A História Das Luvas

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História da Moda

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A HISTRIA DAS LUVAS L HISTOIRE DES GANTS THE HISTORY OF GLOVES A histria das luvas antiga e as primeiras foram representadas numa gruta do Paleoltico. Durante a Antiguidade Clssica foram somente consideradas como um simples acessrio de proteco , uma espcie de prolongamento do vesturio. Diversos testemunhos provam a sua existncia: na Odisseia, Homero fala das luvas de Laerte, pai de Ulisses e Xenofonte ridiculariza esses prolongamentos das mangas das fardas dos guerreiros persas que lhes cobrem os dedos. Para squilo o verdadeiro heri grego aquele que levanta a luva quando todas as foras esto contra ele, aquele que no desiste e aceita o desafio. Os antigos egpcios ofereciam ao fara longas luvas como smbolo de tributo e os antigos romanos usavam-nas para se protegerem do frio e para trabalharem nos campos. A Bblia o segundo registo escrito que aborda a existncia das luvas : no livro da Gnese, Rebeca cobre os braos e as mos de Jacob com pele de carneiro para que o pai Isaac o julgue Esa. O uso das luvas na sua forma sem dedos e feitas de peles grosseiras foi bastante mais difundido pelos povos brbaros do norte do que pelos gregos e romanos, para os quais s os trabalhadores agrcolas tinham necessidade de as usar. Foram no entanto os carolngios que atriburam s luvas uma aura simblica dando-lhes um lugar de honra nos paramentos episcopais equiparando-as ao bculo e mitra. As luvas tornam-se assim uma marca do poder religioso. Durante a Idade Mdia este estatuto alargado de atributos de poder poltico. O senhor feudal prometendo proteger o seu vassalo, confia-lhe um feudo. Esta cerimnia conhecida pelo nome de Homenagem , um momento crucial da investidura feudal, durante a qual o Senhor remete ao cavaleiro um objecto simblico, que pode ser uma luva, e que um sinal da sua elevao a uma posio social superior. Podemos encontrar esta mesma imagem de submisso na Cano de Roland, quando um dos doze pares de Frana e sobrinho de Carlos Magno, Rolando, no seu leito de morte, oferece a sua luva a Deus. Aqui a simbologia encontra-se impregnada da fidelidade real supremacia divina. A luva transporta assim os atributos de submisso, de fidelidade, de deferncia e de poder. O direito germnico confere-lhe mesmo um estatuto de objecto de deciso real. A luva torna-se assim num componente ritual do sacre dos reis francos. Ao longo do tempo e pouco a pouco, as luvas viriam a assumir uma vocao mais generalista : elas servem para a guerra , para a caa e para a falcoaria (onde elas so ditas '' cheias '' ) e para os trabalhos artesanais, guardando no entanto uma marca de etiqueta e de deferncia, confinada no entanto ao universo masculino. No sculo XI o Papa autoriza os prelados a usarem luvas de seda bordadas de uma cruz e de cres diferentes consoante o seu estatuto : brancas para o prprio Papa, vermelhas para os cardeais e violetas para os bispos. As luvas litrgicas podiam at ser bordadas de pedras preciosas e decoradas de placas de ouro e de prata mas jamais em pele, considerada impura. Permitiam assim de proteger as mos da sujidade do mundo terreno e preservar a pureza dos legados de Deus. A partir do sculo XIII , mais do que lembrar a pobreza de Cristo, as luvas litrgicas tornaram-se um autentico exemplo de poder e da ultrajante riqueza da Igreja. Do lado real e aristocrtico, tornar-se-iam igualmente um adorno. Em Inglaterra, era nas mos enluvadas do futuro rei que o arcebispo de Canturia depositava o ceptro, smbolo do poder real . No entanto, o uso das luvas dos sacres reais em Reims evolui para um complemento de moda e o papel do rei, usando as luvas como um intermedirio de Deus na Terra ( uma espcie de substituto hasteando a mo da justia ) modifica-se. Os reis comeam ento a serem representados com as luvas descaladas numa das mos , tal como uma mulher usaria um leque, numa atitude de despreocupada negligncia. Durante o Renascimento, as luvas so um artigo de luxo. Encontramo-las no dote de Isabeau de Baviera ou de Catarina de Mdicis. Henrique III e os seus mignons abusavam do seu porte e usavam-nas impregnadas de perfumes viris. Nasciam assim as confrarias de luveiros, que se tornariam tambm perfumistas pois praticavam o per fumare, pela necessidade de tirar os maus cheiros das peles, fumando-as. Utilizariam para esta tarefa perfumes como o musco, o mbar, o cedro, o jasmim e outras essncias dos bosques. Henriqueta de Frana recebeu de Carlos I de Inglaterra como presente de casamento , 6 pares de luvas jias incrustadas de pedras preciosas e Ana de ustria possua 347 pares. Foi por conseguinte no reinado de Lus XIII que as luvas atingiriam um lugar de prestgio : sumptuosas, confortveis, com grandes punhos evass cobertos de bordados e de rendas , as luvas so ditas a manoplas . Lembramo-nos com certeza das luvas de DArtagnan e dos mosqueteiros do rei ou da personagem Cyrano de Bergerac. No sculo XVII o seu uso evocava alguns cdigos sociais : eram usadas nos duelos, na figurao e na pose para os retratos na pintura e nos encontros galantes. As luvas estavam portanto embebidas de qualidades artsticas que as faziam ultrapassar o estdio de simples estofos. Sob Lus XIV era obrigatrio descalar as luvas na presena