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Maria Sonia Linares Gil
“A HISTÓRIA COMO FERRAMENTA DE INCLUSÃO SOCIAL E INSTRUMENTO TRANSFORMADOR DA REALIDADE SOCIAL”
SEED – PARANÁ.Alvorada do Sul, Paraná, 26 de fevereiro de 2009.
Maria Sonia Linares Gil
“A HISTÓRIA COMO FERRAMENTA DE INCLUSÃO SOCIAL E INSTRUMENTO TRANSFORMADOR DA REALIDADE SOCIAL”
Produção Didático-Pedagógica na forma de Caderno Temático para a efetivação do Projeto de estudos PDE da Secretária de Estado de Educação do Paraná, sob a orientação da Professora do Departamento de História da UEL, Dra. Maria de Fátima da Cunha.
SEED – PARANÁ.Alvorada do Sul, Paraná, 26 de fevereiro de 2009.
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Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, ligadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em revolucionarem-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxílio os espíritos do passado, tomando-lhes emprestados os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar a nova cena da história do mundo nesse disfarce tradicional e nessa linguagem emprestada. (MARX, Karl. O Dezoito Brumário de Napoleão Bonaparte.)
Agradeço a Deus Pai de misericórdia a felicidade de me resgatar duplamente para viver novamente a vida. E vivendo nesta nova chance de vida, dedico a realização deste trabalho de estudos aos que mais amo: minha família e meus amigos, pois sem estes nada disso seria possível...
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SUMÁRIO.
Introdução.....................................................................................................................5
1- As Bases Pedagógicas Para um projeto emancipatóriona Escola Pública.........................................................................................................8
1.1 A Pedagogia Libertadora em Paulo Freire...................................................81.2 A Escola na sala de aula, por Gimeno Sacristán.......................................151.3 Pressupostos para Escola Pública, de Lizia Helena Nagel.......................32
2. A Escola como espaço público de poder................................................................402.1 A Pedagogia Crítica por Henry Giroux e Peter Mclaren............................402.2 As Funções da Escola enquanto espaço de possibilidades. Por A.I. Pérez Gómez.......................................................532.3 Práticas Pedagógicas para a construção de uma Escola Democrática, por Carlota Boto...................................................................58
3. Novas perspectivas para o Ensino de História.......................................................683.1 Teoria e Didática em História, por Jörn Rüsen..........................................68
3.1.1 Consciência Histórica: A Prática Metodológicada História em sala de aula...................................................................683.1.2 Saber Histórico como orientação para a vida prática...................80
3.2 Construindo a Literacia Histórica, por Peter Lee.......................................863.3 O Ensino de História e a construção da Cidadania,por Selva Guimarães Fonseca.........................................................................91
4. Cognição Histórica: Modelos Metodológicos........................................................1004.1 Os Mediadores Culturais, por Castro Simán............................................1004.2.Análise Textual Discursiva, por Roque Moraes.......................................1044.3 Aula Oficina, por Isabel Barca..................................................................1104.4 A Aprendizagem significativa, por Marco Antonia Moreira......................116
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INTRODUÇÃO
Este presente Caderno Temático pretende buscar mecanismos de reflexão
sobre os problemas de aprendizagem que afetam o universo escolar no Ensino
Médio. Quer provocar e oferecer caminhos que podem e precisam ser percorridos
por nós professores, equipe pedagógica e alunos na busca por uma aprendizagem
mais significativa e protagonista enquanto papel inerente às funções sociais e
pedagógicas da Escola, principalmente em relação ao uso da disciplina de História
como ferramenta de inclusão social.
A unidade I - As bases pedagógicas de um projeto emancipatório na escola
pública, busca conduzir o aprofundamento teórico e metodológico da questão
pedagógica referente às funções sociais da Escola e seu compromisso político de
socializar os conhecimentos historicamente produzidos às novas gerações enquanto
método de inserção social e direito das novas gerações.
Nesta unidade, Gimeno Sacristán e Lizia H. Nagel apresentam uma
pedagogia de responsabilidades políticas e sociais de todos nós professores para se
reparar as desigualdades estruturais de nossa sociedade e construir um projeto de
inclusão social de modo protagonista.
A unidade II – A Escola como espaço público de poder – coloca a escola
como espaço de inclusão social e instrumentalizadora de possíveis transformações
sociais, caminhando, através de suas práticas metodológicas para um projeto
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pedagógico emancipatório, pautado por uma lógica dialética onde a sala de aula
possa tornar-se, efetivamente, espaço de novas e contínuas possibilidades de
aprendizagem, nos quais os princípios de igualdade, liberdade e justiça social sejam
os instrumentos balizadores de uma sociedade cada vez mais democrática e
comprometida com seu tempo histórico.
Nesta unidade, Henry Giroux, Peter McLaren e Pérez Gómez apresentam as
concepções da pedagogia crítica enquanto mecanismo capaz de abarcar a
multiplicidade de fatores sociais, econômicos, políticos e culturais que se
apresentam em nossas salas de aula, traduzindo-se num universo de possibilidades
e enfrentadas pelos professores vistos como intelectuais transformadores,
fortalecendo assim, a luta democrática em nossa sociedade ainda tão desigual.
Ainda na unidade II, Carlota Boto atualiza os conceitos de justiça social e de
cidadania, cuidando das diferenças como princípio regulador de igualdade para
todos enquanto práticas políticas e pedagógicas para a construção de uma escola
mais democrática.
Na unidade III – Novas perspectivas para o ensino de História – apresentamos
a História pensada pela teoria didática de Jörn Rüsen e a metodologia da
consciência histórica e da concepção de que História é uma matéria a ser ensinada
e aprendida com o propósito definido de se tornar uma orientação prática para a
vida.
Com Peter Lee e seu conceito de literacia histórica, buscamos a identidade
dos sujeitos históricos através das evidências históricas reafirmando a matriz
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disciplinar de Rüsen onde a História é vista como uma questão de orientação: o
passado nos ajuda na vida prática, contribuindo para a construção da cidadania e do
protagonismo.
Selva Guimarães Fonseca nos desafia em suas propostas de didática e
prática do ensino de História sobre um possível projeto de cidadania, se queremos
um “cidadão- súdito” ou um sujeito emancipado e protagonista.
E finalmente, o caminho das pedras, na Unidade IV, as sugestões de
metodologias em História para torná-la uma ferramenta de inclusão social e
instrumento transformador da realidade social.
Através dessas leituras espero poder despertar no professor o encantamento
de um olhar mais apaixonado sobre o processo de ensino e de aprendizagem, além
de possibilitar respostas para as ansiedades e angústias que hoje estão coladas à
nossa função de professores, procurando assim, contribuir para a construção do tão
urgente - e possível - projeto emancipatório de uma escola mais plural, mais
democrática e cidadã: uma escola portadora de possibilidades e alegrias.
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1- AS BASES PEDAGÓGICAS PARA UM PROJETO EMANCIPATÓRIO NA
ESCOLA PÚBLICA.
1.1 A PEDAGOGIA LIBERTADORA EM PAULO FREIRE.
“Nenhuma teoria da transformação político-social do mundo me comove se não parte de uma compreensão do homem e da mulher enquanto fazedores da História e por ela feitos, seres da decisão, da ruptura, da opção. Seres éticos, mesmo capazes de transgredir a ética indispensável, (...) alegra saber-me um ser condicionado, mas capaz de ultrapassar o próprio condicionamento. A grande força sobre que alicerçar-se a nova rebeldia é a ética universal do ser humano e não a do mercado insensível, aberto apenas à gulodice do lucro. É a ética da solidariedade humana”. (In: FREIRE, 1996).
Poucos educadores souberam tão sabiamente e com tanta determinação se
colocar a serviço das transformações sociais via educação objetivando claramente
que a inclusão social, o protagonismo, o empoderamento e a cidadania devam ser
prioritariamente os resultados das ações pedagógicas realizadas na Escola. Paulo
Freire é o mestre que lida entre as fronteiras da linguagem e da cultura através da
bandeira da libertação para lutar por justiça social e transformação do ensino como
caminhos da liberdade, afirma Peter McLaren (1997).
Baseado em um reconhecimento do suporte cultural das tradições locais e
da importância da construção coletiva do conhecimento, a metodologia freiriana é
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usada em vários países do mundo, acompanhados pela sua lógica de libertação e
pedagogia da autonomia enquanto instrumentos dialógicos de transformação da
realidade dada. Freire acreditava que a pobreza e o analfabetismo estão diretamente
relacionados com as estruturas sociais opressivas e com o exercício desigual de
poder na sociedade. Freire desenvolveu uma linguagem crítica e uma linguagem de
esperança que, juntas, provaram ser eficaz na libertação das vidas de pessoas
socialmente excluídas.
Segundo ele, discurso e linguagem sempre existiram dentro do contexto
social, e contexto é o ponto de referência para as possibilidades transformadoras da
prática educativa, pois o contexto social é composto das relações sociais resultantes
das condições materiais de opressão, as exigências da vida cotidianas, consciência
crítica e transformação social, colocando a necessidade de uma política radical de
libertação. Conforme Florence Tager comenta:
“A pedagogia freiriana insiste em uma profunda conexão entre a cultura da vida cotidiana e política radical. Para Freire, a consciência crítica e a dissecção de temas da vida cotidiana são processos em andamento, que crescem através da práxis e levem a mais práxis. Concluindo, a educação para a consciência crítica leva à política revolucionária, (...) a pedagogia radical integra cultura e política.” (In: McLaren, p.328)
Paulo Freire lembra que a cultura nunca é despolitizada; ela permanece
sempre amarrada aos relacionamentos sociais e de classe que a informam, daí a
necessidade de uma atitude política por parte dos professores, que precisam estar
engajados num projeto emancipatório contra as estruturas opressivas e desumanas
da sociedade capitalista.
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No âmbito dos saberes pedagógicos em crise, ao recolocar questões tão
relevantes agora quanto foram nas décadas de 1960/70, Freire, como homem de
seu tempo, traduz, no modo lúcido e peculiar de um educador que ama sua profissão
como inerente a sua prática social e política, os saberes e a necessária coerência
entre o saber-fazer e o saber-ser-pedagógico. (FREIRE, 1996).
A ideologia fatalista, imobilizante, que anima o discurso neoliberal anda
solta. Com ares de pós-modernidade, insiste em convencer-nos de que nada
podemos contra a realidade social que, de histórica e cultural, passa a ser quase
natural, afirma Freire (1996).
Nesse contexto atual em que o ideário neoliberal incorpora, dentre outros
discursos, a categoria da autonomia, é preciso também atentar para a força do
discurso ideológico e para as inversões que este pode operar no pensamento e na
prática pedagógica ao estimular o individualismo egocêntrico e a competitividade.
Deste modo, para contrapor o mal estar que vem sendo produzido pela ética do
mercado, Freire, anuncia a solidariedade enquanto compromisso histórico de
homens e mulheres engajados numa luta continua para promover e instaurar a ética
universal do ser humano. Esta ética deve ser uma marca absolutamente
indispensável à convivência humana, com vocação ontológica para ser mais,
constituindo-se social e historicamente não como um a priori da História, afirma
Freire, pois a natureza que a ontologia cuida se gesta socialmente na História. Esta
é, aliás, a dimensão utópica que coloca a pedagogia da autonomia como uma das
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grandes possibilidades de transformação dos problemas que a Escola e a sociedade
enfrentam.
Assim, para Freire, a ética se torna inevitável e sua transgressão possível é
um desvalor, jamais uma virtude, antes, porém, um compromisso.
Quer dizer, mais do que um ser no mundo, com o mundo e com os outros. Presença que, reconhecendo a outra presença como um “não-eu” se reconhece como “si própria”. Presença que se pensa a si mesma, que se sabe presença, que intervém, que transforma, que fala do que faz, mas também do que sonha, que constata, compara, avalia, valora, que decide, que rompe. E é no domínio da decisão, da avaliação, da liberdade, da ruptura, da opção, que se instaura a necessidade da ética e se impõe a responsabilidade. (In: Freire, p.18, 1996).
O projeto utópico de Freire salienta a necessidade de uma crença
fundamental no diálogo humano e na comunidade. Alfabetizar-se não é apenas um
processo cognitivo de desvendar sinais codificados, mas de viver a sua vida em
relação aos outros. A educação transforma-se em poder. A dimensão utópica é
natural a qualquer projeto revolucionário dedicado à transformação e recriação do
mundo, visto como pressuposto norteador da pedagogia da libertação.
Freire não pensa num mundo sem conflitos, mas sim com o cotidiano de
sofrimento humano dos marginalizados e excluídos, que deve ser aliviado e
transformado. Ele enfatiza práticas pedagógicas direcionadas para criar a
comunicação dialógica, planejadas para a libertação, oferecendo possibilidades
individuais e coletivas para a reflexão e a ação, de modo contínuo, já que a História
também sempre está acontecendo.
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Assim, a comunicação dialógica deve instigar os educadores a deterem-se
no capital cultural do oprimido, para que este tenha oportunidades de ler o mundo
em contextos amplos e imediatos. Freire afirma que para ser um autêntico humanista
não há outro caminho que não a dialogicidade e, ser dialógico é vivenciar o diálogo.
É empenhar-se na transformação constante da realidade, pois o “diálogo é o
encontro amoroso dos homens que, mediatizados pelo mundo (...) o transformam e
transformando-o, o humanizam para a humanização de todos”.
“Não junto a minha voz às dos que, falando em paz, pedem aos oprimidos, aos esfarrapados do mundo sua resignação. Minha voz tem outra semântica, outra música. Falo da resistência, da indignação, da “justa ira” dos traídos e enganados. Do seu direito e do seu dever de rebelar-se contra as transgressões éticas de que são as vítimas cada vez mais sofridas”. (Freire, 1997, p.113-14, grifos meus).
Deste modo tão contundente, Paulo Freire nos convida e nos reforça a todo
o momento a nossa função enquanto professores e educadores donos de uma
missão muito especial: ajudar a mudar o mundo! Para ele, a aprendizagem está
baseada em um diálogo genuíno entre alunos e professores, que trabalham como
parceiros em uma busca conjunta pela consciência crítica, levando à transformação
humana do mundo, em vez de uma confortável acomodação ao próprio mundo.
Segundo Freire (1970), na formação da consciência crítica é necessário que
a injustiça se torne um clamor para a consciência, possibilitando aos sujeitos
inserirem-se no processo histórico e fazendo com que eles se inscrevam na busca
de sua afirmação. Ademais, afirma o autor, a consciência crítica possibilita a
inscrição dos sujeitos na realidade para melhor conhecê-la e transformá-la,
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enfrentando, ouvindo e desvelando o mundo, procurando o encontro com o outro,
estabelecendo um diálogo do qual resulta o saber: “os homens, desafiados pela
dramaticidade da hora atual, se propõem a si mesmos como problema. Descobrem
que sabem pouco de si (...) e se fazem problema eles mesmos. Indagam.
Respondem, e suas respostas os levam as novas perguntas” (Freire, 1970, p.29).
Numa abordagem de parceria, de resolução de problemas podem-se
transformar os estudantes em sujeitos ativos e críticos que trabalham em
colaboração na construção histórica e política de novas práticas sociais,
transformadoras e libertadoras. Justamente, como explica Freire, o oposto da
abordagem bancária da educação, onde o professor deposita informações numa
conta vazia, e o estudante recebe, memoriza e repete, tornando-se objeto passivo do
conhecimento do professor. Retrato claro que reflete o desinteresse dos alunos
neste tipo de estudo escolarizado, daí a necessidade de uma pedagogia crítica,
radical, enfim, libertadora, que seja capaz de criar um projeto emancipatório, de
comprometimento individual e social enraizado na história de grupos com o propósito
de resgate da memória silenciada e amortecida dos conhecimentos tidos como sem
importância dos grupos oprimidos, como mulheres, negros e outras minorias sociais.
A tarefa de tal processo é construir um mundo no qual as relações de poder sejam
contestadas ativamente, visando a superação do sofrimento desses grupos sociais e
criando as base de pertencimento e empoderamento necessárias a sua inclusão
social.
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Referências Bibliográficas:
MCLAREN, Peter. A vida nas escolas: uma introdução à pedagogia crítica nos fundamentos da educação, Porto Alegre, Artmed, trad. Lucia Pellanda Zimmer [et al], 1997, 2.ed.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora M.S. e GARCIA, Tânia Maria F.Braga. A formação da consciência histórica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de História, Caderno Cedes, Campinas, vol. 25, n.67, p. 297-308, set/dez.2005. Disponível em http://www.cedes.unicamp.br.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970.
___________Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1992.
___________Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Paz e Terra, 1996, 31.ed.
___________Educação e atualidade brasileira; prefácio: Fundadores do Instituto Paulo Freire; (org.) José Eustáquio Romão, São Paulo, Cortez, 2003.
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1.2. A ESCOLA NA SALA DE AULA, POR GIMENO SACRISTÁN1.
Atualmente se processam grandes discussões sobre como proceder na
chamada era do conhecimento ou era da informação e suas prerrogativas
ideológicas forjadas pelas novas necessidades do capitalismo ocidental. Uma das
correntes discursivas dominantes entende que a sociedade da informação é aquela
em que a geração, processamento, domínio e propagação do conhecimento se
convertem em fontes de riqueza e de transformação das atividades produtivas.
(Castell, 1997, p.47, apud G.Sacristán, 2007). Se algo caracteriza singularmente a
presente sociedade da informação, é o valor determinante que tem certo tipo de
informação da atividade econômica e do emprego, daí o cuidado em que há de se
ter ao referendar completamente esse ponto de vista, por conta de ter sido criado
pelas próprias necessidades do capitalismo no final do século XX. Assim, a
sociedade do conhecimento eleva certo tipo de saberes e sua inovação à categoria
de valor produtivo. O capital e o trabalho não são suficientes para caracterizar e
explicar as sociedades pós-industriais, quando o conhecimento é fundamental como
capital e como formação da força de trabalho. Ou seja, destaca a informação e o
conhecimento como fator determinante e central das relações produtivas, as que se
estabelecem ente os países e as culturas, em que as possibilidades de inserção das
pessoas, sua inclusão ou exclusão dependem do nível de domínio de determinados
1 Catedrático de Didática na Universidade de Valência, Espanha.
15
saberes. Deste modo as novas relações entre os indivíduos, culturas e classes
sociais ficam marcadas por tal componente, onde o domínio do conhecimento
converte-se em um motivo de estratificação social e este é o fato que se está a
discutir, o conhecimento ou sua falta como forma de segregação e estratificação
social como afirma G. Sacristán. (2007, grifos meus).
Diante desses pressupostos, Gimeno Sacristán relaciona o papel da escola
e da educação diante das novas relações que se estabelecem entre as referidas
condições sociais, o ensino escolarizado e o trabalho produtivo em um mercado que
se torna precário, seletivo e se desestabiliza rapidamente. Segundo ele, nesta
aparente sociedade da informação, os professores devem se informar mais e melhor
porque, na medida em que se constituem em mediadores que orientam,
estabelecem critérios, sugerem, devem saber integrar a informação que está
dispersa neste ambiente poluído de informação.
Gimeno Sacristán, educador espanhol, em sua obra O aluno como
invenção, (2005), retoma os fundamentos sobre a necessidade do ensino
escolarizado, da instituição escola e da figura do aluno para repensar, nos dias de
hoje em que a escola institucionalizada enfrenta momentos de crise diante de suas
prerrogativas pedagógicas e políticas a sua finalidade extrínseca: a de gerar
educação como condição humana e social.
Ao refletir sobre a necessidade social e política do ensino, G. Sacristán
retoma o pensamento de Rousseau, que em Emílio, afirma que a peculiaridade do
homem está no fato de que, além da natureza, pode acatar ou resistir a esta e pode
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sair de suas determinações. Ou seja, é livre e pode se aperfeiçoar. A perfectibilidade
que nega a determinação não é só uma possibilidade, mas uma necessidade para
não perder a condição humana.
“Conhece-se, ou então se pode conhecer, o primeiro ponto de onde cada um de nós parte para chegar ao grau comum de entendimento, mas quem é que conhece o outro extremo? Ignoramos o que a natureza nos permite ser.” (Emílio, livro I, apud. Sacristán, 2005).
O pensamento ilustrado deu o respaldo definitivo para a idéia de
perfectibilidade da natureza humana pensada por Rousseau. A crença na
maleabilidade da natureza humana e na possibilidade de sua melhora deixa de ser
um princípio abstrato, concretizando-se no valor que o Iluminismo concedeu ao
conhecimento e à cultura para o progresso dos indivíduos e de todo o gênero
humano, afirma G.Sacristán. (2005).
Em outra obra, Discurso sobre a origem da desigualdade dos homens,
Rousseau recorreu à figura dos homens selvagens para justificar como, a partir de
um estado primitivo, as condições de desigualdade vão sendo criadas, ao mesmo
tempo em que se perdem as características animais. Paralelamente ao processo de
ir adotando modelos de comportamentos civilizatórios, o desuso de alguns dos
primeiros dotes levou ao seu embotamento. As qualidades vão se empobrecendo
por falta de uso. Mesmo acreditando na bondade natural da natureza humana, a
hominização precisa da sociedade. Para ele, a educação deveria evitar os erros, os
vícios, a perversão de costumes e atitudes separando o educando da sociedade
17
imperfeita e desvirtuada, onde a educação seria a oportunidade de se construir uma
nova ordem social e humana.
