fatos conforme a linha

do tempo tradicional. Começar de traz para frente, buscando as origens ou as

causas dos fenômenos, é sempre correr o risco de buscar explicações pueris. Muitas

vezes, faz-se necessário adotar o que Bloch chama de método regressivo, começar

do mais conhecido, para o menos conhecido, independente de datas. Um método

prudentemente regressivo é um dos legados de Bloch, embora tal herança esteja

sendo mal explorada segundo Le Goff coloca no prefácio da obra (BLOCH, 2001, p.

25).

É desse modo que o historiador poderá pegar sua presa, “a mudança,

entregar-se com eficiência ao comparativismo histórico e empreender a única

história verdadeira... a história universal” (2001, p. 25). Le Goff diz que prefere,

pegando uma expressão de Foucault, chamar de história geral. Daí, as três

exortações de Bloch, segundo pontua Le Goff, algumas já mencionadas acima.

A primeira exortação é quanto à ignorância do passado que limita

conhecimento do presente e compromete a própria ação do presente. A segunda é

que o ser humano também muda, não só em seu espírito, mas até os mecanismos

de seu corpo, é daí que vem a legitimidade de se estudar as mentalidades, como

objeto da história, como também o estudo da história do corpo. No entanto, Bloch

(2001, p. 65) deixa bem claro que: “Decerto é preciso, todavia, que exista na

natureza humana e nas sociedades humanas um fundo permanente, sem o qual os

próprios nomes ‘homem’ e ‘sociedade’ nada significariam”.

E a terceira exortação é que essa história ampla, profunda, longa, aberta

e comparativa não pode ser realizada por um historiador isolado: “A vida é muito

breve” (2001, p. 26). Ninguém dá conta, mesmo sendo especialista, de compreender

tudo, mesmo em seu próprio campo de estudos. O ofício de historiador se exerce

numa combinação do trabalho individual e do trabalho por equipes. Ou seja, o

historiador precisará se contextualizar à sua comunidade científica, estar à

disposição dela, e tê-la como referencia, seja para criticá-la ou receber a crítica,

como afirma Bloch (2001, p. 68):

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A vida é muito breve, os conhecimentos a adquirir muito longos para permitir, até para o mais belo gênio, uma experiência total da humanidade. O mundo atual terá sempre seus especialistas, como a idade da pedra ou a egiptologia. A ambos pede-se simplesmente para se lembrarem de que as investigações históricas não sofrem de autarquia. Isolado, nenhum deles jamais compreenderá nada senão pela metade, mesmo em seu próprio campo de estudos; e a única história verdadeira, que só pode ser feita através de ajuda mútua, é a história universal.

Uma ciência não se define somente por seu objeto em relação à

temporalidade, mas também pelos seus métodos aplicados, pela natureza de seus

métodos. Agora faz-se necessário discorrer sobre o método propriamente dito em

História, no que tange suas especificidades.

2.7 O método crítico para a História: o valor da análise dos testemunhos para a

educação

Para nós, há uma ordem de fenômenos a que nos permitiremos chamar de fenômenos psico-sociais. Para se estudar com utilidade esta ordem importa dividi-la em famílias; importa substituir um método cronológico e parte de uma síntese provisória e empírica por um método analítico que, pela análise, tende a chegar a uma síntese científica. A história é uma recolha de experiências, não se trata apenas de publicar esta colheita, isso é trabalho de editor e não de cientista, trata-se sobretudo de a interpretar. (BLOCH, 1998, p. 15).5

Bloch, nessa citação, quer mostrar que há um elemento básico na

investigação histórica: a interpretação analítica. Ou seja, as fontes, os testemunhos

não falam por eles mesmos, não basta publicá-los, pois isso não é História, isso não

é ciência. Não basta haver fontes. Assim, não basta uma soma de testemunhos e aí

está a História. É preciso a crítica, fato que de certo modo deve ser elementar em

qualquer método em História. Bloch chama de crítica do testemunho, a arte de

discernir nos relatos o falso, o verdadeiro e o plausível. Não basta somente ter

acesso as fontes, é preciso fazer um trabalho analítico sobre elas.

A primeira obrigação do historiador é citar suas fontes. Mas isso ainda

não é História e todo um método aplicado. Nisso, aliás, diz Bloch que nada tem de

ciência, mas sim de preguiça. Faz-se necessário, no método histórico, o esforço

para compreender, pois nem toda fonte é confiável. A disciplina é constante, por isso 5 Trata-se de uma citação de um caderno de anotações de Marc Bloch, datado de 1906.

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Bloch (1998, p. 23) lança a sua admiração e respeito ao esforço, o cansaço, e a

incerteza quanto aos resultados. E alerta (2001, p. 89): “Que a palavra da

testemunha não deve ser obrigatoriamente digna de crédito, os mais ingênuos dos

policiais sabem bem”.

A erudição valoriza as fontes, mas de modo geral não as problematiza. O

historiador sempre terá de problematizar, terá de fazer a crítica das fontes. Não é

apenas costurar e harmonizar as fontes, que muitas vezes são antagônicas sobre

um mesmo acontecimento. A História não repousa no acontecimento, no fato, mas

na problematização das fontes sobre o acontecimento. E mais, quando a harmonia

entre as fontes está muito óbvia, aí deve repousar certa suspeita. Enfatiza Marc

Bloch (1998, p. 24-25):

Só há uma maneira de dizer: << é meio dia >>. Mas há muitas outras maneiras diferentes de contar a batalha de Waterloo. Se duas descrições da batalha de Waterloo se repetirem palavra por palavra ou até se assemelharem muito, concluímos que uma delas foi a fonte da outra. Como distinguir a cópia do original? Os plagiários são traídos pela sua inépcia. Quando não compreendem os seus modelos, os seus contra-sensos denunciam-nos. Quando procuram disfarçar o que é de outrem, perde-os a inaptidão dos seus estratagemas.

Bloch (1998, p. 25) também alerta que no método em História, na análise

das fontes, “a crítica histórica não tem que se dar a raciocínios aritméticos”. Ele cita

um exemplo e um axioma latino para demonstrar:

Dez pessoas garantem-me que no Pólo Norte o mar se estende livre de gelos e o almirante Peary que os gelos desse mar são eternos. Acredito em Peary que os gelos desse mar são eternos. Acredito em Peary e continuaria a acreditar se os seus opositores fossem cem o mil, pois foi ele o único homem a ter visto o Pólo. Um velho axioma latino diz: << Non numerantur, sed ponderantur >>. Os testemunhos pesam-se, não se contam. (BLOCH, 1998, p. 25).

Em suma, o historiador, a partir de seu método de análise das fontes,

nunca se entrega totalmente às fontes, mesmo às que parecem mais confiáveis.

Não é apenas uma escala de valores, pois mesmo um testemunho incompleto ou

falso pode ter muito a dizer em relação a determinado fenômeno, por vezes até mais

do que o testemunho mais completo e verdadeiro. O historiador não diz só qual

testemunha está certa ou errada, mas decompõe todas. Primeiro, porque existe o

risco de falsificação de testemunho, como vários exemplos comprovam,

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testemunhos não apenas escritos, mas materiais. Bloch (2001, p. 89) exemplifica tal

realidade com o estudo da Idade Média, período de grande falsificação de

documentos. Segundo, porque é uma raridade encontrar testemunhos exatos, isso

se eles existem. E terceiro, porque diante da formação de um testemunho, antes há

uma memória e uma atenção com falhas. Bloch diz que nossa memória é um

instrumento frágil e imperfeito, e isso ecoa e se revela em todas as fontes (2001, p.

26).

Um pressuposto muito importante na análise problematizadora de um

testemunho é procurar determinar quais os fatos que geraram a atenção da

testemunha, e o contrário também é importante, que é buscar quais os fatos lhe

escaparam. Bloch (2001, p. 103) chega inclusive a visualizar uma disciplina

necessária nesse trabalho: a psicologia do testemunho. Embora, como afirma o

autor, seja uma arte de sensibilidade nesse caso específico, há também uma “arte

racional, que repousa na prática metódica de algumas grandes operações do

espírito” (BLOCH, 2001, p. 109).

Outro pressuposto básico é a comparação das testemunhas. Na

comparação de testemunhas, é possível discernir certos elementos de veracidade

histórica. Escreve o autor (BLOCH, 2001, p. 109):

Foi aproximando os diplomas merovíngios seja entre si, seja de outros textos, de época ou de natureza diferente, que Mabillon fundou a diplomática; foi da confrontação dos relatos evangélicos que nasceu a exegese. Na base de quase toda crítica inscreve-se um trabalho de comparação.

Bloch alerta, no entanto, que o resultado dessas comparações nada tem

de automático. Por isso, o princípio da contradição exige o mais universal dos

postulados lógicos, que nada mais é do que a proibição de que um acontecimento

possa ser e ao mesmo tempo não ser. O critério da comparação sempre deve

rejeitar a atitude de se encontrar um meio termo, tão comum entre alguns eruditos. É

pela discrepância de testemunhas antagônicas, que nem sempre tem a ver com o

escrito, mas com o próprio material da fonte, que é possível julgar a fonte mais

confiável e o porquê das existências de fontes fraudulentas. Em suma, não se trata

apenas da natureza escrita de um documento, mas da sua própria materialidade.

Segundo Bloch, já se falou muito mal da crítica histórica. Um dos

argumentos é a acusação de que crítica histórica destrói a poesia do passado. Além

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disso, alega-se inclusive desrespeito à memória dos homens do passado. Contudo,

se tais argumentos são levantados, deve ser pelo fato, argumenta Bloch, da difícil e

exigente tarefa científica de se analisar as fontes. Mas, ironizando, Bloch diz que até

a ficção, até uma poesia de época pode ser uma fonte. Com muita consciência, ele

coloca que, para o historiador:

A beleza das lendas e a sua verdade própria está em traduzirem fielmente os sentimentos e as crenças do passado. Conhecendo-as como lendas saboreamo-las melhor. E depois – vou dizer tudo o que penso – se é certo que a crítica soube por vezes dissipar certas miragens que eram sedutoras, afinal, que importa? O espírito crítico é o asseio da inteligência. O principal dever é a higiene. (2001, p. 29).

Conclui-se, a partir dessa visão blochiana, que o método crítico é um dos

pilares básicos e de caráter central no trabalho do historiador. Desse modo, o

historiador não é aquele que conhece fatos do passado e os reproduz

mecanicamente. Justamente, é aquele que problematiza o passado a partir do que

as fontes contam desse passado e o reproduz criticamente, amparado pelo método

científico e seus referenciais, que pode ser por conhecimento adquirido de métodos

historiográficos ou mesmo, e de fato essa seria de suma importância, pela postura

científica de alguém que sabe fazer uso e citar na menor das hipóteses um método

científico quando simplesmente está expondo um conteúdo historiográfico.

