A Ilha Do Chifre de Ouro Lmpt

13
 ÁLVARO MAGALHÃES A ILHA DO CHIFRE DE OURO E D I Ç Õ E S  A S A 

description

texto utilizável em intervenção psicológica. Integra o PNL

Transcript of A Ilha Do Chifre de Ouro Lmpt

  • LVARO MAGALHES

    A ILHA DO CHIFRE DE OURO

    E D I E S

    ASA

  • NDICE

    1. PARTEO MUNDO DEPOIS DE MIM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

    O relmpago da vida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9O oculista misterioso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19O sapateiro das fadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29O trilho da borboleta branca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43A Ilha do Chifre de Ouro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55O ano sabe tudo menos uma coisa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67A arca dos segredos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77A cidade fantstica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89Casa com vista sobre o abismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101No mar das tormentas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111

    2. PARTEA ILHA DO CHIFRE DE OURO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121

    E tudo beleza, tudo beleza, tudo beleza! . . . . . . . . . . . . . . . . 123No jardim dos ltimos seres . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133A serpente gorda, a rvore ardente e o antepassado asneirento . . . 145O deus-borboleta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157Iur na cidade de Iur . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167A ltima batalha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177Aor! Aor! Aor! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185Enquanto a cidade dorme . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193Um jogo bastante perigoso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 201Ol, velho mundo! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 213

  • 1. PARTEO MUNDO DEPOIS DE MIM

  • O RELMPAGO DA VIDA

    Ei, da vida!Ningum responde?

    Francisco de Quevedo

    Senhor Mateus, que dirige uma pequena pizzaria nocentro comercial ViaCatarina, no centro da cidade,

    anda h uma semana para escrever um postal irm, que vive naRgua, e no arranja tempo.

    Agora vai! disse ele a limpar a gordura das mos a umpano. Depois debruou-se sobre um postal ilustrado com umafotografia da Torre dos Clrigos e escreveu no verso:

    Porto, 19 de Junho de 2003. Querida irm Guilhermina,espero que estejas de boa sade e todos os teus

    O telefone tocou e ele deixou-o tocar mas logo a seguirapitou o alarme do forno e ele correu para l, a resmungar.

    Ei! Rui! Rui! Ests mouco? J vai respondeu o rapaz que estava a jogar flippers na

    zona das mesas. Larga isso. J te disse que no quero que jogues frente

    dos clientes. E no me abanes a mquina.O Rui deu um ltimo safano mquina, que fez tilt, e

    veio buscar as pizzas que o Sr. Mateus j tinha pousado no bal-co. Eram trs mdias e duas familiares, que tinha de levar atao parque de estacionamento, na cave, e, depois, distribuir pelacidade.

    J no posso ver pizzas minha frente

    9

    O

  • Ento leva-as no banco de trs da mota. E no te demo-res, tudo aqui perto

    O Sr. Mateus sentou-se outra vez e limpou a ndoa que tinhacado num canto do postal, e o Rui arrastou-se penosamente at zona dos elevadores, a espreitar por cima das caixas de carto.

    Que fardo! No eram as pizzas que lhe pesavam mas amonotonia quotidiana. Aulas de manh, entrega de pizzas tarde e noite os trabalhos da escola enquanto adiantava o jan-tar dele e da me. Depois adormecia, cansado, a ver um filme oua ler um livro e s vezes a fazer as duas coisas ao mesmo tempo,quando tambm no estava a ouvir msica.

    Histrias! J tinha lido ou ouvido milhares de histrias, ealgumas dessas histrias eram boas histrias mas no passavamdisso, de relatos de acontecimentos de vidas alheias. E a vidadele? No era uma histria? E no estava por escrever, poracontecer? Ia fazer dezasseis anos dentro de dias e at agoratodas as linhas e todos os pargrafos eram iguais. Meia dzia depalavras chegavam para descrever a histria dele.

    Onde estavam as experincias, as aventuras, os riscos, os de-safios? Por que no lhe abria o mundo a porta dos seus mistrios?

    Por que no o atingia o relmpago da vida? Nem que ofulminasse!

    Bateu porta do elevador com a ponta do sapato, como sebatesse porta da vida e perguntasse:

    Ei, da vida! Ningum responde?Ningum respondeu, mas o elevador l acabou por chegar.

    O Rui entrou, pousou as caixas no cho e reparou na borboletabranca que entrou logo a seguir.

    Visitas disse ele com o nariz no ar. Era isso que a medizia sempre que uma borboleta daquelas entrava em casa.

    E ainda ele no tinha acabado o pensamento quando apa-receu uma rapariga ruiva a correr. Travou as portas com a foradas mos, ps-se de lado e conseguiu enfiar-se no ltimomomento, quando ia ser agarrada pelo homem que a perseguia.