de um superior. Os juzes reais deviam ficar descalos das suas luvas no exerccio das suas funes e era obrigatrio tir-las para entrar nas cavalarias do Rei Sol. nesta poca que se impem as luvas longas sem dedos , ditas '' mitaines ". A perfeio de uma luva , dizia-se , teria necessidade da contribuio de trs pases : a Espanha para a preparao da pele, a Frana para o corte e a Inglaterra para a montagem. Os grandes prncipes e soberanos da Europa fazem-se pintar enluvados em monumentais retratos realizados por Clouet, Van Dyck , Rubens ou Vlasquez, que puseram assim em destaque a mo real. Rainhas e aristocratas comeam igualmente a us-las com regularidade, mas sobretudo a partir do sculo XVIII que a moda das luvas se instala definitivamente entre as mulheres. A expresso mostrar mo de marfim queria dizer que as jovens em idade de casar deviam ter as mos muito brancas , devendo-se proteger do sol atravs do porte de luvas. Assim as mulheres deviam fazer-se retratar de mos nuas para deixar para a posteridade a imagem de uma pele branca. Depois da Revoluo Francesa e durante todo o sculo XIX , as luvas democratizam-se e tornam-se num acessrio de moda em toda a sua plenitude. Elas fecham a mo at ao punho ou sobem at ao cotovelo, esto associadas a uma bengala nos homens e a uma sombrinha nas mulheres. A imperatriz Josefina introduz a luva comprida , decorada de grinaldas, de flores e de plumas de cores. As luvas brancas ficam ligadas a uma ideia de virgindade nas mulheres. Apercebemo-las enluvando as mos das jovens comungantes e das noivas. Em sociedade dizia-se mesmo que uma jovem tinha perdido as suas luvas se tivesse incorrido em falta antes do casamento. A partir do Segundo Imprio ( 1852 - 1870 ) , as luvas tornam-se smbolo de boa apresentao e adquirem um estatuto de estrita simplicidade. Ganham igualmente um papel de seduo , chegando mesmo a assumir uma ideia de fetichismo, quando as imaginamos envolvendo os braos de uma danarina de cabaret sada directamente de uma tela de Toulouse- Lautrec ou de Degas. As elegantes 1900 usam-nas de renda branca ou marfim para complementar as suas toilettes de sada ao teatro. Os cavalheiros ofendidos usam-nas para se baterem em duelo pistola : o cavalheiro tira e atira a sua luva em sinal de desafio e o seu adversrio apanha-a para aceitar o combate. Os espadachins usavam-nas forradas no esgrima. Os dndis usavam a alcunha de luvas amarelas por analogia s luvas dos elegantes da juventude dourada parisiense do ps revoluo. A literatura prdiga tambm na sua enfatizao e com muito panache que descreve o seu porte . Molire, Lafontaine, Corneille, Voltaire, Balzac ou Edmond Rostand transpem analogias ao mundo das luvas, nas suas obras povoadas de reis, de cavaleiros , de heris e de donzelas mais ou menos felizes. Voltaire descreve Carlos XII vestido de azul e com grandes luvas que lhe chegam aos cotovelos. Chateaubriand narra as desaventuras loucas de Carlos VI , numa Frana dividida entre a Borgonha e a Inglaterra , com os cavaleiros franceses a quererem ''descalar as suas luvas '' para assim insultarem o rei. Corneille e Lafontaine vm as suas heronas mais doces e maleveis do que uma luva. Balzac ,como autor maldito que foi, dedica mais ateno maneira como elas perdem as luvas, ou seja a virgindade e a honra, tornando-se assim heronas em plena descoberta da sua sexualidade. Honor de Balzac distingue a classe masculina segundo a sua maneira de se vestir : a fineza dos tecidos, o odor dos perfumes e a pele das luvas identificavam um homem da corte. Os dndis balzaquianos s usavam as luvas e as gravatas uma vez. Edmond Rostand ,em '' Jean-Christophe '', faz a analogia do porte das luvas com uma vida fcil e ftil, afirmando que a verdadeira vida no refinada pois ela no se vive com luvas. Flaubert critica a sociedade dos novos ricos, rindo-se do facto de que muitas vezes as luvas escondem mos grosseiras e robustas. Alexandre Dumas diz de ''Pauline '' que esta tem de fazer e cumprir todos os dias, uma data de gestos necessrios sua condio social, tais como a escolha da cr das luvas , correndo o risco de ser considerada ridcula em sociedade se o no fizer convenientemente. Para Victor Hugo , ''o verdadeiro amor desola-se e encanta-se por uma luva perdida ou por um lencinho encontrado''. Para Jules Renard a '' poesia a prosa com luvas '' . Para Mallarm " ter as luvas na mo '' conduzir-se molemente e sem energia . A literatura inglesa do fim do sculo XIX igualmente muito prolfica na ilustrao do uso das luvas. As heronas de Jane Austen ou das irms Bront manipulam as suas luvas em variadas situaes como se manipulassem os seus prprios sentimentos e os mordomos e motoristas ingleses nunca se encontram sem elas, no podendo correr o risco de deixarem marcas nas cafeteiras de prata ou nas portas dos '' Rolls Royce''. No " Discurso amoroso " Roland Barthes diz que as palavras de amor so como umas luvas muito acariciantes em torno da imagem do ser amado , mas que logo que esta imagem se altera , a luva rompe. Hoje em dia as regras de etiqueta pedem ainda aos homens de descalar as luvas para apertar a mo de uma senhora, que deve por sua vez permanecer enluvada. Todavia o provrbio diz que "a amizade dispensa as luvas " , o que quer dizer que a cortesia de as descalar desnecessria pois a amizade permite que se conservem caladas.