Ao apresentar um esboço de uma história do método crítico no capítulo III

em Apologia da história, Marc Bloch defende que o método crítico de fato é filho do

humanismo do século XVII. E mais, não se trata de um produto do pensamento

cartesiano, embora traga similaridades:

[Assim como a “ciência” cartesiana,] ela procede a essa implacável inversão de todos as bases antigas apenas a fim de conseguir com isso novas certezas (ou grandes probabilidades), agora devidamente comprovadas, [Em outros termos,] a idéia que a inspira supõe uma reviravolta quase total das concepções antigas da dúvida. (...). É uma idéia cujo surgimento se situa em um momento muito preciso da história do pensamento. (2001, p. 92).

Foi desse momento, que se fixaram as regras essenciais do método

crítico. Em outras palavras, Bloch está afirmando que o método crítico não nasceu

de uma idéia cientificamente premeditada. Entretanto, aqui Bloch tranquilamente

afirma que esse método crítico não é filho da ciência positivista, e tão pouco produto

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de caráter científico, ou seja, não nasceu de uma inauguração científica. Embora

sua prática tenha sido por muito tempo realizada por um punhado de eruditos,

exegetas bíblicos e curiosos, a grande problemática desse trabalho, que os ditos

historiadores por vários momentos relutavam em usar, é o desperdício de um

esforço intelectual que se processa por si mesmo. De um modo geral, os

historiadores não queriam misturar a preparação (o lidar com as fontes) com a

realização, ou seja, editar, apresentar a História. Um cisma demasiadamente

complicado na visão de Bloch.

Apenas no século XIX apareceu um esforço contra esse cisma intelectual

entre os historiadores. “Sobre tudo a escola alemã, Renan, Fustel de Coulanges

restituíram à erudição sua condição intelectual. O historiador foi levado à mesa de

trabalho” (2001, p. 93). Ou seja, foi um processo no contínuo do pensamento e da

produção de conhecimento. Ou seja, uma espécie de interdisciplinaridade histórica,

processual e não produzida conscientemente.

No entanto, isso ainda não caracteriza o esforço intelectual de um

historiador. Como diz Bloch (2001, p. 94), “fora dos jogos de fantasia, uma afirmação

não tem o direito de ser produzida senão sob a condição de poder ser verificada”.

Ou seja, além de o historiador ter que saber fazer a análise das fontes, ele as faz

falar, não pela apresentação pura e simples (datando, e mostrando as origens), mas

pela compreensão. Isso, no que concerne o método crítico é o que diferencia um

historiador de um erudito. Escreve Marc Bloch:

O historiador não é, é cada vez menos, esse juiz rabugento cuja imagem desabonadora, se não tomarmos cuidado, é facilmente imposta por certos manuais introdutórios. Não se tornou, certamente crédulo. Sabe que suas testemunhas podem se enganar ou mentir. Mas antes de tudo, preocupa-se em fazê-las falar, para compreendê-las. É uma das marcas mais belas do método crítico ter sido capaz, sem nada modificar seus primeiros princípios, de continuar a guiar a pesquisa nessa ampliação. (2001, p. 96).

A crítica dentre tudo, das falsas e verdadeiras testemunhas, sejam elas

oficiais ou não, não apenas busca o que é verdadeiro ou falso, mas sobretudo a

atitude humana, ou melhor, o próprio homem: “Eis portanto a crítica a buscar; por

trás da impostura, o impostor; ou seja, conforme a própria divisa da história, o

homem” (BLOCH, 2001, p. 98). Nesse ínterim, Bloch (2001, p. 100) faz uma

acusação muito interessante ao falar dos românticos e da Idade Média, dizendo que

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os períodos mais ligados à tradição foram aqueles ligados por uma necessidade de

revanche em prol da criação, juntamente com a força de venerar o passado, foram

em muitos momentos levados a inventá-lo.

Paul Veyne, nesse caso específico, em sua obra Como se escreve

História e Foucault revoluciona a História, coloca que História não é uma ciência,

não tem método e não explica. Assim, para Veyne, a História é narrativa com

personagens reais, e mesmo analisada pelas fontes não pode alcançar o “realmente

acontecido”. Paul Veyne entende que a História é subjetiva, pois se tudo é história, a

“História termina sendo o que foi escolhido pelo historiador” (VEYNE, 1998, p. 198).

Mas se de fato a História é mera escolha e recorte, o método crítico perde valor. No

entanto, como muito bem escreve Ciro Flamarion, que não abre mão de afirmar a

cientificidade da História, “desde o materialismo histórico e Annales, a História

deixou de estar voltada para fatos singulares e passou a abranger estruturas globais

sujeitas a regularidades, como a vida econômica e as estruturas sociais e culturais”

(FLAMARION apud SILVA; SILVA, 2006, p. 182). Ciro Flamarion afirma que:

(...) a oposição entre disciplinas de observação direta e a História, cuja observação seria unicamente indireta, é das mais duvidosas. A Física, por exemplo, inclui em suas teorias muitos elementos cuja observação direta não é possível, e o mesmo ocorre com muitas outras ciências. E nem sempre a observação direta é vedada ao historiador – por mais que, de fato, tenha limites às vezes estritos. Ao trabalhar com vestígios materiais de diversos tipos – monumentos, moedas, restos descobertos em escavações, etc – temos, justamente, casos de observação direta. (FLAMARION, 1981, p. 50).

Já o argumento do também historiador de tradição marxista, e sempre

digno de nota, elucida bem mais o que Flamarion argumenta em contraposição aos

que defendem a não cientificidade da História. Para Edward Palmer Thompson,

segundo coloca Regina Célia Linhares:

(...), a história real existe independente de qualquer esforço cognitivo do sujeito, e que quaisquer categorias ou conceitos empregados pelo materialismo histórico só podem ser compreendidos como categorias históricas, isto é, conceitos próprios para investigação de um processo, de uma realidade que não é passível de representação conceitual estática, mas que deve ser interrogada na sua irregularidade e contradição. (THOMPSON apud HOSTINS, 2004. p. 39).

Convém, em relação isso, colocar algo que muito importa no pensamento

de Bloch em uníssono com o pensamento de Thompson. Marc Bloch deposita muita

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importância e cuidado em relação à crítica das testemunhas, mas entende que a

crítica das testemunhas não é uma ferramenta metódica infalível. Escreve o autor

que:

(...) não basta reconhecer evasivamente a possibilidade de encontros fortuitos. Reduzida a essa simples constatação, a crítica oscilaria eternamente entre o pró e o contra. Para que a dúvida se torne instrumento de conhecimento, é preciso que, em cada caso particular, o grau de verossimilhança da combinação possa ser sopesado com alguma exatidão. Aqui, a pesquisa histórica, como tantas outras disciplinas do espírito, cruza seu caminho com a via régia da teoria das probabilidades. (BLOCH, 2001, p. 116-117).

Faz-se necessário grifar essa nota, tamanha importância desse

pensamento. De fato, existe uma história efetiva, independente de uma ciência

histórica, mas é uma determinada ciência histórica que observa e analisa para

compreender e depois ensinar. Ou seja, a história efetiva não se apresenta para o

ensino e conhecimento nua e cruamente, a não ser que seja observada,

questionada, analisada, ponderada, decomposta etc. Isso não se faz por mero

subjetivismo, pois se assim for de fato a História não é ciência. Como diz Thompson,

é preciso categorias de análise histórica, conceitos de investigação de um

processo, sobretudo processos onde se identificam contradições, ou seja, método

científico. Disso Marc Bloch, mais do que ninguém, não abre mão.

Mas aqui também surge uma problemática que merece uma atenção

especial: o próprio Bloch (2001, p. 117) elucida que ponderar sobre a probabilidade

é “estimar as chances que tem de se produzir”. Só que num sentido totalizante,

olhando para o passado, isso é muito complicado e estranho. O futuro é sim

aleatório, “o passado é um dado que não deixa mais lugar para o possível” (BLOCH,

2001, p. 117). Um exemplo muito esclarecedor, por sinal:

Antes do lance de dados, a probabilidade para qualquer das faces era de um sobre seis; lançados os dados, o problema desaparece. Pode ser que hesitemos mais tarde, se nesse dia desse o três ou então o cinco. A incerteza está, portanto em nós, em nossa memória ou na de nossas testemunhas. Não nas coisas. (BLOCH, 2001, p. 117).

A problemática em relação às probabilidades, e aqui isso fica um pouco

mais esclarecido, não está no que aconteceu no passado, mas na lembrança, na

memória das testemunhas. Ou seja, existe probabilidade porque as testemunhas e o

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método de análise são humanos, é do espírito, e por melhor que seja sempre será

falível de erro ou erros. Mas é justamente por isso que é uma ciência a progredir,

pois reconhece os erros do espírito científico como erros do espírito humano, ambos

produtores de memória. Contudo, erros que podem ser retificados.

Claro que, num recorte temporal, um historiador poderia recorrer a um

tempo anterior a determinado fato do passado e lançar perguntas de probabilidade,

mas ainda assim trata-se de imagem recuada de algo já acontecido. Para Bloch, tais

ponderações não são científicas. Trata-se apenas de jogos metafísicos, momentos

de diversão, simples artifícios de linguagem destinados a trazer à luz, na marcha da

humanidade, a parte de contingência e de imprevisibilidade. Tal prática nada tem a

ver com crítica do testemunho. Não se trata de atitude científica.

Outro risco, e que muitas vezes vem acompanhado com um ar de

erudição, é a rejeição ao acaso. Em algumas ramificações da lingüística, parece que

um único objetivo é ver as semelhanças e parentescos entre os escritos.

Obviamente, ela possui essa prerrogativa devido às próprias particularidades dos

fenômenos da linguagem, ou seja, existem casos lingüísticos em que as

semelhanças são mero acaso. Alguns lingüistas, muitas vezes fanáticos pela crítica

dos estilos, como diz Bloch, esquecem-se que certos estilos fazem parte de um todo

e um momento comum, que traz semelhanças entre escritos de um mesmo período,

mas que necessariamente não tem nenhum parentesco de originalidade. A busca

pela genealogia de manuscritos também levanta erros muitas vezes caríssimos. E

mais, o estilo de um determinado autor pode mudar, pois nunca existiu nenhuma

regra universal dizendo que um determinado autor só utilizava ou mesmo utiliza um

determinado modelo.