    H problema? perguntou o Rui.A rapariga sacudiu o cabelo para trs e libertou o rosto, e

    ele reparou como ela era bonita. Mais que bonita, diferente,especial.

    10

  • o palerma do meu guarda-costas respondeu ela. No me d uma aberta e eu preciso de fazer umas coisas von-tade. J no a primeira vez que fujo dele. Depois apareo outravez e digo que me perdi. o costume.

    Um guarda-costas? s alguma estrela de cinema?A rapariga ruiva sorriu maravilhosamente e foi como se

    uma brisa suave e perfumada tivesse de repente passado por ali. Sou. S que estou disfarada de rapariga normal que nin-

    gum conhece e que tambm no conhece ningum.Saram no primeiro andar, onde fica a sada para a Rua de

    Santa Catarina. Podes ir disse o Rui a equilibrar as caixas de carto.

    ali a rua!Ela avanou cautelosamente, seguida pela borboleta que

    tinha viajado com eles no elevador, e o Rui ficou com pena deno ter chegado a conhec-la. Era to bonita! E que bem lheficava a borboleta branca sobre a cabea!

    A rapariga olhou duas vezes para trs e tambm pareciacom pena de ter de fugir. Assim, fugia tambm daquele rapazto interessante que se escondia atrs de uma pilha de pizzas.Como se ela conhecesse muitos!

    Acenou uma ltima vez e depois correu para a sada, masvoltou to depressa como tinha partido.

    O que foi? quis saber o Rui. Est o outro guarda-costas na porta.Voltaram a apanhar o elevador e subiram at ao quarto

    andar, onde havia uma sada para a Rua de Fernandes Toms. Por ali. Corre!Ana correu, mas o primeiro guarda-costas apareceu de

    repente, vindo no se sabe de onde, e foi atrs dela. Passou peloRui a grande velocidade e o rapaz esticou uma perna e passou--lhe uma rasteira.

    O homem tropeou, galgou algum terreno com grandespassadas, a tentar equilibrar-se, e por fim esbarrou com as mesasdas esplanadas e derrubou duas crianas e uma senhora de idadeque trazia um tabuleiro na mo.

    O Rui saltou por cima dele, alcanou a rapariga ruiva, etomou a iniciativa:

    11

  • Anda! Ele vai verSubiram uma escada rolante que descia e desceram outra

    que subia, empurrando as pessoas que no se afastavam. As caixascom as pizzas foram caindo. Quando j s sobrava uma, o Ruientregou-a a uma senhora que vinha em sentido contrrio.

    Depressa! gemeu a rapariga. Ele est furioso e d cabode ti! Estes gajos so doidos!

    Passaram para as escadas de incndio, atravs da zona deservio, e da chegaram cave, sempre seguidos pela borboletabranca.

    Tenho aqui a minha mota disse o Rui. Para onde quetu queres ir? Como te chamas?

    Ana. E agora dava-me jeito ir para a zona da Boavista.Marquei hora para fazer um piercing e j estou atrasada. Depoisquero fazer umas compras e dar umas voltas. Curtir uns diver-timentos.

    Subiram para a velha Suzuki-50 do Rui, que afastou aborboleta branca que voava agora volta da cabea dele. E oque estava a fazer uma borboleta branca num parque subterr-neo onde no chegava a luz do Sol e o ar era pesado e cheiravaa gasleo?

    Ana abraou-o ternamente por trs e ele ficou sem respi-rao.

    Subiram a Rua de Santa Catarina, atravessaram o viadutode Gonalo Cristvo, a Praa da Repblica e depois descerama Rua da Boavista, serpenteando entre as filas compactas deautomveis.

    No vem ningum a seguir-nos? perguntou Ana. Ruiolhou pelo retrovisor:

    S uma borboleta branca.Era verdade. A borboleta branca continuava atrs deles.

    Quando o Rui parou de repente porta da Tatoo, na Avenida daBoavista, a borboleta pousou suavemente no ombro direito dele.

    O rapaz deu-lhe um piparote com os dedos e afastou-a.Aquela borboleta j estava a p-lo nervoso. Parecia um fiscal.

    Deixa-a estar disse Ana, aborrecida. Fez-te algum mal?Podias ter-lhe partido uma asa. E se ela for a alma de algum?

    Como? Essa borboleta tua?

    12

  • No minha, s uma borboleta. Estas borboletasseguem-me, no me perguntes porqu. Ainda no sei. Quandoando ao ar livre, h quase sempre uma minha volta.

    O Rui ficou embaraado: No queria fazer-lhe mal, mesmo sem saber que podia

    ser uma alma. Eu adoro bichos, animais. Das borboletas aoshipoptamos.