A psicologia vigotskiniana, no início do século XX, postulou que o ser
humano, ao mesmo tempo em que amadurece biologicamente, do ponto de vista de
seu cérebro, amadurece culturalmente e graças à cultura. A racionalidade ilustrada,
herdeira do pensamento grego clássico nos legou a idéia de que esse processo
podia ser orientado graças à educação, dirigindo-o para um ideal de natureza
humana agregada, inventada e desejada como boa que não vinha dada pela
“natureza”, mas por um afã de perfeição, pela paidéia:
As condições sociais condicionam não só o que temos em comum com os demais e o que nos diferencia como também a mesma idéia de indivíduos como uma especificidade social e um fenômeno de acumulação histórica. (Broughton, 1987, p.14, apud Sacristán, 2005).
Deste modo, a tarefa que se propugna na Educação, descontando seus
fundamentos filosóficos, é de ir além das aparências da realidade que tende a
classificar aqueles que são desiguais em vez de combater as causas de sua
desigualdade como uma Escola de qualidade. Uma educação que se alimente na
cultura historicamente produzida enquanto ferramenta básica para se diminuir as
desigualdades sociais e possibilitar a inclusão e o empoderamento das novas
gerações. (grifos meus). Com o compromisso de construir um país mais soberano,
mais livre e mais preparado para atuar nas lutas sociais e econômicas, construindo
uma ordem social e humana capaz de gerar capital intelectual, científico e social.
18
O ser humano, assim como a imagem do rio de Heráclito, flui, passa, se
amplia, muda e não pode ser exatamente o mesmo em momentos sucessivos, como
não é possível se banhar duas vezes na mesma correnteza, mas apesar disso
continua a ser o mesmo rio. O que vemos nele vem de trás, porque todo humano
que nasce foi engendrado. Nós percebemos a mudança, mas explicamos essas
mudanças no curso da vida para torná-las inteligíveis e por uma ordem que pode
parecer caótica.
Usando dessa metáfora relembrada por G. Sacristán (2005), percebemos a
grandeza das atitudes que devemos protagonizar sob pena de ficarmos encalhados
na margem do rio que incessantemente flui em direção ao infinito. Nossas metas,
nossas escolhas, nossos objetivos claramente definidos – ou a falta deles, é que
permeia todo o processo educacional, incentivando, limitando, provendo o
pertencimento e o empoderamento, tudo depende de nossas atitudes. Essa é, aliás,
a grande problemática da educação contemporânea.
As escolas são instituições que nasceram e foram se configurando como
espaços fechados, sintetizando um modelo de funcionamento que servisse ao
mesmo tempo para as funções de acolher, assistir, moralizar, controlar e ensinar
numerosos grupos de menores.
O fato de não serem voluntárias, de arrastarem uma tradição centrada
explicitamente em disciplinar, de ensinar conteúdos que não são de interesse para
quem está ali, por obrigação e de terem de controlar grupos numerosos de
indivíduos num espaço fechado, gerou uma cultura dedicada a manter uma ordem
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nem sempre de acordo com o tratamento correto e acolhedor. A ordem é
imprescindível para se desenvolver o trabalho confiado às escolas, e isso obriga a
manter uma disciplina. Mas que disciplina pedimos? A do soldado que marcha em
formação, fiel e sem questionar, que se vê obrigado a trabalhos forçados da
perspectiva de sua carteira confinados em um metro quadrado de espaço! Que tem
o significado de imposição e não como envolvimento e parceria na realização ou
acompanhamento das atividades que interessam. A disciplina é pedida pela ordem
exigida para uma finalidade ou uma atividade, mas para qual finalidade se pede a
disciplina?
De onde vem a cultura da ordem disciplinar nas escolas que parece tão
distante das necessidades e finalidades atuais do ensino?
“Um princípio da arte da educação, que particularmente deveriam ter presente os homens quando fazem seus planos, é que não se deve educar as crianças de acordo com o presente, mas de acordo com um estado melhor, possível no futuro da espécie humana, isto é, de acordo com a idéia de humanidade e de seu completo destino.” (Kant, apud G.Sacristán, obra citada.).
O discurso pedagógico ilustrado, cujo principal objetivo é melhorar o
indivíduo e a sociedade graças à cultura, em sua origem não renunciou ao valor da
autoridade do pai nem ao controle do sujeito. Está convencido de que o meio escolar
é um ambiente naturalmente positivo e enriquecedor para o desenvolvimento dos
menores. A perspectiva ilustrada aproveitará essa ordem, sem sequer modificá-la;
preservando o aluno do mundo exterior para atraí-lo ao seu projeto de progresso,
proporcionando a ele cultura, saber, racionalidade e domínio do mundo, em
20
detrimento, em muitos casos, da autonomia e liberdade dos indivíduos que essa
mesma orientação ilustrada preconizava como direito do cidadão. O menor não é
cidadão, isso está claro.
Reforçava-se assim, a idéia da educação a serviço da racionalidade, da
independência e da liberdade do ser humano, antídoto contra o obscurantismo e
alavanca do progresso individual e social. Ao desenvolver este projeto educacional,
a escola moderna priorizou a escola disciplinadora e não a dos afetos. A partir daí, o
aluno terá de canalizar seu projeto de vida direcionado pela ordem escolar vigente.
O projeto moderno supõe um ordenamento que se ocultará nas pulsões de
querer, cuidar e disciplinar o aluno: acrescenta ao ensino escolarizado novas
orientações para modelar o aluno, sintetizando as pretensões de formação, melhoria
social, expansão da cultura e da racionalidade, preparação para as atividades
produtivas, como atividades necessárias ao capitalismo.
A Escola como instituição acolheu em seu espaço e em seu tempo as
funções educadoras dos pais, removendo-as do ambiente privado, para levá-las a
um espaço público que de alguma forma é a continuidade da família. Consolidando,
assim, a idéia de que a escola é uma invenção cultural, um meio institucional
regulado pelos adultos, uma realidade que abriga um poder delegado pela família e
pelo Estado. A ordem escolar segue uma lógica econômica, com a finalidade de
reproduzir rotinas convencionais pela tradição, de discipliná-los, transformando todo
o regime de vida do menor.
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A pedagogia moderna configura seu discurso e suas práticas sob o impacto
das projeções de diferentes acepções de cultura. O resultado final da função escolar
é uma síntese cultural. Assim, de acordo com a leitura de G.Sacristán (2005), o
ensino e a aprendizagem foram entendidos como um meio de formação do espírito e
do progresso, unindo a tradição clássica grega e o humanismo renascentista à
orientação ilustrada moderna, sem deixar de salientar que o valor dado ao conteúdo
cultural muitas vezes levou a considerá-lo valioso. Não admitindo que fosse
realmente formativo para o aluno.
A cultura escolar também é vista como abas em que apoiar a identidade
cultural do tipo étnico, a serviço do estabelecimento das identidades nacionais no
processo de construção dos estados nacionais europeus e, que anteriormente foi
usada para criar identidades de caráter religioso.
O desafio da escola, herdeira desse modelo ocidental - tornar possível que
os menores aceitem o regime de comportamento imposto pela abstração do
simbólico, e prestem atenção nela, produzindo algum significado – a aprendizagem,
de modo a motivá-los e que até consigam desta forma penetrar no mundo e na
cultura como um estilo de vida, não parece ter ficado no passado. Mas assume
outras dimensões no presente, na medida que esta escola deva ser instrumento de
mudanças e de empoderamento.
Tendo a oralidade como recurso comunicativo é possível desenvolver
pedagogias modernas, emancipadoras ou críticas. A primeira manifestação da
opressão contra os indivíduos ou grupos é tirar deles o uso da palavra. O oprimido
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de Paulo Freire (1970) é aquele que não pode ou não sabe fazer uso de sua palavra,
aquele que não possui a capacidade, a liberdade e a autonomia para se expressar e
assumir o significado que o mundo tem para seus opressores. Ajudar a libertá-lo
consiste em dar-lhe voz, em estabelecer com ele um possível diálogo. Para que seus
conteúdos tenham relevância e significância para despertar o interesse e
possivelmente intervir o estabelecimento de um diálogo é intrínseco a qualquer
prática pedagógica, afirma G. Sacristán.
A casta social dos leitores foi ampliada, com a leitura e a escrita
universalizadas nas sociedades modernas, assim como o nível conseguido em seu
domínio continuem marcando uma importante distinção entre letrados e iletrados,
entre aqueles que lêem muito e aqueles que mal lêem. Ser incompetente no manejo
da leitura e da escrita é uma forma de exclusão que impede o acesso a uma grande
parte da cultura e que impossibilita o exercício de muitas atividades, relações
sociais, formas de ócio, etc.
Sentir-se acolhido, à vontade no ambiente escolar, ao mesmo tempo em que
se vão desenvolvendo o projeto transformador, será um desafio a ser superado não
sem dificuldades. A realidade de nossas salas de aula mostra as diferentes
estratégias de respostas dos diversos grupos culturais e sociais, que vão desde o
claro desprezo e abandono até a apatia e desafeto que há por trás da falta da
aparente falta de motivação e desinteresse.
A questão do que ensinar ou educar e quem faz isso é um fator que deve
ser tomado em conta na medida em que a mistura de funções a cargo de diferentes
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agentes educacionais – a escola, a família, as igrejas, as empresas etc., não delimita
claramente as responsabilidades de cada um. Essa ambigüidade afeta tanto os
papéis do aluno na escola, como o dos professores criando conflitos que só poderão
ser resolvidos diante de um pacto de ação pública que permita a reflexão dos
professores sobre a função social da escola.
Um pacto de ação pública que referende uma pedagogia social, envolvendo
as famílias. Além de um compromisso com os meios de comunicação, com as
igrejas e com os administradores do poder público para que o aluno disponha de um
referencial coerente, pois é muito fácil discutir os males das escolas e a
deslegitimação de seus professores sem fazer autocrítica nenhuma sobre a
desvalorização dos conceitos e valores que a sociedade pratica.
Aprender com vontade e se divertir em atividades iguais a muitas que
competem às escolas, somente é possível quando o que se aprende é interessante,
significante para o aluno, que é a primeira condição subjetiva, daí a constante
necessidade de provocar o interesse e saber fazê-lo através de novas práticas
pedagógicas e metodológicas.
O desafio contínuo para os professores, segundo G.Sacristán, está em
saber interessar seus alunos considerando sua diversidade sociocultural já que essa
sabedoria deve ser válida para sujeitos, conteúdos e ambientes que mudam com o
tempo e as circunstâncias de cada momento histórico.
Todo estudante pode progredir afirma ele. Se não acreditarmos nisso,
veremos limites nos sujeitos ali onde o que realmente existe são déficits, bloqueios
24
naturais, veremos as causas da estagnação do aprendiz em qualquer variável,
menos em nós mesmos.
A escolarização, como condição antropológica foi transformada em
obrigatória e se universalizou durante as primeiras etapas da vida porque se
considera, além de uma necessidade, um direito de todos. Isso independe das
condições pessoais, sociais ou culturais de cada um, o que obriga os poderes
públicos, as famílias, a instituição escolar e todos os que trabalham nela a
desenvolvê-lo e a não colocar obstáculos ou obstruí-lo, afirma G. Sacristán.
Para G.Sacristán (2005), um dos grandes obstáculos é formado pela inércia
das instituições escolares, cuja cultura interna não foi formada pelo princípio de que
todos podem progredir. A instituição escolar está mais bem preparada para
selecionar e hierarquizar, obrigar os sujeitos, impor homogeneidade, taylorizar os
tratamentos educacionais, padronizar tempo, métodos e exigências acadêmicas,
etc., do que para individualizar e acolher pessoas singulares e pontos de partida
desiguais. Eis um dedo na ferida aberta.
Fundamentar uma cultura democrática deveria ser prioridade da educação.
Os ideais democráticos também são os da educação: os traços do cidadão com suas
aspirações de liberdade e autonomia, a não discriminação, a pluralidade e
diversidade; a tolerância, a colaboração e a solidariedade são os ideais da
democracia e da educação. São também valores essenciais que devem ser
perseguidos racionalmente por toda a sociedade organizada.
25
Será ainda possível, pergunta G.Sacristán (2005), reunir, em um ambiente
acolhedor, o afeto das relações pedagógicas protetoras do desenvolvimento
humano, o prazer de aprender, a formação humana que tem como base a cultura
que redime a ignorância e cultiva o ser humano, hominizando-o – e conseguir, além
disso, que tal escolaridade seja útil do ponto de vista social? Essa missão surgida de
nossos desejos atende às exigências do mundo atual?
As aprendizagens que se adquirem e os métodos praticados são
inadequados ou é nosso projeto que está mal focado? Visamos, de fato, a
emancipação de nossos alunos?
O pacto entre a instituição e o aluno funcionará enquanto existir um mínimo
equilíbrio entre as satisfações que obtiver e as renúncias que seja capaz de admitir
no papel de aprendiz de um projeto não escolhido por ele.
Os alunos podem ver que o oferecido pelo ambiente escolar não preenche
suas vidas, não é promissor e não interessa e, além disso, pode até ser que não
tenha importância para suas vidas. Refletindo: “nós os entediamos ao fazê-los
aprender conteúdos que nunca terão oportunidade de utilizar em suas vidas, em
suas argumentações e na visão do mundo em que vivem”. (grifos meus).
Costumamos pensar com freqüência que nossos jovens estão alienados, omitindo
que somos nós, os adultos, que estamos fora de foco e que devemos, portanto,
mudar, afirma o autor.
Se a cultura juvenil, na sociedade urbana e de consumo, está guiada mais
por padrões estéticos e consumistas do que pelas pautas de racionalidade e pelos
26
modos de vida que defende a cultura escolar, estamos diante de uma contradição
que a escola precisa superar. A vida do aluno adaptado ao ethos da escola traz
consigo muitas renúncias, enquanto a vida que se vive com seus iguais é guiada
pelas satisfações imediatas, daí o estranhamento, a incompreensão, o fracasso
escolar, a hostilidade e a violência.
Não se pode viver o presente somente como ante-sala do futuro para o qual
é preciso se preparar, renunciando as satisfações do momento presente, mas se
deve ter alguma essência prazerosa. “Educar-se para a vida” somente é possível na
vida do momento, já que a infância e a juventude não são notas de vida, mas vivê-
las adequadamente é condição essencial para um futuro mais pleno e um maior
bem-estar social. E se não o fizermos através de meios mais prazerosos,
desenvolvendo atividades que equilibrem e compensem satisfação e renúncia,
prazer e realidade por algo que “valha a pena”, não conseguiremos a parceria
necessária para nosso projeto de educação, transformando a sala de aula em um
espaço de fruição e sim de sofrimento.
A estratégia das escolas na pós-modernidade, esse tempo de incertezas,
aparentemente desfocados de valores e conceitos deveria ser o de seduzir pela
cultura que oferece, deveria educar ensinando; porém, não conteúdos mortos, por
mais importantes que os consideremos, mas valiosos aos estudantes para viver e
entender o mundo e as possibilidades que se abre para eles na diversidade de
caminhos possíveis pelos quais podemos continuar aprendendo, sempre como um
27
meio para ler o presente e fortalecer o sujeito enquanto indivíduo protagonista, com
liberdade, empoderamento e cidadania.
Pensar os direitos de educação como condição de cidadania e democracia,
conforme pensa G. Sacristán (2002), requer analisar e confrontar os diferentes
interesses envolvidos. Como por exemplo, os críticos da escola universal, obrigatória
e laica, dizendo que sua produção, permanência e defesa reforçam o modelo
ocidental fundado em normas de modernização, civilização ocidentalizada dos
costumes e valores, institucionalização, disciplinarização, controle político e
competição econômica (Torres, 2001, p.99. In: Gimeno Sacristán, 2002), o que
significaria acatar os interesses dos países detentores hoje do controle econômico e
político em termos mundiais. Significaria segundo essa visão, conferir atestado de
mérito ao percurso civilizatório do Ocidente.
Seria mesmo?
Ou seria possível, como destaca Gimeno Sacristán (2002), tornar
compatíveis a aspiração à igualdade com o respeito pelas diferenças? Construir
direitos de cidadania em educação passa pela defesa de uma escola pública
pluralista. O que implica num projeto de pedagogia progressista, atualizado na
contemporaneidade e que conjugue a justiça como igualdade de tratamento e
reconhecimento individual e cultural. (grifos meus). Conforme afirma G.Sacristán:
A educação democrática deve ser justa por que igualadora, ao mesmo tempo em que reconhece a diversidade cultural, a singularidade das políticas públicas de educação, a organização escolar e a pedagogia necessária aos
28
ideais de justiça e de cidadania, que resultariam em efetivas práticas de inclusão social.(G.Sacristán: Educar e conviver na cultura global, 2002).
Historicamente, o reconhecimento de todas essas condições de direitos em
educação passa por lutas sociais abrangentes entrelaçadas com o direito da
liberdade humana, como intrínsecos à própria condição de humanidade em seu
processo de contínua humanização.
O trajeto histórico da educação enquanto projeto social e político e
necessidade prática reconhece o homem enquanto sujeito livre que trás consigo a
urgência de reivindicações de condições justas de vida comum, o que inclui o acesso
a uma escola democrática e de qualidade. Daí a condição de cidadania ser tão
relevante quando se propõe as políticas contidas em Currículos e projetos
pedagógicos. A sociedade liberal criou os marcos regulatórios da aparente igualdade
das oportunidades sociais e de inclusão. Cabe agora, neste momento de
demarcação do aceite e respeito às diferenças, contemplar - e incluir – as
reivindicações específicas de amplos setores da sociedade, como negros, índios,
mulheres, jovens, crianças, idosos, homossexuais, portadores de deficiência, enfim,
sujeitos que, sendo ordinariamente iguais, requer da história do tempo presente, a
urgência do reconhecimento de suas particularidades. Fazendo com que a
Instituição Escola seja capaz de promover a igualdade enquanto prática social e
política, traduzindo-se em políticas públicas de acesso, inclusão e construção de
29
uma cidadania ampliada às camadas sociais menos favorecidas; protagonizando o
ideal democrático em nosso meio e em nosso tempo histórico.
Podemos emprestar a reflexão de John Rawls (2000, apud G.Sacristán,
2002), que atualiza os conceitos de justiça social e cidadania. Segundo ele, atentar
para as diferenças pode significar hoje, o primeiro passo para reparar desigualdades
estruturais da sociedade. Para isso, é preciso que se reconheça o princípio da
igualdade para todos, sem exceção e agir, afirmativamente, dentro de políticas
públicas, bastante definidas, sobre os grupos sociais historicamente menos
privilegiados.
Para Rawls, atualizar a noção de contrato social, tendo como objeto uma
sociedade mais justa, requer o propósito de demarcar, como cláusula inamovível, a
dignidade da pessoa humana como contribuição para se edificar uma sociedade
progressivamente mais justa e equilibrada socialmente. (grifos meus). Assim, para
que haja igualdade de oportunidades, a distribuição dos bens deverá contemplar a
todos. Todavia, com o objetivo de corrigir possíveis disparidades estruturais
advindas da anterior distribuição desigual de oportunidades garantidas pela Carta
Liberal, é hora de se recorrer às diferenças enquanto recurso provisório de
favorecimento e inserção social diante dos marginalizados historicamente. A justiça
deverá ser distributiva, mediante a prioridade daqueles que, historicamente sempre
tiveram menores oportunidades. Essa prerrogativa social também deve ser papel da
escola, na medida em que todos estamos inseridos num meio social repleto de
diferenças, além do que, nossa própria Constituição Federal garante, na forma da lei,
30
todos esses direitos de inclusão social, igualdades de oportunidades e de cidadania.
Portanto, sendo direito de todos e dever da escola enquanto mecanismo institucional
promotor de uma sociedade progressivamente mais democrática, só falta os agentes
implementadores para essa urgente tarefa.
Uma escola de boa qualidade ainda é, pela lei e pelo direito consuetudinário,
dever do Estado e direito do cidadão. Mas transformar a todos em cidadãos é
obrigação da escola, que de acordo com AZANHA (1987, apud G.Sacristán, 2002) é
mais uma opção política do que argumentos pedagógicos. A escola que projetamos
como observou SNYDERS (1996, apud G.Sacristán, 2002), será aquela que nos
possibilite desfrutar em nosso foro intimo de tudo o que deveria pertencer à
humanidade inteira...
Referências Bibliográficas:
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1970.
GIMENO SACRISTÁN, J. e PÉREZ GÓMEZ, A.I. Compreender e transformar o ensino. Trad. Ernani P. da Fonseca Rosa, Porto Alegre, Artmed, 2000, 4.ed.
_______________________.O aluno como invenção. Porto Alegre, Artmed, 2005.
31
_______________________.A educação que ainda é possível: ensaios sobre uma cultura para a educação. Tradução Valério Campos, Porto Alegre, Artmed, 2007.