Por isso, a maioria dos problemas da crítica histórica consiste de fato em

problemas de probabilidade. A técnica mais sutil muitas vezes deverá declarar-se

incapaz de resolvê-los, não porque as testemunhas sejam apenas em alguns casos

dotadas de uma enorme complexidade, mas porque muitas vezes essas

testemunhas permanecem “rebeldes a qualquer tradução matemática”. E isso, ou

seja, aceitar a inocência de uma coincidência seria um absurdo para os eruditos,

segundo Bloch. Entretanto, se as fontes forem consideradas em uníssono por uma

semelhança apenas de fachada, pode ser o início de um passo em falso na atitude

de um historiador (2001, p. 120-121). Um exemplo clássico:

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É célebre o exemplo da palavra bad, que, em inglês como em persa, quer dizer “mau”, sem que o termo em inglês e o termo persa tenham absolutamente uma origem comum. Quem, sobre essa correspondência única, pretendesse fundamentar uma filiação pecaria contra a lei tutelar de toda crítica das coincidências: apenas os números têm vez. (2001, p. 120).

Mas fica a questão: e a certeza científica? Citando Mabillon, Bloch (2001,

p. 122) afirma que a crítica dos documentos não é capaz de atingir a certeza

metafísica. Assim, Bloch (2001, p. 122) coloca que, limitando “sua parcela de

garantia a dosar o provável e o improvável, a crítica histórica não se distingue da

maioria das ciências do real senão por um escalonamento sem dúvida mais

nuançado nos degraus”. Por isso a certeza pode ocorrer, mas ainda sempre correrá

o risco de ser superada. Em suma, as fontes são base, desde que analisadas

criticamente, e não apenas ordenadas por leis imutáveis e puramente matemáticas.

Na conclusão do capítulo três, Bloch (2001, p. 124) lança concepções de

extrema importância, até para legitimar a importância do assunto em relação a

propostas de cursos que visam à formação de historiadores capazes de ensinar:

Em nossa época, mais do que nunca exposta às toxinas da mentira o do falso rumor, que escândalo o método crítico não figurar nem no menor cantinho dos programas de ensino! Pois ele deixou de ser apenas o humilde auxiliar de alguns trabalhos de oficina. Doravante vê abrirem-se diante de si horizontes bem mais vastos: e a história tem o direito de contar entre suas glórias mais seguras ter assim, ao elaborar sua técnica, aberto aos homens um novo caminho rumo à verdade e, por conseguinte, àquilo que é justo.

De fato, aqui Bloch levanta e percebe uma grande problemática: a

invisibilidade da crítica das fontes nos programas de ensino. Aqui, sem fazer

generalizações, o que fica é pelo menos a necessidade de uma noção da existência

da operabilidade dessa técnica científica, metódica, falível, mas que busca a

verdade do conhecimento e a construção de uma historiografia dos homens no

tempo.

Cabe aqui uma síntese recorrente sobre o que Bloch coloca como

essencial em relação à cientificidade da História e o perfil do historiador. Conclui-se

que a espinha dorsal dessa cientificidade é a presença do método científico. É nele

e em suas manifestações que a cientificidade da História pode ser assumida, e as

suas recorrências pedagógicas podem ser identificadas. Essas manifestações,

compreendidas aqui como categorias configuradas do método científico, tratam-se:

do esforço disciplinar e racional, no caso postura científica diante da História; da

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conscientização de que a História se realiza como ciência não apenas em

declarações institucionais; questões epistemológicas e de formação docente no caso

da formação em História estão imbricadas.

Mais do que isso, em se tratando das manifestações desse método

científico no perfil do historiador, é possível categorizar: o caráter do historiador se

funde nos aspectos profissional, científico e pedagógico; sua postura diante da

história efetiva é a busca e escolha do seu objeto científico, que é “atitude humana”

no tempo e expressividade de toda essa busca; a linguagem expressiva dos

resultados deve ser científica e não artística, mesmo que seja narrativa, explicativa,

apresentada ou descrita; os estilos de expressão historiográfica, que não é a própria

História, mas apenas sua expressão, devem conter, a fim de que seja linguagem

científica, todos os passos da aplicação do método científico, inclusive as

dificuldades; os atributos do tempo, para o historiador, não se baseiam em medida

matemática, mas antes na antítese entre um continuum e uma perpétua mudança; é

dessa antítese que provêm os problemas da pesquisa histórica quando o historiador

toma consciência disso; o historiador sabe que o valor da interpretação das fontes é

imprescindível antes de apenas citá-las; os historiadores não trabalham isolados,

pois reconhecem a necessidade de outros historiadores socializarem seus trabalhos

científicos, visto que a História efetiva é universal e sua vida científica é breve diante

dessa universalidade histórica.

Diante dessa exposição, mas muito mais do que isso, da captação desses

conceitos e categorias em Bloch sobre a cientificidade da História e sua relação com

a formação de professores, cabe agora partir para a análise do PPP do curso de

História da UNESC e perceber na proposta as relações diretas, indiretas, presentes

e ausentes do método científico proposto pelo curso e a capacitação dos

historiadores, ou seja, o perfil do historiador que o curso se propõe a formar.

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3 A CIENTIFICIDADE NO PPP DO CURSO DE HISTÓRIA DA UNESC

Os alunos que chegam a UNESC trazem expectativas em relação a uma Universidade que faz ensino, pesquisa e extensão. Isso nos faz pensar em como elevar a qualidade do ensino diante de uma realidade tão dinâmica e exigente. (UNESC, 2002, p. 4).

Nesta parte da pesquisa, como já mencionado no capítulo introdutório,

não haverá propostas de um melhoramento do PPP analisado e tão pouco

posicionamento valorativo a partir de opinião pessoal. Aqui, o que será apresentado

a partir das ferramentas oferecidas por Bloch é uma análise que procura identificar a

presença, e as formas dessa presença da cientificidade da História em sua

manifestação na proposta do Curso de História da UNESC e sua relação com a

formação do historiador, que também é formado para ser professor, segundo o PPP.

Afinal, trata-se de um curso de Licenciatura e Bacharelado.

3.1 O curso de História da UNESC e o surgimento do PPP

O curso de História da UNESC nasce em 1995, num processo de

transformação do antigo curso de Estudos Sociais para o curso de História. Esse

curso de Estudos Sociais tem a sua primeira turma a partir do primeiro vestibular em

1974. Segundo os elaboradores do PPP que fazem uma periodização, aquele curso

de Estudos Sociais possuiu dois momentos distintos. De 1974 a 1980 o curso

funcionou normalmente, com o detalhe de que em 1978 o vestibular para ingresso

ao curso foi suspenso por falta de interessados (UNESC, 2002, p. 13). O curso de

Estudos Sociais habilitava profissionais para ensino no 1º grau e OSPB e Moral e

Cívica para o 2º grau (UNESC, 2002, p. 13).6

O segundo período foi com o reinicio do curso no ano de 1987, indo até

1991. Esse período foi marcado por uma nova grade curricular e pela

obrigatoriedade do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Além disso, segundo o

PPP, essa segunda fase também foi marcada pela participação dos alunos em 6 Nesse parágrafo do PPP citado, o mesmo afirma que essa formação para atuação profissional estava em conformidade com a legislação criada no contexto dos Governos Militares.

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movimentos estudantis e de professores na instituição, pela ênfase numa visão

crítica de História e Geografia e pelas semanas acadêmicas e viagens de estudo.

Em 1992 novamente o curso de Estudos Sociais é suspenso. O motivo era

a possibilidade de transformar o curso de Estudos Sócias da então FUCRI

(Fundação Educacional de Criciúma), em processo de instalação da futura UNESC,

em dois cursos: História e Geografia. Em 1995 o curso de História é implantado.

Conservando os traços originários do projeto do curso de Estudos Sociais,

esse novo curso de História, além de conservar as disciplinas baseadas nas

matérias de História, Geografia e Pedagogia, deixou de exigir as monografias

(TCCs) no final do curso. Em outras palavras, esse novo curso era apenas de

Licenciatura. Para os organizadores do PPP, essa caracterização da ausência da

elaboração de um TCC por parte dos acadêmicos reforçou a “dissociação entre

ensino e pesquisa e, conseqüentemente, desestimulando a prática da pesquisa no

curso” (UNESC, 2002, p. 13). Apenas em 1997 é que será aberta uma nova

discussão para redefinir o projeto do curso e elaborar um Projeto Político-

Pedagógico. O curso de Licenciatura e Bacharelado em História da UNESC foi

implantado no primeiro semestre de 2001.

O Projeto-Político-Pedagógico do curso de História da UNESC apresenta

que há uma distância efetiva entre os projetos dos cursos de graduação e o

conhecimento sobre as propostas desses mesmos projetos entre os alunos e

também professores. Afirmando isso na introdução, o PPP de História (UNESC,

2002, p. 4) expressa:

Levando em consideração que os cursos de graduação são a base desta universidade, parece-nos que não será possível cumprir os objetivos traçados sem algumas mudanças. Na prática, a maioria dos professores/as e alunos/as não conhecem o projeto político pedagógico dos seus cursos e, conseqüentemente, não sabem se os objetivos estão sendo alcançados. O curso é visto, pensado e operacionalizado exclusivamente pela grade curricular, ou seja, de uma forma fragmentada. Não há mecanismos de avaliação permanente com o propósito de verificar se o curso está alcançando os seus objetivos.

Num primeiro momento, a leitura do texto introdutório do PPP revela que

há uma espécie de contradição quanto à expectativa do recém-chegado acadêmico

à universidade e dos acadêmicos que já estão cursando. Ou seja, antes de o futuro

acadêmico ser matriculado no curso, ele tem uma expectativa de universidade que

faz ensino, pesquisa e extensão. Entretanto, ao fazer o curso, desconhece o PPP do

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próprio curso. Parece uma contradição que na realidade tem relação com o

conhecimento que cada acadêmico ou mesmo um professor tem sobre a

importância de um PPP e sobre o que é uma universidade. O que acontece, como o

documento pontua, é que acadêmicos e alguns professores conhecem algumas

graduações pela apresentação e operacionalização das grades curriculares e pelas

propagandas midiáticas sobre mercado de trabalho, financiadas pela própria

instituição.

O PPP (UNESC, 2002, p. 4) expõe que a função básica de um projeto

político pedagógico é projetar ações visando à superação de dificuldades e

obstáculos do presente, no intuito de se atingir metas a médio e longo prazos, a

partir de aspectos que justificam uma relevância social. Tais processos tanto na

elaboração, avaliação, e reconstrução devem ser permanentes, ressalta o

documento. Nesse momento, parece que a idéia de progresso constante em

processos de pensamento se faz presente e encontra intersecções com o

pensamento blochiano no que concerne a racionalidade na História.

No entanto, quando o PPP menciona que há ausência de mecanismos de

avaliação permanente com o propósito de verificar se o curso está alcançando os

seus objetivos, a crítica não se dirige apenas à instituição UNESC, mas ao próprio

curso, sobretudo no seu lidar com a própria concepção de cientificidade histórica,

afinal, como diz Bloch, os historiadores precisam dar provas da sua consciência

profissional, obviamente nesse caso ligados aos objetivos do curso tanto no ensino,

na pesquisa e na produção do conhecimento, como também na formação do

profissional de História. É perceptível, nesse caso, que há uma preocupação de

cunho ético por parte do PPP em esclarecer para a sociedade qual a função do

curso. Na concepção de Bloch, muito mais do que ética, a função de

“esclarecimento à sociedade” é um desdobramento prático do método científico em

História.