    Fazes bem. Se estimares um animal durante toda a suavida, quando ele morrer, passa a ser o teu anjo-da-guarda.Protege-te.

    ? , pois. Porque achas tu que as constelaes tm todas

    nomes de animais: ursa, peixe, caranguejo, serpente, raposa,cisne, lagarto, escorpio O cu est cheio de animais, e algunsat j s os h no cu, como os drages.

    O Rui coou a cabea. Um anjo-da-guarda? disse ele, falta de melhor. Tenho a certeza. Sobretudo se for um hipoptamo. Isso

    a certinho. E se for um co tambm. Ou uma ovelha ou ummocho ou um verdelho. Ou um papagaio. Se for um gato, jno muito certo, nem todos esto para isso. Bem, est na horado piercing. Vamos a isto!

    Onde vais p-lo? Na lngua? s maluco? Tem de ser num stio onde o meu pai no

    veja. No umbigo. Posso esperar por ti? Vou ser despedido mas, enfim,

    tambm j estava farto daquele emprego.A rapariga sorriu, embaraada. Estava a ver que no perguntavasO Rui sentiu que, nesse momento, se iluminou aquela

    zona do crebro dele onde estava escrito em letras luminosasmuito grandes: Namorada! Namorada!. S que agora essasletras acendiam e apagavam, num frenesim de cor, para ele nodeixar de as ver.

    Depois levo-te ao resto dos stios disse ele quando Anaentrou na Tatoo.

    Meia hora depois ela apareceu outra vez porta da loja,mas agora trazia um sorriso menos radioso. Queria muito ter

    13

  • um piercing, embora no soubesse porqu, mas, agora que otinha, j estava arrependida.

    Ento? Que tal? perguntou ele. J est. No custou nada. Vamos? Onde?Ana tinha imensas coisas para fazer, um pouco por todo o

    lado. Diz antes o que no queres aconselhou o Rui quando

    ela ia a meio da lista de afazeres. s daqui? Moras aqui? Nos arredores, a uns trinta quilmetros para norte,

    numa grande propriedade. Espao no falta mas a verdade que eu vivo l fechada. S tenho a companhia dos meus ani-mais e de um velhote que acredita em fadas e duendes. Tuacreditas?

    O Rui fez um sorriso amarelo e mudou de assunto: Mas por que que te prendem? So os teus pais? Os meus pais j morreram. Primeiro o meu pai, logo a

    seguir ao meu nascimento, e depois a minha me, no dia em queeu fiz seis anos. Disseram-me que este homem que tomou contade mim era a pessoa mais prxima, uma espcie de primo muitoafastado e fui viver com ele. rico, protege-me, d-me tudo oque eu preciso, s que nunca o vejo e, alm disso

    Fecha-te! Esconde-te! Ele diz que para me proteger. um grande empresrio

    e tem medo que me raptem para pedirem um resgate ou para sevingarem dele. Tem muitos inimigos, sabes como o mundo dasfinanas. Mas chega de conversa. Estou a precisar de aco e notenho o dia todo.

    Durante as duas horas que se seguiram, voaram pelacidade como duas borboletas aturdidas pela luz na desespera-da tentativa de fazer todas as coisas que Ana tinha na cabea:patinar no gelo, andar de patins em linha, flippers, jogosvdeo, in-line, tudo.

    O Rui ficou cansado s de olhar para ela. Nunca tinhavisto ningum com tanta fome de viver. Para aquela rapariga,o mundo era feito de baunilha e chocolate e tinha uma cerejano topo. E ela queria devorar um naco bem grande antes queacabasse.

    14

  • De vez em quando sentava-se, desfalecida, quase sem ar,mas levantava-se novamente e corria para o divertimento seguin-te. Algumas coisas s as experimentava ou provava para as largarlogo a seguir. Era um desperdcio muito grande, pensou o Rui,que tinha apenas seis euros no bolso. Ao p dela sentia-se umpobre, mas a verdade era que ela tinha muito dinheiro mas com-portava-se como um pobrezinho a quem tinham dado a esmolade umas poucas horas de liberdade, essa grande riqueza.

    Quando as foras lhe comearam a falhar, Ana virou-separa a lista de compras e foi outra correria porque a lista erainterminvel e inclua algumas coisas absurdas, como rede depesca, corda de marinheiro e uns sapatos de fada.

    Depois de terem corrido toda a cidade, ela quis pararnuma rua estreita e escura ao lado da Estao de S. Bento. Eraa Rua do Loureiro e, segundo ela, era ali que se vendiam os taissapatos de fada.

    O Rui encostou a mota ao passeio e apoiou-a no descanso: Aqui?Estavam em frente ptica Coelho e no havia mais

    nenhuma loja ali perto. Vais comprar sapatos num oculista? So uns sapatos especiais, muito leves, que nos ajudam a

    suportar o nosso peso. Tu vais ver S espero que estejamprontos, j os encomendei h mais de um ms.