_______________________.Educar e conviver na cultura global: as exigências da cidadania. Porto Alegre, Artmed, 2002.
1.3.PRESSUPOSTOS PARA A ESCOLA PÚBLICA DE LIZIA HELENA NAGEL2.
Estamos avançando a passos largos em direção a uma sociedade do
conhecimento e a problemática da educação se coloca diante de nossos olhos como
uma ferramenta importante para facilitar o desenvolvimento econômico e social de
nosso país.
Já não é mais tempo de se repetir os preceitos neoliberais do Banco
Mundial sobre a tese que a falta de conhecimento impede o desenvolvimento,
gerando pobreza. (grifos meus). Cabe, portanto, tornar mais ágil a aquisição dos
conhecimentos, afirma categoricamente a Dra. Lizia em seu artigo: O conhecimento
a serviço do desenvolvimento.
De acordo com ela, o conhecimento que o Banco Mundial sugere é um
produto acabado, mercadoria adquirida, em pacote servindo para eliminar, de modo
rápido, a defasagem entre os países ricos e os pobres. Nesse sentido, a idéia de
2 Doutora em Filosofia da Educação, professora do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de Maringá.
32
conhecimento necessário expõe-se nos limites da mera aplicação de conhecimentos
já produzidos. O processo do conhecimento, em todas as suas fases de produção,
como em uma bula de remédio é eliminado intencionalmente em nome de um
desenvolvimento mais aligeirado da humanidade: quem vai ser de fato, educado
para pensar abstratamente, para pensar teoricamente? Suprime-se, assim, a
importância do ato interior de conhecer enquanto um ato humano histórico de
produção cultural.
Do ponto de vista de Lizia, importa para o Banco Mundial e suas políticas
educacionais voltadas para os países pobres apenas que estes sejam compradores
de conhecimentos-prontos. Na verdade, é a atividade intelectual, enquanto geradora
de conhecimentos que os mentores neoliberais consideram desnecessário aos
países da periferia do sistema capitalista, como de resto, instrumento poderoso de
manutenção do status quo países ricos x periferia globalizada.
Enquanto os empiristas, racionalistas, iluministas ou qualquer outra corrente
teórica, ajudando a solidificar a sociedade capitalista, conferiram à geração de
conhecimentos, uma força demiúrgica, um crédito à capacidade de aprender, que se
disponibilizado, poderia transformar o mundo, o liberalismo, nos limites da
globalização e sob o comando de instituições financeiras - como o Banco Mundial -
gerencia a paralisação da razão. Inclusive a castração da gênese da consciência e
da autonomia. Tarefa realizada através do direcionamento dos sistemas de ensino e
das propostas curriculares para os já discriminados países da periferia capitalista,
continua Lizia.
33
Dessa maneira, reforçam-se as barreiras protecionistas do desenvolvimento
econômico e cultural dos países ricos, onde o conhecimento, tido como um bem
privado passa a ser preservado sob o império das leis, ratificadas
constitucionalmente para a garantia dos direitos dos proprietários intelectuais. O
poder que o saber detém é historicamente apropriado por uma burguesia que
controla sistematicamente as corporações internacionais, eliminando as
possibilidades históricas dos países periféricos.
Toda essa análise pertinente da Dra. Lizia nos remete diretamente aos
problemas enfrentados em nossas salas de aula, onde os professores parecem
sucumbir ao peso de todas essas adversidades. Mas é, justamente devido a esse
peso que precisamos fazer algumas tomadas de posição e de escolhas, pois, se
estamos vivendo na era do conhecimento e da informação é preciso fazer uso de
tais prerrogativas para promover os discursos de cidadania e de combate às
desigualdades presentes na realidade brasileira. Não mais como devir, mas como
propostas concretas de autonomia do processo de ensino e aprendizagem enquanto
ferramentas de inclusão social.
Como nos lembra Maria Isabel de Almeida:
“É vasta a base que permite aos professores redimensionarem seu papel como sujeitos históricos privilegiados para a ação transformadora. Pois, na medida em nos constituímos como sujeitos donos de nossas práticas docentes, analistas do contexto social em que vivemos, podemos ser articuladores dos conhecimentos teóricos pari passu com as dinâmicas sociais e as necessidades de aprendizagem de nossos alunos, encaminhando-os para o protagonismo e para a cidadania”. (ALMEIDA, M.I. O trabalho dos educadores, 2004, p.105).
34
Repensar atitudes em educação passa pela reflexão do próprio conceito de
Educação. O que implica pensar na formação do homem em seus processos
cognitivos, incluindo-se os ativados pela própria escola, pleiteando-se mudanças de
atitudes e perspectivas, numa busca intencional e protagonizadora de novos
comportamentos diante dos problemas inerentes à sua vida e inseridos num
contexto social maior com outras instituições como a família, a igreja, o setor jurídico,
as mídias.
Claro que essa formação do homem pode ficar restrita apenas à
reconstituição da mesma ordem social, excludente e injusta socialmente, pois é
muito confortável nos ater na permanência das velhas atitudes apenas maquiadas
pelo velho dogma do mercado, como provoca a professora Lizia. Mas a educação –
nas mãos hábeis dos educadores – poderia concretizar a possibilidade de alterar
essa mesma ordem social através das mudanças estruturais do trabalho de
professores comprometidos com essa possível função social da Escola,
direcionando e atingindo exatamente o público alvo de nossas escolas públicas, que
atualmente apresentam o mesmo perfil: alunos pobres filhos de pais pobres e
trabalhadores de baixa renda, estabelecendo-se, portanto, uma clara e intencional
política de inclusão social.
Falar em políticas educacionais com suas respectivas práticas pedagógicas,
neste contexto histórico neoliberal, é pensar no movimento das distintas formas de
acumulação e, conseqüentemente, nas mudanças que se realizam na forma do
35
trabalho, sem jamais desvinculá-lo da relação social na qual se objetiva. Então é
preciso fazer escolhas dessas práticas: escolhas que possibilitem a visibilidade das
atitudes políticas de enfrentamento da exclusão e da apatia em que se encontram
alunos e professores: “não vai mudar nada mesmo!” É, pois, hora de rompermos
com esses paradigmas de imobilismo e de resistência à ação de forma planejada,
organizada e intencionalmente proposta numa Escola Pública de oportunidades e
oportunizadora de inclusão e de cidadania, tanto para seus alunos quanto para seus
professores.
Deste modo, falar em políticas educacionais implica, na verdade, em trazer
informações sobre o passado, na forma de organização, e com elas, cotejar a forma
de ser do presente, com a urgente reorganização do mesmo sistema produtivo. Não
se planeja uma revolução do modelo econômico, embora essa seja uma utopia
deliciosa, mas se planeja uma revolução de métodos, conceitos de cultura, práticas
pedagógicas que favoreçam a inclusão social como forma de pertencimento a um
tempo histórico, conduzido intencionalmente por seus sujeitos históricos.
Construir práticas pedagógicas que comparem as formas de trabalho, os
comportamentos humanos que foram dignificados no tempo presente e no futuro,
garantindo aos homens a satisfação de suas necessidades materiais, espirituais e
intelectuais.
Assim, segundo Lizia, analisar a forma de viver, de ser, de trabalhar, em
relação às outras anteriores, fazendo uma leitura histórica, pois a sociedade sempre
se faz de propósitos e metas que se sucedem no tempo, na eterna expectativa de
36
melhorias de condições de vida, não em ritmos lineares, mas contextualizados
historicamente em cada tempo social. Nessa busca de superação das condições de
vida, fica claro o quanto o passado interfere e é indispensável para a compreensão
do presente, possibilitando os mecanismos de transformação de nossa própria
realidade social.
Pois, como afirma Hobsbawn:
“Ser membro de uma comunidade humana é situar-se em relação ao seu passado, ou da comunidade, ainda que para rejeitá-lo. O passado é, portanto, uma dimensão permanente da consciência humana, um componente inevitável das instituições, valores e outros padrões da sociedade humana”. (HOBSBAWN, 1998, p.22)
Se somos ainda herdeiros das vontades neocolonizadoras de organismos
internacionais e capitaneadas pelos nossos governantes num passado bastante
recente que se contentaram com a premissa liberal para a educação do “homem
necessário à sociedade pobre!”, em tempos do “politicamente correto” e de “escola
geradora de cidadania”, onde a conveniência política esgarçou comprometimentos
de mudanças, sobrecarregou e taxou os professores como os únicos responsáveis
pelo fracasso escolar de alunos e da “escola desmotivadora”, cabe voltar a esse
mesmo passado em busca de suas justificações ideológicas, para finalmente,
exorcizar os paradigmas que possibilitaram tais situações de modo a comprometer-
nos com sua mudança baseados numa lógica da finalidade da educação.
37
As relações sociais que permeiam todo o processo educacional precisam
ser encaradas com coragem. Exigir de governos, qualquer nível, federal, estadual ou
municipal, o aval para oportunizar a escola pública que forme cidadãos prontos é
querer trabalhar com a utopia. Mas o professor precisa de utopias, de sonhos, de
planos, de objetivos e de desafios. Para isso é que ele se constitui.
É preciso definir primeiro o que queremos da escola, sob o âmbito de suas
funções. Assim, como afirma Pedro Demo:
Tomar a si, ao pé da letra, o compromisso de educar concretamente para a cidadania, dentro de concepções de pertencimento, exige de cada um de nós, professores da escola pública uma única opção política de dar combate às injustiças sociais, fazendo com que a educação se constitua num mecanismo transformador de seus agentes sociais, portadores de possibilidades e de oportunidades. Uma das marcas mais profundas da atual sociedade é a de ser “sociedade do conhecimento” (...) o combate à pobreza e à exclusão precisa levar em consideração o desafio do conhecimento. (...) a sociedade do conhecimento confia mais na educação, porque está mais próxima da cidadania emancipatória, tendo no conhecimento seu instrumento principal. (...) Aos educadores compete cuidar que o conhecimento, além de não servir apenas ao mercado, se curve aos objetivos da educação, tendo em vista a necessidade de combater, mais do que a carência material, a pobreza política ou a ignorância historicamente produzida e mantida. Política social do conhecimento, se bem conduzida, pretende colocar o pobre como artífice central de seu destino, com base na aprendizagem reconstrutiva política. (DEMO, 2000, p. 5, apud Lizia, artigo citado).
Portanto, pensar num projeto emancipatório para a escola pública requer de todos nós atitudes políticas de protagonismo e de compromisso social para efetivar esta escola como ferramenta de inclusão e empoderamento na justa medida das transformações sociais que o contexto histórico exige.
38
Referências Bibliográficas:
ALMEIDA, M. I. O trabalho dos educadores. In: Retrato da escola no Brasil, Brasília, CNTE, 2004, p.105.
HOBSBAWM, Eric. Sobre a História: ensaios. São Paulo, Cia. da Letras, 1998, p.22.
NAGEL, Lizia Helena. O Estado brasileiro e as políticas educacionais a partir dos anos 80. Disponível em:<www.pde.pr.gov.br/arquivos/file/dpf/textos_videosLizia_Nagel>, acessado em 20/05/2008.
NAGEL, Lizia Helena. A sociedade do conhecimento no conhecimento dos educadores. Disponível em:
<http://www.histedbr.fae.unicamp.br/rev4.html>, acessado em 20/05/2008.
39
2. A ESCOLA COMO ESPAÇO PÚBLICO DE PODER.
2.1. A PEDAGOGIA CRÍTICA POR HENRY GIROUX E PETER MCLAREN3.
“À medida que as escuras e ambivalentes asas da História batem sobre o palco da nossa era, onde a esperança é mantida refém, a justiça está acorrentada no altar da acumulação desenfreada do capital e as boas obras de nossa cidadania coletiva são apagadas pelo desespero, procuramos ansiosamente uma nova visão do que deveria significar a educação.” (McLaren, 1997)
Para muitos professores que trabalham com alunos da classe operária, ou
integrantes de minorias e grupos subordinados, a falta de uma estrutura bem
articulada para o entendimento dessas dimensões de classe, cultura, ideologia e
gênero, presentes na prática pedagógica, favorecem a formação de uma alienada
postura defensiva e de uma couraça pessoal e pedagógica que frequëntemente se
traduz na distância cultural entre o “nós” e “eles”. (Giroux e McLaren, 2005).
Analisando essas realidades educacionais conflitantes, Giroux e McLaren
pensam numa possível pedagogia de possibilidades inclusivas chamada de
pedagogia crítica enquanto mecanismo capaz de abarcar essa multiplicidade de
fatores sociais, econômicos, políticos e culturais que representam a realidade de
nossas salas de aula.
3 P.h.D. em Educação, Universidade de Toronto.
40
A pedagogia crítica necessita desenvolver uma teoria de educação e
trabalhadores culturais como intelectuais transformadores, onde os professores
estivessem envolvidos na produção de ideologias e práticas sociais enquanto prática
capaz de revelar os parâmetros históricos, ideológicos e éticos que estruturam
nossas vidas, que lide com questões de como os indivíduos aprendem, como o
conhecimento é produzido, bem como as posições sociais são construídas, sempre
implicadas no discurso e nas relações de ética e poder. (Giroux, 1999)
A ética deve ser uma preocupação fundamental para a pedagogia crítica,
com os educadores compreendendo como as experiências dos alunos são moldadas
dentro de diferentes discursos éticos. Devendo, assim, encarar a ética e a política
como um relacionamento entre o self e o outro, num discurso social que se recusa a
aceitar o sofrimento e a exploração humana, implicando numa prática de
responsabilidade social e pessoal em relação ao outro, como parte da luta contra a
desigualdade e para a ampliação dos direitos humanos básicos, fundamentado nas
lutas históricas e atento à construção de relações sociais isentas de injustiça.
(Giroux, 1999).
A pedagogia crítica também só poderá efetivamente funcionar se propuser a
tornar a desesperança menos aceitável, acenando com a promessa de uma
aquisição progressiva de conhecimentos que resultem na emancipação de grupos
subordinados, por meio da transformação dessas relações assimétricas de poder.
(Giroux e McLaren, 2005).
41
Segundo os autores citados, a vida escolar deve ser vista como uma
fortificação em que sobejam contestações, luta e resistência. Além disso, também
deve refletir a pluralidade de discursos e lutas conflitantes, como um terreno móvel
onde a cultura de sala de aula se contrapõe com a cultura da rua, do trabalho, do
lazer, e onde professores, alunos e equipe pedagógica ratificam, negociam, criam e
recriam suas experiências de autonomia. Pois a meta primordial da educação é criar
condições para o fortalecimento do poder dos alunos e professores como sujeitos
históricos, portanto, políticos, capazes de desenvolver práticas alternativas de ensino
para provocar o desmonte da lógica da dominação, tanto dentro quanto fora das
escolas.
As escolas mais do que nunca, devem funcionar como o espaço privilegiado
de uma nova esfera pública, capaz de resgatar a idéia de democracia crítica
enquanto movimento social defensora do respeito à liberdade individual, à cidadania
e à justiça social, através de um projeto político emancipatório onde alunos e
professores possam debater, assimilar e adquirir o conhecimento e as habilidades
necessárias para sua inclusão social rumo à concretização de um mundo mais justo
e mais humano.
Reconhecer que as escolas são instituições históricas e culturais que
sempre incorporam interesses ideológicos e políticos. As escolas, como afirmam
Giroux e McLaren (2005, p.142), são terrenos ideológicos e políticos a partir dos
quais a cultura dominante irradia suas certezas hegemônicas. Mas são também
42
lugares onde grupos dominantes e subordinados se definem e se reprimem
mutuamente numa batalha contínua em resposta às suas condições sócio-históricas.
Embora as escolas não exerçam formas de regulação política, elas
especificamente estabelecem as condições para que alguns indivíduos e grupos
definam os termos segundo os quais todos os demais viverão o processo de
participar na construção de suas próprias identidades e subjetividades, aceitando-as
passivamente ou resistindo.
Daí, a necessidade de se desenvolver uma pedagogia de política cultural de
modo a preparar os professores para realizar o enfrentamento dessas posturas
conservadoras. Através da leitura e capacidade de análise crítica das relações
assimétricas desse poder constituído nas escolas que aparece nos textos didáticos,
currículos, legislação de ensino, atividades políticas e práticas pedagógicas,
desenvolvendo então, novas estratégias políticas para a participação nas lutas
sociais destinadas a reivindicar a transformação das escolas em esferas públicas
verdadeiramente democráticas.
A cultura escolar dominante geralmente representa e legitima as vozes
privilegiadas dos brancos das classes média e alta, mas acreditamos que as escolas
precisam ser reconcebidas e reinstituídas como contra-esferas públicas, de caráter
coletivo, não aliadas aos interesses corporativistas do Estado burguês neoliberal,
afirmam Giroux e McLaren (2005). Espaços públicos onde os alunos possam
aprender as habilidades e o conhecimento que os possibilitem viver em uma
sociedade mais democrática e lutar por ela.
43
As escolas deverão ser caracterizadas por uma pedagogia que se
comprometa seriamente em acolher os desejos e problemas de seus alunos em
suas vidas cotidianas. Cultivando e desenvolvendo um espírito crítico e um respeito
pela dignidade humana capazes de associar as questões pessoais e sociais ao
projeto pedagógico de ajudar os alunos a se tornarem cidadãos críticos e
protagonistas de sua própria história.
Se quisermos evitar, alertam Giroux e McLaren (2005, p.151) que a
democracia seja marginalizada da vida pública, que se distancie do cotidiano das
comunidades e das salas de aula e que acabe por sucumbir, dando origem a uma
nova forma de barbárie, os educadores terão de lutar arduamente para transformar
suas escolas em espaços que permitam derrotar o desalento e viabilizar a
esperança.
Um apelo a uma política das diferenças e do fortalecimento do poder, que
sirva de base para o desenvolvimento de uma pedagogia crítica através das vozes e
para as vozes daqueles que são quase sempre silenciados. Trata-se de um apelo
para que se reconheça que, nas escolas, os significados são produzidos para
construção de formas de poder, experiências e identidades que precisam ser
analisadas em seu sentido político e cultural mais amplo.
Os professores precisam encontrar meios de criar espaço para um mútuo
engajamento das diferenças vividas, que não exija o silenciar de uma multiplicidade
de vozes por um único discurso dominante.
44
Analisar suas posturas e atitudes pedagógicas diante de questões, como por
exemplo: que relação os meus alunos vêem entre o trabalho que fazemos em classe
e as vidas que eles levam foram da sala de aula? Giroux (1999, p.279) continua: que
tipo de sociedade desejamos? Educamos nossos alunos para uma sociedade
verdadeiramente mais democrática? De que condições necessitamos para
proporcionar aos professores e alunos uma instrução mais significativa aos seus
modos de vida?
Acreditamos que os trabalhadores culturais, principalmente os professores,
precisam reivindicar e reafirmar a importância de um discurso e de uma política de
localização que reconheça como o poder, a história e a ética estão intrincamente
interligadas em relação a posicionar, capacitar e limitar seu trabalho dentro de
relações instáveis de poder. (Giroux,1999).
Realizar o trabalho pedagógico com o objetivo de transformar os processos
de instrução relacionando fronteiras de conhecimento e poder, aprendizagem e
possibilidades de crítica social e dignidade humana. Imbuir-se numa construção
histórica e social mediada por um diálogo crítico, entendendo que as memórias
sociais proporcionam uma nova maneira de interpretar a história, reivindicando poder
e identidade.
Giroux (1999) afirma que é na reconstrução da memória social, no papel dos
trabalhadores culturais como críticos transformadores, e no discurso da democracia
radical, a base para a luta social e o trabalho cultural. Construir uma nova base
pedagógica que envolva a diferença cultural como parte de um discurso mais amplo
45
de justiça, igualdade e comunidade é a tarefa que se coloca urgente. Onde uma
visão pós-moderna da cidadania que reconheça o múltiplo, o particular e o
heterogêneo como constitutivos da vida pública.
Desvendar as formas de representação como desconstrução das ideologias,
mas fundamental para a construção de práticas pedagógicas que comunicam como
o conhecimento e o poder se unem para produzir modos particulares de estar no
mundo, modos particulares de sonhar e desejar, e como estes são assumidos pelos
grupos dominantes e subordinados dentro de contextos históricos e culturais
específicas.
A linguagem de possibilidades democráticas que rejeita a representação da
diferença cultural estruturada na hierarquia e na dominação. É uma linguagem que
rejeita as fronteiras sociais e espaciais como locais de violência e de abandono.
Como parte do uso de uma linguagem de possibilidades, os professores podem
explorar a oportunidade de desenvolver relações de conhecimentos e poder nas
quais narrativas históricas e práticas sociais múltiplas são construídas e de como a
pedagogia das diferenças oferece a oportunidade de interpretar o mundo, resistir ao
abuso de poder e privilégio. Construir comunidades mais plurais e democráticas,
onde a diferença pode ser afirmada e transformada em formas emancipatórias da
vida pública.