O PPP (UNESC, 2002, p. 4) afirma que o fundamental num projeto-

político-pedagógico “é o seu processo de construção, avaliação e reconstrução

permanente”. Na continuação, expõe que um PPP não pode ser confundido apenas

como um conjunto de atividades relacionadas ao ensino, não pode ser apenas um

pré-requisito de legalidade de um curso e não pode ser discutido inicialmente pela

grade curricular antes dos objetivos tratados, colocados como base para o PPP. Os

objetivos, segundo o PPP, seriam as definições do “perfil, com as competências e

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habilidades do profissional que se quer formar”. A pergunta a ser feita nesse caso,

pensando na cientificidade da História, é: qual a base referencial, ideológica e de

método para a formação dos objetivos?

A crítica que o PPP faz é direcionada a uma estrutura de graduação

ligada a uma concepção de ensino dissociada da pesquisa e da extensão e que

favorece em demasia a transmissão do conhecimento, a prática da cópia, a cultura

da nota, etc. Por sinal, essa crítica é muito relevante. Nessa perspectiva, os

elaboradores deste PPP visualizaram a necessidade de repensar o PPP do curso de

História da UNESC. O que convém a partir de agora é perceber, nesse exercício de

novas propostas por parte desses organizadores, não as concepções pedagógicas

explícitas, mas referenciais de cientificidade em História nas suas manifestações

pedagógicas sejam eles quais forem e, no caso específico, sendo o objetivo central

desta pesquisa perceber suas principais manifestações de cientificidade, que

segundo o referencial blochiano é o que mais deve se exigir num programa de

graduação de História: que método científico é proposto e manifesto?

3.2 A manifestação da “cientificidade” na elaboração do PPP

No primeiro parágrafo da página cinco do PPP, coloca-se que todo o

pensar de um planejamento de um curso deve ser embasado numa compreensão

mínima das principais teorias da aprendizagem. E o corpo docente, segundo o texto

do PPP (UNESC, 2002, p. 5), deve

(...) saber em qual teoria está baseada sua prática pedagógica, pois o problema principal não está na corrente que ele optou e sim no fato de não saber em qual delas se fundamenta a sua prática. Ter uma compreensão básica de como ocorre o processo de aprendizagem significa fazer uma opção consciente pela teoria que considera mais adequada para nossa realidade.

A preocupação em relação ao processo de ensino e aprendizagem é

apresentada como algo ligado com conhecimento de teorias pedagógicas, por parte

dos professores. Mas por que não ponderar também sobre o que a História como

ciência tem a dizer sobres os processos pedagógicos? Talvez porque para isso o

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próprio PPP teria de assumir politicamente como vai lidar com as mais variadas

teorias da História. E nesse momento, especificamente, cabe observar, seguindo a

própria organização textual do PPP, a sua metodologia em sua organização. E mais,

quando diz que não importa a corrente pedagógica optada desde que se tenha uma

e com algum nível de consciência, que não é esquadrinhado pelo documento, isso

possibilita dizer duas coisas: 1) que optar por uma corrente pedagógica é mero

detalhe, pois o que vale é ter uma desde que se tenha consciência dela; ou: 2) a

corrente pedagógica escolhida por um professor não irá qualificar ou desqualificar o

ensino-aprendizagem, pois, em outras palavras, o processo apenas exige a escolha

de uma corrente conscientemente, os desdobramentos já estão traçados.

Na exposição da metodologia de elaboração do PPP, coloca-se a

problemática de se organizar um curso de graduação pela grade curricular.

Basicamente, segundo o documento, quando organizado a partir dessa ótica, um

curso se torna a própria grade, que acaba sendo fragmentada, desarticulada,

hierarquizada, etc.

Alguns elementos apresentados pelo PPP (UNESC, 2002, p. 6) são

imprescindíveis para a formação ou reformulação de um novo curso: estudos,

certamente de cunho pedagógico; debates entre os sujeitos que fazem parte do

curso, discentes e docentes; ter conhecimento sobre noções de currículo;

intercâmbios de informação com outras instituições de ensino; a observância dos

objetivos da instituição de ensino, no caso a universidade; a observância das

Diretrizes Curriculares da Legislação Nacional. Mas e o debate sobre que História

ensinar para formar? Nessa lista de elementos necessários para a elaboração de um

curso de História, a questão de qual História ensinar se manifesta pela ausência, ou

seja, essa ausência se apresenta como se a organização do curso não dependesse

de que História está-se ponderando.

O debate sobre esse PPP começou em 1997, mas somente em março de

1999, com a presença de alunos e professores, é que foi constituída uma Comissão

Coordenadora do Processo de Redefinição do PPP. Essa comissão era composta

por dois professores, o coordenador do curso, dois acadêmicos e o presidente do

centro acadêmico. O primeiro momento de discussão e início de elaboração do PPP

se deu em abril de 1999, e basicamente tratava com os professores e alunos acerca

da seguinte questão: “o curso que queremos. Nesse ínterim, havia um texto

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preliminar constando os objetivos originais do curso e um texto básico sobre a

trajetória do ensino de História no Brasil e na UNESC” (UNESC, 2002, p. 6).

Aqui cabe uma ponderação. De fato a vontade democrática se faz

necessária em momentos em que decisões políticas se tornam urgentes. Todavia,

também é necessária ponderações de cunho pedagógico e epistemológico, muito

mais do que a vontade individual e coletiva, sobretudo conhecer ou ponderar, no

mínimo, sobre a dinâmica pedagógica do saber ou ciência que se quer ensinar para

formar. Perguntar aos alunos o que eles querem aprender e no que querem se

formar de fato é demonstrar respeito e ideal democrático, participativo, mas também

é correr o risco de apenas lidar com o senso comum. Em se tratando de ciência, ou

seja, da História como ciência, esta em seus processos de ensino e aprendizagem

deve gerar um salto de qualidade em relação ao senso comum, pois é justamente

pela sua cientificidade que ela opera e oferece formação.

Essa visão é colocada por Bloch (2001, p. 43) quando ele pontua que a

História, enquanto ciência, não pode ser discutida, ensinada e aprendida por puro

passa tempo. Em outras palavras, não pode ser discutida apenas nos primeiros

impulsos de curiosidade, sentimento que quase sempre acompanha os acadêmicos

que se engendram num curso de História. Ou seja, antes de colocar a História no

nível da opinião comum, consciente de toda limitação que isso implica, é perguntar a

própria dinâmica do método científico em História que tipo de ciência ela espera

fazer progressivamente (BLOCH, 2001, p. 44). E isso inclui obviamente o próprio

ensino, aprendizagem e formação.

Nessa dinâmica de elaboração do PPP, foram constituídos grupos de

trabalho entre professores e alunos sob a coordenação do professor em sala de

aula. Nesse ínterim, foi aplicado um questionário aos grupos com as perguntas

(UNESC, 2002, p. 7):

� Quais as habilidades e competências que o aluno deve possuir quando

se formar?

� O que é formar um aluno crítico, competente e compromissado?

� Qual o papel do aluno no processo de ensino-aprendizagem?

� O que e como fazer para que os trabalhos acadêmicos, as provas e as

próprias aulas sejam permanentemente um desafio ao crescimento, um

desafio ao crescimento do saber e como tal devendo acontecer de

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forma prazerosa e não desgastante ou irresponsável usurpando

enquanto aluno a produção do colega?

� Qual o papel do professor no processo de ensino-aprendizagem?

� Que parâmetro usar para avaliar empenho e desempenho do corpo

docente?

� Como tem sido nossa relação com a Universidade?

� Que tipos de relações podemos desenvolver com a sociedade?

� Onde o profissional deverá atuar depois de formado?

� O curso de História deve ser de Licenciatura ou de Bacharelado?

Tais questões colocadas são de extrema importância para reflexão. No

entanto, nota-se mais uma vez a ausência da questão: que História ensinar? É como

se essa questão já estivesse resolvida ou então como se não fosse necessário

ponderar sobre ela com os alunos, sobretudo num momento de reelaboração de um

PPP de um curso de História.

O tempo para elaboração e etapas desse PPP se deu da seguinte

maneira, resumidamente falando: os relatórios dos questionários foram incorporados

na fundamentação de uma proposta para reformulação de um novo PPP; foi

elaborado um diagnóstico geral sobre o ensino de História no Brasil e um

diagnóstico sobre o ensino de graduação. Essa versão da proposta ficou pronta em

dezembro de 1999. Segundo o texto (UNESC, 2002, p. 7):

Em março de 2000, solicitou-se o parecer do Professor Norberto Dallabrida da UDESC que, gentilmente, aceitou o convite para dar um parecer sobre a proposta. Depois de discutido o parecer e incorporado algumas das sugestões, estabeleceu-se um calendário de apresentação e discussão da proposta com os alunos (matriculados e egressos), professores, Diretoria de graduação e entidades educacionais da cidade. (...). A proposta foi apresentada, discutida e aprovada em reunião de colegiado. Assim o novo projeto já está sendo concretizado e não há dúvidas de que o mesmo representa um significativo avanço em relação ao projeto anterior. Entretanto é preciso instituir a prática de se avaliar constantemente os objetivos e as diretrizes do Projeto-Político-Pedagógico do Curso, pois caso contrário, continuaremos navegando em mar aberto, sem sabermos o rumo e a direção da viagem.

Diante dessa exposição a partir dos momentos ocorridos em prol da

elaboração da proposta de um novo PPP no curso de História da UNESC, busca-se

agora, seguindo a organização metodológica apresentada pelo próprio documento,

analisar os pressupostos teóricos que foram objetivados e apresentados na

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proposta. Nesse momento, a análise se objetiva em perceber os enlaces

epistemológicos da História e os objetivos do PPP sob a perspectiva das três

categorias sistematizadas a partir de Bloch sobre o método e suas manifestações

sobre: que História se manifesta no PPP; como essa História deve ser ensinada; que

historiador é formado.

3.3 A concepção de História e a relação com método

Há uma parte no texto do PPP que coloca explicitamente um conceito de

História. Tal conceito exposto observa certos pressupostos baseado numa

cosmovisão e princípios éticos:

Assim, não há apenas uma história, mas uma pluralidade de histórias, pois a cultura humana sempre foi múltipla e sempre será. Isso significa, no entanto, que devemos abarcar todos os conceitos e tendências como se fossem neutros ou que todos têm algo a contribuir. Há tendência e concepções que reproduzem preconceitos, perpetuam a opressão e reforçam a desigualdade social. Por isso o curso de História da UNESC explicita sua posição contrária a qualquer tendência e concepção que propicie a dominação, a violência, a intolerância e o preconceito. E ao mesmo tempo, abre espaços para vertentes que buscam a liberdade, igualdade social, solidariedade e respeito pelas diferenças culturais, assim como o respeito por crianças, mulheres, idosos, natureza, minorias étnicas, etc. (UNESC, 2002, p. 18).