    O Rui riu com vontade: Estou a ver. preciso comprar uns culos para ver os

    sapatos. Ou so os sapatos que usam culos? So daqueles quevem o caminho e nos levam para onde lhes apetece?

    O sol batia-lhes com fora, de frente, e Ana ps uns culosde sol.

    No gozes, p. Eu no teu lugar no me fiava tanto no queos olhos vem

    Eu vejo bem. A srio. E o que eu vejo ali um oculista. Tens uns olhos bonitos, fica a saber. Azuizinhos da cor do

    cu. O que j no nada mau. Mas s te mostram metade do queexiste. Digo-te eu que atrs, ao lado ou no mesmo stio, masnuma dimenso diferente do espao, h ali outra loja e essa loja uma sapataria. S que preciso olhar para l de maneira especial.

    15

  • Como? Olhar sem olhar. preciso fixar as coisas e depois deixar

    de as ver e esperar que elas nos entrem pelos olhos dentro.O Rui fez estalar os dedos: Estou a ver. como aquelas gravuras que tm trs

    dimenses. Ns s vemos duas mas se fizermos assim comodizes acabamos a ver a terceira, que a profundidade e o verda-deiro desenho. engraado.

    Ana j ia a caminho da loja: Espera a, que eu no demoro nada.O Rui viu-a rodar a maaneta dourada da porta da loja e

    entrar. Depois foi para o outro passeio e continuou a usar todasas formas de olhar que conhecia, at lhe doer a cabea. Via sem-pre a mesma loja. Houve um momento em que o sol bateu de talforma no vidro da montra que ele deixou de a ver. Ia acontecer?

    Fechou os olhos e depois abriu-os, devagar. E l estavaoutra vez a ptica Coelho. A porta da loja tambm se abriue Ana apareceu a sorrir. Trazia na mo uma caixinha branca, decarto, que abriu logo a seguir.

    Ests a ver? Isto so sapatos de fada.O rapaz puxou um sapato da caixa e pousou-o na palma da

    mo. Ests a gozar. Os sapatos estavam a a guardar, ou coisa

    assim. Mas acredito que fossem feitos de encomenda, nunca vinenhuns assim.

    Sabes como . Elas tm muito cuidado com o que calam. Elas quem? As fadas. J te disse que isto so sapatos de fada. Elas pas-

    sam os dias e as noites a brincar e a danar. No h sapatos quelhes resistam.

    O rapaz fez um sorriso amarelo: PoisOutra borboleta branca ou seria a mesma? encontrou-

    -os e voou alegremente em volta da cabea deles. O relgio daIgreja dos Congregados deu cinco badaladas, mas eles noderam por isso.

    Sapatos de fada disse o Rui, a passar uma mo pelasuperfcie delicada da pele do sapato.

    16

  • Era to suave que os dedos da mo dele mal a sentiam e erato leve que podia ser arrastada pela brisa, como uma folha seca.

    Espectacular! disse ele. Quem que faz isto?Nesse momento entrou na rua um Mercedes preto, a grande

    velocidade. O homem que vinha ao volante era um dos guarda--costas que os tinham perseguido no centro comercial, tal comoo outro, que vinha ao lado dele. Foi esse que saiu do carro eagarrou Ana por um brao e a levou. Antes, porm, deu umencontro ao Rui, que ficou estendido ao comprido no meio darua.

    Ana no reagiu. Encolheu-se toda e entrou, cabisbaixa,para o banco traseiro do automvel, onde estava um homemmagro vestido de negro, que mal se mexeu. Ela sentou-se, eleacendeu um charuto e o carro arrancou.

    O rapaz nem chegou a perceber bem ao certo o que tinhaacontecido. Ficou sentado no meio da rua, com um sapato defada na mo, a ver o carro afastar-se no meio de uma nuvem defumo.

    Ana! balbuciou ele.Ela ainda olhou para trs e ele pde ver, atravs do vidro,

    o rosto dela por um momento. No instante a seguir, o carrodesapareceu e o rosto dela desfez-se, como o rosto de umsonho.

    Um co rafeiro comeou a ladrar. Uma nuvem negra tapouo cu e depois, de repente, trovejou e comeou a chover. Umrelmpago caiu to perto do stio onde ele estava que pareciainteressado em fulmin-lo. Uma camioneta carregada de frutapassou perto e apitou para ele se afastar. O co rafeiro aproxi-mou-se mais dele e ladrou mais alto e depois urinou sobre aroda traseira da mota.

    O Rui levantou-se, completamente atordoado.O que era aquilo? Tinha comeado tudo e tinha acabado

    tudo?

    17