Para nós professores, isto significa que devemos começar criticamente a
enfrentar a cumplicidade de nossa sociedade com as raízes e estruturas da
desigualdade e injustiça. Isto significa também que nós, professores, devemos
46
enfrentar nossa própria responsabilidade na reprodução da desigualdade em nosso
ensino escolarizado, procurando desenvolver e aprimorar novas vertentes
pedagógicas de forma a gerar resistência tanto moral quanto intelectual à opressão,
estendendo o conceito de pedagogia para além da mera transmissão de
conhecimentos e capacidades. É disso que trata a Pedagogia Crítica, concebida por
Giroux e ora referenciada por McLaren: um desafio dialético para realizar o
enfrentamento social.
Ao construir as bases analíticas da pedagogia crítica, Giroux busca em
Freire (apud McLaren, 1997), as idéias de dialogicidade. Recordando, para Freire, a
aprendizagem é baseada em um diálogo genuíno entre professores e alunos, que
trabalham como parceiros em uma busca conjunta pela consciência crítica, levando
à transformação humana do mundo, em vez da acomodação ao próprio mundo,
numa crítica social transformadora e inclusiva.
Assim, ocorre uma abordagem de parceria, de resolução de problemas,
transformando-se os estudantes em sujeitos ativos e críticos que trabalham em
colaboração na construção histórica e política das práticas sociais com objetivo de
transformá-las, pensa Paulo Freire. Justamente o oposto da abordagem bancária da
educação, onde o professor “deposita” informações numa “conta vazia”, onde o
estudante, que “recebe, memoriza e repete”, tornando-se objetos passivos do
conhecimento do professor. (Freire, Pedagogia do Oprimido, 1970).
Giroux (apud McLaren 1997) acrescenta a esse modelo que uma pedagogia
crítica deve se desenvolver a partir de uma política de diferenças e um senso
47
comunitário que não esteja simplesmente enraizado na celebração da pluralidade, e
a tolerância pelas diferenças não basta. Os estudantes, apesar de suas diferenças,
devem desenvolver um trabalho comum para superar as condições que perpetuam
seu próprio sofrimento e de outros. A pedagogia crítica deve ser executada dentro de
uma linguagem da vida pública, projeto social emancipatório e com
comprometimento individual e social, baseada num imaginário social enraizado na
história de grupos com o propósito de resgate da memória silenciada e amortecida
dos conhecimentos tidos como sem importância dos grupos oprimidos, como
mulheres, negros e outros. A tarefa de tal processo é construir um mundo no qual as
relações de poder sejam contestadas ativamente visando a superação do sofrimento
desses grupos sociais menos favorecidos.
A pedagogia de Giroux, de acordo com McLaren, (1997), envolve o auxílio
aos estudantes para que analisem suas próprias posições teóricas e políticas. Para
isso, os professores devem descobrir os interesses ideológicos ocultos à sua própria
prática pedagógica e sua habilidade de ensinar e aprender com os outros. Isso
significa manter uma atenção crítica não apenas à relação do professor com o
aparato de poder estabelecido, mas também aos medos, resistências e ceticismo
que os estudantes de grupos subordinados trazem com eles para a sala de aula.
O desenvolvimento de uma Pedagogia Crítica deve fazer com que os
estudantes examinem cotidianamente suas crenças, valores e pressupostos que
usam para dar sentido ao mundo, como eles codificam esses acontecimentos, na
sala de aula e fora da escola, de modo a repensarem sobre perspectivas passadas,
48
modificando e reformulando posições em seu presente. Assim, os estudantes são
encorajados a categorizar as contradições de suas próprias experiências a partir da
premissa: o que a sociedade fez de mim que não desejo mais ser? , dentro de uma
estrutura educacional que define as escolas como espaços de possibilidades, nos
quais a sala de aula fornece condições para a valorização e inclusão das vozes dos
alunos, educando-os para ocupar seus lugares na sociedade a partir de uma posição
de poder, em oposição a uma posição de subordinação ideológica e econômica.
(grifos meus)
Para que a Pedagogia Crítica torne-se viável em nossas escolas, afirma
McLaren, (1997) os professores devem aprender a empregar a análise crítica e o
pensamento utópico. Henry Giroux refere-se a isso como uma combinação da
linguagem da crítica com a linguagem da possibilidade. Os educadores devem
desenvolver formas de análise que reconheçam os espaços, tensões e
oportunidades para a luta democrática e transformação das atividades do dia-a-dia e
acontecimentos em sala de aula.
Conforme afirma Peter McLaren (obra citada), ver as escolas como esferas
públicas democráticas, significa considerá-las como lugares dedicados a formas de
conferir poder ao self e ao social, onde estudantes têm a oportunidade de aprender
os conhecimentos e as habilidades necessárias para a vida em uma democracia de
fato. Em vez de definir as escolas como extensões do local de trabalho, ou
instituições na linha de frente dos mercados internacionais, trata-se de definir as
49
escolas como esferas públicas democráticas que funcionariam para dignificar um
diálogo significativo com o objetivo de dar aos estudantes a oportunidade de
protagonizarem a linguagem da responsabilidade. (grifos meus) Resgatando, assim,
a idéia de democracia como um movimento social baseado no respeito fundamental
pela liberdade individual e coletiva bem como pela justiça social.
McLaren (1997) reforça a importância atribuída por Giroux sobre a função do
professor enquanto um intelectual transformador que tenta inserir o ensino e a
aprendizagem diretamente na esfera pública, argumentando que este representa a
luta pelo significado das relações de poder no sofrimento dos desprivilegiados e
oprimidos. Deste modo, a visão tradicional do intelectual como alguém com a
capacidade de analisar vários interesses e contradições na sociedade é estendida
ao trabalho do professor como capaz de articular as possibilidades emancipatórias e
buscar o sentido de sua realização.
Os professores que assumem o papel de intelectuais transformadores
tratam os alunos como agentes críticos, questionam como conhecimento é produzido
e distribuído, utilizam o diálogo que faz o conhecimento ser significativo, motivador e
finalmente emancipatório, tornando a Escola um novo espaço público de poder.
Henry Giroux, segundo McLaren (1997), salienta que, se as escolas forem
parceiras dos pressupostos da democracia radical e da coragem civil, os educadores
devem examinar como as próprias escolas reproduzem os elementos que reforçam
as estruturas da injustiça social. Assim, a democracia começa na própria escola com
a oportunidade dos professores questionarem tanto o Currículo formal quanto o
50
oculto, a fim de identificar as ideologias e práticas sociais que operam
silenciosamente contra democracia, criando as precondições para que seja possível
o aprendizado crítico, o protagonismo de jovens preparados para a valorização
social e da democracia, enquanto conceito fundante.
O que a escola ensina, dentro da perspectiva da pedagogia crítica, é a
revolução da consciência e do entendimento, onde alunos e professores aprendem a
ver-se enquanto agentes de transformação social. Guiar essa transformação deve
ser um compromisso com a democracia de fato, com a instalação de redes de
cidadania e justiça social. Um compromisso que deve ser tomado em solidariedade
emancipatória na esfera dos direitos humanos junto aos grupos subordinados e
desvalidos socialmente.
Visto dessa forma, as escolas podem ser mais que um mecanismo de
controle e de dominação social. Podem ser também lugares onde formas
particulares de conhecimento, relações sociais e valores podem ser ensinados.
Ensinados numa linguagem de possibilidades, através de um diálogo autêntico entre
professores e alunos, sobre decisões que afetam a qualidade da vida humana em
sua plenitude de direitos e oportunidades de inclusão social, formas legítimas de
empoderamento e protagonismo como regra de luta social.
Educar estudantes a tomarem seu lugar na sociedade, não em posições
subalternas, subordinadas, mas sim em posição de controle e empoderamento, é
essa a função de uma escola pensada enquanto espaço público de poder, que
rejeita as narrativas dominantes, defendendo então, uma pluralidade de vozes e
51
narrativas que se reconheçam na diferença visando um novo pensar sobre os limites
que definem nossa existência no mundo.
Referências Bibliográficas:
GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre, Artmed, 1999.
_________________Cruzando as fronteiras do discurso educacional: novas políticas em educação. Tradução Magda França Lopes, Porto Alegre, Artmed, 1999.
MCLAREN, Peter. A vida nas escolas: uma introdução à Pedagogia Crítica nos fundamentos da educação. Porto Alegre, Artmed, 1997. Trad. Lucia Pellanda Zimmer.
MOREIRA, Antonio Flávio B. e SILVA, Tomaz Tadeu da (orgs.). Currículo, cultura e sociedade. Tradução Maria Aparecida Baptista, São Paulo, Cortez, 2005, 8.ed., 125-154.
52
2.2. AS FUNÇÕES DA ESCOLA ENQUANTO ESPAÇO DE POSSIBILIDADES.
POR A.I. PÉREZ GÓMEZ4.
A educação, concebida como fator de hominização e humanização do
homem como premissa, precisa ser encarada diante das necessidades, contradições
e urgências de nosso tempo, como instrumento de preparação das novas gerações
para sua participação no mundo adulto. O modo de possibilitar aos nossos alunos,
chances de intervenção neste modelo socioeconômico, a partir do entendimento das
relações sociais imbricadas neste processo e processadas por alunos e professores
em sua formação histórica é que deve ser discutido e construído pelo coletivo da
escola. É o que nos propomos estudar e analisar através da leitura do educador
espanhol Pérez Gómez, em seu texto sobre as funções sociais da escola na
contemporaneidade. (Pérez Gómez, 2000).
Se deve ser função da escola hoje a socialização dos alunos para sua
incorporação no mundo do trabalho e para a intervenção na vida pública é premente
repensar as formas pedagógicas para tal: ou se mantém a ideologia dominante,
apenas retransmitindo o ordenamento social – ou – escolhe-se o empoderamento e o
protagonismo. Pois, de acordo com Pérez Gómez (2000), preparar para a vida
pública nas sociedades formalmente democráticas na esfera política, governadas
pela lógica implacável da lei do mercado na esfera econômica, comporta,
4 Catedrático de Didática na Universidade de Valência, Espanha.
53
necessariamente, que a Escola assuma as vivas contradições que marcam as
sociedades ocidentais contemporâneas.
O mundo da economia, governado pela lei da oferta e da procura e pela
estrutura hierárquica das relações de trabalho, bem como pelas evidentes diferenças
individuais e sociais, impõe exigências contraditórias aos processos de socialização
na escola. Portanto, definir o que significa a preparação para o mundo do trabalho.
Como se realiza este processo, que conseqüências têm para promover a igualdade
de oportunidades ou de mobilidade social, mesmo dentro da ótica capitalista, ou para
reproduzir e reafirmar as diferenças sociais de origem dos indivíduos e grupos é
tarefa que a escola precisa assumir enquanto instituição social engajada nas lutas de
seu tempo histórico, onde um toque de ruptura é emergencial.
Acompanhando o raciocínio de Fernandez Enguita (1990, apud Pérez
Gómez, 2000), na esfera política, todas as pessoas têm em princípio, os mesmos
direitos; na esfera econômica, a primazia não é de direitos da pessoa, mas os de
propriedade. Dessa forma, a escola deve enfrentar essas contradições provocando o
desenvolvimento de conhecimentos, idéias, atitudes e comportamentos que
permitam ao aluno, sua incorporação ao mundo civil, no âmbito das liberdades de
escolhas e de participação política. Seguro da liberdade e responsabilidade na
esfera da vida familiar e profissional, com autonomia de suas escolhas, não somente
como um cidadão-súdito, expressão usada por Selva Guimarães Fonseca (2003),
mas com protagonismo.
54
Características bem diferentes daquelas que requerem sua incorporação
submissa e disciplinada ao mundo do trabalho assalariado e alienado. Mas é papel
da escola oferecer opções políticas que possibilite mecanismos de superação, quem
sabe rupturas; da dissociação do mundo dos direitos legais conquistados
historicamente e do mundo da realidade factual de grupos sociais assolados pela
desigualdade e pela injustiça, permeados e penetrados apenas aparentemente por
comportamentos democráticos.
Deste modo, ao aceitar a contradição entre aparências formais e realidades
factuais, segundo o autor citado, inerente ao processo de socialização na vida
escolar, na qual, sob a ideologia da igualdade de oportunidades, se desenvolve
lenta, mas decisivamente o processo classificatório e de exclusão, além do
posicionamento diferenciado para o mundo do trabalho e da participação social. Até
quando, pergunta-se o autor, permitiremos essa parceria da legitimação da exclusão
social via escola?
Parece bastante fácil, até mesmo confortável, aceitar a ideologia da
igualdade de oportunidades que resulta numa classificação social excludente como
conseqüência das diferenças individuais em capacidades e esforços, penalizando
mais uma vez, dentro da lógica neoliberal de competitividade e individualismo os
filhos das classes trabalhadoras e os menos favorecidos economicamente Onde a
origem social transforma-se em responsabilidade individual: “eu não aprendo, não
progrido, não tenho os mecanismos cognitivos adequados à aprendizagem da
cultura escolar, “sou burro”, sou reprovado e é culpa exclusivamente minha”. Essa é
55
a receitinha hipócrita de matriz neoliberal que baliza o funcionamento da Instituição
Escola para todos, afirma categoricamente Pérez Gómez (2000), obra citada.
Assim, concordando com a afirmação do referido autor:
Viver na escola, sob o manto da igualdade e da ideologia da competitividade e meritocracia, experiências de diferenciação, discriminação e classificação, como conseqüência do diferente grau de dificuldades que tem para cada grupo social o acesso à cultura acadêmica, é a forma mais eficaz de socializar as novas gerações na desigualdade.
Deste modo, inclusive os mais desfavorecidos aceitarão e assumirão a
legitimidade das diferenças sociais e econômicas e a mera vigência formal das
exigências democráticas da esfera política, assim como a relevância e utilidade da
ideologia do individualismo, a concorrência e a falta de solidariedade “como
premissas normais e corriqueiras, imutáveis no seu destino”.
Pérez Gómez apresenta alternativas para se efetivar a trajetória de
prioridades e tornar a Escola Pública um mecanismo de inclusão social e prática de
cidadania. (grifos meus). Segundo ele, as inevitáveis e legítimas influências que a
comunidade exerce sobre a escola e sobre o processo de socialização das novas
gerações devem sofrer a mediação crítica da utilização do conhecimento, construído
historicamente; fazendo uso ordinário desses conhecimentos para compreender as
origens das influências, seus mecanismos, intenções e instrumentos ideológicos de
exclusão disfarçada.
Utilizando a lógica do saber, a estrutura de conhecimento construído
criticamente, a pluralidade investigativa e a busca racional, tendo em vista seu
56
alcance social, deve-se analisar o processo de socialização em cada época, cada
comunidade e grupo social, desmistificando os poderosos e diferenciados
mecanismos de imposição da ideologia dominante da igualdade de oportunidades
numa sociedade marcada pela discriminação.
Para o autor citado, a função educativa da escola na sociedade
contemporânea deve operacionalizar-se sobre dois eixos de intervenção:
• Organizar o desenvolvimento radical da função compensatória das
desigualdades de origem mediante o respeito pela diversidade.
• Provocar a construção e reconstrução dos conhecimentos, conceitos,
atitudes e comportamentos socioculturais de modo a preparar os
alunos para intervir criticamente numa realidade de injustiças e de
desigualdades.
Segundo Pérez Gómez, a intervenção compensatória da escola deve revestir-se de um modelo flexível e plural que permita atender às diferenças de origem, de modo que o acesso à cultura pública se atenda às exigências de interesses, ritmos, motivações e conhecimentos anteriores dos que se encontram mais distantes dos códigos culturais.
Deste modo, como afirma Bernstein (1987, p.47, apud Pérez Gómez, 2000):
A educação deve ser concebida como uma contínua reconstrução da experiência humana e a Escola uma comunidade de vida democrática baseada no diálogo, na comparação e no respeito pelas diferenças individuais, sobre os quais se assentarão os projetos solidários. O interesse comum realmente substantivo e relevante somente pode ser descoberto ou criado na batalha política democrática, permanecendo ao mesmo tempo, tão contestado como compartilhado.
57
Assim, conforme afirma Pérez Gomes, obra citada (p.22), a “função
educativa da escola, imersa na tensão dialética entre reprodução e mudança”,
oferece uma contribuição complicada, mas específica: utilizar o conhecimento,
também social e historicamente construído, como ferramenta de análise para
compreender, para além das aparências superficiais do status quo, assumido como
natural pela ideologia dominante, como o verdadeiro sentido das influências de
socialização com os mecanismos explícitos ou disfarçados que se utilizam para as
novas gerações. Deste modo, explicitando o sentido das influências que o indivíduo
recebe na escola e na sociedade, possa oferecer àquela, espaços adequados de
autonomia, possibilitando a realização do protagonismo histórico, contribuindo como
diria WOOD (1984, p.239, apud Pérez Gómez, grifos meus) (...) preparar os alunos
para pensar criticamente e agir democraticamente numa sociedade ainda não
democrática.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
PÉREZ GÓMEZ, A.I. As funções sociais da escola: da reprodução à reconstrução crítica do conhecimento e da experiência. P. 13-26. In: GIMENO SACRISTÁN, J. e PÉREZ GÓMEZ, A.I. Compreender e transformar o ensino. Tradução Ernani F. da Fonseca Rosa, Porto Alegre, Artmed, 2000, 4.ed.
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de história: experiências, reflexões e aprendizados. Campinas, Papirus, 2003.
58
2.3 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA ESCOLA
DEMOCRÁTICA, POR CARLOTA BOTO5.
“A idéia de educação, que é parte essencial do senso comum moderno está montada nas narrativas do constante progresso social, da ciência e da razão, do sujeito racional e autônomo e do papel da educação como instrumentalizadora desses ideais. A ciência e a razão são instrumentos de progresso, o sujeito moderno é encarregado de produzi-los. Assim, o sujeito educacional encarna os ideais da narrativa moderna: emancipado, livre, racional”. (Tomaz Tadeu da Silva, 1996, p.253, In: Direitos Humanos e Educação, 2005).
Estes são os pressupostos educacionais contidos na concepção iluminista
da racionalidade moderna: a Escola contemporânea ocidental deve ser única,
obrigatória, laica, universal e gratuita, tomada em si mesma como fonte pública de
esclarecimentos e cultura e parte integrante dos direitos humanos e sociais.
Mas história dos direitos humanos e sociais segue caminhos diferenciados.
Para mostrar essa diferenciação, Carlota Boto (2005) toma por empréstimo a tese de
Norberto Bobbio sobre a historiografia dos direitos humanos, assim divididos:
1. Primeira geração de direitos, que data do programa iluminista e na
primeira plataforma dos revolucionários franceses: os direitos
políticos, como o direito ao voto e à participação na vida civil.
2. Segunda geração de direitos se dá no transcorrer do século XIX,
clamando pela igualdade que deu origem aos chamados direitos
5 Doutora em História Social e professora de Filosofia da Educação, na USP-SP.
59
sociais, pois sendo mais iguais, os sujeitos passam a ter
oportunidades equânimes na vida pública e reforçando os já
conquistados direitos políticos.
3. Na terceira geração de direitos, depois de 1960, no momento da
contracultura, assistiu-se à reivindicação coletiva dos direitos das
minorias excluídas ou prejudicadas no tecido social: mulheres,
negros, índios, homossexuais, imigrantes, crianças, jovens,
portadores de deficiência e outros.
Assim, a sociedade civil presenciaria, no mundo ocidental, o direito às
identidades, à pluralidade cultural e de valores, e, mesmo, à defesa das diferenças,
muito embora, essa concepção de direitos humanos remeta-nos, de imediato, à
tradição ocidental, centralizada na idéia de preservação letrada da cultura clássica,
do progresso e do processo de civilização dos costumes.
Carrega, portanto, consigo essa herança que se renova continuamente
através de práticas e rituais escolares que inventam um modo distinto de ser
humano, que se contrapõe aos particularismos das camadas populares, conflitando
muitas vezes até com a padronização da chamada “língua materna”, de modo a
promover a pretendida homogeneidade cultural, que é de matriz cultural ocidental,
daí a presença da unidade lingüística, violentando as demais representações
lingüísticas dos grupos subordinados e dominados, contrariando os direitos à
pluralidade e à diversidade cultural contidas em lei.
60
Boto (2005) reforça o papel do Estado que, ao assumir para si essa tarefa
de instrutor das populações e de pedagogo da Nação, provoca a erosão dos falares
e dos saberes populares, sendo óbvio o resultado de fratura identidária dos sujeitos,
quando a identidade escolar parece incompatível com a pertença comunitária, o que
provoca sérias polêmicas acerca dos objetivos ao se trabalhar a questão do
multiculturalismo ou pluralidade cultural. O resultado é o esvaziamento identitário nas
salas de aulas.
Segundo Carlota Boto, por analogia, em relação às três gerações de direitos
humanos, identificadas e relacionadas por Bobbio, podemos sistematizar um quadro
paralelo para refletir sobre as conquistas e lutas pela escolarização.