Conceber princípios de cunho ético numa concepção de saber ou ciência

de fato tem relevância. O PPP pontua esse detalhe, afinal a História mal utilizada

pode privilegiar a uns ou a outros, como sempre em alguns momentos acontece.

Não é à-toa que Bloch, em Apologia da História, escreve que, além das reflexões

sobre método, objetos e documentação histórica, a ação política merece auxílio da

História. Em outras palavras, como o próprio historiador coloca: “a história serve a

ação”. A idéia básica blochiana é que a História se consuma na ética e, como

observa Le Goff no prefácio de Apologia da História:

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Marc Bloch, que detesta os historiadores que “julgam” em lugar de compreender, não deixa por isso de enraizar mais profundamente a história na verdade e na moral. A ciência histórica se consuma na ética. A história deve ser verdade; o historiador se realiza como moralista, como justo. Nossa época, desesperadamente em busca de uma nova ética, deve admitir o historiador entre aqueles que procuram a verdade e a justiça não fora do tempo, mas no tempo. (...). Compreender, portanto, e não julgar. (2001, p. 29-30).

E Bloch (2001, p. 45), na Introdução de sua obra, alerta que:

Não se pode negar, no entanto, que uma ciência nos parecerá sempre ter algo de incompleto se não nos ajudar, cedo ou tarde, a viver melhor. Em particular, como não experimentar com mais força esse sentimento em relação à história, ainda mais claramente predestinada, acredita-se, a trabalhar em benefício do homem na medida em que tem o próprio homem e seus atos como material?

Por isso, deve-se reforçar também, no sentido blochiano, a compreensão

científica em se tratando de História, como ação de cunho ético. Logo a ética

começa na ação do ofício de historiador. Isso é colocado aqui pelo simples fato de

que muitas são as maneiras de compreender, mas nem todas essas maneiras são

ciências e nem todas essas ciências falam a mesma coisa e estão no mesmo

patamar de compreensão. Como conhecer e como produzir conhecimento deve

estar no mesmo nível de importância, do que o que fazer com esse conhecimento.

Em suma, a ética na História, é aplicada inicialmente pela utilização

racional de um método. Assim, a legitimidade intelectual, vem antes do agir. E

mais, para Bloch, a História não deve ficar presa apenas as exigências de

curiosidade do senso comum. Ela deve possuir uma independência científica. Idéia

essa, convém frisar, não abordada no PPP.

Obviamente, depois do alerta colocado sobre sua postura ética, o PPP

(2002, p. 18) traz o seu conceito de História, explicitando-o com os seguintes

termos:

Em termos de conceito, podemos assumir a História enquanto ciência que estuda o homem no tempo e espaço. Investiga-se o que se passou, produziu e inventou-se no passado. O historiador indaga como as sociedades se organizavam, como se relacionavam, como produziam, como estabeleciam suas hierarquias de poder, como enfrentavam seus problemas individuais e sociais. A História investiga as transformações nas sociedades, as continuidades, as rupturas. Ela estuda o passado para melhorar o presente ou vislumbrar um futuro melhor para todos. A relação passado-presente-futuro, no entanto, é indissociável, pois o homem olha para o passado ou idealiza o futuro com os valores do presente.

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Diante dessas colocações, algumas observações e reflexões ainda são

necessárias. Em primeiro lugar nessa definição sobre o que é a História, o PPP

assume que a História é uma ciência. Inclusive nessa definição cita, embora não

indique a fonte, a clássica oração de Marc Bloch (2001, p. 55): “ciência dos homens,

(...): dos homens no tempo”. Uma ciência, porém, não deve ser assumida apenas

por uma declaração. Ou melhor, pode ser assumida, porém isso ainda é pouco para

dizer como essa ciência é. Em outras palavras, define-se uma ciência pelo seu

método de operação. Dizer o que ela é não é suficiente.

Em segundo lugar, naquela definição, o PPP sugere que o passado,

mesmo sendo colocado como indissociável do presente e do futuro, ganha um

pouco mais de importância, de caráter de observação científica maior. Isso é

explícito nas quatro primeiras orações da citação. O alerta de Bloch faz-se

necessário também aqui. Pela lógica da definição apresentada e inspirada na

definição de Marc Bloch, o passado não pode ser encarado como objeto científico e

tampouco outra qualidade de tempo. E nesse ponto o PPP concorda com o

postulado blochiano. Aliás, Bloch (2001, p. 54) coloca ainda que nenhuma ciência é

capaz de abstrair-se do tempo. Mais do que se produziu, inventou, organizou no

tempo, o que a História tem como objeto é o homem, ou os homens, ou melhor: os

seres sociais. Como já citado no capítulo anterior, o autor escreveu (BLOCH, 1998,

p. 296): “A História é acima de tudo a explicação do presente pelo passado”.

Ainda nessa direção, na definição do PPP há também menção sobre a

investigação das continuidades, que a partir do pensamento de Bloch, trata-se da

noção de evolução histórica. Ressalta-se aqui que, no pensamento blochiano essa

noção de continuidade humana é inibida no aprendizado, quando se estuda

História tendo apenas como referência temporal e espacial, os ciclos e divisões

tradicionais. Afinal, o passado não pode ser tratado de modo preconceituoso como a

antítese do presente. Por mais diferente que pareça ser o presente do passado, o

que há se tratando de História, é continuidade humana.

Nesse sentido há outra observação sobre definição de História feita pelo

PPP. A ciência História, como o PPP a expõe, faz ponderações de grande

importância sobre o presente. O presente é, para essa definição, o lugar temporal

que pode ser melhorado pelo estudo do passado. No entanto, a partir dos

postulados blochianos, História, como ciência, captura os homens no tempo,

obviamente em se tratando de passado e presente. Ou seja, tanto passado como

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presente são integrantes de algo que precisa ser aprendido tanto por professores

como por alunos, pois tudo está dentro da continuidade humana, e isso o PPP

explicita. O presente, por mais que possa ser melhorado, jamais deve ser a antítese

do passado (BLOCH, 1998, p. 296). Em outras palavras: os seres humanos no

tempo presente também são objeto científico da História.

Na concepção de História do PPP, é também percebido uma colocação

sobre as mudanças, transformações e rupturas nas sociedades. Tal colocação é de

muita propriedade para ‘o fazer’ ciência histórica e para a formação do cientista.

Aliás, seria de muita importância, fazer essa reflexão pedagogicamente. Bloch

(1998, p. 296), num artigo já citado nesta pesquisa, diz que na mudança, ou melhor,

no estudo da mudança é que está uma das razões do valor pedagógico que a

História possui no seu modo de operar. Porém, não há na definição de História no

PPP abordagem histórica sobre a noção do diferente. A História enquanto ciência

analisa as transformações e rupturas e assim, percebe que o mundo, mesmo na

continuidade humana, é diferente e variado. Por isso, como exemplifica Bloch,

quanto mais se estuda a História de civilizações distantes, no tempo e no espaço,

mais se apura no aluno de história a noção do diferente.

Diante dessas duas categorias blochianas, continuidade humana e

noção do diferente, é possível perceber no PPP que, na sua proposta de História a

ser realizada, deve haver a desmistificação da ideologia da evolução linear

progressiva das sociedades humanas (UNESC, 2002, p. 18). Visto que, toda e

qualquer periodização possui limites, como também possui limites as ideologias que

fomentaram tais periodizações (UNESC, 2002, p. 18-19):

Não há, portanto, nenhuma periodização neutra. As periodizações configuram uma visão de mundo e uma concepção de história. Neste sentido, a tradicional divisão quadripartite (história antiga, medieval, moderna e contemporânea) adotada pelas universidades brasileiras é uma construção européia, sobretudo da escola francesa. Trata-se de uma periodização que foi construída a partir da história da Europa, configurada por uma visão eurocêntrica do mundo.

A afirmação sobre a neutralidade temporal faz sentido, e faria mais ainda,

se houvesse uma afirmação mais categórica por parte do PPP em relação à noção

temporal da ciência Histórica que propõe ensinar. O PPP assume sua postura

crítica, a título de declaração, mas não expõe tampouco os limites da periodização

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tradicional, como também uma ponderação sobre o que é usar ‘de forma crítica’, a

periodização tradicional.

Outra categoria bochiana que merece destaque em relação ao PPP e seu

posicionamento em relação ao que é História, é justamente o método crítico. O

lidar com as fontes. Não se faz ciência História sem fontes. Porém Bloch salienta

que haja fontes, e que estas sejam problematizadas, pois o historiador se coloca

como cientista justamente porque com o seu método consegue problematizar a

história efetiva, ao fazer a interpretação analítica. A interpretação analítica é um

elemento básico na História enquanto ciência. Ou seja, o investigar, nada mais é do

que saber lidar com fontes, não como um erudito, mas como cientista que tem a

capacidade, auxiliado pelo método crítico, de problematizar a história. A palavra

‘investigação’ utilizada na definição de História no PPP poderia ser mais bem

definida em relação a esse sentido.

Além disso, o diferenciar a história efetiva e a História enquanto ciência

não pode ser ocultado. Afinal, como Bloch afirma, a única história verdadeira é a

História universal. Nesse sentido, o PPP deveria diferenciar esses dois conceitos

empregados quase sempre a mesma palavra: história. Essa diferenciação deve ser

feita na forma de declaração, e também, principalmente, no lidar com o método. A

História se apresenta no método científico em operação, e a história efetiva é o

próprio acontecer da realidade.

Nesse momento, convém tratar da concepção de Educação do PPP, e a

sua relação com a História enquanto ciência, que o PPP objetiva-se a ensinar para

formar. As categorias blochianas novamente serão utilizadas.

3.4 A concepção de Educação e a relação com método em História

Nos três primeiros parágrafos do PPP de História da UNESC, no tópico

“Concepção de Ensino e Pesquisa”, são colocados argumentos sobre porque

condensar no curso de História a Licenciatura e o Bacharelado. No terceiro

parágrafo consta:

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Para não incorrer nos mesmos equívocos, o curso de História da UNESC concebe o ensino indissociado da pesquisa [e]7 vice-versa. Propõe a formação do Professor-historiador independente da opção pela licenciatura ou bacharelado. Propõe-se a criar estratégias para descondicionar a prática da “cópia”, isto é, a prática de se copiar recortes de livros para montar mecanicamente um trabalho acadêmico. Partirá do aluno “real”, o que significa trabalhar com o perfil predominante dos alunos, levando-os a adquirir hábitos de leitura, estudo, interpretação e produção de textos. Estimulará o planejamento do ensino de forma interdisciplinar com o propósito de combater a fragmentação e o isolamento das disciplinas (UNESC, 2002, p. 19).