1. Os direitos de primeira geração postulam o ensino universal para todos e a
educação torna-se um direito público. Neste período, expandir o acesso à
escola pública é dever do Estado democrático, pois diante de uma
população que não tem escola, qualquer possibilidade de freqüentar uma
escola já é em si mesmo, um avanço. Mas como afirma AZANHA, (1987,
p.41):
“Não se democratiza o ensino reservando-o para uns poucos sob pretextos pedagógicos. A democratização da educação é irrealizável intramuros, na cidadela pedagógica; ela é um processo exterior à escola, que toma a educação como variável social e não como uma simples variável pedagógica”.
2. Assegurado o acesso à escola pública, torna-se imperioso assegurar-lhe
uma boa qualidade de ensino, que possibilite o êxito de todos os alunos.
61
Neste momento é preciso discutir o pretenso caráter atestador de
determinado padrão cultural erudito e letrado, que inclui com facilidade as
crianças portadoras do mesmo padrão de letramento. Na outra ponta,
ficam ou são da Escola silenciosamente expurgados os jovens que não se
identificam com o habitus e com o ethos institucional; jovens que não
compartilham – por não terem conhecimento prévio dos significativos
culturais inscritos na própria concepção de escola, daí a exclusão que
desqualifica o aluno que se entende ser tão capaz quantos os outros.
Para Pierre Bourdieu, a educação escolar exerce sobre as camadas
populares níveis altíssimos de violência simbólica, dado que, além de referendar o
capital cultural dos alunos pertencentes às camadas privilegiadas da população,
ainda convence aqueles que não são herdeiros da mesma cultura erudita, que eles
são os responsáveis pelo seu próprio fracasso na escola! (BOURDIEU, 1982, p.231-
32).
Exemplificando a idéia de exclusão de Bourdieu, a oferta da cultura
advinda dos teatros, concertos musicais, museus, obras de arte, que a priori, é
oferecida a todos, somente é apropriada por aqueles poucos que detém o código
que permite decifrá-los, já que a apropriação destes bens culturais supõe a posse
prévia dos instrumentos culturais da cultura ocidental.
Também relembrando como a Escola fala uma linguagem de classe,
podemos retomar Althusser, para que o indivíduo é na sociedade burguesa
formatado para a sujeição. Dirá ele que os rituais materiais existem como
62
manifestação explícita de aparelhos ideológicos entre os quais – a Escola -, visando
a reprodução das condições sociais de produção segregacionistas e excludentes.
(ALTHUSSER, 1980, p.88-89)
Sobre essa perversa tarefa social desempenhada pela escola nas
sociedades capitalistas, dirá Baudelot e Establet, em relação às práticas escolares
impostas aos alunos que deverão aprender a submissão a cada instante a um
conjunto de práticas e atitudes que constituem o ritual material da ideologia
burguesa, não apenas em seus conteúdos manifestos, mas também mediante
práticas coercitivas com o intuito de pensar e expressar integralmente a ideologia
burguesa. (BAUDELOT E ESTABLET, 1986, p.242)
Deste modo, considerando o caráter excludente da escola e sua
concepção burguesa no contexto da segunda geração de direitos é preciso revisar
seu propósito por seus agentes dentro do objetivo de todos na escola, de boa
qualidade, capaz de incorporar e incluir alunos de diversas tradições familiares,
comunidades e identidades, pensar uma pedagogia portadora dos clássicos saberes
escolares traduzidos por sua transposição didática em conteúdos e metodologias de
ensino que habilitem todos os nossos alunos para o protagonismo social.
Forquin, ao analisar o conceito escolar de cultura contido nos Currículos
Escolares pergunta: que é que merece, por excelência, ser ensinado, que é que é
fundamental que deva ser ensinado a todos os membros da sociedade? (FORQUIN,
1993, p.144) Quais os critérios de seleção? Quem são os árbitros? Qualquer que
seja o postulado, o interesse público e social por uma escola com padrão
63
reconhecido de qualidade e que possa atingir a todos, dentro de uma concepção
democrática de cultura e de sociedade é o que precisa ser buscado por todos.
3. A terceira geração de direitos educacionais pauta-se pelo signo da
tolerância, mediante a qual o encontro de culturas se faça e se refaça
constantemente em uma sempre renovada convivência e partilha entre
diferentes nações, diferentes povos, diferentes comunidades, diferentes
grupos sociais, diferentes pessoas, afirma Boto.
O debate contemporâneo sobre educação para todos, a igualdade
comprometida com a qualidade passa pela reinvenção do Currículo, que, aberto
quanto aos conteúdos, possa entretecer a diversidade, mobilizando-se pela
desconstrução de uma falsa unidade de um saber seqüencial, repartido em
disciplinas estanques e hierarquizadas entre si. (BOTO, p.125)
Assim, torna-se urgente a revisão da cultura escolar e de seu currículo
universal portador de saberes que traduzem uma mundividência de matriz
eurocêntrica, masculina, branca, capitalista e ocidental, indo em direção à formas
mais plurais e cosmopolita de humanidade. Algo baseado no preceito de
reciprocidade defendido por John Rawls:
“Os cidadãos são razoáveis quando vendo um ao outro como livres e iguais em um sistema de cooperação social ao longo de gerações, estão preparados para oferecer um ao outro relações de justiça política, pois, aceitando-se todos como cidadãos livres e iguais, não dominados, nem manipulados ou sob pressão de uma posição política ou social inferior”. (RAWLS, 2001, p.180, apud Boto, 2005).
64
Historicamente, o reconhecimento de todas essas condições de direitos
humanos em educação passa por lutas sociais abrangentes e entrelaçadas com o
direito de liberdade humana tido com intrínseco à própria condição de humanidade e
de contínua humanização.
O trajeto histórico da educação enquanto projeto e necessidade prática
reconhece o homem enquanto sujeito livre que trás consigo a urgência de
reivindicações de condições justas de vida comum, o que inclui acesso a uma escola
democrática e de qualidade, daí a condição de cidadania ser tão relevante quando
se propõe as políticas contidas em Currículos e projetos pedagógicos. A sociedade
liberal criou os marcos regulatórios da aparente igualdade das oportunidades sociais
e de inclusão. Cabe agora, neste momento de demarcação e aceite e respeito às
diferenças, contemplar – e incluir – as reivindicações específicas de amplos setores
da sociedade como negros, mulheres, índios, jovens, crianças, idosos,
homossexuais, portadores de deficiência, enfim, sujeitos que, sendo ordinariamente
iguais, requerem da história do tempo presente, a urgência do reconhecimento de
suas particularidades, fazendo com que a Instituição escolar seja, de fato, capaz de
promover a igualdade enquanto prática social e política, traduzindo-se políticas
públicas de acesso, inclusão e construção de uma cidadania ampliada às camadas
sociais mais necessitados e protagonizando o ideal democrático em nosso meio e
em nosso tempo histórico.
Carlota Boto retoma a reflexão de JOHN RAWLS (obra acima citada) que
atualiza os conceitos de justiça social e de cidadania, pois segundo ele, atentar para
65
as diferenças pode significar hoje, o primeiro passo para reparar as desigualdades
estruturais da sociedade. Para isso, é preciso que se reconheça o princípio da
igualdade para todos, sem exceção e agir afirmativamente, dentro das políticas
públicas sobre os grupos sociais historicamente menos privilegiados.
Para Rawls, (In: Direitos Humanos em Educação, p.138), atualizar a noção
de contrato social tendo como objeto uma sociedade mais justa, requer o propósito
de demarcar, como cláusula inamovível, a dignidade da pessoa humana como
contribuição para se edificar uma sociedade progressivamente mais justa e
equilibrada. (grifos meus) Assim, para que haja igualdade de oportunidades, a
distribuição dos bens deverá contemplar a todos. Todavia, com o objetivo de corrigir
possíveis disparidades estruturais advindas da anterior distribuição desigual de
oportunidades garantidas pela carta liberal, é hora de se recorrer às diferenças
enquanto recurso provisório de favorecimento e inserção social diante dos
marginalizados historicamente. A justiça deverá ser distributiva, mediante a
prioridade daqueles que, historicamente sempre tiveram menores oportunidades.
Essa prerrogativa social também deve ser papel da Escola na medida em que todos
estão inseridos num meio social repleto de diferenças. Até porque, nossa própria
Constituição Federal (1988) garante, na forma da lei, todos esses direitos de
inclusão social, de igualdades de oportunidades e de cidadania social, portanto,
direito de todos e dever da escola enquanto mecanismo institucional promotor de
uma sociedade progressivamente mais democrática.
66
Uma escola de boa qualidade ainda é, pela Lei e pelo direito
consuetudinário, dever do estado e direito do cidadão. Mas transformar a todos em
cidadão é obrigação da Escola, que, segundo AZANHA,( p.139, apud Boto, 2005,
grifos meus) é mais uma opção política do que argumentos pedagógicos. A escola
que projetamos como observou SNYDERS (1996) será aquela:
Que nos possibilite desfrutar em nosso foro íntimo de tudo o que deveria pertencer à humanidade inteira...Tudo o que seja mais radicalmente humano porque mais abrangente, mais generoso, mais fraterno; tudo o que incorpore, então mais gente; tudo o que esclareça melhor pela ação da racionalidade e que nos totalize enquanto seres humanos melhores.
Para concluir sobre as desconcertantes reflexões propostas pela autora e as problemáticas que envolvem a educação contemporânea é necessário atentar para uma imediata e urgente tomada de posição sobre qual o tipo de sociedade queremos e qual deve ser o nosso compromisso histórico, político e pedagógico para realizarmos o projeto emancipatório que nossa sociedade exige.
Referência Bibliográfica:
BOTO, Carlota. A educação escolar como direito humano de três gerações: identidades e universalismos. In: Direitos Humanos e Educação: outras palavras, outras práticas. SCHILLING, Flávia (org.), São Paulo, Cortez, 2005.
67
3. NOVAS PERSPECTIVAS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA.
3.1.TEORIA E DIDÁTICA EM HISTÓRIA, POR JÖRN RÜSEN6.
3.1.1 CONSCIÊNCIA HISTÓRICA: A PRÁTICA METODOLÓGICA DA HISTÓRIA
EM SALA DE AULA.
A sala de aula precisa ser transformada num ambiente dialógico como local
de encontro entre os alunos e seus professores, um espaço público, livre e propício
à realização de seu objetivo principal: o espaço das situações de ensino e
aprendizagem. Mas o que acontece rotineiramente nesses espaços parece destoar
dessas premissas, onde alunos e professores estão ligeiramente cansados das
práticas metodológicas de repetição e de empurra-empurra dos problemas
recorrentes da falta de inovação e ousadia por parte da Escola, provocando um
estado de apatia e desinteresse.
As formas de se trabalhar o conhecimento historicamente produzido diante
das novas gerações tem causado discussões sobre “como se deve ensinar”, “o que
ensinar”, “por que ensinar”, enfim, a utilidade do que se ensina, e é claro, esse
6 Historiador e Filósofo da Universidade Witten, Alemanha.
68
contexto reflexivo vale para todas as disciplinas escolares, não somente em História,
já que, via de regra, os alunos se queixam que o ensino escolarizado não tem
utilidade na vida prática. Daí, a urgência de se questionar e refletir sobre as práticas
pedagógicas que fazemos na Escola em cada sala de aula. (grifos meus).
Estudos de Teoria e Didática da História propostos por Rüsen, historiador e
filósofo alemão, conhecidos por consciência histórica, buscam analisar as
concepções históricas que tratam da natureza, função e objetivos de se ensinar
História – uma matéria a ser ensinada e aprendida com o propósito definido de se
orientar para a vida. Pois assim era esperado que, através do saber histórico, os
alunos pudessem, automaticamente, obter a habilidade de autodeterminação que
daria a eles o poder de participar ativamente das decisões políticas que
influenciariam sua vida diária, em processo linear de emancipação. Mas isso não
ocorre naturalmente.
Para Rüsen (1987), um dos princípios da Didática da História é justamente o
de ordem teórica, sobre as condições, finalidades e objetivos do ensino de História e
envolve as questões já referidas por este projeto de pesquisa: “para que serve
ensinar a história?”, “por que trabalhar história na escola?” e que “significado tem a
história para alunos e professores?”. (grifos meus).
Segundo Schmidt e Garcia, que referenciam o estudo de Rüsen em seu
artigo A formação da consciência histórica de alunos e professores, (Cad. Cedes,
vol.25, n.67, p.297-308), a resposta a estes questionamentos deve ser encontrada
69
nas vertentes historiográficas que entendem a História como o estudo da experiência
humana no tempo, referidas por Thompson:
Para trabalhar com a reconstrução do conhecimento histórico é preciso lidar com a categoria central do pensamento que qualifica como a “lógica histórica”, ou seja, uma lógica adequada a fenômenos que estão sempre em movimento – o tempo histórico – aquele que se faz, se constrói pela ação do homem, contemplando várias temporalidades, presente, passado, futuro e presente de novo. (Thompson, 1981, p.48, apud Schmidt e Garcia, 2005).
Essa concepção permite entender que a História estuda a vida de todos os
homens e mulheres, com a intenção de recuperar o sentido de experiências
individuais e coletivas. Este pode ser um dos principais critérios para a seleção de
conteúdos organizados em temas de significância para os alunos e ensinados com o
objetivo de contribuir para a formação de consciências individuais numa perspectiva
crítica, indo de encontro aos propósitos desse presente projeto de estudo
preocupado com os problemas de nossa sala de aula de História.
O conceito de “consciência crítica” já foi pensado pelo mestre brasileiro
Paulo Freire em sua luta de uma vida inteira contra a injustiça e a opressão exercida
pelo capitalismo nos excluídos brasileiros como possibilidade desses sujeitos se
inserirem no processo histórico e transformá-lo.
Assumindo essas prerrogativas, pode-se afirmar que o primeiro passo é a
renovação dos conteúdos com a construção de problematizações históricas, a
apreensão de várias histórias lidas a partir de distintos sujeitos históricos, das
histórias silenciadas, das histórias que não tiveram acesso à História. Recuperando-
70
se a vivência pessoal e coletiva de alunos e professores, como forma desses
sujeitos poderem ser inseridos socialmente a partir de um pertencimento numa
ordem de vivências múltiplas e contrapostas na unidade e diversidade do real. (grifos
meus).
De acordo com Rüsen, (Schmidt e Garcia, 2005), a consciência histórica
funciona como um “modo específico de orientação” nas situações reais da vida
presente, tendo como função precípua ajudar-nos a compreender a realidade
passada para compreender a realidade presente.
Assim, a consciência histórica incorpora uma concepção de tempo como
experiência e “revela o tecido da mudança temporal no qual estão amarradas as
nossas vidas”, recuperando a historicidade dos valores e a possibilidade dos sujeitos
problematizarem a si próprio e procurarem respostas nas relações entre
passado/presente/futuro.
Deste modo, segundo Rüsen, a consciência histórica:
Relaciona o “ser” e “dever” (ação) em uma narrativa significativa que retoma os acontecimentos do passado com o objetivo de dar identidade aos sujeitos a partir de suas experiências individuais e coletivas e de tornar inteligível o seu presente, conferindo uma expectativa futura a essa atividade atual. Portanto, a consciência histórica tem uma função prática e objetiva de dar identidade aos sujeitos e fornecer à realidade em que eles vivem uma dimensão temporal, uma orientação que pode guiar a ação, intencionalmente, por meio da mediação da memória histórica. (SCHMIDT e GARCIA, 2005, grifos meus).
71
Desse ponto de vista, o conceito de consciência histórica responde às
problemáticas que afetam a realidade da sala de aula e seu descompasso de
aprendizagens desvinculadas da temporalidade, das angústias e anseios de alunos
e professores quanto ao sentido de suas funções e atribuições, vindo de encontro
para responder aos argumentos da justificativa e problematização desse projeto de
estudos.
A sistematização dos princípios formadores da consciência histórica que
contempla uma nova forma de apropriação e recriação dos conceitos históricos
evidencia a possibilidade que o ensino de história tem de formar a consciência
histórica crítico-genética proposta por Rüsen: crítica porque os alunos e professores
puderam comparar situações relacionadas a determinados acontecimentos históricos
a partir de suas referências temporais individuais e coletivas; genética porque eles
se apropriam das informações recriando-as na dimensão das diferenças, das
mudanças e das permanências.
Esta perspectiva crítico-genética, afirmam Schmidt e Garcia, se aproxima do
que Paulo Freire define como a passagem da consciência ingênua para a
consciência crítica. Para ele, esse processo não implica que o educador e o
educando, em determinado momento do aprendizado, entendam todo o significado
das palavras e conceitos, mas que tenham possibilidades de explicitar mudanças em
sua compreensão do mundo.
Assim, os conceitos pensados por Rüsen em suas construções didático-
metodológicas apontam para o fato de que a construção da consciência histórica
72
exige conteúdos que permitam o desenvolvimento de uma argumentação histórica,
de uma contra-narrativa, na medida em que tais conteúdos buscam a mobilização,
não de todo o passado, mas de experiências específicas do passado relacionadas à
sua própria experiência.
A partir de seu presente e de sua experiência, alunos e professores se
apropriam da história como uma ferramenta com a qual podem romper, destruir e
decifrar a linearidade de determinadas narrativas históricas, fazendo com que elas
percam o seu poder como fonte de orientação do presente e percebendo que o
sentido do passado não se encontra somente na perspectiva da continuidade, mas
também, e principalmente, na mudança. Ocorre aí a similitude com a pedagogia
freiriana, pois estão abertas as opções para que a atividade humana crie um novo
mundo.
Em texto publicado pela Revista Práxis Educativa (2006), Rüsen explica que
o conceito de consciência histórica é uma categoria geral que não apenas apresenta
relação com o aprendizado e o ensino de História, mas cobre todas as formas de
pensamento histórico, pois através dela se experencia o passado e se o interpreta
como História.
Para o autor, a consciência histórica dá estrutura ao conhecimento histórico
como meio de entender o tempo presente e antecipar o futuro, mas sempre
orientada para se compreender o tempo presente. Rüsen a descreve como um
conjunto coerente de operações mentais que definem a peculiaridade do
pensamento histórico e a função que este exerce sobre a cultura humana.
73
Autores contemporâneos desse campo de discussão, que inclui a explicação
histórica através de suas narrativas, como Hayden White e Paul Ricouer (apud
Schmidt e Garcia, 2005) também a apresentam como um procedimento mental
básico que dá sentido ao passado com a finalidade de orientar a vida prática através
do tempo. Todas as interpretações desta área do conhecimento histórico,
fundamentados pela Teoria e pela Didática da História entende que a disciplina de
História não pode mais ser considerada uma atividade divorciada das necessidades
da vida prática, o que, fatalmente, aproxima estes estudos das necessidades teórico-
práticas deste projeto de estudo.
Rüsen afirma, em seu texto Didática da História (In: Revista Práxis
Educativa, 2006), que a análise das operações da consciência histórica e das
funções que ela cumpre, isto é, pela orientação da vida através da estrutura do
tempo, a didática da história pode trazer novos insights para o papel do
conhecimento histórico e seu respectivo aplicativo na vida prática.
Em relação à formação da identidade, a educação histórica pode ser vista
como um processo intencional e organizado de construção de identidades quando se
volta ao passado para poder entender o presente e antecipar o futuro. Isto, continua
Rüsen, proporciona aos seres humanos a segurança e auto-persistência em face
das rupturas e das mudanças, o que, aliado ao uso da razão, que pode ser aplicada
a todas as formas e usos do pensamento histórico, onde argumentos, e não poder e
dominação, poderiam resolver os problemas que a Escola hoje enfrenta.
74
Aqui é necessário reformular idéias sobre consciência histórica como sendo
um fator básico na formação da identidade humana relacionando estes conceitos
com o processo educacional, que também é básico para o desenvolvimento humano.
Seu objetivo é investigar o aprendizado histórico enquanto processo fundamental de
socialização e individualização do ser humano, pois o ensino de História afeta o
aprendizado de História e o aprendizado de História configura a habilidade de se
orientar na vida e de formar uma identidade histórica coerente, estável e
protagonista. (grifos meus).
À reflexão sobre o significado e a relação entre o conhecimento histórico e à
vida prática, Rüsen adiciona a questão sobre os valores morais que estão na base
dos sentidos que se atribui em relação à ação sobre o valor educativo da História. A
História ensinada derivada da história vivida na prática e da história teorizada e
disciplinarizada está construída com os materiais de reflexão sobre os interesses e
os valores, incidindo diretamente nas escolhas que afetam o curso da história e são
dependentes dos valores. A História ensinada é a organização educativa de um
princípio da vida prática, que é a busca de orientação humana no tempo tendo em
vista o agir.
Cerri (2004), diz que a disciplina de História na escola é socialmente
planejada como um conjunto de conhecimentos e atitudes que as gerações
precedentes e a atual pretendem transmitir à geração em formação para interferir
positivamente na formação da consciência histórica, a qual está intimamente
relacionada à questão dos valores e dos modelos de ação. Disso decorre que a
75
consciência histórica é pré-requisito que faz a mediação entre a moral, nossa ação,
nossa personalidade e nossas orientações valorativas. (Rüsen, 2001, apud Cerri,
2004).