O PPP é explícito no que concerne à sua posição diante dos problemas

que são gerados quando um curso de História é dicotomizado entre Licenciatura e

Bacharelado. De fato, na História, à luz da perspectiva blochiana, o ensino e a

pesquisa não podem ser concebidos separadamente. Mas aqui cabe uma pergunta

básica: Por quê?

A resposta que o PPP dá tem a ver com os resultados constatados em

outros cursos ao longo da constituição de graduação das instituições no Brasil,

conforme sua análise. Os resultados são: empobrecimento da qualidade dos cursos,

com algumas exceções; apenas o desenvolvimento de habilidades de transmissão e

cópia de conteúdo já pronto; produção de conhecimento, experiência, e tecnologia

dissociada e inacessível à comunidade; surgimento de grupos de pesquisadores

alojados em universidades e comerciantes de conhecimento produzido.

Mas por que não perguntar a própria História e seu método, por que não

se pode dissociar o ensino da pesquisa? Propor a formação professor-historiador é

ainda conservar uma dicotomia, apenas agora engendrada por uma proposta

político-pedagógica. De fato, a História, como tal, necessita da interdisciplinaridade

não só nas propostas educacionais, mas nas de pesquisa também. Esse é um dos

maiores postulados de Marc Bloch.

Não existe outra forma de ser historiador se ele não der aula, não

socializar o que pesquisou e o que sabe sobre pesquisa histórica, não formar, não

prestar contas do produzido, não prestar contas de suas concepções de método e

intrinsecamente de ensino. A História para Bloch, em seu modo de operar, deve

sempre apresentar seu método de formação.

E é com o seu método de pesquisa que o professor vai poder ensinar a

explicação de textos, testemunhas, métodos de interpretação, noções de tempo e

7 Esta conjunção não está no texto original, possivelmente devido a um erro de edição.

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quem é o historiador. Esse “pedagogo”, como diz Bloch, tem a obrigação de ensinar

a interpretar fontes. Em outras palavras: quem quer ensinar História, formar

alunos em cientistas da História, tem que ser historiador. Bloch chega a colocar

que, quando não se exige capacidade de interpretação histórica por parte de um

professor de História, o sentido de observação histórica perde força, ou seja, o

olhar histórico apenas se dá no nível do “ouvir falar”, ou, “o professor me disse”. Mas

não basta o professor dizer, como se suas palavras fossem cheias de autoridade por

ele ser professor. Ele tem de apresentar os mecanismos da construção dos

conhecimentos sobre determinada problemática histórica, mostrar porque

determinado conhecimento é conhecimento histórico-científico ou não.

Além disso, a educação em História deve aproveitar conceitos de si

mesma enquanto ciência em seus processos pedagógicos. O PPP parece aproveitar

isso, no que tange o conceito blochiano de noção do diferente e continuidade,

quando o PPP propõe que em sua grade, com as disciplinas tradicionais da História,

não haverá pré-requisitos. Criticamente, o PPP (2002, p. 26) se posiciona afirmando

que:

O curso de História entende que a noção de pré-requisitos, como foi posta tradicionalmente nas grades curriculares, reflete uma concepção de ensino mecanicista e linear. O aluno praticamente era obrigado seguir um caminho curricular rígido-progressivo, enquadrando-o dentro da concepção de ensino que o percebe como uma folha em branco, que precisa ser preenchida. Ignorava-se sua experiência e restringia sua autonomia. Neste sentido o Curso de História optou por estimular a autonomia dos alunos, deixando sob sua responsabilidade a escolha por uma parte do caminho a ser seguido

No entanto, se tratando das disciplinas que tratam explicitamente de

Ensino e Pesquisa, são pré-requisitos sucessivamente: Teoria da História I, Teoria

da História II, Metodologia Científica da Pesquisa, Metodologia e Prática da

Pesquisa Histórica I, Metodologia e Pratica da Pesquisa Histórica II, Didática Geral I,

Didática Geral II, Filosofia da Educação, Metodologia e Pratica do Ensino I,

Metodologia e Pratica do Ensino II e Metodologia e Pratica do Ensino III. Se tratando

da formação tanto na pesquisa como ensino, os pré-requisitos são exigidos, sendo

que os ligados a cientificidade da História vem antes das disciplinas tidas como

pedagógicas.

Nesse sentido parece haver certa incoerência, ou melhor, certa confusão,

pela simples questão: por que os discentes são aptos e dotados de autonomia para

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trilhar seu próprio caminho no que tange as disciplinas tradicionais da História, e no

que tange as disciplinas teóricas e pedagógicas acima mencionadas, esse mesmo

aluno não está apto? O PPP não oferece uma discussão sobre essa questão. Aliás,

o PPP apenas assume que se trata de divisão didática: “Embora haja uma divisão

didática entre as disciplinas de História, de ensino e das áreas complementares,

compreende-se que todas as disciplinas são indissociáveis do ensino e da pesquisa”

(UNESC, 2002, p. 26).

No entanto, pode ser conjecturado um motivo: não existe a consciência

de que as disciplinas teóricas, metodológicas e pedagógicas não são entendidas

como necessárias no processo de formação nas disciplinas tradicionais da História,

para o PPP.

Ainda tratando desse assunto, a categoria blochiana baseada no método

regressivo pode ser evocada. Para Bloch o conceito do método regressivo em

História, tem haver com a idéia de partir do mais conhecido para o menos

conhecido. Transpondo essa categoria a realidade do curso de História da UNESC,

as disciplinas tanto teóricas como pedagógicas podem ser vistas, revistas,

consideradas nas disciplinas tradicionais, e vice-versa, desde que se parta do que

mais conhece para o que menos se conhece. O fato de haver ou não haver pré-

requisito é postura política que vem antes da pedagógica, pois de fato e verdade

todas essas disciplinas estão interligadas por um único eixo central: A História

enquanto ciência.

Continuando, em relação ao processo pedagógico, o PPP assume uma

postura crítica e contrária àquele tipo de aprendizado caracterizado como ensino

tradicional baseado numa relação passiva entre professor e ensino. Em

contrapartida, o PPP entende a aprendizagem como resultado de uma relação

dialética entre alunos e professores e mediada pelas condições de estrutura da

instituição (PPP, 2002, p. 20). Mais uma vez, coloca-se a responsabilidade do

ensino na relação professor e aluno e nas condições de estrutura da instituição, mas

se tratando da História, essa parece não ter nada a dizer sobre o ensino. Porém

Bloch traz o alerta que, é o método crítico que deve ser responsabilizado,

operacionalizado na formação de um historiador. Por isso, o historiador é pedagogo,

pois lida com o método crítico, que possui um programa de passos e trabalhos, e

que deve ser socializado, pois nesse programa proposto por Bloch, o ‘prestar

contas’, é um dos passos inegociáveis do método crítico.

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Logo após, no penúltimo parágrafo, o curso se posiciona sobre o que é

pesquisa e menciona a importância do método científico (2002, p. 20):

Por pesquisa, o Curso concebe todo o ato criativo de estudo, investigação, descoberta e produção acadêmica. A pesquisa em nível de graduação não pode ter o mesmo grau de exigência de um curso de pós-graduação, embora toda a pesquisa dita científica precisa seguir alguns princípios básicos. Na graduação, a pesquisa não precisa ser necessariamente inédita. Neste sentido, uma pesquisa bibliográfica na graduação pode não resultar ou acrescentar nada de novo ao mundo científico, mas pode representar uma grande descoberta e uma grande aprendizagem para um aluno/a de graduação.

E continua:

A pesquisa, quando orientada e desenvolvida pelo método científico, propicia descoberta, criação e construção de conhecimento. No entanto, a pesquisa não pode ser confundida com a tradicional prática da “cópia”, na memorização e da reprodução mecânica e fragmentada de conteúdos. A pesquisa é valida quando propicia descoberta ou redescoberta, criação ou recriação, elaboração ou reelaboração. (2002, p. 20).

Visualizando tais citações sobre o método científico, convém agora,

seguindo ainda algumas das categorias sistematizadas do pensamento de Marc

Bloch, perceber pelas manifestações do PPP qual o perfil do historiador que o curso

objetiva formar, lembrando que a presença do método científico se manifesta pela

própria explicitação desse método, pelo conceito de História, pelo processo ensino-

aprendizagem e pela figura do historiador que forma e que se quer formar.

3.5 Historiador: professor, pesquisador ou cientista?

Se tratando do aprendizado do método científico, o PPP coloca que:

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O Curso de História da UNESC também almeja a formação de alunos/as críticos e, por isso, propõe-se a desenvolver uma linha pedagógica crítica. Entretanto explicita-se a “crítica” que não se confunde com a “queixa”, tão comum nos meios escolares e universitários ainda hoje. Por crítica, entende-se um conjunto de posturas e procedimentos metodológicos que desmistificam o senso comum, que revelam discursos ideológicos e que elucidam as contradições de uma dada realidade. O exercício da crítica nos estimula a desenvolver habilidades para pensar, analisar e fazer. A habilidade de fazer crítica, de produzir um texto crítico ou elaborar uma metodologia de ensino coerente requer o poder de argumentação, contextualização e fundamentação teórica. (UNESC, 2002, p. 20).

Na citação acima, o Curso afirma que o acadêmico de História aprende a

ser crítico pelo domínio dos elementos que expressa, em outras palavras, aspectos

da cientificidade da História. São os elementos dessa criticidade: procedimento

metodológico que desmistifica o senso comum e elucida detalhes da realidade;

habilidades para pensar, analisar e fazer; capacidade de escrita baseada em

argumentação, contextualização e fundamentação teórica. Ou seja, aqui fica

elucidado que, na concepção do Curso de História da UNESC, crítica tem a ver com

cientificidade.

Esse senso de criticidade, porém, deve constar de condições para que os

acadêmicos atrelem-se a uma fundamentação teórica. Ou seja, o que está em jogo é

justamente a Teoria da História ou as disciplinas ligadas a ela, como Metodologia da

Pesquisa Histórica, e como elas abordam as mais variadas correntes da

historiografia e seus métodos. Por isso, apenas citar, mencionar determinadas

correntes não é suficiente para garantir a aproximação do acadêmico com

determinada corrente historiográfica. Além de citar, essas disciplinas devem

trabalhar o modo de operar do método científico em História, como é enfatizado

no pensamento blochiano. E caso não haja tempo hábil, que se adote uma como

referência e a aproxime com outras correntes no sentido de perceber as nuances e

diferenças. Convém frisar aqui que essa não é uma proposta, mas apenas um alerta

no sentido de que haja a exposição de determinado método científico em

operação, e não apenas rotulações no sentido de dizer e expressar partidarismos

científicos. O Curso, pelo menos em seu PPP, não apresenta em nenhuma de suas

disciplinas a possibilidade de um acadêmico vislumbrar um método científico em

operação.

Por exemplo, nas ementas dessas duas disciplinas, embora a primeira, a

Teoria da História, seja pré-requisito para se cursar Metodologia e Prática da

Pesquisa Histórica, parece que não há definição dos planos a seguir para que as

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disciplinas operem em conjunto contemplando exponencialmente o aprendizado de

determinado método científico. Desse modo, o curso apresenta (UNESC, 2002, p.

28-29): Teoria da História I: Mito-memória e história do pensamento da Antiguidade

clássica. Cristianismo e concepção de tempo. Idade Moderna e história como

disciplina. Correntes historiográficas do século XIX: positivismo – liberalismo –

marxismo – empirismo – historicismo; Teoria da História II: Historiografia do século

XX. Annales, historicismo e neomarxismo inglês, Frankfurt. Novos objetos e

abordagens. Foucault, Nietzche. Pós-modernismo. A nova história cultural. Produção

historiográfica brasileira e catarinense, algumas contribuições; Metodologia e

Prática da Pesquisa Histórica – TCC I: Levantamento de questões para pesquisa.

Problematização do tema e elaboração do projeto. Escolha de orientadores;

Metodologia e Prática da Pesquisa Histórica – TCC II: Pesquisa orientada.

Seminários de orientação. Redação e defesa pública da monografia diante de banca

de professores.

Marc Bloch defende a idéia da exposição do método, justamente porque,

quando alunos aprendem a fazer História, ou seja, aprendem que historiografia se

faz com método crítico, científico, a História irá cumprir seu papel pedagógico. Cabe

aqui ressaltar que o PPP elenca aptidões que os acadêmicos devem desenvolver.

Por isso, caminhando para o final desta análise, interessa perceber se essas

aptidões estão ligadas ao aprendizado do método científico em História.

A intenção aqui é compreender, pela análise do PPP, as características

que um historiador deve possuir, tendo uma visão de história efetiva, da História

como saber científico e qual a sua função como historiador no que tange: seu papel

como conhecedor das mais variadas historiografias; sua aptidão para produzir

historiografia a partir de um método científico; e seu papel como professor que

ensina historiografias e seus processos de construção.

Em primeiro lugar, neste momento há que se relembrar o que Bloch

realça sobre a importância do uso da racionalidade para a construção do

conhecimento histórico e o conhecimento sobre construções historiográficas. Em

uníssono, o curso de História da UNESC também propõe tal aplicação, como já foi

visto, quando apresenta e afirma que a História é uma ciência. Além disso, o próprio

PPP (2002, p. 23) explicita no tópico três, tratando das “Competências e

Habilidades do Profissional desejado: Diferenciar criticamente as tendências

historiográficas, de modo a distinguir as diferentes narrativas, metodologias e

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teorias”. Essa aptidão tem a ver com o historiador professor e pesquisador, como o

PPP aborda.

Em segundo lugar, para Bloch o historiador deve ser apto a ter atitude

diante da história efetiva. Essa atitude é sobre a escolha do objeto e a capacidade

de observação. Não é incomum alguns jovens interessados na História confundi-la

com a história efetiva, e declararem: “Tudo é história” ou “tudo faz parte da história”.

No entanto, o historiador sabe que nem tudo, para a História como ciência, é objeto

dela. O historiador deve ter consciência de que o seu objeto não é o passado. A sua

escolha, a sua observação está ligada à atitude humana de uma sociedade, de um

grupo, ou seja, do ser humano. Obviamente, essa observação se dá a partir de uma

caracterização temporal. O PPP não menciona explicitamente tal postura nos

objetivos do curso. No entanto, é possível captar no documento que é nessa direção

que o curso pensa em formar o profissional de História. Por exemplo (UNESC, 2002,

p. 18):

A definição de um conceito de História está relacionada com nossa visão de mundo, nossa concepção de homem/mulher. O conceito construído ou assumido dependerá de como vemos e compreendemos o funcionamento das sociedades. No interior de cada sociedade há uma ampla diversidade cultural e ideológica. Assim, não há apenas uma história, mas uma pluralidade de histórias, pois a cultura humana sempre foi múltipla e sempre será.

O PPP entende, embora não apresente sistematicamente, que a ênfase a

ser dada pela ciência História sobre a história efetiva é o ser humano e suas

construções sociais e ideológicas. Essa ênfase no ser humano é o princípio da

observação histórica para a captação de um objeto científico, ou seja, de um

problema histórico. E isso também é imprescindível para que um professor de

qualquer das disciplinas tradicionais da História, como Pré-história, História Antiga,

História Medieval, História Moderna, História da África, História da Arte, História

Contemporânea, tenha em seu cabedal de conhecimento. Ou seja, não é apenas

aptidão de pesquisadores, visto que todas essas disciplinas são conhecimentos

produzidos e repassados por historiadores, ou mesmo por aqueles que pensam ser

historiadores. Por isso um professor de História, não pode deixar de ser um

investigador, dentro de sala de aula. Como Bloch elucida, o professor de História

leciona justamente por possuir o ofício de historiador. E pela lógica bochiana, por ser

historiador é apto para ensinar.

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Em terceiro lugar, um historiador deve saber se expressar. Dito de outro

modo, o historiador deve saber expressar sua ciência, os resultados de suas

pesquisas e os resultados das pesquisas de outros. A História precisa ser descrita,

apresentada, narrada, explicada, e isso são ferramentas de exposição, e não a

própria História. Assim, o historiador deve ter aptidões que o leve a socializar e

diferenciar os resultados de pesquisas em História com seus alunos. Por essa ótica,

o PPP (2002, p. 23) também concorda com o postulado blochiano, quando diz que o

historiador deve:

Conhecer o referencial teórico-metodológico básico da história, familiarizando-se com os conceitos e categorias da historiografia nacional e internacional; e: Dominar procedimentos básicos do fazer pesquisa histórica, desde a formulação do projeto de pesquisa, manejo de fontes e produção de trabalhos monográficos.

Outra especificidade que o historiador, que tem a obrigação moral de

ensinar, deve ter em suas habilidades é noção de tempo. O tempo não é mera

marcação cronológica e nem se resume ao calendário cristão. E mais, não é algo a

ser decomposto e estudado, pois ele não pode ser resolvido em qualquer tentativa

de uniformização. Assim, o tempo para Bloch, como exposto no capítulo anterior, é

uma oscilação entre o que acontece “longitudinalmente”8 e o “momento”, expressão

preferida de Bloch, em vez de “acontecimento”. Quem mediará isso, é a tomada de

consciência, ou seja, a figura do historiador. Mas nisso há um alerta problemático: a

crença de que as origens, ou o passado, explicam melhor do que outros tempos.

Bloch explicita o papel do historiador colocando que ter ignorância do

passado limita o conhecimento do presente; o ser humano muda, não só em seu

espírito, mas também em seu corpo, ou seja, na longa duração as mudanças

ocorrem inclusive no ser humano e nos seus modos de existência; o historiador deve

ter consciência de que ele sozinho não dá conta de implementar seus

conhecimentos históricos, tamanha a generalidade e complexidade da história

efetiva. Esse historiador sabe que a sua comunidade, a comunidade científica, é

tão importante quanto a sua noção de tempo. Os objetivos específicos do PPP

(2002, p. 23) colocam que o curso visa a: “Ampliar e estimular a inserção

institucional dos docentes e discentes com a comunidade científica regional e

8 Fernand Braudel, representante da segunda geração dos Annales, chama os acontecimentos longitudinais de “longa duração”.

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nacional”. Parece que nesse objetivo do PPP, há uma preocupação em

conscientizar os futuros historiadores de sua dependência a uma comunidade

científica, como Marc Bloch também aborda.

Falando ainda sobre a noção de tempo, no que concerne a essa

capacitação, o PPP afirma a sua importância, mas não explicita esse atributo no que

tange as Competências e Habilidades do Profissional desejado. Mesmo sendo

mencionado como matéria de ensino na Teoria da História I (UNESC, 2002, p. 29), a

descrição do processo de aprendizagem sobre essa noção de tempo histórico não é

abordada em nenhum momento pelo documento.

Nesse mesmo sentido, o PPP também menciona a importância para o

historiador de ter noção sobre como “lidar com as fontes”, das mais variadas e

diferenciadas em nível de complexidade. Não expõe, porém, as nuances de como

lidar com essas fontes, esses testemunhos no processo ensino-aprendizagem. Para

Marc Bloch, a análise dos testemunhos, além de ser requisito essencial para

História, é requisito para os processos de formação dessa ciência. O PPP trata

apenas de dizer que o historiador, e assim o curso objetiva a ensinar, deve ser apto

no manejo com as fontes. Mas até onde vai essa aptidão? O curso não responde no

PPP. O manejo com as fontes é de cunho cronológico, positivista ou analítico

(problematizador, no sentido blochiano)? O curso também não responde. Bloch,

quando critica o positivismo, fala que as fontes não falam por elas mesmas, não é

suficiente publicá-las às centenas e achar que isso é pesquisa histórica. O PPP

concorda com Bloch. No entanto, não oferece uma descrição ou projeção de como

lidar com as fontes históricas no sentido de: identificá-las, analisá-las, criticá-las,

problematizá-las e saber o distanciamento que se deve ter delas. Bloch tem isso

para um historiador como um dos pilares básicos de sua formação, tanto para

ensinar, como para produzir conhecimento. Ou seja, não existe método em História

sem a crítica dos testemunhos, e tão pouco ensino, se este não visa a descrever o

processo de análise das fontes numa historiografia que está sendo socializada em

sala de aula.

Em suma, o historiador, no que tange à sua capacitação profissional, tem

de saber analisar as fontes de seu recorte temporal em amplas localizações, sejam

documentais, materiais e historiográficas, caso essas existam para que, como

cientista, possa produzir conhecimento ao analisá-las e automaticamente legar esse

conhecimento processado pela análise à socialização, ao ensino.

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A profissionalidade de um historiador não deve ser engendrada, a uma

comunidade científica e aos educadores de História, apenas por disciplinas tidas ora

como científicas, ora como educativas. Esse engendramento se dá no modo como

esse historiador opera a sua ciência, ou seja, no modo como opera os mecanismos

de seu método científico.

Nesse contexto, também há no PPP menção sobre a importância das

disciplinas referendadas do campo da educação e que caracterizam o curso como

Licenciatura. São elas: História da Educação, Filosofia da Educação, Didática Geral,

Psicologia da Educação, Estrutura e Funcionamento do Ensino Fundamental e

Médio, Prática de Ensino sob a Forma de Estágio Supervisionado. O PPP (2002, p.