Diferentemente do conceito tradicionalista, que apresenta uma História
limitadora e conservadora, a História não é o estudo do passado, nem como ciência
nem como ensino. A História, dentro de novas perspectivas é um nexo significativo
entre o passado, presente e futuro e, de acordo com Rüsen:
[...] é uma tradução do passado ao presente, uma interpretação da realidade passada via uma concepção da mudança temporal que abarca o passado, o presente e a expectativa de acontecimentos futuros. Essa concepção amolda os valores morais a um corpo temporal, a história reveste os valores de experiência temporal. A consciência histórica transforma os valores morais em totalidades temporais: tradições, conceitos de desenvolvimento ou outras formas de compreensão do tempo. Os valores e as experiências estão mediatizados e sintetizados em tais concepções de mudança temporal, com o objetivo de tornar inteligível o presente e conferir perspectivas de futuro. (Rüsen, 2001, apud. Cerri, 2004).
Cerri (2004) também lembra o papel do ensino de História diante da
formação da identidade coletiva e a respectiva formação de cidadãos, enquanto
identidade política central da modernidade, na qual as relações entre os diferentes
são organizadas com base nos Estados Nacionais. Segundo ele, por mais que
questionemos, na atualidade, a educação cívica do passado, a pedagogia da nação
através de sua pedagogia da passividade e da obediência e outros mecanismos
usados para o controle e não para a emancipação social, não se pode fugir à sua
necessidade, porque sem ela não há Estado. Isso independe do nome que dermos a
76
ela, como por exemplo, formação para a cidadania, que é o preposto por esta
pesquisa.
Cidadania é mais do que um rótulo. Aquele que não tem o senso de ligação cívica com seus pares ou alguma responsabilidade com o bem estar cívico coletivo não é um cidadão verdadeiro, apesar do seu status legal. Identidade e virtude investem sobre o conceito de cidadania com força. (Heather, 1990, p.182, Apud Cerri, 2004).
Mas na atualidade, identidade é mais que cidadania. Fatores como etnia,
gênero, sexualidade, religião e regionalismo, interferem na constituição da identidade
dos indivíduos, e alternam-se, juntamente com a identidade política ou cidadania na
hierarquia de pertencimentos que caracterizam o sujeito pós-moderno, reforça Cerri
(2004).
Deste modo, a contribuição do ensino de História nas escolas não é só a
compreensão da própria realidade e para a formação da identidade, mas também a
concepção e compreensão da diferença, da aprendizagem da alteridade, enquanto
mecanismos necessários para a convivência nas sociedades multiculturais do
presente. (Cerri, 2004). Principalmente na brasileira, para se evitar uma visão
etnocêntrica do mundo e prevenir o comportamento excludente, preconceituoso e
discriminatório.
Por outro lado, seguindo as idéias de Cerri (2004), o ensino da diferença é
fundamental na própria elaboração de uma perspectiva do passado que considere o
que não aconteceu, os projetos dos vencidos, uma história das idéias do mundo para
que não se ensine e não se aprenda que o presente tal como o conhece era a única
77
possibilidade. Assim, percebamos que a realidade não é una, mas histórica, portanto
modificável, dependente da ação humana e que vale a pena agir na esfera coletiva,
quebrando o princípio neoliberal do individualismo.
Usando das idéias de Gramsci, Fernando Cerri (2004) afirma que a proposta
de uma escola unitária, da qual a escola pública é um embrião, é formar o
governante. Se efetivamente somos uma democracia, diferentemente de um regime
monárquico, ditatorial ou aristocrático, qualquer um pode ser o governante, mas é
preciso educar para isso, afirma e desafia Cerri. “Não se trata de formar uns para
governar e outros para serem governados, como se faz na prática. Isso não é
democracia!”. (2004)
Se a disciplina de História tem como princípio norteador construir pontes de
compreensão entre o presente, o passado e futuro, pensar nas relações acima
expostas acaba por entrelaçar conceitos imbricantes como identidade, temporalidade
e cidadania. Fazer escolhas e tomar atitudes políticas também é premente na
natureza do ensino histórico.
Coloca-se a urgente necessidade de pensar o ensino de História para além
das dicotomias conservadora/renovada, tradicional/moderna, etc., mas sim pensar o
ensino de uma História institucionalizada enquanto um fenômeno social de longa
duração, afirma Cerri (2001). É o propósito de pensar sobre o que somos e o que
queremos ser enquanto grupo social que deve condicionar a função social do ensino
de História.
78
Deste modo, concluímos com Rüsen: com respeito ao processo real de
instrução histórica nas escolas, a ênfase sobre o aprendizado de História reforça o
fato de que a História é uma matéria de experiência e interpretação com suas
conexões próprias entre história, vida prática e aprendizagem dando um novo e
revigorante significado à frase: historia vitae magistra.
Referências Bibliográficas:
SCHMIDT, Maria Auxiliadora M.S e GARCIA, Tânia Maria F.Braga. A formação da consciência histórica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de História, Caderno Cedes, Campinas, vol. 25, n.67, p. 297-308, set/dez.2005. Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>. Acessado em 16 de Outubro de 2008.
RÜSEN, Jörn. Didática da História: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão, Revista práxis Educativa. Ponta Grossa, Pr., v.1, n.2, p. 7-16, jul/dez/2006. Disponível em <www.uepg.br/praxiseducativa/v1n2_artigo01.pdf>. Acessado em 15 de Outubro de 2008.
CERRI, Luis Fernando. A função da História de orientação temporal e o ensino escolar da História. 2º Encontro de Diretrizes Curriculares Estaduais – História – Seed-Pr, Faxinal do Céu, de 4 a 7/10/2004.
_____________________.Os conceitos de consciência histórica e os desafios da didática da história. Revista de História Regional 6(2), p.93-112, inverno de 2001.
79
3.1.2 SABER HISTÓRICO COMO ORIENTAÇÃO PARA A VIDA PRÁTICA.
A concepção do conceito de consciência histórica, pensado por J. Rüsen,
passa pela necessidade de se resgatar o sentido da razão histórica face ao quadro
de expansão do irracionalismo e da fragmentação recente da nova historiografia
(DOSSE, 1992, 2001, apud Zamboni, 2007). Naquele contexto, a reflexão de Rüsen
encaminhava uma discussão relativa ao sentido orientador que nos é conferido pela
consciência histórica em um momento de crise das grandes narrativas, em
decorrência da falência do paradigma iluminista.
Caberia, segundo Rüsen, fortalecer aquilo que, sob a égide do pensamento
moderno, firmou-se como um dos mais importantes aspectos constitutivos da ciência
histórica, “a vivência da modernização e da dinâmica temporal que lhe é peculiar”
(1989, p.320, apud Zamboni, 2007). Esse é o aspecto essencial para o
enfrentamento da crise do pensamento pós-moderno, isto é, a afirmação da ação
argumentativa e discursiva capaz de enfrentar o necessário fortalecimento da razão
metodológica.
Por fim, caberia fortalecer o trabalho teórico de apreensão conceitual da
vivência histórica, em busca de sínteses abrangentes, capazes de fazer frente à
excessiva fragmentação derivada do enfraquecimento teórico-conceitual. (Zamboni,
2007).
80
A noção de Razão Histórica se associa a um pensamento que se organiza
dentro de um determinado tipo de linguagem e a partir de uma lógica argumentativa
apreensível para o sentido de cientificidade. Vincula-se também, à construção de um
pensamento historicizante, capaz de refletir a respeito dos fatos de humanização no
passado que conferem sentido ao presente e, por este motivo, servem de orientação
para a vida e para a formação da identidade dos sujeitos. (Rüsen, 1989, p.323, apud
Zamboni, 2007, grifos meus).
Esta leitura que se apresenta pelo texto de Zamboni (2007) busca na obra
de Rüsen como se dá a aprendizagem histórica a partir dos saberes docentes e a
práxis política, destacando os conceitos de formação histórica, de consciência
histórica e de narrativa histórica.
O conceito de formação histórica pode ser entendido dentro dos diferentes
processos de aprendizagem em que a História é um assunto privilegiado destinado
como orientação da vida prática, mediante a consciência histórica.
A história assume a função didática de orientação, o ensino de história nas escolas, a influência dos meios de comunicação de massa sobre a consciência histórica e como fator da vida humana prática e o papel da história na formação dos adultos como influente sobre a vida cotidiana. (Rüsen, 2007, p.48, apud Zamboni, 2007).
Segundo Rüsen, o saber historiográfico, enquanto produto da pesquisa
histórica e como um dos elementos estruturantes da matriz disciplinar de História,
precisa sofrer um processo de didatização. Ao didatizar o saber histórico produzido
81
cientificamente, é necessário dialogar com as carências de orientação que os
tornaram necessários, ou seja, com seu contexto de produção, afirma o autor.
Assim, a História pode cumprir uma função didática de orientação, no ensino
de História nas escolas, observando que:
[...] as perspectivas orientadoras e os métodos da pesquisa histórica são totalmente distintos das perspectivas orientadoras e dos métodos do ensino de História. [...] As perspectivas orientadoras são teorias do aprendizado que explicam o processo evolutivo da consciência histórica nos adolescentes, cujos métodos consistem em regras de procedimentos de comunicação. É nessa comunicação que se forma, intencionalmente, a consciência histórica. (Rüsen, 2001, p.50-51, apud Zamboni, 2007, grifos meus).
Rüsen entende que o ensino de História é um dos fenômenos constituintes
da consciência histórica. E, diretamente ligado à questão da formação histórica,
concernente à orientação para a vida prática, consideramos, (apud Zamboni, 2007),
a constituição da consciência histórica por situações genéricas e elementares da
vida prática, com a qual os homens procedem na interpretação dos eventos
temporais, vividos individualmente e coletivamente no presente, em relação ao
passado e ao futuro.
Para que o homem possa se orientar em sua vida prática, necessita
interpretar-se e se apropriar do passado, um processo que constitui sua consciência
histórica e que lhe permite se situar na evolução temporal e projetar o seu agir. Uma
operação intelectual humana que se desenvolve na relação presente – passado –
futuro, em que a experiência permite pensar o futuro, seu agir, mesmo situado no
presente, mas decorrente de uma interpretação da experiência do passado. Como
82
viver sem conhecer minimamente o passado e não projetar o agir? Portanto, a
consciência histórica, entendida como constituída por questões básicas e
elementares da vida prática está presente na vida humana, afirma Rüsen (obra
citada).
A consciência histórica é uma operação intelectual originada das questões
do presente em relação ao passado, identificada e descrita como narrativa histórica.
Assim, de acordo com Rüsen (apud Zamboni, 2007, grifos meus), ao ser mobilizado
pela narrativa, a memória torna presente o passado, promovendo uma articulação
entre passado rememorado pelas questões do presente em virtude de intenções do
agir para o futuro, caracterizando pela continuidade.
A narrativa histórica constitui a consciência histórica como relação entre interpretação do passado, entendimento do presente e expectativa do futuro mediada por uma representação abrangente da continuidade, afirma Rüsen (apud Zamboni, 2007).
A possibilidade de narrar a experiência temporal, ou seja, a narração dessa
consciência histórica, é humana fator constitutivo da identidade, sem a qual não é
possível uma orientação para a vida prática.
Ao ir em direção ao passado, em busca de orientações para seu agir no
presente, as ações humanas no tempo se revestem de significados que justificam a
existência, seja de um grupo social ou do individuo ou, ainda, do individuo no grupo
social. Assim, afirma Rüsen, a aprendizagem da História é um processo de
entendimento das experiências do tempo em forma de competências narrativas.
83
Rüsen estabelece três tipos distintos de consciência histórica sob o ponto de
vista da construção do pensamento e da experiência social:
• Consciência tradicional: seria capaz de definir relações perenes e
modelares para os diferentes grupos sociais, em função daquilo que
se define como permanente no curso da mudança e que, por esta
razão, projeta-se como algo essencialmente identitário.
• Consciência exemplar: onde se podem personificar as regras gerais
da mudança temporal e da conduta humana, estabelecendo um elo
de complementaridade em relação à consciência exemplar.
• Consciência crítico-genética: acontece dentro de parâmetros mais
reflexivos e vinculados à problematização dos modelos explicativos
culturais, estabelecendo situações de ruptura em função da mudança
temporal, provisoriedade e transformações.
Segundo Rüsen (apud Zamboni, 2007), a narrativa foi concebida como um
modelo de explicação próprio à explicação histórica. Uma narrativa histórica
necessita apresentar uma estrutura com início, um meio e um fim, referir-se ao
passado e conter uma orientação para a vida prática, mediante a instrumentalização
resultante da interpretação das relações temporais.
Uma narrativa é histórica, se e quando o sentido que possui nas situações
da vida humana prática aparece na forma de uma história na qual a experiência do
passado possa ser entendida e o futuro esperado e perspectivado.
84
Portanto, o desenvolvimento de uma consciência histórica não prescinde da
cognição e da memória, pois, na elaboração de narrativas históricas que respondam
aos questionamentos do presente, ocorre um processo de reelaboração narrativa em
que a memória é trabalhada e se transforma em memória de um grupo social, pela
intervenção crítica da História. Esta seria uma tarefa atribuída à escola enquanto
mecanismo de transformação social. (grifos meus).
Como práxis política, como constituição de saberes docentes e como
educação histórica, assumidos como práticas constitutivas da consciência histórica,
por diferentes grupos sociais em relação ao passado, emergem na formação
histórica dos sujeitos, pois se busca na História um modelo de interpretação dessa
experiência passada a partir de suas necessidades no presente, para se orientar a
partir dela.
Consciência que permite ao homem se compreender na dimensão do tempo
e conhecimento que lhe permite refletir sobre a ação humana. Operação que
necessita da memória para interpretar o seu passado e projetar o seu futuro, num
processo cognitivo estruturante de sua trajetória no tempo, mediada pela práxis
política que lhe instrumentaliza em relação aos motivos individuais e coletivos na
interpretação do passado e na projeção de seu agir.
85
Referências Bibliográficas:
ZAMBONI, Ernesta (org). Digressões sobre o ensino de história: memória, história oral e razão histórica. Itajaí, Ed. Maria do Cais, 2007.
RÜSEN, Jörn. Razão histórica: Teoria da história: fundamentos da ciência histórica. Trad. Estevão de Rezende Martins, Brasília, Editora Universidade de Brasília, 2001.
3.2.CONSTRUINDO A LITERACIA HISTÓRICA, POR PETER LEE.
Como se aprende História? Como se constrói a habilidade de compreensão
do passado? O que é relevante ensinar e aprender? Como produzir a noção de
provisoriedade do conhecimento histórico? O historiador Peter Lee criou um modelo
estrutural baseado na indagação e na evidência histórica como suporte de trabalho
na disciplina de História.
Uma noção operacionalizável de literacia histórica, como afirma Peter Lee.
O trabalho de Jörn Rüsen sobre consciência histórica, e particularmente sobre sua
matriz disciplinar pode ser um ponto inicial auxiliar, na medida em que Rüsen
conecta a história e a vida prática cotidiana para concretizar-se o conceito de
literacia histórica. (Rüsen, 1993, p.162, apud Lee, 2006). Nossos interesses dirigem
86
nossa compreensão histórica, a qual, por sua vez, permite que nos orientemos no
tempo.
Rüsen enfatiza que o aprendizado histórico não pode ser somente um
processo de aquisição da história como fatos “objetivos”; ele envolve também
conhecimento histórico, começando a “atuar como regra nos arranjos mentais de um
sujeito”, (Rüsen, 1993, p.87, apud Lee, 2006). Assim, tal conhecimento não deve ser
inerte, mas deve agir como uma parte da vida do aprendiz.
Ao reconhecer a história como algo que transcende a orientação do “senso
comum”, mas ainda unindo-a em caminhos complexos com ações dirigidas no
mundo cotidiano, a consideração de Rüsen sobre a consciência histórica sugere
alguns princípios para construir um conceito de literacia histórica. Uma primeira
exigência da literacia histórica é que
Os alunos entendam algo do que seja história, como um compromisso de indagação com suas próprias marcas de identificação, algumas idéias características organizadas e um vocabulário de expressões ao qual tenha sido dado significado específico: passado, acontecimento, situação, evento, causa, mudança, etc. (Oakshott, 1983, p.6, apud Lee, 2006).
Isso sugere que os alunos devem entender:
• como o conhecimento histórico é possível, o que requer um conhecimento de
evidência.
• que as explicações históricas podem ser contingentes ou condicionais e que a
explicação de ações requer a reconstrução das crenças do agente sobre a
situação, valores e intenções relevantes.
87
• que as considerações históricas não são cópias do passado, mas, podem ser
avaliadas como respostas para questões documentais.
Há mais na História do que somente acúmulo de informações sobre o
passado. O conhecimento escolar do passado e atividades estimulantes em sala de
aula são inúteis se estiverem voltadas somente à execução de idéias de nível muito
elementar e, estão simplesmente condenadas a falhar, afirma Lee (2006), senão
tomarem como referência os pré-conceitos que os alunos trazem para as aulas de
história.
A compreensão de como as afirmações históricas podem ser feitas e das
diferentes formas nas quais elas possam ser mantidas ou desafiadas, é uma
condição necessária para a literacia histórica. Mas não suficiente, avisa Peter Lee.
(obra citada). Se os alunos que saem da escola são capazes de usar o passado para
ajudá-los a atribuir sentido ao presente e ao futuro, eles devem levar consigo alguma
história substantiva. E as pesquisas realizadas nessa linha teórica reforçam a
relação sobre as questões de orientação – o passado que nos ajuda na vida prática,
onde a matriz disciplinar de Rüsen parece ser um mapa apropriado para pensar
conceitualmente a literacia histórica, referencia Lee (2006).
Se os estudantes são capazes de se orientarem no tempo, vendo o presente
e o futuro no contexto do passado, eles devem estar equipados com dois tipos de
ferramentas: uma compreensão da disciplina de história e uma estrutura utilizável do
passado. Eles devem estar equipados intelectualmente para se surpreender com as
discordâncias da história construída em sua diversidade de considerações e não
88
apenas prontos para perceber o passado como finito. Isso só acontecerá se
desenvolvermos uma educação histórica objetivando desenvolver uma estrutura
histórica utilizável.
Uma estrutura deve ser um ponto de vista geral de padrões de mudanças a
longo prazo, não um mero esboço de história folheando picos do passado, sempre
revisitada, para que os alunos possam assimilar novas histórias sobre a estrutura
existente. Seguindo Rüsen, essa matéria deve ser a história humana e não alguns
subconjuntos privilegiados dela. Essa estrutura ensinada irá seguir, inicialmente,
amplos segmentos das sociedades humanas, questionando sobre os padrões de
mudança na subsistência humana e na organização política e social.
Os alunos, ao poder fazer suas próprias perguntas sobre os significados das
mudanças, estarão construindo um modelo estrutural de conhecimentos e
acessando o significado da mudança e os temas modelos.
Essa estrutura permitirá aos alunos elaborá-la e diferenciá-la diante de outros eventos históricos, consolidando sua coerência interna, fazendo conexões entre os temas e abandonando as narrativas padronizadas. (Lee, 2006).
A história vista através de temas, por exemplo, povos, poder e política pode
ser o instrumento para estruturar as relações dos alunos com o passado e os tipos
de passado que eles têm acesso. Lee (2006) argumenta que o principal projeto para
a educação histórica deve ser o desenvolvimento de estruturas históricas
aproveitáveis do passado, que não sejam “histórias de festa”, mas que permitam aos
89
estudantes assimilarem novos eventos e processos, tanto no passado ou no futuro,
enquanto instrumentos do pensar histórico.
Assim, um conceito de literacia histórica poderia esboçar os diferentes
elementos na educação histórica e executar as funções de construção de cidadania
e protagonismos. Um conceito de literacia histórica deve oferecer uma agenda de
pesquisas que una o trabalho passado com novas e contínuas indagações,
pensando sobre o tipo de substância que a orientação para a vida prática necessita
e o que a compreensão disciplinar deve dispor para sustentar e atingir tais
orientações.
Referência Bibliográfica:
LEE, Peter. Em direção a um conceito de literacia histórica. Revista Educar, Curitiba, Especial, p.131-150, 2006, Editora UFPR.
90
3.3.O ENSINO DE HISTÓRIA E A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA, POR SELVA
GUIMARÃES FONSECA.
Ensinar história no atual contexto sociopolítico e cultural brasileiro nos
conduz à retomada de uma velha questão: o papel formativo do ensino de história.
Devemos pensar sobre a possibilidade educativa da história, ou seja, a história como
saber disciplinar que tem um papel fundamental na formação do homem, sujeito de
uma sociedade marcada por diferenças e contradições múltiplas. Isso requer
assumir o ofício do professor como uma forma de luta política e cultural. A relação
entre o ensino e aprendizagem deve ser um convite e um desafio para alunos e
professores subverterem as fronteiras interpostas entre os diferentes grupos sociais
e culturais, entre teoria e prática, política e o cotidiano, a história, a arte e a vida.
Como? Certamente um dos caminhos é buscar renovar, cotidianamente, nossas
práticas dentro e fora da escola. É procurando agir como cidadãos, sujeitos da
história e do conhecimento. É criando possibilidades de mudanças, afirma Selva
G.Fonseca (2003) em seu livro Didática e prática do ensino de História.