125) pontua sobre a Estrutura, Habilitação e Carga Horária:

O curso de História da UNESC está estruturado para formar o Profissional em História. O currículo está organizado em oito semestres (quatro anos), com uma entrada anual, integralizando uma carga horária total de 2.880 horas/aula. As áreas que formam a grade curricular formam três conjuntos: a) Conhecimentos históricos/historiográficos; b) Conhecimentos pedagógicos; c) Conhecimentos gerais de sociologia, Filosofia, Arqueologia, Ecologia e Antropologia.

E também:

O Estágio e o TCC são atividades indissociáveis, sendo uma preocupação de todas as disciplinas. São obrigatórios e começam a ser desenvolvidas formalmente a partir da 4ª fase. Para o estágio está previsto um total de 306 horas/aula e para o TCC mais 216. As temáticas do Estágio e do TCC podem ser as mesmas, sendo que este último deverá ser defendido publicamente perante uma banca composta por três professores, conforme o regulamento da instituição.

Nessas duas citações, é evidente a preocupação dos organizadores do

documento em não dissociar o Bacharelado da Licenciatura no curso. Fica também

evidente que essa não-dissociação se dá por uma soma, um adequamento

aritmético no que concerne às disciplinas de Licenciatura somadas as do

Bacharelado e disciplinas do campo das ciências sociais e econômicas. Disso,

convém pontuar as seguintes reflexões.

Primeiramente, é possível fazer uma crítica no que se refere a esse

engendramento. Seria mais pedagógico, pela leitura de Bloch, não apenas somar

disciplinas oficialmente da educação, afinal a ciência História em seu modo de

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operar, segundo Bloch, já o é pedagógica. Mas sobre isso, até onde a pesquisa se

propôs a ir, já houve ponderações.

Em segundo lugar, convém levantar os pontos positivos acerca desse

engendramento, para finalizar a análise. Bloch coloca explicitamente, e o movimento

dos Annales atesta esse postulado nas duas gerações seguintes, que a busca de

auxílio em outros campos do saber é aceita, e até certo ponto necessária. O auxílio

da Psicologia, da Filosofia, da História da Educação, da Didática Geral, do Estágio

Prático de Ensino entre outras disciplinas é bem-vindo. Obviamente, tais disciplinas

lidam com objetos que não são os da História, e tão pouco algumas delas são

saberes científicos, mas, possibilitam interações que visam a qualificar o ensino de

História, ou melhor, o acesso por parte dos alunos ao campo científico da História.

Tais auxílios são necessários desde que não coloquem, por puro discurso

institucional, o método científico em História como ineficaz para a formação do

historiador. São disciplinas de auxílio, desde que não ocultem ou desestruturem a

espinha dorsal da História, que é o seu método em suas manifestações.

Do mesmo modo, são necessárias as disciplinas de Economia,

Sociologia, Ecologia, História da África, História da Arte e, no caso dessa realidade

específica, a Língua Portuguesa, tão essencial para as expressões historiográficas,

que muitas vezes podem ser comprometidas não por uma pesquisa ruim, mas pelo

uso desse vernáculo de forma desqualificada. Tais disciplinas são auxiliadoras,

sobretudo as sociais. Tais disciplinas são um legado de Marc Bloch, principalmente

porque essas interações revolucionaram o campo científico da História no início do

século XX, segundo os Annales.

Assim sendo, parte-se neste momento para algumas considerações e

ponderações necessárias para finalizar o que foi proposto na pesquisa.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Curso de História da UNESC, depois de algumas mutações ao longo de

sua história, hoje se revela como um curso de muita importância não apenas para os

que nele estudaram e estudam, mas também em relação à Universidade do Extremo

Sul Catarinense e a tudo que ela abarca.

Um curso que se objetiva a formar professores e pesquisadores assume

grande responsabilidade para si. E de fato conclui-se que o curso de História da

UNESC busca esse objetivo com seriedade e reflexão teórica. É desse modo que o

seu Projeto Político-Pedagógico releva suas intenções.

Por isso mesmo, esse PPP serviu para uma análise que transcende

apenas discussões de cunho institucional. Na realidade, a análise até aqui realizada

percebeu que um curso não pode se garantir sozinho apenas pelos investimentos

econômicos oferecidos e imposições políticas, e tão pouco por declarações

institucionais. Não é apenas isso que garante sua existência e seu propósito para

formar profissionais dedicados à pesquisa e ao ensino.

Existem outras forças de influência sobre um curso, a começar pelas

escolhas no campo do conhecimento que auxiliarão nessa função do ensino. No

entanto, o que mais se espera de um curso que visa formar historiadores é como ele

se deixa influenciar pela própria ciência que se destina a ensinar.

Pela análise a partir dos postulados blochianos abordados no PPP,

conclui-se que o Curso de História da UNESC de fato objetiva-se a formar

historiadores conscientes e se deixa influenciar pelo que ensina. Todavia, diante de

toda a trajetória e dificuldades na história do ensino superior de História no Brasil, da

qual o curso de História da UNESC faz parte, algumas conclusões são lógicas e

devem ser pontuadas a partir da análise realizada.

Primeiro, o fato de o curso de História da UNESC ter como diretrizes

aquelas oferecidas pelo Ministério da Educação a todos os cursos de História no

Brasil. Nesse sentido, há um eixo que todos os cursos devem seguir. Assim,

qualquer destoar desse eixo, corre-se o risco de se ter, aos olhos alheios, uma

desqualificação do curso.

Em segundo lugar, um hibridismo teórico acaba sendo percebido nos

enlaces propostos pelo curso de História da UNESC. Em sua proposta, alguns

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pressupostos são de cunho positivista, e é certo que isso é devido às obrigações

diante da pauta do ensino superior imposta pelas diretrizes curriculares dos cursos

de História no Brasil. O clássico exemplo é a divisão clássica da História em Pré-

História, História Antiga, História Medieval, História Moderna. Quanto a isso, o PPP

(UNESC, 2002, p. 19) traz a sua justificativa:

Em relação à periodização geral, o Curso de História da UNESC compreende os efeitos pedagógicos e ideológicos desta divisão. Entretanto, entende que seria um risco estratégico tentar romper isoladamente com esta periodização, uma vez que praticamente todas as instituições de ensino formal e informal do Brasil ainda seguem esta forma de divisão histórica. Por isso, optou-se por mantê-la, mas usá-la de forma crítica, extrapolando as fronteiras rígidas que determinam o início e o fim de um período histórico, incluir temáticas relacionadas à História do Brasil e outros assuntos, que não se restrinjam aos “grandes” temas políticos e econômicos.

Por outro lado, alguns pressupostos dos Annales são percebidos, a

começar pela própria definição da História como ciência, a partir de uma citação não

referendada de Marc Bloch, e pelas posturas críticas que questionam a crença de

cunho positivista, isto é, a evolução linear das sociedades. Isso revela, sem dúvida,

um hibridismo, mesmo que não proposital, de correntes teóricas.

E em terceiro lugar, conclui-se a falta de um posicionamento explícito

quanto a que História ensinar, e principalmente como lidar com o método científico,

pois é este em operação que ditará a qualidade da ciência e sua capacidade de

formar cientistas, profissionais e educadores. Há ponderações sobre a importância

do método científico, sobretudo para pesquisa. Entretanto, além de não haver um

posicionamento crítico quanto ao melhor método, o ou que mais da conta de buscar

a verdade através das problematizações históricas, tão pouco há uma reflexão sobre

qualquer método em especial imbricadamente com a arte de ensinar História.

No entanto, cabe também ressaltar que o curso em questão é novo e está

apto, como ele mesmo expõe, a melhorar, a se aprimorar, a rever posturas, políticas,

educacionais, institucionais e até mesmo o modo de lidar com o conhecimento.

Desse modo, aqui foi percebida uma intersecção com o pensamento blochiano de

que tudo, em se tratando de História como saber científico e suas reverberações,

deve progredir racionalmente, sem nunca chegar a um apogeu final. Em outras

palavras, História, como saber científico, não se faz institucionalmente. História se

faz com método científico e crítico, com produção do conhecimento, com a

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socialização de historiografias e seus processos de construção, com o auxílio de

outros campos de conhecimento (sociologia, pedagogia, antropologia, psicologia,

medicina etc.) e com a formação de profissionais aptos a produzir conhecimento e

formar espíritos que trabalhem nessa direção.

Dentre tudo que foi ponderado nesta pesquisa, uma consideração é

preciso ser dada neste momento: este trabalho não é infalível. Desse modo, o que

se espera dentro em breve é a sua superação.

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REFERÊNCIAS

Bibliográficas

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____ Didática e Prática do Ensino de História: experiências, reflexões e aprendizados: Campinas: Papirus, 2003. FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1985. GLENISSON, Jean. Iniciação aos estudos históricos. 4. ed. São Paulo: Difel, 1983. HOSTINS, Regina Célia Linhares. O modo de fazer pesquisa de um historiador. In: Esboços: Cultura e resistência: dez anos sem E. P. Thompson. n. 12. Florianópolis: UFSC, 2004. LE GOFF, Jacques; CHARTIER, Roger; REVEL, Jacques. A história nova. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1988. MACHADO, Roberto. Ciência e saber: a trajetória da arqueologia de Foucault. 2. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1981. SAVIANI, Demerval; LOMBARDI, José Claudinei; SANFELICE, José Luis. História e História da Educação: o debate teórico-metodológico atual. 3. ed. Campinas: Editora Autores Associados, 2001. SILVA, Ilton Benoni da. Inter-relação: a pedagogia da ciência: uma leitura do discurso epistemológico de Gaston Bachelard. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 1999. 176p. SILVA, Kalina Vanderlei & SILVA, Maciel Henrique Silva. Dicionário de conceitos históricos. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2006. THOMPSON, Edward Palmer. A miséria da teoria ou um planetário de erros. Rio do Janeiro: Zahar, 1981. TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Filho. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 2006. VEYNE, Paul. Como escrever história e Foucault revoluciona a história. Trad. De Alda e Maria Auxiliadora Kneip. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998.

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Teses e dissertações

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SILVA, Carmen Rangel da. A formação do professor de História em tempos neoliberais e pós-modernos. 1996, 107 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1996.

Documentos

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura (MEC). Diretrizes Curriculares dos Cursos de História. Brasília, 2001. UNESC. Projeto político e pedagógico do curso de História da UNESC. Criciúma, 2002.

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ANEXO

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ANEXO A – PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DO CURSO DE HISTÓRIA

CADERNO 01 PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO

DO CURSO DE HISTÓRIA

Bacharelado e Licenciatura Coordenador: Prof. João Henrique Zanelatto

Coordenador Adjunto: Prof. Carlos Renato Carola Secretária: Cleusa Espinhola Ramos

Revisão Ortográfica: Profª. Leila Lourenço

Comissão do PPP Prof. Carlos Renato Carola Prof. Dorval do Nascimento

Prof. Nivaldo Aníbal Goularte Acadêmico Fernando Mazuchtt

2002

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