Existe hoje a clara compreensão de que a escola se constitui num espaço
complexo e privilegiado de debates, de diferentes propostas de saber. Logo, emenda
Selva, a escola é um espaço onde diversas possibilidades de ensinar e aprender
estão presentes.
91
A constituição do professor como profissional, pensador crítico e cidadão,
pressupõe uma concepção de educação como um processo construtivo, aberto e
permanente, que articula saberes e práticas produzidas nos diferentes espaços de
vivência. Assim, a educação como construção histórica e cultural promove o
desenvolvimento individual e coletivo. Nesse sentido, é atribuição e responsabilidade
de múltiplas agências e instituições, como a família, as igrejas, os sindicatos,
associações, e, fundamentalmente, a escola.
Nesta perspectiva, afirma Selva (2003), a escola é concebida como
instituição social que concretiza as relações entre educação, sociedade e cidadania,
sendo uma das principais agências responsáveis pela formação das novas
gerações. Trata-se de uma organização, espaço produtor de uma cultura, com
objetivos, funções e estrutura definidos. Realiza a mediação entre as demandas da
sociedade, de mercado e as necessidades de auto-realização das pessoas. É parte
integrante da sociedade, interage, participa, intervém, transforma-se junto com a
sociedade e também colabora e participa das mudanças.
A concepção de prática pedagógica é outro importante pressuposto na
dinâmica dos espaços educativos. A prática pedagógica é uma prática social,
histórica e culturalmente produzida voltada ao projeto pedagógico da escola.
O processo de construção e reconstrução desse projeto político pedagógico
deve estar intimamente ligado às funções sociais da escola, que tenha como
principal objetivo, contribuir, efetivamente, para a formação da consciência histórica.
Ou seja, um ensino de história que possibilite a compreensão do “eu”, a afirmação
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da personalidade, situando, o indivíduo no espaço, no tempo, na sociedade em que
vive como sujeito ativo, capaz de responder, construir e transformar essa sociedade,
o espaço, o conhecimento e a história, afirma Selva. (2003).
Mas como se pode efetivamente ensinar história para construir neste
processo tão amplo de construção de cidadania e protagonismo? Qual história? Qual
projeto de cidadania queremos para o Brasil do século XXI, questiona Selva (2003),
emendando: qual sociedade sonhamos e construímos, cotidianamente, nos nossos
espaços de vida?
Esta reflexão precisa ser permeada pela concepção de que a História é uma
disciplina fundamentalmente educativa, formativa, emancipadora e libertadora.
(Fonseca, p.89, grifos meus). Segundo ela, a história tem como papel central a
formação da consciência histórica dos homens, possibilitando a construção de
identidades, a elucidação do vivido, a intervenção social e praxes individual e
coletiva.
Há que se ter claro, também, que as discussões a respeito do significado de
se ensinar história passa sempre pelo interior das lutas políticas e culturais, portanto,
esse é um campo em que se deve desvendar a lógica das relações que envolvem
tanto a produção quanto a difusão do conhecimento. Recorrer à recente história da
educação de História no Brasil nos remete a uma fundamentação teórica de cunho
positivista, eurocêntrica e linear, o chamado “quadripartite francês”, enfatizando a
evolução das sociedades agrárias rumo ao mundo ocidental industrializado e
tecnológico, sinônimos de paz, equilíbrio e progresso. As noções de história do Brasil
93
privilegiavam os mitos nacionais sobre a formação da cultura brasileira, bem como a
crença na integração nacional e no desenvolvimento econômico. (Fonseca, 2003,
p.90).
A principal característica dessa história é a exclusão: sujeitos, ações e lutas
sociais são excluídos, afirma Selva. (obra citada). A exclusão e a simplificação do
conhecimento histórico escolar introjetam nos alunos de que eles não fazem a
história, esta é decidida por grandes e distantes personagens e autoridades políticas.
Contundentemente, Selva questiona:
Como se sentir cidadão e lutar pelos direitos sociais e políticos se vivenciamos a exclusão no cotidiano e, na sala de aula, apresentamos a legitimação e a justificação dessa história real vivida? Essa história ensinada legitima a concepção liberal de cidadania abstrata dominante na elite brasileira. (Fonseca, 2003, p.91)
Segundo Canivez (1991, p. 16-17, apud Fonseca, 2003), os ideais liberais,
ancorados no princípio da concorrência, na liberdade total de atividades e trocas,
reservam como valores centrais que caracterizam a sociedade moderna, o trabalho e
a eficácia, o progresso das técnicas e das ciências. Assim, “o status fundamental
atribuído ao indivíduo não é o de cidadão, mas sim o de trabalhador, produtor,
consumidor”. Ou seja, este tipo de cidadania não confere valor ou dignidade
suplementar ao individuo, apenas regulamenta uma situação de fato.
Hoje, no século XXI, apesar das mudanças, das conquistas de direitos de
cidadania, algumas escolas e alguns professores ainda trabalham essas concepções
de história e cidadania, revelando atitudes inconscientes ou deliberadamente
ocultas, por meio da reprodução acrítica de materiais curriculares e didáticos e,
94
ainda, por sucumbir a elementos conjunturais, tais como condições de trabalho,
tempo, normas e hábitos da instituição, etc. (Felgueiras, 1994, apud Fonseca, 2003).
A característica comum a todas as propostas curriculares para o ensino de
história emergentes dos anos 80 aos Parâmetros Curriculares Nacionais dos anos
90, é a mudança do objetivo da disciplina, que passa a ser a preparação dos
cidadãos para uma sociedade democrática, assumindo a responsabilidade de se
formar “um novo” cidadão, capaz de intervir e transformar a realidade brasileira. A
categoria “novo” identifica a superação do período da ditadura, da opressão com a
ausência de liberdades e negação de direitos. (Fonseca, 2003).
Assim, duas proposições teórico-metodológicas passam a coexistir com a
chamada história tradicional. Uma dessas correntes dava a ordenação de história de
acordo com a evolução dos modos de produção, fundamentada no marxismo
ortodoxo enfatizando o determinismo econômico e a ordenação de conceitos e
categorias que explicam o desenvolvimento das forças produtivas de forma linear. A
lógica do progresso prevalece intrinsecamente. E é também uma abordagem
reconhecidamente eurocêntrica. (Fonseca, 2003). Como formar o cidadão a partir
desse outro modelo que privilegia o esquema explicativo que, muitas vezes,
aprisiona as explicações do real, excluindo sujeitos e ações históricas? (Fonseca,
2003, p.92).
Canivez, (1991, apud Fonseca, 2003) diz que o conceito de cidadania, de
inspiração marxista, tem muitos pontos em comum com os conceitos liberais, ainda
que em projetos opostos. O comum está na relação com o Estado e no status
95
fundamental atribuído ao indivíduo, que é o status de trabalhador e de consumidor.
Nos dois casos, o Estado é uma máquina, aparelho, instrumento que, de fora,
intervém no jogo das relações sociais. (idem, ibidem). Para os liberais, o Estado é
um instrumento de regulação social e para os marxistas é suspeito de servir à
exploração de uns pelos outros, ou de criar obstáculos à produtividade e criatividade
dos indivíduos. O status fundamental do individuo é o de trabalhador, produtor, e é
exatamente ele, o trabalhador, que tem a tarefa de realizar as transformações
sociais e políticas na sociedade capitalista, inclusive destruindo o Estado. (Fonseca,
2003, grifos meus).
Assim, por meio do modelo marxista, construído para analisar a história do
capitalismo na Europa, é que se desejava formar politicamente o jovem,
conscientizando-o, para que ele exerça uma cidadania de forma global, com o
objetivo de por fim à exploração do trabalho, via revolução socialista.
A outra proposição curricular estava baseada na organização do ensino de
história por temas e problemas. Inspirada na historiografia social inglesa e na nova
história francesa esta proposta defende uma história capaz de resgatar as múltiplas
experiências vividas pelos sujeitos históricos em diversos tempos e lugares, se
apresentando como um campo de possibilidades. Seu ponto inicial são os problemas
da realidade social vivida.
O diálogo com essas duas correntes historiográficas apresenta aos
professores a possibilidade de alargamento do campo da história, incorporando
temas, ações e sujeitos até então marginais ao ensino.
96
Qual a relação dessa concepção de ensino de história com a construção da
cidadania, pergunta-se Fonseca (2003). Segundo ela, a proposta de metodologia do
ensino de história valoriza a problematização, a análise e a crítica da realidade,
concebe alunos e professores como sujeitos que produzem história e conhecimento
em sala de aula. Esta concepção de ensino e aprendizagem facilita a revisão do
conceito de cidadania abstrata, pois ela nem é algo apenas herdado via
nacionalidade, nem se liga a um único caminho de transformação política. Ao
contrário de restringir a condição de cidadão a mero trabalhador e consumidor, a
cidadania possui um caráter humano e construtivo, em condições concretas de
existência, afirma Selva (2003).
Essa abordagem conceitual que recorta a história em temas, exige do
professor, outras posturas em relação às temporalidades históricas, à cidadania e ao
ideal de progresso. Segundo Debray (1994, p.5-8, apud Fonseca, 2003), hoje a idéia
de progresso como algo positivo é:
Um mito, uma ilusão decorrente da confusão entre dois tipos de temporalidade: o tempo acumulativo do desenvolvimento científico e técnico, marcado por uma evolução linear em que a inovação é permanente, e o tempo repetitivo do universo simbólico e político.
Finaliza o autor:
A redenção política como resultado do progresso técnico é uma idéia falsa da qual necessitam realmente, os pobres e os oprimidos para enfrentarem a modernidade, com seu terrível espetáculo de injustiças, sem cair no desespero ou na delinqüência.
Selva Guimarães utiliza as idéias de Debray para justificar a necessidade de
se romper com a ilusão desse mito do progresso contínuo como destino inexorável
97
diante de todas as contradições da realidade dada. O ensino de história por meio de
temas e problemas possibilita o rompimento dessa idéia linear, pois não se pode
continuar a justapor diferentes dimensões da experiência humana num único
movimento. É preciso, pois, redimensionar as relações temporais
presente/passado/futuro.
Ela afirma que educar o jovem dentro dessas perspectivas de progresso
contínuo como forma de redenção política, de conquista de direitos e de cidadania,
significa contribuir, inconsciente ou – deliberadamente – para a manutenção da
exclusão.
Segundo Bobbio (1997, apud Fonseca, 2003), existe uma disputa, neste
início do século XXI, uma desigualdade no interior das lutas e dos próprios direitos
civis, sociais e políticos que mostra o poder e as forças das dimensões econômicas
do individualismo em prejuízo da igualdade. Em relação às suas preocupações com
os direitos do cidadão, ele afirma:
Direitos do Homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo processo histórico: sem direitos do homem reconhecidos e garantidos não há democracia; sem democracia não há condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos sociais. Em outras palavras, a democracia é a sociedade dos cidadãos. Os súditos passam a ser cidadãos quando seus direitos fundamentais são reconhecidos. (Bobbio, 1997, p.164: O tempo da memória.).
Deste modo, reforça Selva, a luta pela construção da democracia no Brasil
exige de nós a busca de respostas sobre nossas escolhas: Quais histórias? Quais
cidadanias? Observando-se o devido cuidado para não cairmos no relativismo, no
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ceticismo e no niilismo, alerta ela. Tudo depende do compromisso político de quem
faz opção pelo ensino de história.
A atual produção historiográfica nacional e internacional, inspiradora das
novas propostas de ensino de história, ao dar voz e lugar aos diferentes sujeitos
históricos, desafia os modelos ideológicos modificadores, homogeneizadores, que
levam ao obscurantismo e à auto-exclusão.
Assim, finaliza Selva, a escola fundamental e média tenta se constituir como
espaço de construção de saberes e práticas fundamentais, reconstruindo a
passagem de libertação do homem, criando e possibilitando sua transformação de
súdito para cidadão. Somente o ensino de história comprometido com a análise
crítica da diversidade da experiência humana pode contribuir para a luta,
permanente e fundamental, da sociedade que requer conquistar: direitos do homem,
democracia e paz. (grifos meus).
Referência Bibliográfica:
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de História: experiências, reflexões e aprendizados.Campinas, Papirus, 2003.
99
4. COGNIÇÃO HISTÓRICA: MODELOS METODOLÓGICOS.
4.1.OS MEDIADORES CULTURAIS, POR CASTRO SIMÁN.
O ensino da disciplina de História responde com categorias próprias de
conceitualização e, portanto, de uso específico de metodologias que promovam um
aprendizado significativo no rumo de uma consciência histórica e como orientação
prática para a vida de cada um.
O conhecimento histórico possui uma lógica própria de funcionamento, uma
lógica histórica em movimento e contraditória: o tempo histórico, que se faz e se
constrói pela ação do homem. A História que faz do tempo uma categoria imperante
que realiza transformações no tempo vivido e cujos registros se encontram na
memória individual e coletiva e que não é possível restaurarmos o real vivido em sua
integridade dinâmica e contraditória, afirma Castro Simán. (2004).
Desde muito cedo nossos alunos adquirem experiências, representações e
modos de pensar de forma predominantemente em suas vivências familiares e
sociais de seu cotidiano e também por meio da memória social de sua coletividade
ou de outros veículos difusores da memória social, como as mídias.
De acordo com Castro Simán (2004), muito mais cedo do que supomos
nossos alunos vivenciam formas concretas de discriminação social e cultural a
100
negros, mulheres, índios e pobres, construindo visões esteriotipadas e
preconceituosas em relação às diferentes culturas, grupos e classes sociais, observa
ela. Essas visões são frutos das relações sociais que são dominantes em seus
grupos de pertencimento a que o professor se defronta com o problema da
desconstrução e reelaboração desses conhecimentos e dessas realidades
intrínsecas.
Diante desse quadro, Castro Simán (obra citada) diz ser necessário duas
abordagens: em relação ao plano historiográfico e o pedagógico. Sempre se faz
necessário aprofundar e renovar nossos conhecimentos históricos, repensando
estratégias e novas abordagens historiográficas baseadas em teorias e pesquisas
mais recentes sobre aprendizagem histórica. Em segundo lugar, o fazer pedagógico
implica em se conhecer melhor os processos cognitivos de construção do
conhecimento e do desenvolvimento histórico dos diversos sujeitos-alunos, de suas
diferentes faixas etárias, segmentos sociais e com diferentes experiências
socioculturais.
Para Vygotsky, (apud Castro Simán, 2004), a construção e a aquisição do
conhecimento e da própria condição de subjetividade se dão a partir de matrizes
sociais, mediadas pela cultura e pela linguagem. Assim, o processo de construção
do conhecimento não se processa de modo direto entre sujeito e objeto de ensino.
Entre eles existe a ação mediada da linguagem, dos signos e dos instrumentos que
exercem o papel de ferramentas psicológicas que mediam a ação do homem e seu
101
acesso ao mundo físico e social, mecanismo este que nos diferencia de outros
animais.
Quando o homem se torna capaz de fazer uso rotineiro de ferramentas
psicológicas e dos meios relacionais, ele muda sua condição de existência humana
pela capacidade contínua de produzir cultura. No entanto, continua Castro Simán
(2004, grifos meus), para que isso ocorra, dentro da perspectiva vigotskiana, a ação
do sujeito sobre os objetos precisa ser interiorizada, internalizada como um processo
constitutivo da transformação dos fenômenos psicológicos, partindo do exterior,
posto que social, para se converter numa categoria intrapsicológica. (p.85, 2004).
Assim, a internalização é sempre uma reconstrução, um processo de
controle das formas de signos externos, produzidos socialmente.
Vygotsky (apud Castro Simán, p.87,2004, grifos meus), atribui extrema
importância à interiorização do diálogo como poderoso instrumento da linguagem e
decisivo no desenvolvimento do pensamento, dando ênfase à natureza significativa e
comunicativa dos signos. Ele entende a mediação semiótica como mecanismo
teórico para especificar a relação entre o funcionamento psicológico do indivíduo e
os locais socioculturais, principalmente, os de instrução formal, como as escolas.
O conceito de dialogia, proposto por Bakhtin contido na obra vigotskiana,
“diz respeito às muitas formas como duas ou mais vozes entram em contato,
tornando-se uma dinâmica que vai além do diálogo.” (Wertsch; Smolka, 1994: apud
Castro Simán, p.88, 2004). Assim, espera-se que ao privilegiar a função dialógica,
em detrimento da função unívoca, se possibilitará a geração de novos significados,
102
bem como a transmissão, a consolidação, ou até mesmo, o reforço de significados já
compartilhados. A sua ação, ou dialogia, persuasiva, pautada na palavra, somente
se completa na presença de outrem. Nesse contexto, espera-se que o aluno:
Em vez de tomar enunciações dos outros como pacotes imutáveis de informações, são estimulados a tomá-las como estratégias de pensamento, como matéria-prima para a criação de novos significados. (Wertsch, Smolka, 1994, p.140: apud Castro Simán, p.88, 2004).
Deste modo, reitera Castro Simán, a aprendizagem é um processo histórico-
social mediado pela cultura, e cabe à escola e à ação pedagógica o papel de
impulsionar o desenvolvimento cognitivo. (grifos meus.
Assim, para que o ensino de História funcione dialogicamente, torna-se
recorrente, que o professor inclua, como parte constitutiva do processo de ensino e
aprendizagem, a presença de outros mediadores culturais, como os objetos da
cultura material, visual ou simbólica, que ancorados nos procedimentos de produção
do conhecimento histórico, possibilitarão a construção pelos alunos - por meio de
variadas fontes documentais – uma nova visão do processo histórico, possibilitando
a ressignificação desses conhecimentos, com a finalidade exclusiva de contribuir
para a formação de sujeitos mais críticos e comprometidos, dinamicamente inseridos
na produção cultural de seu tempo.
103
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
CASTRO SIMÁN, Lana Mara de. O papel dos mediadores culturais e da ação mediadora do professor no processo de construção do conhecimento histórico pelos alunos. In: ZARTH, Paulo A. e outros (orgs.). Ensino de História e educação. Ijuí, Editora Ijuí, 2004. p.81-107.
4.2.ANÁLISE TEXTUAL DISCURSIVA, POR ROQUE MORAES7.
A análise textual pode ser compreendida, segundo Roque Moraes (2003)
como um processo auto-organizado de construção de compreensão em que novos
entendimentos emergem de uma seqüência recursiva de três componentes:
desconstrução dos textos do corpus - a unitarização, o estabelecimento de relações
entre os elementos unitários – a categorização; o captar do novo emergente em que
a nova compreensão é comunicada e validada – a comunicação.
Este processo analítico consiste em criar as condições de formação de uma
“tempestade de luz” em que, emergindo do meio caótico e desordenado, formam-se
flashes fugazes de raios de luz iluminando os fenômenos investigados, que
possibilitam, por meio de um esforço de comunicação intensa, expressar novas
7 Professor Assistente Doutor do Programa de Pós-graduação de Educação e do Mestrado em Ensino de Ciências da Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS – Brasil – e-mail: [email protected]
104
leituras e compreensões. A metáfora de uma tempestade de luz ajuda a evidenciar a
forma como emergem as novas compreensões no processo analítico, atingindo-se
novas formas de uma nova ordem por meio de caos e da desordem.
Segundo Moraes, (2003), a análise textual discursiva tem se mostrado
especialmente útil nos estudos em que as abordagens de análise solicitam
encaminhamento que se localizam entre soluções propostas pela análise de
conteúdo e análise do discurso. Em sala de aula, pode ser extremamente importante
no processo de desconstrução de saberes comprometidos em conceitos
discriminatórios, incompletos ou não científicos. Esse procedimento pode ser
desenvolvido através do instrumento dos mapas conceituais.
Os mapas são diagramas conceituais que enfatizam as relações
hierárquicas entre conceitos. Foram criados na década de 70 por Joseph D. Novak a
partir da teoria da aprendizagem de David Ausubel.
Os criadores do mapa conceitual partem da idéia de que, na maioria das
vezes, uma pessoa ao iniciar qualquer processo de aprendizagem já incorpora
informações e conhecimentos prévios. A desconsideração destes conhecimentos,
muitas vezes impede que o professor perceba porque determinados alunos não
conseguem aprender como se queria. Além disso, desprezar este conhecimento
prévio faz com que, ao não ativá-lo, o aluno produza assimilações deformantes,
afirma Maria Lima (2001).
Os mapas podem ser representações externas dos esquemas cognitivos
que os alunos apresentam durante o processo de aprendizagem. Eles podem ser
105
usados pelos alunos para integrar, reconciliar, construir e reconstruir conceitos. Para
os professores um instrumento avaliativo dos significados que o aluno está
atribuindo aos conceitos que estão sendo trabalhados.
O mapa conceitual permite aos alunos pensar sobre seu processo de
aprendizagem de modo permanente, mas o professor não pode abrir mão de sua
prerrogativa de conduzir este processo. Esta técnica de aprendizagem se dá pela
aplicação de questionários para verificação dos conhecimentos prévios dos alunos.
O professor deverá organizar e agrupar suas respostas individuais por meio do
estabelecimento de relações e pontes entre as categorias que se apresentarão no
decorrer deste processo dialógico de construção do conhecimento.
A aplicação deste instrumento de análise de conteúdos e de resultados, já
na perspectiva de uma análise textual, segue os seguintes passos:
1. Desmontagem dos textos: desconstrução e unitarização. Ao iniciar uma
discussão de análise qualitativa, precisamos lembrar da relação entre leitura e
significação. Todo texto possibilita uma multiplicidade de leituras, leituras essas
tanto em função das intenções dos autores como dos referenciais teóricos dos
leitores e dos campos semânticos em que se inserem. A análise qualitativa opera
com significados construídos a partir de um conjunto de textos. Os materiais
textuais constituem significantes a que o analista precisa atribuir sentidos e
significados, partindo do pressuposto de que toda leitura já é uma interpretação.
1.1. Corpus: O corpus da análise textual representa as informações da pesquisa é
sua matéria-prima, essencialmente constituído por produções textuais, que
106
expressam discursos sobre fenômenos e que podem ser lidos, descritos e
interpretados, correspondendo a uma multiplicidade de sentidos que a partir
deles podem ser construídos. São os significantes dos quais são construídos
significados em relação ao fenômeno investigado.
Costuma-se denominar dados o corpus textual da análise. Os textos não carregam
um significado a ser apenas identificado: são significantes exigindo que o leitor ou o
pesquisador, com base em suas teorias e pontos de vista, construa significados.
1.2.Desconstrução e unitarização do corpus são partes de um processo de
desmontagem ou desintegração dos textos, destacando seus elementos
constituintes, implicando em focar os detalhes. Pretende-se conseguir perceber os
sentidos dos textos em diferentes limites de seus pormenores. Da desconstrução
dos textos surgem as unidades de análise ou unidades de significado ou sentido. O
processo de construção de unidades é um movimento gradativo de explicitação e
refinamento de unidades de base, sempre tendo em vista o projeto de pesquisa. É
interessante atribuir um título para cada unidade que represente sua idéia central.
1.3.Envolvimento e impregnação. A impregnação persistente nas informações dos
documentos do corpus da análise textual passa por um processo de desorganização
e desconstrução antes que se possam atingir novas compreensões. É preciso
desestabilizar a ordem estabelecida, desorganizando o conhecimento existente,
tornar caótico o que era ordenado como premissa para se construir novos
conhecimentos, possibilitando o estabelecimento de relações entre os elementos
107
unitários de base, representando uma nova compreensão em relação aos
fenômenos investigados.
2. Categorização é um processo de comparação constante entre as unidades
definidas no momento inicial da análise, levando a agrupamentos de elementos
semelhantes, que se constituem nas categorias. No seu conjunto, as categorias
constituem os elementos de organização do metatexto que a análise pretende
escrever.. É a partir delas que se produzirão as descrições e interpretações que
comporão o exercício de expressar as novas compreensões possibilitadas pela
análise. O desafio é exercitar uma dialética entre o todo e a parte, ainda que
dentro dos limites impostos pela linguagem, especialmente na sua formalização
em produções escritas.
Se no primeiro momento da análise textual qualitativa se processa uma separação,
isolamento e fragmentação de unidades de significado, na categorização, como
segundo momento, o trabalho é justamente estabelecer relações, reunir
semelhantes, construir categorias, produzindo uma nova ordem, uma nova
compreensão, uma nova síntese, afirma Moraes (2003). Pretende-se a construção
de um novo texto, um metatexto, que tem origem nos textos originais, expressando
um olhar do pesquisador sobre os significados e sentidos percebidos nesses textos.
3. O metatexto se constitui num conjunto de argumentos descritivo-interpretativos
capaz de expressar a compreensão atingida pelo pesquisador em relação ao
fenômeno pesquisado, sempre a partir do corpus de análise. É um movimento
sempre inacabado de procura de mais sentidos, de aprofundamento, sempre na
108
perspectiva de procura de mais sentidos. O questionamento e a crítica estão
sempre presentes e impulsionam o processo, possibilitando reconstruir
argumentos já formulados, submetendo-os novamente à crítica e reconstrução.
A validação das compreensões atingidas dá-se por interlocuções teóricas e
empíricas, representando uma estreita relação entre teoria e prática. A teorização
implica um movimento de afastamento do material empírico, um exercício de
abstração em que se procura expressar novas compreensões que a análise
possibilitou. A impregnação nos dados possibilita insights criativos que, uma vez
explicitados com clareza, constituem novas teorias sobre os fenômenos
investigados.
4. Auto-organização: um processo de aprendizagem viva.
Uma análise qualitativa de textos, culminando numa produção de metatextos, pode
ser descrita como um processo emergente de compreensão, que se inicia com um
movimento de desconstrução, em que os textos do corpus são fragmentados e
desorganizados. Segue-se então um processo intuitivo de auto-organização de
reconstrução, com a emergência de novas compreensões que, então, necessitam
ser comunicadas e validadas cada vez com maior clareza em forma de produções
escritas. Esse conjunto de eventos, Moreira (2003) classifica como um exercício de
aprender que se utiliza da desordem e do caos para possibilitar a emergência de
formas novas e criativas de entender os fenômenos investigados. Nesse sentido, é
um efetivo aprender, aprender auto-organizado, resultando sempre num
conhecimento novo afirma Assmann (1998, apud Moreira, 2003).
109
Referência Bibliográfica:
LIMA, Maria. Os mapas conceituais como instrumentos de avaliação da aprendizagem de conceitos na disciplina de História. Centro de formação de professores alfabetizadores, São Paulo, 2001.
MORAES, Roque. Uma tempestade de luz: a compreensão possibilitada pela análise textual discursiva. Revista Ciência e Educação, v.9, n.2, p.191-211, 2003.
4.3.AULA OFICINA, POR ISABEL BARCA.
Os estudos sobre os mecanismos de compreensão dos processos de
conhecimento histórico realizado por alunos levaram autores como Peter Lee, Isabel
Barca e Rosalyn Ashby a buscarem uma lógica da História, fundamentada pelas
ideais construtivistas e focalizando seu labor investigativo no pensamento histórico
dos alunos através de uma sólida fundamentação empírica, centrada em pontos
chaves como mudança, desenvolvimento, causa, efeito, entre outros. (Lee, Dickison,
Ashby, 1998, apud Júlia Castro, 2007).
A investigação em Educação Histórica assumiu o pressuposto de que é
necessário atender à dois pólos fundamentais no ensino de História:
• A natureza do conhecimento histórico e sua epistemologia.
110
• A natureza das aprendizagens, através das idéias construtivistas.
A compreensão por parte dos alunos desta lógica histórica está
fundamentada nas idéias de segunda-ordem como a Significância, a Empatia, a
Evidência, Causa ou Mudança consubstanciadas numa análise multiperspectivada
das ações humanas, diz Castro (2007).
Mais do que compreender a forma como cada indivíduo constrói sentido,
devemos olhar para a forma como os processos de interação social, cultural e
histórico, modelam este sentido e que, assim, contribui para firmar os alicerces da
consciência histórica de cada um.
Assim, o pensamento histórico passa pela compreensão gradual de pontos
de vista diversificados, cujas fontes são os agentes históricos, os testemunhos, os
narradores secundários de vários tipos, proporcionando confrontos de perspectivas
no sentido de uma avaliação da consistência das mesmas, sejam no nível factual ou
da lógica histórica. (Barca, 2001, apud Castro, 2007).
Educar historicamente é:
Proporcionar através do contato com fontes primárias e secundárias diversificadas, uma construção progressiva de uma narrativa aberta e problematizadora da vida, conducente ao exercício de uma atitude argumentativa que permita exercitar a fundamentação de posições de base em critérios racionais. (Barca, 2001, apud Castro, 2007).
Diante desse quadro teórico sobre o campo de investigação do ensino de
História destacando a perspectiva da educação histórica, Barca (2005, apud
Schmidt e Garcia, 2005) realimenta a necessidade dos conhecimentos prévios dos
alunos para apresentar sua concepção de aula-oficina.
111
A intervenção na qualidade das aprendizagens exige um conhecimento sistemático das idéias históricas dos alunos, implicando num enquadramento teórico que deve refletir-se na aula de História.
Assim, para dar conta de saber os conhecimentos prévios dos alunos, as
autoras fizeram a escolha metodológica da Aula Oficina pensada por Isabel Barca,
segundo a qual o professor é um investigador social que busca compreender e
transformar o mundo conceitual de seus alunos, realizando um processo que passe
por uma compreensão contextualizada do passado, com base na evidência
disponível, e pelo desenvolvimento de uma orientação temporal que se traduza na
interiorização de relações entre o passado compreendido, o presente
problematizado e o futuro perspectivado. (Schmidt e Garcia, 2005, grifos meus).
A aula oficina apresenta dos seguintes passos:
• Interpretação das fontes: ler fontes diversas com suportes e mensagens diversos,
cruzar as fontes nas suas mensagens e intenções, selecionar as fontes com
critérios de objetividade metodológica, para confirmação ou refutação de
hipóteses descritivas e explicativas.
• Compreensão contextualizada: entender situações humanas e sociais em
diferentes tempos e espaços; relacionar os sentidos do passado com sua própria
vida presente e com projeções ao futuro; levantar novas questões, novas
hipóteses, o que, para Barca, constitui a essência da progressão do
conhecimento.
112
• Comunicação: exprimir a sua interpretação e compreensão das experiências
humanas ao longo do tempo com inteligência e sensibilidade, utilizando-se da
diversidade das linguagens culturais.
Lembrando que o primeiro passo para instrumentalizar a aula oficina é a
atividade de investigação dos conhecimentos prévios, seguido do uso e
interpretação de fontes históricas, construção da compreensão contextualizada,
comunicação e construção de narrativas históricas e análise da metacognição.
Segundo Rosalyn Ashby (apud, Schmidt e Garcia, 2005), os professores
precisam compreender quais idéias que os alunos trazem consigo para a sala de
aula para que sejam capazes de criar materiais de aprendizagem e oportunidades de
ensino. Os alunos precisam demonstrar sua compreensão histórica, mostrar que não
apenas “aprenderam a regurgitar fatos e pormenores históricos”.
Mas tem que ser capazes de dar-lhes significado e de organizá-los em relação a outros, como explicações ou narrativas que envolvem mudanças, desenvolvimento e continuidade. Também lhes deve ser pedida a compreensão de como as particularidades da História são estabelecidas com base na evidência e de como a evidência é usada para construir narrativas e interpretações do passado. (In: Conceito de evidência histórica: exigências curriculares e concepções dos alunos, 2003. Apud Schmidt e Garcia, 2005).
A análise dos níveis de compreensão dos alunos pode ser realizada a partir
das categorias propostas por Peter Lee, pois segundo ele, a história ensinada nas
escolas não pode se confundir com o senso comum. Mas precisa assumir que os
alunos, tal como os historiadores, têm de compreender os motivos de como as
pessoas atuaram no passado, o que pensavam e o que fizeram.
113
Assim, somente em contato com os vestígios do passado como evidência, e
não mera informação, mas como algo de onde podem se buscar respostas a estas
questões, é que o conhecimento histórico passa a ter significado de acordo com os
pressupostos teóricos de Peter Lee e seu conceito de evidência histórica.
Para dar respaldo ao conceito de evidência histórica, Lee (2003, grifos
meus) elaborou um modelo de progressão em empatia histórica, com sete níveis:
1. Tarefa explicativa não alcançada.
2. Confusão.
3. Explicação por meio de assimilação e déficit.
4. Explicação por meio de papéis e/ou esteriótipos.
5. Explicação em termos da lógica da situação vista à luz do cotidiano/presente.
6. Explicação em termos do que a pessoas naquele tempo pensavam – empatia
histórica.
7. Explicação em termos de um contexto material e de idéias mais amplo.
A última parte da aula oficina deve ser a aplicação de um instrumento de
metacognição, onde se procura analisar a consciência que os alunos têm sobre sua
própria aprendizagem. Estimulando os alunos a fazerem relações entre o presente e
o passado, a partir da construção de argumentações históricas pessoais e
consistentes. E sempre considerando que a progressão cognitiva acontece não de
forma invariante, determinista e uniforme. Por isso, é pertinente propor-se desde
114
cedo, na educação histórica, a exploração de idéias mais elaboradas que o simples
repassar de conteúdos substantivos ligas à natureza intrínseca do próprio saber.
Referências Bibliográficas:
ASHBY, Rosalyn. Conceito de evidência histórica: exigências curriculares e concepções de alunos. In: Barca, Isabel. Educação histórica e museus. Braga, Universidade do Minho, 2003.
________________.Desenvolvendo um conceito de evidência histórica: as idéias dos estudantes sobre testar afirmações factuais singulares. Revista Educar, Curitiba, Especial, p.151-170, 2006, Editora UFPR.
CASTRO, Júlia. Perspectivas de alunos do ensino secundário sobre a interculturalidade e o conhecimento histórico. Currículo Sem fronteiras, v.7, n.1, p.28-73, jan/jun/2007.
LEE, Peter. “Nós fabricamos carro e eles tinham que andar a pé”: compreensão das pessoas no passado. Disponível em GTR- 2008.
__________Em direção a um conceito de literacia histórica. Revista Educar, Curitiba, Especial, p.131-150, 2006, Editora UFPR.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora e GARCIA, Tânia M.F. Perspectivas da didática na educação histórica. Universidade Federal do Paraná, 2005.
115
4.4. A APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA, POR MARCO ANTONIO MOREIRA.
Sabe-se que a aprendizagem significativa caracteriza-se pela interação
entre o novo conhecimento e o conhecimento prévio. Nesse processo, o novo
conhecimento adquire significados para o aprendiz e o conhecimento prévio fica
mais rico, mais diferenciado e mais elaborado.
O conhecimento prévio é a variável que mais influencia a aprendizagem, só
podemos aprender a partir daquilo que já conhecemos, alertava David Ausubel em
1963. Na aprendizagem significativa, o aprendiz não é um receptor passivo, mas de
maneira substantiva ele vai diferenciando progressivamente sua estrutura cognitiva,
de modo a identificar semelhanças e diferenças: o aprendiz constrói seu
conhecimento ao produzi-lo internamente, através da linguagem e da interação
pessoal. (Moreira, 2000).
A aprendizagem significativa apresenta os seguintes princípios
programáticos facilitadores do processo de ensino:
• Diferenciação Progressiva é o princípio segundo o qual as
idéias mais gerais e inclusivas do conteúdo devem ser apresentadas
desde o início e, progressivamente, diferenciadas em termos de
detalhes e especificidade. Devem ser retomadas periodicamente
favorecendo assim, sua progressiva diferenciação.
116
• Reconcialiação integradora ocorre no momento de
explorar, explicitamente as relações entre conceitos e proposições,
destacando diferenças e semelhanças num processo de reconciliar
inconsistências reais e aparentes.
• Organização seqüencial consiste em seqüenciar os
tópicos ou unidades de estudo observados os princípios de
diferenciação progressiva e reconcialização integrativa com as
relações de dependência existentes entre eles na matéria ensinada.
• Consolidação leva a insistir no domínio, respeitada a
progressividade da aprendizagem significativa antes de introduzirem-
se novos conhecimentos, decorrência natural da premissa de que o
conhecimento prévio é a variável que mais influencia a aprendizagem
subseqüente.
• Organizadores prévios são os materiais introdutórios
apresentados antes do material de aprendizagem em si mesmo
servindo de ponte entre o que o aprendiz já sabe e o que deveria
saber para potencializar sua significância. São os mapas conceituais
e os Diagramas em V.
Outro aspecto fundamental da aprendizagem significativa é que o aprendiz
deve apresentar uma pré-disposição para aprender. Muito mais que motivação é a
117
relevância do novo conhecimento para o aluno, daí a necessidade de os novos
conhecimentos serem potencialmente significativos.
Deste modo, a aprendizagem significativa é a perspectiva que permite ao
sujeito fazer parte de sua cultura e ao mesmo tempo, estar fora dela, visto por uma
visão antropológica em relação às atividades de seu grupo social, afirma Moreira
(2000).
É através da aprendizagem significativa, que o aluno poderá lidar
construtivamente com a mudança sem deixar-se dominar por ela, manejar a
informação sem sentir-se impotente frente a sua grande disponibilidade e velocidade
de fluxo, usufruindo da qualidade de produtor de seu conhecimento. Por meio dela,
poderá trabalhar com a incerteza, a relatividade, a não-causalidade, a probabilidade,
a não-dicotomização das diferenças, com a idéia de que o conhecimento é
construção, que apenas representamos o mundo e nunca o captamos diretamente,
finaliza Moreira. (2000).
Baseado nas idéias de Neil Postman e Charles Weingartner sobre a
finalidade da educação, Moreira (2000) construiu o sentido do conceito de
aprendizagem significativa crítica enquanto estratégia necessária pra sobreviver na
sociedade contemporânea. Analogamente aos princípios programáticos de Ausubel
para facilitar a aprendizagem significativa, ele propõe algumas estratégias
facilitadoras da aprendizagem, tendo como referência o pensamento educacional de
Postman e Weingartner. Elencamos algumas:
118
1. Princípio da interação social e do questionamento. A arte de
ensinar/aprender através de perguntas. A interação social deve ser o
momento de compartilhar significados entre professor e aluno envolvendo
uma troca permanente de perguntas – relevantes apropriadas e substantivas -
e não de respostas, pois como dizem Postman e Weingartner: o
conhecimento não está nos livros à espera que alguém venha a aprendê-lo; o
conhecimento é produzido em resposta a perguntas; todo novo conhecimento
resulta de novas perguntas, muitas vezes novas perguntas sobre velhas
perguntas.
Quando o aluno formula uma pergunta relevante, apropriada e substantiva,
ele utiliza seu conhecimento prévio e isso é mostra da evidência da aprendizagem
significativa. Quando aprende a formular questões sistematicamente, afirma Moreira,
a evidência é de que ocorre a aprendizagem significativa crítica. Uma aprendizagem
libertadora, crítica, detectora de bobagens, idiotices, enganações, irrelevâncias,
continua Moreira (2000).
Contudo, a aplicação deste princípio não implica em negar validade de
momentos explicativos em que o professor expõe um tema. Como dizia Freire (p.86,
2003, apud Moreira, 2000): o fundamental é que professor e alunos tenham uma
postura dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto falam ou
ouvem. O que importa é que professores e alunos se assumam
epistemologicamente curiosos, de modo a aproximar-se cada vez mais metódica e
rigorosamente do objeto cognoscível.
119
2. Princípio da não centralidade do livro de texto. Do uso de
documentos, artigos e outros materiais educativos. Da diversidade de
materiais instrucionais. O livro didático simboliza a tranqüilidade e a
autoridade de onde “emana” o conhecimento. Mas artigos científicos, contos,
poesias, fotografias, crônicas, relatos, obras de arte, objetos materiais e
outros tantos representam muito melhor a produção do conhecimento
humano. São modos de documentar de maneira compacta o conhecimento
historicamente produzido. Descompactá-lo para fins educacionais implica em
questionamentos sobre sua produção, finalidade, objetivos.
A utilização de materiais diversificados faz parte da educação para a
diversidade. Moreira defende claramente a substituição do livro texto pela
diversidade oferecida de materiais instrucionais, dado ser o livro um estimulador da
aprendizagem mecânica. Considerá-lo apenas mais um dentre os vários materiais
educativos.
3. Princípio do conhecimento enquanto linguagem. Cada linguagem
tanto em termos de seu léxico como de sua estrutura representa uma maneira
de perceber a realidade. Isso significa que compreender conteúdos e
conhecimentos é conhecer a linguagem inseparável de seus símbolos em que
está codificado o conhecimento produzido. Aprender um conteúdo de maneira
significativa é aprender sua linguagem, não só palavras e outros signos,
instrumentos e procedimentos, mas principalmente palavras, de maneira
substantiva e não-arbitrária, como uma nova maneira de perceber o mundo.
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Moreira (2000) afirma que o ensino deve buscar a facilitação dessa
aprendizagem aliado ao princípio da interação social e do questionamento: a
aprendizagem da nova linguagem é mediada pelo intercâmbio de significados,
pela clarificação de significados, enfim, pela dialogicidade de significados que é
feita através da linguagem humana realizada entre o professor mediador e os
alunos.
Marco Antonio Moreira apresenta ainda várias outras estratégias de
aprendizagem, pois o professor deve dispor de uma diversidade de estratégias
instrucionais, como a não-utilização do quadro-de-giz que suscita no aluno memórias
de um professor que escreve respostas certas prontas e acabadas. Assim, uso de
diferentes estratégias instrucionais que impliquem a participação ativa do estudante
é fundamental para facilitar a aprendizagem significativa crítica.
Estratégias coletivas e colaborativas como seminários, projetos, pesquisas,
discussões, painéis, enfim, instrumentos que transformem a sala de aula num
espaço de mediação do conhecimento entre professores e alunos de modo dinâmico
e dialógico, fazendo com que a aprendizagem se torne tanto crítica quanto
significativa.
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